O Litígio Conjugal: manifestações
do inconsciente nas Varas de
Família
Psicanálise e Saúde Mental
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Pelos Corredores das Varas de Família
• O trabalho nas Varas de Família evidencia que o romance
familiar perdura, em outras vestes, para além das
enamoradas juras de amor. De um jeito às avessas,
“adorando pelo avesso”.
• Encenando o romance familiar após a separação dos
corpos, apresentando que o laço conjugal é de outra
ordem, que pode continuar ainda que de uma forma não
declarada e, por vezes, agressiva.
• Perduram as juras... agora, tecidas em letras de ódio,
palavras de desamor em corpos litigantes.
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• Nas Varas de Família um terceiro acolhe os casais em
litígio, e nesta outra casa, choram uma aposta que não
deu certo. Sentem-se traídos e enganados, não
suportam perder a fantasia de casal, que de dois seria
possível o Um.
• Nos corredores do Tribunal, o par, não mais
enamorado, continua se encontrando. Vêm falar nos
autos a verdade sobre a conjugalidade, sobre a família,
sobre a injustiça de não ter sido para sempre, uma
história sem par.
• E cabe a autoridade Judicial, diante de toda
complexidade que se apresenta, bater o martelo e
marcar o fim objetivo do enlace conjugal.
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• A dificuldade de cumprir a separação, pode estar na
importância da família como representante de um
lugar simbólico, estruturante e organizador. A
separação, de certa forma, constitui uma imagem
fracassada desta estrutura.
• A aposta de ser feliz para sempre, constituir uma
família, dar um fim a solidão, ser eterno ao cuidar da
prole, promessas e sonhos falidos pelo processo de
separação.
• É o encontro com o desencontro, com o vazio da
promessa, com a inconsistência dos sonhos. Um abismo
que separa os corpos que dantes caminhavam tão
colados.
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• Um tempo se faz necessário para a elaboração das
perdas. O encontro fundamental com a separação
desvela uma verdade singular: a de estar só.
• Foram felizes para sempre é uma imagem que
acompanha os finais das belas histórias de amor,
apontando uma continuidade de felicidade eterna. Mas,
o para sempre, é sempre por um triz.
• Desde os primórdios a função da conjugalidade nasce
da
necessidade
imaginária
de
crer
na
complementaridade entre o homens e mulheres,
afastando a solidão. O casal se constitui neste registro
como uma possibilidade de solução ao desamparo
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humano.
• O Homem, sentindo-se só, pediu a Deus uma
companheira. Então Ele retirou de sua costela, o seu
complemento... a mulher. A Bíblia nos apresenta um
casal em harmonia com a natureza.
• Mas já no mito Bíblico localizamos o fracasso da
harmonia conjugal ao apresentar neste relato a história
da maçã. O mal estar atravessa o cotidiano conjugal e o
casal é expulso do paraíso.
• Desde a mais tenra idade, acreditou-se que
encontraríamos uma parceria que seria nosso
complemento e que de Dois faríamos UM.
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• Durante o tempo do enamoramento, os sujeitos,
apostam que podem conhecer todo o parceiro,
desenham no corpo desse outro encantado Príncipes e
Cinderelas.
• Durante o tempo do desencontro amoroso,
apresentam a indignação diante deste desconhecido,
outrora tão conhecido, que surpreende por seus atos.
• Ao retirar os óculos com o qual a paixão decora a
realidade, revela-se a distância entre o objeto
desejado e a realidade. Restando dessa revelação as
diferenças e o desencontro.
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• Desta forma vêm provar na justiça que o outro é o
culpado, com um certo tom de ter sido enganado. O
que foi o mais puro objeto de amor é agora
degradado.
• No trabalho da psicologia jurídica ouvimos falar das
cobranças, dos desejos insatisfeitos, da decepção com
o objeto amoroso e nos casos mais litigiosos uma
impressão que o outro cônjuge é capaz de fazer muito
mal, é perigoso.
• Relatos que revelam a posição do sujeito diante desse
outro, capenga, imperfeito e em desencontro com
aquele que a paixão criou.
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• Eu dei tudo por ele e fiquei sem nada, ela me enganou
todos esses anos, meu casamento foi uma farsa, uma
mentira, eu sempre achei que as coisas fossem mudar.
Frases repetidas e inseridas num discurso que não
suportou a diferença, o desencontro entre a fantasia e
a realidade, entre o cotidiano e o conto de fadas.
• Para quem um dia fez juras de para sempre, não ser
para sempre é sempre uma traição grave.
• Essas lamentações revelam o mal-entendido
fundamental das relações, onde cada um fala de um
lugar que é inacessível ao outro, lugar inventado pelo
inconsciente.
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• O litígio conjugal se transporta para as Varas de
família como um litígio processual, uma
materialização dessa realidade subjetiva.
• Mas a família resiste. Pode-se dizer que a reincidência
do fracasso desse ideal de conjugalidade levou a
humanidade criar novas formas de família e de
arranjos conjugais.
• A família não é apenas um conjunto de pessoas, mas
qualquer expressão grupal articulada por uma relação
de descendência, inclusive a adotiva.É uma estrutura
psíquica, um lugar atravessado pela cultura, onde
valores e ideais são transmitidos pelo discurso.
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• Para além da tradicional família, outros arranjos
familiares são compostos na contemporaneidade, e
que estes novos arranjos cumprem a função que a
sociedade destina à família, ou seja, transmissão da
cultura e formação dos sujeitos.
• A família é um lugar subjetivo, um lugar ao qual
recorremos sempre que precisamos de referências
simbólicas para tratar as questões que a vida nos
apresenta.
• E para isto, não é preciso que exista uma família real,
organizada e estruturada, pois precisa-se apenas de
ter esta construção estruturada subjetivamente, ter
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este texto escrito nas memórias.
• Da família real, levamos apenas o romance familiar,
por isto sobrevivemos aos lutos familiares,
separações, orfandade, pois de acordo com a
realidade que vivemos, retiramos daí, elementos que
estruturam o nosso romance familiar, a imagem de
pai, mãe e irmãos.
• A família é uma estrutura inabalável, seja articulada
como for na realidade: pais separados, homossexuais,
filhos adotivos, bastardos, família sem pai, sem mãe,
sem filhos, dentre outras.
• A estrutura familiar persiste, mas as separações nos
deixam a pergunta: Com quem ficarão os filhos? 12
• Por muito tempo, ouvimos um discurso de que as
separações desestruturavam a família e filho de pais
separados sempre era criança-problema.
• Hoje, visitando as escolas ou escutando crianças em
diversos lugares temos a surpresa de encontrar
sujeitos
aparentemente
saudáveis,
em
desenvolvimento e filhos de pais separados.
• Crianças que transitam entre as casas dos pais, que
sabem distinguir o lugar do pai e o lugar do
namorado da mãe, ou qual a diferença entre a
namorada do pai e o lugar materno.
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• Não há regras e modelos ideais. Cada caso é um caso,
e a forma de convivência familiar mais adequada é
aquela em que aquela família particular conseguiu
construir de acordo com as suas necessidades
pessoais.
• Não existe lei que dê conta de garantir um modelo
ideal, mas a lei pode e deve garantir a possibilidade da
construção do modelo que satisfaz a cada família, em
seu caso singular.
• A estrutura ternária transmiti os valores necessários
para a sua formação. Este é o sentido legítimo de uma
filiação.
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• Autoridade e amor são necessários à constituição do
sujeito. Há de haver uma visitação entre os dois
termos. A carência de um deles provoca sintomas no
campo social.
• Se privilegiar a autoridade, extremando o poder,
estamos no terreno da tirania e da repressão social.
Mas se privilegiam o amor incondicional e a
compreensão ilimitada entramos no campo da
perversidade e do caos social.
• É preciso conjugar os termos. É necessário que ocorra
uma triangulação onde a paternidade (autoridade) e a
maternidade (amor).
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• As funções paternas e maternas não coincidem com os
genitores biológicos, é a dimensão simbólica destas
operações que propiciam a constituição infantil. Mas é
necessário, em algum tempo, de um pouco de carne que
sustente o esse discurso.
• A lei aposta no amor como fundamento da tutela, mas
não tem como garanti-lo. E é por questões como esta que
o Técnico Judicial é chamado a dar um parecer, conhecido
como laudo pericial.
• Mas encontramos algumas dificuldades, que estão
relacionadas com uma metodologia clínica inserida num
discurso institucional. Às vezes, aquilo que a instituição
demanda é incompatível com a ética da clínica.
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• A Instituição Judiciária demanda uma verdade sobre
as pessoas, qual a sentença justa. O que a instituição
pede é um saber sobre o litígio estrutural. Saber
técnico.
• Por mais que exista um corpo de depoimentos, uma
construção acerca de cada posição do sujeito no
processo, chegar a um resultado que oferece
garantias é impossível.
• Sujeitos que perderam num só golpe a verdade sobre
si e a condução da sua história de vida, alienados a
um laudo que os revela uma intimidade
desconhecida.
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• Não temos nada a dizer sobre quem é culpado, quem é
inocente, quem é o melhor, quem é bom, mal ou pior.
Não há como ter acesso a esta verdade ou garantias a
oferecer.
• Se o amor já não faz laço uma separação se faz
necessária. O trabalho deve caminhar no sentido de
escutar desta ficção singular a verdade do sujeito.
Formular saídas para o impasse da conjugalidade.
• Uma saída sem par, pois perdas são inevitáveis. Para
que uma separação opere é preciso perder. A perda é a
medida.
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• A demanda endereçada ao campo jurídico, muitas
vezes é a demanda de retificação de algo perdido, de
impossível apreensão, demandas inconciliáveis.
• Um pedido que o outro seja perfeito como nos
sonhos, que ele se encontre sempre no lugar
esperado, que seja justo a verdade subjetiva.
• O trabalho, onde as partes concordem sobre as
diferenças, consigam fazer a conta matemática 1+1 =
2, e não insistir no engodo idealizado de que 1+1
pode ser UM, é bem provável, que este casal possa
concluir pela separação.
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• O Litígio Conjugal é estrutural. Dessa forma o
processo de separação é uma escansão do malentendido fundamental que atravessa as relações
conjugal.
• Deve-se considerar a ficção que o sujeito constrói,
de forma singular, a fantasia de casal.
• O casal em litígio, muitas vezes, não relata o
factual, mas sim, o ficcional.
• O amor é a possibilidade o Dois como Um e Um,
enlaçados na disjunção, suporte da falta e da
diferença. Entre dois corpos deve sempre passar
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um sopro de ar.
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