CÚPULA MUNDIAL SOBRE D E S E N VO LV I M E N TO SUSTENTÁVEL, R E A L I Z A DA E M JOHANNESBURGO, ÁFRICA DO SUL JOSÉ DE SENA PEREIRA JR. Consultor Legislativo da Área XI Geografia, Desenvolvimento Regional, Ecologia e Direito Ambiental, Urbanismo, Habitação, Saneamento SETEMBRO/2002 José de Sena Pereira Jr. 2 © 2002 Câmara dos Deputados. Todos os direitos reservados. Este trabalho poderá ser reproduzido ou transmitido na íntegra, desde que citados o(s) autor(es) e a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. São vedadas a venda, a reprodução parcial e a tradução, sem autorização prévia por escrito da Câmara dos Deputados. Câmara dos Deputados Praça dos 3 Poderes Consultoria Legislativa Anexo III - Térreo Brasília - DF Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável Nota Técnica 2 José de Sena Pereira Jr. 3 P ela terceira vez, a Organização das Nações Unidas promove a discussão, em cúpula mundial, a preservação do Planeta, tendo em vista a crescente pressão das sociedades humanas sobre os múltiplos ecossistemas e fatores ambientais que o compõem. A partir da primeira grande conferência – O Homem e o Meio Ambiente - realizada em Estocolmo, na Suécia, 1972, ficou claro que o equilíbrio dos ecossistemas pode ser facilmente alterado por obra dos seres humanos. A grande preocupação, então, era a poluição, especialmente a produzida por um mundo com fisionomia industrial. Da Conferência de Estocolmo, surgiu o PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que colocou os assuntos ambientais na ordem do dia. A partir da Conferência de Estocolmo, o meio ambiente passa a fazer parte dos estudos de viabilidade de empreendimentos causadores de poluição ou de degradação ambiental, como exigência de organismos multilaterais de financiamento, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Deriva das recomendações de Estocolmo a Lei nº 6.931, de 1981, que estabelece a Política Nacional de Meio Ambiente e, a partir dela, o art. 225 da Constituição Federal, que trata da proteção do meio ambiente. Outra decorrência prática de Estocolmo foi a criação, pela ONU, em 1983, da Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento, cujas conclusões, publicadas em 1987 e conhecidas como Relatório Brundtland (da primeira-ministra da Noruega, Gro Brundtland, que a presidiu), estabeleceram o conceito de desenvolvimento sustentável. Vinte anos depois de Estocolmo, em 1992, realizouse na cidade do Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais conhecida como Rio-92, da qual resultaram cinco documentos e a Agenda 21, um programa mundial e abrangente, que em seus 40 capítulos define metas para algumas das principais questões ambientais do mundo. Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável Nota Técnica 3 José de Sena Pereira Jr. 4 A necessidade de a humanidade alcançar o desenvolvimento sustentável, ou seja, de compatibilizar as atividades econômicas e a sua própria existência com a capacidade da natureza repor os recursos naturais dela retirados ou utilizados e com a preservação do que resta do patrimônio natural do Planeta foi o grande consenso da Rio-92, consubstanciado nos documentos dela resultantes. Mesmo que, na prática, a maioria de suas recomendações não tenham saído do papel, ela teve um forte impacto na consciência coletiva e seu clima de otimismo serviu para difundir entre as pessoas comuns conceitos e necessidades relacionadas com a preservação do meio ambiente e com o uso racional dos recursos naturais. A Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável - Rio+10, que aconteceu entre o final de agosto e o início de setembro deste ano em Johannesburgo, na África do Sul, é uma tentativa da ONU de reavaliar e implementar as conclusões e diretrizes obtidas na Rio-92, em especial de avançar nas discussões e obter metas mais ambiciosas, específicas e bem definidas para alguns dos principais problemas ambientais de ordem global, entre os quais os relacionados às mudanças climáticas, ao crescimento da pobreza e de seus efeitos sobre os recursos ambientais, ao avanço de doenças como a AIDS, à escassez de recursos hídricos e de condições sanitárias mínimas em algumas áreas do Planeta, as pressões sobre os recursos pesqueiros, à conservação da biodiversidade e o usos racional dos recursos naturais, inclusive das diversas fontes de energia. A colocação em prática do conceito de desenvolvimento sustentável, em resumo, foi o objetivo da Rio+10. Reduzir a níveis toleráveis as enormes diferenças entre os padrões de vida das populações e entre as riquezas das nações talvez sejam os principais desafios da humanidade para se aproximar do que poderia ser caracterizado como desenvolvimento sustentável. Isto porque, para vencê-los, a parte hegemônica da humanidade teria de assumir, repentinamente, um altruísmo e uma atitude de renúncia a parte de seus hábitos de consumo ainda não vistos ao longo de sua história. Além do mais, alimentar, prover moradia, vestuário, saúde adequada, instrução, cidadania e entretenimento para o enorme contingente de pessoas carentes do mundo implicará numa enorme pressão sobre o consumo e as formas de extração, manipulação e distribuição de recursos naturais finitos, com uma extraordinária utilização de energia e crescente degradação dos espaços disponíveis para a própria vida humana. Não bastasse a dimensão dos desafios a que a humanidade está submetida, a Rio+10 foi realizada em um cenário de instabilidade econômica e política e de vastos contenciosos comerciais globais. Apesar de contar com a presença de 189 países, e de cientificamente, haver uma clara delimitação dos problemas ambientais globais, a Conferência frustrou, em grande parte, as expectativas que a cercavam. A Rio+10 terminou com alguns poucos avanços, como a aprovação, no campo da biodiversidade, da criação de um sistema internacional para divisão, com os detentores de recursos naturais e conhecimentos tradicionais, dos lucros obtidos pelos países ricos com o uso desses recursos. Mas, em contraposição, há no documento final da conferência muitas declarações vagas, sem o estabelecimento de meios para cobrar a implementação das medidas aprovadas. Das prioridades colocadas em discussão - água e saneamento, energia, saúde, agricultura e diversidade -, apenas duas foram efetivamente sancionadas. Estabeleceu-se como meta reduzir pela metade, até 2015, o número de pessoas sem acesso a saneamento, equivalente hoje a cerca de 40% da população mundial. Sobre a biodiversidade, decidiu-se que vão ser instituídos mecanismos para evitar ou reduzir a extinção de peixes e recuperar os estoques pesqueiros internacionais a níveis sustentáveis até 2015. Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável Nota Técnica 4 José de Sena Pereira Jr. 5 Para a delegação brasileira, foi especialmente frustrante a rejeição dos termos da proposta do Brasil de estabelecer a meta de 10% de energia renovável nas matrizes energéticas de todos os países do mundo até 2010. Paralelamente, a União Européia propôs 15% até 2010, mas com os países industrializados aumentando somente 2% nesse período. A média atual de uso de energia renovável nesses países é de 5,6%. Apesar de todo o esforço brasileiro nas reuniões da conferência, pode-se dizer que essa rejeição era previsível, pois tinha a oposição dos países produtores de petróleo (com exceção da Venezuela), preocupados em não perder mercado para outras fontes de energia, como a de biomassa, geotermal, eólica, solar e de marés. Essa oposição vigorava até mesmo dentro do G-77, grupo de países em desenvolvimento do qual o Brasil é membro. Como as resoluções na Rio+10 são tomadas por consenso, a posição contrária ao estabelecimento de metas funcionou como um veto à proposta brasileira. Além dos membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), declararam-se contra a iniciativa do Brasil Japão, Austrália, Índia, China e Estados Unidos (EUA), produtor e maior consumidor de combustíveis fósseis. Estavam explicitamente a favor os 33 países da América Latina e Caribe, os do Leste Europeu, os 15 da União Européia e mais Suíça e Noruega, sem contar países da África e os 40 insulares. Se a proposta fosse posta em votação, teria sido aprovada. O texto final em que foi transformada a proposta brasileira cuida de incentivar os países a, “com senso de urgência, aumentar substancialmente a fatia da energia renovável na matriz energética do mundo”. Mas a iniciativa brasileira tem o mérito de trazer o assunto a debate. Ficou decidido que a ONU acompanhará periodicamente o progresso na aplicação das energias renováveis, o que contribui para, pelo menos, tornar o tema permanente. Mesmo rejeitada nos termos postos pelo Brasil, a proposta mostrou que o País estabeleceu um compromisso com as gerações futuras ao abordar o tema energia renovável. É o que comprova também a atuação brasileira no tema biodiversidade, em que o País tem a maior reserva mundial. O secretário-geral das Nações Unidas, Koffi Annan, afirmou que os temas biodiversidade e energia renovável não teriam avançado na Cúpula Mundial sem a liderança brasileira. Esse é um propósito que faz parte de uma ação de governo. O texto de Johannesburgo, na parte referente a clima, insiste com os países para que ratifiquem o Protocolo de Quioto. Em seu discurso na conferência, o presidente Fernando Henrique Cardoso já havia defendido a adesão ao acordo das nações do G-8, o grupo dos países mais desenvolvidos. O presidente norte-americano George W. Bush, numa atitude isolacionista, retirou no ano passado os EUA do protocolo, que tinha sido aceito pelo seu antecessor, o presidente Bill Clinton. O Protocolo de Quioto, acordado em 1997 no Japão, propõe a redução em 5,2% da emissão de gases que provocam o efeito estufa, tendo como base as emissões de 1990. Para entrar em vigor, precisa ter a adesão de nações desenvolvidas responsáveis por no mínimo 55% das emissões mundiais, também com base em 1990. O protocolo cria o comércio de créditos de carbono ao permitir que países ricos que não conseguirem esses níveis de redução comprem créditos das nações em desenvolvimento, o que é de interesse do Brasil. Durante a Rio+10, China e Polônia anunciaram sua adesão ao acordo. No dia anterior, o primeiro-ministro do Canadá, Jean Chretien, afirmou que pedirá ao parlamento canadense que ratifique o protocolo. Mais importante foi o anúncio do primeiro-ministro russo, Mikhail Kasyanov, do interesse de seu país em assinar o acordo. A ratificação da Rússia é fundamental porque ela representa 17,4% Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável Nota Técnica 5 José de Sena Pereira Jr. 6 da emissão de gás. Junto com 3,3% do Canadá e 3% da Polônia, mais a parte dos países que já o ratificaram, temos 60,8%, suficiente para a entrada em vigor do protocolo, mesmo sem apoio dos EUA. O encontro de Johannesburgo foi concluído com a sensação de que o chamado desenvolvimento sustentável é uma tarefa grande e cara demais, pelo menos para o estágio atual do progresso humano. Os países industrializados não vão bancar os projetos de longo alcance e os países pobres, nem que o quisessem, teriam como fazê-lo. Do encontro não saiu projeto que iniba a degradação da Terra e prevalecem as incertezas em relação ao futuro do planeta. Foram duas semanas de intensas conversas e debates acalorados, sem que se chegasse a um entendimento mínimo entre os 189 países participantes da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável. Numa atitude racional e emergencial diante da morosidade das decisões e do pouco avanço nas negociações, os delegados das nações aliaram-se aos ambientalistas para que pelo menos não houvesse algum tipo de retrocesso em relação ao que fora acordado na Eco92, realizada no Rio de Janeiro. Ficou evidente que não há, pelo menos por enquanto, nenhum grande projeto para salvar a Terra da degradação ambiental. Durante a Rio+10, o Presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, e o chanceler da Alemanha, Gerhard Schroeder, assinaram acordo pelo qual criam uma força-tarefa bilateral para examinar detalhes da concessão de subsídios por aquele país à produção de carros a álcool no Brasil. Pelo acordo, a Alemanha irá subsidiar a fabricação de carros a álcool no Brasil, adquirindo, com isto, créditos dentro das metas de redução da emissão de carbono. Ainda durante a Rio+10, o governo brasileiro deu início formal ao programa “Áreas Protegidas da Amazônia” (Arpa), em parceria do Banco Mundial e da organização ambientalista WWF com o governo brasileiro. O objetivo do documento é criar um programa que irá triplicar o pedaço da floresta amazônica sob proteção federal. No total, a área tem 500 milhões de hectares que incluirão 23 ecossistemas com vários tipos de recursos naturais. 208366.112 Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável Nota Técnica 6