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SACOLINHA:
UMA VOZ A TRANSPOR OS LIMITES DA MARGEM
Raymundo José da Silva (UEMS/UFRGS)
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Com a análise do livro Graduado em Marginalidade, de Sacolinha, nome artístico de Ademiro Alves de Sousa, este trabalho pretende
apresentar um tipo de produção artística, que permanece fora do cânone e
continua pouco conhecida pela maioria dos estudiosos e leitores brasileiros. Trata-se de uma literatura cujos autores, oriundos de um ambiente
sem perspectivas, lutam pelo direito do uso da palavra e enfrentam os
mais variados tipos de obstáculos com o objetivo de que suas vozes sejam conhecidas e ouvidas para além dos redutos desfavorecidos dos subúrbios das metrópoles. Como legítimo representante de sua comunidade, o autor fala de um meio social que conhece muito bem. Logo, procura
expor as mazelas sociais, como a violência urbana, a pobreza e a corrupção dos órgãos de segurança, além de propor ao leitor o conhecimento de
uma forma de expressão literária diferente e instigante que deseja alcançar o centro.
Desde os primeiros anos de escola, ainda que o conhecimento literário tenha sido elementar, os leitores já começam a conceber aquele modelo pronto de literatura que foi, durante séculos, consolidado pelo cânone e representado por autores reconhecidos como clássicos universais. Da
mesma forma, quando se fala de literatura no Brasil, obras de autores
como Machado de Assis, ou Carlos Drummond de Andrade, ou Érico
Veríssimo, por exemplo, são imediatamente evocadas como representantes incontestes do padrão ideal da arte literária. Esses escritores, de leitura obrigatória nas instituições educacionais e aplaudidos pela crítica, quase sempre representam a classe hegemônica, dominante, ainda muito
próxima do modelo eurocêntrico, de sorte que, mesmo que suas obras
explorem temas e contenham personagens da classe subalterna, ainda se
pode verificar algum distanciamento entre a proposta apresentada e o
meio sociocultural das pessoas representadas por essas personagens. Por
isso, os escritores da chamada alta literatura, ao retratarem uma comunidade diversa do seu meio, muito frequentemente estão falando do Outro,
de modo que seus textos podem carecer de autenticidade, tanto pelas personagens pouco convincentes e inadequadamente construídas, quanto pelo desconhecimento do ambiente da história superficialmente retratado.
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Falta-lhes, nesse caso, legitimidade para descrever de forma aceitável aspectos socioculturais e tudo o que envolve a classe desfavorecida. A este
respeito, vale destacar as seguintes palavras de Dalcastagnè (2008, p.
78):
Quando entendemos a literatura como uma forma de representação, espaço onde interesses e perspectivas sociais interagem e se entrechocam, não podemos deixar de indagar quem é, afinal, esse outro, que posição lhe é reservada na sociedade, e o que seu silêncio esconde. Por isso, cada vez mais, os estudos literários (e o próprio fazer literário) se preocupam com os problemas
ligados ao acesso à voz e à representação dos múltiplos grupos sociais.
Disso resulta o objetivo deste trabalho, considerando a necessidade e a importância da realização dos estudos da literatura das periferias,
ainda pouco lida, pouco difundida e quase nunca valorizada pela crítica
literária oficial. Aqui, levantam-se alguns aspectos acerca de Sacolinha,
tendo como base seu livro Graduado em Marginalidade, com 1ª edição
do ano de 2005, apesar de que, além desta obra inaugural, o autor já tenha escrito outras, como 85 Letras e um Disparo (2008), Estação Terminal (2010) e Manteiga de Cacau (2012).
A palavra Sacolinha, como referência a uma pessoa, possivelmente soará um tanto estranha ao ser ouvida pela primeira vez, mesmo que
essa palavra desfrute da grande liberdade de aplicação que é própria dos
apelidos. Muito mais estranho será o fato de Sacolinha tratar-se de um
escritor, já que os escritores geralmente são mais conhecidos pelo que
têm de mais expressivo e sonoro de seus nomes, razão por que, não raro,
seja por questão de vaidade ou de marketing, usam o artifício dos sobrenomes em suas obras. Não obstante, Sacolinha é realmente a alcunha do
escritor Ademiro Alves de Souza, nome que, de modo singular, não aparece nem na capa nem na ficha de seus próprios livros, pelo menos no
primeiro, Graduado em Marginalidade, o que não deixa de ser um sinal
de modéstia do escritor. Por conseguinte, quem desejar descobrir a identidade do autor por detrás da alcunha terá que pesquisar em outras fontes,
como fizemos.
Num país, como o Brasil, com desigualdades socioeconômicas
ainda muito grandes, parece muito improvável que um rapaz de origem
humilde como Sacolinha alcance uma significativa ascensão intelectual,
sobretudo pela pressão do meio social desassistido e violento em que viveu desde a infância. Logo, o que mais facilmente pode ocorrer é que se
perca pelo caminho, vencido, como de fato sucedeu com boa parte de
seus colegas de infância: uns presos, outros mortos em confronto com a
polícia, dominados pelo vício das drogas ou seduzidos pelo tráfico. En-
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tretanto, o que parecia ser quase impossível aconteceu: Sacolinha descobriu o encanto da literatura não só como leitor, – o que já teria sido um
prodígio na vida de qualquer menino pobre –, mas também fez-se um escritor. Produzindo uma literatura cujo nome traz uma carga pejorativa –
Literatura Marginal –, para a qual muitos intelectuais torcem o nariz, ou
simplesmente a desconhecem, e com um apelido incomum que também
não o auxilia muito, Ademiro Alves de Souza, social e intelectualmente,
procura transpor os limites impostos pela desigualdade e pela pobreza
nos subúrbios de São Paulo.
Nos últimos tempos, autores e estudiosos tentam explicar melhor
o que seja a literatura marginal, e dentre os conceitos mais elucidativos
encontra-se o de Andrea Hossne (2005) do qual segue um fragmento de
uma citação feita por Érica Nascimento:
Da maneira como vejo, a literatura marginal é aquela que se coloca, propositalmente, fora do cânone ou que é colocada fora dele e que vai contra ele.
Isso não envolve necessariamente nem a periferia nem o marginalizado social.
Mas literatura marginal pode referir-se também à literatura daquele que foi
excluído socialmente e que ganha voz. (...) Ou pode ainda incorporar o termo
marginal no sentido do contraventor que começa a falar da sua própria voz.
(NASCIMENTO, 2009, p. 112)
Cumpre observar, entretanto, que a denominação Literatura Marginal não é bem vista pela maioria dos escritores da periferia, como é o
caso de Paulo Lins e Fernando Bonassi, mormente pela ideia depreciativa
que a palavra marginal encerra, sugerindo uma atividade de pouco valor
artístico ou fora da lei. Nesse sentido, as palavras de Bonassi expressam
claramente essa rejeição:
Eu acho a expressão literatura marginal um massacre, a pior coisa é os
textos ficarem sob essa égide. (...) Tem sido devastador ser marginal, os instrumentos de abordagem são ultrapassados, a ideia de marginalidade empobrece a nossa obra. (NASCIMENTO, 2009, p. 114).
Quanto a Sacolinha, embora também condene esse nome, sua atitude perante essa questão parece ser mais tranquila e de independência, uma vez
que em suas entrevistas diz não pertencer necessariamente à literatura
marginal, – classificação em que seus trabalhos estão inseridos –, e acredita que esse título seja mais por uma questão regional, não por autoafirmação.
A chamada literatura marginal vem se constituindo como importante instrumento de expressão das classes socioeconomicamente desfavorecidas porque é o meio pelo qual seus representantes podem ter aces-
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so à palavra e melhor expor sua cultura, seus valores e defender os legítimos direitos de pessoa urbana moradora da periferia. O uso dessa voz,
além de ser um direito de cidadão, torna-se ainda mais legítimo e relevante porque os autores falam em seus próprios nomes e, por extensão,
em nome dos bairros ou das cidades em que vivem ou viveram, como
fruto da autoridade que seus iguais lhe conferem. Neste caso, não significa apenas uma manifestação sociopolítica; trata-se, principalmente, de
uma representação literária por intermédio de alguns escritores que vêm
se destacando nos últimos anos, dentre eles Sacolinha, um dos mais ativos e importantes.
Ademiro Alves de Souza, o Sacolinha, é negro, filho de mãe solteira (empregada doméstica e auxiliar de serviços gerais). Nascido na cidade de São Paulo, em 1983, desde garoto começou a trabalhar nas funções de empacotador de supermercado e de cobrador de lotação. Atualmente é funcionário da Secretaria de Cultura do Município de Suzano e
escritor, além de idealizador de vários projetos, como o Pavio de Cultura,
concursos literários, Varal Literário, Sessão de debates, Trajetória Literária Revista e Palestra. Portanto, Sacolinha não é apenas escritor, mas
também vem se destacando como um grande defensor das causas sociais
e incentivador da boa leitura e de práticas culturais que visam robustecer
a autoestima do habitante da periferia, como o rap, o hip-hop e a capoeira. Em suas entrevistas, o escritor deixa claro que o objetivo de sua literatura não é passar uma mensagem social ou defender uma causa, porque
sua intensa militância engajada ocorre noutros momentos, por meio de
outras ações e fora do âmbito literário. Entretanto, mesmo que o objetivo
do autor não seja o de trazer uma mensagem social, parece inegável que
livros como Graduado em Marginalidade proporcionam reflexões sobre
determinadas questões sociais e perturbam o status quo, uma vez que
apontam com veemência os problemas mais graves da vida urbana brasileira, como a corrupção e o tráfico de drogas. Por isso, alguns estudiosos
têm usado a expressão literatura de risco, haja vista que o próprio Sacolinha chegou a receber algumas ameaças anônimas. Em seu livro, o escritor não tem meias palavras para o uso do baixo calão nem utiliza eufemismos ao descrever as mais chocantes cenas de violência e de sexo. Todavia, nem por isso tais recursos de linguagem parecem ser gratuitos ou
apelativos, porque, além de Sacolinha mostrar a tumultuada vida da periferia como realmente é, seu texto vem permeado de exemplos positivos,
como a valorização dos bons princípios, o incentivo à leitura, bem como
a condenação dos vícios e da exploração da classe pobre e sofrida.
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Pela biografia dos escritores mais prestigiados, deduz-se que, desde muito cedo, muitos deles viveram num ambiente de intensa atividade
intelectual que certamente lhes facilitou o contato com as melhores obras
dos grandes autores. Evidentemente, em face das condições sociais aqui
referidas, não foi esse o caso de Sacolinha, cuja trajetória impressiona,
principalmente pelo rápido amadurecimento verificado, desde a sua descoberta tardia da literatura até a transição de leitor obstinado para a condição de escritor, tal como se pode verificar pelas suas palavras em entrevista a Museu da Pessoa em 2008: “Aí, vejam bem vocês, eu comecei
a escrever em 2002, antes eu só lia, mais ou menos comecei a ler em 98,
pra 2000, 2001(...)”.
Como leitor, Sacolinha tem se revelado um eclético, visto que
além de ter lido intensamente obras de alguns autores que melhor representam a vida da periferia, como Quarto de Despejo (Carolina Maria de
Jesus), Capão Pecado (Ferrez), Cidade de Deus (Paulo Lins), descobriu
também o quanto a apropriação dos recursos linguísticos da literatura de
escritores canônicos como Machado de Assis, Graciliano Ramos e Jorge
Amado pode lhe acrescentar de desenvolvimento intelectual e aprimoramento da linguagem. Portanto, essa simbiose de experiências e estilos diferentes (o da periferia com o do centro) certamente vem enriquecer e
consolidar o modo de escrever desse autor. Em relação aos seus escritos,
este trabalho, como se vê, limita-se a um exame do seu primeiro livro,
Graduado em Marginalidade, porém já suficiente para fornecer alguns
aspectos da trajetória literária de Sacolinha.
Pelo que se tem lido do início de sua vida literária, conclui-se que
o lançamento do primeiro livro (inicialmente escrito a mão por falta de
um computador) não foi tarefa simples, e o fato de Graduado em Marginalidade, já em sua 2ª edição de 2009, não possuir ao menos um prefácio
parece ser um exemplo significativo dos obstáculos encontrados por esses autores da margem. Entretanto, segundo o próprio pretendente a escritor conceituado, ele não se desviou do seu objetivo e conseguiu o lançamento de quinhentos exemplares na 1ª edição com recursos a duras penas obtidos por meio de churrascos e de rifas. Para mostrar como foi esse
início, note-se como Sacolinha descreve um pouco dos percalços que encontrou, em entrevista a Portal raízes (2012):
Eu, em 2005 e 2006, por diversas vezes coloquei meus livros na mochila
e fui vender no centro de SP para as pessoas. Há o descrédito. As pessoas pensam que você é bandido, pedinte ou vendedor de qualquer outra coisa quando
as abordam, e, se tem sucesso na abordagem pensam que se você mesmo vende então é porque o livro não é bom.
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Considerando o espaço de onde fala, Sacolinha é um escritor de
dentro, isto é, por ter morado durante muito tempo na periferia pode falar
com propriedade sobre os problemas do lugar, sem precisar deturpar a
realidade com excessos de caracterização ou apelar para fatos improváveis. Com base nessa experiência de vida, o autor construiu a história do
seu primeiro livro, Graduado em Marginalidade, cuja verossimilhança
aparece em vários momentos, como: as armas descritas: pistola Sig Sauer, Benelli m3, fuzil AK 44, carabina Constance. O retrato minucioso do
ambiente promíscuo e sanguinário da carceragem: “... avista os itens que
compõem a saleta: um chicote, uma copo de plástico com um líquido
vermelho” (p. 134). “Todo cabrito que chega há de ser batizado” (p. 92).
O uso e os efeitos imediatos da droga: “a roda ficou esperando a reação.
O iniciante não esboçou qualquer gesto, apenas passou a droga e ficou
em silêncio. [...] Era a primeira reação, no íntimo do seu pensamento um
inimigo se formava” (p. 49). “[...] Tragou. [...] Sentiu o sangue correndo
suavemente dentro de si” (69). A linguagem chula dos pequenos infratores, na gíria dos bandidos e dos policiais: “– Vou torturar todos, vou pingar vela no corpo, até os cabelos do cu bater palmas, eles vão ver” (p.
28). “– Bóra logo que tá pra chegar Maria-Bonita” (p. 145).
É possível que, em algumas passagens do livro, uma ou outra
forma de expressão não esteja em conformidade com as exigências da
linguagem prestigiada, como nestes casos: “Foi no quarto de sua mãe,
pegou o despertador [...]” (p. 40). “... essa pessoa que lhe jogou na cadeia” (p. 104). “Burdão foi recebido com a maior recepção (p. 141). À
cinco minutos do presídio [...] [p. 142). Dona Marina, que era católica,
não interviu na escolha do filho [...] (p. 161). Sabe que Troys é um ser
humano que não se pode confiar (p. 186).
Pode ser também que um ou outro episódio do romance seja dispensável, por não contribuir decisivamente para a formação do enredo,
como o caso em que Zé Bonitinho morre no prostíbulo com uma bala
perdida em pleno ato sexual, ou mesmo o episódio do marido voyer que
procura uma amante para a esposa. Contudo, mesmo que esses supostos
desvios ou senões sejam apontados, não são demasiadamente gritantes ou
suficientes para obscurecer as visíveis qualidades do escritor – inclusive
nesses mesmos episódios –, como o estilo fluente e o domínio da narrativa, além da competência para estabelecer o suspense e manter o interesse
do leitor até as últimas linhas. Por isso, é de se crer, também, que dificilmente o leitor seguirá com indiferença, sem se deter em alguns trechos, como o seguinte, que, a despeito da extensão, vale citar:
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O local é aquele que parece ser bom, todos chamam de Campos Elíseos.
No céu, muitos pássaros brancos sobrevoam ao ritmo do vento. A brisa traz
um cheiro que há muito tempo ele não sente. Um pássaro pousa em seu ombro
e cochicha algo no ouvido. Burdão sorri, exercitando a tez facial. Tudo é belo
como num conto de fadas. Mas eis que, de repente, um urubu aparece rasgando o céu e trazendo com ele nuvens negras cheias de maldade. A ave silvestre
começa a descer na direção de Burdão, o cheiro podre toma conta de tudo; a
ave nojenta vem chegando com um sorriso frouxo, cada vez mais perto, chegando, chegando, chegando... (SACOLINHA, 2009, p.151)
Pensamos que páginas de beleza e vigor literário como essas poderiam ser facilmente inseridas, sem deslustre, no texto de qualquer escritor de renome, e quem sabe Sacolinha esteja caminhando para, no futuro, ser considerado um deles. Note-se que, – como já foi dito –, se o
primeiro livro não teve sequer um prefácio, os seguintes já contam com a
apresentação de escritores de respeito da literatura oficial, como Ignácio
de Loyola Brandão e Moacyr Scliar. Seria isto um sinal de prestígio que
possibilitaria ao escritor ser reconhecido e ter sua voz ouvida e respeitada
além das margens? Seja como for, pode-se dizer que esses indícios revelam que Sacolinha evoluiu, e seu conceito cresceu muito aos olhos de algumas autoridades da literatura brasileira. Intelectualmente ambicioso,
ele afirma em entrevista a Portal Raízes:
Eu quero escrever melhor, um crescimento. Assistir, ler e ouvir muito
mais. Ouço muito rap, samba, mas com mais tempo, ano que vem vou dedicar-me também a ouvir música clássica, quero tudo de bom que tenho para absorver.
A forma um tanto célere com que esse autor tem evoluído e o modo como tem lutado para que suas palavras sejam ouvidas e respeitadas,
fazem crer que tais objetivos talvez não sejam impossíveis, e aqui vale
lembrar o pensamento de Foucault: “O discurso não é simplesmente
aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por
que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (FOUCAULT, 1996, p. 10).
Pela profundidade com que as mais graves questões sociais são
tratadas, é possível afirmar que Graduado em Marginalidade sirva como
uma denúncia contra a desigualdade socioeconômica e a injustiça no
Brasil. Todavia, além dos ensinamentos contidos e da exposição direta e
crua dos males das periferias das cidades brasileiras representadas por
São Paulo, o livro de Sacolinha vem repleto de legítimas passagens literárias, com uma história bem contada, capaz de conquistar a simpatia de
leitores de diferentes camadas sociais. Embora seja ficção, nesse livro,
Sacolinha bem poderia concluir o romance de forma piegas salvando mi-
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sericordiosamente seu herói, Burdão, quase um alter ego seu, mas não o
faz, deixando os fatos acontecerem como infelizmente acontecem nas periferias esquecidas, sinal de sua precoce maturidade como escritor.
A ascensão de Sacolinha e de outros escritores da Literatura Marginal vem confirmar a necessidade de os órgãos governamentais reverem
com mais atenção e respeito as reivindicações e direitos das classes sociais pouco favorecidas. Também fica evidente que a inteligência, o desejo
de realizar-se como pessoa e de desenvolver-se intelectualmente não são
qualidades e anseios exclusivos das classes privilegiadas. O que faltam,
de fato, são oportunidades e incentivos para os indivíduos das comunidades mais sofridas se posicionarem e melhores condições para que estudem, trabalhem e evoluam. Para Sacolinha, o encontro com a obra Quarto de Despejo – Diário de uma Favelada, foi o primeiro passo de uma
revelação. Maravilhado com a descoberta, o autor relembra o que pensara, em entrevista concedida a Almanaque Brasil (2009): “Como pode
uma escritora favelada, da década de 1960, escrever um livro assim? é isso que eu quero ser”.
Se um dia Sacolinha despertou para a literatura após ter lido pela
primeira vez os textos de Carolina de Jesus, hoje, quer queira quer não, o
autor é visto como um exemplo de persistência e uma inspiração para
muitos jovens da periferia, por lhes dizer que, apesar dos empecilhos,
ainda há outras perspectivas de vida. Por outro lado, os escritores das
margens, com suas experiências e um outro modo de considerar a vida,
podem trazer uma contribuição considerável, inclusive quanto à linguagem, porque vêm proporcionar uma diversificação enriquecedora e um
consequente fortalecimento da literatura em geral, no trato dos mais variados aspectos da existência humana, como bem ilustram os seguintes
versos da poeta Claudia Canto, (Apud NASCIMENTO, p. 68): “Dou de
presente /Uma língua diferente aprendida no gueto”.
Sacolinha, atualmente, é graduado em Letras pela Universidade
de Mogi das Cruzes, o que lhe traz a possibilidade de adquirir um conhecimento mais seguro da língua prestigiada, porém somente o tempo e os
resultados obtidos com os próximos livros dirão se essa pretensa acuidade gramatical favorecerá a realização do sonho de se tornar um escritor
de sucesso, tanto pela aprovação da crítica literária do centro quanto pela
aceitação dos leitores.
Por enquanto a prática literária continua apresentando várias classificações, mas quem sabe chegue o dia em que se fale simplesmente de
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literatura brasileira, como arte e veículo de expressão para as pessoas de
talento, sem verificação das origens e sem rótulos, como literatura marginal ou literatura prisional, que, de alguma forma segregam e contribuem para o aprofundamento da exclusão social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DALCASTAGNÈ, Regina (Org.). Ver e imaginar o outro: alteridade, desigualdade, violência na literatura brasileira contemporânea. Vinhedo:
Horizonte, 2008.
FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996.
NASCIMENTO, Érica Peçanha do. Vozes marginais da literatura. Rio
de Janeiro: Aeroplano, 2009.
SACOLINHA. Graduado em marginalidade. 2. Ed. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2009.
SACOLINHA. Ademiro Alves de Souza, Sacolinha. Disponível em:
<http://www.museudapessoa.net/_index.php/historia/8140-ademiroalves-de-souza-sacolinha>. Acessado em: 20-07-2012.
SACOLINHA. Entrevista com o escritor Sacolinha. Disponível em:
<http://www.portalraizes.org/index.php?option=com_content&view=arti
cle&id=58:sacolinha-o-escritor-negro-que-come-bebe-e-dorme-aliteratura&catid=4:personagens&Itemid=6>. Acessado em 25/07/2012.
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