IMAGENS DE NORDESTINOS EM LONDRINA: IDEIAS DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL E NARRATIVAS DE MIGRANTES. Gisele da Silva Oliveira (PPGHS-UEL/Bolsista: CAPES) Resumo: O presente texto estuda ideias de estudantes do ensino fundamental sobre a presença nordestina na cidade de Londrina. As narrativas históricas que figuram na cidade estão associadas à memória de indivíduos e grupos detentores de poder na região e são encontrados nos lugares remetentes à memória da cidade. Diante deste silêncio o texto explora três entrevistas de nordestinos e um questionário aplicado a estudantes da rede pública de ensino com seis questões, sendo que somente uma será analisada aqui. A questão tomada como fonte apresenta doze imagens, entre elas estão as de lugares da cidade de Londrina como o Museu Histórico, a rodoviária, o Shopping Catuaí e o Estádio do Café. Quatro imagens ligadas à profissão: médico, operário da construção civil, trabalhador rural e um homem de negócios, e ainda, uma favela, uma feira nordestina e a de um grupo musical. A análise se ampara em estudos sobre o norte do Paraná e as origens de Londrina, sobre o conceito de estereótipo elaborado por Erving Goffman, assim como na metodologia da análise de conteúdo conforme descrita por Roque Moraes. Os resultados apontam que os alunos concebem o nordestino como o migrante pobre que vem para a cidade em busca de trabalho na cultura do café ou na construção civil. O nordestino não está presente na origem de Londrina. Contextualizando essa concepção, as entrevistas de Dalton Paranaguá, Kepler Palhano e Meton de Souza Araújo indicam a presença de nordestinos na origem da cidade e exercendo funções variadas, além de status social variado. Conclui-se que é preciso intervir na aprendizagem dos alunos em vista do reconhecimento da diversidade de sujeitos que caracterizou a formação de Londrina. Palavras-chave: Ensino de História; Nordestinos em Londrina; Aprendizagem de História 364 As origens da cidade de Londrina, sua história e formação, não raro são associadas à presença inglesa na cidade, a ideologia do pioneiro e do progresso. É possível perceber esta afirmação nos espaços de memória da cidade como o Museu Histórico, que confirma e dissemina de certa maneira este mito de fundação (LEME, 2013). A historiografia a respeito do Norte do Paraná também já questionou estes ideais (ARIAS NETO, 1994, 2008; TOMAZI, 2000). Quando se tem um discurso como modelo alguns personagens mostram-se excluídos desta narrativa oficial, o presente trabalho trata do silêncio a respeito da presença nordestina na história da cidade de Londrina, e para isto tem como base o pensamento de alguns jovens sobre a colonização da cidade e as narrativas de nordestinos que vieram para cidade em diferentes momentos. O discurso a respeito do “Norte do Paraná” tem uma ideia base, o progresso, e apresenta como fundamento os ideais republicanos, ordem, progresso, civilização e racionalidade, a adoção destes por parte das elites propicia a construção de uma imagem progressista, sempre buscando o desenvolvimento da vida urbana. Não se pode construir um futuro baseado em um passado “pouco glorioso”. É neste sentido que o autor afirma que o passado foi “congelado”, ou seja, não deve ser questionado, e no presente se tornou um modelo para as futuras gerações. Pode-se perceber assim a construção de um passado ideal, uma classificação de quem é digno de memória na localidade e quem não é. Contextualizando o papel da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), e sua responsabilidade na criação da ideia de Eldorado, Arias Neto (1994) fala da crise dos anos vinte que afetou o ramo mais importante da economia brasileira naquele momento, a exportação de café. O convênio de Taubaté assinado em 1907 limitava a produção cafeeira nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O Paraná com sua produção insignificante no ramo torna-se um espaço importante para os paulistas, que veem no norte do estado um novo espaço para esta expansão. É neste momento que surge a CTNP, que implanta um projeto baseado na venda de pequenos lotes de terra. A companhia espalha propaganda, para isto a companhia utilizou o meio de comunicação de maior alcance na época, o jornal, atraindo pessoas de todo 365 os cantos do país e do exterior. De início a propaganda tinha um público alvo, os migrantes compradores, ou seja, não estavam interessados na vinda de trabalhadores, mas na venda de terras. Apesar do grande investimento em propaganda da CTNP, e da ideia de eldorado já existir no imaginário da população, a região não consolidou o desenvolvimento esperado até o final dos anos trinta, só após 1945, com o fim da 2ª Guerra Mundial, que se observam mudanças. Começa-se a desenhar um novo quadro econômico mundial, os Anos Dourados. O preço do café sobe e com ele aumenta a convicção de que o Paraná é o lugar do futuro. É neste momento que as tradições e os mitos fundadores a respeito da história da cidade começam a ser construídos, tendo como base a CTNP e o pioneiro, primeiro os desbravadores da mata (funcionários da CTNP) e depois o fazendeiro produtor de café que tomou para si esta herança. (ARIAS NETO, 1998) É neste quadro que se delineia o objetivo principal deste trabalho, estudar o que pensam alguns jovens em processo de escolarização a respeito da presença nordestina na cidade. Esta questão pode contribuir para o desvendamento de práticas e identidades que aparecem como naturalizadas nas lembranças do cidadão comum. Para pensar essa questão vamos buscar referenciais no pensamento de Goffman (1978) sobre os estereótipos e como as relações sociais se organizam a partir deles. Segundo o autor, a sociedade estabelece um modelo e tenta catalogar as pessoas conforme os atributos considerados comuns e naturais pelos membros de certa categoria. Estabelece também as categorias a que as pessoas devem pertencer, bem como os seus atributos, o que significa que a sociedade determina um padrão externo ao indivíduo que permite prever os atributos, a identidade social e as relações com o meio. Os atributos, nomeados como identidade social real, são, de fato, aquilo que podem demonstrar a que categoria o indivíduo pertence, ou seja, somos aquilo que os outros veem. Alguém que demonstra pertencer a uma categoria com atributos incomuns ou diferentes é pouco aceito pelo grupo social, que não consegue lidar com o diferente e, em situações extremas, o converte em uma pessoa má e perigosa, que deixa de ser vista como pessoa na sua totalidade, na sua 366 capacidade de ação e transforma-se em um ser desprovido de potencialidades. Esse sujeito é estigmatizado socialmente e anulado. No caso aqui estudado, imagina-se que a “ausência” do nordestino na história e no ensino da história local ampara-se, entre outras variáveis, num estereótipo do migrante nordestino já existente na sociedade brasileira e que se repete na cidade de Londrina em formação e nas representações dos alunos na atualidade. Para pensar como os alunos em fase de escolarização veem a presença e participação de nordestinos na história da cidade foi feita uma pesquisa qualitativa em dois colégios estaduais. Participaram da pesquisa quarenta e seis alunos das séries finais do ensino fundamental, sexto, sétimo e oitavo ano, com idade variando entre doze e quinze anos. Estudam em dois estabelecimentos de ensino: um na zona norte de Londrina, Colégio Estadual Dr. Fernando de Barros Pinto, e o segundo, da zona leste da cidade, Colégio Estadual Nossa Senhora de Lourdes. Os dois colégios localizam-se em bairros periféricos. A questão tomada como fonte consiste em doze imagens entre elas estão as de lugares da cidade de Londrina como o Museu Histórico, a rodoviária, o Shopping Catuaí e o Estádio do Café. Quatro imagens ligadas à profissão: médico, operário da construção civil, trabalhador rural e um homem de negócios, e ainda, uma favela, uma feira nordestina e a de um grupo musical. A primeira questão: Marque os lugares onde encontramos nordestinos em Londrina. Use os números para mostrar onde é mais fácil ou mais difícil encontrá-los. Onde o nordestino pode ser mais facilmente encontrado: na rodoviária, no forró, na construção civil, feira nordestina, no médico. Como espaço intermediário temos: a UEL, o Shopping Catuaí, o Estádio do Café e o Museu Histórico de Londrina. Em hipótese alguma o nordestino pode ser observado como empresário. Excluindo o “médico” o restante dos lugares confirmam a descrição que fizeram do nordestino quando solicitados em outras questões. O trabalhador rural, a favela, o operário da construção civil, a rodoviária e a feira nordestina são lugares onde a parcela menos abastada da população seria encontrada com facilidade. Na primeira imagem, rodoviária da cidade de Londrina, 76% das respostas concentram-se entre as opções fácil encontrar e muito fácil encontrar sendo 27% na primeira e 49% na segunda. Esta informação vem reforçar o 367 resultado obtido em outras questões nas quais a figura do nordestino esta associada à camada social mais empobrecida. A rodoviária é um lugar onde encontra-se uma grande quantidade de pessoas e diferente de outros modos de transporte, como o avião, a viajem de ônibus é associada a pessoas com baixo poder aquisitivo. Além disso, pode ser associado ao estereótipo do migrante nordestino chegando a uma nova cidade em busca de melhores condições de vida. A imagem do grupo de forró concentrou 57% das respostas entre fácil encontrar e muito fácil encontrar, 11% e 46% respectivamente. O resultado das respostas obtidas nesta imagem associadas a resposta obtida nas questões descritivas revela que para o aluno o povo nordestino é “alegre” e “gosta de dançar”. A próxima imagem é a de uma “favela” e a maior quantidade de respostas concentrou-se na alternativa muito fácil encontrar, com 35%. Em seguida aparece a resposta intermediária com 28% e a opção muito fácil encontrar com 20%. As alternativas difícil encontrar e muito difícil encontrar somam 17%, respectivamente 11% e 6%. Aqui novamente o estereótipo do nordestino é visível. Ainda tomando como apoio as respostas descritivas o nordestino é em grande parte das vezes retratado como pobre, a imagem da favela é a tradução desta condição. A favela é o local onde o setor da sociedade menos privilegiado se concentra o pobre, o negro, o nordestino. A imagem do médico é a que mais foge do padrão encontrado nas respostas obtidas até aqui, principalmente as descritivas. A maioria opta pela alternativa muito fácil encontrar, são 30% do total. Somando o resultado da alternativa fácil encontrar, 17%, obtemos 47% das respostas. A profissão de médico é uma das mais admiradas pela população e considerada de elite, portanto este resultado não concorda com os demais. É possível que este resultado tenha se concretizado a partir de uma interpretação diferente da imagem proposta. O aluno pode ter interpretado que o nordestino frequenta o médico, e não o encarou como o profissional médico. Os dados a seguir da mesma imagem já seguem o padrão encontrado até aqui, as respostas difícil encontrar e muito difícil encontrar somam 42%, 22% e 20%. Apenas 11% escolheram a alternativa intermediária. 368 A imagem dos operários da construção civil continua com o padrão de respostas, fácil encontrar e muito fácil encontrar somam 63%, 24% e 39% respectivamente. Estes dados indicam que para os alunos o nordestino é o sujeito que realiza trabalhos pesados e é mal remunerado se comparado com o homem de negócios por exemplo. Difícil encontrar e muito difícil encontrar somam 26%, 13% cada, enquanto a resposta intermediária conta com 11% do total. Ainda no padrão do trabalhador da construção civil temos a imagem de um trabalhador rural que apresentou um resultado parecido, 63% somando fácil encontrar e muito fácil encontrar, 13% a primeira e 50% a segunda. No caso do trabalhador rural as respostas descritivas concordam com os dados obtidos aqui. Para boa parte dos alunos o nordestino vem para Londrina para trabalhar nas lavouras, o trabalho no meio urbano também é lembrado, porém o trabalho no campo apresentou resultados mais expressivos. Difícil encontrar tem 13% do total e muito difícil encontrar 4%, somando 17%. A resposta intermediária obteve 20% das respostas. Na última imagem temos uma feira nordestina com 56% das respostas divididas entre fácil encontrar e muito fácil encontrar. Aqui podemos associar estes dados aos obtidos com a imagem do grupo de forró. Nestes casos o que sobressai é a imagem do nordestino alegre que gosta de se divertir. As alternativas difícil encontrar e muito difícil encontrar somam 20%, 11% e 9%. A resposta intermediária obteve 20% das respostas. Aqui apresentam-se reunidos os lugares em que o aluno escolheu a alternativa intermediária no que diz respeito a presença de nordestinos. Lugares como o shopping imaginava-se que a resposta seria negativa, ou seja, não se pode encontrar nordestinos, e obtivemos um resultado diferente. O mesmo se pode dizer do estádio que esperava-se que respondessem fácil ou muito fácil de encontrar. A imagem da Universidade Estadual de Londrina obteve o maior número de respostas, 48% do total, na opção intermediaria. À partir deste resultado podemos levantar uma hipóteses, o aluno não conseguiu afirmar a presença nordestina na universidade por desconhecimento do significado do espaço. Mas o aluno não afirma a inexistência de nordestinos por considerar a universidade um local onde se encontra diferentes tipos de pessoas. 369 As opções difícil encontrar e muito difícil encontrar somam 22% das respostas, sendo 9% a primeira e 13% a segunda. Estas respostas concordam com o resultado obtido nas outras questões. Para estes a universidade aparece como um local no qual somente a elite tem acesso e o nordestino não se enquadra neste quesito. Na imagem do museu histórico 39% afirmam que é possível encontrar nordestinos. Depois 29% do total das respostas se dividem entre fácil encontrar e muito fácil encontrar, sendo 11% da primeira e 18% da segunda. As afirmações negativas, difícil encontrar e muito difícil encontrar somam 30%. A partir do equilíbrio verificado entre as afirmações negativas e positivas e associando este resultado com os de outras questões podemos pensar na mudança no modo decorrente do ensino de história. Atribui-se esta mudança principalmente pela maneira como a disciplina se apresenta aos alunos. A história ensinada nas escolas cada vez mais procura se distanciar da história de grandes heróis e grandes feitos. Assim os nordestinos que claramente são descritos pelos alunos como uma camada inferior da sociedade ganham a possibilidade de serem contemplados no museu que se constitui como uma referência na história da cidade. Na imagem do estádio do café 50% das respostas concentram-se entre as alternativas difícil encontrar e muito difícil encontrar. A dificuldade em encontrar nordestinos no estádio do café pode estar ligada ao custo do ingresso que muitas vezes não é acessível. Porém a alternativa que sozinha acumulou o maior número de respostas foi a intermediária que nos mostra o estádio de futebol como um local onde um nordestino seria facilmente encontrado por ser um espaço que o “povo” frequenta ainda assim os que optam por esta alternativa não excluem totalmente a primeira hipótese apresentada, apesar de ser um local frequentado pela massa nem todos podem ocupá-lo. Os que optam pelas alternativas fácil encontrar e muito fácil encontrar confirmam a ideia do estádio como espaço destinado a massa. Na imagem do shopping catuaí novamente encontramos um equilíbrio. A alternativa com maior quantidade de respostas é a intermediária com 26% do total, em seguida as alternativas muito fácil encontrar e muito difícil encontrar empatam com 20% cada. Difícil encontrar e fácil encontrar tem 15% e 17%. O resultado aqui nos mostra uma mudança que está ocorrendo. O shopping ainda 370 é visto como um local frequentado pela elite, porém o acesso ao consumo torna o shopping um local frequentado pelo povo. Além da questão do consumo o shopping também é um espaço destinado ao lazer, principalmente para a faixa de idade que este questionário atingiu. A partir daqui serão apresentadas as entrevistas de três nordestinos que vieram para a cidade de Londrina em períodos diferentes. As três entrevistas estão sob a guarda do Museu Histórico de Londrina “Pe. Carlos Weiss”. A primeira de Kepler Palhano maranhense, a segunda de Meton Araújo de Souza cearense e a terceira do Piauiense Dalton Fonseca Paranaguá. Estes registros serão categorizados conforme a metodologia de análise de conteúdo proposta por Roque Moraes e comparados com as respostas obtidas através do questionário aplicado aos alunos. Alertamos o leitor que foi realizada uma categorização dos conteúdos das entrevista relativos apenas aos tópicos de interesse dessa pesquisa e não do sue conteúdo total. As categoria criada e analisada aqui diz respeito aos trabalhos que estes nordestinos exerceram. Considera-se este recorte significativo, diante da ideologia do progresso e do pioneiro que foi brevemente abordada acima, o discurso oficial apresenta o trabalho como base para estas ideologias. Kepler: WS: Essas entradas dos ingleses, pelas trilhas já tinham sido abertas? Foram quantas entradas? O senhor acompanhou, foram quantas vezes? KP: Foi uma única vez. WS: Isso foi em 27 senhor e aí estava aqui, foi antes de 30 é claro? KP: Uma só, esse 30 já estava abrindo, foi em 30, foi em 28,29 em quanto fazia o levantamento para fazer as demarcações. Comecei pelas terras de Nova Esperança que é juntamente do vale do Jataí com Piquiri, com o Ivaí aliás. É onde tinha as maiores concessões. Quando demarcaram, retirava a cada,Quilometro um pouco de Terra que foi mandada para a Inglaterra. WS: O senhor e os irmãos. Todos são engenheiros e geólogos né ? WS: Se formaram em... na univer... Sim. Mas lembra da universidade? A universidade do Rio de Janeiro . KP: É no Rio ? É eu, eu me formei em Niterói. KP: Não era universidade. Era escola de agronomia... era agronomia... Ah nem me lembro mais. Interessante eu não queria estudar nada disso, não sabe? Eu queria estudar medicina. Mas o vestibular de medicinas, naquele tempo era duro, muito duro... e...eu me matriculei na escola de farmácia e odontologia do estado do Rio. Porque naquele tempo existia transferência do segundo ano de farmácia para o terceiro ano de medicina, que era equivalente. Mas entrou o tal de Chico Sapiência né. Nós o chamava de Chico Sapiência. Não me recordo o nome dele não. Era Francisco não sei de que. Fez uma reforma do ensino e cortou essa transferência. Ai eu abandonei. 371 Meton: M: vim para Presidente Prudente, nessa época eu me empreguei num hospital sendo enfermeiro. Hospital... Hospital, primeiro hospital de Presidente Prudente dum médico muito famoso de Pernambuco, daquela família de Cavalcante, descendente de judeus né? Ele fundou aquele hospital e eu fiquei 6 anos trabalhando como enfermeiro. Então depois eu trabalhava como enf... eu tava cansado e vieram me oferecer um trabalho, que abriram um porto na divisa de São Paulo com o Paraná.[...] É, eu fui barquero ali três anos[..] M: depois eu fui pra Pelotas, me empreguei na Santa Casa de Pelotas como enfermeiro [trabalho de máquinas de escrever]. B: então este tempo depois que o senhor foi balseiro, três anos o senhor fez o que dai? M: depois eu fui pra Pelotas, me empreguei na Santa Casa de Pelotas como enfermeiro [trabalho de máquinas de escrever]. M: é, em pelotas. Depois eu fui pro o [rio] é... eu tinha um primo que era médico, mas ele era engenheiro químico também, e ele [o meu pai que é aquele lá] [ aponta pra parede] eu fui trabalhar com ele, ele tinha laboratório. B: depois do Rio o senhor veio pra cá então? M: não, depois eu fui, eu estudei ... estudava na escola [alemã] de homeopatia, era professora alemã eu estudava homeopatia comecei a estudar. M: professores alemães. Eu até entrei naquela faculdade, na praia vermelha também pra estudar. M: mas eu não tinha recurso parei. M: e dai eu voltei pra Presidente Prudente de novo. Levei uma caderneta de acadêmico de medicina, eu já conhecia muito porque já tinha sido enfermeiro, conhecia muito a medicina, e lá eles seguiam muito os fiscais mas eu tinha a caderneta de acadêmico eles me deixaram, mas peguei freguês ali [arrumei gente] [risos] [incompreensível]. B: começou a fama do senhor dai? M: ai aumentou a fama daí que eu vim pra Londrina. B: isso lá em Presidente Prudente né? Dai em 1935 que o senhor veio pro norte do Paraná, aqui pra Londrina? M: é, dai eu comecei a trabalhar com jornais não tinha distribuição. Dalton: C: interessante, ai o senhor chegou em Londrina atuando como médico, o senhor era clinico geral ou já veio como especialista? D: é, eu cheguei preparado porque é a melhor medicina de então no Brasil era a do Rio de Janeiro, e eu tive a oportunidade de ser diretor de cadeira de clinica de cirurgia chefiada pelo professor [incompreensível Vieira Guimarães, era então diretor do Instituto Nacional do Câncer e eu aprendi a trabalhar em grupo, e eu preparava os pacientes pros docentes e pros professores operarem então, isso me deu uma experiência muito grande e quando eu aqui cheguei, não havia nenhum grupo constituído, eu formei o primeiro grupo, que chamava Pentágono, e esse grupo funcionou inicialmente no Hospital Evangélico. A partir desse grupo surgiram inúmeros, incontável de grupos, hoje nós temos na cidade duas avenidas de grupos médicos, duas avenidas, a Souza Naves e a Bandeirantes, ali que tudo, todo aquele... vamos dizer toda essa infraestrutura na área de saúde fez parte de um planejamento meu a curto, a médio e a longo prazo que permitia essa realidade que nós temos não apenas em Londrina, mas no Paraná, essa interação e a presença da saúde em todos os municípios e a qualidade de vida com a agua tratada em todos os municípios[...] 372 Kepler Palhano foi funcionário da Companhia de Terras Norte do Paraná tendo chegado na região ainda na década de vinte. Maranhense sai de sua cidade para estudar, não sai fugindo da seca e também não é analfabeto. É engenheiro e se não o fosse buscaria profissões que em nenhum momento foram citadas pelos alunos. A ideia de que todo nordestino é pobre também é quebrada a partir deste relato. Palhano descreve a situação de sua família no estado do Maranhão como detentora de grandes posses. Não estavam deixando sua terra natal por “passar fome”. Meton Araújo de Souza vem para a cidade de Londrina na década de trinta após residir em outras localidades. Durante este período exerce trabalhos de enfermeiro e de barqueiro, sendo que na cidade de Londrina foi vendedor de jornais e posteriormente médico homeopata. Em seu depoimento “Doutor Meton”, como era conhecido na cidade, relata trabalhos que exerceu durante a sua vida, passando por período de estudos no estado do Rio de Janeiro. Mais uma vez apresentando relatos que fogem ao que foi apresentado pelos alunos. Dalton Fonseca Paranaguá, assim como Kepler Palhano, descreve a vida de sua família no estado do Piauí como detentora de grandes posses e de grande nome principalmente no meio político. Dalton Paranaguá que foi prefeito da cidade de Londrina e secretário de saúde do Estado do Paraná em a todo momento ressalta a formação que recebeu no Rio de Janeiro e que como ele diz “chegou preparado”. Por ora constata-se nas respostas dos alunos a hipótese que levantamos ao início desse trabalho: os estudantes, embora jovens e iniciando a vida escolar, apresentam ideias acerca do nordestino como sujeito da história de Londrina. Inferimos que os alunos se apropriam de ideias e práticas disseminadas na sociedade e das quais participam os seus grupos de pertencimento (família, amigos, etc.). Esses jovens nem sempre percebem as ideias que possuem. Mesmo seus professores podem não percebê-las. Assim é preciso destacar e analisar as ideias dos alunos para efetivamente construir o múltiplo naquilo que parece unívoco. Quando esses jovens não possuem informações suficientes para dar suporte às suas idéias, não se furtam a opinar, a responder ao que lhe é 373 perguntado. Mas, buscam em outras referências, ou informações sobre outros assuntos, e por analogia ou outros mecanismos, estruturam o seu pensamento e o seu juízo de valor, gerando, quase sempre, estereótipos. Nesse caso é fundamental a organização do ensino a partir daquilo que o aluno já sabe. Ainda mais quando o tema pode trazer conseqüências como as constatadas ou inferidas nessa pesquisa. Referências ARAÚJO, Meton Souza.Nome do entrevistador: Barbara Daher Belinati. Legendas utilizadas: B= Barbara Daher Belinati; M: Meton Araújo de Souza; R: Rui Cabral (fotógrafo do M.H.L); F: Filho de Meton Araújo de Souza; S: Silvana. Data: 16/11/2005. Local: Rua Euclides da Cunha, 340- Jardim Shangrilá- Zona A Transcrita: Gisele da Silva Oliveira. Revisada: Aline Fernanda Souza de Oliveira. Acervo do Museu Histórico de Londrina “Pe” Carlos Weiss. ARIAS NETO, José Miguel. O Eldorado: representações da política em Londrina –1930/1975. Londrina: EDUEL, 1998. ARIAS NETO, José Miguel. O pioneirismo: discurso político e identidade regional. In: Revista Brasileira de História. Vol.14, nº.50. São Paulo: ANPUH, 1994 GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. São Paulo: ZAHAR EDITORES, 1978. LEME, Edson José Holtz. O Teatro da Memória: o Museu Histórico de Londrina – 1959-2000.276 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Ciências e Letras, UniversidadeEstadual Paulista, Assis, 2013 MORAES, R. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual discursiva. Ciência & Educação: Bauru, SP, v. 9, n. 2, p. 191210, 2003. PALHANO, Kepler. Nome dos Entrevistadores: Sr. Widson Schwartz; Sra. Rosangela Ricieri Haddad;Data: 12/01/98; Tempo da Fita: 1h 38 m 50s; Local de Gravação: Residência do Sr. Kepler Palhano Rua: Vereador José Felipe Elias, 485 CEP: 87.600-000 Fone: (044) 252-4556 Nova Esperança - PR.;Apoio Técnico: NTE Legendas Utilizadas: KP:- Kepler Palhano; CON:- Profª. Conceição A. D. Geraldo; WS:- Widson Schwartz; RRH:- Rosângela Ricieri Haddad; MP:- Maria Palhano; Transcrito e Digitado por: Anelise Herden; Revisado por: Elaine A. Garcia de Oliveira. Acervo Museu Histórico de Londrina “Pe” Carlos Weiss. PARANAGUÁ, Dalton Fonseca. Nome dos entrevistadores: Professor Olympio Luiz Westphalen e Professora Conceição Aparecida Duarte Geraldo. Legendas utilizadas: D: Dalton; O: Olympio; C: Conceição; M: Marta Data: Não informada. Local: Não informado. Fita: FC.0156-A. Transcrita: Gisele da Silva Oliveira. 374 Revisada por: Aline Fernanda Souza de Oliveira. Acervo do Museu Histórico de Londrina “Pe” Carlos Weiss. TOMAZI, Nelson Dacio. “Norte do Paraná” histórias e fantasmagorias. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2000. 375