A água pode não estar infiltrando no solo
Silvio Tulio Spera
Pesquisador da Embrapa Trigo
Durante muitos anos foi debatido o problema da erosão hídrica dos
solos e este problema parece ter sido relegado com a disseminação do
Sistema Plantio Direto (SPD), que contribuiu em muito para a redução da
erosão na propriedade rural. Porém, se por um lado, as lavouras manejadas
com SPD mostram redução expressiva na quantidade de solo que era perdida
por arraste pela enxurrada, e assoreando os mananciais hídricos, por outro
lado, os estudos não têm mostrado redução significativa na quantidade de
água da enxurrada.
Apesar da água da enxurrada das lavouras (a água da enxurrada
urbana é outro problema sério não discutido nesta oportunidade) estar mais
“limpa”, isto não significa que os impactos relativos ao uso da terra e ao ciclo
da água estejam resolvidos. Na Natureza, a água da chuva que precipita em
uma determinada área de terra deve infiltrar no solo o mais rápido possível,
como parte do ciclo natural da água. Esta água que infiltra por toda extensão
da terra tem função importante, não só para as plantas, mas para toda a
diversidade da macro e microbiota do solo.
E, se a água não está adentrando ao solo, em quantidades
adequadas, a mesma está escorrendo rapidamente para os cursos hídricos,
alterando o ritmo do ciclo da água e também trazendo prejuízos ao ambiente e
à vida, tanto na forma de escassez como na de enchentes. A água que não
infiltra no solo não recarrega o lençol freático e não irá abastecer os
reservatórios de água no subsolo (os poços comuns e artesianos) ou na
superfície (as represas de abastecimento). A água, não infiltrando, corre
rapidamente para os cursos, que, geralmente, não foram dimensionados pela
Natureza para receber volumes excessivos de água. Assim, temos as
enchentes, que estão cada vez mais freqüentes e danosas à vida e à
sociedade.
A não recarga do solo com água das chuvas reduz a disponibilidade
desta para as plantas cultivadas. Assim, deficiências hídricas têm sido
constatadas em lavouras da região, mesmo quando não existe condição de
longa estiagem. Em caso de estiagens prolongadas, como as que decorrem do
efeito climático do fenômeno La Niña, o problema da baixa infiltração torna-se
ainda mais crítico.
Os primeiros anos de estudos do SPD mostravam efeitos muito bons
do sistema, tanto no controle da erosão, como na melhoria da infiltração da
água. Mas, com o passar do tempo, o SPD começou a mostrar que ainda não
era a solução definitiva de forma de manejo do solo. Compactação do solo e
conseqüentes volumes maiores de enxurrada, mesmo que com água mais
“limpa”, indicam que o SPD necessita de ajustes, mesmo porque, com a
aplicação de fertilizantes em superfície, a enxurrada “limpa” do sistema tem
carregado elevada quantidade de nutrientes dissolvidos que estão promovendo
eutroficação dos mananciais, ou seja, maiores quantidades de fósforo,
nitrogênio e outros elementos químicos (inclusive pesticidas) têm contaminado
a água superficial, alterando a composição da biota.
A menor infiltração de água pôde ser inferida em estudo realizado
em Passo Fundo (RS), através dos resultados de avaliação da condutividade
hidráulica do solo saturado, ou seja, quantos milímetros de água se
movimentam em uma hora, na camada de um solo molhado, em lavouras de
soja e em uma mata, conforme mostrado na tabela a seguir:
Tabela
Valores de condutividade hidráulica do solo saturado (mm/h) de três tipos de
manejo de solo, avaliados em duas camadas. Embrapa Trigo - UPF, 2009.
Tipo de manejo do solo
Camada
(cm)
Plantio direto
Preparo
convencional
com arado
Preparo
mínimo com
escarificador
Mata
0–7,5
*49,00
27,07
37,32
130,97
10–17,5
3,29
12,76
29,92
96,67
Observa-se que o solo da mata conduz mais água que os solos sob
lavouras e que a camada sub-superficial do solo manejado com plantio direto
mostra o menor valor de condução de água, principalmente quando comparado
com o solo não usado com lavoura.
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