Casamento e Maternidade entre Escravas
de Angra dos Reis, Século XIX*
Marcia Cristina Roma de Vasconcellos
USP
Palavras-chave: mulheres escravas, procriação, casamento, família escrava.
Na freguesia de Nossa Senhora do Rosário de Mambucaba1, a população
dedicava-se ao cultivo de alimentos, de cana-de-açúcar, conseqüentemente à produção
de aguardente, e ao plantio do café que, devido à umidade e temperatura elevadas, era
de qualidade inferior ao plantado no vale do Paraíba2. Ao mesmo tempo, o porto
localizado na freguesia era, dentre os existentes em Angra dos Reis, um dos que mais
escoava a produção proveniente do vale do Paraíba paulista e fluminense3. Por
decorrência, foram criados armazéns de café4 superados em número apenas aos
localizados no centro de Angra5. Tratou-se de uma atividade que auxiliou na
dinamização da vida econômica local na medida em que trouxe comerciantes e
tropeiros, gerando empregos aos moradores e ensejando a venda de excedentes.
*
Trabalho apresentado no XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, realizado
em Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil de 4 a 8 de novembro de 2002.
1
A Freguesia de Nossa Senhora do Rosário de Mambucaba, criada em 1808, estava localizada em Angra
dos Reis na fronteira entre Angra e Parati, no litoral sul-fluminense. Em seu território estão, hoje, a Vila
Histórica de Mambucaba e as Usinas Nucleares de Angra dos Reis.
2
Segundo Hebe Maria Mattos de Castro, a expansão e a qualidade do café plantado na região serrana
deslocou a produção cafeeira de Capivary (atual Silva Jardim - RJ), uma área de temperatura e umidade
elevadas, ao comércio interno. Cf. CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Ao Sul da História. Lavradores
Pobres na Crise do Trabalho Escravo. São Paulo: Brasiliense, 1987. Partimos do princípio que o mesmo
se deu em Mambucaba.
3
Sobre o movimento portuário local é interessante ver o Mapa do Arrolamento feito pela Coletoria de
Angra dos Reis, contendo informações da origem do café, nome dos seus donos, províncias de
procedência e as arrobas embarcadas nos portos de Mambucaba, Jerumerim, Ariró e Itanema. PEREIRA,
Waldick. Cana, Café & Laranja. História Econômica de Nova Iguaçu. Rio de Janeiro: FGV, 1977. p.
56-70.
4
IPANEMA, Marcello de & IPANEMA, Cybelle de. Angra dos Reis no Segundo Reinado. Angra dos
Reis: Prefeitura Municipal, 1990. vol 1; _______________. Angra dos Reis no Segundo Reinado.
Angra dos Reis: Prefeitura Municipal, 1991. vol 2; ____________. Angra dos Reis no Segundo
Reinado. Angra dos Reis: Prefeitura Municipal, 1992. vol. 3. Tais livros apresentam informações
retiradas do Almanaque Laemmert relativas a Angra dos Reis entre os anos de 1844 e 1850.
5
Na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Angra dos Reis, atual centro da cidade.
Tal atividade perdeu força quando a Estrada de Ferro D. Pedro II chegou ao
vale, por volta da década de 18606, num contexto em que a população do litoral sulfluminense já vivia os impactos do término efetivo do tráfico atlântico, em 1850, até
então, principal meio de reposição de mão-de-obra escrava no Brasil. Estes dois
elementos conjugados conduziram a um quadro de transformação econômica local7 que
atingiu a população livre e, como extensão, seus cativos.
A população livre, que havia crescido entre os anos de 1840 e 1856, em mais de
4.550 indivíduos, passando de 12.050 para 16.600, entre 1856 e 1872, quando o
aumento foi de apenas 689, chegou a 17.289. Ou seja, a alteração no quadro econômico
local, iniciada no contexto da segunda metade do Oitocentos, veio desestimular a ida de
forasteiros à região, situação não verificada até 1856. Ao mesmo tempo, a população
escrava decresceu numericamente, entre 1840-1856, de 10.552 a 9.659, correspondendo
a menos 893 indivíduos e, entre 1856-18728, desapareceram 5.115 cativos, chegando a
4.5449.
A contração do movimento portuário e o fim efetivo do tráfico de escravos
criaram cada vez mais condições adversas aos livres que não conseguiam repor a mãode-obra, quer via tráfico interno, quer via nascimentos. Muitos deveriam estar vendendo
seus cativos, em momentos de expansão do preço dos escravos, às áreas de ponta na
economia imperial tentando, assim, amenizar os impactos de um processo de
empobrecimento a que muitos estavam vulneráveis. Tal processo foi verificado
mediante a análise de 19 inventários de proprietários de escravos de Mambucaba,
quando 60.0% de proprietários com até 3 cativos e 22.2% daqueles com 15 ou mais
6
Por meio das entradas no porto do Rio de Janeiro de embarcações provenientes do litoral sulfluminense, verificamos que: entre 1828-1838, foram 655 entradas; 1839-1849, 727; 1850-1860, 805; e,
1861-1871, 533. As informações a respeito das entradas foram extraídas do Jornal do Comércio, dos
meses de março e outubro, entre os anos de 1828 e 1871. Seção de Periódicos da Biblioteca Nacional,
RJ. Sobre a Estrada de Ferro, cf EL-KAREH, Almir Chaiban. Filha Branca de Mãe Preta: a
Companhia da Estrada de Ferro D. Pedro II (1855-1865). Petrópolis: Vozes, 1982.
7
Cf. CAPAZ, Camil. Memórias de Angra dos Reis. Rio de Janeiro: edição do autor, 1996; LIMA,
Honório. Notícia Histórica e Geográfica de Angra dos Reis. 2 edição. Angra dos Reis: Prefeitura
Municipal, 1972; MENDES, Alípio. Ouro, Incenso e Mirra. Angra dos Reis: Gazeta de Angra, 1970.
8
Fontes consultadas: Quadro Estatístico da população da província do Rio de Janeiro, segundo as
condições, sexos e cores-1840, extraído do Relatório de Presidente de Província do Rio de Janeiro de
1840 e 1841, Recenseamento da população escrava e livre da Província do Rio de Janeiro em 1856,
presente no Relatório de Presidente de Província de 1858. Seção de Periódicos da Biblioteca Nacional,
RJ. Recenseamento Geral do Brasil, 1872. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), RJ.
9
Tal movimento também se deu em outras regiões da Província do Rio de Janeiro. Em Capivary, os
escravos somavam 5.999, em 1856, enquanto que em 1872 eram 3.903. CASTRO, H. M. M. de. op.cit, p.
39.
2
escravos tinham dívidas superiores aos montes brutos10. Outros possíveis destinos dos
cativos desaparecidos poderia ter sido a alforria, a fuga ou a morte.
É nesse contexto que a procriação entre as escravas será analisada. A procriação
passava pelo casamento, mas principalmente por uniões consensuais e fortuitas. Entre as
mulheres que casaram entre 1830 e 1871, predominaram, em 84.6%, uniões com
cônjuges de mesma origem11. Os africanos, “estrangeiros”, uma vez que chegavam sem
laços de amizade e familiar ligavam-se a outros também identificados na região como
“estranhos”, afinados por ausência de conhecimentos, correspondendo a 61.5% dos
registros de casamentos. Eles possuíam maiores possibilidades de localizar, dentro da
propriedade a que a sorte os “jogou”, futuros cônjuges; primeiro porque, eram em
número representativo12, e segundo, porque não tinham laços familiares estabelecidos, o
que, a princípio, viabilizava o casamento com qualquer um da propriedade. Os crioulos,
por sua vez, também casavam entre si, correspondendo a 23.1%. Estes acabavam sendo
menos presentes nas cerimônias, pois tinham maiores dificuldades em localizar
parceiros nas propriedades em que viviam, conseqüentemente, buscavam companheiros
para além dos limites das propriedades13. Como o casamento entre escravos de
diferentes propriedades era evitado pelos senhores14, os crioulos tenderam a estabelecer
uniões consensuais.
Para os africanos, “estranhos”, o matrimônio significava um dos caminhos para a
ressocialização e oferecia aos envolvidos, vantagens emocionais. Mas existiam outros
caminhos para a socialização como, uniões consensuais, amizades que iam sendo
10
Inventários post-mortem de proprietários de escravos de Mambucaba, 1840 a 1881. Arquivo
Nacional e Museu da Justiça do Rio de Janeiro.
11
Esse mesmo padrão foi encontrado para o agro-fluminense entre 1790 e 1830 por FLORENTINO,
Manolo Garcia & GÓES, José Roberto. A Paz das Senzalas. Famílias Escravas e Tráfico Atlântico, Rio
de Janeiro, c. 1790-c. 1850. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
12
Por meio da contagem realizada mediante cruzamento de batismos, casamentos e inventários,
chegamos a 58.8% de africanos com idades acima de 14 anos e 41.2% de crioulos nas mesmas condições.
Para saber os critérios empregados na contagem cf. VASCONCELLOS, Márcia Cristina. Nas Bênçãos de
Nossa Senhora do Rosário. Relações Familiares entre Escravos em Mambucaba, Angra dos Reis, 1830 a
1881. Niterói: 2001. Dissertação (Mestrado em História)-UFF. p. 75-76.
13
Livro de Casamento de Escravos da Freguesia de Mambucaba, 1830-1871. Convento do Carmo,
Angra dos Reis, RJ.
14
Nenhum dos 96 registros de casamento trabalhados envolviam cativos de proprietários diferentes, o que
confirma também para Mambucaba que as escolhas de cônjuges por parte dos cativos tinham restrições
impostas pelos limites da propriedade, tal como foram apresentados por FARIA, Sheila de Castro. A
Colônia em Movimento. Fortuna e Família no Cotidiano Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998
e SLENES, Robert. Na Senzala, uma Flor: as Esperanças e Recordações na Formação da Família
Escrava. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
3
estabelecidas no decorrer do dia-a-dia e pelos laços de compadrio que adquiriam, quer
seja como pais de batizandos, quer seja como padrinhos. Com isso, o “estranho”,
gradativamente, tornava-se “conhecido”. Para os crioulos, o casamento geraria a
ampliação e confirmação de laços estabelecidos, possíveis também mediante uniões não
reconhecidas pela Igreja e o compadrio. Para ambos, a família seria um lugar de criação
e preservação de espaços de resistências dentro da sociedade escravista, espaço em que
experiências foram passadas aos descendentes e na elaboração de um universo próprio a
eles.
Para os senhores, representaria um caminho a fim de viverem “melhor” a
escravidão. Porém, dentro desse projeto, estavam excluindo gradativamente, o
casamento sancionado pela Igreja, no decorrer do século XIX15, garantindo a
possibilidade de venda de suas escravarias, caso houvesse necessidade16. Esse tipo de
comportamento era coerente no caso de realidades como a de Mambucaba, onde o
contexto da segunda metade do século gerou maiores dificuldades para os homens
livres, constatadas pelos casos de endividamento. Os escravos, por sua vez, respondiam
a essa dificuldade, estabelecendo famílias matrifocais, elevando a ilegitimidade e
fazendo do nascimento de filhos um caminho para efetivação de laços de compadrio
tendentes a serem estabelecidos com outros escravos, especialmente no caso das
madrinhas.
Entre as que tiveram filhos, mas na condição de solteiras, as africanas chegaram
a 49.2%, embora predominassem ligeiramente as crioulas em 50.8%, entre 1830 e 1881.
Algumas dessas mulheres, após gerar filhos “naturais”, acabaram se casando. Nesse
caso, incluíam-se 16 mulheres africanas, que se associaram a 14 homens de mesma
origem, um homem crioulo e um de origem desconhecida. Das nascidas no Brasil, seis
uniram-se a quatro homens também crioulos e dois africanos. Com exceção de uma
cerimônia, todas se deram antes de 1849, anos em que o casamento era menos
dificultoso17. Geralmente, essas mulheres, africanas e crioulas, tenderam a gerar apenas
15
Entre 1830-1849, foram 73 registros, enquanto que, entre 1850-1871, foram, apenas, 23. Livro de
Registros de Casamentos de Escravos da Freguesia de Mambucaba, 1830-1871. Convento do Carmo,
Angra dos Reis, RJ.
16
Vale afirmar que a Igreja condenava a separação de casais escravos.
17
Tal afirmação apóia-se na diminuição de registros de casamentos após 1850. Livro de Casamento de
Escravos da Freguesia de Mambucaba, 1830-1871. Convento do Carmo, Angra dos Reis, RJ.
4
um filho ilegítimo antes do casamento, situação vivida por 19, em contraposição a duas,
que tiveram dois, e uma com três crianças18.
Ligada a constituição das famílias havia uma peça, diga-se de passagem, central,
por trazer consigo a consangüinidade e laços como o de compadrio: os filhos. Eles
chegavam cedo à vida das mulheres escravas.
Nas faixas etárias entre 14-16 anos, foram 13 mulheres (46.4%); entre 17-19
anos, sete (25.0%); entre 20-22 anos, cinco (17.9%); e, com 23 anos ou mais, três
(10.7%)19.
Para a realização da contagem, procuramos, nos inventários de proprietários
escravistas, as mulheres que, segundo estimativa dos avaliadores dos bens, possuíam até
29 anos20. Uma vez localizadas, consultamos os registros de batismo a fim de nos
certificar do ano de nascimento, informação freqüente em 90.0% das fontes de
Mambucaba, do primeiro filho batizado, que nem sempre estava junto à progenitora no
ato da avaliação dos bens, resultado, possivelmente, da elevada mortalidade infantil.
Com a data que, se não era do primeiro filho nascido, ao menos era a mais próxima à
primeira gestação, chegamos às faixas etárias definidas na contagem acima, englobando
os anos de 1830 a 1881.
Embora seja pequena a amostragem, que, inclusive, trata das crioulas solteiras,
pois apenas uma mulher era africana, a média encontrada coincide com a anotada por
Florentino & Góes. Eles estipularam a mesma idade para o início da procriação escrava,
entre os 14 e 16 anos, no caso das crioulas. Entre as africanas, girava por volta dos 16 e
19 anos. Sobre estas, os autores afirmam que “é certo que apenas uma entre cada quatro
delas chegava ao Brasil antes dos 15 anos, mas também o é que 85% das africanas
desembarcavam no porto carioca com idades flutuantes entre cinco ou 29 anos (metade
com 19 anos). Ou seja: ao desembarcarem no Brasil, ainda eram portadoras da maior
parte de suas potencialidades genésicas”21.
18
Fontes Consultadas: Livro de Registros de Batismos de Escravos da Freguesia de Mambucaba,
1830-1871. Convento do Carmo, Angra dos Reis, RJ; Inventários post-mortem de Proprietários
Escravistas de Mambucaba. Arquivo Nacional e Museu da Justiça do Rio de Janeiro, RJ.
19
Livro de Registros de Batismo de Escravos de Mambucaba, 1830-1871. Convento do Carmo, Angra
dos Reis, RJ e Inventários post-mortem de proprietários escravistas de Mambucaba, 1840-1881.
Arquivo nacional e Museu da Justiça do Rio de Janeiro, RJ.
20
FLORENTINO, M. G. & GÓES, J. R. op. cit, p. 134. Tratou-se da mesma idade estipulada pelos
autores citados.
21
Ibidem, p. 134-135.
5
Comparativamente, ambas começavam a procriar mais cedo que a mulher
inglesa dos séculos XVII e XVIII e até mesmo que a escrava do sul dos Estados Unidos,
só para citar alguns exemplos22.
As mulheres escravas de Mambucaba davam à luz cedo e só tinham seus últimos
filhos entre os 39 e 42 anos. Foram contabilizadas 28 mulheres, entre 1830 e 1881,
distribuídas nas faixas etárias: 31-34 anos, foram cinco (17.9%); 35-38 anos, seis
(21.4%); entre os 39-42 anos, 14 (50.0%); e, com 43 anos ou mais, três (10.7%)23.
O procedimento adotado para o somatório foi semelhante ao de elaboração da
contagem para o início do período reprodutivo, ou seja, localizamos, nos inventários,
aquelas mulheres com idades, anotadas pelos avaliadores, acima dos 40 anos24 e
verificamos, nos registros de batismo, o ano de nascimento do último filho levado ao
sacramento, pois aqueles que estavam juntos a elas nos inventários poderiam não ser os
filhos mais novos. Aqui, ao contrário, estiveram presentes mães africanas e crioulas,
quase todas solteiras.
As cativas começavam a procriar cedo e tarde davam fim a esse estágio, mas por
quê? Mudando a pergunta, o que significariam os filhos para essa parcela da população?
Antes de responder, faz-se necessária a observação dos intervalos entre os
nascimentos. Sobre isso, dispomos de um número maior de mulheres encontradas nos
registros de batismo de seus filhos. Após rastreá-las, calculamos o intervalo entre os
nascimentos das crianças, trabalho do qual resultaram as tabelas a seguir. Observamos
apenas que os dados correspondem aos intervalos máximos, pois muitas das mães
contabilizadas poderiam ter tido, entre os intervalos calculados, filhos que morreram
antes mesmo do batismo.
Tabela 1-Intervalos entre nascimentos dos filhos de escravas de Mambucaba a partir de
suas origens e condições, 1830-1871
Intervalos
Solteiras
Casadas
22
Ibidem, p. 135.
Livro de Registros de Batismo de Escravos de Mambucaba, 1830-1871. Convento do Carmo, Angra
dos Reis, RJ e Inventários post-mortem de proprietários escravistas de Mambucaba, 1840-1881.
Arquivo nacional e Museu da Justiça do Rio de Janeiro, RJ.
24
FLORENTINO, M. G. & GÓES, J. R. op. cit, p. 136. Idade igualmente estipulada pelos autores
citados.
23
6
AF
%
CR
%
AF
%
CR
%
12m a 1A6m
18
10.9
25
15.1
6
12.8
4
16.7
1A7m a 2A
21
12.7
24
14.5
12
25.5
3
12.5
total 1
39
23.6
49
29.6
18
38.3
7
29.2
2A1m a 2A6m
32
19.4
37
22.3
11
23.4
7
29.2
2A7m a 3A
26
15.8
23
13.8
5
10.6
7
29.2
total 2
58
35.2
60
36.1
16
34.0
14
58.3
3A1m a 3A6m
18
10.9
14
8.4
1
2.1
0
0.0
3A7m a 4A
13
7.9
15
9.1
2
4.3
0
0.0
total 3
31
18.8
29
17.5
3
6.4
0
0.0
4A1m a 4A6m
12
7.3
14
8.4
5
10.6
1
4.2
4A7m a 5A
7
4.2
6
3.6
4
8.5
1
4.2
total 4
19
11.5
20
12.0
9
19.2
2
8.3
5A1m a 5A6m
10
6.1
3
1.8
1
2.1
1
4.2
5A7m a 6A
8
4.8
5
3.0
0
0.0
0
0.0
total 5
18
10.9
8
4.8
1
2.1
1
4.2
total geral
165
100.0
166
100.0
47
100.0
24
100.0
Fonte: Livro de Batismos de Escravos de Mambucaba, 1830-1871. Convento do Carmo,
Angra dos Reis, RJ.
Obs: A letra A refere-se aos anos e m aos meses. AF=Africanas e CR=Crioulas.
As africanas solteiras e as crioulas, tanto solteiras quanto casadas, davam à luz
entre dois anos e um mês a 3 anos (total 2), o que representava, em percentuais,
respectivamente, 35.2%, 36.1% e 58.3%. Ao contrário, no caso das africanas casadas, a
tendência era entre os 12 meses a 2 anos (total 1), 38.3%, particularmente, entre 1 ano e
7 meses a 2 anos, ou seja, o período entre um nascimento e outro era menor e, em tese,
deveriam ter mais filhos. Por quê?
Se levarmos em conta a idade de 19 anos estipulada por Florentino & Góes para
o nascimento do primeiro filho entre as africanas, já no Brasil, e calcularmos o período
reprodutivo destas, tendo como data final os 42 anos, idade máxima para o fim do
período reprodutivo, temos 23 anos, teoricamente, propícios à reprodução, ou 276
meses, que, se considerarmos o intervalo máximo de 24 meses entre um nascimento e
7
outro, a africana casada estaria apta a gerar 11.5 filhos. No caso da africana solteira,
chegando-se aos mesmos 276 meses, mas, com intervalo de 36 meses entre um filho e
outro, a média cairia para 7.7 filhos, ligeiramente abaixo dos 8.7 filhos entre as crioulas
solteiras e casadas, calculadas a partir dos 16 anos, idade máxima entre a faixa de 14-16,
até 42 anos, idade máxima para o final do período de reprodução, com 26 anos ou 312
meses divididos a intervalos de 36 meses. Disso, concluímos duas coisas: gerar filhos
era algo que interessava a comunidade escrava, mais ainda às africanas casadas.
Sobre a segunda observação, o fato pode estar associado a um dado empírico
localizado para os anos anteriores a 1830, no agro fluminense, que indica, quando do
momento da partilha, a maior permanência de famílias constituídas por africanos com
filhos, independentemente do contexto do tráfico externo, ao contrário do verificado
quando não tinham filhos, “a presença de filhos se constituía em fator agregador das
famílias escravas, com a consangüinidade dando maior estabilidade aos grupos
parentais”25. Famílias legalmente constituídas, africanas e com filhos, tinham um índice
de separação menor do que os outros tipos de estrutura familiar, leia-se as matrifocais
com mães de duas origens.
Cremos que as famílias deveriam conhecer tal tendência, adquirida pela
experiência e vivência no regime escravista ao qual respondiam, gerando filhos. As
mulheres africanas que, como vimos, contraíam matrimônio com homens africanos,
viam na união a expectativa da ressocialização e a busca da estabilidade. Dentro desse
projeto, os filhos tornavam-se importante alternativa visando garantir a permanência de
suas famílias nucleares, assim como a família seria entendida como espaço necessário
para a criação e formação dos descendentes.
Da mesma forma, os percentuais encontrados para os diferentes perfis de
famílias apontam para a necessidade de procriação. O que poderia ter significado o
nascimento de filhos naqueles intervalos?
Em primeiro lugar, seria o ponto de partida para a reconstituição de um núcleo
familiar anteriormente destruído, quer pelo tráfico externo, pela venda e/ou separação
de membros familiares pela partilha, condição inerente ao “viver escravo”. Além disso,
abriria possibilidades de estabelecimento de outros laços, como os de compadrio, tantas
vezes quanto nasciam as crianças e, conseqüentemente, de ampliação dos
25
Ibidem, p. 119-120.
8
conhecimentos. Em terceiro, a busca de criação de espaços de solidariedade, trocas,
ajudas mútuas, de passagem de experiências, valores e crenças.
Uma última questão a ser verificada diz respeito aos intervalos entre africanas de
diferentes procedências26. Sabe-se que os registros paroquiais e cartorários pouco
informam sobre as verdadeiras etnias das estrangeiras, deixando transparecer, em geral,
os portos de embarque destas, ao mesmo tempo, mediante características físicas, muitos
homens da época conseguiam reconhecer, dentro do grau de conhecimento que tinham
da África, possíveis procedências, principalmente daquelas comuns no tráfico para o
sudeste. Anotada a observação, apresentamos as variações entre os intervalos de
escravas africanas provenientes da chamada África Ocidental e da África Central
Atlântica. Observamos, claramente, diferentes comportamentos quanto à questão
analisada, diferença que não passava pela condição de casada ou solteira, mas a partir da
procedência.
Tabela 2-Intervalos entre nascimentos dos filhos de mães africanas de Mambucaba a
partir da procedência, 1830-1871
Intervalos
Solteiras
Casadas
AOC
%
ACA
%
AOC
%
ACA
%
12m a 1A6m
5
27.8
3
7.1
5
45.4
0
0
1A7m a 2A
4
22.2
4
9.5
2
18.2
1
14.3
total 1
9
50.0
7
16.6
7
63.6
1
14.3
2A1m a 2A6m
2
11.1
5
11.9
3
27.3
4
57.1
2A7m a 3A
1
5.6
11
26.2
1
9.1
1
14.3
total 2
3
16.7
16
38.1
4
36.4
5
71.4
3A1m a 3A6m
3
16.7
4
9.5
0
0
0
0
26
As procedência, as classificações e as identificações estavam relacionadas a etapas de conquista,
relações comerciais, assim como “vão desde os nomes das ilhas, portos de embarque, vilas, reinos a
pequenos grupos étnicos”. SOARES, Mariza de Carvalho. Identidade Étnica, Religiosidade e
Escravidão. Os “pretos minas” no Rio de Janeiro (século XVIII). Niterói: 1997. Tese (Doutorado em
História)-UFF, p. 87. Ver também: KARASCH, Mary C. A Vida dos Escravos no Rio de Janeiro, 18081850. São Paulo: Cia das Letras, 2000; FLORENTINO, Manolo Garcia. Em Costas Negras: Uma
História do Tráfico Atlântico de Escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos XVIII e XIX).
Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995; RUGENDAS, João Maurício. Viagem Pitoresca através do
Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Editora Itatiaia/Edusp, 1979.
9
3A7m a 4A
1
5.6
4
9.5
0
0
1
14.3
total 3
4
22.2
8
19.1
0
0
1
14.3
4A1m a 4A6m
0
0
2
4.8
0
0
0
0
4A7m a 5A
0
0
2
4.8
0
0
0
0
total 4
0
0
4
9.5
0
0
0
0
5A1m a 5A6m
1
5.6
4
9.5
0
0
0
0
5A7m a 6A
1
5.6
3
7.1
0
0
0
0
total 5
2
11.1
7
16.6
0
0
0
0
total geral
18
100.0
42
100.0
11
100.0
7
100.0
Fonte: Livro de Registros de Batismo de Escravos de Mambucaba, 1830-1871.
Convento do Carmo, Angra dos Reis, RJ.
Obs: A letra A refere-se aos anos e m aos meses. AOC=África Ocidental; ACA=África
Central Atlântica.
Na divisão por procedência, observamos uma diferença de comportamento,
quando o assunto era a procriação; diferença que não vinha a partir da condição de
solteira ou casada. As cativas da África Ocidental tenderam a ter filhos a intervalos de
12 meses a 2 anos (total 1), enquanto as da África Central Atlântica estendiam o período
para entre 2 anos e 1 mês a 3 anos (total 2).
Não podemos, por agora, afirmar os motivos que estariam por trás dos dados
levantados. Porém, algumas hipóteses podem e devem ser levantadas: a primeira diz
respeito aos padrões culturais africanos, ou seja, as diferenças verificadas acerca dos
intervalos entre os nascimentos poderiam resultar dos comportamentos reconhecidos e
praticados pelas mulheres em suas terras de origem; e a segunda possibilidade de
explicação talvez esteja nos padrões culturais oriundos do cativeiro, comportamentos
construídos no dia-a-dia.
Enfim,
algumas
dessas
mães
solteiras,
muitas
das
quais
africanas,
principalmente antes de 1850, buscaram e conseguiram casar-se. Mulheres que antes de
efetivar ou legalizar suas uniões geravam filhos ilegítimos, o que nos fez pensar nos
possíveis papéis que a procriação poderia desempenhar para a população escrava. Para
os proprietários, particularmente após 1850, a procriação escrava era uma das
possibilidades viáveis de reposição, em médio prazo, da mão-de-obra que se perdia,
10
reposição que não teria sido suficiente em Mambucaba para garantir um crescimento
populacional.
Para os escravos, os filhos representavam o ponto de partida para a elaboração
de uma nova unidade familiar, a adoção de laços de compadrio e, portanto, a
possibilidade de ampliação da família escrava, englobando compadres e comadres
escravos, forros e até livres. Os filhos chegavam cedo nas vidas das escravas, basta
verificar que, tão logo a fase reprodutiva chegasse, entre os 14 e 16 anos, para as
crioulas e quando as africanas chegavam ao Brasil, logo davam à luz. Assim como
estendiam essa fase até os 42 anos, mais ou menos. Ou seja, a fase reprodutiva
englobava uma média de 26 anos, com filhos que nasciam a intervalos de 12 meses a 2
anos e 2 anos e 1 mês a 3 anos.
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Casamento e Maternidade entre Escravas de Angra dos