DALPIAZ, Alexandra da Silva Santos – UFRGS – [email protected] Eixo: EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E NOVAS TECNOLOGIAS, / n.09 Agência Financiadora: Sem Financiamento Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. DA SALA DE AULA PRESENCIAL PARA O ESPAÇO VIRTUAL: O AMBIENTE ROODA E A CONSTITUIÇÃO DE SUJEITOS ALUNOS Este artigo tem por objetivo apresentar a investigação que venho realizando na minha dissertação de Mestrado, na linha dos Estudos Culturais em Educação do PPGEDU/FACED1, em que busco problematizar a constituição do sujeito aluno em um curso de Pedagogia a Distância. Neste estudo estou analisando o ambiente de aprendizagem Rooda, utilizado como a sala de aula virtual deste curso, buscando problematizar, a partir de observações feitas, suas implicações na constituição2 de sujeitos alunos no referido curso. No decorrer deste texto discorro sobre o espaço da sala de aula presencial para posteriormente, me deter no espaço virtual e em alguns ambientes de aprendizagem e mais especificamente apresentar e analisar o ambiente Rooda e seus mecanismos de acompanhamento e controle dos cursistas. Da sala de aula presencial para a sala de aula virtual A sala de aula da escola moderna tinha uma organização espacial específica de forma a permitir ao professor controlar a todos os alunos, vigiando-os, disciplinando-os, delimitando seus espaços, para melhor produzirem e serem mais eficientes. Atuando na produção de corpos dóceis e úteis como referido por Foucault (1987). Havia nessa configuração a delimitação do espaço e do tempo, uma delimitação de fronteiras. E hoje, na 1 Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação. Utilizo constituição porque estou entendendo a partir dos Estudos Culturais que ser aluno não é uma condição natural, mas uma produção, uma invenção moderna (Xavier, 2006) . 2 2 contemporaneidade, parece estar havendo uma dissolução dessas fronteiras (VEIGANETO, 2002, p.173). Atualmente, encontramos outros espaços de ocorrência de ensino. Dentre eles, o espaço mediado pelo uso da Internet, também conhecido como espaço virtual que é “um espaço desmaterializado, é um espaço cibernético, é o ciberespaço “(SARAIVA, 2006, p.53). No ciberespaço a comunicação e a interação entre os usuários acontece através da interconexão dos computadores, que promove ainda o compartilhamento de informações. Esta comunicação pode acontecer por meio de encontros síncronos3, através de ferramentas como: MSN[4], Skype[5], Chat[6], entre outras. Contudo, também há outras ferramentas que viabilizam a comunicação de forma assíncrona, entre elas: os Blogs[7], o Orkut[8], ou ainda o Pbwiki[9] e o Webnote[10]. Nesse caso, o encontro, conforme Saraiva (2006) não necessita da sala de aula, mas acontece em um não-lugar no ciberespaço. Mas vale ressaltar que estas trocas não são totalmente sem fronteiras, há formas de controle e vigilância atuando neste ciberespaço e que mostram que estas fronteiras estão minadas. A transição da sala de aula para o espaço virtual desacomoda e propõe uma ruptura com as formas modernas de organização do espaço, como as delimitações dos corpos no espaço, o quadriculamento dos sujeitos, promovendo um novo pensar sobre as relações entre as pessoas, novas formas de controle, de constituição de sujeitos incluindo sujeitos alunos, no âmbito do virtual. Mas como pensar estas formas de controle e estas relações nos cursos de Educação a Distância? Nos cursos de EaD estas relações entre os sujeitos acontecem, em sua maioria, em espaços também entendidos como sala de aula virtual. Assim sendo, os cursos de EaD utilizam sites desenvolvidos especialmente para suas propostas. Estes sites também são conhecidos como ambientes virtuais de aprendizagem como sala de aula virtual. 3 Comunicação síncrona é a que acontece de forma simultânea entre os usuários. Assíncrona sem participação simultânea dos usuários. 3 Ambientes de Aprendizagem: o ambiente Rooda Antes de apresentar o ambiente Rooda, considero oportuno falar sobre as funcionalidades gerais dos ambientes de aprendizagem. Tais ambientes, criados para os cursos à distância, buscam aproximar e concentrar os indivíduos num local virtual comum, viabilizando ferramentas que permitem comunicações síncronas e assíncronas entre os participantes. Esses ambientes começaram a serem desenvolvidos na década de 90. São eles de acesso gratuito e podem ser baixados pelas instituições de ensino via internet. De acordo com Saraiva (2006, p.133) “o primeiro ambiente desenvolvido no Brasil foi o AulaNet, resultante de um projeto de pesquisa da PUC-RIO e disponibilizado para acesso público em 1998”. Temos ainda o TelEduc, desenvolvido pela Unicamp, o Eureka desenvolvido pela PUC-PR, o MOODLE4, o NAVI5 e o ROODA, esses últimos desenvolvidos pela UFRGS. Cada um desses ambientes possui uma arquitetura e ferramentas específicas utilizadas de acordo com a demanda do curso e ou dos professores. É interessante problematizar as formas de controle exercidas nesses ambientes de aprendizagem: como isto acontece? Há ferramentas desenvolvidas para este fim? É possível pensar o controle no espaço virtual como mais um mecanismo de constituição de sujeitos alunos, mesmo tendo clareza de que a identidade aluno é provisória, instável como qualquer identidade, segundo Hall (1998). O curso de Pedagogia a Distância que estou acompanhando utiliza o ambiente Rooda. Neste ambiente o professor pode escolher as ferramentas que melhor se adaptam a sua metodologia de trabalho. Há possibilidade de escolha de três interfaces6 gráficas (layout do ambiente) pelos usuários, sendo essas: aqua, grafite e fotográfica. Este ambiente tem funcionalidades síncronas e assíncronas que visam facilitar a comunicação entre os 4 Moodle UFRGS é um software para gestão da aprendizagem e de trabalho colaborativo, permitindo a realização de cursos à distância ou suporte para atividades das disciplinas presenciais da UFRGS. 5 NAVI é um ambiente interativo de aprendizagem, englobando recursos como salas de vídeo-chat, fórum, torpedo, mural de recados, correio integrado, publicação de conteúdos e notícias, agenda de cursos e muitos outros. Desenvolvido pela Escola de Administração da UFRGS. 6 Estas interfaces conforme a conexão com a Internet alteram a velocidade do ambiente. A que deixa o ambiente mais leve para navegação é a grafite e a mais pesada é a fotográfica. 4 participantes e o uso integrado de diferentes ferramentas, como: diário de bordo7, fórum8, webfólio9, sala de bate-papo10, biblioteca11, lista de discussão12, aulas13, entre outras. Pensando nas formas de controle presentes neste ambiente, um dos meus interesses de pesquisa, tenho acompanhado o uso de ferramentas pelos tutores e professores do curso. Os cursistas para terem acesso ao ambiente precisam se identificar com login e senha e para terem seu acesso registrado no sistema do ambiente, precisam encerrar a sessão no Sair que se localiza no canto superior da página. Nesse modo de sair está implícita uma forma de controle, pois se o aluno não sair pela forma correta como saberão professores e tutores que ele esteve no ambiente e o que fez lá? Os alunos sabem que devem acessar o ambiente com regularidade, seja postando seus trabalhos no webfólio, seja participando dos fóruns de discussão ou das salas de bate-papo, seja escrevendo em seus diários de bordo. Mesmo que tenham como escolher o momento em que farão as atividades, devem cumprir exigências mínimas, como manter regularidade na freqüência ao ambiente. Embora não tenham o professor ou o tutor controlando-os em tempo real, sabem que são vigiados e controlados diariamente, o que possivelmente, também está contribuindo, para a modelagem de seus corpos no âmbito do virtual. Um exemplo desse controle é a ferramenta interRooda que permite rastrear os acessos dos cursistas aos fóruns nas diferentes interdisciplinas, o número de comentários feitos, as contribuições nas salas de bate-papo, nos diários de bordo, nas enquetes, os acesso ao espaço aulas, webfólio, verificando ainda o tempo de duração do uso dessas ferramentas. E esse controle pode servir para duas situações: ajudar o cursista quando este demonstra dificuldades, de cunho tecnológico ou de conteúdo, bem como para vigiá-lo e cobrar-lhe participações e/ou postagens, tentando enquadrá-lo no modelo de aluno que o curso busca, qual seja, o aluno 7 Diário de bordo é um espaço dentro do ambiente que serve como um diário em que os alunos escrevem suas dificuldades, facilidades, enfim, falam de si. 8 Fórum é um espaço para discussão de determinado tema proposto pelo professor ou por qualquer aluno do curso. 9 Webfólio é um espaço no ambiente destinado a postagem de trabalhos, arquivos feitos pelo cursista. Funciona como um caderno virtual. Todos os trabalhos desenvolvidos pelos cursistas são postados neste espaço para acompanhamento do tutor e do professor. 10 Espaço para discussão entre os alunos, professores e tutores acerca de alguma temática. Pode ser aberta por qualquer usuário e usada inclusive pelos tutores para auxiliarem os alunos nas atividades 11 Espaço em que são depositados materiais para os alunos acessarem, como, textos, vídeos. 12 Lista de discussão pode ser proposta por qualquer usuário acerca de um tema. Pode ser uma dúvida de algum aluno, tutor ou uma proposta de discussão feita pelo próprio professor. 13 Espaço em que os professores lançam as atividades para os alunos dentro de cada interdisciplina. 5 participativo, crítico e autônomo. O interRooda assim, constitui-se uma ferramenta para auxiliar o professor e o tutor no acompanhamento dos alunos, sendo também um instrumento de controle. Considero que neste ambiente de aprendizagem também se está contribuindo para produção de corpos “docilizados, disciplinados” conforme analisa Foucault (1987), porque os alunos além de serem controlados em seus acessos também são interpelados em suas produções. E estas interpelações têm intencionalidade. Os tutores e os professores fazem questionamentos e problematizações a partir do referencial teórico que embasa o projeto do curso. Com isso, estão olhando para as produções destes alunos com as lentes teóricas do mesmo e assim, atuam constituindo formas de ver, ser e fazer, ou seja, imprimindo marcas nestes alunos. Ainda merece ser referido, o diário de bordo, ferramenta que todos os envolvidos devem usar e, os alunos em especial, para falarem de si, de suas aprendizagens, de suas dificuldades, das relações que estão conseguindo estabelecer com suas práticas de sala de aula14. Os alunos podem escolher deixar suas postagens visíveis para todos os participantes do curso, ou somente para os professores, podem ainda não torná-las visíveis. Contudo é sugerido que o aluno se exponha para melhor ser acompanhado, ser controlado, inclusive no que faz fora do curso quando fala de sua prática enquanto professor. No caso de optar por deixar visível para os demais colegas e professores, abre a possibilidade para a interação, para questionamentos. Neste ambiente de aprendizagem, todos os movimentos dos alunos são controlados. O que me faz relembrar um trecho do capítulo III do Vigiar e Punir em que Foucault (1987), comenta as medidas adotadas quando se instala a peste na cidade e as pessoas ficavam confinadas em suas casas, apresentadas pelo autor como: espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar fixo, onde os menores movimentos são controlados, onde todos os acontecimentos são registrados [...] onde cada indivíduo é constantemente localizado, examinado e distribuído [...](FOUCAULT, 1987, p.163) 14 Todos os alunos são professores da rede estadual e municipal do RS. 6 Todo este controle e distribuição dos indivíduos no espaço, para Foucault, constituíam um ”modelo compacto do dispositivo disciplinar” (p.163), num espaço físico fixo. No caso do ambiente Rooda, vejo aproximação com a análise foucaultiana sobre o dispositivo disciplinar. Neste ambiente os cursistas também são controlados nos menores movimentos feitos no ambiente e principalmente, pela ferramenta interRooda. Tudo que é feito por cada cursista fica registrado no ambiente e além de localizados, são também examinados nesse espaço virtual. Contudo, este controle que a partir de Foucault entendo como a individualização da multiplicidade, não se esgota somente no uso do interRooda. Os tutores também fazem uso de planilhas elaboradas no Google, planilhas em que aluno é avaliado pela sua produção. É também pelo uso destas planilhas que os alunos são individualizados, controlados em suas ações, atuações no curso. No processo de constituição de alunos acredito que este ambiente participe ativamente, pois os mecanismos de controle são evidentes e imprimem marcas. Considerações possíveis Nesta análise do ambiente Rooda pode-se perceber que suas ferramentas estão comprometidas com ensinamentos de como ser aluno deste curso de Pedagogia a Distância. Mesmo que haja flexibilidade nos tempos de estudo, o aluno acaba tendo que acessar o ambiente, marcar presença, pois afinal, ele é vigiado, controlado, seja pelo tutor ou mesmo pelo professor. São olhos que vêem sem serem vistos (Foucault, 1987). Vejo que neste ambiente de aprendizagem o modelo panóptico15, do ensino presencial ganha novas configurações. Não há vigilância em tempo real, mas os alunos são vigiados nesta sala de aula virtual, seja através dos trabalhos publicados nos seus webfólios, seja nos acessos e comentários feitos nos fóruns, também nos comentários que fazem nos de seus colegas, na participação de salas de bate-papo viabilizadas pelo curso. Penso se tratar, neste caso, de formas atualizadas de panoptismo, numa realidade contemporânea cuja organização, como alerta Deleuze (1992), parece estar se deslocando de uma lógica 15 Edifício em forma de anel com uma torre no meio em que todos eram vigiados em todos os seus pontos (Foucault, 1987) 7 disciplinar para uma lógica de controle. Controle exercido, no ambiente de aprendizagem desse curso, pelo tutor, pelo professor e também pelo próprio aluno. O controle do curso do tutor e do professor pelo próprio aluno será foco de análise em outro momento de minha dissertação. REFERÊNCIAS DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro:Editora 34, 1992. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1987. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade, Rio de Janeiro: DP&A editora, 2 ed. 1998. SARAIVA, Karla. Outros Espaços, Outros Tempos: Internet e educação. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação, Programa de PósGraduação em Educação, 2006, Porto Alegre, BR-RS. VEIGA-NETO, Alfredo. De Geometrias, Currículo e Diferenças. In: EDUCAÇÃO E SOCIEDADE nº 79. Campinas: CEDES, 2002, p.163-186. XAVIER, Maria Luisa M. Os incluídos na escola: o disciplinamento nos processos emancipatórios. In.: Maria Lucia C. Wortmann e outros (Org.). Ensaios em estudos culturais, educação e ciência. Porto Alegre: UFRGS EDITORA, 20007