HOMILIA – II Domingo do Advento B Quando Winston Churchill, ainda jovem deputado, acabou de pronunciar o seu primeiro discurso na Câmara dos Comuns, em Inglaterra, perguntou a um velho deputado amigo de seu pai qual a sua opinião a propósito do discurso que acabara de proferir. Este, em tom paternal, colocou-lhe a mão no ombro e respondeu: - Meu caro, acabou de cometer um enorme erro. Foi muito brilhante neste seu primeiro discurso. Deveria ter começado mais na sombra. Devia ter também gaguejado um pouco. Com a inteligência que hoje demonstrou, deve ter conquistado pelo menos trinta inimigos nesta casa. O talento assusta. Por isso, o seu brilhante discurso foi algo de imperdoável. O talento assusta… Temos que admitir que, nos dias que correm como ontem, a maior parte das pessoas, encasteladas em posições políticas, é medíocre. Pior do que isso, tem um indisfarçável medo à inteligência. Mas a mediocridade é transversal a todos os grupos da nossa sociedade. A todos sem excepção: no campo político, associativo, autárquico, cultural, religioso, etc. E, de modo geral, os medíocres são muito obstinados na conquista de posições. Sabem ocupar os espaços deixados vazios pelos inteligentes que se não pavoneiam na praça pública. Por isso, vezes sem conta vem à minha memória a célebre trova do poeta de Loulé – António Aleixo: Há tantos burros a mandar Em gente de inteligência Que, às vezes, fico a pensar Que a burrice é uma ciência. Neste momento, todos vós vos estareis a questionar: o que tem este arrazoado a ver com a Palavra que acabamos de escutar? Vem tudo isto a propósito de uma das figuras centrais do tempo do Advento – João Baptista. Quem é este homem do qual há instantes nos falou São Marcos? É ele próprio que a si mesmo se apresenta: “Vai chegar depois de mim quem é mais forte do que eu, diante do qual eu não sou digno de me inclinar para desatar as correias das suas sandálias”. Se o Baptista aqui estivesse neste momento e, à semelhança de Jorge (na XV cena de “Frei Luis de Sousa”, de Almeida Garrett), lhe perguntássemos: “romeiro, romeiro quem és tu?”, ele, apontando com o bordão para o alto, responderia: “Ninguém!” João, o filho de Zacarias e de Isabel, é um homem grande. Se fosse um desses medíocres que existiam na sociedade do seu tempo, ter-se-ia aproveitado da situação. Afinal, ele era a grande “estrela” do momento. As multidões acorriam ao deserto. Tudo, no começo dos Evangelhos, gira ao seu redor. Todos os holofotes estão orientados para o profeta austero do deserto. Como seria fácil ceder à tentação do triunfalismo fácil! Todavia, João deixa bem claro que ele não é a luz, mas a candeia; ele não é o Senhor, mas o servo. João, o profeta da voz de fogo, porque verdadeiramente grande, é um homem profundamente humilde. Aliás a grandeza duma pessoa é sempre e obrigatoriamente proporcional à sua humildade! O reconhecimento da pequenez de alguém feito por ele próprio mais não é do que a manifestação da sua grandeza! Por isso, o Padre Américo afirmava: “nunca o homem é verdadeiramente grande como quando é humilde”. João Baptista evita centrar a atenção na sua pregação e na sua pessoa. Não chama a atenção sobre si mesmo. Não ocupa o primeiro lugar, não reconhece a sua grandeza nem procura o triunfo fácil; bem pelo contrário, convida os seus ouvintes a direccionarem o olhar para o Outro, Aquele que está para chegar. São mesmo assim os homens verdadeiramente grandes: caminham sempre “rasteirinhos à erva” (Pe. Américo) com a certeza que “destas alturas nunca ninguém caiu” (idem). Neste 2º domingo do Advento, João Baptista aponta-nos um caminho para prepararmos o coração para acolher o Messias: a HUMILDADE! O convite do Baptista é-nos dirigido a todos nós sem excepção, membros da hierarquia e fiéis leigos. Por isso, poder-nos-emos hoje interrogar: 1º Não assistiremos, muitas vezes, a demasiada ostentação por parte dalguns membros da hierarquia das Igrejas Cristãs? Não será por vezes em exagero a vaidade no modo de vestir e de viver, nos carros de alta cilindrada, etc.? Ou a ostentação será proporcional à sua mediocridade? 2º Quando, por aí, a propósito desta ou daquela efeméride, há por parte da hierarquia da Igreja a grande preocupação em convidar e receber com grande pompa e circunstância todas as autoridades civis e militares (vivas e até mesmo as “falecidas”), estaremos nós a ser testemunhas de Jesus Cristo ou obcecados com um triunfalismo oco, parolo, saloio, ridículo e até mesmo patético? 3º Não haverá, muitas vezes, vaidade em demasia nas festas sociais do baptizado, nos casamentos, nas Comunhões e até mesmo nos funerais? Ou será toda essa ostentação sinal de um profundo vazio interior? 4º Não haverá vaidade em demasia nas nossas paróquias por parte de muitos catequistas nas Primeiras Comunhões e nas Profissões de Fé? Ou toda essa vaidade serve para encobrir uma deprimente falta de fé? 5º Quando nós, cristãos em geral, confundimos o TER com o SER, buscamos em demasia os aplausos, nos pavoneamos com muita pompa em determinados dias do ano e achamos que somos alguém porque temos alguma coisa para mostrar, sentir-nos-emos membros dessa “Igreja serva e pobre” da qual falava o bondoso Papa João, ou seremos antes uns pobres de espírito passeando na praça pública uma indescritível e mal disfarçada mediocridade intelectual, cultural e moral? Que, neste domingo, a nossa prece seja a mesma do redactor do salmo 84 (85): “Mostrai-nos o Vosso amor e dai-nos a Vossa salvação”.