César Lacerda | Paralelos & Infinitos
“Love is so essential! Love is so celestial! Love is so special! Love is so delicious!
Love is...”
Ter o amor como tema pode parecer, num primeiro momento, algo corriqueiro e banal. O
lugar-comum. Entretanto, o que acontece quando um artista decide converter essa
matéria-prima em um elemento instável, de alto risco? E ainda, optar por uma abordagem
leve e sintética? Foi esse o caminho que César Lacerda escolheu para o seu novo disco,
Paralelos & Infinitos (Joia Moderna). E há algo de revolucionário nessa escolha.
Afinal, em um momento de tanta hostilidade e descrença, nada mais radical para um
artista do que abrigar em sua obra o afeto. Lacerda, como grande músico que é, sempre
soube fazer isso de forma singular, exibindo, desde seu primeiro disco, Porquê da Voz
(2013, independente), uma identidade luminosa, sensível e inventiva.
Nascido em Diamantina (MG) e radicado por oito anos no Rio de Janeiro, Lacerda jamais
perdeu seu DNA mineiro, bem como jamais deixou de externar sua vontade em expandilo e se tornar universal. O que seria para muitos uma ideia conflituosa, para ele foi um
poderoso impulso que o permitiu se abrir a vários diálogos. Algo que pode ser
comprovado nos projetos em que vem se envolvendo desde o lançamento de seu álbum
de estreia, há dois anos. Nesse período, o músico trabalhou ao lado de nomes de diversas
cenas e gerações: Lenine, Marcos Suzano, Emicida, Paulinho Moska, Fernando
Temporão, Letícia Novaes (Letuce), Juçara Marçal, o poeta Eucanaã Ferraz, o
ator Matheus Nachtergaele, entre outros. Também esteve presente nos EPs
Instantâneos (2014, DOBRA) e Banquete (2014, Banda Desenhada Records); no
tributo aos Novos Baianos, Tinindo e Trincando (2014, Jardim Elétrico); e na
coletânea Mar Azul (2015, Slap – Som Livre), em homenagem ao Clube da Esquina.
Por conta de seu trabalho, o músico se apresentou em diversas casas de show do país,
como os SESC’s Vila Mariana (SP), Palladium (BH) e Tijuca (RJ), Oi Futuro (RJ) e Teatro
Paiol (PA), além de ter realizado turnês por vários países, como Uruguai, Cuba, Portugal,
Holanda, Alemanha e Itália. Toda essa experiência, tanto musical quanto pessoal, foi
muito importante para a gestação de Paralelos & Infinitos. Lançado em um momento
de transição, quando Lacerda decide mudar-se para a cidade de São Paulo, o disco trata,
exclusivamente, de um relacionamento amoroso.
Abordando os aspectos mais resplandecentes dessa relação, o artista desfruta dessa
felicidade (perene ou efêmera, não importa) revolvendo-a, criando uma paisagem que, ao
invés de revelar fissuras, mostra seu núcleo duro, explendoroso e brilhante. Ainda que
efusivo, Paralelos & Infinitos se apresenta como um trabalho íntimo, delicado e
confessional. Seu título foi retirado do livro Amor em segunda mão (2006) da escritora
portuguesa Patrícia Reis. A expressão é usada pela autora para designar a linha do
horizonte, o encontro do mar com o céu, uma metáfora à relação a dois.
Na capa e contracapa do disco, Lacerda e sua namorada, a atriz Victoria Vasconcelos,
aparecem em um ambiente ao mesmo tempo aquático e cósmico, remetendo a Joia
(1975), de Caetano Veloso; e a Histoire de Melody Nelson (1971), de Serge
Gainsbourg. Esse clima familiar e cúmplice se estende ao longo de todo o álbum. Nele,
Lacerda gravou a maioria dos instrumentos e vozes, contanto com colaborações pontuais,
dentre elas, a própria Victoria, Cícero, Mahmundi, Lucas Vasconcellos (Letuce) e
Pedro Carneiro, este último, também produtor do disco.
Esteticamente, Lacerda promoveu em Paralelos & Infinitos uma fusão de influências
que lhe são bastante caras: Milton Nascimento, Caetano Veloso, Grizzly Bear e,
mais fortemente, DM Stith. Assim, é possível observar tanto um preciosismo
notoriamente ligado ao som de Minas quanto a pesquisa timbrística e uma ambiência que
remetem aos artistas contemporâneos da cena indie folk norte-americana.
Essa referência fica clara logo na primeira faixa: “Algo a dois” (César Lacerda) é uma
canção pop e solar onde se destaca o coro e a bateria sem firulas. Na seguinte, a balada
“Touro indomável” (César Lacerda/Francisco Vervloet), o músico se aventura
corajosamente no falsete, criando um ambiente quase onírico. A próxima faixa, “21”
(César Lacerda), é uma cantiga onde o autor, ao seu modo, dá uma resposta a Caetano
Veloso e à sua composição “Tudo dói”. Destacam-se os violinos de Conrado Kempers,
da banda carioca Dos Cafundós. De temática existencial, a quarta música, “Olhos”
(César Lacerda/Luiz Rocha) discorre sobre os contratempos do cotidiano e da descoberta
do amor. Nela, há a participação de Lucas Vasconcellos (guitarra e sintetizador) e
Conrado Kempers (sarodi).
Em “Gurajuba” (César Lacerda), o músico divide os vocais com Victoria. É uma canção
que tanto flerta com a música regional quanto o bluegrass norte-americano. O título é
uma referência à Praia de Guarajuba, na Bahia, onde Lacerda a compôs. Há nessa faixa a
participação especial de João Machala (trombones) e Rafael Mandacaru Orlandi
(guitarra), integrantes da banda mineira Iconilli. A canção seguinte é a que dá nome ao
disco, “Paralelos & Infinitos” (César Lacerda), e conta com a participação de
Mahmundi na bateria eletrônica. A música aborda o aparecimento da palavra “amor” no
discurso amoroso. Na seguinte, “Love is” (César Lacerda), o músico flerta com
elementos mais experimentais, numa sonoridade que, de certa forma, se contrapõem à
fragilidade e à delicadeza da letra. A faixa foi inspirada no filme Sonhando Acordado, de
Michel Gondry, com trilha sonora de Jean-Michel Bernard; e conta com a participação de
Cícero (órgão). “Quiseste expor teu corpo a nu” (César Lacerda) encerra o álbum de
forma contundente. Com um arranjo de voz complexo, a música se apresenta
praticamente nua de instrumentos.
Numa espécie de autocrítica, Lacerda finaliza sua narrativa amorosa com um olhar
bastante maduro, mas sem jamais deixar de lado a suavidade que tanto permeia
Paralelos & Infinitos.
Márcio Bulk | Agosto 2015
Márcio Bulk é pesquisador musical, letrista e editor do site Banda Desenhada.
www.cesarlacerda.com
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