UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE ARTES E LETRAS CURSO DE MÚSICA MÉTHODE DE VIOLON: A METODOLOGIA DO CONSERVATOIRE DE PARIS ATRAVÉS DE SEU PRIMEIRO MÉTODO SISTEMÁTICO PARA VIOLINO MONOGRAFIA DE CONCLUSÃO DE CURSO Karen Alessandra Wiprich Santa Maria, RS, Brasil 2014 MÉTHODE DE VIOLON: A METODOLOGIA DO CONSERVATOIRE DE PARIS ATRAVÉS DE SEU PRIMEIRO MÉTODO SISTEMÁTICO PARA VIOLINO Karen Alessandra Wiprich Monografia apresentada ao curso de Música – Licenciatura Plena, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de Licenciada em Música. Orientador: Prof. Dr. Pedro Aurélio Persone Santa Maria, RS, Brasil 2014 Universidade Federal de Santa Maria Centro de Artes e Letras Curso de Música A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Monografia de Conclusão de Curso MÉTHODE DE VIOLON: A METODOLOGIA DO CONSERVATOIRE DE PARIS ATRAVÉS DE SEU PRIMEIRO MÉTODO SISTEMÁTICO PARA VIOLINO elaborada por Karen Alessandra Wiprich Como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciada em Música COMISSÃO EXAMINADORA: _________________________________________ Prof. Dr. Pedro Aurélio Persone (Presidente/Orientador) ________________________________________ Prof. Dra. Cláudia Ribeiro Bellochio (UFSM) ________________________________________ Prof. Dra. Isabel Nogueira (UFRGS) Santa Maria, 12 de dezembro de 2014 AGRADECIMENTOS Agradeço à minha família pelo carinho e apoio em todos os momentos. Ao meu orientador, professor Pedro Persone. Obrigada pelo incentivo, pelos ensinamentos e, principalmente, por me mostrar que a busca pelo conhecimento é agradável e instigante. À professora Yara Quercia Vieira, que além de dedicada professora de violino, foi colaboradora e entusiasta deste trabalho. Às professoras Cláudia Ribeiro Bellochio e Isabel Nogueira por terem gentilmente aceitado participar de minha banca. Agradeço aos professores que me ensinaram com dedicação e foram fundamentais nesta etapa de minha formação. Aos meus colegas, pela troca de ideias e conselhos. Aos meus amigos, agradeço pelos bons momentos vividos. RESUMO Monografia de Conclusão de Curso Curso de Música – Licenciatura Plena Centro de Artes e Letras Universidade Federal de Santa Maria MÉTHODE DE VIOLON: A METODOLOGIA DO CONSERVATOIRE DE PARIS ATRAVÉS DE SEU PRIMEIRO MÉTODO SISTEMÁTICO PARA VIOLINO AUTORA: KAREN ALESSANDRA WIPRICH ORIENTADOR: PEDRO AURÉLIO PERSONE Data e local da defesa: Santa Maria, 12 de dezembro de 2014. Esta pesquisa teve como uma das finalidades buscar elementos da história da educação musical. Para isso, foi necessário delimitar um período histórico significativo e escolher uma ferramenta que possibilitasse a compreensão do processo de ensino/aprendizagem naquele espaço de tempo determinado. A criação do Conservatoire de Paris foi um marco para a história do ensino de música e o estudo dos primeiros anos desta Instituição se mostrava pertinente para os objetivos da pesquisa. O primeiro método sistemático de violino escrito pelos três professores do Conservatoire era uma ferramenta preciosa para desvendar o que os autores da obra achavam pertinente na formação de um violinista. Assim, o Méthode de Violon (1803) de Pierre Marie François de Sales Baillot (1771-1842), Jacques Pierre Rode (1774-1830) e Rodolphe Kreutzer (1766-1831) foi escolhido e analisado. Autores de outras obras importantes na literatura pedagógica do violino deram suporte a esta análise mostrando semelhanças na maneira de pensar o ensino deste instrumento. O estudo coloca em evidência o caráter técnico dos exercícios apresentados no Méthode, tendo em vista que uma obra como esta buscava contemplar questões recorrentes a todos os violinistas. Ao mesmo tempo mostra uma grande preocupação dos autores na formação de um instrumentista completo, que procura na música a sua forma de expressão. O texto contempla, direta e/ou indiretamente, três áreas da música: musicologia, educação musical e performance. Palavras-chave: História da educação musical. Método de violino. Conservatoire de Paris. Ensino instrumental no século XIX. Musicologia. ABSTRACT Final paper Curso de Música – Licenciatura Plena Centro de Artes e Letras Universidade Federal de Santa Maria MÉTHODE DE VIOLON: A METODOLOGIA DO CONSERVATOIRE DE PARIS ATRAVÉS DE SEU PRIMEIRO MÉTODO SISTEMÁTICO PARA VIOLINO AUTHOR: KAREN ALESSANDRA WIPRICH ADVISER: PEDRO AURÉLIO PERSONE Date and Place of the presentation: Santa Maria, December 12, 2014. One of the purposes of this study was search of elements of History of Music Education. It was necessary to define a significant historical period and choose a tool that would enable the understanding of the process of teaching/learning in that time. The foundation of the Conservatoire de Paris was an important event in the history of music education and the study of the early years of this institution showed relevant to the research objectives. The first systematic method for violin written by three professors of the Conservatoire was a valuable tool to unravel the most important ideas of the authors about the educational training of a violinist. Thus, the Méthode de Violon’s (1803) Pierre Marie François de Sales Baillot (1771-1842), Jacques Pierre Rode (1774-1830) e Rodolphe Kreutzer (1766-1831) was chosen and analyzed. Authors of other important works in the violin pedagogical literature have supported this analysis showing similarities in thinking the teaching of this instrument. The study highlights the technical nature of the exercises presented in the Méthode, considering that a work like this sought include recurring issues to all violinists. At the same time shows a great concern of the authors in the formation of a complete player, who seeks his music in form of expression. The text provides, directly and indirectly, three areas of music: musicology, music education and performance. Keywords: History of music education. Violin method. Conservatoire de Paris. Instrumental teaching in nineteenth century. Musicology. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 7 1. A MUSICOLOGIA CONTRIBUINDO COM OS ESTUDOS EM EDUCAÇÃO MUSICAL .......................................................................................................... 11 2. A EDUCAÇÃO NA REVOLUÇÃO FRANCESA .............................................. 14 3. O CONSERVATOIRE DE PARIS ..................................................................... 19 4. OS AUTORES DO MÉTHODE DE VIOLON .................................................... 22 4.1. Giovanni Battista Viotti (1755-1824) ......................................................... 23 4.2. Pierre Marie François de Sales Baillot (1771-1842) ................................. 25 4.3. Jacques Pierre Rode (1774-1830) ............................................................. 26 4.4. Rodolphe Kreutzer (1766-1831) ................................................................. 27 5. ESCOLAS DE VIOLINO .................................................................................... 29 6. DISCURSO SOBRE O MÉTODO ...................................................................... 38 7. DISCUTINDO O TERMO MÉTODO .................................................................. 43 8. ANÁLISE DO MÉTHODE DE VIOLON ............................................................. 46 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 90 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 93 7 INTRODUÇÃO Ao longo da minha graduação diferentes anseios surgiam e variados questionamentos despertavam minha busca pelo conhecimento. Como aluna da licenciatura me via instigada a buscar respostas que complementassem o conteúdo do meu curso. Através da Musicologia percebia a possibilidade de contribuir como pesquisadora e como educadora musical. Em minha compreensão, musicologia e educação musical andavam juntas e deviam ser aliadas, pois traziam, ao mesmo tempo, ideias diferentes e complementares entre si. Nas duas áreas o objeto de estudo principal é a música e por mais diferentes e estranhos caminhos que possam tomar, de alguma maneira há uma ideia musical como estímulo. Além destas duas áreas, a performance instrumental, especificamente a performance ao violino que é o instrumento por mim escolhido, fazia parte dos meus questionamentos e inquietações. Contemplar estas três áreas em um único trabalho é uma tarefa complexa e claramente não é o intuito deste estudo. Mas não há duvidas que a escolha do tema para esta monografia foi influenciada por estes três campos do conhecimento em música. A escolha de um método para violino traz questões pertinentes à educação musical, pois o método é um registro do que é considerado primordial no ensino de um instrumento ou de que maneira os autores daquela obra, que em grande parte dos casos foram educadores musicais, procediam no ensino do seu instrumento. Ao mesmo tempo, a obra traz informações preciosas na construção da performance instrumental quando esta tem por principal objetivo formar um instrumentista, como é caso do objeto deste estudo. Por fim, esta pesquisa tem como um dos principais interesses buscar elementos da história do ensino da música e analisá-los através de um olhar musicológico, buscando compreender dados que fazem parte do contexto da obra, indo além do que está escrito. Para tanto era necessário delimitar um período histórico e buscar o objeto de pesquisa que pudesse contribuir para a compreensão do processo de ensino/aprendizagem da música. A fundação do Conservatoire de Paris em 1795 foi um marco importante na história do ensino de música. Ele influenciou os Conservatórios que seriam fundados 8 posteriormente e consolidou um modelo de ensino musical que ainda é referência. Em minha concepção, construir um saber sobre a história da educação musical requeria estudar esta importante Instituição. Delimitar este estudo aos primeiros anos do Conservatoire se mostrou relevante neste intuito. Desta forma, era necessário buscar ferramentas que ajudassem a entender o processo de ensino/aprendizagem de música de dois séculos atrás. O objeto de estudo que se mostrava mais adequado a este propósito deveria ser um registro das principais ideias de como se deve proceder no ensino de música, mais especificamente no ensino de violino. Além disso, deveria estar em consonância com os objetivos do Conservatoire. Nos oito primeiros anos do Conservatoire a obra de dois autores foi adotada: Jean-Baptiste Cartier (1765-1841), que dedicou à instituição o seu L’Art du violon ou collection choisie dans les sonates dês écoles italienne, françoise et allemande précedée d’um abrégé dês príncipes pour cet instrument (1798) e Michel Woldemar (1750-1816) com seu Grande méthode ou étude élémentaire pour le violon, de 1800. Luis Otávio Santos nos diz que “Contudo, essas obras não representam nem retratam a metodologia adotada pelo Conservatoire.” (SANTOS, 2011, p.60) O método mais representativo, portanto, era o Méthode de Violon (1803) encomendado aos três professores de violino da Instituição: Pierre Marie François de Sales Baillot (1771-1842), Jacques Pierre Rode (1774-1830) e Rodolphe Kreutzer (1766-1831). Os autores se propuseram a revisá-lo 30 anos depois, no entanto, com a morte de Kreutzer e Rode, essa revisão foi feita apenas por Baillot, dando origem ao célebre L’Art du Violon (1834), considerado uma das obras mais importantes na literatura para violino. Seguindo o objetivo deste trabalho, apenas o Méthode de Violon será analisado, retratando os primeiros anos do Conservatoire, dando subsídios a futuras pesquisas que tragam o L’Art du Violon como objeto. Os três autores do Méthode eram grandes violinistas e reconhecidos professores, formando alguns dos mais importantes violinistas daquela época. Publicar os principais ideais e elementos necessários à formação de um violinista não é tarefa fácil. Ela se torna ainda mais difícil quando não se há muitos modelos a 9 seguir. Era um trabalho inovador que procurava sistematizar as ideias de uma nova Instituição. O Conservatoire de Paris, por sua vez, surgia no contexto da Revolução Francesa e em meio às ideias iluministas. O Estado passava a desempenhar um papel fundamental na formação de seus cidadãos, inclusive assegurando-lhes a possibilidade de tornarem-se músicos profissionais. Investigado este contexto e suas implicações, a análise do Méthode seguiu a ordem estabelecida pelos próprios autores. Deste modo, conforme os elementos musicais do Méthode apareciam, eles eram analisados e discutidos. Devido à grande extensão da obra, nem todos os tópicos apresentados pelos autores puderam ser abordados, havendo uma prioridade aos exercícios musicais e não tanto à parte teórica. Fazem parte desta investigação exemplos dos exercícios de escalas em todas as tonalidades e nas sete posições do violino; exercícios “pósescalas”; a parte referente aos golpes de arco; exemplos dos 50 estudos escritos por Baillot; e a segunda parte do Méthode que trata da “Expressão e seus meios”. Aqui se delinearão, portanto, discussões sobre a musicologia e sua possível contribuição para os estudos em educação musical, além de tratarmos da educação e especificamente a educação musical no contexto da Revolução Francesa. Da mesma forma será traçado um breve panorama sobre o surgimento do Conservatoire de Paris dentro deste contexto. Os três autores do Méthode e a trajetória deles são determinantes naquilo que consideravam importante na formação de um violinista, assim como se torna interessante verificar quais as influências que eles tiveram em sua formação num cenário em que três influentes escolas de violino apresentavam variadas características. Tendo consciência de que há pesquisas pertinentes que tratam do ensino da música em diferentes âmbitos e ainda, que há pesquisas que propõem interessantes metodologias para o ensino de violino em outros contextos, estou ciente de que o meu estudo está voltado para um âmbito bem específico e histórico. Este trabalho não se propõe a definir uma metodologia de ensino de violino como correta ou modelo a ser seguido e sim, trazer uma visão do ensino de música, neste caso, o ensino de violino, durante um período bem específico da nossa 10 história. Embora sabendo da necessidade de uma visão crítica, procuramos analisar o ensino de violino nos primeiros anos do Conservatoire de Paris sem um olhar taxativo do século XXI. Assim como não o foi para os três autores do Méthode, para mim também não foi tarefa simples registrar as minhas ideias, questionamentos e possíveis respostas neste trabalho. No entanto, este estudo me trouxe enorme satisfação e não tenho dúvidas de que ele é apenas uma parte de questões mais complexas que estão por vir. Há discussões aqui feitas que certamente dão origem a outros desdobramentos, que infelizmente não puderam ser abordados de maneira aprofundada. No entanto, isso não significa que eles não façam parte de minhas indagações pessoais. Procurei tratar o Méthode de Violon e seus três autores de maneira séria e consistente, levando em consideração que este foi um importante legado que contém ideias, conselhos, anseios e desejos de seus autores. Talvez eles não imaginassem que esta obra despertaria interesse tanto tempo depois. 11 1. A MUSICOLOGIA CONTRIBUINDO COM OS ESTUDOS EM EDUCAÇÃO MUSICAL A musicologia acarreta diferentes definições e traz consigo uma infinidade de abordagens, mas de um modo geral, podemos dizer que é um campo do conhecimento que tem a música, em seus diferentes aspectos, como objeto de pesquisa. Segundo a Sociedade Americana de Musicologia, este campo de conhecimento investiga a arte da música como um fenômeno físico, psicológico, estético e cultural1. Neste trabalho a musicologia faz-se presente através da pesquisa sob um viés histórico, analisando um método do Conservatoire de Paris escrito em 18032, observando o contexto social e histórico da época e sua influência na música. Mas este estudo busca, além disso, se utilizar da musicologia para contribuir em outra área do conhecimento em música que é a Educação Musical. Compreender de que modo ocorria ao longo da história o processo de ensino/aprendizagem de música é de extrema importância para analisarmos o que se passa atualmente na educação musical. Luciane Garbosa nos traz uma ideia da contribuição da pesquisa histórica 3 para o campo da educação musical. [...] a pesquisa histórica em educação musical se configura na busca dos saberes e práticas que nortearam as experiências pedagógico-musicais vivenciadas, desencadeadas em instituições escolares ou em conservatórios, bem como em contextos não-formais. Tais investigações podem apresentar como foco o processo de ensino-aprendizagem, bem como os fins, metas, objetivos, materiais didáticos, equipamentos, espaços de prática, procedimentos e o processo de avaliação em música. Da mesma forma, compreendem os estudos voltados à trajetória e à atuação de professores e personalidades da área. (GARBOSA, 2004, p.92) 1 Esta definição foi feita em 1955 e pode ser encontrada no artigo Musicology do Dicionário Grove de Música. 2 Neste período diversos Métodos foram escritos para o Conservatoire: Méthode de Clarinette adoptée par le Conservatoire (1802); Methode de Chant du Conservatoire de Musique (1803-1804); Méthode de Violoncelle et de Basse d’Accompagnement (1804). 3 Neste caso a autora não se dirige especificamente à musicologia. Mas podemos entender a pesquisa histórica como uma das abordagens dos estudos musicológicos. 12 Outro importante autor que aborda os diferentes campos do conhecimento pedagógico-musical e a importância da integração entre eles é Rudolf-Dieter Kraemer. A pedagogia da música e a musicologia unem-se no esforço comum em compreender a música. A musicologia tinha no princípio um ímpeto pedagógico. Originariamente ambas as áreas desenvolveram-se em grande 4 parte em uma união íntima . Processos de apropriação e transmissão da música necessitam de reflexões em relação às implicações músicohistóricas, estético-musicais, psicológico-musicais, sociológico-musicais, etnomusicológicas, teórico-musicais e acústicas. (KRAEMER, 2000, p.58) Kraemer ainda cita o prefácio da coletânea Pedagogia da música e musicologia escrita por Edler & Helms5, dizendo que “é advertido que a pedagogia musical não seria capaz de viver sem a musicologia, pois a construção de uma teoria pedagógico-musical só poderia ser realizada significativamente, se ela fosse inserida no campo geral da música” (EDLER & HELMS apud KRAEMER, 2000, p.5859). Da mesma forma, a pesquisa em educação musical dá subsídios ao estudo musicológico quando este se propõe a analisar questões relacionadas ao ensino e aprendizagem de música. O contexto em que o processo de ensino/aprendizagem está inserido e a análise crítica da metodologia de ensino são questões de grande importância na educação musical. Para deixar ainda mais clara a relevância da conexão entre estas duas áreas e, de forma mais específica neste caso, de que maneira a musicologia, no seu âmbito histórico, pode contribuir para o campo da educação musical, se insere abaixo uma extensa, mas importante, passagem do texto de Kraemer: As ações da teoria e da prática pedagógico-musical estão voltadas para o tempo presente, mas ainda ligadas a idéias [sic] de gerações passadas. Não interessa por isso, por que o foi, mas porque num certo sentido ainda o é, no momento em que age. [...] Junto a isso, a consideração política e 4 Quando se refere à musicologia e pedagogia musical, Kraemer utiliza em seu trabalho autores como A. Edler & S. Helms; Hermann J. Kaiser e Eckhard NoIte. 5 EDLER, A. & HELMS, S. (Hrsgg) (1987): Musikpädagogic und Musikwissenschaft, Wilhelmshaven. 13 histórica de um período, fornece o modelo de um argumento dominante, uma forma de prática músico-cultural e pedagógica condicionada economicamente. Para um julgamento apropriado da situação atual, uma consideração histórica coloca à disposição conhecimentos sobre origem, continuidade e mudanças de idéias, conteúdo e situações pedagógicomusicais; através da comparação com problemas semelhantes aos do passado, são colocadas à disposição alternativas para a discussão atual e com isso fundamentos para a crítica da situação atual. O esforço por uma possível investigação completa sobre o pensamento e a ação pedagógicomusicais no passado contribui para o reconhecimento do homem como ser cultural, e oferece uma contribuição para o esclarecimento de perguntas sobre quais problemas, quais posições e situações pertencem, sobretudo, à apropriação e à transmissão de música. Até aí desdobra-se o objeto da pedagogia da música em sua dimensão histórica. O pensamento histórico ultrapassa de longe uma simples junção de fatos cronológicos: a história é entendida como uma junção de situações de vida delimitadas temporal6 espacialmente, que necessita de interpretação . Através da ocupação com a história, os sentidos de ações humanas, contextos definidos socialmente e possibilidades subjetivas de formação são desvelados. Assim os comportamentos não somente temporais mas também espaciais recebem atenção. Toda pesquisa histórica baseia-se no trabalho com fontes, as quais apóiam as afirmações. A pedagogia considera como fontes: fontes de palavras faladas, fontes visuais, fontes de divulgação e de som, fontes abstratas (instituições, situações jurídicas e legislativas, feitos dos costumes e da língua). (KRAEMER, 2000, p.54-55) Esta última citação incentiva um trabalho de pesquisa histórica que analise profundamente o contexto, não apenas numerando cronologicamente fatos pertinentes, mas compreendendo os desdobramentos que eles acarretam. Esta compreensão nos leva a analisar e julgar com maior clareza a situação atual, pois nos possibilita identificar a origem, continuidade e mudanças de ideias. O Conservatoire de Paris foi um marco na história da educação musical. Se a sua metodologia foi copiada e é até hoje, se é criticada ou elogiada, se produz bons ou maus resultados, tudo isso pode ser questionado e analisado através de diferentes abordagens. Para este estudo, considera-se importante compreender os anos iniciais desta instituição para que outras pesquisas possam avançar e responder diferentes perguntas. Na passagem acima citada, Kraemer pressupõe a utilização de uma fonte para o estudo, listando diferentes exemplos. Aos já citados (fontes de palavras faladas, fontes visuais, fontes de divulgação e de som, fontes abstratas), acrescentamos ainda a fonte escrita. Um texto precisa ser interpretado, pois a 6 Neste trecho Kraemer coloca referências de H. Seitfert e seu livro Einführung in die Wissenschaftstheorie (1977). 14 compreensão de algumas ideias precisa ir além do que está escrito e elas estão diretamente ligadas ao contexto sócio-cultural da época. Por isso, alguns aspectos relacionados à educação e à educação musical do final do século XVIII e início do XIX serão brevemente abordados neste trabalho, tendo em vista que o Méthode de Violon foi escrito em 1803. 2. A EDUCAÇÃO NA REVOLUÇÃO FRANCESA O final do século XVIII e início do século XIX apresentaram mudanças de pensamento que marcaram profundamente a história. As ideias iluministas passaram a influenciar diversos aspectos e isso ocorreu de maneira muito significativa em relação à educação. As novas concepções de como se devia ensinar e ainda, de como se deveria proceder com os alunos, começaram com uma obra muito importante e de grande impacto: Emilio7 de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) escrito em 1762. Para Rousseau as origens do “mal” do homem estão na sociedade, mas é somente nela que este mal pode ser remediado. A pedagogia rousseauniana funda-se em uma discussão sobre o método e sobre o contorno do homem a ser ensaiado. Emílio é o fruto da sociedade civil, deverá atuar em meio à corrupção e, no entanto, apresenta-se como o representante da espécie em seu potencial de virtude. Educação capaz de driblar a própria ordem pública, a pedagogia de Emílio é o ensaio fundante que corrobora o intenso papel ocupado pelo ato de educar no imaginário social do Século das Luzes francês. (BOTO, 1996, p.32) Segundo o autor Franco Cambi “Política e pedagogia estão estreitamente ligadas em Rousseau” (CAMBI, 1999, p.343). Outra obra de Rousseau que aborda estes temas é Contrato Social (1762), que versa sobre uma educação totalmente 7 Emílio é considerado o primeiro tratado sobre filosofia da educação no mundo ocidental. Nesta obra, Rousseau propõe um sistema educativo que permita ao homem conviver com a sociedade corrupta. Isto é ilustrado através da educação de Emílio, guiado por seu tutor. 15 socializada regulada pela intervenção do Estado. Emílio e Contrato Social podem ser encarados como dois modelos do pensamento pedagógico de Rousseau. São dois modelos “alternativos e, ao mesmo tempo, complementares entre si” (CAMBI, 1999, p.345). Embora tenham sido condenadas em Paris e Genebra, estas obras tiveram ampla circulação na Europa e influenciaram de maneira direta a pedagogia do século XIX e XX. Desta forma supõe-se que estes textos também influenciaram as ideias iluministas e a busca de um novo sistema educacional nacional na França. Para os iluministas, [...] A escola, enquanto instituição agenciada pelo Estado, passa a ser tomada como veículo propulsor da regeneração. A pedagogia torna-se, então, conectada à esfera pública e ao próprio civismo: educação pela tessitura de almas revolucionárias que engendrariam a nova forma de ser nação. Talvez tenha sido a própria percepção que os atores tinham do cenário da Revolução o fator primordial para essa pretensão de ruptura, mesmo em relação à perspectiva iluminista. Talvez tenha sido o fato de a torrente do coletivo em transformação ter atropelado a caminhada do espírito humano: não se poderia mais, a partir dali, conceber a pedagogia pela ilusão do individualismo; mais do que nunca, a tarefa educativa tornara-se imperativo de militância cívica. Seja como for, teremos, desde logo, um olhar inusitado sobre o ofício da instrução. (BOTO, 1996, p.69) Analisando o trecho acima, é importante ressaltar o papel que o Estado passa a desempenhar quando se fala em educação neste período. Isso diz respeito tanto aos deveres que o Estado passa a ter, pois agora é sua obrigação prover a educação para o povo, mas também está diretamente relacionado ao fato dos Iluministas pensarem o conhecimento como papel fundamental para o aperfeiçoamento da sociedade, refletindo, por sua vez, no “bom funcionamento” do Estado. “[...] O homem novo deveria ser, pois, educado pela pátria e para a nação, tendo em vista os preconceitos ainda arraigados na população adulta, que prejudicariam tal tarefa se esta fosse delegada à família8” (BOTO, 1996, p. 100-101). Georges Jacques Danton (1759-1794), em um parecer sobre a educação, defende o ensino delegado ao estado. 8 Este é um ponto importante e que nos reporta à diferenciação entre o modelo mestre/aprendiz e o ensino de música metodizado dos conservatórios que será tratado logo mais. 16 Tudo se torna estreito na educação doméstica, tudo se engrandece na educação comum. E eu, eu também sou pai; mas meu filho não me pertence: ele pertence à República. É ela que lhe deve ditar os deveres para que ele possa bem servi-la. (DANTON apud BOTO, 1996, p. 101) Outro aspecto importante é a preocupação com a equalização dos direitos dos cidadãos. Todo cidadão deveria ter direito à instrução, que deveria ser pública e de amplo acesso. Todos deveriam ter a mesma oportunidade de desenvolver as suas habilidades e de preferência, deveriam receber o mesmo tipo de instrução. Vários projetos que atendessem aos ideais Iluministas em relação à educação vieram à tona em diferentes períodos da Revolução. “Ligado à ideia de educação civil e de cultura utilitária, surge também o programa educativo expresso por Denis Diderot (1713-1784) e por Jean Le Rond D’Alembert (1717-1783) na Enciclopédia9” (CAMBI, 1999, p.337) Entre artigos que exaltavam a ciência como modelo de formação intelectual, e que iam contra a cultura religiosa como modelo formativo, buscando uma formação civil, encontramos também uma passagem referente ao estudo de música: Quanto à filosofia, a lógica deveria ser reduzida a poucas linhas; a metafísica, a um compêndio de Locke; a moral puramente filosófica, às obras de Sêneca; a moral cristã, ao Sermão da Montanha; a física, às experiências e à geometria, que é, de todas as lógicas e físicas, a melhor. Nós gostaríamos, ainda, que acompanhassem esses diferentes estudos aqueles das belas-artes e, sobretudo, da música, estudo tão próprio para formar o gosto e para adoçar os costumes. (ENCYCLOPEDIE, s.d., v.I, p.642 apud BOTO, 1996, p.64) Desta forma, no plano da educação musical, as ideias revolucionárias também têm efeito. No plano musical, isso [os novos ideais revolucionários quanto à educação] acarretou o aparecimento do ensino institucionalizado. Tornou-se um dever dessa nova sociedade oferecer ao cidadão meios para que ele tivesse 9 A Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers foi uma das primeiras enciclopédias. Publicada na França no século XVIII, foi editada por D’Alembert e Diderot. Ela continha 33 volumes e mais de 71000 artigos sobre diversos temas. 17 acesso à profissionalização em música — mas de uma forma planejada e, principalmente, uniformizada e metodizada. A partir de então a educação musical passou a ser domínio da sociedade, e deveria contribuir, com a coerência e a repetição do método de ensino, para formar uma identidade cultural. (SANTOS, 2011, p.21) Ao contrário do ensino que predominava anteriormente, agora o Estado é responsável pela educação de seus cidadãos. Este ensino deveria atingir um elevado número de pessoas e suas aptidões seriam desenvolvidas a serviço do Estado. Oriundo de outras duas instituições nascidas na Revolução10, o Conservatoire de Paris parece ser a instituição que atende aos desejos revolucionários. Zdenko Silvela em seu livro A new history11 of violin playing12 (2001) diz que a criação dos modernos conservatórios de música está ligada ao fato de que Os ardentes sentimentos anti-clericais que assolaram a França nos anos que antecederam a Revolução Francesa puseram fim aos "maîtrises" franceses, tradicionais instituições religiosas para a educação musical de meninos (escolas/coro da igreja). As invasões napoleônicas e sua secularização radical deram fim às escolas de música com base religiosa na Europa, em particular os da Itália, onde o Ospedali de Nápoles [...] e os quatro existentes em Veneza, o mais famoso deles sendo o Ospedal della Pietá, onde Vivaldi ensinou, chegaram ao fim. Este fechamento de instituições religiosas interrompeu também suas fundações de caridade, e uma nova idéia de escola secular de música (conservatório) despertou o 13 interesse na Europa. O primeiro foi o Conservatoire de Paris . (SILVELA, 2001, p.99) Instituições que se dedicavam de maneira exclusiva, ou quase exclusiva, à música já existiam anteriormente. Como citado acima, as primeiras instituições 10 Isso será tratado a seguir, no capítulo O Conservatoire de Paris. 11 Todas as versões dos textos em inglês foram feitas pela autora. 12 Uma nova história do violino. 13 The eager anti-clerical feelings that ravaged France in the years preluding the French Revolution had put an end to the French “maîtrises”, traditional religious institutions for the musical education of males (Church choir schools). The Napoleonic invasions and their radical secularization ended the religion-based music schools in Europe, particularly those of Italy, where the ospedali of Naples […] and the four existing in Venice, the most famous of them being the Ospedal della Pietá, where Vivaldi taugh, came to an end. This closing of religious houses disrupted their charitable foundations, and a new idea of a secular school of music (conservatory) aroused interest in Europe. The first one was the Paris Conservatoire. 18 italianas dedicadas ao ensino de música eram orfanatos ligados à igreja, dos quais as companhias de ópera também extraíam cantores promissores. Apesar destas Instituições dedicadas ao ensino de música, Luís Otávio Santos aborda duas filosofias pedagógicas de ensino musical em sua tese “A chave do.artesão”: um olhar sobre o paradoxo da relação mestre/aprendiz e o ensino metodizado do violino barroco. A primeira, chamada aqui de instituição mestre/aprendiz, tem sua origem na forma de transmissão do conhecimento entre os artesãos. Esse conhecimento era, na maior parte das vezes, passado oralmente, através da prática iniciática e do ensino privado. No que concerne ao processo de ensino musical, esse sistema concentrava todas as funções pedagógicas na figura do tutor, ou mestre. Cabia ao tutor construir o processo de aprendizado, de acordo com as características intrínsecas de cada discípulo. Já o ensino metodizado de música é próprio da instituição escola de música, que possui um programa de estudos predeterminado e uma filosofia de ensino experimentada por todos os alunos. No lugar da autoridade do tutor/mestre, o aluno é orientado por uma equipe de professores que aplicam o mesmo método de ensino a todos. Neste estudo estabelecemos que a instituição mestre/aprendiz foi a forma de ensino musical do período anterior à era do Conservatoire e que o ensino metodizado passa a predominar a partir dela. (SANTOS, 2011, p.5) O autor considera que após a criação do Conservatoire de Paris, a primeira instituição deste tipo a ser fundada, o ensino metodizado passa a predominar. Embora ainda haja a relação mestre/aprendiz, o aluno é orientado por diversos professores que buscam seguir uma única metodologia. A fundação dos conservatórios entre 1795 e 1850 cresceu a partir da mudança de autoridade política e cultural da Igreja e da monarquia para as associações públicas e privadas. Não só os fundos para escolas de música da igreja declinaram, mas muitas destas escolas foram fechadas no final do século XVIII, contribuindo para a fundação e difusão dos Conservatórios, mantidos pelo estado. Além disso, o crescimento das cidades e o surgimento do governo parlamentar trouxeram novos tipos de liderança, que reconfiguraram profundamente a vida musical. A demanda por músicos de orquestra altamente qualificados, solistas e cantores de ópera fez com que o Conservatoire tornasse a distinção entre a formação de músicos profissionais e amadores mais nítida. 19 Relacionado a isso, é importante destacar que o plano de estudos defendido por D’Alembert e Diderot visava um saber útil e uma formação civil e o final desse processo está diretamente ligado com o objetivo de se ter uma profissão. Cada cidadão deveria desenvolver as suas habilidades a fim de contribuir para o funcionamento da sociedade. Desta forma, a “Revolução Francesa foi, além de profunda reforma social, política e econômica, um grande abalo cultural que alterou definitivamente o processo pedagógico da formação das profissões” (SANTOS, 2011, p. 54), incluindo a profissão de músico, formado pelo Conservatoire. O primeiro Conservatório a surgir nos moldes destes pensamentos e das demandas específicas do final do século XVIII foi o Conservatoire de Paris, estabelecido pelo decreto da Convenção Nacional em 3 de Agosto de 1795. 3. O CONSERVATOIRE DE PARIS14 A instituição surgiu a partir de duas outras importantes Escolas oriundas da Revolução: Ecole Royale de Chant (1784) e a Ecole de Musique de la Garde Nationale (1792), que em 1793 passa a ser chamada de Institut de Musique. Sobre a primeira instituição citada: A música nacional [francesa] deveria ser um estilo novo, reformado e sintético e seria incentivada através de um sistema de educação musical público. Assim, a necessidade de conservatórios por parte dos polemistas 15 da ópera e o apelo por uma academia de música por Bemetzrieder foram determinantes para uma instituição que iria gerar uma ideologia musical e método pedagógico que, por sua vez, promoveriam um estilo "nacional" da 14 Ao longo do texto, iremos nos referir à instituição apenas como Conservatoire. Os textos divergem na nomenclatura da Instituição, se referindo a ela na maioria das vezes como Conservatoire de Paris. Em alguns métodos escritos para a Instituição no início do século XIX, o título traz a denominação Conservatoire de Musique. No Méthode de Violon é utilizado apenas o termo Conservatoire. Levando em conta a maioria dos textos e pensando no modo usual de nos referirmos a Instituição, em português, como Conservatório de Paris, consideramos que a nomenclatura mais coerente seria Conservatoire de Paris, ou apenas Conservatoire. 15 Anton Bemetzrieder (1739-1817) foi um compositor, teórico e professor de música francês. Foi professor de cravo da filha de Denis Diderot e esta aproximação lhe rendeu uma certa influência na escrita do Tratado Educacional. 20 ópera. A resposta a essas demandas veio em 1784 com a criação da École 16 Royale de Chant. (BOYD, 2008, p.197) A École de Musique de la Garde Nationale ou Institut era, por sua vez, uma escola de música instrumental formada pelos músicos da Guarda Nacional, reunidos por Bernard Sarrette17 (1765-1858) e tendo François Joseph Gossec18 (1734-1829) como diretor artístico. "Em de julho 1795 Marie-Joseph Chénier19 (1764-1811) foi para a Convenção Nacional em busca da aprovação de uma nova escola que seria formada pela união da École Royale de Chant e do Institut20" (BOYD, 2008, p.199). Desta união surge o Conservatoire de Paris21. Um dos principais papéis do Conservatoire logo que criado era regular e preparar os seus alunos para os famosos fêtes nationales, que eram festivais organizados pelo governo como parte integral da formação moral e política dos franceses. Os festivais foram instituídos como um dever primário do Conservatoire recém-criado. Seguindo o esquema proposto por Gossec e Sarrette em 1794, o regulamento do Conservatoire elaborado em 1796 afirma que nenhuma música poderia ser realizada em um festival nacional sem a 16 National music was to be a new, reformed and synthetic style and would be encouraged through a public music education system. Thus the call for conservatories by the opera polemicists and the call for a music academy by Bemetzrieder were mandates for an institution that would engender a musical ideology and pedagogical method wich, in turn, would promote a ‘national’ style of opera. The answer to these demands came in 1784 with the creation of the Ecole Royale de Chant. 17 Bernard Sarrette (1765-1858) se tornaria o diretor do Conservatoire de Paris logo que criado. 18 François-Joseph Gossec (1734-1829) foi um importante compositor francês de óperas, quartetos de cordas, sinfonias e obras corais. Ele escreveu várias obras em homenagem à Revolução Francesa. 19 Chénier (1764-1811) foi poeta, dramaturgo e político francês. Participou da organização de grandes festivais e escreveu, em parceria com músicos da época, hinos em homenagem à França e aos revolucionários. 20 In July 1795 Marie-Joseph Chénier went to the National Convention to seek its ratification of a new school that would be formed by the union of the Ecole de Chant and the Institut. 21 O Conservatoire ao longo do tempo oferecia instruções em música, dança e teatro. Em 1946 a Instituição foi dividida em duas: Conservatoire National supérieur d'art dramatique, dedicado à atuação, teatro e drama e o Conservatoire national supérieur de musique et de danse de Paris, contemplando o ensino de música e dança. Atualmente, na área de música, quando nos referimos ao Conservatoire de Paris, estamos falando do Conservatoire national supérieur de musique et de danse de Paris. 21 aprovação expressa dos inspetores do Conservatoire e do governo executivo. A importância da música nos festivais nacionais ofereceu uma 22 oportunidade incomum para a consolidação do poder do Conservatoire . (BOYD, 2008, p. 200) Porém estes festivais foram perdendo força e a partir de 1800 o regulamento do Conservatoire cita de maneira breve o evento, dando maior importância ao seu programa educacional. É também neste período em que há a preocupação de criar uma metodologia que possa ser seguida pela Instituição. Em maio de 1799 é criada uma comissão para escrever um livro didático com princípios elementares e em dezembro de 1800 uma comissão é apontada para aprovar um tratado de harmonia. “No início de maio de 1801 a Assembleia Geral do Conservatoire aprovou o Traité d’Harmonie de Catel23 e sua publicação foi anunciada em dezembro24” (BOYD, 2008, p. 206). A escolha de um tratado de harmonia é extremamente importante, pois ele expressa os princípios adotados pela Instituição e será responsável pela formação de profissionais que carregarão estas ideias na sua maneira de tocar e, principalmente, na sua maneira de compor. O sistema de Catel rejeitava o de Rameau25, representado principalmente pelo baixo fundamental. Além disso, [...] O sistema de Catel aparentemente cumpriu, de modo mais satisfatório do que o baixo fundamental, a intenções originais de 1794 do Institut em 22 The festivals were instituted as a primary duty of the newly created Conservatoire. Following the outline proposed by Gossec and Sarrette in 1794, the Conservatoire regulations drawn up n 1796 stated that no music could be performed at a national festival without the express approval of the Conservatoire’s inspectors and the executive government. The importance of music in the national festivals offered an unusual opportunity for consolidation of the Conservatoire’s power. 23 Charles-Simon Catel (1773-1830) estudou composição com Gossec e piano com Gobert. Foi professor de harmonia no recém-fundado Conservatoire. Escreveu o seu tratado em 1802 onde propunha simplificar e sistematizar os elementos da boa escrita harmônica. 24 In early May 1801 the General Assembly of the Conservatoire approved Catel’s Traité d’harmonie and its publication was announced in December. 25 Jean-Philippe Rameau (1683-1764) publicou em 1722 o seu Traité de l’harmonie e em 1726 o Nouveau système de musique théorique. 22 relação ao seu sistema didático: o controle interno, a simplicidade, 26 praticidade e uniformidade de método . (BOYD, 2008, p.206) A partir deste, outros métodos, destinados aos diferentes instrumentos, foram escritos com a intenção de serem utilizados pelo Conservatoire. Os professores de violino da Instituição também foram convocados à tarefa: [...] O recém-fundado Conservatoire de Paris pediu-lhes para lançar as bases do ensino de violino escrevendo um tratado. A tarefa não foi fácil, os 27 únicos métodos disponíveis eram aqueles escritos por Geminiani , Leopold 28 29 30 Mozart , Duppont e L'Abbé le Fils [sic] . Eles tiveram que fazer estudos profundos e numerosos, e é necessária uma grande dose de imaginação e criatividade para imprimir o primeiro minucioso livro de violino: Méthode du 31 [sic] violon. Baillot, Rode, Kreutzer. Paris 1803 . (SILVELA, 2001, p.106) 4. OS AUTORES DO MÉTHODE DE VIOLON Antes de falar dos três autores do Méthode de violon, é preciso falar de outra importante figura que foi fundamental para a construção do ensino de violino na França no século XVIII, uma vez que influenciou toda a geração posterior de violinistas franceses. 26 […] Catel’s system apparently fulfilled, more satisfactorily than fundamental bass, the original 1794 intentions of the Institut regarding its didactic system: internal control, simplicity, practicality and uniformity of method. (BOYD, 2008, p.206) 27 Francesco Saverio Geminiani (1687-1762) compositor italiano, maestro e virtuoso ao violino. Escreveu The Art of Palying on the Violin em 1751, sendo uma referência até os dias de hoje. 28 Leopold Mozart (1719-1787) escreveu o influente tratado Versuch einer gründlichen Violinschule (1756) 29 Guillaume-Pierre Duppont (1718-1777) foi um violinista francês que publicou em 1772 Airs varies pour un violon Seul. 30 Joseph-Barnabé Saint-Sévin (1727-1803), mais conhecido como Abbé le Fils foi compositor e virtuoso ao violino. Escreveu um dos mais importantes tratados do século XVIII: Principes du violon (1761) 31 […] The recently founded Paris Conservatoire asked them to lay the basis of violin teaching by writing a treatise. Their task was not an easy one, the only methods they available being those of Geminiani, Leopold Mozart, Duppnt and L’Abbé le Fils. They had to make deep and numerous studies, and it required a great deal of imagination and creativity to print the first rigorous violin book: Méthode du violon. Baillot, Rode, Kreutzer. Paris 1803. (SILVELA, 2001, p.106) 23 5.1. Figura 1 32 Giovanni Battista Viotti (1755-1824) - Jean-Baptiste Viotti 33 O italiano Viotti foi um dos mais importantes violinistas entre Giuseppe Tartini (1692-1770) e Nicolò Paganini (1782-1840) e um dos últimos grandes representantes da tradição italiana de Arcangelo Corelli (1653-1713). Foi aluno de Gaetano Pugnani34 (1731-1798) em Turim, onde morava na casa do Príncipe Alfonso dall Pozzo della Cisterna (1787-1864). Fez um pequeno tour pela Europa com o seu professor Pugnani e em 1782 fez sua estreia no Concert Spirituel35 tocando uma composição sua. Seu sucesso foi instantâneo e foi aclamado como um dos maiores violinistas de sua época, fazendo diversas apresentações durante 1782. Mas em 1783 Viotti diminui abruptamente suas apresentações públicas ao decidir 32 As figuras 1, 2, 3 e 4 foram retiradas do artigo Bethoveen and the French Violin School, escrito por Boris Schwarz, p. 441 33 Era comum os compositores e músicos adaptarem os seus nomes para o país em que estavam. Viotti era italiano, mas “afrancesou” o seu nome no período em que esteve em Paris. 34 Pugnani foi aluno de Giovanni Battista Somis (1686-1763), que por sua vez estudou com Arcangelo Corelli (1653-1713). Desta forma a tradição de Corelli chegou a Viotti. 35 O Concert Spirituel foi uma série de concertos em Paris que iniciaram em 1725. Inicialmente a intenção era a performance de músicas instrumentais e obras sacras com texto em latim. Depois, os textos seculares em francês foram incorporados. O Concert Spirituel tornou-se o centro musical parisiense da música não-operática, palco de famosos virtuosi ao violino e de grandes nomes da música na época. Os concertos ocorriam na quinzena da Páscoa e em feriados religiosos, quando os outros espetáculos, predominantemente óperas, estavam fechados. Estas séries de concertos chegaram ao final em 1790. 24 prestar serviço para a Corte de Marie Antoinette (1755-1793) em Versailles e depois ser maestro da Orquestra do Príncipe Guéménée (futuro Rei Louis XVIII). Por razões políticas, influenciadas em grande parte por sua decisão de tocar a serviço da corte, foi obrigado a deixar Paris durante a Revolução e mudar-se para Londres. Durante o tempo que esteve em Paris, foi um renomado professor e mesmo no período em que morou em Londres e também na Alemanha 36, não deixava de visitar a capital francesa e realizar concertos privados para os seus amigos e antigos alunos. O Allgemeine musikalische Zeitung37 em 1811 descreveu quais seriam os três principais pilares do estilo de Viotti: 1) Um toque amplo, forte e volumoso. 2) A combinação disso com um poderoso, penetrante e ‘cantante’ legato. 3) Variedade, charme, sombra e luz são colocadas no toque através da 38 grande diversidade de arcada . (SILVELA, 2001, p.104) A sua influência foi enorme e ele é considerado o fundador da moderna Escola Francesa de violino. [Viotti] Conquistou a admiração instantânea dos franceses após um ano e meio de concertos em Paris em 1782, quando inexplicavelmente decidiu se aposentar do palco. [...] Quando a Revolução o forçou a se mudar para Londres em 1792, já tinha formado um grupo de violinistas talentosos e idealistas que fundariam o Conservatório de Paris. (PAULINYI, 2010, p. 23) 36 Em 1798 o governo britânico ordenou que Viotti deixasse a capital, em virtude de suspeitas do seu envolvimento com atividades Jacobinas. Ele mudou-se para a Alemanha, mas em 1800 voltou à Inglaterra. Em 1802, Viotti visita Paris. 37 Allgemeine musikalische Zeitung era um periódico alemão que falava sobre eventos musicais que ocorriam na Alemanha, França, Itália, Inglaterra, Rússia e ocasionalmente na América. Ele foi publicado entre os anos 1798-1848. 38 1) A large, strong, full tone is the first; 2) the combination of this with a powerful, penetrating, singing legato is the second; 3) variety, charm, shadow and light must be brought into play through the greatest diversity of bowing. 25 Três destes talentosos violinistas foram professores do Conservatoire e escreveram o primeiro método de violino que procurava contemplar os ideais da Instituição. 5.2. Pierre Marie François de Sales Baillot (1771-1842) Figura 2 – Pierre Marie François de Sales Baillot Aos 12 anos de idade, depois da morte de seu pai, Baillot esteve sob os cuidados de M. de Boucheporn, que o enviou para estudar em Roma e lá teve como tutor Pollani, que por sua vez era aluno de Pietro Nardini (1722-1793). Voltando a Paris, em 1791, foi violinista na orquestra do Téâtre Feydeau (onde se tornou grande amigo de Pierre Rode) e após o grande sucesso da performance de um concerto de Viotti, foi convidado em dezembro de 1795 para ser professor do recém criado Conservatoire de Paris, como substituto temporário de Rode e depois, oficialmente, em 1799. Excelente músico de câmara, Baillot espalhou sua fama em turnês pela Holanda, Bélgica, Inglaterra, Suíça e Itália. Fez parte da Orquestra da Ópera de Paris e da Orquestra da Chapelle Royale. 26 Baillot foi o fundador do primeiro grupo de música de câmara de Paris e difundiu obras de um repertório que não era muito conhecido na época, com quartetos e quintetos de Luigi Boccherini (1743-1805), Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), Joseph Haydn (1732-1809) e Ludwig van Beethoven (1770-1827). Tocou também suas próprias composições, uma vez que era um prolífico e talentoso compositor, e peças de seus contemporâneos como Luigi Cherubini (1760-1842), George Onslow (1784-1853), Kreutzer, Rode e Viotti. O seu grande reconhecimento como renomado e influente pedagogo se deu através de seus numerosos alunos, incluindo Jacques-Féréol Mazas (1782-1849), Eugène Sauzay (1809-1901), Charles Dancla (1817-1907) Léopold Dancla (18221895), além de outros. Com a morte de Rode e Kreutzer, apenas Baillot revisou o Méthode de Violon, dando origem ao famoso L’art du violon escrito em 1834. 5.3. Jacques Pierre Rode (1774-1830) Figura 3 – Jacques Pierre Rode Depois de seis anos tendo aulas com André-Joseph Fauvel (ca.1756-1834), aos 12 anos, Rode foi a Paris e chamou a atenção de Viotti, com quem teve aulas 27 durante muito tempo e do qual foi um dos alunos preferidos. Estreou os últimos concertos (No. 17 e No. 18) escritos pelo famoso mestre. Logo ao ser nomeado professor do Conservatoire de Paris, teve que fazer uma turnê pela Holanda e Alemanha, deixando em seu lugar Baillot. Em 1800 foi nomeado violinista solista de Napoleão Bonaparte (1769-1821). Entre 1804 e 1808 Rode foi violinista solo em São Petesburgo e teve grande popularidade. Em 1808 voltou para Paris. Aos poucos, a sua popularidade foi se desfazendo e em 1814 decidiu ir para a Alemanha e lá casou-se. Cinco anos depois voltou com toda a família para a França, mas não fazia performances públicas. Dedicou-se a escrever algumas peças para violino, entre elas seu Concerto No. 13, alguns quartetos e uma série de 12 estudos. Também são famosos os seus airs varies. A sua habilidade como professor de violino e sua preocupação como pedagogo são demonstradas em seus 24 Caprices, que trazem técnica e música de forma balanceada, atendendo às necessidades dos estudantes e fazendo parte da literatura básica para violino. 5.4. Rodolphe Kreutzer (1766-1831) Figura 4 – Rodolphe Kreutzer 28 Kreutzer teve as primeiras lições de música com seu pai que ensinava e tocava violino em Versailles. Em 1778 teve aulas de violino e composição com Anton Stamitz (1750-1796). Já em Paris, entre 1782 e 1783, foi influenciado pelo estilo de escrever e tocar de Viotti, embora não haja registros de ter sido seu aluno. Foi apadrinhado por Marie Antoinette, inclusive tendo duas óperas suas produzidas sob o mecenato da Rainha. Kreutzer escreveu várias óperas, entre elas: Astyanax (1801), Paul et Virginie (1806), Aristippe (1808) e Abel (1810). Escreveu também concertos para violino e música de câmara. Já em 1793 dava aulas de violino no Institut National de Musique (1793), que tornou-se depois o Conservatoire de Paris. No Conservatoire permaneceu até 1826 como professor e entre 1825 e 1830, como membro do Conselho. Também foi nomeado maître de la chapelle du roi em 1815 e entre 1824 e 1826 foi diretor de música da Ópera de Paris. Com a saúde debilitada, a partir de 1826, retirou-se da maior parte das atividades públicas. Teve numerosos alunos, entre eles seu irmão Jean Nicolas Auguste Kreutzer (1778-1832), também Charles Lafont (1781-1839) e Lambert Massart (1811-1892). Os seus famosos 4239 études, foram publicados pelo Conservatoire em 1806 e até hoje ocupam uma posição única na literatura de estudos para violino. Kreutzer usava predominantemente o estilo legato em suas composições e não apresentava posições muito altas na mão esquerda. Outra importante obra no repertório violinístico é Sonata para Violino Op. 47 escrita por Beethoven e dedicada a Kreutzer. 39 Kreutzer escreveu apenas 40 estudos, os outros dois foram adicionados posteriormente. 29 6. ESCOLAS DE VIOLINO Quando falamos do ensino de violino não podemos deixar de mencionar as “escolas de violino”. Em sua tese, Ruth Rodrigues nos explica que “[...] Uma ‘Escola de violino’ pode ser pensada como uma combinação de dois elementos: o método (técnica) de como se toca violino e a filosofia geral de fazer música. O ‘segredo’ de uma boa escola é a consistência40" (RODRIGUES, 2009, p. 3). Embora seja bastante problemático rotular os diferentes tipos de escola e ainda mais difícil definir os seus fundadores ou adeptos, vamos abordar de forma bastante resumida três das mais importantes escolas de violino no século XVIII e XIX. Mesmo sabendo da complexidade do assunto, consideramos importante dar pelo menos uma ideia geral de importantes nomes do violino e a possível influência que tiveram de algumas escolas, além de citar alguns métodos para violino que possam ter perpetuado essas importantes ideias. Na Alemanha um importante nome para o violino foi Heinrich Ignaz Franz Von Biber (1644-1704). Ele foi um virtuoso ao violino no século XVII e um importante compositor. As suas obras para violino certamente influenciaram as gerações seguintes, no entanto não podemos afirmar que Biber foi responsável por dar início a uma escola alemã de violino. “Franz Benda (1709-1786), o mais notável de todos os violinistas conhecidos em sua época na Alemanha, é considerado o fundador da escola alemã41” (SILVELA, 2001, p.71). Ele foi “o mais proeminente violinista na corte de Frederico, o Grande, em Berlim42” (STOWELL, 1992, p.57) e foi aluno de Johann Georg Pisendel (1687-1755), que havia estudado com mestres italianos. Benda teve vários alunos, mas a sua influência se estendeu de forma indireta a um grande grupo de brilhantes violinistas, que podem ser entendidos como parte 40 [...] A ‘School of Violin Playing’ can be thought of as a combination of two elements: the mothod (technique) of how one plays the violin, and the overall philosophy os making music. The ‘secret’ of a fine school is consistency. 41 [Franz Benda (1709-1786)] The most outstanding of all violinists known to his days in Germany, he is considered to be the Founder of the German School. 42 the most prominent violinist at the Berlin court of Frederick the Great 30 de sua escola, ou a chamada Escola Alemã. Alguns importantes nomes podem ser citados: Christian Cannabich43 (1731-1798); Carl Ditters Von Dittersdorf44 (17391799); Karl Haack (1751-1819); Franz Eck (1774-1804); Karl Möser (1774-1851); Ludwig Maurer (1789-1878); Johann Wenzel Kalliwoda45(1801-1866), chegando finalmente a Louis Spohr46(1784-1859). Muitos destes violinistas não tiveram aulas de forma direta com Benda, mas foram influenciados por sua maneira de tocar e alguns ensinamentos passados de violinista para violinista, chegaram a eles. François-Joseph Fétis em um artigo sobre música na Alemanha disse que "A escola de violino fundada por Franz Benda tem produzido violinistas de primeira classe; se Eck, Fränzl47, Maurer, Möser e Spohr são inferiores48 aos grandes artistas das escolas francesas e italianas, eles são, no entanto, homens de um talento notável49" (Revue Musicale, 1821, t1, p.361 apud SILVELA, 2001, p.74). Violinistas alemães como Wilhelm Cramer (1746-1799), Johann Peter Salomon (1745-1815) e Johann Stamitz (1717-1757), tocaram em importantes cidades europeias, mas em meio a tantos exemplos de solistas virtuosos, os violinistas alemães se destacavam em orchestral leading50. Em seu estudo sobre Psicologia do Violino, And Henri Blanchard diz que “Stamitz e Leopold Mozart [...] [também] são os representantes da escola alemã de violino51” (Revue et Gazette musicale, 11 August 1839 apud SILVELA, 2001, p.74). 43 É preciso ressaltar o papel de Cannabich como violinista e, principalmente, como maestro da Orquestra da Corte de Mannheim. Esta orquestra foi uma das mais importantes do século XVIII e as inovações no seu modo de tocar exerceram influência sobre a forma de compor de grandes nomes como Haydn e Mozart. Faziam parte da orquestra os maiores virtuosos da época. 44 Dittersdorf foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento do estilo Clássico Vienense. 45 É importante dizer que Kalliwoda, nascido em Praga, teve um papel fundamental na escrita sinfônica. 46 Spohr foi um dos grandes virtuoses ao violino de sua época. Era também um prolífico compositor. 47 Ignaz Fränzl (1736-1811) 48 Apesar da aparente preferência do autor pelos violinistas franceses e italianos, sabemos da importância que estes violinistas tiveram na história da música, estando no mesmo nível de notoriedade dos violinistas da França e Itália. 49 The violin school founded by Franz Benda has engendred first class violinists; IF Eck, Fränzel, Maurer, Möser, Spohr and Bohrer are inferior to the great artists of the French and Italian schools, they are, nevertheless, men of a remarkable talent. 50 STOWELL, 1992, p.57. Orquestral leading é a forma de conduzir um grupo ou orquestra sem um maestro. 51 Stamitz and Leopold Mozart […] were the representatives of the German School. 31 Stamitz já citado anteriormente, figurava entre os mais importantes músicos e compositores da Orquestra da Corte de Mannheim. Leopold Mozart (1719-1787), considerado outro representante da escola alemã de violino, escreveu o influente tratado Versuch einer gründlichen Violinschule52 (1756). Como destacado por alguns autores da época, a escola alemã não tinha o prestígio das escolas Francesa e Italiana, embora hoje saibamos da grande qualidade e relevância que teve. No entanto, no século XVIII a tradição italiana de grandes violinistas/compositores dominava o cenário musical e deu origem a uma influente escola violinística. No início do século XVIII, a Itália dominou as nações musicais europeias. Isto foi resumido no violino por notáveis compositores-violinistas como Arcangelo Corelli (1653-1713), Antonio Vivaldi (ca. 1675-1741), Francesco Geminiani (1680-1762), Pietro Locatelli (1693-1764) e Giuseppe Tartini (1692-1770). Eles contribuíram muito para o desenvolvimento dos gêneros sonata e concerto. Músicos italianos ocuparam muitos cargos em toda a Europa, e foram especialmente representados na expansão da indústria de 53 edição de música do continente . (RODRIGUES, 2009, p.8) Em relação à Escola Italiana, temos uma complexa rede de importantes violinistas e entre eles está Arcangelo Corelli (1653-1713). A sua representatividade não se deu tanto no número de obras que compôs, mas na influência que o seu modo de tocar exerceu nos violinistas e compositores de sua época. “A música inicial de Antônio Vivaldi (1678-1741) e Giuseppe Tartini (1692-1770) revelam uma grande dívida com Corelli54” (STOWELL, 1992, p.50). E ainda “o número e a importância de seus alunos fez de Corelli o mais ilustre e influente professor da sua 52 Este tratado ainda é uma importante fonte a respeito da performance no século XVIII. 53 At the beginning of the eighteenth-century, Italy dominated the European musical nations. This was epitomized in violin playing by noteworthy composer-violinists such as Arcangelo Corelli(1653-1713), Antonio Vivaldi (ca. 1675-1741), Francesco Geminiani (1680-1762), Pietro Locatelli (1693-1764) and Giuseppe Tartini (1692-1770). They contributed greatly to the development of the sonata and concerto genres. Italian musicians filled many leading musical posts throughout Europe, and were specially prominently represented in the continent’s expanding music publishing industry. (RODRIGUES, 2009, p.8) 54 The early music of Antônio Vivaldi (1678-1741) e Giuseppe Tartini (1692-1770) betrays a strong debt to Corelli. 32 época55” (SILVELA, 2001, p.41). Entre seus alunos temos Francesco Geminiani (1687-1762) e Giovanni Battista Somis (1686-1763). A busca pelo virtuosismo do século XVIII, [...] refletiu na invenção do concerto para violino como um veículo para a exibição solista, em cujo desenvolvimento Vivaldi desempenhou um papel de liderança. Fundamentalmente, violinistas procuravam novas formas de expressão, novos patamares de virtuosismo e uma nova gama de sonoridade. Expressão, a capacidade de "tocar o coração", tornou-se um marco para a verdadeira nobreza violinística, especialmente porque o gosto 56 musical deslocou-se para a era da sensibilidade . (STOWELL, 1992, p.51) Geminiani, outrora influenciado pela tradição italiana de Corelli, que buscava o grande virtuosismo e exaltava passagens com ornamentação improvisada, não ficou imune a esta nova estética voltada à sensibilidade. A busca por uma nova sonoridade e novos tipos de expressão pode ser percebida por sua preocupação em indicar nuances expressivas em suas publicações. Além disso, uma seção de seu tratado de violino (1751) explica "todos os ornamentos de expressão, necessários para tocar com bom gosto57”.(STOWELL, 1992, p.51) Tartini, outro aluno de Corelli, também desenvolveu um estilo expressivo de tocar, representado principalmente pelo toque cantabile58. O poeta e esteticista alemão Christian Friedrich Daniel Schubart (1739-1791) fez uma descrição romantizada sobre o modo como Pietro Nardini (1722-1793), um dos alunos preferidos de Tartini, tocava: 55 The number and eminence of his pupils make Corelli the most outstanding and influential teacher of his century. 56 […] reflected in the invention of the violin concerto as vehicle for the soloistic diplay, in which development Vivaldi played a leading role. More fundamentally, violinists sought new types of musical expression, new heights of virtuosity, and a new range of sonority. Expression, the ability to ‘touch the heart’, became a touchstone for true violinistic greatness, especially as musical taste moved into the age of sensibility. 57 […] one section of his violin treatise (1751) explains ‘all the Ornaments of Expression, necessary to the playing in a good taste’. (STOWELL, 1992, p.51) O Méthode de Violon também traz uma parte que fala sobre o “bom gosto” que será analisada neste trabalho. 58 Este termo comumente se refere ao modo de tocar de um instrumento que imite o cantar da voz humana, geralmente com linhas predominantemente em legato e sem saltos e intervalos que fossem complexos para serem realizados por um cantor. Mas este termo faz parte do imaginário dos músicos há muito tempo, sem que haja uma maneira de defini-lo estritamente, embora em artigo do Dicionário Grove de Música, Cantabile seja “uma palavra usada no contexto musical significando ‘em um estilo de canto’, representando, assim, um ideal em certos tipos de performances.” 33 A ternura do seu toque está além da descrição: cada vírgula parece ser uma declaração de amor. Sua capacidade de tocar o coração foi extraordinária. Príncipes e senhoras indiferentes foram vistos a chorar quando ele executou um Adagio; muitas vezes suas próprias lágrimas caíram no violino enquanto tocava... Seu golpe de arco era lento e solene; no entanto, ao contrário de Tartini, ele não rasgava as notas pela raiz, mas só beijava suas pontas. Ele as destacava muito lentamente, e cada nota parecia uma gota 59 de sangue que fluía de sua alma terna . (Ideen zu einer Ästhetik der Tonkunst – Vienna, 1806, p.61-62 apud STOWELL, 1992, p.51-52) Famosos violinistas italianos trabalharam em cortes locais, mas com o tempo foram atraídos pela vida musical e por boas oportunidades em outros países. Porém, um destes países era bastante resistente à escola violinística e aos gêneros italianos: a França. Apesar da resistência, a influência italiana era inevitável 60. Um importante violinista francês do século XVIII, Jean-Marie Leclair (1697-1764), estudou com o italiano Somis. Além disso, vários violinistas italianos tocaram no Concert Spirituel. Os franceses, mesmo resistentes, foram adotando o idioma e as formas italianas, mas desenvolveram a técnica do instrumento do seu próprio modo. Com a aceitação gradual dos idiomas, estilos e formas italianos, houve um desenvolvimento notável da técnica de violino por Jean-Marie Leclair (16871764), Louis-Gabriel Guillemain (1705-1770), Pierre Guignon (1702-1774) e Jean-Joseph Cassanéa de Mondonville (1711-1772). O aumento constante da escola de violino francesa foi incentivada pela formação do Concert Spirituel (1725) e outras sociedades de concertos semelhantes. Um marco foi a publicação do primeiro grande tratado francês para violinistas avançados, Principes du violon (1761) de L’Abbé le fil, que se concentrou de forma eficiente em como segurar o arco, no manuseio do arco [direção, 59 The tenderness of his playing is beyond description: every comma seems to be a declaration of love. His ability to touch the heart was quite extraordinary. Ice-cold princes and ladies were seen to cry when he performed an Adagio; often his own tears tears would fall on the violin as he played… His bowstroke was slow and solemn; yet, unlike Tartini, he did not tear the notes out by the roots, but only kissed their tips. He detached them very slowly, and each note seemed like a drop of blood flowing from his tender soul. 60 Aqui podemos lembrar da Querelle des Bouffons, podendo ser traduzida como “Controvérsia dos Bufões”, que punha de um lado os defensores da música francesa e do outro os partidários da italianização da ópera francesa. A desavença estourou quando a ópera de Pergolesi, La Serva Padrona, foi apresentada na Académia Royale, espaço onde a as óperas cômicas tinham sido sempre limitadas. 34 controle], posições intermediárias, extensões, ornamentação, parada dupla 61 e harmônicos . (RODRIGUES, 2009, p. 9) Zdenko Silvela fala da importância de muitos violinistas para a escola francesa, mas considera Leclair como o pioneiro do novo estilo francês. Jean Marie Leclair (1697-1764) é considerado o fundador da escola de violino francesa. Embora Lully tenha sido o fundador da era antiga do violino na França, com uma influência enorme que atravessou as fronteiras da França para chegar a toda a Europa, Leclair é considerado, mais especificamente, o fundador da escola de violino francesa. Poderíamos dizer que Lully concentrou-se mais em violinos como uma massa instrumental, enquanto Leclair se dedicou ao violino como um instrumento 62 solo . (SILVELA, 2001, p.66) Leclair foi influenciado também pelo italiano Pietro Antonio Locatelli (16951764), com quem tocou algumas vezes. Através da passagem a seguir podemos entender o estilo do violinista francês: Leclair moveu seus ouvintes pela beleza de seu toque e som. Ele era conhecido pela precisão, clareza e nitidez de seu toque, bem como pelo seu virtuosismo. Mas ao contrário de Locatelli, nunca se permitia aos extremos de virtuosismo; seu toque era elegante, charmoso e continha pensamentos 63 elevados, mantendo um equilíbrio entre malabarismo e musicalidade . (SILVELA, 2001, p.68) 61 With the gradual acceptance of Italian idioms, styles and forms, there was a dramatic development of violin technique by Jean-Marie Leclair (1687-1764), Louis-Gabriel Guillemain (1705-70), Pierre Guignon (1702-74) and Jean-Joseph Cassanéa de Mondonville (1711-72). The steady rise of the French violin school was encouraged by the formation of the Concert Spirituel (1725) and other similar concert societies. A milestone was the publication of the first major French treatise for advanced players, L’ Abbé le fils’s Principes du violon (1761), which focused usefully on bow holds, bow management, half position, extensions, ornamentation, double stopping and harmonics. 62 Jean Marie Leclair (1697-1764) is considered to be the founder of the French violin school. Although Lully was the founder of the Ancient violin era in France, with an enormous influence that went over France’s frontiers to reach the whole Europe, Leclair is considered, more specifically, the founder of the French violin school. We might say that Lully concentrated more in violins as an instrumental mass, whereas Leclair focuses in the violin as a solo instrument. 63 Leclair moved his listeners by the beauty of his tone. He was reputed by the justness, clearness and neatness of his play, as well as for his virtuosity. But contrary to Locatelli, he never indulged in the extremes of virtuosity; his play was elegant, charming and had high thoughts, keeping a balance between jugglery and musicality. 35 A maneira como tocava é representativa, mas a contribuição na formação de uma escola está também relacionada com as suas composições. A Europa conhecia as suas sonatas e grandes violinistas foram instruídos através de suas obras. Outro importante nome para o violino na França é Ivan Mane Jarnowick (c.1740-1804), possivelmente de origem croata. Apesar da descendência e de ter “italianizado” o seu nome para Giovanni Mane Giornovichi, o seu modo de tocar “parece caracterizar a vida musical de Paris durante a década de 177064” (STOWELL, 1992, p.60). A década seguinte (1780) foi dominada por um nome já abordado anteriormente. Viotti é considerado o fundador da moderna escola francesa, que combinava elementos do estilo francês aliados à tradição italiana. Com base no Conservatoire de Paris, esta escola era proeminente e sua abordagem no modo de tocar e ensinar violino foi amplamente divulgada por toda a Europa. A escola franco-belga fundada por Charles Auguste de Bériot (1802-1870) “era um desdobramento da escola francesa, combinando o brilho da influência de Paganini com as tradições estabelecidas por Viotti, Baillot, Rode e Kreutzer 65” (STOWELL, 1992, p.63). Zoltan Paulinyi escreveu a dissertação Flausino Vale e Marcos Salles: influências da escola franco-belga em obras brasileiras para violino solo (2010). Desta forma podemos observar que a influência da escola francesa também chegou ao Brasil. Paulinyi nos mostra outra possibilidade da influência francesa ter chegado ao Brasil, por meio de Sigismund von Neukomm (1778-1858), no primeiro quarto do século XIX. [Neukomm], apesar de austríaco, ligou-se ideologicamente aos franceses por ter mantido fortes relações com seus patronos e mecenas, particularmente com Charles Maurice de Talleyrand. Afinidades de ideais artísticos tomaram rumos políticos, a ponto de Neukomm se envolver ativamente em reuniões conspiratórias. Ele veio ao Brasil em 1816 junto com o Duque de Luxemburgo para felicitar Dom João pela ascensão ao 64 65 […] seems to typify the musical life of Paris during the 1770s. […] was very much an offshoot of the French School, combining the brilliance of Paganini’s influence with the traditions established by Viotti, Baillot, Rode and Kreutzer. 36 trono, permanecendo até 1822, quando voltou a Paris. [...] o compositor foi uma forte personalidade no meio musical e possivelmente um grande divulgador da escola francesa no Brasil. (PAULINYI, 2010, p. 51) Outra informação interessante é que o violinista José Pereira Rebouças (1789-1843), talvez tenha sido o primeiro músico brasileiro a estudar violino no Conservatoire de Paris em 1828, voltando à Bahia em 1833 e possivelmente passando os conhecimentos adiante. Certamente outros estudos aprofundados mostrariam diferentes possibilidades da escola francesa de violino ter tido influência no Brasil. Além disso, algumas das ideias das escolas de violino citadas até aqui ficavam aparentes e acessíveis através dos métodos e tratados escritos pelos seus representantes. Citarei aqui alguns dos principais métodos para violino do século XVIII e XIX. Ao contrário do que aconteceu no século anterior em que muitos “nãoespecialistas” escreviam instruções de como tocar um instrumento, trazendo inclusive mais informações de teoria musical do que propriamente de como tocar, este período está repleto de grandes violinistas escrevendo para aqueles que aspiravam se tornar um instrumentista. Estão entre os mais importantes: The Art of Playing on the Violin66 (Londres, 1751), que apesar de publicado em Londres, foi escrito pelo italiano Francesco Geminiani (1687-1762). Há também uma carta67 escrita por Tartini para sua aluna Maddalena Sirmen (1745-1818) como um documento significativo sobre questões técnicas, compreendendo uma breve aula de violino em forma escrita. De Tartini temos também o Traité des agréments, publicado postumamente em 1771 por Pierre Denis (1720-1790), uma vez que havia sido escrito por Tartini apenas com a intenção de ser usado pelos seus alunos em Padova68. 66 Geminiani’s The Art of Playing on the Violin (1751, London) was the first of these treatises for advanced players. (RODRIGUES, 2009, p.25) – O tratado de Geminiani foi o primeiro destes tratados para instrumentistas avançados. 67 Esta carta data de 1760 e estava inserida dentro da publicação do volume 2 de L’Europa letteraria, em 1770, sob o título Lettera del defonto signor Giuseppe Tartini alla signora Maddalena Lombardini, inserviente ad una importante Lezione per i Suonatori di violino. A carta foi traduzida para diferentes idiomas e teve outras publicações. Uma edição está disponível no famoso site IMSLP. 68 No português, Pádua. 37 Na Alemanha temos o já citado Versuch einer gründlichen Violinschule69 (Augsburg, 1756) de Leopold Mozart. Há também o importante Versuch einer Anweisung die Flöte traversiere zu spielen (Berlim, 1752) de Johann Joachim Quantz (1697-1773), que, apesar do nome, contém informações relevantes para se tocar violino. Podemos citar ainda o Anweisung zum Violinspielen… mit 24 kleinen Duetten erläutert (1774) de George Simon Löhlein (1725-1781). Em língua francesa temos o Principes du violon (Paris, 1761) de L’Abbé le Fil, já comentado anteriormente. Ruth Rodrigues ainda nos lembra: Na França, Michel Corette escreveu dois tratados em 1738 e 1782 (Paris), intitulados, respectivamente, L'école d'Orphée, e L'art de se perfectionner dans le violon. O último texto ajudou a escola francesa a assumir a liderança na maneira de tocar violino assim como a escola italiana 70 gradualmente começou a recuar de sua anterior posição dominante . (RODRIGUES, 2009, p.26) Através dos métodos citados acima, alguns ensinamentos da tradição francesa puderam ser passados adiante. O Méthode de Violon (1803) é um dos registros da moderna escola francesa de violino, advinda de Viotti. Há ainda a versão revista do Méthode feita por Baillot, que resultou no importante L’art du Violon (1834). Depois destas duas importantes obras, os ensinamentos da escola francesa foram continuados por François Habeneck (1781-1849) com o Méthode théorique et pratique de violon (1835); Jean-Delphin Alard71 (1815-1888) com o Ecole du violon (1844) e Charles Dancla (1817-1907) com o seu Méthode élémentaire et progressif (1855). 69 Leopold Mozart’s slightly later work was influenced by the same Italian tradition, and was widely recognised as the most important violin tutor of its time. (RODRIGUES, 2009, p.25) – O trabalho, um pouco mais tardia, de Leopold Mozart foi influenciado pela mesma tradição italiana e foi reconhecido como o mais importante “tutorial” pra violino do seu tempo. 70 In France, Michel Corette wrote two treatises in 1738 and 1782 (Paris), entitled respectively L’école d’Orphée, and L’art de se perfectionner dans le violon. The latter text helped the French school to assume leadership in violin playing as the Italian school gradually began to recede from its earlier dominant position. 71 Há indícios de que este método foi traduzido para o português por Rafael Machado Coelho quando esteve no Brasil na segunda metade do século XIX. 38 Todos estes métodos e tratados registram importantes ideias do que os autores/músicos achavam pertinente em relação ao ensino de música. Estas ideias chegaram até nós através destes registros escritos e são fontes riquíssimas para a nossa compreensão de como a música era concebida, interpretada, estudada e ensinada ao longo da história. Colocar em um papel as ideias de maneira organizada e sistemática não é tarefa fácil. Alguns autores violinistas fizeram isto de maneira tão admirável que ainda hoje fazem parte da literatura básica para violino. Através de um documento, de um método, procuraram expressar o que consideravam ser o caminho mais adequado para se chegar ao objetivo de tocar violino e através deste instrumento poder expressar os mais profundos sentimentos. 7. DISCURSO SOBRE O MÉTODO Um importante texto que precisa ser considerado quando abordamos o tema “método” é uma das mais importantes obras do filósofo René Descartes (15961650): Discurso sobre o Método72 (1637). Esta obra juntamente com Meditações sobre Filosofia Primeira (1641), Princípios de Filosofia (1644), Regras para Direção do Espírito (1619) e As Paixões da Alma73 (1649) formula a base dos conceitos cartesianos que se tornaram influentes na história do pensamento ocidental. Além destas, é preciso ressaltar outra notável obra escrita por Descartes: Compendium Musicae (1618). Este foi um pequeno tratado sobre teoria musical e estética da música dedicada ao seu amigo físico/filósofo Isaac Beeckman (15881637). 72 Por vezes a obra é traduzida como Discurso do Método ou ainda Discurso sobre o método para bem conduzir a razão na busca da verdade dentro da ciência. 73 Também conhecido como Tratado das Paixões. 39 Através do Discurso sobre o Método, Descartes lançou os fundamentos do método científico moderno. A obra é dividida em seis partes. A quarta parte apresenta, por exemplo, as provas da existência de Deus e da alma humana, segundo os fundamentos da metafísica. Nesta obra temos também a famosa frase Je pense, donc je suis, citada muitas vezes em latim, cogito ergo sum: penso, logo existo74. Mas a parte que mais nos interessa é a segunda em que Descartes descreve a sua busca por um “verdadeiro método de se chegar ao conhecimento de todas as coisas de que meu espírito fosse capaz” (DESCARTES, 1985, p. 43). Apesar do grande influência que esta obra possa gerar, Descartes já anuncia: Assim, o meu propósito não é ensinar aqui o método que se deve seguir para conduzir bem a razão, mas apenas mostrar de que maneira me esforcei para conduzir a minha. Os que se arvoram em ditar regras devem acreditar-se mais hábeis do que aqueles a quem as ditam e, se falham no mínimo detalhe, são por isso censuráveis. (DESCARTES, 1985, p.32) Descartes não quer propor um método, mas mostrar o quanto foi eficiente o método que criou para si. Ele dá grande valor ao enfoque pessoal no processo de racionalização e acredita que todos os homens possuam bom-senso e razão, sendo capazes, desta forma, de encontrar a verdade, que é a grande busca de Descartes. Se não chegamos a uma única verdade é porque conduzimos os nossos pensamentos de diferentes maneiras, usamos diferentes metodologias. O bom-senso é a coisa do mundo mais bem partilhada, pois cada um pensa ser tão bem-dotado desta qualidade, que mesmo os que são mais difíceis de se contentar com qualquer outra coisa não costumam desejar tê-lo mais do que o têm. E não é verossímil que todos se enganem a esse respeito, por isso, antes, demonstra que o poder de julgar e distinguir bem o verdadeiro do falso, que é o que se denomina propriamente de bom-senso ou razão, é naturalmente igual em todos os homens; e, destarte, a diversidade de nossas opiniões não provém do fato de sermos uns mais racionais do que outros, mas somente do fato de conduzirmos nossos pensamentos por vias diferentes e de não levarmos em conta as mesmas coisas. (DESCARTES, 1985, p.30) 74 Alguns autores consideram que a popular tradução “penso, logo existo” não é a mais correta. A frase “penso, logo sou” seria uma tradução mais fiel ao texto original e representaria melhor os conceitos cartesianos que não identificam o ser como existir. 40 Embora Descartes desse grande valor ao processo pessoal na busca da verdade, o filósofo descreve o caminho que ele percorreu para solucionar os seus questionamentos e nos deixa quatro preceitos75 para se chegar à verdade através do conhecimento. São eles: o Preceito da Evidência, o Preceito da Análise, o Preceito da Síntese e o Preceito da Enumeração76. O primeiro preceito era o de jamais aceitar alguma coisa como verdadeira que não soubesse ser evidentemente como tal, isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito que eu não tivesse nenhuma chance de colocar em dúvida. (DESCARTES,1985, p.44) Este primeiro preceito é chamado Preceito da Evidência. Denis Huisman (1929-), em seus comentários na edição do Discurso..., nos explica que a “evidência consiste na intuição intelectual de uma ideia clara e distinta. A ideia é clara quando se percebem todos os seus elementos e é distinta quando não se pode confundi-la com nenhuma outra77”. (DESCARTES, 1985, p. 44) O segundo preceito é “o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas partes quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las” (DESCARTES, 1985, p. 44). Este pode ser chamado de Preceito da Análise. Mais uma vez Huisman nos explica que a análise “é, de maneira mais profunda, um procedimento que reduz o desconhecido ao conhecido e remonta aos princípios dos quais depende78”. O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, a começar pelos objetos mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para galgar, pouco a pouco, como que por graus, até o conhecimento dos mais 75 Os preceitos de Descartes são chamados também de Regras por alguns autores. 76 A nomenclatura específica destes preceitos não foi dada pelo próprio Descartes, embora a sua explicação dos preceitos seja claramente representada por esta nomenclatura. Ela foi definida posteriormente por estudiosos desta obra. 77 Esta citação está na nota 64 da versão comentada do Discurso. 78 Esta citação está na nota 65 do Discurso. 41 complexos e, inclusive, pressupondo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros. (DESCARTES,1985, p.44-45) Este preceito é bastante claro através da explicação de Descartes e é chamado de Preceito da Síntese, que permite estabelecer uma dedução. Aqui reconstitui-se o complexo partindo-se do simples. Huisman nos diz que “a ordem é lógica; é a ordem segundo a qual as verdades dependem umas das outras” 79 (DESCARTES, 1985, p.45). Por fim, Descartes nos apresenta o último preceito, o Preceito da Enumeração. “O preceito de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais que eu tivesse a certeza de nada ter omitido” (DESCARTES,1985, p.45). Desta forma, tudo o que foi evidenciado, analisado e sintetizado anteriormente, será revisado e conferido. Tudo o que é necessário para a solução de um problema está nas mãos do questionador. Procuramos fazer aqui um breve paralelo destes preceitos com o caminho percorrido pelos autores do Méthode de Violon, encontrando possíveis semelhanças. O Méthode, escrito em 1803 por três professores do Conservatoire procurava trazer exercícios musicais e informações que fossem pertinentes aos violinistas de modo geral, representando a metodologia desta nova Instituição. O Méthode apresenta em sua primeira parte escalas em todas as tonalidades, exercícios “pós-escalas”, 50 estudos, além de outras questões relevantes ao desenvolvimento da técnica ao instrumento e traz uma segunda parte que trata da expressão e seus meios, procurando ressaltar que a técnica está a serviço da expressão musical80. O primeiro dos preceitos, o da Evidência, aparentemente não fica tão claro no Méthode. Mas podemos analisá-lo partindo do pressuposto que os autores do Méthode decidiram registrar as ideias que consideravam importantes na formação de um violinista e aquilo que se mostrava pertinente a este propósito através da 79 80 Esta citação está na nota 66 do Discurso. Damos aqui apenas uma ideia geral desta obra que será melhor apresentada e analisada no capítulo 9. 42 experiência deles como violinistas e professores de violino. Possivelmente o que foi colocado nesta obra já havia passado pelas dúvidas e comprovações dos autores. Eram elementos já conhecidos e evidentes, inclusive já testados. Já era uma ideia clara e distinta. O Preceito da Análise que pressupõe a divisão das dificuldades em tantas parcelas quantas possíveis e necessárias para analisá-las, pode ser relacionada a um método de instrumento, uma vez que é comum encontrarmos exercícios de escalas, arpejos, dificuldades técnicas reduzidas a pequenos exercícios para serem resolvidos separadamente. Antes de se chegar a uma grande obra, os pequenos problemas técnicos que serão encontrados, já estarão resolvidos isoladamente. Além de analisar o desconhecido e reduzi-lo ao conhecido, o aluno pratica o desconhecido até torná-lo conhecido. Refletindo ainda mais sobre este preceito, podemos pensar que uma escala, que já é uma divisão das dificuldades, pode ser feita de diferentes formas. Se ela for feita com notas muito longas, como acontece no Méthode, o aluno poderá reduzir aquela dificuldade em uma parcela ainda menor, tocando de maneira consciente e precisa. Não é difícil relacionar o Preceito da Síntese com o grau de dificuldade que aumenta gradativamente no Méthode de Violon e comumente em outros métodos para instrumento. Para se chegar a determinado elemento complexo, é preciso passar por outros, mais simples. Se as dificuldades aparecerem de maneira gradativa, melhor será a construção do passo a passo, e estes passos dependem uns dos outros. Podemos exemplificar isto no Méthode com o aspecto rítmico que aumenta a dificuldade gradativamente, iniciando com notas longas de quatro tempos nos exercícios de escalas, partindo para ritmos mais ativos nos exercícios “pósescalas” e chegando aos estudos com uma grande variedade rítmica. É inevitável pensar no quarto preceito, o da Enumeração, sem relacioná-lo ao fato do aluno ter, no Méthode, reduzido as dificuldades em exercícios, avançado de maneira gradativa nos desafios e por fim, aplicar todos os seus conhecimentos obtidos nos 50 estudos escritos por Baillot. O quarto preceito propõe uma revisão geral para se ter certeza de nada ter omitido. O estudo busca contemplar todos os aspectos trabalhados anteriormente pelo aluno. Segundo Huisman, esta revisão 43 “não é rigorosa, a menos que se faça por um movimento contínuo, e em parte alguma interrompido, do pensamento”81. (DESCARTES, 1985, p.46) Através de todos estes passos seguidos com a ajuda do método e, principalmente, com a condução do professor, o aluno tem em suas mãos as ferramentas necessárias para se chegar a uma verdade maior que seria a verdade na execução de uma obra. Os alunos poderão chegar a diferentes verdades, conforme as experiências que trazem. E embora tenham a forte assistência de um mestre, precisam chegar à verdade através do próprio conhecimento, assim como já defendia Descartes. 8. DISCUTINDO O TERMO MÉTODO Levando em conta o grande número de tratados existentes até o final do século XVIII, os métodos aparecem com mais força quando surgem os Conservatórios. Luiz Otávio Santos nos traz um conceito de método, diferenciando-o dos tratados: [Métodos] São os documentos musicais redigidos com o propósito de mostrar todos os estágios da formação musical específica, de uma maneira progressiva, abrangente e clara. Mesmo que não atinjam esse objetivo, eles diferem dos tratados por serem mais diretos na previsão e na solução dos problemas do aprendizado, tornando-se, assim, menos ambíguos ou herméticos. Portanto, esse tipo de documento tem um caráter muito mais didático e funcional do que os tratados. Nesse estudo atribuímos a esse gênero de documento o papel de principal ferramenta utilizada no sistema de ensino coletivo, onde o método sintetiza um curso completo. (SANTOS, 2011, p.4) O fato de serem “diretos” tem relação, algumas vezes, com a intenção de atingir um público amador que consumia música e estes métodos precisavam ser claros o suficiente para serem utilizados sem a ajuda de um professor. Percebe-se 81 Esta é a nota 67 do Discurso. 44 que o Méthode de Violon não é um caso desses, pois foi escrito para o Conservatoire de Paris e claramente precisa da mediação de um professor. O método é concebido como uma ferramenta que sistematiza um percurso a fim de se chegar a um objetivo. “Entende-se que o termo ‘método’, [...], está relacionado a um caminho a ser trilhado, o qual reúne um conjunto de ações adotadas em consonância com as concepções de ensino do professor, as características do contexto e dos alunos” (REYS, 2010, p.110). Maria Deltegria Reys nos traz um elemento importante quando fala que as ações adotadas estão em consonância com as concepções de ensino do professor, as características dos alunos e com o contexto. Quando nos referimos a determinados métodos, é preciso analisar de forma cuidadosa o contexto em que estão inseridos. No caso dos métodos de instrumento do início do século XIX, precisamos pensar em todo o contexto da Revolução Francesa, que já foi abordado anteriormente. Além disso, é necessário entender as necessidades musicais daquele período. As peças a partir do século XVII, e de forma muito evidente no século XVIII e XIX, exigiam do aluno elevado nível técnico. 82 Outro aspecto que deve ser observado é o forte desenvolvimento de virtuosismo instrumental que se verificou a partir do século XVII, um fato que causou a necessidade de estratégias para a aprendizagem técnica do desempenho com meios cada vez mais precisos e refinados que permitissem exaltar a personalidade musical de compositores e intérpretes 83 musicais - cantores e instrumentistas - extraordinários . (JORQUERA, 2004, p.4) Determinadas passagens só eram realizadas pelos instrumentistas se eles tivessem uma grande destreza digital e uma elevada técnica, como acontece ainda hoje. Em seu texto Métodos históricos ou ativos em educação musical84, Maria 82 As versões dos textos em espanhol foram feitas pela autora. 83 Otro aspecto que cabe observar, es el fuerte desarrollo del virtuosismo instrumental que se verificó a partir del siglo XVII, hecho que produjo la necesidad de elaborar estrategias para el aprendizaje técnico de la interpretación con medios cada vez más precisos y refinados que permitieran exaltar las personalidades musicales de compositores e intérpretes – cantantes e instrumentistas – extraordinarios. 84 Métodos históricos o activos em educación musical (2004) 45 Cecília Jorqueira nos diz que a busca pelo virtuosismo levou a técnica a ser encarada como elemento mais importante da aprendizagem. O virtuosismo levou a atribuir, por consequência, à técnica um papel fundamental na aprendizagem instrumental, vocal e até mesmo do solfejo, tornando os exercícios uma prática autônoma; de modo que, a prática da música entre os aristocratas aficionados e a difusão da impressão musical contribuíram na divulgação de métodos compostos muitas vezes 85 exclusivamente por exercícios. (JORQUERA, 2004, p.4) A autora também atribui à busca pelo virtuosismo a divulgação de métodos compostos exclusivamente por exercícios. Novamente é necessário compreender que o método buscava unificar o ensino e abordar questões que fossem pertinentes a todos os violinistas. Desta forma, os exercícios poderiam suprir a necessidade técnica de vários alunos, otimizando o tempo. Além disso, o método deveria ser articulado com o repertório individual trabalhado em aula, desta forma, ele era uma das ferramentas do professor, não significando que ele estava limitado a usar apenas aquele material em aula. O repertório trabalhado em aula certamente apresentava desafios ao aluno e esses desafios eram superados com a habilidade do professor em disponibilizar soluções para os problemas. Neste caso, era necessário levar em conta a individualidade. Dizer que os métodos do século XIX eram mecânicos e colocavam a técnica em primeiro plano pode ser um equívoco. O Méthode de Violon, além de outros, valoriza a expressão, o som, a musicalidade, além de trabalhar aspectos técnicos. Os métodos também tendem a apresentar as dificuldades de forma gradativa. Por meio de um “passo a passo”, os métodos são organizados de modo a apresentarem os conteúdos em uma ordem progressiva de dificuldades técnicas e musicais. Assim, além de exercícios para desenvolver a técnica 85 El virtuosismo llevó a atribuir, por consecuencia, a la técnica un rol de primer plano en el aprendizaje instrumental, vocal e incluso del solfeo, convirtiendo los ejercicios en una práctica autónoma; de modo que aquél, la práctica musical entre los aristócratas aficionados y la difusión de la imprenta musical contribuyeron a la divulgación de métodos compuestos en muchos casos exclusivamente por ejercicios. 46 específica de um instrumento musical, os autores costumam incluir um repertório ligado ao contexto cultural de origem, além de peças ou fragmentos relacionados ao repertório tradicional do instrumento. (REYS, 2010, p.114) Fragmentos de peças ou pequenas peças escritas especialmente para os métodos, como os estudos, são comuns nos métodos do século XIX. Além disso, é preciso lembrar que o aluno certamente estava tocando peças de um repertório pensado pelo professor. Muitos professores, entre eles Baillot, Rode e Kreutzer, escreviam peças para violino e possivelmente trabalhavam um repertório interessante com o seu aluno. Devemos levar em conta que a escrita era um registro das ideias mais importantes relacionadas ao ensino de instrumento. Os professores/instrumentistas deveriam expressar de maneira objetiva e resumida o que acreditavam ser necessário para o avanço do aluno no aprendizado. Naquela obra buscavam apresentar necessidades recorrentes a qualquer violinista. 9. ANÁLISE DO MÉTHODE DE VIOLON Na análise a seguir procuramos ressaltar os aspectos mais relevantes e significativos do Méthode, buscando compreender a intenção dos autores desta obra. Tivemos acesso a uma edição publicada por Heugel & Cie. Editeur du Conservatoire86. A metodologia utilizada parte da análise do objeto de estudo que é o Méthode de Violon. É imprescindível a busca de uma compreensão crítica do sentido manifesto ou velado deste documento. A bibliografia referente ao tema serve de apoio para o levantamento e possível resposta de algumas questões. 86 Tivemos acesso a esta obra através da MDZ – Münchener DigitalisierungsZentrum. Digitale Bibliothek. A biblioteca nos dá as seguintes informações: Méthode de violon du Conservatoire Autor: Baillot, Pierre Marie François de Sales; Rode, Pierre; Kreutzer, Rodolphe. Verlagsort: Paris |Erscheinungsjahr: [ca. 1845]. Não há informações se há outras edições do Méthode de Violon, mas através das informações do site, é possível que esta seja uma edição de 1845, trazendo o conteúdo de 1803. 47 A interpretação das informações precisa ir além do que está escrito. Muitas questões foram levantadas, mas nem sempre respondidas indubitavelmente. Procuramos selecionar os aspectos a serem analisados e destacados seguindo a ordem que os autores do Méthode consideraram a ideal. Ou seja, analisamos seguindo a sequência dos elementos textuais do próprio método. O Méthode apresenta 165 páginas e traz mais duas páginas ao final com um índice. Veja de que forma a obra foi organizada e logo em seguida, o sumário do Méthode e quantas páginas são dedicadas a cada parte. 48 Introdução Primeira Parte87 Do mecanismo do violino88 (Sustentação o violino; Sustentação da mão e braço esquerdos; sustentação do arco; sustentação da mão e braço direitos; movimento dos dedos da mão esquerda; movimento do arco, da mão e do braço direitos; exercício com a mão esquerda; a atitude em geral89); Escalas em todas as tonalidades, nas sete posições; Exercícios “pós-escalas90” – após cada nova posição; Recapitulação de todas as posições (com sustenidos e bemóis); Exercícios para mão (esquerda) – por Kreutzer; Exercícios de semitom nas sete posições – por Baillot; Cordas duplas; Ornamentação do Canto91 (appoggiatura; trilos; trilo duplo; grupetto); Divisão do Arco92 (nos diferentes andamentos Adagio, Maestoso, Allegro, Presto; Martélé; Staccato; Variedade do Arco; Golpes de Arco Variados; Tercinas; Arpejo – sobre três e quatro cordas); Som93 (Som sustentado forte e som sustentado piano; Sons enflés, diminués, sons filés94); Nuances; Ornamentos;95 50 Estudos sobre a escala – por Baillot Segunda Parte – Da expressão e seus meios Do som; Do movimento; Do estilo; Do gosto; De L’Aplomb96; Do gênio da execução;97 Quadro 1 – Organização do Méthode de Violon 87 As versões dos textos em francês foram feitas pelo professor Pedro Persone. 88 Este termo é aqui utilizado para se referir aos aspectos técnicos do violino. 89 tenue du violon; tenue de la main et du bras gauche; tenue de l’archet; tenue de la main et du bras droit ; mouvemens des doigts de la main gauche ; mouvemens de l’archet, de la main et du bras droit ; exercice de la main gauche ; de l’attitude en général. 90 Decidimos nomear este grupo de exercícios de “exercícios pós-escalas” para que a referência a eles seja mais fácil ao longo do texto. Os autores do Méthode não deram nome a estes exercícios. 91 Agrémens du chant 92 Division de L’Archet 93 Son 94 Por não haver uma tradução adequada, preferimos manter estas palavras no original. 95 Ornemens 96 Não há uma tradução adequada para este termo, por isso preferimos mantê-lo no original. Mas ele pode ser entendido como “equilíbrio”, “estabilidade”. 97 De l’expression et de ses moyens. du son; du mouvement; du style; du goût; de l’aplomb; du genie d’exécution. 49 Introdução ........................................................................ 1 4 páginas Primeira parte ................................................................... 5 Do mecanismo do violino ................................................... 5 Escalas em todas as tonalidades ..................................... 10 Exercícios “pós-escala” ......... (após escalas de determinada posição) 5 páginas98 Ao todo são dedicadas 82 páginas Ao todo são dedicadas 20 páginas Recapitulação de todas as posições .............................. 112 4 páginas Exercícios para mão ....................................................... 116 2 páginas Exercícios de semitom ................................................... 118 3 páginas Cordas duplas ................................................................ 120 3 páginas99 Ornamentação do Canto ................................................ 125 4 páginas Divisão do arco ............................................................... 129 6 páginas Som ................................................................................ 135 2 páginas Nuances ......................................................................... 137 1 página Ornamentos .................................................................... 138 2 páginas 50 Estudos sobre a escala ............................................. 140 18 páginas Segunda Parte – Da expressão e seus meios ........... 158 Do som ........................................................................... 158 1 página Do movimento ................................................................ 159 1 página Do estilo .......................................................................... 160 1 página Do gosto ......................................................................... 161 1 página De L’Aplomb ................................................................... 162 1 página Do gênio da execução .................................................... 163 3 páginas Quadro 2 – Sumário do Méthode de Violon e número de páginas de cada sessão 98 Aqui aparecem ainda duas páginas com ilustrações sobre a maneira correta de segurar o violino, mas essas páginas não são enumeradas. 99 Os exercícios de cordas duplas iniciam no final da página 120, portanto não contamos como uma página inteira. Além disso, nesta sessão há uma página em branco enumerada. 50 A análise concentrou-se mais nos exercícios musicais da primeira parte, principalmente nas escalas em todas as tonalidades das 7 posições, que predominam em extensão100 no Méthode. Estes exercícios foram privilegiados na análise, pois abordam a prática do violinista, ao contrário de partes teóricas que tratam dos ornamentos, das nuances, do mecanismo do violino, dando apenas informações ao aluno. A Divisão do arco também fez parte da análise e exigiu uma interpretação que está além da escrita dos autores do método. Ainda na primeira parte, os 50 estudos de Baillot receberam grande atenção. Apesar de estarem plenamente contemplados na segunda parte, os pensamentos dos autores presentes na parte da Expressão e seus meios permearam as discussões dos outros aspectos analisados no Méthode. Consideramos esta parte de grande importância e de extrema influência em tudo o que foi escrito anteriormente na obra. Os três professores de violino do Conservatoire de Paris foram convidados a escrever um método que atendesse as necessidades da instituição e que organizasse e sintetizasse as ideias do que era necessário para a formação de um violinista, levando em conta a experiência deles como violinistas/professores. Ivan Galamian101 (1903-1981) no prefácio de seu livro Principles of Violin Playing and Teaching (1962), nos dá uma ideia da dificuldade de escrever um livro que traga instruções de como se tocar ou o que deve ser levado em conta quando se toca um instrumento. Podemos, assim, imaginar também a dificuldade na escrita do Méthode. Há muitos sistemas de se tocar violino, alguns bons, alguns justos, alguns ruins. O sistema que eu tentei apresentar nas páginas seguintes é o que eu acredito ser o mais prático, mas eu não afirmo que este é o único correto ou o único possível. Colocar um sistema em um livro, mesmo escrevendo um livro como este, é um compromisso problemático porque uma obra impressa jamais poderá substituir a relação professor-aluno. O melhor que um professor pode dar a 100 Das 165 páginas do Méthode, 100 são dedicadas aos estudos de escala e aos “exercícios pósescalas”. 101 Galamian, violinista norte-americano, estudou em Moscou e Paris. Foi um professor notável e educou alguns dos maiores virtuoses ao violino como Itzhak Perlman e Pinchas Zukerman. 51 um estudante é a abordagem individualizada e única, algo tão pessoal para 102 ser colocado no papel de qualquer maneira . (GALAMIAN, 1962, p.vii) Enfatizo o trecho em que Galamian diz que “uma obra impressa jamais poderá substituir a relação professor-aluno”. O Méthode de Violon é um claro exemplo de obra escrita para ser utilizada com a mediação de um professor. Ele foi escrito para ser usado pelos professores do Conservatoire. Isso é percebido através de passagens como esta: Todas estas escalas deverão ser tocadas sustentando sons fortes de um lado para o outro do arco. Quanto ao movimento, ele deve ser feito em geral muito lento, no entanto, existem escalas onde o caráter do baixo exige que o movimento seja um pouco acelerado: o mestre irá distingui-los 103 facilmente . (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.10) É necessário deixar claro que embora o ensino do Conservatoire seja chamado metodizado e, segundo alguns autores, tenha substituído a metodologia de ensino baseada na relação mestre/aprendiz, a relação professor/aluno continuou e sempre continuará existindo no Conservatoire. A diferença é que agora o aluno aprenderá diferentes assuntos com diferentes professores, mas todos eles serão responsáveis por sua formação musical. Galamian nos dá também uma ideia de qual é a pretensão de uma obra com instruções ou um método, dizendo que quando se trata do violino, como em qualquer outro instrumento, “o que pode ser formulado não é um conjunto de regras inflexíveis, mas sim um conjunto de princípios gerais que é suficientemente amplo para abranger todos os casos, mas flexível o suficiente para ser aplicado a qualquer 102 There are many systems of violin playing, some good, some fair, some bad. The system that I have tried to present in the following pages is the one that I believe to be the most practical, but I do not contend that it is the only right or only possible one. Putting a system into a book, even writing a book like this, is a problematical undertaking because no printed work can ever replace the live teacher-student relationship. The very best that a teacher can give to a student is the individualized, unique approach, which is too personal a thing to be put down on paper anyway. 103 Toutes ces gammes doivent être jouées en soutenant les sons forts d’un bout à l’autre de l’archet. Quant au movement, il faut le prendre en général très lent, il y a cependant des gammes ou le caractère de la basse exige que le mouvement soit un peu accéléré: le maitre les distinguera facilement. [grifo nosso] 52 caso particular104. (GALAMIAN, 1962, p.1) Ele ressalta mais uma vez que quem deve perceber esta individualidade do aluno é o professor. A maioria dos métodos e tratados buscam trazer informações pertinentes a todos os leitores daquela obra. No caso de um método de violino, o autor trará exercícios ou estudos que contemplem a técnica violinística em geral. Além disso, assim como Galamian, os três autores do Méthode buscaram escrever aquilo que achavam importante e pertinente na formação de um instrumentista, não significando que esta era a única forma ou a forma correta. Na primeira parte do Méthode há oito pequenos artigos105 que tratam do mecanismo do violino, dando explicações gerais de como proceder com a mão e o braço esquerdo e direito, como utilizar o arco, e como se portar de uma maneira geral. Não nos deteremos nesta parte, por ela ser bastante geral e para fins deste estudo consideramos mais pertinente analisar os exercícios musicais. Ao longo desta análise podemos perceber que muito do que os três autores do Méthode consideravam importante na formação de um violinista, também o era para outros autores de tratados e métodos para violino. Carl Flesch106 (1873-1944), um influente violinista e professor, em seu importante The Art of Violin Playing107 (1923-8), considerava que a arte de tocar violino requer o domínio de três áreas que são intimamente entrelaçadas: Técnica Geral, Técnica Aplicada e Realização Artística. Técnica geral: Educação e desenvolvimento da "mecânica" de ambos os braços ao máximo grau alcançável com a finalidade de produzir tudo o que é possível no violino de uma forma perfeitamente confiável. Técnica aplicada: Quando utilizamos essas habilidades adquiridas para executar e superar as dificuldades técnicas específicas que estão contidas em uma obra musical. 104 In violin playing, as in any other art, that which can be formulated is not a set of unyielding rules but rather a group of general principles that are broad enough to cover all cases, yet flexible enough to be applied to any particular case. 105 Articles 106 Flesch foi um violinista e professor húngaro. Estudou no Conservatoire de Paris e deu aula em importantes capitais. Defendia o conceito de violinista como artista, e não apenas como virtuoso. 107 No original Die Kunst des Violin-Spiels. 53 Realização artística: Só se a pessoa tem o domínio de uma técnica perfeita, e é capaz de usá-la com sucesso e de forma adequada, pode-se alcançar a liberdade de espírito e alma para deixar-se levar ao som da música e deixar a expressão musical predominar sobre o aspecto técnico 108 que, por sua vez serve para fins musicais e artísticos . (FLESCH, 1923, p.1) É possível perceber que a técnica é parte importante na formação de um violinista segundo Flesch, mas é uma parte, não é o objetivo final. Flesch ainda diz que a técnica básica para a mão esquerda deve ser aprimorada através da realização de: “escalas diatônicas simples; arpejos; terças quebradas, escalas cromáticas; escalas cromáticas em glissando; terças; dedilhado de oitavas; sextas; oitavas; décimas; trinados; harmônicos, pizzicato”109. (FLESCH, 1923, p.24). Flesch, através de sua experiência como professor de violino criou um Sistema de Escala110, um exercício contemplando escala simples, arpejos, terças quebradas, escala cromática, mas fez isto apenas na tonalidade de Dó maior, como exemplo, esperando que os alunos transpusessem para as outras tonalidades. Ao perceber que isso não estava acontecendo e que tocavam apenas a escala em Dó maior, decidiu escrever uma obra complementar, Scale System (1926), contendo todas as tonalidades. Ele considerava este sistema eficaz, pois trazia uma combinação de aspectos técnicos que favorecia a formação do aluno e otimizava o tempo. Esta foi, segundo as suas convicções e experiência, a forma de contribuir para a literatura pedagógica do instrumento. Repito pequeno trecho de uma citação já feita na qual Flesch diz que através do domínio da técnica “pode-se alcançar a liberdade de espírito e alma para deixar-se levar ao som da música e deixar a 108 General technique: Education and development of the “mechanics” of both arms to fullest possible degree achievable for the purpose of producing all that is possible on the violin in a faultlessly reliable manner. Applied technique: When we utilize these acquired abilities to execute and overcome the specific technical difficulties which are contained in a musical work, we are dealing with applied technique. Artistic realization: Only if one has command of a perfect technique, and is able to use it successfully and appropriately, can one achieve the freedom of spirit and soul to abandon oneself to the music and to let musical expression predominate over the technical aspect which then serves the musical and artistic ends. 109 simple diatonic scales; arpeggios; broken thirds, chromatic scales; chromatic glissando scales; thirds; fingered octaves; sixths; octaves; tenths; trills; harmonics, pizzicati. 110 Scale System (FLESCH, 1923, p.85) 54 expressão musical predominar sobre o aspecto técnico que, por sua vez serve para fins musicais e artísticos111. (FLESCH, 1923, p.1) Segundo Mariana Salles em seu livro Arcadas e Golpes de Arco (2004), “a técnica não é um fim, mas sim, um meio. [...] Práticas interpretativas fundamentamse na moldagem da matéria sonora em um instrumento. Em nosso caso, instrumentos de cordas” (SALLES, 2004, p.101). Galamian diz que “Interpretação é o objetivo final de todo estudo instrumental, é sua única raison d’être112. Técnica é meramente um meio para este fim, a ferramenta para ser usada a serviço da interpretação artística, a posse de ferramentas técnicas por si só não é suficiente”113 (GALAMIAN, 1962, p.6). Todos os autores citados acima viram a necessidade de escrever uma obra que trouxesse predominantemente aspectos técnicos a serem trabalhados pelo violinista, mas nenhum deles vê a técnica como o principal objetivo ou como um fim em si mesma. A técnica, para estes autores, está sempre a serviço da música, da arte. No Méthode, os três autores/violinistas têm a mesma preocupação, e se referem à técnica do instrumento como “mecanismo”, mas no trecho a seguir, e em outros, também nos dizem que a técnica é apenas parte de um objetivo maior, que para eles era a expressão. O aluno que se tornou hábil no mecanismo do violino não acredite que finalizou o seu trabalho, e que ele consulte suas forças antes passar adiante. A EXPRESSÃO acaba de abrir a seu talento uma carreira que não tem limites nos sentimentos do coração humano; Não é suficiente que ele tenha nascido sensível, é necessário que ele carregue em sua alma a força expressiva, esse calor de sentimento vai para fora, que se comunica, que penetra, que queima. É esse fogo sagrado que em uma engenhosa ficção 111 [...] can one achieve the freedom of spirit and soul to abandon oneself to the music and to let musical expression predominate over the technical aspect which then serves the musical and artistic ends. 112 113 Do francês, “razão de ser”. Interpretation is the final goal of all instrumental study, its only raison d'être. Technique is merely the means to this end, the tool to be used in the service of artistic interpretation. For successful performance, therefore, the possession of the technical tools alone is not sufficient 55 114 foi roubado por Prometeu para animar os seres humanos RODE; KREUTZER, 1803, p.158) 115 . (BAILLOT; Baillot, Rode e Kreutzer dedicam a segunda parte116 do Méthode à Expressão e seus meios117. Desta forma, vamos analisar alguns dos exercícios que são claramente técnicos propostos no Méthode, mas sabendo que esta é uma parte da formação do violinista que o auxilia no objetivo primordial que é a expressão musical. Uma grande seção do Méthode é dedicada ao estudo das escalas, nas sete posições do violino. As escalas, juntamente com os exercícios “pós-escalas”, estão dispostas em 102 páginas, levando em conta que o Méthode apresenta, ao todo, 165 páginas. Em cada uma das posições, o aluno toca em todas as tonalidades, apresentando a tonalidade maior, seguida por sua relativa menor. O aluno realiza em todos estes exercícios escalas de duas oitavas. Cada nota dura quatro tempos, conforme a fórmula de compasso indicada nos exemplos, e cada nota deve ser realizada em uma arcada. Aparentemente isto se torna uma tarefa monótona e cansativa, mas o que faz com que tais exercícios sejam interessantes é a linha do baixo. Em cada um dos exercícios de escalas esta linha adicional realiza diferentes contornos melódicos, com grande variedade rítmica e de articulações, aparentemente tendo como principal objetivo estabelecer a tonalidade e servir de parâmetro para que o aluno possa afinar as notas da sua escala. Mesmo que o aluno esteja tocando notas longas e realizando uma escala, ele está presenciando um movimento melódico e rítmico bastante interessante, e sua percepção quanto à harmonia é claramente estimulada. 114 Aqui os autores fazem referência ao mito de Prometeu, defensor da humanidade, que roubou o fogo de Olimpo para presentear os mortais. 115 Que l’élève devenu habile dans le mécanisme du Violon ne se croyez donc pas à la fin de ses travaux, et qu’il consulte ses forces avant que de passer outre. L’EXPRESSION vient ouvrir à sont talent une carrière qui n’a de bornes que dans les sensations du coeur humain ; il ne suffit pas qu’il soit né sensible, il faut qu’il porte dans son âme cette force expensive, cette chaleur de sentiment qui s’étend au dehors, qui se communique, qui pénètre, qui brûle. C’est ce feu sacré qu’une fiction ingénieuse fait dérober par Prométhée pour animer l’homme. 116 II eme 117 L’Expression et ses moyens. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.158). Partie (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.158) 56 Os autores do Méthode explicam que “Todos os baixos das escalas simples nas sete diferentes posições são do Sr. Cherubini118” (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.10), mas não nos dão nenhuma informação a respeito de quem deve realizar a linha do baixo ou com qual instrumento. É importante lembrar que Cherubini foi membro da Guarda Nacional, que deu origem ao Conservatoire. Logo que a Instituição foi criada, Cherubini tornou-se professor e contribuiu na criação de textos elementares para serem usados. Segundo o artigo do Dicionário Grove, [...] enquanto esteve no Conservatoire, Cherubini compôs um número substancial de baixos cifrados, cânones, fugas e, particularmente após sua nomeação como diretor, exercícios de solfejo para exames semestrais e competições. Ele também participou do grande debate educacional no Conservatoire relativo à adoção de métodos oficiais de ensino com os quais o Conservatório esperava superar as abordagens idiossincráticas 119 prevalentes no ensino tradicional . (GROVE, Michael Fend in Luigi Cherubini) Cherubini foi diretor do Conservatoire entre 1822 e 1842 e sua principal contribuição teórica para a instituição foi o Cours de contrepoint et de fugue (1835). Essa ausência de explicações sobre a realização do baixo leva a crer que os autores consideravam a explicação desnecessária, podendo ser esta uma prática comum. Encontramos esta práxis em outros tratados e métodos. Isto ocorria, por exemplo, no Versuch einer gründlichen Violinschule (1756) de Leopold Mozart. Ele explica que “Neste e nos exemplos seguintes uma parte para segundo violino é adicionada abaixo, a fim de que professor e aluno possam tocar juntos cada parte alternadamente120” (MOZART, 1756121 [1985], p.88). Mas ele também ressalta que o 118 r Toutes les basses des gammes simples aux sept differentes positions sont de M . CHERUBINI 119 While at the Conservatoire, Cherubini composed a substantial number of figured basses, canons, fugues and, particularly after his appointment as director, solfège exercises for semestrial exams and competitions. He also participated in the highly learned debate at the Conservatoire concerning the adoption of official teaching methods with which the Conservatoire hoped to overcome the idiosyncratic approaches prevalent in traditional teaching. 120 In this and all following examples a second violin part is added below, so that the teacher and pupil together may play each part alternately. 121 1756 é a data da primeira publicação do tratado. Há uma segunda edição 1769-1770 da qual tiramos os exemplos musicais, como o da figura acima. Há ainda uma versão aumentada de 1787. 57 aluno só deverá tocar a linha do baixo quando conseguir tocar a linha superior bem e afinada. Figura 5 – Versuch einer gründlichen Violinschule. Capítulo 4. (MOZART, 1756 [1769-70], p.97) Em outros três métodos ligados ao Conservatoire de Paris, a linha do baixo também aparece. Veja nos exemplos do método de canto [figura 2] e método de violoncelo [figura3]. Repare que no método de canto, há claramente uma linha de baixo contínuo, com cifragem. Foram feitas várias traduções do tratado e a versão com tradução para o inglês de Editha Knocker da qual tivemos acesso é de 1985, a primeira publicação em paperback. Desta edição tiramos os textos, como o desta citação. 58 Figura 6 – Méthode de Chant du Conservatoire de Musique. (LANGLÉ et al 122 , 1803-1804, p.16) Figura 7 – Méthode de Violoncelle et de Basse d’Accompagnement. (BAUDIOT et al 123 , 1804, p.11) 122 Este método de canto foi escrito por Honoré Langlé (1741-1807) juntamente com Bernardo Mengozzi (1758-1800), Pierre Garat (1762-1823) e Luigi Cherubini (1760-1842). Todos eles, com exceção de Cherubini, eram importantes cantores da época, além de professores do Conservatoire. 123 Nicolas Baudiot (1773-1849) escreveu este método juntamente com Jean-Henri Levasseur (17641823) que também foi professor de violoncelo do Conservatoire. A obra recebeu ainda a contribuição de Charles-Simon Catel (1773-1830), professor de contraponto e harmonia, além da ajuda de Baillot. A obra à qual tivemos acesso foi publicada por Janet et Cotelle, e está disponível no site IMSLP. 59 O último exemplo é o L’Art du Violon, que é a versão do Méthode de Violon revisada por Baillot 30 anos depois124, publicada em 1834. Nesta obra Baillot apenas diz que “Os baixos das escalas seguintes fazem parte do primeiro método: eles são do Sr. Cherubini que os colocou na clave de sol para facilitar a execução ao violino125”. (BAILLOT, 1834, p.36) Figura 8 – L’Art du Violon. Gammes a la 1 position. Ton d’Ut Majeur. (BAILLOT, 1834 [1836 126 ], p.36) Algo que desperta inquietação é o fato do baixo, no Méthode, estar escrito em clave de fá na quarta linha. Conforme a extensão tocada, são usadas também a clave de sol e a clave de dó na terceira linha. Não há explicações sobre quem deve 124 É importante dizer que esta versão revista apresenta diferenças significativas do Méthode de Violon a ponto de receber outro nome: L’Art du Violon. Apesar de utilizar basicamente os mesmos exercícios de escala do Méthode, o L’Art traz mais explicações escritas e aprofunda temas abordados 30 anos antes, como é o caso da parte dedicada aos golpes de arco. Esta versão revista não traz os mesmos estudos de Baillot, mas traz a segunda parte que trata da “expressão e seus meios”. Ela tem 311 páginas. 125 re r Les Basses des Gammes suivantes faisaient partie de la 1 Méthode: elles sont de M Cherubini qui les a mises sur la Clef de sol pour en faciliter l’exécution sur le Violon 126 Analisamos uma edição com texto em francês/alemão publicada em Berlim em 1836. No entanto, preferimos manter na referência a data de sua primeira publicação em Paris, 1834. 60 realizar a segunda voz ou por qual instrumento ela deve ser tocada. As informações do Versuch... e do L’Art du Violon nos mostram claramente que a linha do baixo é realizada pelo professor. Talvez por ser esta uma prática comum, os autores do Méthode não viram a necessidade de dar maiores explicações além de ressaltar que a linha foi escrita por Cherubini. Uma das possibilidades é a execução das notas na clave de fá uma oitava acima pelo professor, o que seria cabível na extensão apresentada pelo baixo. Outra possibilidade bastante pertinente é de que essa linha era realizada por um baixo contínuo. No Méthode de Clarinette adoptée par le Conservatoire (1802) escrito por Jean-Xavier Lefèvre (1763-1829) há uma linha de baixo que é tocada claramente por um continuísta, inclusive fazendo parte do repertório de concerto de clarineta com acompanhamento atualmente. O método de canto do Conservatoire, acima mencionado, traz outra evidência da linha do baixo ser executada pelo baixo contínuo, trazendo a cifragem. A prática de escrever linhas de baixo contínuo em clave de fá pode ter sido algo tão recorrente e usual, que Cherubini escreveu a linha do baixo para todos os instrumentos em clave de fá. Várias questões podem ser levantadas, mas não encontramos nenhuma resposta clara a este respeito na literatura consultada. Através de tratados como o de Leopold Mozart escrito anteriormente e através do L’Art du Violon escrito posteriormente, tudo leva a crer que a linha do baixo era realizada pelo professor. O aluno desenvolve diversas habilidades com essa prática: a percepção de afinação; a precisão rítmica; a compreensão da harmonia. Selecionamos alguns exercícios de escalas, ressaltando aspectos interessantes do baixo, mas que contribuem para a musicalidade do aluno. Além do aluno estar melhorando a sua afinação, tendo como referência outra linha melódica, a sua percepção será trabalhada, pois mesmo tocando notas longas da escala, ele ouvirá no baixo outros elementos musicais. 61 Figura 9 – Exercícios na 1ª posição, Si menor. (BAILLT; RODE; KREUTZER, 1803, p.12) Veja que no exercício anterior a melodia é escrita nas claves de sol, fá (quarta linha) e clave de dó (terceira linha). Talvez o objetivo de evitar linhas suplementares tenha resultado nesta escrita. O elemento musical principal neste exercício é o salto seguido por graus conjuntos, na maior parte das vezes com movimento escalar descendente. Os graus conjuntos ajudam o aluno a perceber melhor a tonalidade em que está tocando. 62 Figura 10 – Exercícios na 1ª posição, Lá maior. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.12) Este exercício em lá maior apresenta na linha do baixo a síncope. A percepção harmônica do aluno será trabalhada de modo bastante interessante, pois há uma dissonância causada pela síncope, que será resolvida apenas no terceiro tempo do compasso (observe a dissonância entre lá2 e si2 no segundo compasso127, sendo resolvida pelo sol2 do baixo no terceiro tempo do segundo compasso). Isso mostra o tecido contrapontístico e prepara o aluno para valorizar as dissonâncias e suas resoluções em consonâncias, trabalhando a sua percepção em relação à harmonia e afinação. Figura 11 – Escalas na 2ª posição, Sol maior. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.27) O exercício anterior [figura 11] traz escalas cromáticas realizadas pelo baixo. Novamente a percepção harmônica do aluno é desafiada uma vez que a nota que 127 Estamos utilizando o sistema Franco-belga de nomenclatura das oitavas. 63 ele realiza ocasiona tensões ou resoluções, dependendo da nota que o baixo está tocando. Esta é uma forma habilidosa de trabalhar a harmonia. Como dito anteriormente, a escala juntamente com a linha do baixo tem como uma das prioridades que o aluno desenvolva a sua afinação. Os autores do Méthode dizem que: Isto [este tipo de exercício] propõe a acostumar o aluno a julgar por si mesmo se a nota que ele faz é justa ou desafinada, e no caso de estar desafinada, se não estiver nem muito baixa nem muito alta, afim de que ele possa corrigir sem qualquer outro tipo de auxilio que a de seus próprios 128 ouvidos que serão aperfeiçoados através desse hábito . (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.8) Desta vez o aspecto do baixo que merece atenção é a variedade de articulação. Um compasso com notas em legato é seguido por outro com notas em staccatissimo. Figura 12 – Escalas na 2ª posição, Si menor. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.28) Na música temos diferentes sinais de articulação e em cada um dos instrumentos são necessárias diferentes técnicas para realizar tais articulações. No violino isso está diretamente relacionado ao golpe de arco. Ao longo do tempo, embora os princípios dos golpes de arcos fossem muito parecidos, muitos violinistas nomeavam estes golpes de maneiras diferentes. 128 Il est à propos d’habituer l’élève à juger par lui même si la note qu’il fait est juste ou fausse, et dans les cas qu’elle soit fausse, si elle n’est pas trop basse ou trop haute, afin qu’il puisse se corriger sans autre secours que celui de ses propres oreilles lesquelles se perfectionneront moyennant cette habitude. 64 Mariana Salles escreveu o importante livro Arcadas e Golpes de Arco (2004) analisando a terminologia dos golpes de arcos por três importantes violinistas/pedagogos: Carl Flesch, Ivan Galamian e o brasileiro Marcos Salles. No final, a autora propõe a sua própria nomenclatura dos golpes de arco, baseada nos estudos anteriores. Neste trabalho, para fins de análise e comparação com os golpes de arco apresentados no Méthode, adotaremos a nomenclatura utilizada por Galamian, acreditando ser esta a mais aceita e difundida no Brasil e no exterior. Em seu livro Principles of Violin Playing and Teaching, Galamian procura explicar o que considera os padrões básicos de golpes de arco, o que Mariana Salles entende e traduz como “arcadas padrão” ou “arcadas modelo”. Estes tipos básicos comportam pequenas variações. Mariana Salles também nos explica a diferença entre golpes de arco e arcadas: Arcada: 1. Direção do arco em relação às cordas. 2. Termo genérico, conjunto de golpes de arco com determinada característica em comum. Golpes de arco: Tipo determinado de acentuação e articulação que produz 129 uma sonoridade específica . (SALLES, 2004, p.20) A seguir temos uma “árvore das arcadas de Ivan Galamian” elaborada por Mariana Salles em seu livro. É possível perceber a quantidade nas variações das arcadas e a preocupação de Galamian em identificar a maioria delas através de um sinal próprio. Apesar disso, é necessário lembrar que na maioria das vezes os compositores, em especial os compositores que não eram violinistas, faziam apenas as indicações das articulações musicais, cabendo ao violinista a tarefa de escolher a arcada que melhor traduziria a intenção musical do compositor. 129 Theodor Baker em seu Pocket Manual of Musical Terms define arcada como: “a arte de manusear o arco, método ou estilo de um instrumentista; também, as indicações para e a forma de executar qualquer passagem”. (The art of handling the bow, a player’s method or style; also, the signs for, and manner of, executing any given passage). (BAKER, 1995, p.39). ÁRVORE DAS ARCADAS DE IVAN GALAMIAN RICOCHET SAUTILLÉ LEGATO DÉTACHÉ SIMPLES 7 DÉTACHÉ MARTELÉ SPICCATO STACCATO Não há marcação COLLÉ DÉTACHÉ ACENTUADO DÉTACHÉ PORTÉ Não há marcação DÉTACHÉ LANCÉ STACCATO VOLANTE Mesma marcação staccato MARTELÉ SIMPLES MARTELÉ SUSTENTADO SPICCATO VOLANTE FOUETTÉ PORTATO OU LOURÉ mesma marcação staccato 63 Diagrama 1 – Árvore das Arcadas de Ivan Galamian elaborada por Mariana Salles. (SALLES, 2004, anexo) 64 No Méthode, os autores explicam inicialmente a divisão do arco de acordo com os tipos de andamento. Deste modo, o golpe de arco poderá ser diferente em um Adagio ou em um Presto, mas se referem a todos estes golpes como diferentes tipos de détaché e aparentemente não há uma notação diferenciada para cada um deles. Por exemplo, os autores do Méthode nos dizem que No Allegro Maestoso ou Moderato assai, onde a arcada deve ser mais frequente e mais decidida, devemos dar mais destaque ao détaché na medida do possível, uma vez que cerca de metade do arco, de modo que os sons sejam redondos e a corda seja colocada em plena vibração. Também deve empurrar e puxar o arco vivamente e colocar entre cada nota uma espécie de pequena pausa. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.130) Esta explicação pode ser comparada à definição de Galamian do détaché porté ou ao détaché lancé: Détaché Porté Este golpe tem uma leve dilatação no começo, seguido de uma gradual diminuição do som, similar ao portato ou louré. Esta dilatação é conduzida como se o arco fosse profundamente para dentro da corda, aplicando um cuidadoso e gradual aumento de pressão e velocidade no começo de cada nota, sem realmente acentuá-las. Pode ou não existir uma pequena pausa entre as notas, mas quando este golpe é executado continuamente, as 130 inflexões dão a impressão de separação . (GALAMIAN, 1962, p.68) Détaché Lancé Este é, antes, um golpe curto e rápido caracterizado por grande velocidade inicial do arco que se reduz para o final. Geralmente, há uma clara pausa entre as notas, embora algumas vezes, como em uma sucessão de notas rápidas, a pausa desapareça. Não existe nem acento nem dilatação no início das notas. O golpe pode ser comparado ao martelé sem o ataque 131 staccato do começo . GALAMIAN, 1962, p.68-69) 130 This stroke has a slight swelling at the beginning followed by a gradual lightening of the sound, similar to the portato or louré. This swelling is brought about by going somewhat deeper into the string by applying a carefully graded additional pressure and speed at the beginning of each note, without actually accenting it. There may or may not be a slight spacing between notes, but even when this stroke is performed continuously the inflections will give the impression of separation. 131 This is a rather short, quick stroke that is characterized by great initial speed in the bow which then slows down toward the end of the stroke. Generally, there is a clear break between the notes, although sometimes, as in a succession of fast notes, no pause will intervene. There is neither accent nor swell at the beginning of the tone. The stroke could be likened to a martelé without the staccato attack at the beginning. 65 Após as explicações de acordo com os tipos de andamento, os autores do Méthode apresentam o Martelé e o Staccato (também chamado de détaché articulé). A notação destas duas arcadas coincide com a dada por Galamian ao martelé simples e ao staccato. A explicação de como elas devem ser executados é semelhante. Apesar disso, estas duas arcadas padrão, no caso de Galamian, dão origem a outras variações definidas como martelé simples e sustentado; staccato volante e o spiccato. Figura 13 – Martelé e Staccato. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.131) A explicação sobre o martelé no Méthode é a seguinte: Esta arcada deve ser feita na ponta firmemente articulada: serve para contrastar com as melodias sustentadas. É um grande efeito quando é adequadamente colocada. Para bem marcar, sem dureza ou secura, deve-se pegar cada nota com surpreendente vivacidade, e deve dar espaço suficiente para o arco de modo que o som seja redondo e cheio. Também requer que todas as notas sejam muito iguais entre elas, o que se obterá se colocarmos mais força para a nota (poussée – pra baixo), naturalmente mais difíceis de marcar que 132 a nota (tirée – pra cima) . (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.131) 132 Ce coup d’archet doit être fait de la pointe at articulé avec fermeté: il sert à contraster avec les chants soutenus. Il est d’un grand effet quand on le place convenablement. Pour le bien marquer sans dureté ni sécheresse, il faut piquer chaque note en surprenant la corde avec vivacité, et donner assez d’étendue à l’archet pour que le son soit rond et plein. Il faut aussi que toutes les notes soient très égales entr’elles, ce qu’on obtiendra si l’on met plus de force à la note poussée, naturellement plus difficile à marquer que la note tirée. 66 Para Galamian o martelé “é um dos mais fundamentais de todos os golpes de arco, e seu domínio irá beneficiar a técnica da mão direita bem além do limite desta arcada particular”.133 (GALAMIAN, 1962, p.70) Além disso, define a maneira de realizar este golpe de arco: O martelé é decididamente um golpe de arco percussivo, com um tipo consoante de acento “agudo” no começo de cada nota, executado sempre com uma pausa entre os golpes. O acento, neste tipo de golpe de arco, requer uma preparação em forma de pressão preliminar: o arco deve ‘pinçar’ a corda antes de começar a mover-se. Este pinçar consiste numa pressão mais forte do que aquela que o próprio golpe vai requerer, e é, no máximo, longa, suficiente para produzir a acentuação necessária no início de cada som. A pressão é, então, imediatamente reduzida para o nível 134 requerido . (GALAMIAN, 1962, p.70-71) Sobre o staccato os autores do Méthode explicam que “O STACCATO ou détaché articulado se faz com a punção de várias notas na mesma arcada135” (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.131). Para Galamian “esta arcada [...] é a sucessão de golpes de arcos curtos, claramente separados, e de articulação do tipo consoante em uma única arcada, executados de forma que a crina do arco fique em permanente contato com a corda136”. (GALAMIAN, 1962, p.78) Os autores do Méthode continuam: Seu princípio é o mesmo que o de martelé, isto é, ele deve ser feito a partir da ponta, sem que o arco deixe a corda, com a diferença de que deve usar menos arcada possível se alguém quiser bem articular, e ele deve ser marcado com firmeza da primeira à última nota. 133 This is one of the most fundamental of all strokes, and its mastery will benefit the right hand technique well beyond the limit of this particular bowing. 134 .The martelé is decidedly a percussive stroke with a consonant type of sharp accent at the beginning of each note and always a rest between strokes. The accent in this stroke requires preparation in the form of preliminary pressure: the bow has to "pinch" the string before starting to move. This pinching is a pressure stronger than the stroke itself will require, and it has to last just long enough to produce the necessary accentuation at the beginning of the tone. The pressure is then immediately lessened to the degree required. 135 136 Le STACCATO ou détaché articulé, se fait em piquant plusieurs notes du même coup d’archet. This bowing […] is a succession of short, clearly separated, and consonant-articulated strokes on one bow, performed while the hair of the bow remains in permanent contact with the string. 67 Não devemos colocar nenhuma rigidez no Staccato; arco deve ter o toque na mão, e o polegar deve apenas pressionar ligeiramente o arco. Se consegue fazer isso trabalhando lentamente, e parando o arco a cada nota. Se faz também o Staccato tirando (arco pra cima): se começa no meio do arco, ou até mais, dependendo da quantidade de notas que você deve 137 fazer . (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.131) Perceba que no final da explicação, os autores já nos apresentam uma variação do staccato, no qual o violinista tira o arco da corda. Esta explicação coincide com a definição de staccato volante de Ivan Galamian: [o staccato volante] “como o próprio nome sugere, deriva do staccato. É executado com o mesmo movimento do staccato preso, exceto que a pressão é suave e o arco é permitido – e encorajado – a deixar a corda depois de cada nota138” (GALAMIAN, 1962, p.80-81). Quando observamos no Méthode a notação de articulações que implicam diferentes golpes de arco, temos uma variedade muito menor que a exposta por Galamian. É importante ressaltar que a pouca variedade na indicação de articulações não significa que não havia variedade nos golpes de arco. Isso pode ser constatado através da seguinte passagem: Falamos até aqui de notas sustentadas e notas separadas umas das outras, mas também que é essencial ligar as notas entre si se você quer fazer o instrumento cantar, há certos traços que recebem da variedade de arcadas uma expressão e caráter que não teriam tido sem este recurso do qual não devemos abusar, pois iriam cansar o ouvido, e minar a verdadeira 137 Son principe est le même que celui du Martelé, c’est-à-dire qu’il doit être fait de la pointe, sans que l’archet quitte la corde, avec cette différence qu’il faut employer le moins d’archet possible si l’on veut le bien articuler, et qu’il faut marquer avec fermeté la première et la dernière note. On ne doit mettre aucune roideur dans le Staccato; l’archet doit avoir du jeu dans la main, et le pouce doit seulement un peu presser la baguette. On parvient à le faire en le travaillant lentement, et en arrêtant l’archet à chaque note. On fait aussi le Staccato en tirant: on commence alors au milieu de l’archet, ou même plus haut suivant la quantité de notes qu’on doit faire. 138 [staccato volante] as the name implies, derives from the staccato. It is performed with the same motion as the solid staccato, except that the pressure is lightened and the bow is permitted—and encouraged—to leave the string after each note. 68 expressão que sempre sabe manejar seus efeitos KREUTZER, 1803, p.132) 139 . (BAILLOT; RODE; Desta forma, mesmo que aparentemente não houvesse uma notação específica para as diferentes articulações, o violinista devia estar consciente de que realizar apenas Martelé ou Staccato ou Détaché era “cansativo ao ouvido” e que era necessário analisar o caráter da peça e contemplar a variedade de expressão do arco. Luis Otávio dos Santos nos diz que no L’Art du Violon, a versão revista140 do Méthode feita por Baillot 30 anos depois, A parte dedicada aos golpes de arco é um dos maiores tesouros da literatura pedagógica e documental do violino: a anatomia do arco é associada aos golpes de arco, cada um pertencendo a sua respectiva região no arco, a um tipo de utilização expressiva específica, e explicados com clareza, ilustrados com exemplos do repertório. (SANTOS, 2011, p.70) Na edição revista do Méthode, Baillot nomeia os diferentes golpes de arco, dividindo-os em três grandes grupos: lentos, rápidos e combinados. Estão entre os golpes de arcos apresentados grand détaché, martelé, stacatto, détaché perlé, détaché sautillé, staccato à ricochet, entre outros. Poderíamos pensar que ao longo dos 30 anos entre uma obra e outra, diferentes golpes de arco foram desenvolvidos, mas tudo leva a crer que apenas na versão revista do Méthode Baillot teve o cuidado de nomear e explicar este tópico, assim como fez com outros, que se tornaram muito mais detalhados do que o Méthode de Violon escrito em 1803. É preciso lembrar também que durante o período em que o Méthode foi escrito o arco utilizado já era o chamado “arco Tourte”, considerado o arco moderno. Desde o arco Tourte praticamente nenhuma mudança foi feita na estrutura do 139 On n’a parlé jusqu’ici que des notes soutenues et des notes détachées les unes des autres, mais outre qu’il est indispensable de lier les notes entr’elles si l’on veut chanter sur l’instrument, il y a de certains traits qui reçoivent de la variété des coups d’archet une expression et un caractère qu’ils n’auraient point sans cette ressource dont il ne faut point abuser, car elle ne ferait alors que fatiguer l’oreille, et nuirait à la véritable expression qui sait toujours ménager les effets. 140 Lembramos que esta versão revista, intitulada L’Art du Violon difere bastante de sua original Méthode de Violon. Vide nota 124. 69 arco141. Desta forma, mesmo tratando de um método escrito no início do século XIX, o arco era basicamente o mesmo que utilizamos atualmente, não havendo necessidade de conceber os golpes de arco ou a sonoridade de maneira diferente, como fazemos com uma obra do período barroco, por exemplo, na qual é preciso analisar a peça levando em conta a diferença entre o arco moderno e o arco barroco. François Tourte (1747-1835), o ‘Stradivari do arco’, possuía não só a criatividade para produzir o arco com perfeição, mas também a habilidade para fazer arcos de qualidade insuperável, que ainda hoje são procurados pelos violinistas e imitados pelos fabricantes. Embora não possa ser provado que ele inventou qualquer das características do arco moderno, ele foi o primeiro a empregar todos elas de forma eficaz. Ele aperfeiçoou o formato da ponta, e equipou o talão, esculpido em ébano, com o slide e ‘Dring’ [anel de metal/parafuso responsável pelo ajuste das crinas] ou ponteira para manter a crina em uma tira uniforme. Ele também aperfeiçoou a forma encurvada da madeira para produzir equilíbrio e peso ideais, utilizando 142 madeira pernambuco . (STOWELL, 1992, p.26) Sabemos que Viotti utilizava este arco e foi um dos grandes divulgadores. Isso pode ser constatado pela seguinte passagem: [...] Sua [a de Viotti] excelente técnica era tida como certa. O que impressionou o público foi a grande e contundente maneira de sua arcada (derivada daquela de Pugnani), e seu rico e expressivo toque – reforçado tanto por sua preferência por um violino Stradivari como pelo novo arco 143 desenvolvido por Tourte . (STOWELL, 1992, p.60) 141 Houve o acréscimo de uma pequena placa de metal entre o talão e a madeira. Esta mudança, com o intuito de não desgastar a madeira, é atribuída a François Lupot (1774-1837) 142 François Tourte (1747-1835), the Stradivari of the bow”, possessed not only the ingenuity to bring the bow to perfection but also the skill to make bows of unsurpassed quality, wich are still sought after by players and emulated by makers. Although it cannot be shown that he invented any of the features of the modern bow, he was the first to employ them all effectively. He refined the shape of the head , and equipped the frog, carved from ebony, with the slide and ‘D-ring’ or ferrule to keep the hair in a uniform ribbon. He also perfected the incurved shape of the stick to produce an ideal balance and weight, using pernambuco wood. 143 […] His excellent technique was taken for granted. What struck audiences was the grand and forceful manner of his bowing (devired from Pugnani), and his rich expressive tone – both enhanced by his preference for a Stradivari violin and the new bow developed by Tourte. 70 No dois próximos exemplos [figura 14 e 15] novamente o baixo apresenta articulações variadas. Mesmo que não esteja realizando diferentes golpes de arco, o aluno perceberá sonoramente a variedade nas articulações do baixo. A sua percepção já será preparada para o que certamente ele realizará depois. Figura 14 – Escalas na 3ª posição, Dó maior. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.40) No exemplo anterior o golpe de arco utilizado na articulação musical staccato é o que Galamian chama de martelé simples, seguido pelas colcheias em legato, com o golpe de arco também chamado legato. Além disso, o baixo realiza o que chamamos de antecipação, auxiliando também na percepção das resoluções harmônicas. Figura 15 – Escalas na 7º posição, Sol maior. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.96) 71 No exercício da figura 15, o aluno já está na sétima posição e o professor, também aparentemente evoluindo na dificuldade de suas linhas, apresenta um aspecto rítmico mais desafiador, com a articulação diferenciada. Aqui novamente o golpe de arco utilizado é o legato, seguido do martelé. As linhas do baixo contém elementos que o aluno tocará mais adiante no Méthode. É um modo de trabalhar a sua percepção rítmica, harmônica, sua afinação, além de prepará-lo para a prática de conjunto. Depois das escalas em todas as tonalidades de cada posição, aparecem exercícios mais interessantes rítmica e melodicamente para o aluno. Decidimos chamá-los aqui de exercícios “pós-escalas”. Os autores do Méthode não nomeiam estes exercícios. A proposta musical é bastante semelhante em cada uma das posições. Além de cuidar de sua afinação, o aluno terá agora um desafio rítmico e melódico, ainda baseado nas escalas. Observe o exercício a seguir que aparece depois das escalas em 1ª posição e perceba um ritmo um pouco mais ativo, com uma linha melódica ainda baseada na escala: Figura 16 – Gammes par Secondes. 1ª Position. (BAILLOT ; RODE ; KREUTZER, 1803, p.20) Apresentamos a seguir outros exercícios “pós-escalas” nas diferentes posições. Após as escalas de primeira posição há dez exercícios “pós-escalas”, seguido de um grande exercício escrito por Baillot com cerca de 95 a 100 compassos. Nas outras posições, há 5 exercícios somados ao exercício escrito por Baillot. Diversos aspectos são trabalhados, como salto melódico de oitava [figura 17] e arpejos [figuras 18 e 19]: 72 Figura 17 – Gammes par Octaves. 1ª Position. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.23) Figura 18 – 1º exercice. 2ª Position. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.36) Figura 19 – 1º exercice. 7ª Position. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.110) Há ainda aumento progressivo dos saltos melódicos [figura 20], mantendo um pedal e escalas seguidas de saltos de oitava [figura 21]. Na figura 22 há uma sequência de quatro notas ascendentes e depois descendentes: 73 Figura 20– 4º Exercice. 3ª Position. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.50) Figura 21 – 1º exercice. 6ª Position. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.90) Figura 22 – 1º Exercice. 5ª Position. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.74) O exercício a seguir trabalha cordas duplas. O baixo, na maioria dos compassos, completa o acorde do aluno com a nota que está faltando. Os exercícios de cordas duplas são os últimos exercícios musicais a serem abordados. Depois há uma parte teórica tratando das Ornamentações do Canto, divisão do arco, som, nuances e ornamentos, para chegar então aos 50 estudos escritos por Baillot. 74 Figura 23 – Gammes en doubles cordes. Nº 2. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.121) Nos exercícios “pós-escalas” as dificuldades aparecem de forma mais gradativa, principalmente na primeira posição. Com o passar das posições, essa dificuldade progressiva fica menos evidente. Quando chega à sétima posição no violino, o aluno já trabalhou diferentes aspectos nos exercícios “pós-escalas”: arpejo, escalas com um ritmo mais ativo, cordas duplas, escala seguida de salto, saltos melódicos progressivos, entre outros. No Méthode, depois destes diferentes exercícios e variados tópicos abordados, há 50 estudos escritos por Baillot. Segundo definição do Dicionário Grove de Música, o estudo é “designado principalmente para explorar e aperfeiçoar uma faceta da realização técnica escolhida, mas tendo algum interesse musical 144”. Os exemplos do Méthode podem ser chamados de pequenos estudos, muito comuns em tratados e métodos para instrumento. De modo geral, embora apresente valor musical, este tipo de estudo traz uma preocupação maior com os problemas técnicos. Eles diferem, por exemplo, dos 24 Caprices 145 de Niccolò Paganini (17821840) ou dos estudos de Frédéric Chopin (1810-1849) entre eles os 12 Grandes études Op.10 ou os 12 Etudes Op.25, que ganharam espaço e se firmaram no repertório de concerto. 144 designed primarily to exploit and perfect a chosen facet of performing technique, but the better for having some musical interest. (Study in Dicionário Grove) 145 O termo caprice ou capriccio, teve ao longo da história diferentes significados, mas neste caso de Paganini, assim como para Locatelli, o termo é designado a peças inspiradas em estudos técnicos, mas com impressionante aspecto musical. Esta pode ser considerada uma das mais importantes obras de Paganini 75 No exemplo abaixo, o leitor poderá perceber que as diferentes articulações tocadas pelo professor anteriormente nos exercícios de escala, são contempladas na linha que o aluno tocará. Figura 24 – Estudo nº 28. Maestoso. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.148) Este estudo contempla aspectos técnicos apresentados no Méthode anteriormente: arpejos, escalas, saltos, mas de forma mais musical. As diferentes articulações (staccato, legato) também dão um caráter diferenciado. O próximo estudo utiliza-se do golpe de arco martelé, realizando a articulação staccato, e propõe a acentuação das notas mais graves em cada compasso. O aluno precisará ser cuidadoso, uma vez que deverá manter o mesmo golpe de arco independente dos acentos que realiza. A linha do aluno contrasta com a linha do baixo que realiza notas longas, em legato. 76 Figura 25 – Estudo nº 5. Moderato. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.140-141) No estudo a seguir, embora não haja diferentes articulações, o elemento principal é a técnica de arco, pois o aluno mudará constantemente de corda. Por exemplo, no primeiro compasso agilmente terá que tocar a nota sol (corda ré) e a nota si (corda lá) Figura 26 – Estudo nº 15. Allegro. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.144) 77 Veja que no estudo nº 7 [figura 27] aspectos técnicos realizados pelo professor nos exercícios de escala e pelo aluno nos exercícios de “pós-escalas” aparecem novamente nos estudos. Neste caso, com a presença predominante de arpejos e saltos de oitava, o estudo mostra sobretudo o seu caráter técnico, embora também contemple o aspecto musical. Figura 27 – Estudo nº 7. Presto ma non troppo. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.141) Robin Stowell diz que o estudo geralmente é “uma composição curta e completa designada para exercitar o aluno em determinados procedimentos técnicos, às vezes especificados pelo compositor, mas raramente complementados por instruções detalhadas146” (STOWELL, 1992, p.230). Os estudos do Méthode apresentam estas características, uma vez que são curtos, não apresentam instruções e trabalham predominantemente a técnica do aluno de forma mais musical. A partir do final do século XVIII muitos livros compostos apenas de estudos começaram a aparecer e alguns deles são referência na formação de violinistas ainda hoje, sendo parte indispensável da literatura pedagógica para violino. Obras como os 42 Études (1796) de Kreutzer, Exercícios Preparatórios de Otakar 146 […] a short complete composition designed to exercise the student in certain technical procedures, sometimes specified by the composer, but rarely supplemented by detailed instructions. 78 Ševčík147(1852-1934), o School of Violin Technics (1899/1900) de Henry Schradiek148 (1846-1918) e os Etüden und Capricen Op. 35 (1849) do austríaco Jakob Dont149 (1815-1888) têm papel importante na formação de violinistas atualmente e compõem o material de estudo em diferentes universidades. Os abras citadas acima também são utilizados no curso de Bacharelado em Violino da Universidade Federal de Santa Maria. Este trabalho não tem como objetivo analisar estas obras, muito menos discutir o porquê delas serem ou não utilizadas em cursos de Bacharelado, mas certamente a UFSM não é a única Universidade a adotá-las e não há dúvidas de que isso tenha sido feito com muito cuidado e responsabilidade. O fato de obras como estas serem utilizadas contribui com a ideia de que princípios abordados há muito tempo por professores de violino, ainda hoje são pertinentes na formação de violinistas. Algumas semelhanças entre os estudos do Méthode e os estudos e exercícios presentes nas obras utilizadas atualmente no curso de Bacharelado em violino da UFSM serão mostrados, ainda que de maneira objetiva e geral. Desta forma é possível observar que elementos que os autores do Méthode consideraram importantes, ainda hoje fazem parte do estudo regular de violinistas. O estudo nº 9 do Méthode aborda cordas duplas e pode ser comparado com um dos 42 Études (1796) de Kreutzer. Os estudos que foram escritos por Baillot certamente tiveram influência do seu colega Kreutzer. 147 Otakar Ševčík (1852-1934) escreveu em Leipzig entre os anos de 1904 e 1908 o Violinschule für Anfänger, uma série de estudos e exercícios incluindo os Op. 6, 7, 8 e 9. Nas referências bibliográficas aparecerá o ano de 1905, data de edição do Op.9 ao qual tivemos acesso. 148 Schradiek era um influente violinista e professor alemão e o seu School of Violin Technics (1899/1900) é uma série de quatro livros voltados a diferentes aspectos técnicos. 149 Dont foi um promissor violinista e escreveu diversas obras para o instrumento. No campo pedagógico, além do Op.35, escreveu Gradus ad Parnassum, um “multi-volumes” com peças para violino e também para grupos de dois a quatro instrumentos de cordas. 79 Figura 28 – Estudo nº 9. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.142) Figura 29 – Kreutzer - 42 études ou caprices. [33] (KREUTZER,1796, p.54) Observe que embora sejam musicalmente diferentes, os dois estudos procuram trabalhar o mesmo aspecto técnico: cordas duplas. Kreutzer apresenta inicialmente a predominância de intervalos de terças e há um aumento destes intervalos a partir do compasso 21. Baillot apresenta uma variedade maior de intervalos, mas ritmicamente não apresenta mudanças. Além da comparação com Kreutzer, podemos encontrar semelhanças do estudo 9 do Méthode com os Exercícios Preparatórios de Ševčík, outra grande referência na formação dos violinistas e também utilizado na UFSM. Ševčík aumenta gradualmente o intervalo nas cordas duplas. Escolhemos, portanto, os exercícios 5 e 7: 80 Figura 30 – ŠEVČÍK - Preparatory exercises in Double-Stopping Op.9. [5] (ŠEVČÍK, 1904-1908, p.3) Figura 31 – ŠEVČÍK - Preparatory exercises in Double-Stopping Op.9. [7] (ŠEVČÍK, 1904-1908, p.3) Há outro exercício de cordas duplas do Méthode mais variado rítmica e melodicamente, que pode ser comparado aos exemplos de Kreutzer e Ševčík. Perceba que constantemente. além das cordas duplas, o movimento escalar aparece 81 Figura 32 – Estudo nº 17. Allegro non troppo. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.145) Figura 33 – Kreutzer - 42 études ou caprices.[32]. (KREUTZER,1796, p.53) Figura 34 – ŠEVČÍK - Preparatory exercises in Double-Stopping Op.9. (ŠEVČÍK, 1904-1908, p.1) Os estudos claramente fazem parte da formação técnica do aluno, ao mesmo tempo em que sua musicalidade é trabalhada. Autores como Baillot, Rode, Kreutzer 82 e Ševčík, davam bastante importância a esta formação. Mas é extremamente necessário ressaltar que no Méthode a técnica está a serviço da música, à disposição da arte em sua mais complexa forma de expressão. Depois que o aluno vence as dificuldades técnicas e passa a ter contato com a obra de grandes mestres, “o violino toma então um caráter, tudo o que se refere ao mecanismo desaparece e sentimentos reinam em seu lugar: é aqui que deve ter precedência sobre a arte e mostrar por si só e fazer esquecer que ele usa para emocionar 150” (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.158) Outro influente violinista que escreveu uma obra pedagógica para violino foi o alemão Henry Schradiek (1846-1918), o seu School of Violin Technics (1899/1900) é uma série de quatro livros voltados a diferentes aspectos técnicos. No estudo do Méthode [figura 35] e no exercício de Schradiek [figura 36] a seguir, as escalas seguidas de uma sequência de notas que privilegiam a destreza da mão esquerda são contempladas. O estudo do Méthode é mais variado musicalmente, mas os dois exemplos têm o mesmo objetivo. 150 Le Violon prend alors un caractère, tout ce qui tient au mécanisme disparaît et le sentiment regne à sa place : c’est ici qu’il doit l’emporter sur l’art, se montrer seul et faire oublier les moyens dont il se sert pour émouvoir. 83 Figura 35 – Estudo nº 34. Moderato. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.151) Figura 36 – SCHRADIECK - The School of Violin Technics. Book 1 [Exercício 1 – I] (SCHRADIECK, 1875, p.1) Outra semelhança entre o Méthode e Schradiek está no exemplo que trabalha a escala cromática. Schradiek traz um exercício que faz uma escala cromática 84 ascendente e descendente de forma direta, sem variações rítmicas e melódicas. No estudo 38, o Méthode também aborda o cromatismo, mas de maneira mais variada, sem fazer uma escala cromática inteira. O aluno também tocará em cordas duplas, o que aumenta a dificuldade, mas também serve como referência na afinação. Figura 37 – Estudo nº 38. Allegro. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.152-153) Figura 38 – SCHRADIECK - The School of Violin Technics. Book 1 [Exercício 16 - III] (SCHRADIECK, 1875, p.5) Uma última comparação pode ser feita com um dos Etüden und Capricen Op.35 (1849) do austríaco Jakob Dont (1815-1888), também utilizado na UFSM. O estudo 50 do Méthode e o Prélude 1 do Etüden de Dont trazem o desafio de tocar acordes. 85 Figura 39 – Estudo nº 50. Presto assai. (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.157) Figura 40 – DONT - 24 studi e capricci Op. 35. (DONT, 1849 151 , p.1) Além do exemplo de Dont, novamente Schradiek traz um exercício ainda mais parecido com o estudo nº 50 do Méthode. Nos dois casos, o aluno terá que retomar o arco para cada novo acorde. Figura 41 – SCHRADIECK - The School of Violin Technics. Book 1 [Exercício 21 – XX] (SCHRADIECK, 1875, p.45) 151 Jakob Dont (1815-1888) publicou os 24 estudos em cerca de 1849. Nas referências bibliográficas aparecerá o ano de 1971, edição a que tivemos acesso. 86 Os exemplos dos estudos do Méthode mostrados anteriormente podem ser comparados com estudos ou exercícios apresentados em outras obras que são referência na literatura do violino. É possível perceber que muitos aspectos considerados importantes por Baillot e que constam nos seus estudos, também foram contemplados por outros autores. Ainda que sejam musicalmente mais interessantes, os estudos de Baillot ainda apresentam predominância do aspecto técnico. Aparentemente a intenção era exatamente essa: fazer com que o aluno estivesse preparado tecnicamente da maneira mais completa possível, pois esta era uma etapa no caminho para se chegar a um objetivo maior. Que aqueles desejosos de uma boa qualidade de som comecem a preparar pelos meios mecânicos que indicamos, mas eles não busquem senão em sua sensibilidade, eles se apliquem a tirar do fundo de sua alma, porque é 152 lá é que encontrão a fonte . (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.159) De forma bastante poética, procuram deixar registrado a importância da expressão na música, dedicando a segunda parte do Méthode a este tema. Os autores nos dizem que “a verdadeira expressão depende do som, do movimento, do estilo, o gosto, de L’aplomb153 e do gênio de execução154” (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.158). Nesta parte dão excelentes informações para a formação de um violinista completo, num tom de aconselhamento, lembrando a antiga tradição da relação mestre/aprendiz. Em relação ao gosto, os autores falam que existe um gosto natural, “Ele [o 152 Que ceux qui desirent une belle qualité de son commencent à la préparer par les moyens mécaniques que nous avons indiqués, mais qu’ils ne la cherchent point ailleurs que dans leur sensibilité , qu’ils s’appliquent à la tirer du fonds de leur âme, car c’est là qu’ils trouveront sa source. 153 154 Equilíbrio; estabilidade. La véritable expression dépend du SON, du MOUVEMENT, du STYLE, du GOÛT, de L’APLOMB et du GÉNIE D’EXECUTION. 87 gosto] antecede a reflexão, e sem o saber, sempre escolhe bem155” (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.161). Porém, Há um outro tipo de gosto formado pelo resultado das comparações, pelo julgamento, pela experiência, é o gosto aperfeiçoado que se une ao gosto natural de conhecimento que acabamos de falar; é tanto uma dádiva da natureza quanto o fruto da educação, ele exige a reflexão, bem como o instinto, não consiste, como muitas pessoas acreditam, em colocar em uma peça os ornamentos ou voltas agradáveis, mas abster-se quando o sujeito pede, ou os empregar adequadamente, e tirar os ornamentos do mesmo tipo de expressão do canto, como já disse. Cabe ao mestre ajudar seu aluno, para promover o desenvolvimento do gosto fazendo-o saber que uma peça comovente e apaixonada não é uma ária de bravura, que um Adagio não tem nada em comum com repentinos e precipitados movimentos do Allegro: Que não se deve tocar quartetos de uma maneira tão firme e tão desenvolvida quanto um Concerto, que deve proporcionar seu toque à magnitude do assunto, mudar sua sonoridade e manejar seus meios seguindo o que exigem as passagens de uma expressão diferente, e, finalmente, não fazer nada que não corresponda ao caráter principal da 156 peça . (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.161) Os autores dão grande valor ao caráter da peça e ao aluno representar da melhor forma possível, com bom gosto, aquilo que a peça já traz em sua essência. Eles são claros em relação à responsabilidade do mestre ao guiar o seu aluno na construção do gosto. Ao mesmo tempo, consideram importante incentivar a autonomia do aluno, para que não siga apenas o que mestre diz, mas que aprenda por si mesmo. Isso pode ser constatado pela seguinte passagem: 155 156 Il précède la réflexion, et sans le savoir, il choisit toujours bien. Il est une autre espèce de goût formé par le résultat des comparaisons, par le jugement, par l’expérience, c’es le GOÛT PERFECTIONNÉ qui joint au goût naturel la connaisance particulière des convenances dont on vient de parler ; il est à la fois un don de la nature et le fruit de l’éducation, il exige de la reflexion autant que de l’instinct, il ne consiste pas, comme beaucoup de personnes le croyent, à placer dans un morceau de chant des ornemens ou des tournures agréables, mais à s’en abstenir quand le sujet le demande, ou à les employer à propos, et à tirer les ornemens de la nature même de l’expression du chant, comme on l’a déja dit. (1). C’est au maitre alors à seconder son élève, à favoriser le développement de son goût en lui faisant connaitre qu’un morceau touchant et passionée n’est point un air de bravoure, et qu’un Adagio n’a rien de commun avec les mouvemens brusques et précipités de l’Allegro : qu’on ne doit pas joeur le Quatour d’une manière aussi ferme et aussi développée que le Conserto, qu’il faut proportionner son jeu à la grandeur du sujet, modifier ses sons et ménager ses moyens suivant que l’exigent les passages d’une expression différent, et ne rien faire enfin qui ne corresponde au caractère principal du morceau. 88 Mas espera-se em vão orientar um aluno se a sua sensibilidade não vai para além do preceito e se ele precisar que essas observações sejam repetidas a ele: seria apenas a fim de torná-lo um copista, mas não um homem de talento; a melhor lição não é, portanto, aquele que dá o mestre, 157 mas a que o aluno aprende por si mesmo . (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.161) Após darem informações sobre os diferentes meios de expressão, novamente os autores ressaltam que, acima de tudo, os sentimentos devem conduzir o instrumentista. Isto tem relação com o gênio da execução. Uma parte dos meios de expressão que falamos acima refere-se à arte e indica o que é preciso para fazê-la bem, mas o gênio da execução leva a melhor ainda: é ele que, movido pelo sentimento, se lança num voo ousado no vasto império da expressão a fim de fazer novas descobertas: aqui, mais a reflexão, mais o cálculo, o artista dotado de um talento superior é tão acostumado a subordinar o seu toque às regras da arte, que ele os segue sem estudo e sem penas, e longe arrefecer sua imaginação, elas não servem senão para germinar novas idéias e penetrar ainda mais no que ele 158 executa . Ao final deste trabalho, imprimo a última mensagem deixada por Baillot, Rode e Kreutzer no Méthode de Violon. De maneira bastante profunda e poética, nos dizem que: 157 Mais on espère en vain guider un élève si sa sensibilité ne va pas au devant du precepte et s’il a besoin que de pareilles observations lui soient répetees : on vient a bout d’en faire un copiste, mais non pas un homme a talent ; la meilleure leçon n’est done pas celle que donne le maitre, mais celle que l’élève sait prendre lui même. 158 Une partie des moyens d’expression dont on a parlé plus haut tient à l’art et indique ce qu’il faut pour bien faire, mais le génie d’exécution conduit à faire mieux : c’est lui qui, poussé par le sentiment, s’élance d’un vol hardi dans le vaste empire de l’expression pour y faire de nouvelles découvertes : ici, plus de réflexion, plus de calcul, l’artiste doué d’un talent supérieurest tellement habitué à subordonner son jeu aux régles de l’art, qu’il les suit sans étude comme sans peine, et que loin de réfroidir son imagination, elles ne servent qu’à faire éclore ses idées et à le pénétrer davantage de ce qu’il exécute. 89 Feliz aquele que a natureza dotou com uma profunda sensibilidade! Ele tem em si uma fonte inesgotável de expressão. Os anos fazem crescer sua riqueza, eles dão-lhe novas sensações, eles variam suas situações, modificam seus sentimentos: mais suas ideias amadurecem mais sua razão se ilumina, e mais adquire simplicidade em seus meios e energia em seus efeitos; a expressão franqueou a ele cruzar os limites da arte, torna-se, por assim dizer, a história de sua vida; ele canta suas lembranças, seus arrependimentos, os prazeres que provou, a dor que sofreu, aquilo só iria prejudicar um talento vulgar, ele fez tornar em favor de sua arte: A tristeza aguça sua sensibilidade e de pronto a seus acentos o encanto delicioso da melancolia: e mesmo os testes da adversidade despertam sua energia, exaltam sua imaginação e dá estes movimentos sublimes, essas ideias poderosas que os grande obstáculos fazem nascer e que parecem sair do seio das tempestades: qualquer que seja o destino que o conduza, a melodia é sua intérprete, sua fiel amiga, ela lhe dá o mais puro de todos os prazeres lhe revelando o segredo para comunicar todas as sensações que 159 experimenta e de interessar seus semelhantes ao seu destino . (BAILLOT; RODE; KREUTZER, 1803, p.164) 159 Heureux celui que la nature a doué d’une profonde sensibilité ! Il possède au dedans de lui même une source intarissable d’expression. Les années ne font qu’aceroitre sa richesse, elles lui donnent des sensations nouvelles, elles varient ses situations elles modifient ses sentimens : plus ses idées se murissent, plus sa raison s’éclaire, et plus il acquiert de simplicité dans ses movens et d’énergie dans ses effets ; l’expression a franchi pour lui les bornes de l’art, elle devient pour ainsi dire, le récit de sa vie ; il chante ses souvenirs, ses regrets, les plaisirs qu’il a goutes, les maux qu’il a soufferts, ce qui ne ferait que nuire a un talent vulgaire , il le tait tourner au profit de son art : le chagrin aiguise sa sensibilité et prête à ses accens le charme délicieux de la mélancolie : les épreuves même de l’adversité réveillant son énergie, exaltent son imagination et lui donnent ces mouvemmens sublimes, ces idées fortes que les grands obstacles font naitre et qui semblent jaillir du sein des orages : quelque soit enfin le sort qui l’entraine, la mélodie est son interprête, son amie fidèle, elle lui donne la plus pure de toutes les jouissances en lui révélant le secret de communiquer toutes les sensations qu’il éprouve, et d’interresser ses semblables à sa destinée. 90 CONCLUSÃO Um dos propósitos deste estudo foi buscar elementos da história do ensino da música. Para isso era necessário delimitar um período histórico para esta investigação e a criação do Conservatoire de Paris em 1795 mostrou-se um grande marco para a história da educação musical. Esta Instituição exerceu influência sobre muitas outras criadas posteriormente e consolidou um modelo de ensino que ainda hoje é referência. A análise dos primeiros anos do Conservatoire mostra-se necessária para o intuito do trabalho e o Méthode de Violon (1803) de Baillot, Rode e Kreutzer nos dava a possibilidade de entender a metodologia desta nova Instituição. Da mesma forma, investigar o contexto em que esta nova instituição surgiu era indispensável. A metodologia utilizada baseou-se em análise bibliográfica buscando autores que tratassem da Educação na Revolução Francesa, assim como a educação musical deste período. Também buscamos obras que dessem suporte para a análise do Méthode. Foi possível verificar através de diferentes autores que usualmente os métodos buscam apresentar ideias gerais que são pertinentes a todos os instrumentistas, neste caso, a todos os violinistas. O objetivo deles não é levar em conta a individualidade, mas expor discussões, exercícios, elementos musicais, problemas e possíveis soluções que são recorrentes aos violinistas. É necessário ressaltar ainda a complexidade de publicar uma obra deste caráter educativo. Estas obras trazem as principais concepções daquilo que os seus autores achavam pertinente no ensino de um instrumento, não significando que aquela era a única maneira ou a forma correta de se proceder no ensino. Foi fundamental averiguar que uma análise séria sobre este tema considera que um método jamais substituirá a relação mestre/aprendiz. O Méthode de Violon é um claro exemplo de obra para ser utilizada com a mediação de um professor. Embora dentro do ensino metodizado do Conservatoire, que busca atender um elevado número de pessoas e sistematizar o seu ensino, a 91 relação professor/aluno não deixa de existir, especialmente nas aulas de instrumento. Ainda é o professor que julgará a melhor forma de proceder com o seu aluno, tendo o método como uma de suas ferramentas. Na Análise do Méthode, uma extensa parte é dedicada às escalas em todas as tonalidades e nas sete posições do violino. Algo interessante é a presença de uma linha do baixo nestas escalas que trabalham a percepção rítmica, harmônica e a afinação do aluno, além de prepará-lo para a prática de conjunto. Mesmo que o aluno esteja tocando notas longas em sua escala, ele está exposto a diferentes elementos musicais que tocará depois. Esta prática da linha do baixo é encontrada em outros tratados do Conservatoire, no Versuch einer gründlichen Violinschule (1756) de Leopold Mozart que foi escrito anteriormente e no L’Art du Violon (1834) que é a versão revista do Méthode feita por Baillot. Os exercícios “pós-escalas” apresentam dificuldade de forma mais gradativa, ainda baseados nas escalas. Nos exercícios “pós-escalas” da primeira posição esta dificuldade progressiva fica mais evidente. Neste ponto do Méthode o aluno toca escalas com um ritmo mais ativo, arpejos, escalas quebradas e saltos melódicos progressivos. Na parte dedicada à divisão e aos golpes de arco, verificou-se que os autores explicam a diferença na divisão do arco nos diversos andamentos como Adagio, Allegro Maestoso ou Moderato, Allegro e Presto. Eles nos apresentam dois principais golpes de arco: Martelé e o Staccato, também chamado de détaché articulé. Apesar de não haver uma variedade na notação e definição dos diferentes golpes de arco no Méthode como a apresentada por Ivan Galamian em seu Principles of Violin Playing and Teaching (1962), isso não significa que não havia variedade nos golpes de arco. Os autores do Méthode dizem que realizar apenas Martelé ou Staccato é “cansativo ao ouvido” e que é necessário analisar o caráter da peça e contemplar a variedade de expressão do arco. Outra parte muito importante do Méthode é a dedicada aos 50 estudos escritos por Baillot. São pequenos estudos que abordam elementos técnicos trabalhados anteriormente, mas de uma maneira mais musical, apresentando também a linha do baixo. 92 Muitos exemplos dos estudos do Méthode puderam ser comparados aos estudos apresentados por obras que ainda são referência na formação de violinistas e usados no curso de Bacharelado em Violino da UFSM, como os 42 Études (1796) de Rodolphe Kreutzer, Exercícios Preparatórios (1905) de Otakar Ševčík, School of Violin Technics (1899/1900) de Henry Schradiek e os Etüden und Capricen Op. 35 (1849) do austríaco Jakob Dont. Todos estes autores apresentam aspectos em comum naquilo que consideravam importante na formação de um violinista. Embora não tenha sido o propósito deste trabalho, é interessante ressaltar que futuras pesquisas podem levantar discussões a respeito do que diferentes autores, em diferentes épocas consideraram importante na formação de um instrumentista e se essas concepções são diferentes ou não das que temos atualmente. Embora os exercícios do Méthode sejam predominantemente técnicos, pois apresentam problemas e possíveis soluções que contemplem os violinistas de maneira geral, os autores são claros ao dizer que esta é apenas uma parte da formação do instrumentista e que o objetivo principal é a expressão musical. A segunda parte do Méthode é dedicada à “Expressão e seus meios”, trazendo explicações sobre Som, Movimento, Estilo, Gosto, Aplomb, e Gênio da Execução. Num tom de aconselhamento, Baillot, Rode e Kreutzer falam que o violinista deve chegar a determinado ponto de sua prática em que não se preocupe com aspectos técnicos e que os sentimentos reinem em seu lugar. Que o instrumentista consiga transmitir tudo aquilo que deseja através do seu toque e que contribua com a música na sua forma mais elevada de arte. Certamente é que todos nós como músicos, musicólogos, instrumentistas, educadores musicais queremos: contribuir com a música. Desejo que este trabalho tenha dado um panorama sobre o ensino de violino nos primeiros anos do Conservatoire de Paris através do Méthode de Violon, sendo um dos elementos na construção da história da educação musical. Ao mesmo tempo, espero que ele possibilite futuras discussões sobre o ensino de violino em diferentes épocas e contextos, sobre o Conservatoire de Paris e, também, sobre o Conservatório como Instituição, que se faz presente também em nossa realidade. 93 REFERÊNCIAS BAILLOT, Pierre Marie François de Sales (1771-1842); RODE, Jacques Pierre; KREUTZER, Rodolphe. Conservatoire, Méthode de Violon. 1803. Disponível Paris: Hegel & Cie. Editeur du em : <http://www.mdz-nbn- resolving.de/urn/resolver.pl?urn=urn:nbn:de:bvb:12-bsb10528233-5>. Acesso em 10 mai. 2014. BAILLOT, Pierre Marie François de Sales. Violinspiels. Berlim: L’Art du Violon. Die Kunst des Schlesinger, 1836. 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