Universidade Católica de Brasília PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO DIREITO DIREITO A GESTÃO DO MUNICÍPIO NA TUTELA DO MEIO AMBIENTE Autor: Abílio Souza e Silva Neto Orientador: de Souza Prudente A GESTÃOAntônio DO MUNICÍPIO NA TUTELA DO MEIO AMBIENTE Autor: Abílio Souza e Silva Neto Orientador: Dr. Antônio Souza Prudente BRASÍLIA 2009 ABÍLIO SOUZA E SILVA NETO A GESTÃO DO MUNICÍPIO NA TUTELA DO MEIO AMBIENTE Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito Orientador: Dr. Antônio Souza Prudente Brasília 2009 À Cecília Valentina Souza e Silva e a Alexandre Alves Martins Neto, pelo eterno compromisso com os valores morais e, sobretudo, por nos ensinar o caminho das pedras. AGRADECIMENTO Com muitos tijolos é feita uma torre. Eu fui apenas um deles na elaboração da presente pesquisa. Portanto, nada mais justo do que reconhecer a importância de cada pessoa que contribuiu para que o monumento fosse erguido. Agradeço, portanto, aos seletos e grandes amigos, que me ensinaram que os desafios não são barreiras, mas pontes que nos elevam a novos patamares. Dedico os agradecimentos especiais, particularmente, a Sara, Eugênio, Frederico, Patrícia e Aníbal, pela compreensão e apoio nas horas difíceis e, sobretudo, pelas críticas sempre sinceras, que contribuíram imensamente ao sucesso da empreitada. Enfim, por todos aqueles que acreditaram em mim, obrigado. “Quando a última árvore for abatida, quando o último rio for envenenado, quando o último peixe for capturado, somente então nos daremos conta de que não se pode comer dinheiro”. (Leonardo Boff) RESUMO Referência: SILVA NETO, Abílio Souza e. A gestão do Município na tutela do meio ambiente. 2009, 64 folhas. Monografia do Curso de Direito da Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2009. O estudo concerne na avaliação da estrutura administrativa dos Municípios brasileiros com relação à aplicação da legislação ambiental, levando em consideração questões incidentais como: a autonomia política outorgada constitucionalmente a este ente federado; a distribuição constitucional de competências; os instrumentos legais de proteção ambiental disponíveis; bem como os novos modelos de gestão democrático-participativas responsáveis por colocar o meio ambiente como questão priorística no debate político local. Palavras-chave: Municípios. Estrutura administrativa. Autonomia política. Competência constitucional. Legislação ambiental. Democracia participativa. ABSTRACT The study concerns the evaluation of brazilian cities‟ administrative structure regarding the environmental law application, considering incidental issues such as: the political autonomy constitutionally granted to this federated entity; the constitutional division of state prerogatives; the legal instruments available for environmental protection; as well as the new democratic-participative‟s management models responsible to dispose the environment as a priority issue on the local political debate. Keywords: Cities. Administrative structure. Political Autonomy. Division of state prerogatives. Environmental law. Participative democracy. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 9 2 A FIGURA DO MUNICÍPIO NO SISTEMA FEDERATIVO BRASILEIRO ................... 11 2.1 O Município ................................................................................................................... 11 2.2 Sua posição na Federação Brasileira ............................................................................... 12 2.3 A Importância do Município na Tutela Ambiental .......................................................... 14 3 DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL ................................................................................... 16 3.1 Evolução Legislativa no Brasil ....................................................................................... 16 3.2 A Inefetividade da Legislação Ambiental ....................................................................... 18 3.3 Repartição Constitucional de Competências Ambientais ................................................ 20 3.4 Política de Desenvolvimento Urbano .............................................................................. 28 3.4.1 Estatuto da Cidade ................................................................................................... 30 3.4.2 Lei Orgânica Municipal ........................................................................................... 32 3.4.3 Plano Diretor de Ordenamento Territorial – PDOT .................................................. 34 4 SITUAÇÃO ADMINISTRATIVA DOS MUNICÍPIOS .................................................... 35 4.1 Panorama Atual .............................................................................................................. 35 4.2 Organização Administrativa Ambiental .......................................................................... 36 4.3 Poder de Polícia (sanção administrativa) ........................................................................ 37 4.4 Conselhos Municipais de Meio Ambiente ...................................................................... 38 4.5 Fundos Especiais de Meio Ambiente .............................................................................. 40 4.6 Outros Instrumentos ....................................................................................................... 41 4.6.1 Espaços Ambientais................................................................................................. 42 4.6.2 Estudo Prévio de Impacto Ambiental ....................................................................... 45 4.6.3 Licenciamento Ambiental ........................................................................................ 49 4.6.4 Auditoria Ambiental ................................................................................................ 51 4.6.5 Agenda 21 local....................................................................................................... 53 4.7 Política Ambiental Integrada .......................................................................................... 56 5 CONCLUSÃO .................................................................................................................. 58 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 61 9 A GESTÃO DO MUNICÍPIO NA TUTELA DO MEIO AMBIENTE 1 INTRODUÇÃO A gestão do Município na tutela do meio ambiente procura analisar o grau de organização administrativa do ente mínimo federado com relação à aplicação da legislação ambiental no Brasil. Trata-se de uma abordagem sobre o intrincado organismo político dos Municípios, pelo qual é gerido o conjunto de ações, instrumentos e planos administrativos competentes para assegurar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e à sadia qualidade de vida às presentes e futuras gerações, tal como imposto em nossa Carta Magna. 1 Limitaremo-nos, portanto, a analisar a eficiência administrativa no trato da questão ambiental tão-somente no âmbito municipal, contemplando alguns dos mecanismos que julgamos essenciais no trato da questão. O estudo tem como intuito primordial propor que a inefetividade da legislação ambiental nos Municípios brasileiros deve-se à conjugação de fatores negativos históricos, quais sejam, a falta de autonomia política, desorganização administrativa e, ainda, a falta de vontade política. Mais especificamente ousamos que, mesmo amparado por uma avançada e abrangente legislação ambiental, o desequilibrado critério de repartição dos recursos orçamentários adotado pela entidade municipal gera um desprestígio da política ambiental local, resultando em instituições desaparelhadas e ineficazes na fiscalização de possíveis atividades degradantes. Além da má distribuição orçamentária, será destacada também a confusa forma de divisão de competências ambientais, adotada pela Constituição Federal, e a qual vem se tornando, ao longo do tempo, questão bastante controvertida nos diversos campos de atuação. Trataremos de evidenciar esse enigmático critério de distribuição de competências, o qual consiste na legitimação de todos os entes federados e, de nenhum, ao mesmo tempo, no sentido de que a todos é dada a prerrogativa de atuar em prol da preservação do meio ambiente, sem, contudo, indicar os critérios que diferenciem os diferentes graus de atuação. 1 Art. 225, caput, CF. 10 Cumprirá à presente pesquisa demonstrar, ainda, que o fato de o poder público decisório estar demasiadamente concentrado nas mãos do Estado, resulta colocar a gestão ambiental local à mercê do jogo político comumente praticado em nossas prefeituras, resultando, assim, na existência de políticas ambientais pontuais, as quais, por destoarem das demais políticas públicas, carecem de expressão e de resultados práticos. O estudo dos diversos elementos administrativos competentes a ensejar a execução da legislação ambiental nos Municípios nos permitirá, portanto, conhecer as causas da inefetividade do referido arcabouço jurídico existente. Após conhecidas as causas que tornam inóquos os normativos ambientais em sede municipal, estará a nosso alcance a condição plena de sugerir mudanças àqueles aspectos da gestão ambiental que não se tem como bemsucedidos até então, bem como a perpetuação daquilo que houver se destacado na execução das políticas ambientais. A opção metodológica da pesquisa se deu pelo método hipotético-dedutivo, partindo de premissas gerais e ultimando a uma conclusão particular para cada objetivo proposto, elevando os critérios de sua corroboração. Em razão da brevidade da pesquisa, buscamos organizá-la suscintamente, de modo a abordar a questão de forma holística, preocupando-se em não recair em pontualidades que só desvirtuariam o entendimento global dos objetivos propostos. Desta forma, dividimos o trabalho em três partes, procurando situar, em um primeiro momento, a figura do Município no ordenamento jurídico, ao longo dos tempos, e no sistema federativo brasileiro, traçando a sua importância na tutela ambiental contemporânea; posteriormente, abordamos o panorama legislativo ambiental, ou seja, todo o arcabouço jurídico que norteia a atividade administrativa da entidade municipal, e; por último, sugerimos um retrato da organização administrativa dos Municípios brasileiros em matéria ambiental, seus instrumentos principais, os novos modelos de democracia participativa, bem como a tendência atual de integração da política ambiental. 11 2 A FIGURA DO MUNICÍPIO NO SISTEMA FEDERATIVO BRASILEIRO 2.1 O MUNICÍPIO Município é a forma imediata a que se afigura o ordenamento político-adminitrativo de uma sociedade. Figura introduzida pela república romana, interessada em manter a dominação pacífica das cidades conquistadas pela força dos exércitos. Sua origem, mais de natureza sociológica do que política advém do espírito associativo do homem e de suas relações de vizinhança. É a menor unidade territorial da Federação, cuja criação reflete a base da organização político-administrativa da Nação. Portanto, sua função administrativa historicamente vem assentada no princípio do direito natural. 2 Por estar elencado na categoria dos direitos naturais, a figura do Município não está restrita ao sistema federativo, mas acompanha as diversas formas de Estado, incorporando, naturalmente, características distintas, conforme as peculiaridades da ordem jurídico-política que estiver compreendida. No ordenamento jurídico brasileiro, é a entidade estatal, participante do sistema federativo nacional, como um de seus níveis de Governo, com autonomia própria para gerir os assuntos de seu interesse. A unidade municipal não representa mera descentralização administrativa de um órgão central, afinal, como poderemos ver mais adiante no estudo do contexto federativo brasileiro, perfaz a condição de ente político-administrativo da federação, no instante em que detém autonomia para conduzir políticas públicas, utilizando os recursos disponíveis, sem a ingerência das demais pessoas políticas do Estado. Antes de se adentrar, especificamente, no estudo da figura do Município pátrio, mister que se faça uma breve abordagem do contexto no qual está inserida, qual seja, o sistema federal adotado como forma de Estado pelo Brasil. 2 BERARDI, Luciana Andrea Accorsi. Emancipação Local: Gestão municipal deve ser reformulada e adequada às transformações. 30 abr. 2004. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2004-abr30/gestor_municipal_buscar_efetivo_exercicio_soberania>. Acesso em: 07/10/2009. 12 2.2 SUA POSIÇÃO NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA Quando se fala em Federação não se tem um modelo padrão, simétrico, que possa ser analisado como tal, tendo em vista que a sua grande característica é o poder de se adaptar conforme as peculiaridades do Estado que o adota. Porém, a título de estudo, infere-se que o nascimento do federalismo se deu com a independência das treze colônias americanas, oportunidade em que tais Estados uniram-se sob a égide de uma só bandeira, abrindo mão da soberania respectiva, preservando, por sua vez, certo grau de autonomia política. A República Brasileira adota a Federação como forma de estado e a tem como celulamater da organização político-adminitrativa da nação. Tamanha é a posição de destaque da forma federativa de Estado em nosso país que a Constituição veda, em seu Art. 60, § 4º, qualquer alteração no ordenamento jurídico tendente a abolí-la. O que se pretende, nas palavras de Alexandre de Moraes3, é preservar a unidade nacional e a necessidade descentralizadora do poder político, o qual, em outros tempos, permanecia amplamente concentrado na competência de um ente apenas, qual seja, a União. Diversas são as repercussões desse tipo de totalitarismo, organização ultrapassada e praticamente abolida nos Estados contemporâneos. Nesse sentido, preconiza a Constituição da República Federativa do Brasil a união indissolúvel de União, Estados, Municípios e Distrito Federal na organização políticoadministrativa brasileira, todos eles, a rigor, dotados de autonomia política para tanto. 4 Fruto da evolução e consolidação do federalismo no país, temos a notória figura do Município, entidade que vem se aperfeiçoando desde os tempos da colônia, quando transplantado pelos lusitanos sob a égide da política paternalista e totalitária da metrópole européia, predominante nas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. Desnecessário é enfatizar a importância do município na realidade brasileira, pois, durante os séculos da colonização, foi ele, sem dúvida, a única entidade política "viva" do Brasil. Tal situação não mudou no Império e seguramente durante boa parte da existência da República, quando, todavia, já se desenvolvia um „regionalismo‟, melhor dizendo, um „estadualismo‟. Bem mais recente é, no País, uma visão "nacional" da vida político-administrativa.5 3 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 253. Art. 1º, caput c/c art. 18, caput. 5 AMARAL, Sérgio Miranda. O município no Estado Federal. Notas ao art. 29 da Constituição do Brasil. Nov. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10354>. Acesso em: 07 out. 2009. 4 13 Admitido no ordenamento jurídico pátrio como pessoa jurídica de direito público interno, o Município recebe, portanto, a citada autonomia política delegada pela Constituição Federal, da mesma forma que a dos estados-membros, configurada pela tríplice capacidade de auto-organização e normatização, auto-governo e auto-administração.6 Por auto-organização, o Município tem o condão de elaborar sua própria legislação, compreendida aí a sua Constituição, ou seja, sua Lei Orgânica. Quanto a esta capacidade de se auto-organizar, veremos adiante a cautela necessária devida pelo vereador, de modo a respeitar sempre os limites impostos nas legislações estaduais e federais, não estando impedido, contudo, de suplementá-las, no que couber. Autogovernar-se é poder eleger diretamente os seus governantes, mais especificamente nas pessoas do prefeito, vice-prefeito e vereadores, os quais decidirão o futuro do Município dentro dos limites de suas respectivas atuações. Por fim, ao exercer as competências administrativa, tributária e legislativa estabelecidas pela Constituição Federal, estará o Município utilizando-se da sua prerrogativa de auto-administração.7 A repartição das diversas competências entre os entes federados é feita, de um modo geral, em consonância com o princípio da predominância do interesse, e não deve se afastar disso. Assim, legislará a União de uma forma genérica, de forma a não inviabilizar estadosmembros e Municípios – os quais, por alguma peculiaridade regional e local, possam ser prejudicados; na mesma linha, devem os estados-membros atuarem em situações regionais, quando excederem a competência municipal, a qual encontra limite no âmbito local. A história brasileira demonstra, afinal, o quão importante tem sido a figura dos Municípios na atuação dos diversos ramos da administração pública, razão pela qual nos deparamos com o reconhecimento desta unidade federativa no ordenamento jurídico do país. Nesse sentido, Sérgio Miranda Amaral8, parafraseando o mestre Paulo Bonavides: Não conhecemos uma única forma de união federativa contemporânea onde o princípio da autonomia municipal tenha alcançado grau de caracterização política e jurídica tão alta e expressiva quanto aquele que consta da definição constitucional do nosso modelo implantado no País com a Carta de 1988. 6 MORAES, 2006. p. 260. Destaca-se aí a importante previsão constitucional delegando ao Município a competência de promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII, CF/88). 8 BONAVIDES apud AMARAL, 2006. 7 14 2.3 A IMPORTÂNCIA DO MUNICÍPIO NA TUTELA AMBIENTAL O local de domicílio de todo cidadão é imediatamente uma cidade, mediatamente o estado e, posteriormente, seu país. É na cidade que a pessoa experimenta os sabores e dissabores da vida. Assim, há que se dizer que o prefeito está na linha de frente dos anseios da população, afinal, ele é presumidamente compreensivo das peculiaridades locais e os meios mais convenientes para transpor os problemas de seu povo. Deve-se reconhecer, portanto, dois fatores importantes na questão: o imediatismo das providências e a plausibilidade das soluções. Com relação ao imediatismo das providências, não é difícil a constatação de que todo o processo de conhecimento, fiscalização, punição e controle de uma questão havida fora da ordem ambiental, como a poluição de um rio, há de ser mais rapidamente levado a efeito pela entidade municipal, pela proximidade que está da população. Em se constatando a infração, terá o administrador municipal muito mais destreza para lidar com a situação, no sentido de oferecer os meios práticos mais eficazes de resolução do problema, utilizando os instrumentos disponíveis, em virtude do conhecimento que detém dos anseios da população, eis que filho daquela terra. Trata-se aí da plausibilidade das soluções. É no âmbito da administração municipal que se apresentam os problemas mais recorrentes no cotidiano das pessoas. Por ser o ente estatal mais próximo dos destinatários de suas ações, o Município conhece uma fiscalização mais direta da sociedade. São diversas, pois, as virtudes da organização municipal, que justificam a ampliação de seu âmbito de atuação.9 No Direito Tributário, a competência constitucional do poder de tributar é estabelecida com base na facilidade do ente federado em fiscalizar os fatos geradores da obrigação tributar. Em termos práticos, caberá ao ente público tributar as situações que estiverem ao seu alcance, considerando, obviamente, a natureza da operação. Com cautela, adverte o mestre Vladimir Passos de Freitas 10: Há uma controvérsia histórica que jamais desaparecerá: o poder central está distante e desconhece os problemas locais; o poder local está mais próximo dos fatos, porém 9 SANTOS, Gustavo Ferreira. O município na Federação. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1555>. Acesso em 07 out. 2009. 10 FREITAS, 2002, pp. 80-81. 15 é influenciado e envolvido nos seus próprios interesses. Óbvio que cada um apresenta suas vantagens e desvantagens. Valiosos os ensinamentos de Passos de Freitas, contudo, não podemos ignorar a existência de uma tendência progressiva de descentralização do poder político no Federalismo, ganhando relevância a figura municipal frente à prontidão das medidas e à eficiência do serviço público prestado. Não obstante o reconhecimento constante da força que detém esse ente federado, sua atuação ainda é débil quando se trata de questões ambientais, tornando inócua a eficácia dos instrumentos que possui, enfraquecendo sobremaneira a preservação do equilíbrio ambiental. 16 3 DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL 3.1 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA NO BRASIL Pudemos identificar anteriormente o caráter contemporâneo do direito ambiental, tanto no Brasil quanto no mundo, no sentido de que passamos a conceber a natureza como resultado de um conjunto limitado de recursos e não, infinito, como outrora foi pensado. O Direito, antes preocupado em tutelar os conflitos intersubjetivos de interesses, passou a adotar uma posição globalizada frente aos conflitos atuais, eis que as divergências passaram a ter caráter muito mais social, e menos individual. E nessa tutela difusa de interesses acompanha o direito ambiental, assim como o direito do consumidor e outros ramos da chamada terceira geração, os quais vêm ganhando destaque por impor limites ao liberalismo/individualismo cego que parecia suforcar a sociedade moderna em seus próprios interesses. Alinhada com a tendência mundial, a preocupação do Direito com o ambiente no Brasil veio tardia, embora encontremos discretas disposições nesse sentido já nas Ordenações Afonsinas, Manoelinas e Filipinas, ordenamentos trazidos da Europa no período colonial. As tímidas proteções previstas nesses dispositivos pouco refletiam concretamente na vida da população, até que, com o advento do Código Civil Brasileiro, já em 1916, viu-se no país “normas de colorido ecológico destinadas à proteção de direitos privados na composição de conflitos de vizinhança” 11, era a preocupação ambiental travestida de interesses individuais. A evolução seguiu paulatinamente durante meio século com a elaboração do Código Florestal (Decreto nº. 23.793/34), do Código das Águas (Decreto nº. 24.643/34), do DecretoLei nº. 25/37, que versava sobre o Patrimônio Cultural, dentre outros instrumentos legais, instituídos no país como reflexo da mudança de pensamento da sociedade frente aos novos desafios enfrentados, tais como desastres naturais, poluição em massa, aquecimento global, etc. Contudo, tais contribuições legislativas não representaram, na prática, os avanços imaginados, pois o Estado figurava como assistente omisso, no sentido de que entregava a tutela do ambiente à responsabilidade exclusiva do próprio indivíduo que se sentisse 11 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 94. 17 incomodado com atitudes lesivas à sua higidez. Trata-se de um contra-senso jurídico, eis que o particular ofendido não se apresenta, normalmente, em condições de assumir e desenvolver ação eficaz contra o agressor, quase sempre poderosos grupos econômicos, quando não o próprio Estado.12 O panorama da tutela ambiental começou a tomar novos rumos após a Conferência de Estocolmo, em 1972, ocasião em que instaurou-se uma nova onda conscientizadora perante as autoridades mundiais e os questionamentos ao modelo exploratório desenvolvimentista começaram a ser ouvidos. Seguindo essa tendência, desenvolveu-se no Brasil, a partir dos anos 80, uma nova postura ambiental, podendo-se destacar, conforme magistério do professor Édis Milaré, quatro dispositivos legais históricos, os quais colocaram o país em posição de vanguarda na tutela do meio ambiente. São eles: Lei nº. 6.938/81: instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, com a criação da imprescindível figura do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA; estabeleceu a figura da responsabilidade objetiva em caso de dano ecológico, que mudou sobremodo a forma de encarar as agressões e de punir os responsáveis; Lei nº. 7.347/85: instituiu a Ação Civil Pública, instrumento processual para a defesa do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; Constituição Federal de 1988: a “constituição cidadã” reservou um capítulo próprio destinado a tutela do meio ambiente, promovendo uma revolução da atividade legislativa no assunto13; Lei nº. 9.605/98: previu sanções penais e administrativas aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Essa nova fase do pensamento jurídico mundial tende a uma publicização do direito privado, tendo em vista que as fissuras evidentes no modelo político-econômico liberal, bem como o caráter globalizado inerente às relações jurídicas modernas, resultou na admissão de uma maior intervenção do Estado na tutela dessas relações. 12 MILARÉ, 2001, p. 97. Foram editadas no âmbito federal, no período de dez anos de vigência da Constituição de 1988, 17 leis ordinárias, 3 medidas provisórias, 139 decretos e 170 resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente Conama. 13 18 3.2 A INEFETIVIDADE DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL Toda esta evolução de pensamento nada representa se não refletir resultados práticos na tutela do meio ambiente, portanto, é preciso que se faça uma abordagem completa do sistema político do país, no sentido de checar se as estruturas formais estão sintonizadas com as estruturas reais estabelecidas. Nesse sentido, podemos perceber que não há muito o que festejar quando se fala em proteção do meio ambiente no país, embora tenhamos uma das mais avançadas legislações relacionadas ao tema, enfrentamos ainda uma série de obstáculos para tornar esses dispositivos realmente eficientes, tais como a assistematicidade da legislação ambiental, o choque de interesses decorrente da transcedentalidade da matéria, a descordenação da atividade administrativa, consequência da confusão do critério de repartição de competências, bem como a alienação ambiental dos cidadãos, a falta de vontade política, dentre tantos outros. Abordaremos adiante o que consideramos compreender os principais óbices à efetividade da legislação ambiental no Brasil. O traço mais marcante da legislação ambiental brasileira é sua assistematicidade, gravíssimo pecado para um regime normativo que, pela sua complexidade e caráter transdisciplinar, não se mantém de pé sem um mínimo de organicidade e sistematicidade.[...] Nada mais proveitoso para o degradador ambiental que a existência de normas que se antagonizam, com isso deixando o terreno livre para o exercício de atividades altamente lesivas ao meio ambiente.14 Notamos claramente a dificuldade no trato da matéria ambiental quando, ao analisarmos a jurisprudência dos tribunais do país, verificamos que grande parte das demandas levadas ao judiciário pautam as suas discussões em aspectos legais secundários, que nada resolvem a respeito do mérito e acabam por delongar sobremaneira a decisão sobre a questão. É por essa razão que grandes autores defendem a sistematização das normas ambientais, seja pelo caminho da consolidação ou pela sua codificação. Afinal, nas palavras do mestre Édis Milaré, não basta, numa palavra, que o Capítulo do meio ambiente na Constituição Federal seja o mais avançado do mundo: é preciso que a legislação infraconstitucional tenha 14 MILARÉ, 2001, p. 99. 19 à sua testa um instrumento normativo e, quanto possível, operacional, apto a inserir as atribuições do Poder Público e o exercício da cidadania num contexto moderno e dinâmico a que nos tem conduzido a História Universal e a própria História do Direito.15 Contudo, das mais árduas será a tarefa de implantação de um Código Ambiental Brasileiro e deverá ela ser acompanhada de muito suor e luta pelos defensores do meio ambiente, já que o direito ambiental é, por essência, um ramo transcedental do Direito e sempre encontrará a resistência de diversos setores da sociedade, particularmente os produtivos. A distante relação entre Administração Pública e sociedade também apresenta importante limitação à efetividade legislativa em todas as esferas de governo no Brasil, no sentido de que as estruturas formais (legislação, planos e projetos governamentais, burocracia oficial etc.) se vêem desajustadas com as estruturas reais (conscientização de políticas públicas, alocação e administração dos recursos etc.). Daí decorre a elementar importância em se conciliar os esforços e recursos empregados com a real situação e as demandas da sociedade. 16 Cumpre destacar, ainda, dentre as causas para a precariedade da implementação das leis ambientais no Brasil, aquelas apontadas pelo professor Antonio Herman V. Benjamin 17, quais sejam: A falta de consciência dos cidadãos; O descrédito nos órgãos ambientais, fundamentado, principalmente, na falta de recursos, humanos e técnicos, para cumprirem suas funções; O descrédito no Poder Judiciário, visto como inacessível, lento, caro e sem qualquer especialização para o trato da questão ambiental; A desconsideração do meio ambiente como prioridade política, com a repartição de recursos orçamentários; A inadequação do sistema fiscalizatório, principalmente mediante o desaparelhamento das instituições; A superposição de funções dos órgãos públicos de controle e gestão, em razão da falta de clareza no critério da repartição de competências entre os diversos níveis de governo; 15 MILARÉ, 2001, p. 103. Ibidem, p. 105. 17 BENJAMIN, 1993 apud MILARÉ, 2001, p. 105. 16 20 A concentração exagerada da implementação ambiental nas mãos do Estado; O obsoletismo do sistema jurídico como um todo e a atecnicidade da legislação ambiental. De todas as discrepâncias existentes em nosso sistema de governo atual, citadas anteriormente, talvez a falta de vontade política aliada à desorganização administrativa dos Municípios e ao descompasso legislativo ambiental perfazem a condição de problemas estruturais, por refletirem sobre os demais. Quanto à situação legislativa ambiental brasileira, além da já mencionada dificuldade resultante da sua assistematicidade, tem-se a inadequação do critério de repartição de competências em matéria ambiental, estabelecido constitucionalmente, talvez a matéria que mais ressoe nas searas doutrinária e jurisprudencial, tendo em vista as graves consequências que tende a trazer no trato da questão, principalmente no que tange à atuação das figura dos Municípios na tutela do meio ambiente. Por esta razão, reservamos algumas linhas para abordar o critério da repartição de competências e seus efeitos na implementação da legislação ambiental. 3.3 REPARTIÇÃO CONSTITUCIONAL DE COMPETÊNCIAS AMBIENTAIS A Constituição de 1988 foi promulgada após longo período em que as liberdades democráticas estiveram suspensas. Tentou-se uma maior descentralização das decisões, fortalecendo os Estados e os Municípios.18 Ao privilegiar a forma federativa de Estado, A CF reconheceu aos seus entes políticos (União, Estados, DF e Municípios) a capacidade de promover a sua própria legislação e implementá-la administrativamente, em prol da satisfação dos interesses peculiares locais e regionais. Essa competência é comumente dividida pela doutrina em competência material e competência formal, aquela com relação à atuação administrativa e esta voltada à capacidade legiferante da pessoa política. 19 18 FREITAS, Vladimir Passos de. A constituição federal e a efetividade das normas ambientais. 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 55. 21 Um aspecto de grande relevância que contribui para a referida distinção está consubstanciado na hierarquia entre os entes federados, no sentido de que na implementação administrativa da lei ambiental (art. 23, CF), as diferentes pessoas políticas atuam em pé de igualdade, ao contrário do que ocorre com a competência legislativa, que pressupõe aos estados e municípios uma obediência à norma federal, se editada de acordo com a Constituição Federal.20 Conforme mencionado alhures, a competência legislativa estabelecida na Constituição Federal deve, acima de tudo, respeitar o critério da hierarquia dos entes federados, bem como o da predominância do interesse, cabendo, pois, à União a instituição das normas ambientais gerais. Compartilham desse entendimento as Constituições da Espanha e da Bélgica. A CF divide a competência legislativa, ainda, na modalidade concorrencial (art. 24), suplementar (art. 24, § 2º), privativa (art. 22) e exclusiva (art. 25, §§ 1º e 2º), prevendo a atuação conjunta e coordenada de todos os entes no primeiro caso (resguardado aí o mencionado critério da predominância do interesse); a legislação suplementar de um ente em caso de inércia ou ilegalidade do outro primordialmente competente para a matéria, no segundo; a capacidade legiferante tão-somente à União, na terceira categoria, e; no último caso, a autorização será concedida apenas aos Estados de legislarem a respeito da matéria constante no art. 25. Contudo, insta observar a disposição constante no art. 22, da CF, que prevê a competência privativa da União para legislar sobre alguns assuntos específicos, dentre os quais, águas e energia (inciso IV). Isso quer dizer que o constituinte resguardou a esta pessoa política a tutela desses bens, limitando sobremaneira a atuação legislativa dos demais entes federados nesse sentido, ainda que supletivamente, em prol da qualidade ambiental. A competência privativa, por essência, carrega em seu bojo a possibilidade de delegação e/ou suplementação por outros entes. Contudo, tal permissivo deve ser concedido apenas por meio de Lei Complementar, limitando, portanto, a atuação dos outros membros da federação no trato da questão em tela. Esse é o disposto no parágrafo único, do art. 22, da Constituição Federal. A propósito, adotou a Constituição pátria técnica muito peculiar para dispor sobre a competência legislativa estadual, conforme vejamos. Além da reserva às competências que 19 Para propiciar uma abordagem mais didática, analisaremos o instituto da competência constitucional em matéria ambiental primeiramente sob o prisma legislativo e, posteriormente, material. 20 LEME MACHADO, Paulo Affonso. Direito Ambiental Brasileiro. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 49. 22 não lhes sejam vedadas pela Constituição 21, bem como da competência concorrente22 e suplementar23, previu a CF, ainda, a chamada competência exclusiva, referente à exploração de serviços locais de gás canalizado (art. 25, § 2º). As citadas disposições, tendentes a limitar a um único ente federado a competência para legislar sobre determinada matéria, vêm sofrendo duras críticas, no sentido de que tais dispositivos ferem os princípios federativos de coordenação e subsidiariedade mútua entre as pessoas políticas. Nesse sentido, mostram-se oportunas as palavras de Antonio Silveira Ribeiro dos Santos, ao analisar a competência privativa da União com relação à questão hídrica: Apesar do art. 22, IV de nossa Constituição Federal dizer que a competência legislativa sobre a questão hídrica ser da União, não se pode retirar dos Estados e dos Municípios o poder de legislar supletivamente.[...] Ademais, os problemas de poluição ultrapassam as fronteiras municipais, estaduais e muitas vezes nacionais, atingindo locais distantes da fonte poluidora, o que torna inoperante a tentativa de diminuí-los sem a participação de todos os envolvidos, acrescentando aí a sociedade civil.[...] Malgrada previsão constitucional tanto deve ser revista que a própria Constituição do Estado de São Paulo já prevê, em seu art. 205, a instituição de um sistema integrado de gerenciamento de recursos hídricos.24 Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos estados e aos Municípios25. Quanto ao Município, cuidou o artigo 30, I e II, da CF, de preservar a sua competência legislativa, de forma suplementar e específica, respectivamente. Por sua vez, a chamada competência concorrente não-cumulativa ou vertical adotada pela CF, orientação oriunda da Constituição de Weimar (art. 10), consubstancia-se na coordenação dos estados-membros até o limite de suas respectivas atuações, de forma que a competência da União está adstrita ao estabelecimento de normas gerais, devendo os Estados e o DF especificá-las, através de suas respectivas leis. 26 Deve-se incluir aí a figura do Município, apesar de o art. 24 não o fazer entre os entes competentes para legislar concorrentemente sobre meio ambeinte, deve-se admitir essa hipótese em virtude do disposto 21 Art. 25, § 1º, CF/88. Art. 24, VI, CF/88. 23 Art. 24, §2º, CF/88. 24 SANTOS, Antonio Silveira Ribeiro dos. Município e Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.aultimaarcadenoe.com/municipioambiente.htm>. Acesso em: 31 ago. 2009. 25 Art. 32, § 1º, CF/88. 26 MORAES, 2006. p. 287. 22 23 no art. 23, VI, da CF, que admite a competência legislativa suplementar do Município, pressupondo, portanto, que tal competência seja concorrente.27 A competência suplementar merece algumas ressalvas, tendo em vista a repercussão que tem proporcionado, principalmente, nas discussões acerca do conflito de competências. Afinal, não se suplementa, por óbvio, a legislação que não existe. A capacidade suplementária está condicionada à necessidade de aperfeiçoar a legislação federal ou diante da constatação de lacunas ou de imperfeições da norma geral federal. 28 Não existindo norma geral da União, será legítima a edição de norma estadual ou municipal que a supra, até a promulgação daquela, que resultará na revogação automática da lei anterior, nos pontos em que for contrária. Em suma, a União legislará e atuará em face de questões de interesse nacional, enquanto os Estados o farão diante de problemas regionais e os Municípios apenas frente a temas de interesse estritamente local, 29 sempre atentando-se para a realidade local, assim como ocorre na Alemanha e na Nova Zelândia, dando-se poderes à autoridade local para zelar pela preservação ambiental. 30 Ainda assim, no que tange à autonomia do ente municipal, é possível visualizar a sensível valorização trazida pela Constituição de 1988, tendo em vista que a Emenda Constitucional nº 01/67 sequer reconhecia a competência legislativa municipal, razão pela qual deixava aos estados-membros a incumbência de defini-la. Maior relevância detém a Lei Orgânica municipal nos dias de hoje, eis que, a seu cargo restou o importante papel de definir as matérias de competência legislativa da Câmara de Vereadores, uma vez que a CF não a exaure, pois utiliza a expressão “interesse local” como catalisador dos assuntos de competência municipal. 31 Portanto, trata a doutrina de fazer a conceituação e contextualização da expressão interesse local (art. 30, II), como sendo, conforme assenta Fiorillo, “interesses que atendem de modo imediato às necessidades locais, ainda que tenham repercussão sobre as necessidades gerais do Estado ou do País.” 32 Nesse sentido acompanha Fernanda Dias Menezes de Almeida, a qual propõe ser “inegável que mesmo atividades e serviços tradicionalmente 27 VAN ACKER, 1996, apud MILARÉ, 2001, p. 265. LEME MACHADO, 1998, p. 48. 29 MILARÉ, op. cit., p. 266. 30 FREITAS, Vladimir Passos de, 2002, p. 55-56. 31 MORAES, 2006, p. 290. 32 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 3. ed. ampl. – São Paulo: Saraiva, 2002. p. 61. 28 24 desempenhados pelos Municípios, dizem secundariamente com o interesse estadual e nacional”. 33 A despeito de estar delegada à Lei Orgânica Municipal a função de definir as matérias de competência legislativa dos vereadores, grande imbróglio surge da questão, tendo em vista a infinidade de situações e sua impossível previsão por completo. Diante disso, “salvo as tradicionais e conhecidas hipóteses de interesse local, as demais deverão ser analisadas caso a caso, vislumbrando-se qual o interesse predominante (princípio da predominância do interesse)”.34 Ao mesmo tempo que a Constituição Federal dotou o município de autonomia e força próprias para gerir seus próprios interesses, restringiu a sua atuação ao substituir a tradicional expressão “peculiar interesse”, utilizada desde a Constituição Republicana de 1981, pelo “interesse local”. A nova expressão retira da competência dos municípios aquelas matérias que, embora de seu interesse, o são, também, de outros entes. Nesse ponto surge outra discussão a respeito da extensão do conceito, ou seja, é preciso delimitar se a questão deva afetar predominante ou exclusivamente o ente político em questão para ser considerada como interesse local. Trata-se de questão controvertida do estudo, contudo, é salutar destacar os grandes defensores da teoria da predominância do interesse, nomes como Paulo Affonso Leme Machado, para quem o interesse local não se caracteriza pela exclusividade, mas pela predominância35. Toshio Mukai vai mais longe, no sentido de que, mesmo concorrente a competência do Município, podendo ele legislar sobre todos os aspectos do meio ambeinte, de acordo com sua autonomia municipal, prevalece sua legislação sobre qualquer outra, quando compreender seu “predominante interesse”.36 Apesar da hierarquia existente entre os diversos entes federados no exercício da competência legislativa, deve-se vislumbrar a capacidade plena do Município em regular as matérias que refletirem predominantemente seus interesses. Deve-se invocar, nesses casos, a competência privativa do ente mínimo, prevalecendo a norma local sobre a geral, em caso de conflito. 33 ALMEIDA, 1991 apud MORAES, 2006, p. 291. DALLARI, RDP 92/174 apud MORAES, loc. cit. 35 LEME MACHADO, 1999, p. 301 apud FREITAS, 2002, p. 62. 36 MUKAI, Toshio. Legislação, meio ambiente e autonomia municipal. Estudos e Comentários RDP, v. 79, p. 131 apd FREITAS, op. cit., p. 63. 34 25 Por fim, Vladimir Passos de Freitas adverte que a autonomia constitucional dos Municípios não deve ser deturpada em prol da divisão concorrencial de competências, devendo-se, ao mesmo tempo, tratar com cautela a questão do interesse predominantemente local, já que “essa conclusão não representa uma porta aberta para os municípios legislarem sobre tudo o que reputarem importante. É preciso que se examine caso a caso, pois não pode o interesse local sobrepor-se a tudo.”37 Contrapondo-se ao princípio da obediência aos comandos gerais, presente na repartição de competências formais, presente ainda está a divisão de competência material, prevista pelo constituinte para tentar dar mais dinamismo e eficiência à gestão estatal. Divisão merecedora de destaque, no que se refere ao meio ambiente, é a proveniente da inteligência dos artigos 21 e 23, da Constituição, que tratam, respectivamente, da competência material exclusiva da União, e comum, desta, dos estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Contudo, nada impede que as demais entidades atuem nos campos aonde a União permanecer inerte nas matérias de sua competência. Ademais, “qualquer dos entes públicos tem competência para aplicar a legislação ambiental, ainda que essa legislação não tenha sido de autoria do ente público que a aplica.” 38 Outrossim, seja com relação às competências materiais quanto formais, a dificuldade de se especificar com exatidão a quem mais interessa a resolução de uma demanda ambiental gera, naturalmente, muitos conflitos de competência, e, por vezes, a duplicidade da ação ambiental entre entes distintos, ou ainda, a inércia da administração pública, em razão da dúvida quanto à pessoa competente para a providência. A atuação dúplice do Poder Público é exemplo corriqueiro em todo o país, como denuncia Paulo Fernando Airoldi, ao tratar da solução paliativa, criada pela Lei nº. 9.605/98, para tangenciar este problema. Como foi dito, o enorme leque de atuação de órgãos ambientais na fiscalização provoca, não raras as vezes, a duplicidade na aplicação da multa ao administrado, pelo mesmo fato gerador. Neste sentido, o art. 76, da Lei 9.605/98 delimitou que “o pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência” 39. Trata-se de inovação legislativa 37 FREITAS, 2002, p. 67. LEME MACHADO, 1998. p. 303. 39 AIROLDI, Paulo Fernando. Legitimidade das sanções administrativas ambientais e as inovações da nova lei federal in FREITAS, Vladimir Passos de (org.). Direito Ambiental em Evolução. Nº. 1, 2. ed. Curitiba: Juruá, 2002. pp. 279-280. 38 26 tendente a solucionar pontualmente o problema, mas não oferece contornos práticos para se tangenciar a confusa repartição de competências. Por um lado, o professor Paulo Affonso Leme Machado 40 nos indica que o perigo da simultaneidade de competências para a implementação do controle ambiental é que todos os entes federados ficaram competentes, mas nenhum deles tem assumido especificamente a melhoria da qualidade das águas, do ar e do solo e nenhuma instância governamental se responsabiliza pela conservação das florestas e da fauna. Por outro lado, aduz Fiorillo 41 que a competência concorrente dos estados e supletiva dos Municípios revela-se importante, porquanto aqueles e estes encontram-se mais atentos e próximos aos interesses e peculiaridades de uma determinada região, estando mais aptos a efetivar a proteção ambiental reclamada pelo Texto Constitucional.[...] A competência legislativa em matéria ambiental estará sempre privilegiando a maior e mais efetiva preservação do meio ambiente, independentemente do ente político que a realize, porquanto todos receberam da Carta Constitucional aludida competência (arts. 24, V, VI e VII e 30, II). É importante que não se faça confusão a respeito da competência suplementar de estados-membros e Municípios, pois, aqueles, ao implementar a sua própria legislação ambiental, ou quando executam as normas gerais da União, não estão sujeitos ao poder revisional ou homologatório desta. Esse controle só pode ser feito pela União através de ação judicial, procurando anular o ato administrativo estadual acusado de invasão da competência federal ou descumprimento das normas gerais federais. 42 Existe uma linha muito tênue na relação entre os entes, eis que o simples ato revisional ou homologatório do ente supra, configurar-se-ia típica invasão de competências. O professor Luís Roberto Barroso descreve tal situação de conflito como inevitável, eis que “os balizamentos constitucionais da esfera de atuação de cada entidade nem sempre são objetivamente aferíveis, e caberá ao Judiciário dirimir os conflitos”. 43 Paradoxalmente, a solução para a presente questão já está estipulada em nossa Carta Magna, mais precisamente, no parágrafo único, do art. 23, in verbis: 40 Ibidem, p. 55. FIORILLO, 2002, p. 60. 42 LEME MACHADO, 1998, p. 49. 43 BARROSO, Luís Roberto. A proteção do Meio Ambiente na Constituição Brasileira. in Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo : Ed. RT, 1/115-140, apud LEME MACHADO, op cit., p. 302. 41 27 Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. Dada a complexidade da matéria, o constituinte deixou a cargo do legislador infraconstitucional a tarefa de definir responsabilidades e dividir as obrigações de cada ente federado pela atuação administrativa das matérias elencadas no caput do artigo, dentre elas, a proteção do meio ambiente. Ao contrário da competência concorrente, que já traz em si as regras de divisão entre os entes políticos, a comum deve aguardar a Lei Complementar para a definição de responsabilidades. Todavia, enquanto não elaborada a norma mencionada, a responsabilidade pela proteção do meio ambiente será comum e solidária. O que não pode ser aceito é que a omissão legislativa leve à não consolidação da obrigação.44 Entre toda a discussão voltada à repartição de competências, inestimável é o valor da disposição supracitada, tendente a incentivar a união dos entes federados, tal qual é o sentido proposto pelo federalismo cooperativo, idéia acompanhada pelo mestre Sebastian MartinRetortillo 45, verbis: O reconhecimento das distintas instâncias políticas conduziu a uma afirmação das competências e funções das mesmas, cada vez mais consistentes. A tendência do momento presente é evitar-se a confrontação entre as instâncias de governo, colocando-se de lado a invasão de competências para praticar-se uma ação participada de poderes concorrentes, segundo a fórmula de um federalismo coordenado. No que tange à definição de competências, tanto administrativas quanto legislativas, deve-se frisar que o espírito da Constituição indica a necessidade de se pautar a administração pública pelos critérios da preponderância do interesse e da colaboração entre os entes da Federação46. Dita colaboração pode ser exercida de várias maneiras pelo Município, dentre as quais a elaboração de normativos próprios que regulem, em sintonia com as peculiaridades locais, a atuação administrativa ambiental de suas instituições, os planos e políticas públicas de combate à degradação, assim como outras atividades inerentes à autonomia municipal. É salutar, portanto, que façamos um estudo, ainda que breve, da política de desenvolvimento 44 GUERRA, Sergio. A competência dos entes federados em matéria ambiental. n. 6. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: RT, 1997, p. 122. 45 MARTIN-RETORTILLO, 1992 apud LEME MACHADO, 1998, p. 299. 46 Neste sentido, FIORILLO, 2002, p. 58. 28 urbano e os seus instrumentos, quais sejam: o Estatuto da Cidade (Lei nº. 10.257/2001), a Lei Orgânica Municipal e o Plano Diretor de Ordenamento Territorial. 3.4 POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO URBANO “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.”47 O dispositivo em destaque merece atenção minuciosa na pesquisa, tendo em vista a grande relevância que possui na preservação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, nos moldes do disposto no artigo 225, também da Constituição da República, eis que estabelece o maior instrumento de controle do meio ambiente artificial. Meio ambiente artificial consiste na espécie de meio ambiente adotada pela doutrina para designar o espaço urbano construído, compreendido pelo conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e pelos equipamentos públicos (espaço urbano aberto). De certa forma, o conceito de meio ambiente artificial se confunde com a conceituação de espaço urbano, intimamente ligado à noção de cidade. Deve-se ter sempre em mente que o termo urbano não se opõe ao rural, conceito que nele se contém48, alcançando a política de desenvolvimento urbano até a mais longínqua construção da cidade, ainda que localizada em zona rural ou equivalente. As diretrizes gerais apontadas pelo artigo 182 estão regulamentadas, portanto, pela Lei nº. 10.257/2001 – Estatuto das Cidades, a qual tem por objetivo assegurar a função social da propriedade e a garantia do bem-estar dos seus habitantes. Analisemos, por conseguinte, cada um dos objetivos propostos, de modo a identificar o espírito da norma, bem como contextualizá-la na organização administrativa municipal. Por cumprimento da função social da cidade devemos ter em mente o pleno respeito aos preceitos dos artigos 5º e 6º, da CF, dentre eles o direito à vida, à segurança e à igualdade. Parafraseando o mestre Celso Antônio Pacheco Fiorillo 49, entende-se a função social da cidade pela plena garantia ao piso vital mínimo. A primeira vista, assume o poder público a 47 Art. 182, CF/88. FIORILLO, 2002, p. 204. 49 FIORILLO, op. cit. p. 206. 48 29 incumbência de garantir a toda pessoa a fruição dos direitos básicos inerentes ao ser humano, primordialmente garantindo-se moradia digna, propondo, pois, condições de habitação adequada e fiscalizando sua ocupação. De bom tom é a garantia do bem-estar, prevista pelo constituinte, complementando, pois, a idéia consistente na função social da cidade, pois não basta ao cidadão que lhe seja garantido o chamado piso vital mínimo, como deve ser proporcionado pelo Estado50 os meios para que toda e qualquer pessoa busque satisfação pessoal. Em outras palavras, o despertar da sensação de bem-estar deve se perfazer com a fruição dos prazeres da vida. Ainda que assegurada a função social da cidade, ao indivíduo não fará sentido viver sem gozar de bemestar, compreendido este, portanto, no direito ao lazer, à saúde e à segurança. Em suma, a política de desenvolvimento urbano estará cumprida quando satisfeitas as quatro funções sociais da cidade, classificadas por Fiorillo, quais sejam: habitação, circulação, lazer e trabalho.51 Importante previsão constitucional, relativa à função social da propriedade, se dá com os institutos de usucapião especial urbano e rural, nos artigos 183 e 191, respectivamente, eis que retiraram do direito de propriedade o caráter absoluto de outrora, em função das questões sociais, ambientais, econômicas, ou seja, em prol da sua função socioambiental, baseada no desenvolvimento sustentável. Embora a política de desenvolvimento urbano tenha o condão de regular atividades e diretrizes direcionadas especificamente à regulamentação das cidades, não está adstrita apenas à figura do Município, pelo contrário, envolve todas as demais pessoas jurídicas de direito público interno. Em que pese a execução estar acometida ao Município, não pode a União furtar-se ao dever de traçar normas amplas e condizentes às necessidades nacionais. 52 Exemplo disso é a competência dotada pela União para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos 53, assim como a competência legislativa concorrente destinada à proteção e defesa da saúde54. Por sua vez, compete ao Município promover, nos limites da autonomia a que faz jus, o adequado ordenamento territorial em prol dos objetivos da política urbana, de acordo com o planejamento e controle do uso do parcelamento e da ocupação do solo urbano.55 50 Expressão empregada em seu sentido amplo, e não, com relação ao ente federado. FIORILLO, 2002. p. 206. 52 Ibid. p. 207. 53 Art. 22, XX, CF/88. 54 Art. 24, XII, CF/88. 55 FIORILLO, op. cit. p. 208. 51 30 Para que os Municípios adotem uma adequada política de desenvolvimento urbano, coordenada com os respectivos planos nacionais e regionais, cuida o legislador federal, auxiliado pelos Órgãos consultivos e deliberativos do Poder Executivo (CONAMA, por exemplo), de normatizar e prever as bases que irão nortear a atuação de Estados e Municípios, de modo a impor certos limites, preservando, no entanto, a autonomia desses entes. Dentre os normativos que vinculam os Municípios no planejamento de suas políticas de desenvolvimento está o chamado Estatuto da Cidade, instituído pela Lei nº. 10.257/2001. 3.4.1 Estatuto da Cidade Nos países desenvolvidos, o equilíbrio do território é salvaguardado pelos planos da autoridade pública; já nos países de terceiro mundo, as cidades se desenvolvem com a mesma velocidade e mesmo mais depressa, sendo certo que este desenvolvimento leva em quase toda parte a resultados muito diferentes: os edifícios projetados pelos arquitetos e em conformidade com os regulamentos, as cidades disciplinadas pelos planos urbanísticos e providas com os serviços públicos, as ruas, os parques, etc., dizem respeito somente a uma parte da população; outra parte não está em condições de se servir deles, e se organiza por sua própria conta em outros estabelecimentos irregulares, muitas vezes em contato direto com os regulares mas nitidamente distintos.[...] No mundo atual, os estabelecimentos irregulares crescem com muito maior velocidade que os estabelecimentos regulares, e abrigam agora, em muitos países, a maioria da população.56 Considerada por muitos a mais importante legislação brasileira em matéria de tutela do meio ambiente artificial, o Estatuto da Cidade, reflete os desafios da cidade moderna e busca adequar os instrumentos legais à atual realidade brasileira. Intenta-se abrir os olhos do Poder Público para as cidades paralelas que crescem a passos largos às margens da sociedade, buscando a regularização de seu crescimento e a melhoria da qualidade de vida das pessoas que ali vivem. Enfim, busca-se proporcionar função social a estas conglomerações urbanas. Essa mudança paulatina de enfoque das situações sociais deveu-se, mormente, pela nova interpretação adotada ao direito de propriedade, antes absoluto e intangível, agora maleável e social. A velha dualidade público-privada vem sendo superada, entrando em cena o bem jurídico ambiental, adotado na Carta Magna de 1988, com a natureza jurídica ambiental da cidade, novo paradigma jurídico, a ser adotado no enfrentamento de questões envolvendo o direito de propriedade. 56 FIORILLO, 2002. p. 211. 31 Dotado está o Poder Público Municipal de meios para a consecução dos novos fins propostos, quais sejam, os instrumentos de política urbana, apontados no art. 4º, do Estatuto da Cidade, ou seja, os programas de planejamento, os institutos próprios e a figura do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, a ser analisado posteriormente. Passaremos a analisar, então, alguns instrumentos previstos pelo Estatuto, por considerarmos de grande relevância à atuação administrativa municipal, dentre eles estão a implantação do chamado IPTU progressivo, desapropriação-sanção, concessão de uso especial para fins de moradia, usucapião especial de imóvel urbano, direito de superfície, direito de perempção, outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso, transferência do direito de construir, operações urbanas consorciadas, dentre outras. A despeito das áreas não-edificadas ou subutilizadas, as quais, assim, deixam de cumprir sua função social, prevê a legislação, respaldada pelas disposições constitucionais, a aplicação de instrumentos tendentes a compelir o proprietário do solo urbano a parcelar, edificar ou mesmo utilizar a sua propriedade. 57 Quanto à regularização de bairros espontâneos, é prevista a aplicação de Usucapião especial de imóvel urbano, com o intuito de beneficiar possuidores de área urbana de até 250 m², por cinco anos, de forma ininterrupta e sem oposição, que utilizam o referido território urbano para sua moradia ou de sua família e desde que não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. Portanto, será condição precípua desta modalidade de usucapião o emprego da função social à propriedade. A Medida Provisória nº. 2.220/2001 criou a hipótese de concessão de uso em área pública, a pessoas que tiverem ocupado o território até sua edição (30/06/01) e cumpram os requisitos para a usucapião especial de imóvel urbano, é a chamada Concessão de Uso Especial para fins de moradia, medida que não deve ser confundida com a espécie de aquisição de domínio, pois a Constituição brasileira impede a usucapião de imóveis públicos em seus artigos 183, § 3º e 191, parágrafo único. O direito de superfície previsto nos artigos 21 a 24, do Estatuto, compreende a idéia do solo criado, permitindo a transferência do direito de construir sem abranger o direito à propriedade urbana. O Estatuto instituiu, ainda, as chamadas Operações Urbanas Consorciadas (arts. 32 a 34), instrumento consistente no conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público Municipal com o objetivo de alcançar em determinada área territorial transformações 57 Neste sentido, é a aplicação do IPTU progressivo e a desapropriação-sanção. 32 urbanísticas estruturais, melhorias sociais, bem como a valorização ambiental. Referida medida atende aos anseios da política pública contemporânea, permitindo o envolvimento dos diversos setores da sociedade, tornando efetiva a gestão pública ambiental. Por fim, destaca-se a obrigatoriedade a certos empreendimentos e atividades de elaborar o chamado Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV, figura peculiar proveniente do princípio da prevenção, consistente no diagnóstico da situação ambiental presente, antes da implantação da obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, comparando-a com as alterações posteriores.58 A referida medida guarda grande semelhança com o instituto do Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EIA, porém, é preciso ter ciência da linha tênue que os diferencia, tendo em vista o disposto no artigo 38, do Estatuto, que prevê a possibilidade de elaboração mútua dos dois institutos, em alguns casos. A grosso modo, temos que o EIV é um instrumento mais voltado para as questões urbanísticas, devendo abordar as diretrizes presentes no Art. 2º, do Estatuto da Cidade, cuidando o EIA, por sua vez, dos princípios e objetivos elencados nos artigos 2º e 4º, da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº. 6.938/81), bem como das diretrizes gerais traçadas no art. 5º, da Resolução nº. 01/8659, do Conselho Nacional de Meio Ambiente60. As citadas medidas, dentre outras introduzidas no ordenamento jurídico pátrio, têm o condão de vincular a administração pública, seja qual for sua representação, bem como à sociedade de modo geral, ao correto controle e fiscalização das atividades intervenientes no meio ambiente ao qual estamos inseridos, tornando, por conseguinte, cada prefeitura, governo ou cidadão, responsável solidariamente pela aplicação dos instrumentos de política urbana, os quais se mostram, a cada dia, mais imprescindíveis. 3.4.2 Lei Orgânica Municipal A Lei Orgânica local é fruto do poder constituinte outorgado aos Municípios em nossa atual Constituição Federal. Será ela o instrumento jurídico máximo proveniente desse ente 58 FIORILLO, 2002, p. 220. EIV x EIA. 23 set. 2006. Disponível no sítio Ambiental Urbano: <http://ambientalurbano.blogspot.com/2006/09/eiv-x-eia.html>. Acesso em: 24 mai. 2009. 60 Órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), foi instituído pela Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, regulamentada pelo Decreto nº. 99.274/90. 59 33 federativo, assim como a Carta Magna o é para União e a Lei Orgânica Estadual, para os respectivos estados-membros. A Lei Orgânica organizará os órgãos da Administração, a relação entre os órgãos do Executivo e Legislativo, disciplinando a competência legislativa do Município, observadas as peculiaridades locais, bem como sua competência comum, disposta no art. 23, e sua competência suplementar, disposta no art. 30, II; além de estabelecer as regras de processo legislativo municipal e toda regulamentação orçamentária, em consonância com a Constituição Federal e a Constituição do respectivo Estado (CF, art. 29). 61 Essencial importância detém esse instrumento, sobretudo com relação à gestão dos recursos ambientais locais, em virtude de traçar, ainda que atrelado restritamente aos aspectos essenciais, a organização administrativa do Município, os instrumentos de gestão disponíveis ao manejo ambiental, os assuntos de interesse predominantemente local, que serão objetos da competência material, e, ainda, a organização orçamentária, política de grande relevância da entidade administrativa, por refletir na coordenação das despesas, otimizando os escassos recursos financeiros existentes. Por outro lado, não se pode olvidar da ressalva que o faz Sergio Miranda Amaral 62, parafraseando o mestre Hely Lopes Meirelles: Entre os dois sistemas – lei orgânica estadual e lei orgânica municipal – continuamos a entender mais vantajoso àquele sobre este, porque o das Cartas Próprias municipais confere um exagerado poder do auto-organização, para o exercício da qual a maioria dos Municípios brasileiros não está preparada. E, além disso, a multifária legislação municipal que se estabelece com o regime fracionário das Cartas Próprias se nos afigura inútil, e até mesmo prejudicial, pois a diversidade de legislação municipal dificulta o conhecimento da lei local. Como resultado, temos um complexo arcabouço jurídico dotado de ineficácia, eis que comumente deparamo-nos com administradores desqualificados e desconhecedores dos meios disponíveis, tornando inóquas importantes normas de proteção ambiental. 61 62 MORAES, 2006, p. 275. AMARAL, 2006. 34 3.4.3 Plano Diretor de Ordenamento Territorial – PDOT Ao “complexo de normas legais e diretrizes técnicas para o desenvolvimento global e constante do Município, sob os aspectos físico, social, econômico e administrativo, desejado pela comunidade local”63, dá-se o nome de Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT). Estabelecido como o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, o PDOT traça as diretrizes do Município para a consecução da função social da propriedade. É fruto da análise minuciosa dos memoriais descritivos da cidade, análise técnica do solo, recursos minerais, etc. Nos Municípios com mais de vinte mil habitantes, deverá obrigatoriamente ser submetido a um processo de aprovação prévia, contendo debates, audiências públicas, devendo estar garantida a participação popular em todo o processo e, posteriormente, encaminhado à casa legislativa para apreciação e votação, já com a roupagem de Projeto de Lei Complementar. Terá o PDOT vigência regular de dez anos, podendo ser prorrogado em casos excepcionais. Tamanha é a relevância do PDOT que o Plano Plurianual, as Diretrizes Orçamentárias e o Orçamento Anual deverão incorporar as diretrizes e prioridades nele contidas. “Além das normas legais, deverão os Municípios providenciar medidas adminitrativas eficazes, como a elaboração de sua Agenda 21, plano diretor, tombamento e instituição de reservas florestais, hortos, áreas de proteção ambiental, etc.”64 63 MEIRELLES, 1997 apud SANTOS, Antonio Silveira Ribeiro dos. Município e Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.aultimaarcadenoe.com/municipioambiente.htm>. Acesso em: 31 ago. 2009. 64 SANTOS, Antonio Silveira Ribeiro dos. Município e Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.aultimaarcadenoe.com/municipioambiente.htm>. Acesso em: 31 ago. 2009. 35 4 SITUAÇÃO ADMINISTRATIVA DOS MUNICÍPIOS 4.1 PANORAMA ATUAL Analisando a estrutura administrativa pública do país, influenciada pelas dimensões continentais de seu território, e levando em conta fatores políticos, sociais e, principalmente, econômicos, encontramos um verdadeiro abismo entre os 26 estados e o Distrito Federal. Se tal contradição é facilmente notada entre os estados-membros, mais dramática é a comparação feita entre os 5.560 Municípios brasileiros, classificados desde os mais miseráveis até os mais altos índices de desenvolvimento. Em outras palavras, a análise da entidade municipal retrata a discrepância cada vez mais evidente do federalismo brasileiro. Desta forma, não raro encontrarmos entidades plenamente estruturadas administrativamente fazendo divisa com outras totalmente desamparadas e desqualificadas. Nesse sentido, podemos citar a situação dos Municípios de Franca-SP e UberlândiaMG no que tange à questão do saneamento básico 65. Tais cidades contam com índices elevadíssimos de cobertura e tratamento da rede de esgoto, embora coexistam lado a lado com vizinhos detentores de pífios resultados. Ressalta-se o fato de estar a referida competência a cargo do estado-membro, fato esse que não justificaria a ocorrência de resultados tão discrepantes entre os iguais de um mesmo estado-membro. Tal fato nos remete à conclusão de que os resultados se destacam pela vontade política e pela profissionalização da gestão pública, tendente a envolver, cada dia mais, a parceria com investidores privados e meios alternativos para se tangenciar os imbróglios políticos, econômicos, sociais... Portanto, embora a falta de estruturação municipal muito se deva à dificuldade financeira pela qual perpassa certas regiões do país, o grande mal que debela a Administração Pública pátria atende pelo nome de desinteresse político, levado a efeito por governantes preocupados tão-somente em lograr proveitos próprios. Por outro lado, deve-se levar em consideração a importância dos Poderes Legislativo e Judiciário contra o coronelismo político que se instalou como câncer no país. 65 FUSCO, Camila. Com a palavra, o prefeito. Revista Exame, São Paulo, n. 9, 20 maio 2009, p.38-39. 36 Uma grande saída para a crise ambiental seria a regulamentação legal baseada em outorgar aos Municípios uma maior estruturação administrativa, conferindo-lhes maior autonomia e efetividade contra atividades ambientalmente degradantes. 4.2 ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA AMBIENTAL Transpondo as dificuldades inerentes ao estudo da aberrante contradição existente nos Municípios brasileiros, propomos fazer um aparato geral do modelo de gestão ambiental adotado e sua real efetividade. A tendência dos estados e Municípios foi seguir o modelo de gestão ambiental adotado pelo governo federal no âmbito da Política Nacional do Meio Ambiente, onde há um conselho como órgão consultivo e deliberativo (CONAMA) trabalhando em conjunto com um órgão central (Ministério do Meio Ambiente) e um órgão executivo (IBAMA). 66 Desta forma, temos como essenciais para o manejo dos recursos ambientais os Conselhos Municipais de Meio Ambiente, órgãos consultivos-deliberativos, com a função de opinar e assessorar a Prefeitura, suas secretarias e o órgão ambiental municipal nas questões relativas ao meio ambiente.67 Como veremos adiante, em tópico específico, a instituição dos Conselhos de Meio Ambiente, dentre outras medidas, proporciona a concretização de um novo formato de relação entre Estado e sociedade, no momento em que introduz o grupo social no debate e na participação dos processos de criação do Direito Ambiental. Essa nova tendência de gerenciamento público é consequência do aprimoramento dos princípios do Estado Democrático de Direito, ao tempo em que inaugura uma nova concepção de participação popular nas decisões políticas da sociedade, outorgando ao grupo, individual ou coletivamente organizado, meios para a consecução de tais fins. Cumpre ressaltar, entre os meios básicos de participação comunitária na tutela ambiental, além dos Conselhos Especiais de Defesa do Meio Ambiente, a eficiência da 66 CARVALHO, Paulo Gonzaga M. de et al. Gestão local e meio ambiente. Ambiente & Sociedade. Campinas: ANPPAS-UNICAMP. v.8 n.1. jan./jun. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/asoc/v8n1/a08v08n1.pdf>. Acesso em: 26 ago. 2009. 67 RODRIGUES, Adriano. Ministério Público recomenda criação de conselho municipal de meio ambiente em Pindaré-Mirim. São Luís, 10 jun. 2009. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1262038/ministerio-publico-recomenda-criacao-de-conselho-municipalde-meio-ambiente-em-pindare-mirim>. Acesso em: 06 out. 2009. 37 audiência pública no procedimento do Estudo Prévio de Impacto Ambiental - EPIA, bem como os diversos meios de atuação popular no Poder Judiciário, contra ingerências ambientais, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (art. 102, I, a, 103 e 125, § 2º, CF), Ação Civil Pública (art. 129, III e § 1º, CF), Ação Popular (art. 5º, LXXIII), Mandado de Segurança Coletivo (art. 5º, LXX, CF) e Mandado de Injunção (art. 5º, LXXI, CF). 68 A participação, enfim, de todas as entidades comunitárias na solução dos problemas locais é uma evidência do alto nível de cultura do Município. Rui Barbosa dizia que o interesse do país não está em ser governado consoante a fórmula deste ou daquele sistema, senão sim em ser bem governado; e os governos bons são os temperados e fiscalizados pela discussão.69 Dando tom ao evolucionismo do modelo político atual, foram inseridos novos instrumentos à atuação administrativa ambiental, juntamente com aqueles bem-sucedidos mecanismos de outrora. Aos institutos do Zoneamento Ambiental, EPIA, Licenciamento e Auditoria Ambiental foram acrescidos os chamados Fundos Especiais de Meio Ambiente e a Agenda 21 local, dentre outros mecanismos responsáveis pelo aprimoramento de uma Política Ambiental Integrada. Portanto, afora o abismo que separa as diferentes realidades brasileiras, é possível visualizar uma tendência geral positiva com relação à situação administrativa dos Municípios, tendo em vista a adoção de instrumentos legais cada vez mais efetivos e, principalmente, o envolvimento do principal interessado na elaboração de políticas públicas ambientais, a sociedade. 4.3 PODER DE POLÍCIA (SANÇÃO ADMINISTRATIVA) Ressalvada a hipótese de estabelecer sanções de cunho penal, tem o Município competência legislativa para instituir sanções administrativas de caráter ambiental, compelindo os administrados à obrigação de fazer ou não fazer, quando for o caso. Decorre tal prerrogativa do poder de polícia dotado pela entidade municipal, assim como pelos demais entes federados, compreendido na autonomia política, delegada constitucionalmente, pelo poder de auto-administração. “É através deste instituto (poder de 68 69 MIRRA, Álvaro apud MILARÉ, 2001, p. 268. AMARAL, 2006. 38 polícia) que o órgão público encontra alicerce legal para praticar todos os atos coercitivos, visando o bem comum.”70 Entre as principais sanções existentes, destacam-se: multas diárias, arresto ou apreensão de bens, interdição temporária ou definitiva de estabelecimento, demolição de obras, suspensão ou cassação da autorização, etc. Na dúvida acerca da legalidade da sanção, o Município pode utilizar a Ação Civil Pública, quando pretender impor o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, bem como a condenação em dinheiro, visando à restauração do dano. Contudo, diante do princípio da executoriedade, o Município tem o direito de aplicar as sanções administrativas, independentemente de decisão judicial. 71 Conforme abordado em outra ocasião, poderá a União, por meio do IBAMA, aplicar infração administrativa ao empreendedor que não cumprir com o termo de concessão da licença, ainda que a competência para licenciar seja de outro ente federado, desde que o estado-membro ou Município não tenha se manifestado no prazo devido. Ante o princípio da autonomia e paridade entre as entidades, perfeitamente cabível é a interpretação analógica do permissivo anterior, estendendo tal competência às demais pessoas políticas. A interferência administrativa será levada a efeito a título de exceção, sendo apenas permitida nos casos em que os bens do ente interventor estiverem afetados em conseqüência da inércia da autoridade diretamente competente. 4.4 CONSELHOS MUNICIPAIS DE MEIO AMBIENTE Como já foi dito, desde a promulgação da CF/88, vem sendo estimulada a implementação de um novo paradigma de gestão das políticas públicas que promova a descentralização das decisões e amplie o espaço de participação da sociedade. 72 Antes disso, nossa legislação já acompanhava a evolução dos conceitos políticojurídicos, relacionados à teoria de estado, direito público, etc. E como reflexo disso, temos a criação da moderna figura do Conselho Municipal de Meio Ambiente – CODEMA, prevista na lei federal nº. 6.938/81, e que consiste em órgão de proteção do meio ambiente instituído 70 AIROLDI in FREITAS, 2002, p. 269. LEME MACHADO, 1998. p 310. 72 CARVALHO et al, 2005. 71 39 por lei municipal, capaz de promover a participação comunitária, compatibilizar a política nacional e estadual com a política local, propor diretrizes aos estudos do Plano Diretor do Município sob a ótica ambiental, porpor e fiscalizar a preservação dos recursos naturais e ecossistemas, promover a educação ambiental, etc.73 Podemos destacar duas grandes contribuições promovidas pelo CODEMA, a participação comunitária e a compatibilização da política ambiental. Para se garantir a consecução do primeiro propósito, a lei municipal criadora do órgão em questão, deverá prever a sua composição igualitária, envolvendo membros do Poder Público local, órgãos técnicos e representantes da comunidade. A compatibilização da política ambiental é atribuição de grande relevância dos Conselhos, pois coloca a figura municipal em posição de mediar os conflitos decorrentes da confusa repartição de competências, estabelecidos na Constituição Federal, contribuindo, desta forma, para o chamado federalismo cooperativo. Assim, competirá ao CODEMA trazer as diretrizes estipuladas na política ambiental nacional e estadual à atuação administrativa municipal, conforme as peculiaridades locais, sem que a execução dessas diretrizes invada a competência material de outro ente federado. Infelizmente, a efetividade do Conselho não depende apenas de regulamentação legal, mas de fatores outros que comprometem a atuação do órgão em cada cidade. Nesse sentido, os conselhos de meio ambiente têm funcionado de mandeira diferenciada em cada Município, assim, suas recomendações ou deliberações dependerão tento do peso político que a entidade possui na administração local, quanto de recursos nem 74 sempre disponíveis em nossas municipalidades. Ao contrário do que argumentam muitas autoridades, a implementação de conselhos ambientais locais pode representar retorno financeiro direto ao Município, em virtude do que dispõe o art. 70, da Lei nº. 9.605/98 em concordância com o art. 20, da Resolução nº. 227/97, do CONAMA, os quais preveem a existência de órgão ambiental local, integrado ao SISNAMA, como condição para o município exercer o licenciamento ambiental, cobrança de taxas, multas e instauração de processos administrativos. 73 SANTOS, Antonio Silveira Ribeiro dos. Município e Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.aultimaarcadenoe.com/municipioambiente.htm>. Acesso em: 31 ago. 2009. 74 CARVALHO et al., 2005. 40 Embora de reconhecida importância, os conselhos especiais de meio ambiente contam com a adesão de apenas 22% dos municípios brasileiros75, número muito aquém do que se espera do país, tendo em vista a urgência e a relevância desse “espaço de participação social, negociação de demandas e interesses e mediação de conflitos” 76. 4.5 FUNDOS ESPECIAIS DE MEIO AMBIENTE Os Fundos Especiais de Meio Ambiente constituem outro importante mecanismo de combate à poluição ou outras formas de degradação ambiental, pois “objetiva apoiar projetos destinados ao uso racional e sustentável dos recursos de seu território, bem como à manutenção e à recuperação da qualidade ambiental.” 77 A previsão normativa do referido instrumento está disposta em nossa Carta Magna, que condiciona a sua criação à prévia autorização legislativa 78. Na legislação infraconstitucional, temos a determinação da lei 9.605/98, no sentido de que os valores arrecadados com o pagamento de multas ambientais deverão ser aplicados diretamente em fundo especial. 79 Não se pode confundir a vinculação da receita proveniente de multas ambientais, estipulada na lei nº. 9.605/98, com a destinação de impostos ambientais, os chamados “impostos verdes”, tendo em vista a vedação prevista no art. 167, IV, da CF. Afinal, trata-se de princípio tributário, que impede a destinação dos recursos gerados por impostos a qualquer órgão, fundo ou despesa. Contudo, essa disposição vem gerando grandes embates doutrinários, principalmente no ramo ambiental, podendo-se encontrar valiosas teses contrárias à proibição em contento. Argumentam os ambientalistas que os princípios constitucionais em choque devem ser ponderados, no sentido de se sobressair aquele que representar o maior valor em questão. A título de contextualização, oportuno se faz o ensinamento de Regina Helena da Costa: 75 IBGE. Perfil dos municípios brasileiros: pesquisa de informações básicas municipais – gestão pública 2001. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. 76 CARVALHO et al., 2005. 77 Ibidem, loc. cit. 78 Art. 167, IX. 79 Art. 73 c/c art. 76. 41 A regra do art. 167, da CF, impede que se destinem os recursos gerados por impostos ambientais para a criação de um fundo público, a exemplo do „superfund‟ dos Estados Unidos. Pensamos seja o momento de refletir-se sobre a utilidade da manutenção dessa regra, que, talvez não mais se justifique, uma vez que se constitui num embaraço à captação de recursos para o desenvolvimento de atividades voltadas 80 à preservação ambiental. Embora deparemo-nos frequentemente com ferrenhos embates doutrinários, a prática política parece manter-se inerte frente à adoção dos fundos especiais de meio ambiente, haja visto que apenas 6,6% dos Municípios brasileiros fazem uso de tal instrumento 81, fato que nos leva a questionar se os empecílios enfrentados encontram-se nos mecanismos postos ou nas autoridades eleitas. 4.6 OUTROS INSTRUMENTOS Além das disposições constantes no Estatuto das Cidades, analisado acima, o legislador constitucional e infraconstitucional dotou a Administração Pública de outros meios competentes para a prevenção de possíveis danos ambientais, bem como sua fiscalização e elaboração de políticas públicas de ordenamento territorial, ensejando o progresso da nação de forma sustentável, sem prejudicar, portanto, o direito ao meio ambiente equilibrado às presentes e futuras gerações, tal qual nos assegura a Constituição Federal. É preciso analisar, de modo geral, os instrumentos administrativos ambientais de que dispõem os Municípios para se ter uma noção da força que detém tais entes e da utilização, ou não, que fazem desses meios. 82 80 COSTA, Regina Helena da. Tributação Ambiental in FREITAS, Vladimir Passos de (org.). Direito Ambiental em Evolução. Nº. 1, 2. ed. Curitiba: Juruá, 2002. p. 314. 81 IBGE, 2003. 82 Objetivando a didática da pesquisa, apresentaremos alguns instrumentos compreendidos pela Política de Desenvolvimento Urbano e apresentados no Estatuto das Cidades (Lei nº. 10.257/2001), em sessão distinta, tendo em vista a amplitude das medidas, que perpassam a seara urbana a outras esferas ambientais, mas que devem ser mencionadas, eis que delegadas à competência municipal. 42 4.6.1 Espaços Ambientais Para assegurar a efetividade desse direito (ao meio ambiente ecologicamente equilibrado), incumbe ao poder público: Definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegiddos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. 83 (g.n.) O dispositivo constitucional mencionado alhures carrega em seu bojo importante previsão, garantidora de relevante instrumento de preservação ambiental e promoção do desenvolvimento sustentável, os espaços ambientais. Os espaços ambientais, regulamentados pela Lei nº. 9.985/200084, compreendem os espaços especialmente protegidos e os espaços destinados ao zoneamento ambiental. Por sua vez, divide-se os espaços essencialmente protegidos pelas chamadas Unidades de Conservação de Proteção Integral e Unidades de Conservação de Uso Sustentável. A todos os entes federados foi garantida a participação no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), razão pela qual dispõe o Município de importante instrumento de controle ambiental para auxiliar em seus planos governamentais. Por Unidade de Conservação deve-se entender o espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção. 85 Não cabe na presente explanação uma abordagem aprofundada das espécies de Unidades de Conservação, competindo-nos apresentar a essência do instituto, de uma forma ampla, capaz de contextualizar o leque instrumental detido pela entidade municipal no combate à degradação ambiental. Portanto, o SNUC compreende em uma série de medidas que visam assegurar a participação da sociedade no debate da Política Nacional de Unidades de Conservação, o envolvimento das populações locais, bem como Organizações Não-Governamentais e 83 Art. 225, §1º, III, CF. A Lei nº. 9.985, de 18 de julho de 2000, regulamenta o artigo 225, § 1º, incisos I, II, III e VII, da Carta Magna, e institui o Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza. 85 SZKLAROWSKY, Leon Frejda. SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Lei nº. 9.985/2000. Jul 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3076>. Acesso em: 23 out 2009. 84 43 privadas na gestão das unidades e, ainda, assegurar o uso sustentável dos recursos naturais e restauração e recuperação dos ecossistemas. 86 O que se pretende, portanto, é assegurar a máxima preservação com o mínimo impacto de áreas consideradas de risco ou de grande influência cultural, social ou, até mesmo, cênica, paisagística. Cuidou o legislador federal de disponibilizar ao poder público mecanismo competente para salvaguardar tais áreas em prol do incentivo a pesquisas científicas, proteção da fauna e flora nativas, etc., sem prejudicar, contudo, a cultura das populações extrativistas tradicionais, disciplinando o processo de ocupação e assegurando a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. Vários são os benefícios resultantes da implementação das Unidades de Conservação, eis que “contribuem de modo efetivo para a conservação da biodiversidade, o combate à grilagem de terra pública, a proteção de comunidades tradicionais e o desenvolvimento social e econômico com base no uso sustentável dos recursos naturais.” 87 Cumpre observar que as Unidades de Proteção Integral detém maior rigor com relação à interferência humana direta, limitando, assim, ao máximo as modificações ambientais da biota correspondente ao âmbito da unidade. A seu lado, as Unidades de Uso Sustentável são importantes espaços para a promoção do desenvolvimento sustentável, eis que admite maior interação humana com o ambiente, incentivando melhores práticas com relação aos recursos naturais, desenvolvendo atividades de educação ambiental, recreação e turismo ecológico, por exemplo. A composição orgânica do SNUC contará com a participação do CONAMA (como órgão consultivo e deliberativo), do Ministério do Meio Ambiente (como órgão central) e, como órgãos execultores, o IBAMA e os órgãos estaduais e municipais, com a atribuição de implementar o Sistema de Unidades de Conservação, administrando tais espaços nas respectivas esferas de atuação. A reserva da biosfera, constituída, por áreas de domínio público ou privado, é um modelo, adotado internacionalmente, de gestão integrada, participativa e sustentável dos recursos naturais, com os objetivos básicos de preservação da diversidade biológica, o desenvolvimento de atividades de pesquisa, o monitoramento ambiental, a educação ambiental, o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de 86 Ibidem. MERCADANTE, Maurício. Avanços na implementação do SNUC e desafios para o futuro. Disponível em: < http://assets.wwf.org.br/downloads/mauricio_mercadante_avancos_na_implementacao_do_snuc_e_desafios_par p_o_futuro.pdf>. Acesso em: 23 out. 2009. 87 44 vida das populações. A Reserva da Biosfera é reconhecida pelo Programa Intergovernamental “O Homem e a Biosfera – MAB”, estabelecido pela UNESCO, organização da qual o Brasil é membro.88 Embora figure como mecanismo viável e de valiosos resultados para as entidades federadas, Estados e Municípios ainda não detém presença marcante na Política Nacional de Unidades de Conservação, contando com pouca adesão ao referido instrumento, refletindo na baixa captação dos chamados recursos de compensação ambiental89, apenas 8% para os Estados e ínfimos 3% para os Municípios, do total de 409 milhões de reais recebidos até abril de 2007.90 Além das Unidades de Conservação, temos também o Zoneamento Ambiental como instrumento de salvaguarda dos chamados espaços ambientais, compreendidos aquele como medida não jurisdicional, oriunda do poder de polícia, que enseja a repartição do solo urbano municipal e a designação do seu uso.91 Embora fazer parte do rol dos instrumentos da política urbana, estabelecido no Estatuto da Cidade (art. 4º, III, c), o zoneamento ambiental possui uma representação ainda mais dilatada, pois está previsto no texto constitucional92 e incluído no rol dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente 93. Subdivide-se o zoneamento, ainda, nas modalidades de zoneamento para pesquisas ecológicas, zoneamento em áreas de proteção ambiental – APAs (Lei nº. 6.902/81), o zoneamento nos parques públicos94, costeiro e industrial. Trata-se de figura político-ambiental, destinada a ordenar o desenvolvimento das diferentes regiões de um território, levadas em consideração as aptidões naturais e culturais do referido espaço, de modo a proporcionar uma melhor execução das políticas públicas. O zoneamento ambiental objetiva disciplinar de que forma será compatibilizado o desenvolvimento industrial, as zonas de conservação da vida silvestre e a própria habitação do homem,[...] 88 SZKLAROWSKY, 2002. O art. 36, da Lei nº. 9.985/2000 destina 0,5% do valor total de empreendimentos com significativo impacto ambiental para a gestão de unidades de conservação de proteção integral. 90 MERCADANTE, Maurício. Avanços na implementação do SNUC e desafios para o futuro. Disponível em: < http://assets.wwf.org.br/downloads/mauricio_mercadante_avancos_na_implementacao_do_snuc_e_desafios_par p_o_futuro.pdf>. Acesso em: 23 out. 2009. 91 FIORILLO, 2002. p. 82. 92 Arts. 30, VIII e 182, CF. 93 Art. 9º, Lei nº. 6.938/81. 94 Art. 9º, Decreto nº. 84.017/79. 89 45 constituindo um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, porque a má distribuição do parcelamento e da ocupação do solo urbano colocam-se como 95 fatores de depreciação da qualidade de vida. O Município deve inventariar seus recursos naturais e procurar diagnosticar a vocação das diversas partes de seu território. Pode a União editar normas gerais sobre Direito urbanístico, entretanto, caberá ao Município elaborar seu Plano Diretor. 96 4.6.2 Estudo Prévio de Impacto Ambiental Previsto pelo constituinte no art. 225, § 1º, IV, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EIA é o instrumento indispensável para a expedição da licença ambiental pelo Poder Público, quando se tratar de atividade ou empreendimento com possibilidade de significativa degradação do meio ambiente. Anteriormente considerada uma faculdade do Poder Público, a exigência do EIA tornou-se ato indispensável, por determinação constitucional, quando se tratar das hipóteses mencionadas. Também classificado como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente97, o EIA deve acompanhar a apresentação do Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, ao órgão ambiental responsável, por parte do empreendedor ou pessoa responsável pela atividade potencialmente degradante. O estudo deverá ser necessariamente anterior à autorização do empreendimento e conterá a análise técnica de equipe multidisciplinar da atividade a ser implementada e sua repercussão ambiental, de modo a possibilitar um juízo de valor por parte do órgão público competente, delimitando as exigências a serem observadas quando da construção e execução da atividade/empreendimento. Nas palavras de Chambault 98, a função do procedimento não é influenciar as decisões administrativas sistematicamente a favor das considerações ambientais, o objetivo é dar às administrações públicas uma base séria de informação, de modo a poder pesar os interesses em jogo, quando da tomada de decisão, inclusive aqueles do ambiente, tendo em vista uma finalidade superior. 95 FIORILLO, op. cit., p. 79. LEME MACHADO, 1998. p. 304. 97 Art. 9º, III, Lei nº. 6.938/81. 98 LEME MACHADO, 1998, p. 161. 96 46 Será o projeto analisado, sopesando-se os interesses em jogo, com base no Estudo e Relatório apresentados, terminando, consequentemente, por uma avaliação favorável ou desfavorável. Cumpre observar que, ainda que previsto o dano ao meio ambiente, o projeto em estudo poderá ser devidamente aprovado, tratando a Administração pública de delimitar, na concessão da autorização, os pontos a serem obedecidos e aprimorados pelo empreendedor, de modo a diminuir os riscos de degradação potencial. Deve-se ter sempre em mente que a ordem constitucional proposta e os princípios da razoabilidade, da prevenção e da precaução não proíbem, a rigor, o estabelecimento e o funcionamento de atividades ambientalmente degradantes, desde que, contudo, sejam respeitados os limites legais. Outrossim, teríamos a inviabilidade da atividade econômica e o progresso das nações. Esse é o sentido do princípio do desenvolvimento sustentável, pelo qual será sempre possível almejar o progresso, desde que utilizados os recursos naturais de forma responsável. Em virtude do amplo alcance da medida, adotou o constituinte uma expressão genérica para objetivar a aplicação da norma ao caso concreto. Trata-se de técnica legislativa de bom senso, eis que o legislador já previa a grande repercussão que a expressão “significativa degradação do meio ambiente” 99 causaria, tanto que dispensou à legislação ordinária a incumbência de preencher tal lacuna, de modo a prever os casos de significativa degradação ambiental. Com o intuito de auxiliar o legislador infraconstitucional a complementar a referida norma, o artigo 8º, I, da Lei 6.938/81 delegou ao CONAMA a competência de estabelecer normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras. 100 Tais critérios podem ser específicos apenas se destinados aos órgãos federais, ou gerais, quando destinados aos órgãos estaduais e municipais, sob pena de invasão de competência.101 Ainda com todos esses mecanismos para nortear a atividade municipal, a CF estabeleceu uma presunção de que toda atividade é significativamente impactante ao meio ambiente, devendo o interessado comprovar o contrário. Servirá do Relatório de Ausência de Impactos Ambientais - RAIAS para tanto, anteriormente à apresentação do RIMA à 99 Art. 225, IV, CF/88. Seguindo o critério de competência legislativa, o Art. 3º, da Resolução nº. 237/97, do CONAMA, traz um rol de atividades necessariamente sujeitas ao licenciamento ambiental. 101 LEME MACHADO, 1998. p. 162. 100 47 autoridade ambiental competente, que o analisará e pronunciar-se-á acerca da ameaça, ou não, da atividade com relação ao meio ambiente, concluindo, consequentemente, acerca da necessidade de execução do EIA pelo proponente. O referido relatório será uma espécie de EIA, pois deve conter informações de técnicos habilitados e todo o conteúdo mínimo do Estudo Prévio. Desta feita, nada impede que o órgão ambiental competente para o licenciamento dispense a elaboração do EIA/RIMA, se comprovado pelo RAIAS que a atividade não causará um impacto significativo, podendo, todavia, ser exigidos estudos complementares (art. 3º, parágrafo único, Resolução nº. 237/97 CONAMA).102 O EIA será efetuado por equipe multidisciplinar, designada às expensas do empreendedor e sob a sua coordenação. Nesse ponto, outra disposição que vem gerando polêmica em sede doutrinária e jurisprudencial é a que trata da formação da equipe multidisciplinar, tendo em vista o disposto na Resolução nº. 237/97, do CONAMA, a qual revogou os artigos 3º e 7º, da resolução nº. 01/86, do mesmo órgão regulador. Dispunha a antiga disposição sobre a independência da equipe em relação ao empreendedor, sendo este um requisito de admissibilidade do Estudo, tamanha é a importância e a preocupação que se deve ter em assegurar à equipe uma atuação isenta de qualquer interesse. Contudo, passou o Conselho a adotar outra posição, admitindo a dependência da equipe ao empreendedor, desvirtuando, como foi dito, a fidedigna atuação dos técnicos na realização do estudo. Por outro lado, a resolução em tela prevê a responsabilidade direta do empreendedor pela elaboração do EIA, cabendo a este responder pelas informações ali contidas, reservando-se, por óbvio, uma possível ação de regresso contra os membros da equipe multidisciplinar. Outro requisito importante é a publicidade do EIA em órgão de comunicação adequado, capaz de informar e envolver a sociedade civil no processo de autorização, eis que maior interessada no processo. O trinômio empreendedor-Estado-sociedade deve ser encarado como requisito essencial para o êxito na missão de prevenção do dano ambiental. “A fase de comentários e a audiência pública caracterizam formalmente o relacionamento da Administração Pública com a população no procedimento do EIA.”103 Não se restringe ao órgão ambiental a apreciação do EIA, cabendo aos demais órgãos públicos se manifestarem quando relacionados direta ou indiretamente com o projeto. Deve o órgão relator (preferencialmente ambiental), portanto, encaminhar cópia do RIMA, para 102 103 FIORILLO, 2002, p. 73. LEME MACHADO, 1998. p. 193.. 48 conhecimento e manifestação dos referidos órgãos, bem como apontar um prazo razoável para que os demais se manifestem, evitando dessa forma a procrastinação da decisão final, sem dar margem à nulidade da decisão, por impedimento de manifestação. Nota-se que tal disposição não está prevista em lei, trata-se de conclusão de cunho doutrinário.104 A Resolução nº. 01/86, do CONAMA, não dispõe sobre um prazo específico para que o órgão ambiental competente conclua o projeto apresentado, mas prevê a obrigatoriedade da conclusão em um prazo razoável, a ser estabelecido, a contar da data do recebimento do RIMA. Países como Chile e Paraguai dispõem a respeito do prazo para conclusão do procedimento licenciatório em suas legislações ambientais, estabelecendo o rigoroso prazo de 120 e 90 dias, respectivamente. Deve-se ter cautela na imposição de prazos, pois não consulta ao interesse público e às necessidades sociais a precipitação e a superficialidade no processo de tomada de decisões. O decurso do prazo como manifestação de vontade da Administração Pública inverteria a hierarquia dos interesses a preservar e consagraria a supremacia do interesse privado frente à saúde e ao meio ambiente.105 A decisão do órgão competente não exige a realização de um contra-estudo, mas a análise profunda do Estudo apresentado, sob pena de recair a Administração Pública em atividade dispendiosa e desnecessária. Desta decisão responderá objetivamente o órgão público e, por via de regresso, os servidores responsáveis pelos danos que a decisão administrativa vir a causar, mesmo que baseada no EIA106, já que a equipe e o empreendedor responderão sob a modalidade subjetiva ou culposa. Embora previsto nas Constituições Estaduais, a exemplo de Amazonas (art. 235), Ceará (art. 264) e Pará (art. 225, § 1º), o procedimento de estudo do RIMA não contou ainda com a recepção devida nas legislações municipais, fator que compromete sobremaneira a atuação desse ente nas questões ambientais de sua competência. 104 Ibidem, p. 195. LEME MACHADO, 1998. p. 198. 106 Ibidem, p. 195. 105 49 4.6.3 Licenciamento Ambiental A relevância do instrumento é notória e sabiamente determinada no Decreto nº. 99.274/90, o qual determina às entidades governamentais de financiamento, bem como às gestoras de incentivos, que condicionem a sua concessão à comprovação do licenciamento ambiental. A despeito da equivocada utilização do termo licença ambiental, dispensaremos poucas linhas a respeito, por não perfazer o objetivo da pesquisa e apenas prolongar desnecessariamente a exposição do instituto. Desta feita, recaiu em erro o legislador pátrio ao adotar o termo licença como expressão para designar o ato administrativo resultante na autorização estatal para a execução de atividade ou empreendimento potencialmente causador de significativa degradação ambiental. Pelo seu caráter provisório, precário e discricionário, devemos reconhecer a correta aplicação do termo autorização para designar o ato final do licenciamento ambiental, amparada que está a expressão pelo parágrafo único, do artigo 170, da Constituição. Sanada a referida questão incidente, detenhamo-nos ao estudo de mais um instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, correspondente ao complexo de etapas que compõe o procedimento administrativo concessor da licença ambiental. 107 O licenciamento ambiental, amparado constitucional e infraconstitucionalmente 108, é dividido em três fases, compreendidas pela Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e, por último, Licença de Operação/Funcionamento (LO), dependendo da situação a que se encontre a atividade/empreendimento, sendo vedada a supressão de qualquer das etapas. Poderá o órgão ambiental solicitar, a qualquer tempo, a elaboração do EIA e seu respectivo relatório, bem como a realização de audiência pública, ainda que o proponente do projeto o tenha realizado em outras fases. Conforme abordado anteriormente, concluindo pela aprovação do EIA/RIMA apresentado, estará o órgão ambiental obrigado a conceder a autorização referente, porém, quando desfavorável o relatório, contará a aprovação com certo grau de discricionariedade do órgão licenciante, resultado da análise dos vícios e virtudes do empreendimento, interesses tutelados, etc. 107 108 Art. 1º, I, Resolução CONAMA nº. 237/97. Art. 225, § 1º, IV, CF/88 e Art. 9º, III, Lei 6.938/81. 50 Por essa razão, a decisão da Administração deverá ser fundamentada e motivada com base no EIA/RIMA apresentado, atuando o estudo, nas palavras do professor Fiorillo, como “elemento de restrição da discricionariedade que ele mesmo criou”. 109 Com relação à discricionariedade do procedimento, trata com rara sobriedade Paulo Affonso Leme Machado, no sentido de que: Fator positivo se as regras ambientais fossem vinculadas, pois que diminuiria a corrupção e a omissão administrativa. Contudo, há o perigo de imobilização da legislação diante das inovações científicas ou das abruptas modificações do meio ambiente.110 Objetivando auxiliar a competência concorrente para licenciar, estipulada pela CF, e estabelecer critérios práticos para a definição da atuação de cada ente federado, a notada Resolução nº. 237/97, do CONAMA, em seu art. 7º, prevê um único nível de competência aos licenciamentos. O referido artigo rechaça, portanto, a possibilidade de um licenciamento duplo, gerando aí uma hierarquização dos entes federados, ferindo a autonomia própria de cada ente político. Ao invadir a competência municipal autorizando obras ou atividades de repercussão meramente local, o licenciamento estadual passa a ser uma instância executiva superior ou revisora dos atos municipais, o que pode gerar grande prejuízo político e prático ao Município. 111 É, no mínimo, peculiar a previsão estabelecida no artigo 8º, da Lei 6.938/81, que dispõe sobre o termo “supervisão do IBAMA”. Segundo o mestre Leme Machado, o termo não deve ser entendido como grau de revisão por parte dele, pois a autonomia constitucional dos estados não lhe permitiria essa atuação. Merece ser entendida, portanto, como um tipo de fiscalização, em que o órgão federal ambiental poderá comunicar aos estados ou ao Ministério Público a ocorrência de desvios no cumprimento das diretrizes e critérios sobre o licenciamento.112 A respeito dos procedimentos fiscalizatórios, não somente pode o IBAMA exercer a competência supletiva de fiscalizar quando outro ente federado tiver o condão de licenciar o empreendimento, como também pode aplicar multa ao estado-membro que se quedar inerte. Esta é a posição da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. 113 109 FIORILLO, 2002. p. 65. LEME MACHADO, 1998, p. 307. 111 LEME MACHADO, 1998, p. 309. 112 Ibidem, p. 219. 113 AgRg 711.405. STJ. 2ª Turma. Rel. Min. Humberto Martins. Julgado em: 15/05/2009. 110 51 Os fundamentos do processo de licenciamento ficam a cargo do CONAMA, que fixará as diretrizes do procedimento a ser adotado em todo o país, estando defesa a criação de norma estadual, distrital ou municipal atenuando o rigor estabelecido pelo órgão federal, sob pena de invasão de competência. Nada impede, contudo, que os demais entes da Federação regulamentem procedimentos mais rigorosos, podendo estados-membros e Municípios, inclusive, ampliar as modalidades de licenciamento, se conveniente for, incluindo exigências próprias para cada fase. A autorização exarada pela Administração não representa direito líquido e certo, podendo, a qualquer tempo, ser cancelada ou revogada, nos casos de descumprimento de alguma condição da autorização, no primeiro caso, e quando houver revisão da autorização, no segundo. Desta forma, “as medidas apresentando caráter de autorizações de polícia não são criadoras de direitos e podem ser ab-rogadas ou modificadas”.114 A Lei nº. 9.605/98, que trata da tipificação dos crimes ambientais, estabelece pena de detenção de um a seis meses, ou multa, a quem estabelece atividade ou empreendimento potencialmente poluidor, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes. Incide nas mesmas penas quem deixa de apresentar EIA e assume o risco de produzir significativa e potencial poluição. Quem impede ou dificulta a ação fiscalizadora do Poder Público comete crime também, devendo ser incurso nas penas do art. 69, da referida lei, quais sejam, detenção, de um a três anos, e multa. 4.6.4 Auditoria Ambiental A Auditoria Ambiental é o instrumento pelo qual pode a Administração Pública monitorar a atividade ou empreendimento previamente licenciado, fiscalizando as medidas impostas e os mecanismos de controle das situações degradantes do meio ambiente. Será levada a efeito obrigatoriamente nas hipóteses em que as legislações estaduais e municipais assim a impor, ou quando o interesse do Estado a exigir, cabendo às atividades não abrangidas por estas hipóteses procederem à auditoria de forma facultativa. 114 VEDEL, 1982 apud LEME MACHADO, 1998, p. 218. 52 Seja qual for o caráter da realização da auditoria (facultativa ou obrigatória), deverá ela ser custeada pelo empreendedor e executada por pessoa, ou grupo de pessoas, pertencente ou não ao quadro funcional da empresa. Em sendo o caso de pertencer o auditor à empresa, deverá ele gozar de suficiente autonomia, de modo a realizar uma análise isenta de qualquer pressão ou jogo de interesses. Com relação à auditoria ambiental privada, Leme Machado dispõe que “o auditor de meio ambiente não deverá estar subordinado a outro diretor ou superior que esteja fora de uma direção de meio ambiente ou de auditoria.” 115 A Auditoria Ambiental destaca-se pela importância no atual cenário mundial, eis que destacada na Diretiva nº. 1.836/93, da antiga Comunidade Européia, como também no Princípio 1, da Carta Empresarial para um Desenvolvimento Sustentável, da Câmara Internacional de Comércio, elaborada ao final da II Conferência Mundial da Indústria sobre a Gestão do Ambiente, em Paris, 1991, que estabeleceu, dentre os princípios de gerenciamento ambiental, o de proceder regularmente a auditorias ambientais e avaliar o cumprimento das exigências internas da empresa, dos requisitos legais e destes princípios; e, periodicamente, fornecer as informações pertinentes ao Conselho da Administração, aos acionistas, ao pessoal, às autoridades e ao público. “A auditoria será sempre posterior ao EIA e deverá avaliar se as orientações contidas no estudo estão sendo observadas e se os métodos de controle ambiental estão sendo eficazes”. 116 Somente a licença de operação e a renovação do licenciamento poderão suceder a auditoria ambiental, tendo em vista o seu caráter mais rigoroso e delicado. A propósito, a renovação da licença tem se tornado um procedimento meramente formal, protocolar, sem nenhum engajamento do empreendedor, tampouco do Poder Público. Por esta razão, Leme Machado sustenta que a auditoria evitará que esse procedimento seja meramente uma rotina, criando condições para uma intervenção mais efetiva do órgão público ambiental.117 No Brasil, algumas legislações prevêm tal instrumento, mas poucas são incisivas ao ponto de vincular as atividades à obrigatoriedade da auditoria como o fazem as legislações fluminense118 e capixaba119. 115 LEME MACHADO, op. cit., p. 239. LEME MACHADO, 1998, p. 235. 117 Ibidem, loc. cit. 118 Lei nº. 1898/91, art. 5º. 119 Lei nº. 4802/93. 116 53 Nesses estados, certas atividades são obrigadas a submeterem-se à auditoria ambiental como requisito necessário à renovação da autorização ambiental. Nos casos das auditorias obrigatórias, o órgão público ambiental poderá elaborar um termo de referência, contendo orientações a serem seguidas em casos concretos ou, genericamente, no procedimento. Sempre que julgarem conveniente para assegurar a idoneidade da auditoria, os órgãos governamentais podem determinar que seja conduzida por equipes técnicas independentes.120 Há de se observar que a empresa não se eximirá da responsabilidade civil pelo fato de submeter-se à auditoria ambiental, exatamente como ocorre com a autorização ambiental. A auditoria poderá ser feita em confidencialidade, sem ultrapassar as portas da empresa, quando se tratar de procedimento meramente particular e facultativo. Somente será exigida a devida publicidade da auditoria nos casos em que o procedimento visar obter algum tipo de certificação de qualidade ambiental ou quando exigida pelo Poder Público. Não é descartada também a participação de Organizações Não-Governamentais – ONGs no procedimento da auditoria. Poderão essas entidades auditar livremente quem quer que seja, ainda que sem a anuência do empreendedor, devendo, nesse caso, se deter apenas às instalações externas. Por outro lado, aceita a auditoria por parte do empreendedor, poderão as ONGs colaborar com o Poder Público e proceder o exame no âmbito interno da empresa. O Poder Público e todas as pessoas que se acharem lesadas detém capacidade postulatória em sede de uma possível Ação Civil Pública para invocar o cumprimento da obrigação de fazer quando alguma empresa deixar de ser auditada, assim como poderão pleitear a obrigação de não fazer, se considerado inidôneo o auditor que houver executado a auditoria. 4.6.5 Agenda 21 local A Agenda 21, resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, compreende um protocolo de intenções, no qual os 178 países signatários se comprometem a estabelecer um plano de ações para o combate à poluição e ao desenvolvimento desenfreado. 120 LEME MACHADO, op. cit, p. 236. 54 Não se trata de uma agenda ambiental, é uma agenda para o desenvolvimento sustentável, que prevê ações concretas a serem implementadas pela sociedade civil e Poder Público, em todos os níveis (federal, estadual e local). 121 Nesse protocolo está prevista a adoção da chamada Agenda 21 local, como instrumento de planejamento de políticas públicas, envolvendo tanto sociedade civil quanto governo em um processo amplo e participativo de consulta a respeito das demandas ambientais, sociais e econômicas locais, envolvendo o debate entre os atores envolvidos, em busca de soluções para tais questões, através da implementação de ações concretas visando o desenvolvimento sustentável local. Não se trata de uma ação pontual, mas de um processo contínuo, regido pelos princípios da participação democrática e do desenvolvimento sustentável, eis que busca envolver, como dito, todos os setores da sociedade para a discussão das políticas públicas, tendentes a solucionar os problemas enfrentados no Município, buscando sempre a sincronização de aspectos como a preservação ambiental e o desenvolvimento sócioeconômico. A Agenda 21 local deverá, para o sucesso dos objetivos almejados, integrar o planejamento das políticas públicas, envolvendo todos os setores da sociedade, inclusive o Poder Público. Quanto a isto, embora tenhamos um ambiente democrático de discussão e tomada de decisões, não pode a administração municipal se imiscuir da responsabilidade que lhe cabe na condução do processo, tendo em vista a importância de seu papel na introdução de “novos atores” na gestão das políticas públicas. O processo deve começar internamente, propiciando uma reorganização e integração das políticas públicas, em todas as áreas do governo, envolvendo no debate conceitos de sustentabilidade, ou seja, preocupações ambientais atreladas a questões econômicas e sociais. Também deve promover a conscientização e a capacitação dos funcionários municipais e identificar e implementar as mudanças necessárias dentro do próprio governo. 122 A integração dos programas da política pública municipal perfaz ponto de destaque no instituto da Agenda 21 local, pois contribui sobremaneira ao combate às discrepâncias existentes nos diversos planos políticos da administração pública, ocasionados, principalmente, pela falta de diálogo entre os diversos órgãos e atores políticos de todos os 121 KRANZ, Patrícia. Agenda 21 local. Disponível em: <http://www.agenda21local.com.br>. Acesso em: 07 out. 2009. 122 KRANZ, Patrícia. Agenda 21 local. Disponível em: <http://www.agenda21local.com.br>. Acesso em: 07 out. 2009. 55 níveis da federação. Tem-se, portanto, uma estratégia coerente, que reúne os programas diversos já existentes, coordenando-os em prol de uma atuação eficiente e sustentável. Como se vê, a vontade política ainda é o motor para que toda essa engrenagem funcione corretamente. Contudo, temos na essência do protocolo em questão a sua grande contribuição social, qual seja, a participação democrática das discussões. Tal contribuição é louvável pois gera, na execução das políticas públicas, uma pressão popular que em outros tempos não existia, já que os sujeitos interessados foram trazidos para o cerne da questão, estando, assim, mais conscientes de seus direitos. Nesse sentido, conforme bem acentua Patrícia Kranz 123, [...] a Agenda 21 Local pede que a participação se dê em TODAS as etapas do processo, incluindo execução, monitoramento e avaliação. Este é um ponto importante para educar as comunidades e mantê-las envolvidas e comprometidas com os resultados do processo. Afora o enorme ganho social trazido, a Agenda 21 local pode gerar, ainda, importante retorno fincanceiro para o Município. Afinal, para Antonio Silveira Ribeiro dos Santos124: Ainda que presente uma Agenda Global ou Nacional, uma Agenda 21 local poderá fornecer ao Poder Público e à comunidade recomendações e diretrizes mais eficientes e reais em relação às condições sócio-econômico-ambientais que se apresentam, sem contar que só a discussão e a existência de uma Agenda 21 municipal fornecerá elementos para que aumente a conscientização, melhorando inclusive o prestígio ambiental do Município no cenário nacional e mundial, trazendo daí consequências importantes como a possibilidade de empréstimos das agências internacionais de fomento. Enfim, a Agenda 21 perfaz um modelo de democracia participativa tendente a ocupar o espaço da atual e retrógrada democracia representativa. 125 Por outro lado, os desafios são enormes, em virtude do grande leque de atores envolvidos, bem como da multidisciplinariedade e perpetuidade características do processo. Quanto ao último, temos que talvez o grande impecílio para a adoção da Agenda 21 local e sua correta execução seja a desvirtuação do referido espaço em instrumento de 123 KRANZ, Patrícia. Agenda 21 local. Disponível em: <http://www.agenda21local.com.br>. Acesso em: 07 out. 2009. 124 SANTOS, Antonio Silveira Ribeiro dos. Município e Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.aultimaarcadenoe.com/municipioambiente.htm>. Acesso em: 31 ago. 2009. 125 PORTUGAL, Gil. Agenda 21 local - É preciso entendê-la. 2000. Disponível em: <http://www.gpca.com.br/gil/art93.htm>. Acesso em: 07 out. 2009. 56 barganha política, tendo em vista a subversão dos objetivos propostos. Ademais, pela complexidade dos desafios propostos, vislumbra-se que a Agenda 21 local traga resultados a longo prazo, os quais não deverão ser tidos como obra de um governo, mas da continuidade de uma política séria e compromissada com o desenvolvimento sustentável. 4.7 POLÍTICA AMBIENTAL INTEGRADA Uma política ambiental integrada se dá com a conjugação dos instrumentos administrativos e legislativos que dispõem os Municípios em prol do manejo ambiental. Sua importância é demasiadamente reconhecida dentre os doutrinadores ambientais, pois a sua aplicação efetiva evita desperdícios financeiros e esforços humanos desnecessários, gerados em virtude de ações descordenadas do Poder Público, por vezes dúplices e, por outras, inexistentes. Conforme mencionado na apresentação do trabalho, existe no Brasil uma série de mecanismos capazes de integrar a política ambiental de um município, coube, portanto, a esta pesquisa expor o que acreditamos ser os principais. É importante atentar que os instrumentos existentes não se aplicam isoladamente, mas estão interligados de uma certa forma em nosso ordenamento jurídico-político. Por exemplo, o zoneamento ambiental de um Município restará prejudicado pela ausência do PDOT, o mesmo pode-se dizer do licenciamento ambiental, na inocorrência do EPIA. Portanto, tendo em vista a transcedentalidade dos mecanismos em questão, mister que haja uma política ambiental integrada, no sentido de sincronizar os órgãos da administração pública e os munícipes aos instrumentos de manejo que dispõem para enfrentar da melhor maneira as demandas ambientais da cidade. Em outras palavras, a Política Ambiental Integrada atuará como um guarda-chuvas das políticas públicas locais, coordenando-as para se atingir os fins propostos pela Administração. Ademais, enfrentamos um complicado paradoxo no Brasil, pois temos uma complexa legislação ambiental, por muitos considerada a mais avançada do mundo, sem aplicabilidade de fato, eis que desvirtuada da realidade na qual intenta ser inserida. Mister o magistério do 57 professor Édis Milaré126 ao abordar o abismo existente entre as estruturas formais e as estruturas reais, no país: Na raiz, está o desajuste acentuado entre as estruturas formais (legislação, planos e projetos governamentais, burocracia oficial etc.) e as estruturas reais (conscientização de políticas públicas, alocação e adminitratação dos recursos, o fosso existente entre a Adminitração Pública e os muitos segmentos da sociedade com sua cultura e organização próprias). É essencial para a efetividade da legislação ambiental que os Municípios brasileiros implementem políticas localizadas, de modo a estimular a instituição desses mecanismos, com o objetivo de conferir dinamicidade própria à gestão municipal do meio ambiente 127, característica-chave para a aplicação dos princípios da prevenção e precaução ambientais. Nesse diapasão, para que possamos contar com a referida integração das políticas públicas ambientais será primordial que a sociedade conte com o compromisso das autoridades locais, no sentido de promover uma repartição dos recursos orçamentários de forma mais inteligente e equilibrada, colocando o meio ambiente como questão priorística na atuação administrativa local. Em estudo à Pesquisa de Informações Básicas Municipais, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em 2001, Paulo Gonzaga M. De Carvalho e outros128 concluem que os instrumentos de Gestão Ambiental aparecem mais frequentemente nos municípios de maior porte populacional. Nestes municípios, com complexas funções urbanas, são mais elevadas as demandas por serviços públicos de qualidade e mais forte a pressão por ampliar o espaço de participação social nos processos decisórios. Infelizmente, esse é o retrato da gestão ambiental nos Municípios brasileiros, aonde a adoção de uma política ambiental integrada restringe-se aos grandes centros, compreendedo esta uma realidade distante nas demais cidades. 126 MILARÉ, 2001, p. 104. CARVALHO et al, 2005. 128 Ibidem, loc. cit. 127 58 5 CONCLUSÃO Diante de toda a questão debatida ao longo da exposição, será lícito reconhecer a importância da figura municipal no sistema federativo brasileiro, sobretudo com relação ao manejo dos recursos naturais. A princípio, podemos concluir que toda questão ambiental, seja qual for a sua dimensão ou alcance, afeta imediatamente à entidade municipal, passando ele, consequentemente, “a reunir efetivas condições de atender de modo imediato às necessidades locais, em especial em um país como o Brasil, de proporções continentais e cultura diversificada.”129 Reconhecida importância levou o ordenamento jurídico brasileiro contemporâneo a contemplar à figura do Município uma gama diversificada instrumentos capazes de ensejar uma atuação efetiva no manejo dos recursos naturais, bem como a consecução de uma política voltada à sadia qualidade de vida. Pudemos perceber que, principalmente após a promulgação da Constituição Federal, em 1988, a entidade política municipal recebeu autonomia para poder organizar sua estrutura política, jurídica e administrativa, recebendo, ao menos no papel, plenas condições de se estruturar e executar políticas específicas voltadas aos anseios e interesses locais. Nesse ponto, pudemos refutar a primeira premissa apresentada na pesquisa, com relação à falta de autonomia da entidade municipal. Ademais, verificamos um excesso de autonomia outorgada aos Municípios, em certos aspectos, pois, considerando todo o exposto, temos que a quantidade exorbitante de textos legislativos, bem como o alto grau de detalhamento permitido para as Leis Orgânicas Municipais, representam verdadeira exacerbação da autonomia local, resultando em um complexo conjunto de instrumentos direcionados a uma estrutura administrativa ainda singela, sem o devido grau de complexidade estrutural necessário para tornar efetivo o ordenamento jurídico ambiental. Com relação à organização administrativa desse ente federado, restou comprovado o abismo existente entre os 5.560 Municípios do país, pois embora encontremos entidades políticas muito bem estruturadas para combater as atividades danosas ao meio ambiente, temos, de modo geral, uma aberrante situação marcada pela precariedade das instituições ambientais locais, quando existentes. É possível concluir, sobretudo, que as dificuldades 129 FIORILLO, 2002. p. 61. 59 enfrentadas pelas entidades municipais no embate contra a degradação ambiental referem-se mormente a limitações de ordem financeira, jurídica e política. Tendo em vista o caráter multifacetário da questão, alguns pontos receberam a devida atenção no estudo, em virtude dos efeitos que acabam por refletir sobre a problemática em estudo, tais como as competências materiais ambientais, o poder de polícia municipal e, ainda, os novos instrumentos administrativos tendentes a democratizar as tomadas de decisões políticas dentro do Município. Considerando o disposto em relação ao confuso critério de repartição constitucional de competências, restou evidente a necessidade premente de elaboração da Lei Complementar referida no parágrafo único, do art. 23, da própria Constituição Federal, como uma das principais medidas para se contornar a controvertida questão. Desta forma, consignaria-se a atribuição da tutela ambiental de cada ente federado, organizando-se em lei específica a competência material outorgada a cada um deles, bem como as diretrizes gerais de organização dos órgãos ambientais, suas funções, etc., tudo isto como intuito de se evitar atuações descoordenadas, conflituosas ou, até, a falta delas, em decorrência do desconhecimento ou confusão dos critérios de repartição de competências. A importante atuação do poder de polícia ambiental municipal depende essencialmente da sistematização, ou como preferem alguns, da codificação da legislação ambiental federal, de modo a permitir uma atuação mais efetiva e coordenada das outras esferas de poder, tendo em vista as graves conseqüências resultantes do complexo emaranhado jurídico brasileiro. Por outro lado, vimos que a escassa organização administrativa ambiental brasileira vem caminhando, ainda que timidamente, a uma mudança do modelo democrático adotado. Assim, especialmente no âmbito municipal, já temos experimentado a implantação de modelos efetivamente democráticos de decisão e discussão do planejamento político local, tal como está posto nos conceitos de Agenda 21 local e Conselhos Ambientais Municipais, que superam a concepção arcaica de democracia representativa pela adoção dos princípios de uma democracia participativa. Possível concluir, ainda, que os novos conceitos de democracia participativa representam aspecto de grande relevância na atuação ambiental municipal, eis que vai de encontro diretamente ao maior empecilho enfrentado no combate ao desenvolvimento desenfreado atual, o desinteresse político. Tal evidência, que tanto desqualifica e desprestigia os instrumentos de manejo será efetivamente combatida com a proximidade dos atores sociais na discussão e tomada de 60 decisões no planejamento político de todas as esferas de poder, principalmente, nos Municípios, que têm enfrentado, particularmente, severas pressões em conseqüência da ingerência de autoridades descompromissadas. A proximidade da participação popular nos processos de elaboração e execução das políticas públicas forçará o comprometimento das autoridades políticas, permitindo a inclusão do Meio Ambiente à pauta do dia na elaboração dos programas políticos brasileiros, com a adoção de uma Política Ambiental Integrada, dotada dos recursos financeiros adequados, consequência de uma adequada repartição orçamentária, inexistente nos dias de hoje. Evidenciado está, portanto, que a entidade municipal, detentora da autonomia política outorgada constitucionalmente, carece de aperfeiçoamento do critério de repartição de competências, dos conselhos ambientais locais, bem como da sistematização da legislação ambiental existente para direcionar a atuação político-ambiental do Município coordenadamente com outras políticas locais, regionais e nacionais. Uma entidade municipal organizada sistematicamente constitui requisito básico para a atuação responsável das autoridades na execução das políticas públicas de manejo ambiental, sobretudo quando envolvida a sociedade civil no processo de tomada de decisões. 61 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS I - Meio impresso: FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 3.ed. ampl. São Paulo: Saraiva, 2002. 337 p. FREITAS, Vladimir Passos de (org.). Direito Ambiental em evolução. Nº. 1. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2002. 398 p. FREITAS, Vladimir Passos de. 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