Réus ficaram meses sob pressão até acordo Os 11 principais colaboradores da Lava Jato permaneceram, em média, três meses na cadeia até virarem delatores Fernando Baiano é o delator que mais tempo ficou preso até decidir pelo acordo: foram 9 meses e 22 dias GABRIELA TERENZI DE SÃO PAULO Ministério Público e advogados de alguns réus da Operação Lava Jato travam uma disputa em torno da relação entre prisões e a decisão dos investigados de firmarem acordos de delações premiadas. O debate voltou à tona com a decisão do lobista Fernando Baiano de fechar um acordo de colaboração, na última quarta (9), após quase dez meses de cárcere. Levantamento com os 11 principais colaboradores mostra que eles ficaram, em média, três meses presos antes de decidirem revelar o que sabiam sobre o esquema de corrupção na Petrobras em troca de penas mais brandas. Os delatores considerados foram o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, o exgerente da estatal Pedro Barusco, o doleiro Alberto Youssef, os lobistas Julio Camargo, Augusto Mendonça, Fernando Baiano, Mario Goes e Milton Pascowitch e os empresários Dalton Avancini e Eduardo Leite, da Camargo Corrêa, e Ricardo Pessoa, da UTC. Até o momento, eles foram os réus cujas revelações desencadearam maior número de inquéritos e denúncias. Baiano é o delator que mais tempo ficou preso até decidir pelo acordo: foram 9 meses e 22 dias na cadeia. Já Julio Camargo, Barusco e Augusto Mendonça se anteciparam e fecharam delações antes de serem presos ou denunciados. Os primeiros delatores, Paulo Roberto Costa e Youssef, ficaram, respectivamente, cinco e seis meses na prisão antes de colaborarem. O doleiro não ficou livre da prisão com as confissões. O acordo de Youssef, contudo, prevê que o tempo que ele já passou preso seja abatido da pena final. Ele foi condenado, até hoje, em quatro ações, que somam quase 40 anos de pena –mas seu acordo de colaboração garante que ele não passará mais que cinco anos em regime fechado. Baiano também não será liberado logo após o fim de sua delação. Como a Folha revelou, a expectativa é que ele fique, pelo menos, mais dois meses na carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Os demais delatores passaram ao regime de prisão domiciliar pouco depois que seus acordos foram homologados pela Justiça Federal. PARA NÃO VOLTAR Desse grupo, apenas Milton Pascowitch ainda não é réu na Justiça. Ele foi denunciado na mesma ação que o ex-ministro José Dirceu, mas o processo ainda não foi apreciado pelo juiz Sergio Moro. Dos outros dez delatores, cinco já foram condenados (Costa, Youssef, Avancini, Leite e Camargo) em primeira instância. Cada um deles tem penas de mais de 10 anos mas, graças às delações, não terão de retornar ao regime fechado, à exceção de Youssef. O ex-diretor da Petrobras já soma três condenações (de um total de 11 em que figura como réu), cujas penas somam 26 anos. Seu acordo de colaboração prevê que ele cumprirá as sentenças no semiaberto por até dois anos e, o restante, em regime aberto. Os dois executivos da Camargo Corrêa foram condenados a 15 anos de prisão, cada um, por três crimes. A colaboração liberou-os de cumprir pena em regime fechado. Camargo, condenado a 14 anos e réu em duas ações, irá direto para regime aberto. Omissões de delator podem elevar multa para R$ 70 mi Julio Camargo poupou Dirceu e Cunha em seus primeiros depoimentos Procuradores querem que ele pague R$ 30 milhões a mais por ter omitido três fatos, considerados graves MARIO CESAR CARVALHO ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA Omitir supostos crimes relacionados ao ex-ministro José Dirceu e ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), vai custar uma pequena fortuna ao executivo Julio Camargo, um dos delatores da Operação Lava Jato. A força-tarefa de procuradores que investiga desvios na Petrobras quer que ele pague R$ 10 milhões a mais por cada uma de três omissões, todas consideradas graves. Como Camargo aceitou pagar uma multa de R$ 40 milhões ao celebrar o acordo de delação, a conta final pode chegar a R$ 70 milhões. Camargo ficou famoso entre os delatores por ter escondido inicialmente dos investigadores que dera US$ 5 milhões ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) –o que o parlamentar sempre negou. Ele fez um acordo de delação em outubro do ano passado, mas só falou do suposto repasse em julho deste ano, quando a Procuradoria-Geral da República ameaçou romper o trato com ele. O valor seria de propina sobre a compra de dois navios-sonda pela estatal, um negócio de mais de US$ 1 bilhão. Camargo alegou que sofrera ameaças de Cunha para omitir a doação ilícita, o que o deputado também nega. Havia outros dois fatos omitidos na delação de Camargo, segundo o procurador Carlos Fernando Lima. Camargo escondera que repassara R$ 4 milhões a José Dirceu e que vendera 1/3 de um avião Cessna ao ex-ministro por R$ 1,07 milhão. A REVELAÇÃO O repasse dos R$ 4 milhões só foi revelado à Justiça em julho, nove meses depois dos primeiros depoimentos de Camargo. Ele só não contou a origem dos recursos. Eram parte da propina paga por duas empresas que fornecem mão de obra terceirizada à Petrobras, a Hope e a Personal, segundo investigadores. Outro delator da Lava Jato, Milton Pascowitch, ajudou os procuradores a desvendar as omissões. Ele contou que a Hope RH e a Personal pagavam R$ 800 mil mensalmente a Dirceu. Em troca, as empresas eram privilegiadas quando a Petrobras precisava de mão de obra terceirizada, segundo Pascowitch. Desde 2006, Hope e Personal têm contratos com a estatal que somam R$ 6,4 bilhões – elas negam irregularidades (leia texto abaixo). Pascowitch contou que passou a fazer essa tarefa depois que Dirceu desconfiara que Camargo embolsava parte do suborno que deveria repassar ao ex-ministro. Pascowitch revelou a compra do avião porque fora ele que pagara Camargo. Ele adquiriu 1/3 da aeronave em julho de 2011, na época do mensalão, quando o exministro passou a ser hostilizado em voos de carreira. Dirceu desistiu do avião porque jornalistas descobriram que ele passara a usar a aeronave. Pesou também na decisão o fato de o avião ter pertencido ao ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira e ter sido adquirido em uma transação com características de lavagem de dinheiro. Ao homologar o acordo de delação do executivo, o juiz federal Sergio Moro escreveu que, "apesar da relevância da colaboração, não foi Julio Camargo verdadeiro desde o início" e fixou a pena em cinco anos de prestação de serviços. Se tivesse contado tudo, a pena seria de três anos. Idas e vindas de Julio Camargo Lobista omitiu fatos em sua delação e deu novas informações após a Procuradoria ameaçar romper o trato EDUARDO CUNHA Camargo não informou em outubro, mas disse em seu depoimento de março, que pagou US$ 5 milhões ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), como propina sobre a compra de dois navios-sonda pela Petrobras, negócio de mais de US$ 1 bilhão JOSÉ DIRCEU Julio Camargo revelou apenas em julho, e não no seu primeiro depoimento, duas informações em relação ao ex-ministro: que repassou a ele R$ 4 milhões (que seriam parte da propina paga por duas fornecedoras da Petrobras) e que vendera a Dirceu um terço de um avião Cessna por R$ 1,07 milhão Ombdusman VERA GUIMARÃES MARTINS - [email protected] - @folha_ombudsman facebook.com/folha.ombudsman Bem-vindo ao festival de barrigadas Todo mundo errou ao dar a notícia da abertura de inquérito contra Aloysio Nunes e Aloizio Mercadante FOI um festival de barrigadas que pegou toda a imprensa no contrapé. Dos noticiários das TVs, começando pelo "Jornal Nacional", aos jornais diários e sites, não faltou quem reproduzisse a notícia de que o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, havia determinado a abertura de inquérito contra os ministros petistas Edinho Silva (Comunicação Social) e Aloizio Mercadante (Casa Civil) e o senador tucano Aloysio Nunes Ferreira. O trio foi citado no depoimento do delator Ricardo Pessoa, dono da UTC, entre os vários políticos cujas campanhas teriam recebido financiamentos da empreiteira. A história começou como um furo do "Jornal Nacional" de sábado (5), foi manchete de domingo (6) em "O Estado de S. Paulo" e de segunda-feira (7) na Folha. Foi comentada em coluna e ganhou mais de meia página em "O Globo". O engano só começou a vir à tona na terça-feira. O fato: a abertura de inquérito valia apenas para Edinho Silva, que foi tesoureiro da campanha da reeleição de Dilma Rousseff. A Procuradoria-Geral da República entendeu que os casos de Mercadante e Aloysio não estão ligados à Lava Jato e sugeriu que fossem redistribuídos para outro ministro do STF. Por sorteio, caíram nas mãos do decano Celso de Mello, a quem caberá decidir sobre a abertura de investigações para apurar possível crime eleitoral. Um erro coletivo como esse só evidencia como os controles de apuração são frágeis. É fácil entender a replicação de conteúdo errado em redes sociais, onde bastam o descompromisso e um clique para passar a história à frente. Nos veículos noticiosos, o primeiro mandamento é tentar confirmar a informação com mais de uma fonte antes de publicá-la. Se isso não for possível, a notícia será reproduzida e atribuída a quem a divulgou. O lado bizarro desse caso é que todos os veículos fizeram confirmações próprias –e todas estavam erradas. Parte do desastre se deve ao clássico apagão dos feriados, quando as Redações trabalham com metade da equipe, e as fontes praticamente desaparecem. Nesse meio a meio, não é difícil que repórteres de jornais diversos tenham ouvido as mesmas fontes mal informadas. Também não se pode ignorar que a pressão para confirmar ou desmentir o furo de concorrentes pode resultar em apurações apressadas –pressa que vale para a publicação, mas não para a admissão do erro. A Redação reconhece que os sinais de que o informe estava errado já haviam sido claramente emitidos pelo gabinete do ministro Teori na terça. O "Jornal Nacional" e o G1 publicaram suas erratas nesse mesmo dia. Na Folha, a correção saiu no digital na quarta e no impresso na quinta. Na sexta (11), o jornal publicou uma reportagem grande explicitando sem disfarce a gravidade do erro e deu chamada na capa. "Não há nenhuma justificativa plausível para a demora. Houve cochilo generalizado na Redação, inclusive desta secretaria", declarou Vinicius Mota, secretário responsável pela edição do jornal. Até a noite de sexta, não havia correção clara nos outros jornais, que deslizaram mansamente da informação errada para a certa ignorando o tropeço no caminho. Para o leitor desavisado, o problema chegou a passar despercebido. Apagões à parte, suspeito que o uso excessivo de fontes não identificadas seja um fator mais determinante desses erros de informação. O recurso do "off" deveria ser exceção, mas tem sido adotado de forma indiscriminada, principalmente após a eclosão da Lava Jato, um tema explosivo e de altíssimo interesse, cuja obrigatoriedade legal de sigilo só atiçou o vale-tudo. O anonimato alimenta o descompromisso da fonte com a veracidade da informação, facilita a publicação de notícia mal-ajambrada por falta de contraditório e propicia a plantação de boatos ou versões que atendem unicamente a interesses individuais ou de grupos. Deveria ser usado com moderação.