Al-Qaeda sob pressão Parte 2 — Iraque Análise Segurança Prof. Eugenio Diniz 24 de junho de 2005 Al-Qaeda sob pressão Parte 2 — Iraque Análise Segurança Eugenio Diniz 24 de junho de 2005 As informações disponíveis sugerem, embora não conclusivamente, um declínio da capacidade de ação global da rede terrorista Al-Qaeda, e uma redução de sua viabilidade como uma alternativa política para a parcela do mundo muçulmano que ela tentaria mobilizar1. Na primeira parte dessa análise (ver AlQaeda sob pressão — Parte 1), discutiu-se a situação geral da Al-Qaeda e as pressões para uma ação espetacular a que ela está submetida, em função de reveses e dificuldades que a rede terrorista enfrentou em 2004, após os atentados espetaculares de 11 de março, em Madri, Espanha. Pode-se, entretanto, levantar a questão: a Al-Qaeda não estaria então redirecionando as suas ações para o Iraque? Nesse aspecto, o primeiro ponto são as relações entre a Al-Qaeda e as atividades de Abu Musab al-Zarqawi e seus seguidores. Antes da invasão, esse grupo já fora mencionado pelo Presidente George W. Bush como sendo vinculado à Al-Qaeda e como estando presente no Iraque, com a tolerância do então presidente Saddam Hussein. Entretanto a natureza dessa vinculação permanece uma incógnita. Não há dúvida de que AlZarqawi se afirma parte da Al-Qaeda; em 2004, inclusive, seu grupo passou a se autodenominar Al-Qaeda na Terra dos Dois Rios, isto é, na Mesopotâmia, isto é, no Iraque. Foram detectadas diversas e insistentes tentativas da parte do próprio Al-Zarqawi de estabelecer contatos com a direção da Al-Qaeda. Não obstante, até as eleições nos EUA nenhuma das lideranças reconhecidas da Al-Qaeda havia corroborado essa afirmação. A questão que se põe é: faria sentido para a Al-Qaeda estar presente maciçamente no Iraque, como parte de uma decisão estratégica? Uma coisa é haver simpatizantes locais que, diante de uma oportunidade, combatem; outra coisa é uma decisão estratégica de concentrar esforços. Podemse levantar as seguintes dúvidas com relação aos méritos de uma decisão da AlQaeda em concentrar esforços no Iraque: • Em primeiro lugar uma concentração no Iraque implicaria reduzir ainda mais a capacidade de ação global da Al-Qaeda que era o seu principal trunfo. Haveria aqui um claro trade-off: ao concentrar recursos e, eventualmente, deslocar simpatizantes para o Iraque, a capacidade da Al-Qaeda de agir em outros locais poderia ser comprometida — pelo menos, a capacidade de agir com a expectativa de intensidade gerada www.pucminas.br/conjuntura 2 político —, ou ela atinge esse objetivo ou sua derrota é avassaladora. Se ela não se compromete com tanto, ou se sua tentativa pode ser de certa forma disfarçada, um sucesso poderia ser capitalizado, e uma derrota não seria um desastre. Comprometendo-se inequivocamente, porém, a situação se inverte: para obter um sucesso decisivo, a Al-Qaeda teria, aí sim, que inviabilizar completamente o processo político iraquiano: outro tipo de sucesso, conquanto significativo, não demonstraria sua capacidade de resistir aos EUA e aliados. Porém, um fracasso com grande empenho de recursos seria um desastre notório: implicaria a exposição pública da impotência da rede. pelos atos anteriores da Al-Qaeda, que ela agora é obrigada a atender, sob pena de transmitir as imagens de fraqueza, impotência e de que está perdendo a guerra. • • • Uma maciça presença da organização onde há grande concentração de forças hostis, particularmente dos EUA, tenderia a aumentar os riscos de captura de membros da Al-Qaeda e de comprometer sua segurança, pela inevitabilidade da multiplicação de informações decorrentes seja da captura de agentes, seja até mesmo da maior possibilidade de um exame atento do modus operandi da rede, a partir de uma grande quantidade de ações; a necessidade de comunicação e coordenação geraria maiores oportunidades de identificação dos canais de comunicação do grupo, pondo-os em risco. A Al-Qaeda estaria, por assim dizer, indo direto para a toca do lobo. No Iraque, a Al-Qaeda estaria ainda agindo onde seu inimigo estaria mais preparado para atuar — o que não parece fazer sentido para quem aposta suas fichas num curso de ação assimétrico. Toda a lógica da ação da Al-Qaeda repousaria sobre sua capacidade de, com poucos recursos, obrigar o oponente a dispersar suas forças, idealmente até o ponto de superextensão e de incapacidade de ação eficaz. Ao eventualmente concentrar-se no Iraque, a AlQaeda estaria facilitando o trabalho dos EUA. Se a Al-Qaeda se compromete inequivocamente com a inviabilização do processo político iraquiano bancado pela Coalizão liderada pelos EUA — ou, pelo menos, com uma fragilização significativa desse processo Portanto, uma aposta muito grande da AlQaeda no Iraque não pareceria compensar os riscos e custos ai envolvidos, exceto em um dos dois seguintes casos: • se a Al-Qaeda considerar que o Iraque é a hora da verdade, o momento do tudo ou nada. Nesse caso, aí, sim, não faria sentido poupar qualquer esforço ou recurso; • se não houver mais nada que ela possa fazer, e qualquer possibilidade de ação dependerá dos simpatizantes que estão atuando no Iraque. Ou seja, mais uma vez, a hora do tudo ou nada — embora por absoluta falta de alternativas. Até o início de novembro de 20042, havia uma evidente recusa da liderança da AlQaeda em reconhecer a existência de laços com os grupos terroristas3 atuando no Iraque. Entretanto, em 27 de dezembro de 2004, nova fita de bin Laden reconheceu Al-Zarqawi como sendo a Al-Qaeda no Iraque, louvando seus esforços e convocando os iraquianos a boicotarem as eleições de 31 de janeiro de 2005. Assim, a Al-Qaeda elevou o tom da sua participação no Iraque, engajando-se www.pucminas.br/conjuntura 3 pública, inequívoca e irremediavelmente com a sabotagem do processo político iraquiano, e apostando alto no sucesso de Al-Zarqawi. Tendo em vista que isso só se deu após o fracasso das diversas tentativas mencionadas anteriormente, essa inflexão aparentemente aponta para uma aposta desesperada, o momento do tudo ou nada por absoluta falta de alternativas. Essa impressão é reforçada pelo suposto apelo de Bin Laden a AlZarqawi — divulgado em fevereiro de 2005 —, em que o primeiro pede ao jordaniano que ataque os EUA. O ponto interessante aqui é o seguinte: tanto no caso de Al-Zarqawi estar atuando como parte da Al-Qaeda ou não, combatêlo implica simplesmente persistir no curso de ação atual que as autoridades iraquianas e as lideranças da Coalizão já vêm seguindo: • continuar ignorando seqüestros, atentados e execuções; • prosseguir nas negociações políticas com as outras forças iraquianas visando à realização de eleições, à formação do governo interino e à elaboração de uma constituição; • continuar reunindo as informações necessárias à identificação dos pontos ótimos de ação sobre os grupos terroristas atuando no Iraque; • continuar treinando e constituindo as Forças Armadas e forças policiais iraquianas; • identificar e neutralizar eventuais santuários — como parecia ser o caso de Al-Fallujah, por exemplo; • separá-los de qualquer tipo de apoio político, eventualmente por meio de demonstrações de força, como parece estar se iniciando agora também em Al-Fallujah; • incorporar ao processo político normal aqueles que se separarem de Al-Zarqawi, e tratar efetivamente como terrorista qualquer um que continuar lhe dando apoio. O que muda em função da existência ou não de laços entre Al-Zarqawi e a AlQaeda seria a magnitude do resultado — seja do resultado favorável do ponto de vista dos terroristas, seja do resultado favorável do ponto de vista da coalizão, e principalmente nesse último caso: se houver um comprometimento público e inequívoco das principais lideranças da AlQaeda com a inviabilização do processo político apoiado pelos EUA e sua coalizão no Iraque e esse processo seguir sem dramáticas alterações, a Al-Qaeda terá sofrido uma derrota política fragorosa4. Porém, isso não implicaria o fim da possibilidade de ocorrência de atentados no Iraque, ou mesmo em outros lugares. Haverá sempre lugares desprotegidos onde será possível fazer alguma coisa. Esta é a vantagem tática dos terroristas: não é possível defender todo lugar. Uma redução dramática e sustentada desses atentados terá que esperar uma total perda de expectativa de sucesso político significativo, bem como a existência regular de forças de ordem pública capazes de obter informações e punir recalcitrantes. Cada um desses processos pode ser relativamente demorado. Sobram, portanto, duas incógnitas no que se refere a atuação de terroristas no Iraque. A primeira é a extensão da atuação de grupos terroristas baathistas — isto é, compostos por gente ligada ao antigo regime do ex-presidente Saddam Hussein — que parecem, pelo menos em termos de visibilidade, ter reduzido a sua atuação. É possível que isso seja apenas aparente: afinal, os baathistas têm todo interesse em sabotar o processo político democrático iraquiano, mas têm menos interesse em aparecerem como responsáveis por atentados em que há mortes de iraquianos — e têm morrido em atentados muito www.pucminas.br/conjuntura 4 mais iraquianos Coalizão5. que soldados da A segunda incógnita refere-se ao curso de ação que será tomado pelo clérigo xiita Muktada Al-Sadr e por sua milícia, conhecida como “Exército do Mahdi”. Trata-se do grupo que se levantou no início de abril de 2004, e que depois ocupou uma mesquita em Najaf. Ambos parecem plenamente incorporados ao processo político democrático ora em curso no Iraque, embora ainda seja cedo para descartar tranqüilamente qualquer possibilidade de ação violenta por parte deles. Isso traz uma inquietação: se ela não tem capacidade de produzir impacto político significativo em locais onde ela já atuou, talvez sua única chance de produzir um atentado com altíssima visibilidade seja atuar em lugares absolutamente surpreendentes, em lugares onde eventualmente nunca houve acontecimentos semelhantes de grande porte. Se a pressão para agir for tão intensa quanto parece e as dificuldades são de tão grande magnitude, é bem possível que a pressão para agir leve a um atentado num lugar absolutamente surpreendente. Mais uma vez, essa análise é apenas tentativa, e pode ser que outras informações ou acontecimentos impliquem uma reavaliação do que foi dito aqui. de 2005. Disponível em http://premium.stratfor.com, acesso em 1 de março de 2005. Para uma análise desses grupos, e do porquê de chamá-los terroristas e não insurgentes, v. Os autores de atentados no Iraque. 3 Não há a menor dúvida de que as eleições de 30 de janeiro de 2005 foram um desastre para a Al-Qaeda e para Al-Zarqawi. Além disso, após as eleições, o processo político vem prosseguindo normalmente, apesar de ainda haver ataques, atentados e mortes. A Al-Qaeda e demais terroristas no Iraque viram sucessivamente frustradas todas as suas expectativas. Nesse momento, sua única esperança no Iraque é provocarem uma guerra civil entre xiitas e sunitas ou uma súbita reversão de esforços nos EUA — o que é praticamente impossível depois das eleições tanto nos EUA quanto no Iraque. Para uma análise mais detida, v. Diniz, op. cit. 4 Estimativas divulgadas em 2005 sustentam que os terroristas no Iraque estariam em torno de 15.000 a 17.000 pessoas; destes, os jihadistas seriam aproximadamente 1.000, e os demais seriam os baathistas. V. Barbara Starr. “Official: 13,000-17,000 insurgents in Iraq”. CNN.com, 9 de fevereiro de 2005, disponível em www.cnn.com. Acesso em 9 de fevereiro de 2005. O Iraq Index, da Brookings Institution, estima em 18.000 pessoas a “força total dos insurgentes” em fevereiro de 2005. Vide Brookings Institution. Iraq Index Updated March 7, 2005. Disponível em www.brookings.edu/iraqindex. Acesso em 9 de março de 2005. Para uma análise das necessidades e opções de cada um desses segmentos, v. Os autores de atentados no Iraque. 5 Essa análise aparece como parte de um texto apresentado no II Encontro Interinstitucional de Análise de Conjuntura, realizado no Rio de Janeiro em novembro de 2004, a ser publicado em breve. 1 V. “Purported bin Laden tape endorses alZarqawi”. CNN.com, 27 de dezembro de 2004. Disponível em www.cnn.com, acesso em 27 de dezembro de 2004; “Geopolitical Diary: Monday, Jan. 24, 2005”. Stratfor, 24 de janeiro de 2005. Disponível em http://premium.stratfor.com, acesso em 24 de janeiro de 2005; “Al Qaeda: Calling on AlZarqawi out of Desperation?”. Stratfor, 1 de março 2 www.pucminas.br/conjuntura