TRANSCRITOMA DO FUNGO CAUSADOR DA FERRUGEM NA SOJA, Phakopsora pachyrhizi De Carvalho, M.C.C.G.1*; Lopes, V.S.1, Nascimento, L.S.1; Nascimento, L.C.2; Carazzolle, M.F.2, Oliveira, M.L.C.S.3; Binneck, E.1; Abdelnoor, R.V.1; Marcelino-Guimarães, F.C.1 1 Embrapa Soja, Londrina-PR, 86001-970. 2Departamento de Genética, Evolução e Bioagentes, Unicamp, Campinas-SP, 13083-970. 3Departamento de Patologia/Faculdade de Medicina, Unesp, Botucatu-SP, 18618970. *E-mail: [email protected] Palavras chaves: Ferrugem asiática da soja, LCM, RNA-seq. Introdução Os fungos causadores da ferrugem pertencem a um grupo bastante diverso com mais de 6000 espécies e são considerados como um dos grupos de patógenos de maior importância econômica. Entre eles destacam-se os fungos causadores da ferrugem em trigo - Puccinia spp., eucalipto - Puccinia psidii, populus - Melampsora spp., café – Hemileia vastatrix, feijão – Uromyces appendiculatus e soja - Phakopsora pachyrhizi. Na soja, as perdas de produção decorrentes da ferrugem asiática (FAS) nas lavouras podem chegar a 80% ou mais dependendo das condições climáticas. A dispersão dos esporos (urediósporos) do P. pachyrhizi pelo ar pode alcançar centenas de quilômetros em poucos dias e, quando os esporos encontram o hospedeiro e condições climáticas favoráveis, o seu ciclo de infecção é iniciado. O esporo germina formando um único tubo germinativo que cresce sobre a folha até que ocorra a formação do apressório que exerce pressão sobre a parede levando a penetração da epiderme. O apressório se divide dando origem a hifa primária (hifa de penetração) que se multiplica entre as células epidérmicas. O patógeno tem acesso ao ambiente intracelular do hospedeiro a partir do desenvolvimento do haustório. O haustório penetra a célula do parênquima foliar formando uma estrutura de infeção separada do citoplasma hospedeiro pela membrana plasmática da célula vegetal, a matrix extrahaustorial e a membrana plasmática do haustório. Hifas adicionais emergem a partir da hifa primária e levam a formação de muitas outras estruturas de infecção e após 8 dias aproximadamente, é possível observar a formação de urédias na superfície foliar as quais irão liberar novos urediósporos. As plantas de soja podem apresentar quatro fenótipos distintos decorrentes da infecção com FAS: imunidade – caracterizada pela ausência de infecção e de sintomas, suscetibilidade – caracterizada pela formação de lesões foliares do tipo TAN e por altos índices de esporulação, tolerância – apresenta menores perdas de produtividade e lesões do tipo TAN, e resistência – identificada pela ocorrência de resposta de hipersensibilidade nos pontos de infecção com o fungo levando a formação de lesões do tipo RB, o grau de infecção e níveis de esporulação são frequentemente menores que nas plantas suscetíveis ou tolerantes. Entretanto, plantas classificadas como resistentes ou imunes a um determinado isolado do patógeno são suscetíveis a infecção quando outros isolados são considerados. A resposta de resistência contra patógenos adaptados é iniciada a partir do reconhecimento do gene de avirulencia (avr) do patógeno e seu gene de resistência (R) cognato, desencadeando a resposta denominada effector-triggered immunity (ETI) e normalmente culmina com morte celular ou resposta de hipersensibilidade no sítio de infecção (Dodds, 2010). Os genes R caracterizados até o momento na soja são proteínas citoplasmáticas codificadas pelos loci Rpp1-Rpp5 (Bromfield & Hartwig, 1980; Hartwig & Bromfield, 1983; Hartwig, 1986; Garcia et al., 2008), mas outras fontes de resistência ainda não identificadas parecem também atuar na resposta a FAS. Até o momento, somente um gene candidato a Rpp4 (Rpp4-C4) foi identificado em uma região correspondente a 2 cM no cromossomo 18, cuja sequência é similar a família do gene de resistência RGC2 de alface (Meyer et al., 2009). Assim, os genes avr correspondentes são proteínas secretadas pelo haustório que tem -1Workshops acesso ao ambiente intracelular do hospedeiro. Grandes avanços já foram alcançados desde a identificação da primeira molécula efetora de um fungo causador de ferrugem (Dodds et al., 2004); entre eles a otimização de técnicas que permitem a geração de bibliotecas enriquecidas em genes do patógeno durante a fase de infecção (Xu et al., 2011), e a disponibilização de informação genômica e proteômica de fungos biotróficos que podem ser usadas como referência (Duplessis et al., 2011), entretanto, os fatores de avirulência do P. pachyrhizi permanecem desconhecidos. Neste trabalho, a microdissecção a laser (LCM) foi utilizada como estratégia para capturar células foliares de soja em ativo processo infeccioso seguido do sequenciamento de alta performance (RNA-seq) para acessar os genes expressos nos sítios de infecção. Metodologia Obtenção do material biológico: O experimento foi instalado na Embrapa Soja, Londrina, Brasil, no modelo inteiramente casualizado, com três repetições. Uma população de P. pachyrhizi foi coletada no Estado do Mato Grosso, Brasil, e multiplicada por cinco gerações na cultivar brasileira suscetível BRSMS-Bacuri. Os urediniósporos coletados foram misturados em água destilada com 0,05% de Tween 20 (v/v) para uma concentração final de 130.000 esporos ml-1. Esta suspensão de esporos foi pulverizada sobre plantas no estádio de desenvolvimento V2. A mesma solução, sem esporos, foi usada para o tratamento de um grupo que serviu apenas como controle da infecção, submetido a falsa inoculação. Foram utilizadas neste estudo a linhagem de soja PI 561356, (gene resistência mapeado no GL G, próximo a Rpp1, comunicação pessoal Abdelnoor, R.V.), e a cultivar brasileira tolerante BRS231. Após a inoculação, as plantas permaneceram cobertas com sacos plásticos borrifados com água por 2 dias, para estimular o processo infeccioso e evitar a contaminação cruzada entre as amostras inoculadas e falso-inoculadas. Segmentos foliares contendo lesões com aproximadamente 1cm2 foram recortados a partir do terceiro trifólio de cada uma das três repetições biológicas e foram imediatamente fixados na solução de Farmer (75% etanol: 25% ácido acético) gelada. As amostras fixadas overnight foram, no dia seguinte, desidratadas e incluídas em parafina liquida seguindo o procedimento estabelecido por (Cai & Lashbrook, 2006). As laminas histológicas, produzidas a partir dos blocos parafinizados, foram coradas com fucsina acida e fast green imediatamente antes da microdissecção. Para a microdissecção foram utilizados os equipamentos PixCell II LCM system e CapSure Macro LCM (Arcturus). As células parenquimais isoladas dos sítios de lesão (Figura 1) foram mantidas no tampão de extração de RNA do Kit PicoPure RNA isolation (Arcturus) a -80 por duas semanas. Após esse período a extração de RNA foi finalizada e o RNA obtido foi diretamente utilizado nas reações de amplificação de RNA conforme especificado no manual do kit RiboAmp HS Plus (Arcturus). Cerca 18µg de aRNA de cada amostra (BRS231 e PI561356) foram destinados ao seqüenciamento pela plataforma Illumina Genome Analyzer GAAIIx utilizando a estratégia de paired-ends. Figura 1. Imagens da microdissecção das células parenquinais de plantas de soja infectadas com a FAS em cortes longitudinais (aumento de 40X). (A e D) Imagem antes da microdissecção, (B e E) Imagem após microdissecção -2Workshops mostrando a região de onde as células foram isoladas, (C e F) Imagem do cap mostrando as células capturadas pela microdissecção, (G) Imagem final do cap após o isolamento de diferentes sítios de infecção. Análise dos dados: Foram gerados aproximadamente 15 milhões de reads de 54 bases dos tecidos obtidos nos sítios de infecção com FAS de cada uma das cultivares (PI561356 e BRS 231). As reads foram alinhados contra o genoma da soja da cultivar Williams 82 (disponível em: http://www.phytozome.net/soybean) utilizando o programa TopHat (Trapnell et al, 2009). As sequências que não alinharam com o genoma de soja passaram por uma montagem de novo usando os programas EDENA (Hernandez et al, 2008) e CAP3 (Huang and Madan, 1999). Esses contigs foram anotados utilizando o programa BLAST (cut-off de evalue de 1e-5) contra 4 bancos de dados de sequências: (i) proteínas dos fungos biotróficos obrigatórios: Melampsora laricipopulina e Puccinia graminis f. sp. tritici (disponíveis, respectivamente, em: http://jgi.doe.gov/Melampsora e http://www.broadinstitute.org/annotation/genome/puccinia_group); (ii) banco de proteínas do NCBI (NR); (iii) banco de nucleotídeos do NCBI (NT) e (iv) sequências de clones BAC de Phakopsora pachyrizi (disponíveis no NCBI). As sequências que não apresentaram similaridade com as proteínas de outros fungos ou microorganismos e tiveram hits somente com planta no NR (ii) ou NT (iii) foram descartadas, restando 18.034 possíveis genes de Phakopsora pachyrhizi. Os 18.034 contigs foram buscados entre as proteínas secretadas de Puccinia spp. e Melampsora spp. no banco de dados Fungal Secretome Database http://fsd.snu.ac.kr (Choi et al, 2010) para a identificação de genes candidatos a efetores do patógeno. Resultados e Conclusões Os reads solexa seqüenciados formaram 39802 contigs dos quais 18034, não mapeados no genoma da soja e que foram mapeados nas sequências genômicas de P. phachyrhizi ou apresentaram similaridade com proteínas de outros fungos ou microorganismos foram consideradas como genes expressos pelo fungo. O grande número de transcritos acessado sugere fortemente que a captura de células especificamente localizadas nos sítios de lesão com FAS tenha promovido o acesso a uma porção representativa do transcritoma do fungo uma vez que é estimado haver uma variação de 6500 a 18000 genes que codificam para proteínas em fungos biotróficos obrigatórios (Kämper et al., 2006; Duplessis et al., 2011). Outro resultado que corrobora com esta idéia é a alta percentagem de contigs (12446 ou 69%) alinhados às sequências genômicas de P. pachyrhizi (Tabela 1). Tabela 1. Resumo dos resultados das diferentes estratégias de Blast utilizadas na anotação dos 18034 contigs identificados como expressos por P. pachyrhizi nos sítios de infecção. Contigs com Hit (evaule ≤ 10-5) Contigs sem Hit Blast(x) contra NR ncbi 4095 (22,7%) 13939 Blast(n) contra NT ncbi 4053 (22,5%) 13981 Blast(n) contra Genoma Phakopsora 12446 (69,0%) 5588 tBlast(x) contra Melampsora e Puccinia 4627 (25,7%) 13407 Estratégias para anotação Os resultados do Blast (Tabela 1) mostram haver conservação moderada entre as proteínas de P. pachyrhizi, Melampsora laricipopulina e Puccinia graminis f. sp. tritici, outros fungos causadores de ferrugem. Aproximadamente 1/4 das sequências acessadas representam genes previamente identificados e ainda há um grande número de sequências do patógeno -3Workshops que permanecem desconhecidas em função da falta de informação funcional sobre o genoma de P. pachyrhizi aliada a pequena sintenia recentemente estimada entre os genomas de fungos biotróficos obrigatórios (Duplessis et al., 2011). Outra informação relevante é que, assim como encontrado por outros pesquisadores, muitas das sequências disponibilizadas no NCBI como genes de plantas representam, na verdade, genes expressos pelos seus patógenos. 564 contigs retornam genes de planta no Blast(n) contra o NCBI, em sua maioria genes de clones de soja, mas ao contrário do esperado, não alinham com o genoma da soja. Por outro lado, 63 desses 564 contigs alinham nas sequências dos clones BAC do fungo e 309 são similares a proteínas de Puccinia ou Melampsora. Quando os 18034 contigs de P. pachyrhizi foram contrastados contra as proteínas secretadas pelos fungos Puccinia e Melampsora, 130 foram identificados como prováveis proteínas secretadas por P. pachyrhizi (evalue ≤ 10-5) e foram consideradas, portanto como candidatos a efetores. Novas análises para a busca de peptídeo sinal e presença de domínios conservados comumente encontrados nas proteínas efetoras até o momento identificadas, estão sendo realizadas para ampliar a identificação de prováveis efetores, além da anotação dos genes ainda desconhecidos. Referências Bibliográficas BAKKEREN, G. (2011). Gene discovery in EST sequences from the wheat leaf rust fungus Puccinia triticina sexual spores, asexual spores and haustoria, compared to other rust and corn smut fungi. BMC Genomics, 12:161. BROMFIELD, K. R.; HARTWIG, E. E. (1980). Resistence to soybean rust (Phakopsora pachyrhizi) and mode of inheritance. Crop Science, 20:254-255. CAI, S. & LASHBROOK, C.C. (2006). Laser capture microdissection of plant cells from tape-transferred paraffin sections promotes recovery of structurally intact RNA for global gene profiling. The Plant Journal, 48:628–637. CHOI J, PARK J, KIM D, JUNG K, KANG S and LEE YH (2010). Fungal Secretome Database: Integrated platform for annotation of fungal secretomes. BMC Genomics, 11-105. DODDS, P.N. and RATHJEN, J.P. (2010). Plant immunity: towards an integrated view of plant–pathogen interactions. Nat. Rev. Genet., 11:539–548. DODDS, P.; GREGORY J. LAWRENCE, Ann-Maree CATANZARITI, Michael A. AYLIFFE, and Jeffrey G. ELLIS. (2004). The Melampsora lini AvrL567 Avirulence Genes Are Expressed in Haustoria and Their Products Are Recognized inside Plant Cells. The Plant Cell,16:755–768. DUPLESSISA, S.; CUOMOB, C.A.; LINC, Y-C.; AERTSD, A.; TISSERANTA, E.; VENEAULT-FOURREYA, C.; JOLYE, D,L.; HACQUARDA, S.; AMSELEMF, J.; CANTARELG, B.L.; CHIUH, R.; COUTINHOG P.M.; FEAUE, N.; FIELDH, M. et al. (2011). Obligate biotrophy features unraveled by the genomic analysis of rust fungi. PNAS, 108, 22:9166-9171. GARCIA, A.; CALVO, É. S.; KIIHL, R. A. de. S.; HARADA, A.; HIROMOTO, D. M.; VIEIRA, L. G. E. (2008). Molecular mapping of soybean rust (Phakopsora pachyrhizi) resistance genes: discovery of a novel locus and alleles. Theoretical And Applied Genetics, 117(4):545-553. HARTWIG, E. E. (1986). Identification of a fourth major gene conferring resistance to soybean rust. Crop Science, 26(6):1135-1136. HARTWIG, E. E.; BROMFIELD, K. R. (1983). Relationships among 3 genes conferring specific resistance to rust in soybeans. Crop Science, 23:237-239 HERNANDEZ D, FRANÇOIS P, FARINELLI L et al (2008). De novo bacterial genome sequencing: Millions of very short reads assembled on a desktop computer. Genome Res., 18:802-809. HUANG X and MADAN A (1999). CAP3: A DNA Sequence Assembly Program. Genome Res., 9:868-877. TRAPNELL C, PACHTER L and SALZBERG, SL (2009). TopHat: discovering splice junctions with RNA-Seq. Bioinformatics, 25(9): 1105-1111. KÄMPER J, et al. (2006). Insights from the genome of the biotrophic fungal plant pathogen Ustilago maydis. Nature 444:97–101. MEYER, J.D.F.; SILVA, D.C.G.; YANG, C.; PEDLEY, K.F.; ZHANG, C.; VAN DE MORTEL, M.; Hill, J.H.; SHOEMAKER, R.C.; ABDELNOOR, R.V.; WHITHAM, S.A.; GRAHAM, M.A. (2009). Identification and Analyses of Candidate Genes for Rpp4-Mediated Resistance to Asian Soybean Rust in Soybean. Plant Physiology, 150:295–307. XU, J.; LINNING, R.; FELLERS, J.; DICKINSON, M.; ZHU, W.; ANTONOV, I.; JOLY, D.L.; DONALDSON, M.E.; EILAM, T.; ANIKSTER, Y.; BANKS, T.; MUNRO, S.; MAYO, M.; WYNHOVEN, B.; Ali, J.; MOORE, R.; MCCALLUM, B.; BORODOVSKY, M.; SAVILLE, B.; -4Workshops