Anais do XIX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178
Anais do IV Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420
23 e 24 de setembro de 2014
REPRESENTAÇÕES DO FEMININO NA MÚSICA DE
RITA LEE
Caroline Sousa Carvalho
Maria Inês Ghilardi Lucena
Faculdade de Letras
Centro de Linguagem e Comunicação
[email protected]
Grupo de Pesquisa Estudos do Discurso
Centro de Linguagem e Comunicação
[email protected]
Resumo: Este trabalho de Iniciação Científica – Representações do feminino na música de Rita Lee –
realiza uma reflexão sobre o gênero feminino e suas
representações nas canções da compositora brasileira Rita Lee. Insere-se na linha de pesquisa Discurso e identidade: representações de gênero e de
poder, do grupo Estudos do Discurso e é parte do
Plano Geral de Pesquisa No fio do discurso: identidades e representações. Trata-se de pesquisa documental, cujo tema são as mulheres retratadas em
canções de Rita Lee, compositora, cantora, atriz e
instrumentista reconhecida como a rainha do rock
brasileiro. O enfoque da pesquisa foram as formas
de representação feminina no discurso dessas canções, por meio da análise de algumas de suas letras
de música. Foi efetuada uma busca pelas marcas
discursivas relacionadas às questões de identidade
do gênero feminino e suas relações de confronto ou
de convivência com o masculino, durante uma época de significativas transformações das mulheres no
mundo contemporâneo. A Análise do Discurso de
orientação francesa (AD), como suporte teórico, nos
conduziu na pesquisa e nos auxiliou na busca de
possibilidades de respostas às questões do cotidiano dos brasileiros no que diz respeito às relações de
gênero e de poder ao longo da história e, principalmente, no mundo pós-moderno.
de se pronunciar, de falar de si mesmas e de todas
as questões que a elas dizem respeito e o melhor:
com sua própria voz, sendo autoras de seu próprio
discurso.
Palavras-chave: discurso musical, gênero feminino,
música de Rita Lee.
Área do Conhecimento: Linguística, Letras e Artes
– Teoria e Análise Linguística.
1. INTRODUÇÃO
Ao longo da história, as mulheres sofreram repressões imensuráveis. Sendo confinadas, silenciadas e
representadas pelo olhar masculino, sua luta pelo
reconhecimento como membro social e intelectual
percorreu e percorre, ainda nos tempos atuais, um
longo e conflagrado percurso. Após um estado de
submissão secular e um silenciamento físico e intelectual, as mulheres vêm, nas últimas décadas, finalmente conquistando, progressivamente, o direito
Com a conquista de direitos sociais e políticos, as
mulheres têm conseguido, pouco a pouco, romper
barreiras que até então impossibilitavam sua expressão intelectual e, consequentemente, uma produção artística originalmente feminina. Desse modo,
podemos dizer que a história das canções está diretamente relacionada à transmutação da condição
social feminina, uma vez que as letras de músicas
são não só interpretadas, mas também compostas
por mulheres como consequência de todo um processo de conscientização de sua situação social.
Desse modo, acreditando que a obra de Rita Lee,
uma mulher considerada à frente de seu tempo, carrega em si uma diversidade de imagens e representações femininas, buscou-se, neste estudo, verificar
o modo como a cantora e compositora constrói as
imagens da mulher e do universo feminino em seu
discurso e até que ponto as condições sociais de
produção são determinantes para essa construção
discursiva. Concomitante a isso, buscou-se, também, observar o modo como a identidade feminina é
representada em cada canção e como e em que
momento elas se modificam e se transformam, uma
vez que, com a multiplicação dos sistemas de significação e representação cultural, há também uma
desconcertante multiplicidade de identidades possíveis que estabelecem a existência de sujeitos multifacetados.
2. A ANÁLISE DO DISCURSO
A Análise de Discurso de linha francesa (AD) surgiu
na década de 1960, associada a uma prática escolar
francesa: a explicação de textos. Um método que,
de acordo com Maingueneau [1], articula, por meio
da interdisciplinaridade, pressupostos teóricos da
Linguística, do Materialismo Histórico e da Psicanálise na comunicação. A AD é definida, inicialmente,
como o estudo linguístico das condições de produ-
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ção de um enunciado, no entanto, a prática não se
de limita a um estudo puramente linguístico, isto é,
analisar somente a parte gramatical, mas, sim, leva
em consideração outros aspectos externos à língua,
que são parte essencial de uma abordagem discursiva, tais como elementos históricos, sociais, culturais e ideológicos, que cercam a produção de um
discurso e nele se refletem.
Podemos ainda afirmar que a AD é uma disciplina
que estuda a linguagem e tem como principal objetivo analisá-la em um contexto sócio-históricocultural, lugar em que o sujeito, por meio da linguagem, apregoa suas intenções ideológicas, sociais e
políticas, e todo o mais que vier emparelhado a esses significantes. De acordo com Charaudeau e Maingueneau [2], tem-se, na AD, “a linguagem como
objeto de estudo”, uma vez que ela é “produtora de
sentido” em uma “relação de troca”, visto que traz
em si mesma o signo de uma coisa que não está
nela, mas da qual é portadora.
Fundamentos da Psicanálise também alicerçaram
explicações para os processos de representação
presentes no texto/discurso, construído por interações discursivas (intertextualidade) e por um sujeito
fracionado que tem a ilusão de ser único e original: é
necessário salientar que, a partir da teoria fundamentada por Mikhail Bakhtin [3], filósofo russo, pensador e pesquisador da linguagem humana, nenhum
discurso é original. Desse modo, o falante, ao pronunciar/reproduzir determinado discurso, tem a ilusão de ser a origem do discurso, porém, essa sensação de autoria singular limita-se puramente à ilusão, uma vez que ao falar/ enunciar/ reproduzir determinado discurso o enunciador traz, em seu texto,
diversas vozes – fenômeno denominado “polifonia”.
Além disso, é importante mencionarmos a grande
importância da análise das condições de produção
para a atribuição de sentidos, uma vez que o discurso deve levar em conta os interlocutores, suas crenças e valores, a situação em que ele é produzido
(contexto), o lugar e o tempo histórico em que foi
produzido. A AD, ainda, leva em conta as construções ideológicas presentes no discurso, na busca
dos efeitos de sentido.
3. RELAÇÕES DE GÊNERO E PODER
Ao longo de boa parte da história da humanidade,
mulheres e homens desempenhavam papéis sociais
extremamente diferentes, uma vez que a vida social
pressupõe expectativas classicistas e sexistas comportamentais entre os indivíduos, e dos indivíduos
consigo mesmos (na composição de sua autoimagem). São, então, difundidos padrões comportamen-
tais que variam de acordo com diversos fatores,
como classe social, posição na divisão social do trabalho, grau de instrução, credo religioso e, principalmente, o sexo biológico da pessoa. Desse modo,
o gênero possui grande ou total influência no que diz
respeito à distribuição de funções sociais, em todos
os âmbitos da sociedade, que são determinadas e
prescritas a cada indivíduo a partir de seu sexo biológico.
O papel social desempenhado pelas mulheres tem
sido, durante anos, o mais estudado e discutido
dentro da temática “gênero e poder”, visto que a
desigualdade sexual acabou ocasionando, ao longo
dos séculos, um grande prejuízo para o sujeito do
sexo feminino, uma vez que há uma dificuldade em
compreender que, enquanto o sexo da pessoa está
ligado ao aspecto biológico, o gênero (ou seja, a
feminilidade
ou
masculinidade
como
comportamento, identidade e potencialidade) é
determinado a partir de uma convenção cultural e
ideologicamente forjada/elaborada, fruto da vida em
sociedade, daí a luta pela igualdade social de
gêneros.
4. SOBRE RITA LEE E SUA MÚSICA
Figura 1. Rita Lee durante apresentação.
Rita Lee esteve presente em momentos marcantes
da música brasileira. Desde Os Mutantes, passando
pela Tropicália até chegar à carreira solo, ela nunca
se contentou em ser apenas uma grande cantora: é,
acima de tudo, uma mulher excepcional e não há
dúvidas de que Rita representa a transgressão e
evolução social do sexo feminino como ninguém.
Suas canções possuem uma ironia particularmente
ácida e, também, na maioria das vezes, reivindicam
a independência feminina, além de abordarem temas e assuntos considerados tabus tanto no século
anterior quanto no atual. Em suas canções, Rita defende, com eloquentes argumentos, a liberdade de
expressão feminina, bem como sua autenticidade e
seu poder perante a sociedade e critica o posicio-
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namento secundário que as mulheres, infelizmente,
ainda ocupam na sociedade. A canção Ovelha Negra exemplifica isso, uma vez que conta a história
de uma jovem que incomoda seus pais e os próximos de si com seu modo “rebelde” de ser e que,
mesmo contra a vontade de muitos, se mantém persistente em sua filosofia de vida. Além disso, Rita
Lee Jones de Carvalho impressiona os interlocutores, uma vez que consegue realizar um contraponto
entre o pensamento basicamente universal e, mais
audaciosamente dizendo, comum, e o pensamento
mais evoluído e humanista.
Algo constante nas canções da compositora são
espécies de mensagens-conselhos para as mulheres (principalmente) e os homens da atualidade. São
mensagens que desmitificam a figura imensamente
potencial masculina e que também rompem a teoria
de que toda mulher deve se portar de forma submissa ao homem e ao sistema, justo ao contrário,
suas canções procuram teoricamente solucionar
problemas sociais e, em muitos casos, de gênero –
tema aqui tratado –, de forma clara e direta, apontando erros, fazendo críticas, analisando, codificando e procurando, assim, encontrar soluções coerentes e funcionais que possam de certa forma “curar”
tamanha cratera social que há muito existe.
É também importante salientar que, como afirma
Bauman [4], em tempos de “modernidade líquida”,
como o que se vive atualmente, em que a fluidez e a
movimentação fazem parte das novas formas de se
pensar as relações de gênero, todos estão em crise
de identidade: homens e mulheres procuram seu
lugar na sociedade.
O enfoque fundamental desta pesquisa foram as
representações do gênero feminino no discurso das
canções de Rita que, apesar de pertencer a um estilo musical mais restrito, o rock, categoriza-se, também, num patamar popular, visto que as canções
aqui analisadas foram altamente difundidas e apreciadas pela sociedade, provavelmente por tratarem
de um tema não muito debatido em determinadas
épocas.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar canções da cantora e compositora Rita
Lee, foi possível observar a representação da identidade feminina que, inserida nesse contínuo e infinito
processo de transformação e ressignificação cultural, não pode mais ser vista como um sujeito único,
pleno e homogêneo.
As incontestáveis marcas históricas da submissão
feminina e da dominação feminina com relação ao
pensamento masculino ainda constituem a identida-
de da mulher pós-moderna, entretanto, as mulheres,
hoje, transitam entre os diferentes papéis sociais e,
para cada posição/função assumida, há também
uma nova possibilidade de se identificarem. O sujeito da contemporaneidade busca novas formas de se
identificar no mundo em que vive, e as várias transformações culturais, políticas e sociais que presenciou e sofreu, ao longo dos tempos, são refletidas
nas características híbridas das identidades na pósmodernidade.
O discurso de Rita Lee tende, portanto, a desconstruir estereótipos da mulher, ampliando, alegoricamente, as possibilidades do universo feminino. Uma
de suas principais estratégias discursivas está em
complexificar a imagem da mulher, tornando-a demasiadamente ampla para ser adequada a um ou a
outro polo ideológico/social. A transgressão, a rebeldia, e a firmação da potencialidade feminina são,
também, características constantes nas composições da autora, como verificado na maioria das canções analisadas neste trabalho, tais como Ovelha
Negra (1975), Cor de Rosa Choque (1982), (Rebeldade (2000) e Pagu (2000), características essas
tradicionalmente consideradas negativas por confrontarem com padrões histórica e socialmente legitimados.
Além disso, Rita Lee insere, em seu discurso musical, questões biológicas da mulher muito pouco retratadas principalmente em textos artísticos e musicais. Um exemplo disso está a música Cor de Rosa
Choque (1982) que tem como uma de suas temáticas a menstruação feminina e o modo como essa
questão biológica afeta as mulheres no que diz respeito ao seu comportamento e identidade. Menopower, outra canção composta por Rita Lee no ano de
1993, também tem como temática as transformações biológicas, só que, neste caso, a questão biológica é principal tópico temático. A transmutação
biológica descrita em Menopower dialoga com a que
nos defrontamos em Cor de Rosa Choque, só que,
desta vez, ocorre o contrário: são as alterações biológicas, comportamentais e indentitárias do término
efetivo do ciclo menstrual feminino. Juntamente a
isso, são abordados aspectos referentes ao envelhecimento da mulher e a como ela se sente em relação a essa fase da vida.
Outra questão digna de apontamentos é a criticidade
com que Rita lida com seu próprio gênero, seu próprio sexo. São descritas, em suas canções, representações femininas que ora condizem e apoiam a
causa feminina, bem como o empoderamento da
mulher na sociedade, ora contradizem, uma vez em
que há, também, em algumas de suas canções,
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como por exemplo em Pra você eu digo sim (2001),
representações mais frágeis do feminino, enviesadas por um raciocínio histórico e solidificado socialmente que coloca a figura feminina em uma categoria humana e socialmente inferior, considerando-a
um ser mediano e com pouca inclinação a assuntos
relevantes, um sujeito que se aloja na superficialidade instantânea das coisas, no sentimentalismo e na
insegurança de seus atos. Essa hibridização identitária e representativa nas canções de Rita reforça,
ainda mais, a importância de se observar o contexto
histórico e as condições de produção de determinado discurso, bem como a ideologia presente nas
épocas e décadas contemporâneas à criação do
discurso, fortalecendo ainda mais a teoria analítica
discursiva de que não há nada melhor que a própria
sociedade e os indivíduos que nela vivem para contextualizar e atribuir sentidos ao discurso.
REFERÊNCIAS
[1] MAINGUENEAU, Dominique. Gênese dos Discursos. Tradução de Sírio Possenti. Curitiba: Criar
Edições. 2005.
[2] CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do discurso. Coord. da
tradução: Fabiana Komesu. 2. ed., 2. Reimpressão.
São Paulo: Contexto, 2008.
[3] BAKHTIN, Michail. Estética da criação verbal. 2.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
[4] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
Figuras:
Figura 1:
Rita Lee: “uma bruxa malvada”? Disponível em:
<http://nucleogenerosb.blogspot.com.br/2010/08/htt
pwww.html> Acesso em: 09 Ago. 2014.
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Resumo expandido IC 2014 - Caroline de Sousa Carvalho