DIVERGÊNCIAS NAS RECOMENDAÇOES DE ADUBAÇÃO/CALAGEM ASSOCIADAS À VARIABILIDADE ANALÍTICA ENTRE LABORATÓRIOS Guilherme Bes da Rosa (1); Felipe Corrêa Veloso dos Santos (2); Lucas Silva Barros (1); Alexandre Puglisi Barbosa Franco (3); Vladia Correchel (4) (1) Graduando em Agronomia, Escola de Agronomia e Engenharia de Alimentos (EA), Universidade Federal de Goiás (UFG), Dep. Solos, Rod. Goiânia-Nova Veneza, Km 0, campus II-Samambaia, Goiânia, GO, 74.001-970. guilherme.bes@hotmail;. (2) Mestrando em Agronomia (Solo e Água); Escola de Agronomia e Engenharia de Alimentos, Laboratório de Física do Solo; Universidade Federal de Goiás, Rod. Goiânia / Nova Veneza Km 0, Campus Universitário II, Goiânia, GO, CEP 79001-970; (3) Diretor, Impar Com. De Equipamentos P/ Agricultura de Precisão Ltda.; (4) Prof.(a). Dr.(a), Universidade Federal de Goiás, Escola de Agronomia, Dep. Solos, Rod. Goiânia - Nova Veneza, Km 0, campus II - Samambaia, Goiânia, GO, 74.001-970. Resumo – As análises de solo são a base para se fazer uma recomendação de calagem e adubação que se aproxime ao máximo das exigências da cultura. Os laboratórios de analise de solo encontram-se distribuídos em grande parte do território nacional, podendo atender as mais diferentes regiões, mas seguem padrões nas determinações laboratoriais, com padrão de qualidade certificado a nível nacional pela EMBRAPA, embora existam outros Programas de Controle de Qualidade de Análises de Solo no Brasil. Porém mesmo com a fiscalização feitas nos laboratórios ainda há discrepâncias encontradas nos resultados de análises de solo quando laboratórios são comparados. O objetivo desse trabalho foi comparar os resultados de análises de solos de diferentes laboratórios com os valores determinados por um laboratório considerado referência, tomando-o como padrão para a avaliação. A amostragem do solo foi feita em mini-trincheiras abertas no centróide georreferenciado de 77 células formadas em uma malha regular, durante o período das safras 2000/2001 a 2006/2007. Das 77 células, foram sorteadas 3 células nas quais foram coletadas 4 amostras simples de solo por meio de mini-trincheiras abertas no centro de cada célula. As amostras de uma mesma célula foram homogeneizadas, formando uma amostra composta por célula. Cada amostra composta foi dividida em seis sub-amostras, que foram embaladas e encaminhadas para seis laboratórios. Um desses laboratórios foi eleito como padrão a partir do rigor de qualidade do mesmo atestado por seus selos de certificação e tradição em análise. Conclui-se que a escolha do laboratório é fator decisivo na recomendação de adubação e calagem. Palavras-Chave: Fontes de erro, interpretação da fertilidade do solo, prejuízo econômico. INTRODUÇÃO Na caracterização da fertilidade do solo visando adubação, a análise química do solo é a maneira mais utilizada na região estudada. A análise de dados é uma parte essencial do processo, e ferramentas como modelos estatísticos de métodos multivariados que consideram a correlação entre muitas variáveis analisadas simultaneamente, permitem a extração de uma quantidade maior de informação. O solo é uma estrutura complexa formada, pela influência de fatores geológicos, topográficos, climáticos, temporais e antropogênicos, e o interesse maior na análise de solos está na avaliação de seus parâmetros químicos como concentração de metais, nutrientes e pH (Sena & Poppi, 2000). As variáveis responsáveis pelas diferenças nos resultados de análises de solo são difíceis de avaliar. Os métodos de diagnose de fertilidade do solo têm uma série de práticas que alteram de forma significativa os resultados, desde a maneira de como coletar a terra no campo, até o profissional que está analisando a amostra no laboratório. Nesse caminho existem variáveis que podem ser responsáveis por desperdícios ainda maiores do que os métodos tradicionais de recomendação de adubação. Um exemplo disso é o uso de extratores ácidos e de resina trocadora na avaliação da disponibilidade de fósforo (P) do solo. Os extratores ácidos (Mehlich1) extraem mais P ligado ao cálcio do que o ligado aos óxidos de ferro e alumínio, que predominam nos solos tropicais intemperizados como os Latossolos sob vegetação de cerrado. Em condições oxídicas os complexos com cálcio não são formados e, por isso, os resultados das análises de terra para o P feita com extratores ácidos não representam de forma precisa a quantidade de P disponível na amostra de solo. Nesse caso é comum a ocorrência de áreas com maior concentração de P disponível, elevada produtividade, mas apresentando resultados de análises de P em ácido fraco (Mehlich) próximos de uma unidade em ppm (Raij, 1991). Outra causa da variabilidade dos resultados obtidos a partir de uma mesma amostra de solo é o fato de que os laboratórios de análise química do solo, em geral, trabalham com métodos de determinação diferenciados. Quando um mesmo método é considerado, os resultados podem ainda estar sendo influenciados pelo uso de dispersantes químicos ou tempos de agitação distintos, resultando em diferentes interpretações. - XXXIII CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIA DO SOLO - Resumo Expandido Em programas de monitoramento da fertilidade através de análises de solo é recomendável a busca por laboratórios credenciados em sistemas de controle de qualidade que satisfaçam as exigências de rastreabilidade das medidas, ou seja, uso de material de referência certificado, na intenção de reduzir a incerteza das medidas. Entretanto, em trabalho realizado no México, as estatísticas usadas para avaliar a precisão de laboratórios de análises de solo mostraram que a maioria deles estava fora do padrão regulado pelos órgãos governamentais (Lopez et al., 2002). A confiança nesse processo requer que uma amostra coletada no campo seja representativa da condição amostrada, depois seja processada corretamente no laboratório, e que as recomendações de adubação estejam calibradas com terras semelhantes às áreas que receberão as doses de fertilizante recomendado. Entretanto, em pesquisa realizada em Illinois, nos Estados Unidos, foi constatado que a maior contribuição da variabilidade dos resultados obtidos nos parâmetros de fertilidade do solo era dos laboratórios de análises químicas, excedendo a variabilidade existente no solo (Hoskinson et al., 2004). Apesar disso, muito esforço tem sido feito para assegurar que a análise de terra proporcione aos usuários resultados analíticos precisos, seguros e reproduzíveis (Bramley & Janik, 2005). No Brasil, é comum o envio de amostras de solo coletadas em uma região para serem analisadas em laboratórios de outros estados. Esse costume é decorrente tanto da falta de laboratórios de análise de solos em determinadas regiões quanto da desconfiança, por parte de técnicos e produtores, da qualidade dos laboratórios (Macedo,2004) disponíveis, daí a importância da certificação dos laboratórios. O objetivo desse trabalho foi comparar os resultados de análises de solos de diferentes laboratórios com os valores determinados por um laboratório considerado referência, tomando-o como padrão para a avaliação. MATERIAL E MÉTODOS O experimento foi conduzido na Fazenda São José da Barra, em Joviânia, GO (17o 46’54”S, 49o 28’ 20”W e altitude média de 575m), sob condição típica do cerradão brasileiro, com vegetação sub-caducifólia de médio porte. O clima da região, segundo a classificação de Koppen, é do tipo Cwa clima tropical com duas estações bem definidas. A descrição morfológica de perfis de solo abertos em algumas posições do local de amostragem permitiu identificar um Latossolo Vermelho distrófico (LVd) com textura muito argilosa. A área experimental (Figura 1) foi usada com pecuária de corte extensiva de 1968 a 1999. Figura 1. Arranjo experimental adotado na área de estudo em Joviânia, SP. Na safra 2000/2001 a área foi cultivada com soja para produção de grãos, sendo a acidez do solo corrigida pela aplicação de 2,5 toneladas por ha de calcário dolomítico incorporadas com grade aradora até 25 cm de profundidade. Desde a safra 2001/2002 até a safra 2006/2007, a gleba foi explorada por consecutivos cultivos de soja no sistema de plantio direto, sem rotação ou sucessão de culturas. O manejo da adubação no período em que a área foi cultivada com soja, de 2001/2002 a 2003/2004, foi a utilização de adubo formulado nas seguintes concentrações: NPK - 02-20-20, representando 02% de nitrogênio (N); 20% de fósforo (P); 20% de potássio (K), na dose de 370 kilogramas por ha por safra. A amostragem do solo foi feita em mini-trincheiras abertas no centróide georreferenciado de 77 células (Figura 1) formadas em uma malha regular (5.000 m2), durante o período das safras 2000/2001 a 2006/2007. Das 77 células, foram sorteadas 3 células nas quais foram coletadas 4 amostras simples de solo por meio de mini-trincheiras abertas no centro de cada célula. As amostras de uma mesma célula foram homogeneizadas, formando uma amostra composta por célula. Cada amostra composta foi dividida em seis sub-amostras, que foram embaladas e encaminhadas para seis laboratórios. Um desses laboratórios foi eleito como padrão (Lab 1) a partir do rigor de qualidade do mesmo atestado por seus selos de certificação e tradição em análise. Os outros cinco laboratórios (Lab 2 a Lab 6) foram escolhidos segundo critérios de importância regional e nacional e constituem os tratamentos. Os resultados emitidos por esses 5 laboratórios foram comparados aos do Lab 1. Nos laboratórios selecionados para o estudo são adotados os procedimentos de analise descritos em Camargo et al. (1996), sendo analisado para determinação da fertilidade do solo, o pH em CaCl2, o teor de matéria orgânica (MO) obtido por oxidação por H2SO4 e quantificação por colorimetria, o fósforo disponível (P) e teores de K+, Ca2+, e Mg2+, extraídos pela resina de troca iônica, sendo o P quantificado por colorimetria e K, Ca e Mg, por espectrofotometria de absorção atômica, o teor de 2 - XXXIII CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIA DO SOLO - Resumo Expandido Al3+ (Al) extraído por KCl 1N e determinado por titulação ácido-base e calculados a capacidade de troca de cátions (T), a porcentagem de saturação por bases (V) do solo e a porcentagem de saturação por alumínio (m). Análise estatística Usando o programa SAS Institute (1999), foram realizadas as análises de variância e testes de homogeneidade de variâncias (ANOVA), seguidos de testes de comparação de médias pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade. especial nos solos profundos e intemperizados da região do Cerrado (Goedert, 1983; Villachia et al., 1990). No caso dos clientes dos Lab 5 e 6 além do desperdício de recursos financeiros com compra e frete desnecessários quando se considera a área total de produção que, nessa região, áreas de 300 a 500 ha de produção de soja são comuns, a super dosagem de calcário pode prejudicar as relações entre as bases trocáveis do solo, sendo esse desbalanço nutricional prejudicial à adequada nutrição mineral das plantas de soja. CONCLUSÃO 1. A escolha do laboratório é fator decisivo na recomendação de adubação e calagem. RESULTADOS E DISCUSSÃO AGRADECIMENTOS De acordo com os resultados apresentados na Tabela 1 podemos observar que o Laboratório 1 (Lab 1), considerado padrão, mostra valores médios de fertilidade que, em geral, diferem dos demais. Em relação ao teor de K, por exemplo, Barreto et al. (1974) relatam que solos que apresentam o nível de K acima de 1,0 mmolc dm-3, tem baixa probabilidade de responderem a adubação potássica. As recomendações de adubação baseadas nos resultados analíticos de diferentes laboratórios podem resultar em um gasto financeiro desnecessário ao produtor. Por exemplo, para o cálculo da dose necessária de K para nutrição da soja, esperando-se uma produtividade de 3.000 Kg ha-1 de grãos, tomando-se como referencia os resultados analíticos dos teores de K trocáveis do solo emitidos pelos Lab 3 e 5, as doses de adubação potássica usando K2O seriam de, respectivamente, 80 e 0 (zero) kg ha-1. Ao se considerar os valores comercializados desse adubo na região de Joviania, GO, essa diferença analítica entre laboratórios pode representar um “lucro” para os clientes do Lab 5 ou um “prejuízo” para os do Lab 3 equivalente a R$ 8.640,00 na compra de K2O. Em relação a esse nutriente, apenas o Lab 5 mostrou um valor médio diferente dos obtidos nos outros laboratórios. Essa diferença também pode comprometer o lucro da área em anos de baixo rendimento. Para a mesma área a recomendação de calagem também apresentou diferenças elevadas, pois ao utilizar o método da elevação da saturação de bases conforme Raij (1991), calculado para elevar a saturação para 80% estimando o PRNT do calcário em 85%, a dose de calcário foi de 1,2 Mg ha-1 (Lab 1) e 2,2 Mg ha-1 (Lab 4), o que representa uma diferença no montante dos custos de produção equivalente a R$ 2.400,00. O custo médio do serviço de coleta de terra, interpretação dos dados e recomendação de adubação e calagem em uma área de 40 ha é de, aproximadamente, R$ 1.000,00 em preços atuais. Além das diferenças associadas aos custos de produção, no caso dos clientes dos Lab 2 e 3, essas diferenças poderiam estar comprometendo a correção da acidez do solo em relação ao Lab 1, pois a sub dosagem da calagem pode causar restrições ao crescimento radicular e efetivo aproveitamento de água do solo pelas raízes, em A empresa AGINFO que financiou as atividades de campo e laboratório, possibilitando esse estudo. REFERÊNCIAS BARRETO, A. C.; NOVAIS, R. F.; BRAGA, J. M. Determinação estatística do número de amostras simples de solo por área para avaliação de sua fertilidade. Revista Ceres, v. 21, p. 142147, 1974. BRAMLEY, R. G. V.; JANIK, L. J. Precision agriculture demands a new approach o soil and plant sampling and analysis - Examples from Australia. 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Laboratórios (n=18) Atributos químicos Lab. 1 Lab. 2 Lab. 3 Lab. 4 Lab. 5 Lab. 6 pH, CaCl2 5,40 A 5,36 A 5,43 A 4,83 B 5,16 AB 5,36 A MO, g kg-1 33,66 A 25,66 B 22,33 B 21,00 B 27,33 AB 26,00 B 2,60 B 1,33 B 1,13 B 1,67 B 6,67 AB 1,47 B 26,67 B 19,00 C 17,00 C 20,66 BC 41,00 AB 35,33 A K, mg dm -3 -3 Ca mmolc dm -3 Mg, mmolc dm 10,33 A 5,33 C 7,00 BC 6,67 BC 7,33 B H, mmol dm-3 22,33 ABC 17,33 C 21,33 BC 32,00 BA 31,67 BA 34,00 A 39,67 B 27,00 C 23,00 C 29,33 C 54,33 A 44,33 B T, mmolc dm- 62,00 B 44,33 C 44,00 C 61,33 B 81,00 A 66,33 B V(%) 63,67 AB 60,00 ABC 51,33 BC 47,67 C 61,00 AB 66,00 A SB, mmolc dm-3 3 6,67 BC * Médias seguidas de letras maiúsculas na linha, não diferem entre si pelo teste de Tukey (P<0,05). 4