Universidade do Extremo Sul Catarinense
Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais
MORADORES DE ÁREAS DE RISCO SOCIOAMBIENTAL EM
CRICIÚMA-SC
Um estudo das condições de vida e de saúde nos Bairros
Renascer e São João
Pedro Rosso
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciências Ambientais
da Universidade do Extremo Sul
Catarinense para obtenção do Grau de
Mestre em Ciências Ambientais.
Orientadora:
Drª Teresinha Maria Gonçalves
Criciúma
2004
MORADORES DE ÁREAS DE RISCO SOCIOAMBIENTAL EM
CRICIÚMA-SC
Um estudo das condições de vida e de saúde nos Bairros
Renascer e São João
Pedro Rosso
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciências Ambientais
da Universidade do Extremo Sul
Catarinense para obtenção do Grau de
Mestre em Ciências Ambientais.
Área de concentração:
Ecologia e Gestão
Alterados
de
Orientadora:
Drª Teresinha Maria Gonçalves
Criciúma
2004
Ambientes
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
R838m
Rosso, Pedro.
Moradores de áreas de risco socioambiental em
Criciúma, SC: Um estudo das condições de vida e de saúde
nos Bairros Renascer e São João / Pedro Rosso;
Orientadora: Teresinha Maria Gonçalves – Criciúma : Ed.
do autor, 2004.
174 f. : il. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado) - Universidade do Extremo Sul
Catarinense, Programa de Pós-Graduação em Ciências
Ambientais, 2004.
1. Criciúma, SC – População urbana – Aspectos
ambientais. 2. Criciúma, SC – Áreas de mineração –
Aspectos da saúde. 3. População urbana – Condições de
vida – Criciúma, SC. I. Título.
Bibliotecária Rosângela Westrupp – CRB 364/14ª
Biblioteca Central Prof. Eurico Back – UNESC
Para minha esposa e filhos,
pelo amor, carinho e compreensão
que a mim dedicaram, entendendo
o motivo da minha ausência.
v
AGRADECIMENTOS
As grandes conquistas nunca são individuais.
Por isto sou grato a todos que incentivaram e auxiliaram a elaboração deste
trabalho.
Em especial, agradeço:
À Drª Teresinha Maria Gonçalves minha orientadora, pelas contribuições, por
sua postura profissional e pela amizade.
À coordenação e aos professores do Curso de Pós-Graduação em Ciências
Ambientais (Mestrado) pela contribuição na minha formação pessoal.
Aos colegas da turma pela amizade e incentivo.
À Universidade do Extremo Sul Catarinense pela oportunidade e pelo apoio.
Às profissionais da unidade de saúde do Bairro Renascer e às agentes do
Programa de Saúde da Família: Cleni de Almeida, Ana Paula Souza, Marilza
Fernandes, Ana Maria Martins, Michele Machado, Neusa Marcelo e Simone
Felisbino, pela recepção calorosa e pelo apoio nos trabalhos de campo.
Aos profissionais e funcionários do Instituto de Pesquisas Ambientais e
Tecnológicas da UNESC pela contribuição técnica.
Aos profissionais da Agência Regional do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, da Secretaria de Educação e da Secretaria de Saúde do Município de
Criciúma, pelas informações que disponibilizaram.
Enfim, aos amigos e colegas de trabalho pelo incentivo e solidariedade.
vi
RESUMO
O presente estudo baseia-se na idéia de que as condições de saúde de uma
população estão diretamente vinculadas às suas condições de vida e de que estas
estão relacionadas com fatores sociopolíticos, econômicos, ambientais e culturais.
O problema de pesquisa surgiu da constatação de que populações humanas estão
morando em áreas ambientalmente degradadas e em condições de pobreza,
expostas, portanto, a maiores agravos à saúde. O estudo foi realizado em quatro
microareas inseridas num aglomerado urbano pertencente aos bairros Renascer e
São João, em Criciúma, SC. O objetivo da pesquisa foi verificar se a exposição a
riscos socioambientais de maior intensidade determina maiores agravos à saúde
dessas populações. A reflexão é embasada, principalmente, nos aportes de
Acselrad (1999), Sachs (1986), Gonçalves (2002), Damergian (2001), Vitte (2002),
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1991), Martine (1996),
Foladori e Tomasino (2001), Carlos (1989) e Sen (2000), contemplando, portanto,
várias áreas do conhecimento. Os métodos utilizados foram o descritivo e o
explicativo e foram trabalhados dados primários e secundários. A análise e
discussão dos resultados foram realizadas com base nos conceitos abordados na
argumentação teórica e mostraram que as precárias condições de vida e a
degradação ambiental são fatores intervenientes na saúde das populações.
Mostraram também que a solução dos problemas ambientais está diretamente
ligada à solução dos problemas sociais.
Palavras-chave: Meio ambiente. Saúde. Qualidade de vida. Degradação
socioambiental. Desenvolvimento sustentável.
vii
ABSTRACT
The present study bases on the idea that the conditions of health condition of a
population are directly linked to their life conditions and those ones are related to
sociopolitics, economics, environment and cultural factors. The research problem
appeared from the evidence that human population is living in degraded
environmental areas and in poverty condition, exposed to bigger health damage.
The study was realized in four micro areas in an urban agglomerated in Renascer
and São João districts, in Criciúma, SC. The aim of the search was to verify the
exposition to bigger intensity socio environmental risks determine the bigger health
damage of those populations. The reflection is mainly based on Acselrad (1999),
Sachs (1986), Gonçalves (2002), Damergian (2001), Vitte (2002), World
Commission about Environment and Development (1991), Martine (1996), Foladori
e Tomasino (2001), Carlos (1989) and Sen (2000), contemplating various
knowledge areas. The applied methods were descriptive and explicative and
primary and secondary data were worked. The analysis and discussion of the
results were realized on the basis of the concepts of the theoretical argumentation
and they showed the precarious life condition and the environmental degradation
are the intervenient factors on population health, and they also showed that the
solution of environmental problems are directly linked to the solution of social
problems.
Key words: Environment. Health. Life quality. Socio environmental degradation.
Sustainable development.
viii
LISTA DE FIGURAS
Fig. 1: Sinergismo multifatorial na produção e manutenção das condições de
vida e de saúde. Construído a partir do esquema de Rouquayrol;
Goldbaum (1999), usado para explicar a sinergia dos fatores que
contribuem para a retroalimentação entre diarréia e desnutrição. .............. 38
Fig. 2: Vista parcial do córrego, próximo à estrada que segue para a Vila
Primeira Linha/São João, à montante da área residencial dos bairros
Renascer e São João, com moradias em construção, à direita. As setas
indicam áreas de depósito de rejeitos da mineração de carvão. Foto:
José Carlos Virtuoso, 19/12/2003................................................................ 60
Fig. 3: Vista parcial do córrego na região central da área residencial dos bairros
Renascer e São João, nos fundos da microarea 1. Foto: José Carlos
Virtuoso, 19/12/2003.................................................................................... 62
Fig. 4: Vista parcial do córrego na região central da área residencial dos bairros
Renascer e São João, próximo à ponte que dá acesso para a microarea
2. Foto: José Carlos Virtuoso, 19/12/2003. ................................................. 63
Fig. 5: Vista parcial de moradias da microarea 3, próximo da estrada que segue
para a Vila Primeira Linha/São João, esquina com um rua sem nome,
no Bairro São João. As setas indicam lixo e entulho jogados na lateral
da rua e também na calçada próximo às casas. Foto: José Carlos
Virtuoso, 19/12/2003.................................................................................... 64
Fig. 6: Vista parcial da microarea 2, no Bairro São João, ilustrando sua
proximidade com o córrego. Foto: José Carlos Virtuoso, 19/12/2003......... 66
Fig. 7: Vista parcial da micro-área 3, no bairro São João, com via pavimentada
com lajotas e outra com rejeito de carvão. Ao centro, moradia
construída diretamente sobre os rejeitos de carvão. À esquerda, mais
ao fundo, indicada pela seta está o leito da Estrada de Ferro Dona
Teresa Cristina. Foto: José Carlos Virtuoso, 19/12/2003. ........................... 67
Fig. 8: Vista parcial de área adjacente à microarea 2, no bairro São João, com
detalhe para a estação piloto de tratamento de esgoto. Foto: José
Carlos Virtuoso, 19/12/2003. ....................................................................... 82
Fig. 9: Respostas dos informantes da etapa 2 da abordagem com a população
quando questionados sobre o que faziam quando alguém da família
ficava doente, e respectivos percentuais..................................................... 95
Fig. 10: Respostas dos informantes da etapa 2 da abordagem com a população
quando questionados sobre o serviço de saúde utilizado com maior
freqüência pelos ocupantes do domicílio e respectivos percentuais........... 95
Fig. 11: Respostas dos informantes da etapa 2 da abordagem com a população
quando questionados sobre a freqüência com que os ocupantes do
domicílio utilizam os serviços de saúde e respectivos percentuais............. 96
Fig. 12: Avaliação dos informantes da etapa 2 da abordagem com a população
sobre a qualidade dos serviços de saúde disponíveis no Bairro
Renascer e respectivos percentuais............................................................ 97
ix
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Matriz informativa sobre impacto ambiental das atividades ligadas à
exploração do carvão mineral.................................................................. 22
Tabela 2: Número de empregados vinculados à indústria carbonífera nos
municípios da ANREC (Associação dos Municípios da Região
Carbonífera) na série histórica 1980-1999. ............................................. 26
Tabela 3: Coeficiente de mortalidade por doenças do aparelho digestório, no
município de Criciúma, em Santa Catarina e no Brasil, na série
histórica 1993-1997. ................................................................................ 34
Tabela 4: Coeficiente de mortalidade por doenças do aparelho respiratório, no
município de Criciúma, em Santa Catarina e no Brasil, na série
histórica 1993-1997. ................................................................................ 35
Tabela 5: Coeficiente de internações por doenças do aparelho digestório, no
município de Criciúma e em Santa Catarina, na série histórica 19931997......................................................................................................... 35
Tabela 6: Coeficiente de internações por doenças do aparelho respiratório, no
município de Criciúma e em Santa Catarina, na série histórica 19931997......................................................................................................... 36
Tabela 7: Resultados das análises físico-químicas das amostras de água do
córrego dos pontos P 01, situado a montante, e P 02, situado a
jusante dos bairros Renascer e São João, e os parâmetros da
Resolução n. 20/86 do CONAMA. ........................................................... 61
Tabela 8: Faixas etárias dos moradores, segundo o sexo, com os respectivos
percentuais e percentuais acumulados para cada uma das faixas
etárias. ..................................................................................................... 68
Tabela 9: Tempo de residência dos entrevistados nas micro-áreas e nos bairros
Renascer ou São João, com respectivos percentuais acumulados. ....... 70
Tabela 10: Tempo médio de residência dos moradores nas micro-áreas e o
tempo médio de residência nos bairros Renascer e/ou São João,
segundo o microarea de residência......................................................... 71
Tabela 11: Motivos apresentados pelos vizinhos ou constatados pelo
pesquisador que justificam a não-realização das entrevistas.................. 74
Tabela 12: Principal tipo de material empregado na construção das moradias...... 74
Tabela 13: Tipo de ocupação, existência ou não de registro na Carteira de
Trabalho e Previdência Social (CTPS), renda total mensal dos
domicílios, com detalhe para o grupo dos oito domicílios com as
menores (Grupo A) e maiores (Grupo B) entradas de renda e os
respectivos números de pessoas para cada domicílio. ........................... 77
Tabela 14: Resultados das análises físico-químicas da amostra de água de
consumo coletada em uma torneira ligada diretamente à rede de
distribuição em domicílio da microarea 4 e a comparação com a
Portaria 1469/MS..................................................................................... 81
Tabela 15: Não-alfabetizados e nível escolar concluído pelos moradores que já
pararam de estudar, segundo suas faixas etárias (em anos).................. 84
x
Tabela 16: Número de estudantes, segundo a faixa etária e a série que
estavam freqüentando em julho/agosto de 2003, com destaque para
a idade e as respectivas séries a serem freqüentadas no EF e EM........ 87
Tabela 17: Internações em hospitais públicos ou conveniados, segundo Lista
Morbidade CID-10, para residentes em Santa Catarina e Criciúma,
classificados em ordem decrescente do coeficiente de morbidade de
Santa Catarina, e respectivos coeficientes de morbidade por
incidência por causas e para todas as causas, calculados para cada
10.000 hab, no período jan-set/2003 e estimativa para o período jandez/2003. ................................................................................................. 89
Tabela 18: Morbidade constatada em prontuário familiar e morbidade referida
em entrevista, com base na Lista Morbidade CID-10, para residentes
nas áreas em estudo, classificados em ordem decrescente de
morbidade constatada, e respectivos coeficientes de morbidade por
incidência por causas e para todas as causas, calculados para cada
10.000 hab, no período jan-dez/2003, numa população total de 147
hab........................................................................................................... 91
Tabela 19: Aspectos positivos apresentados pelos informantes da etapa 2 da
abordagem com a população sobre os serviços de saúde disponíveis
no Bairro Renascer. Unidade de Saúde com PSF. ................................. 97
Tabela 20: Aspectos negativos apresentados pelos informantes da etapa 2 da
abordagem com a população sobre os serviços de saúde disponíveis
no Bairro Renascer. Unidade de Saúde com PSF. ................................. 98
Tabela 21: Aspectos positivos sobre aglomerado urbano dos bairros Renascer
e São João na opinião dos informantes da etapa 2 da abordagem
com a população. .................................................................................. 101
Tabela 22: Aspectos negativos sobre aglomerado urbano dos bairros Renascer
e São João na opinião dos informantes da etapa 2 da abordagem
com a população. .................................................................................. 102
xi
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AIH – Autorizações de Internações Hospitalares
AMESC – Associação dos Municípios do Extremo Sul Catarinense
AMREC – Associação dos Municípios da Região Carbonífera
AMUREL – Associação dos Municípios da Região de Laguna
CASAN – Companhia Catarinense de Águas e Saneamento
CBCA – Companhia Brasileira Carbonífera Araranguá
CEF – Caixa Econômica Federal
CETESB – Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental
CMMAD – Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
CNUMAD – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento
CNS – Conferência Nacional de Saúde
CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente
CSN – Companhia Siderúrgica Nacional
CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social
DNPM – Departamento Nacional de Produção Mineral
DSTs – Doenças Sexualmente Transmissíveis
ECP – Engenheiros, Consultores e Projetistas
EF – Ensino Fundamental
EI – Educação Infantil
EM – Ensino Médio
FATMA – Fundação do Meio Ambiente
FNS – Fundação Nacional de Saúde
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IPAT/UNESC – Instituto de Pesquisas Ambientais e Tecnológicas da Universidade
do Extremo Sul Catarinense
IT – Índice de Toxicidade
xii
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MS – Ministério da Saúde
NUPEA/UNESC – Núcleo de Pesquisas Ambientais da Universidade do Extremo
Sul Catarinense
ONU – Organização das Nações Unidas
PACS – Programa de Agentes Comunitários de Saúde
PAI – Pronto Atendimento Infantil
PAM – Policlínica Municipal
PCV – Pesquisa de Condições de Vida
PNUE – Programa das Nações Unidas para o Ambiente
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PSF – Programa de Saúde da Família
PQAR – Padrão da Qualidade do Ar
SESI – Serviço Social da Indústria
SIH/SUS – Sistema de Informações Hospitalares / Sistema Único de Saúde
SIECESC – Sindicato das Indústrias de Extração de Carvão do Estado de Santa
Catarina
SUS – Sistema Único de Saúde
UNESC – Universidade do Extremo Sul Catarinense
xiii
ÍNDICE
1
INTRODUÇÃO ...................................................................................................1
2
A CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA ..................................................................3
3
MATERIAIS E MÉTODOS .................................................................................9
3.1
Metodologia ......................................................................................... 9
3.2
Descrição da área estudada ................................................................. 9
3.3
A coleta de dados ................................................................................ 9
3.3.1
Dados primários ........................................................................... 10
3.3.1.1
Abordagem do meio físico-químico e do meio construído ............10
3.3.1.2
Abordagem da população.............................................................12
3.3.2
Dados secundários ....................................................................... 14
3.4
A análise dos dados .......................................................................... 15
3.4.1
Categorias de análise ................................................................... 15
4
A HISTÓRIA DO CARVÃO E DA SAÚDE EM CRICIÚMA .............................17
4.1
A mineração ...................................................................................... 18
4.2
A explosão demográfica no município de Criciúma ........................... 20
4.3
O passivo ambiental .......................................................................... 21
4.4
O passivo social ................................................................................ 25
4.5
A retração do setor carbonífero e suas conseqüências ..................... 26
4.6
Os bairros Renascer e São João ........................................................ 28
4.7
A assistência à saúde ........................................................................ 30
4.7.1
As doenças relacionadas com a mineração .................................... 33
5
MEIO AMBIENTE, CONDIÇÕES DE VIDA E CONDIÇÕES DE SAÚDE........37
5.1
O meio ambiente ................................................................................ 39
5.2
Crise ambiental: suas causas e conseqüências ................................. 42
5.3
Crise socioambiental e perspectivas de desenvolvimento ................. 47
5.4
As cidades ......................................................................................... 49
xiv
5.5
A qualidade de vida ........................................................................... 53
5.6
O processo saúde-doença ................................................................. 55
6
RESULTADOS E DISCUSSÃO .......................................................................59
6.1
Aspectos socioambientais ................................................................. 59
6.2
O perfil dos moradores ...................................................................... 68
6.2.1
Uma anestesia coletiva ................................................................. 72
6.3
A moradia .......................................................................................... 73
6.4
A participação econômica ................................................................. 76
6.5
A infraestrutura e os serviços urbanos .............................................. 79
6.6
A alfabetização .................................................................................. 83
6.7
O processo saúde-doença ................................................................. 88
6.7.1
A morbidade ................................................................................ 88
6.7.2
Os moradores das microareas e os serviços de saúde .................... 94
6.8
A relação dos moradores das microareas com os bairros Renascer e
São João ..........................................................................................100
6.8.1
Os principais aspectos positivos e negativos dos bairros Renascer e
São João ....................................................................................100
6.8.2
Vidas que se constroem nos bairros Renascer e São João .............103
7
CONCLUSÕES ..............................................................................................106
REFERÊNCIAS......................................................................................................110
ANEXOS ................................................................................................................114
1
1 INTRODUÇÃO
Qualidade de vida é uma expressão que tem sido utilizada por diversos
profissionais, em diferentes áreas e com objetivos distintos. No entanto, são as
condições de vida de uma população que expressam essa qualidade. Assim, para
compreender de modo mais amplo uma população, é necessário conhecer os
vários aspectos da sua vida, que podem atuar como fatores que melhoram ou
pioram a sua existência e que podem interferir nas suas condições de saúde.
Com este interesse, buscou-se, no presente estudo, descrever e analisar as
condições de vida de uma amostra de população urbana de áreas socioambientais
críticas e sua relação com as condições de saúde.
A análise das condições de vida foi feita com base na descrição de aspectos
socioambientais, demográficos, de infra-estrutura e serviços urbanos, além de
informações sobre a participação econômica, a alfabetização e os serviços de
saúde. O estudo foi realizado com um grupo de moradores de quatro áreas críticas
sob o ponto de vista socioambiental pertencentes aos bairros Renascer e São João,
em Criciúma, Santa Catarina. As informações foram obtidas em publicações e in
loco, através de entrevistas e levantamentos em prontuários da unidade de saúde
local.
Com base nestas informações, foram feitas análises entre as condições de
vida e as condições de saúde com o objetivo de determinar se a exposição a riscos
socioambientais em maior intensidade determinam maior agravo à saúde da
população.
A apresentação gráfica está organizada da seguinte forma:
a) Um capítulo com a construção do problema, onde são associadas informações
sobre o tema proposto e alguns conceitos a ele relacionados, procurando, a partir
disto, demonstrar a relevância do trabalho e construir a hipótese que norteou a
pesquisa;
b) Um capítulo com um breve histórico do município de Criciúma, sua relação com a
atividade mineradora e as conseqüências deste processo, a origem e a história
do aglomerado urbano inserido nos bairros Renascer e São João e os aspectos
relacionados à saúde e aos serviços de saúde em Criciúma, cujo objetivo foi
situar histórica e espacialmente o trabalho;
c) Um capítulo onde foram definidos e associados, com auxílio de diversos autores
2
e
referências,
conceitos
como
meio
ambiente
degradação,
ambiental,
desenvolvimento sustentável, qualidade de vida, cidadania, processo saúdedoença, entre outros, que subsidiaram a discussão dos resultados e as
considerações finais;
d) Um capítulo com a descrição da metodologia utilizada na obtenção e análise das
informações;
e) Um capítulo com a descrição e discussão dos resultados, onde se procurou
organizar as informações por itens, de modo a permitir a compreensão dos
dados descritos e das associações estabelecidas entre os mesmos.
f) E um capítulo com as considerações finais.
Há, ainda, a lista das referências que deram suporte teórico à pesquisa e os
anexos, onde foram colocados documentos importantes na compreensão da
pesquisa e do texto, mas que, por sua natureza ou configuração, não foi possível
inseri-los no texto principal.
3
2 A CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA
O estudo das questões relativas ao processo saúde-doença das populações
remete-nos imediatamente à análise das suas condições de vida, tendo em vista
que não há possibilidade de isolar o indivíduo das interações que o cercam, sejam
elas de caráter social, econômico, cultural ou ambiental. Portanto, é necessária
uma abordagem multidisciplinar do tema, envolvendo os diferentes aspectos da
produção do espaço. Entretanto, nem sempre a produção do espaço é justa e
igualitária. Os cidadãos vêem-se controlados pelo mercado, pois estão subjugados
às necessidades de acumulação de capital como fundamento para a satisfação das
necessidades básicas. Daí emergem as contradições sociais, como os contrastes e
desigualdades de renda, o direito a um pedaço de terra, a diversidade e qualidade
de moradia, o acesso à educação, ao lazer e aos serviços de assistência à saúde,
que estão entre os fatores que diferenciam as classes sociais (CARLOS, 1989).
A produção urbana na sociedade capitalista, segundo Morin (1997), baseia-se
nas fontes de lucro. Há uma erotização da mercadoria. O erotismo serve de
lançadeira e, através do cinema e da TV, invade a publicidade e vende o produto
através da sedução. Como há uma quebra dos valores morais, a sociedade
capitalista adota os valores de consumo.
Para Acselrad (1999), a materialidade das cidades é politicamente construída.
Assim, a idéia de sustentabilidade pode ser aplicada às condições de reprodução
das políticas urbanas, sendo que a insustentabilidade resulta da incapacidade
dessas políticas em equacionarem a oferta de serviços urbanos em quantidade e
qualidade relativas às demandas sociais. Isto provoca, segundo Godard (apud
ACSELRAD, 1999), um desequilíbrio entre necessidades quotidianas das
populações e os meios para provê-las, entre a demanda por serviços urbanos e os
investimentos em redes e infra-estrutura. Há, assim, uma contradição entre as
necessidades básicas não satisfeitas pelas políticas públicas e as necessidades de
consumo criadas pelo mercado, ávido por obter mais lucros.
Dessa forma, as populações que não obtêm os meios necessários para terem
qualidade de vida padecem ainda mais, pois os serviços públicos são escassos ou,
quando existem, apresentam-se com condições limitadas de recursos humanos, de
estrutura física e de material. Como são populações que possuem pouca força
política ou econômica, não tendo, portanto, poder de pressão e de resistência,
acabam sendo abandonadas à própria sorte. Mesmo assim, estão sujeitas às
4
influências sedutoras da sociedade capitalista que as incita ao consumo de
mercadorias erotizadas. Logo, são essas desigualdades sociais no acesso aos
serviços urbanos que tornam ilegítimas as políticas públicas por contribuírem para
acentuar os problemas socioambientais e manter as condições precárias de
existência destes indivíduos, inclusive expondo-os a riscos à saúde. Assim, é como
se a cidade tivesse em seu seio guetos econômicos e culturais (BEAUCIRE apud
ACSELRAD, 1999).
Os riscos à saúde têm, desta maneira, importância fundamental para a
análise de uma população. Se, na construção do espaço urbano, não houver
atenção para a satisfação das necessidades básicas das populações e redução das
desigualdades sociais, é provável que parcelas desta população acabem
marginalizadas, como se a sociedade as descartasse. É importante ressaltar que
estes “descartados”, mesmo sendo muito importantes no processo de construção
da cidade, na maioria das vezes não têm acesso às benesses aí implementadas.
Esta é a situação de um contingente significativo dos moradores dos bairros
Renascer e São João. Como cidadãos de Criciúma não foram acolhidos pela
cidade, a qual muitos ajudaram a construir. Ao serem “descartados”, foram instalarse numa área que foi utilizada para depósito de rejeitos de carvão e,
posteriormente, para depósito dos resíduos sólidos do município. Alguns moradores
deste local até hoje permanecem em condições críticas, expondo-se instantânea e
continuamente a agentes tóxicos em razão de morarem muito próximos ou sobre
áreas com depósitos de rejeitos do processo de mineração do carvão ou de terem
seus casebres construídos nas barrancas do córrego que atravessa os bairros,
cujas águas também estão contaminadas com os rejeitos da atividade mineradora.
Assim estando, sofrem continuamente e agravam suas condições de saúde.
Ao conceituar saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS) preconizava,
em 1948, uma noção bastante ampla para o processo saúde-doença como sendo o
"completo bem-estar físico, mental e social, e não meramente a ausência de
doença ou defeito". Esta concepção, embora utilizada com freqüência, serve mais
para retórica daqueles que detêm o poder ou que querem alcançá-lo do que
propriamente como uma definição que dê conta da realidade. Representa melhor
uma meta que deve ser perseguida pelos envolvidos nas lutas sociais e pelo poder
constituído que assim o desejar ou quando lhes for cobrado pelas comunidades.
De forma mais ousada, os participantes da 8ª Conferência Nacional de Saúde
(CNS), realizada em Brasília, em março de 1986, definiram saúde em seu sentido
5
mais abrangente como sendo a “resultante das condições de alimentação,
habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transportes, emprego, lazer,
liberdade, posse da terra e acesso aos serviços de saúde. É, assim, antes de tudo,
o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar
grandes desigualdades nos níveis de vida”1.
Para os conferencistas da 10ª CNS, realizada em setembro de 1996, em
Brasília, a saúde é produto do social e apresenta-se como um direito preconizado
em vários artigos da Constituição Federal de 1988 que abordam o tema. Apesar
dos anos que já se passam desde a sua promulgação, muitos dos aspectos
presentes na Constituição e nos relatórios da 8ª e da 10ª CNS ainda não saíram do
papel e, principalmente, permanecem desconhecidos por grande parte da
população. Contudo, é importante ressaltar que houve muitas conquistas no setor
saúde desde então, entre as quais destaca-se a criação do Sistema Único de
Saúde (SUS), que teve suas bases elaboradas durante a 8ª CNS e que está
fundamentado nos Artigos 196 ao 200 da Constituição. Embora o SUS tenha muitos
problemas a serem solucionados, a existência de um sistema, por si só, já
representa um grande avanço.
Esta concepção mais prática de saúde nos permite inferir que continuamente
ocorrem alterações no processo saúde-doença das populações, em razão de que
nem sempre os direitos individuais e coletivos são respeitados. Assim, é como se o
organismo humano estivesse continuamente empenhado em manter um balanço
positivo frente aos estímulos ambientais (biológicos ou físico-químicos), mentais,
socioculturais e econômicos, tal qual a noção de flexibilidade proposta por Capra
(1982). Estes estímulos tendem a desequilibrar os organismos, isto é, podem
provocar as doenças. Assim, quanto mais um organismo puder manter seu
equilíbrio ou retornar a ele, melhor será seu estado de saúde.
As mais importantes forças ambientais que atuam sobre os moradores dos
bairros Renascer e São João são as graves alterações ambientais na água, no ar e
no solo, decorrentes da mineração de carvão, e os resultantes das precárias
condições de vida da comunidade.
O carvão foi, por cerca de 80 anos, a principal atividade econômica do
município, tendo perdido gradativamente sua importância a partir de meados da
década de 80 e, principalmente, a partir de setembro de 1990, com a
desregulamentação do setor carbonífero. Apesar de perder sua importância
1
Relatório Final da 8ª Conferência Nacional de Saúde. Ministério da Saúde. Brasília, DF: Março/86.
6
econômica, a atividade carbonífera continua sendo lembrada até hoje devido ao
intenso processo de degradação ambiental que provocou. Além da degradação
ambiental, com a retração do setor carbonífero, restou, também, um grande número
de desempregados, especialmente em 1990.
O estudo realizado por Rosso (1999) concluiu que a saúde da população de
Criciúma, SC, sofreu e continua sofrendo significativa influência da poluição
causada pela mineração de carvão. No estudo foram associados dados
secundários de saúde e dados das condições ambientais.
Os dados referentes à morbidade e mortalidade foram obtidos a partir do
Diagnóstico Preliminar de Saúde das Regiões da Associação dos Municípios da
Região Carbonífera (AMREC) e da Associação dos Municípios do Extremo Sul
Catarinense (AMESC) (GONÇALVES, 1997).
Os dados referentes ao meio ambiente foram obtidos a partir dos resultados
do Projeto Engenheiros, Consultores e Projetistas (ECP), realizado em 1982, e de
estudos do Núcleo de Pesquisas Ambientais da Universidade do Extremo Sul
Catarinense (NUPEA/UNESC), obtidos durante o Programa de Monitoramento da
Qualidade do Ar no Município de Criciúma, realizado entre os anos de 1993-95
(ALEXANDRE et al., 1995).
Observou-se que, no início da década de 1980, com índices de poluição
atmosférica bem acima dos estabelecidos pela Resolução do Conselho Nacional de
Meio Ambiente (CONAMA) n. 03/902, as taxas de mortalidade geral por doenças do
aparelho respiratório e de mortalidade infantil por infecções respiratórias agudas
eram bem maiores quando comparadas às mesmas taxas obtidas em meados da
década de 1990, quando os índices de poluição atmosférica estavam abaixo dos
limites estabelecidos. No período estudado, as reduções das taxas de mortalidade
foram de 45,92% e de 65,96%, respectivamente (ROSSO, 1999; GONÇALVES,
1997).
Em
relação
à
morbidade,
as
doenças
do
aparelho
respiratório
representavam, em 1995, 42,83% das internações realizadas por Autorizações de
Internações Hospitalares (AIHs), permitindo inferir que a influência da poluição
gerada pela mineração do carvão sobre o processo saúde/doença se estende ao
longo do tempo (ROSSO, 1999; GONÇALVES, 1997).
O estudo, no entanto, mostrou uma visão geral do município de Criciúma,
sem se preocupar em desvendar diferenças entre as situações de ocupação do
2
A Resolução do CONAMA n. 003, de 28 de junho de 1990 dispõe sobre os padrões de qualidade do
ar. Disponível em <http://www.lei.adv.br/003-90.htm>. Acesso em 13/04/03.
7
espaço geográfico e muito menos em tentar relacioná-las com as condições de vida
do local ocupado por determinada população.
Os moradores dos bairros Renascer e São João, assim como de outras áreas
com características semelhantes noutras regiões do município e, ainda, de outros
municípios da região carbonífera, inserem-se entre aqueles cujas condições de vida
são extremamente precárias e para os quais as condições de saúde tendem a ser
comprometidas em alto grau, não podendo, portanto, ser compreendidos no
conjunto de dados fornecidos pelo estudo citado.
Por outro lado, uma análise mais detalhada da situação observada em várias
cidades do país e, em especial, nas áreas periféricas das cidades, sobretudo
naquelas que servem de pólos atrativos para a mão-de-obra migrante, o quadro é,
em geral, de insatisfação das necessidades básicas que garantem a sobrevivência.
São precários ou até inexistentes os serviços essenciais como assistência à saúde,
educação, segurança, transporte, saneamento básico, além do desemprego e
subempregos cada vez mais crescente, impossibilitando ainda mais a satisfação
das necessidades vitais. São, portanto, indivíduos sem saúde, considerando a
definição proposta na 8ª CNS.
Para grande parte das populações destas áreas construir projetos de vida
torna-se bastante difícil. Assim, é pequena a possibilidade de satisfação do ter, do
amar e do ser, apresentados por Damergian (2001) como fatores concorrentes para
alcançar a qualidade de vida. Também é baseada nesses três verbos uma
experiência escandinava de qualidade de vida, citada por Vitte (2002). No entanto,
alguns dos aspectos envolvidos nestes princípios são complexos e subjetivos, de
difícil mensuração, pelo menos do ponto de vista quantitativo, tendo que ser
considerados em seus aspectos qualitativos.
Infelizmente, no Brasil, a ação pública, em todas as suas instâncias, não tem
sido capaz de prover as necessidades básicas destas populações. O que se
observa é que há um mínimo de estrutura relacionada com alguns dos aspectos
apresentados. Noutros nem sequer o poder público tem tido iniciativas para
minimizar os problemas, como é o caso da moradia, do saneamento básico, e da
infra-estrutura das ruas e dos lotes ocupados.
Transformar o conjunto das necessidades básicas individuais e sociais em
indicadores sempre foi tarefa árdua. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH),
criado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no
início dos anos 90, propõe que a qualidade de vida seja medida por meio de
8
indicadores como a expectativa de vida, que reflete a saúde, a taxa de
alfabetização, que expressa o conhecimento, e o nível de renda, que indica o
acesso aos bens materiais.
Mais do que os indicadores do IDH, uma análise das condições de saúde
relacionadas às condições de vida de moradores de áreas críticas, como as
encontradas nos bairros Renascer e São João, pressupõe a necessidade de buscar
indicadores mais amplos que dêem conta de retratar quantitativa e qualitativamente
a realidade local. Componentes como o ambiente físico-químico e o ambiente
construído, a assistência à saúde, a educação, a habitação, os serviços urbanos e
a participação econômica podem e devem ser analisados. Neste sentido, descrever
as condições de vida e de saúde é relacionar aspectos psíquicos, físicos, sociais,
econômicos e ambientais de cada indivíduo e da comunidade, decorrentes da
satisfação ou não de suas necessidades. Neste estudo pretende-se demonstrar que
a exposição a riscos socioambientais de maior intensidade determina maior agravo
à saúde das populações urbanas de áreas críticas.
9
3 MATERIAIS E MÉTODOS
3.1 Metodologia
O estudo realizado caracteriza-se como uma pesquisa descritiva, pois seu
objetivo principal foi descrever as características de uma determinada área e sua
população. Como se buscou, ainda, identificar possíveis associações entre as
variáveis estudadas e determinar a natureza das mesmas, a pesquisa se aproxima
do modelo explicativo (GIL, 1994).
3.2 Descrição da área estudada
O estudo foi realizado nos bairros Renascer (antigo Mina Quatro) e São João,
no município de Criciúma, Santa Catarina, situados a cerca de 4 km ao sul da sede
do município. As coordenadas geográficas locais estão no mapa apresentado no
anexo 1.
Os bairros contam com aproximadamente 2.528 habitantes em cerca de 655
domicílios, numa média de 3,86 habitantes por domicílio, segundo estimativa feita a
partir dos dados do IBGE (2000).
Nos bairros foram escolhidas quatro microareas. O critério para a escolha foi
a presença de moradias localizadas sobre os rejeitos de carvão ou nas barrancas
do córrego. De acordo com estes critério e com auxílio de aerofotografia (anexo 2),
estimou-se, inicialmente, 40 domicílios e 160 indivíduos a serem pesquisados,
sendo estabelecida como unidade de estudo o domicílio. Optou-se por visitar todos
os domicílios existentes nas microareas, exceto os que tivessem apenas fins
comerciais.
3.3 A coleta de dados
Foram utilizados no estudo dados primários e secundários. Os dados
primários foram coletados na perspectiva de duas abordagens: uma direcionada ao
meio físico-químico e o meio construído e outra direcionada à população. Os dados
secundários foram obtidos a partir de informações obtidas em diversas instituições
e/ou publicações.
10
3.3.1 Dados primários
3.3.1.1 Abordagem do meio físico-químico e do meio construído
A coleta de informações sobre o meio físico-químico e o meio construído foi
realizada em duas etapas. A primeira envolvendo a observação direta do
pesquisador e a coleta de registros etnográficos3 e a segunda envolvendo análise
de dados laboratoriais e de referências bibliográficas.
Etapa 1
A primeira abordagem da área em estudo foi realizada sob a forma de
observação direta, onde o pesquisador percorreu os bairros tendo como finalidade
principal observar e não intervir. Foram observados e descritos no diário de campo
o ambiente físico-químico, o ambiente construído, o córrego, as ruas, as calçadas,
as construções e os seus arredores. Também foram utilizadas fotografias para
ilustrar as observações. As incursões foram feitas 13 oportunidades, entre os
meses de junho e dezembro de 2003.
As observações contribuíram para a descrição das características dos bairros
como um todo e, especialmente, das quatro microareas estudadas, nos aspectos
relativos às questões socioambientais e de infra-estrutura urbana disponíveis para
os moradores. Neste primeiro contato teve-se a companhia de uma agente de
saúde do PSF.
A principal vantagem da observação é que os fatos e situações são
percebidos diretamente “in loco”, o que, na visão de Gil (1994), não tem
intermediação porque o pesquisador não ouviu as informações de outro. Ele
observa diretamente e faz suas anotações. No entanto, buscou-se evitar que a
presença do observador/pesquisador alterasse o comportamento dos observados e
que a afeição ou gosto do mesmo influenciasse a descrição dos fenômenos
observados.
Etapa 2
Com o objetivo de evitar associações que poderiam distorcer ou invalidar os
resultados obtidos, além de fornecer dados mais abrangentes acerca das condições
3
Registros materiais, como fotografias, gravuras, inscrições, etc, que servem para contar a história de
um povo.
11
ambientais das microareas estudadas, foi efetuada análise físico-química e
microbiológica da água do córrego que atravessa a área estudada e da água para
consumo distribuída pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento
(CASAN), para verificar suas características principais.
A coleta no córrego e na rede de distribuição foi realizada no dia 13/01/2004,
por volta das 14,00 horas. Foram coletadas amostras em dois pontos distintos do
córrego, sendo um ponto a montante e outro a jusante em relação às microareas
estudadas. A coleta da água distribuída para consumo foi feita em torneira ligada
diretamente na rede de distribuição num domicílio da microarea 4, escolhido em
sorteio simples realizado a partir do número do questionário aplicado nos domicílios
na etapa 2 da abordagem com a população.
As análises laboratoriais foram realizadas pelo Instituto de Pesquisas
Ambientais e Tecnológicas da Universidade do Extremo Sul Catarinense
(IPAT/UNESC). Estas informações permitiram estabelecer associações entre os
problemas de saúde referidos ou constatados nas outras etapas da pesquisa.
Esses dados também serviram como dados auxiliares na descrição das condições
de vida das populações estudadas, particularmente relacionadas com o
atendimento de serviços de infra-estrutura urbana básica.
Na análise microbiológica das amostras de água do córrego e nas de
consumo humano foi efetuada pesquisa de coliformes totais e fecais segundo a
técnica de tubos múltiplos (PL IPAT 0144). Os resultados obtidos para as amostras
do córrego foram comparados com a Resolução n. 274 do Conselho Nacional do
Meio Ambiente (CONAMA)5, que trata da qualidade das águas para balneabilidade.
Os resultados obtidos na amostra de água de consumo foram comparados com
normas microbiológicas do Ministério da Saúde (MS), contidas na Portaria
1469/MS, de 29/12/2000 (tabelas no anexo 3), que trata dos parâmetros para a
água de consumo.
Na análise físico-química das amostras de água do córrego e de consumo foi
realizada medição de pH, através do método potenciométrico com a utilização de
pHmetros e operação de acordo com os manuais específicos; Dureza total,
seguindo o método titulométrico com EDTA; Sulfato, seguindo o método
turbidimétrico; Nitrato, de acordo com o método colorimétrico com ácido
fenodissulfônico; e metais (Alumínio, Ferro total e Manganês), usando a
4
Bacteriological Analitical Manual. United States of America, 1998.
A Resolução n. 274/2000 trata da qualidade das águas para balneabilidade. Disponível em
<http://www.mma.gov.br/port/conama/index.cfm>. Acesso em 28/01/2004.
5
12
espectofotometria de absorção atômica com aparelho Zeiss, modelo AAS4. Os
procedimentos estão de acordo com o Standard methods for the examination of
water and wastwater6.
Os resultados obtidos para as amostras do córrego foram comparados com a
Resolução n. 20/86 do CONAMA, que trata da classificação do uso das águas
territoriais. A análise comparativa foi realizada com base em águas da classe I
(destinadas ao abastecimento doméstico após tratamento simplificado; à recreação
de contato primário; entre outros usos). Os resultados obtidos na amostra de água
de consumo foram comparados com os parâmetros estabelecidos pela Portaria
1469/MS (tabelas no anexo 3).
Em relação ao ar, foram utilizados dados já publicados por Rosso (1999),
Alexandre (1996) e Alexandre et al (1995). As informações relativas aos impactos
no solo e seu uso foram obtidos na etapa 1 da abordagem sobre o ambiente físicoquímico e construído e, também, com consulta bibliográfica.
3.3.1.2 Abordagem da população
Etapa 1
Foi realizado, inicialmente, com base nas incursões nos bairros e na
aerofotografia (anexo 2), o levantamento dos domicílios que seriam visitados nas
quatro microareas selecionadas por terem as moradias localizadas sobre os rejeitos
de carvão ou nas barrancas do córrego que atravessa os bairros.
As agentes do Programa de Saúde da Família (PSF) responsáveis pelas
áreas onde estão inseridas as quatro microareas estudadas deram apoio nesta
etapa, auxiliando a identificar os domicílios. O contato com as agentes foi realizado
na unidade de saúde do Bairro Renascer, que atende todo o aglomerado, além de
outros bairros, com anuência de sua gerente.
Etapa 2
Foram realizadas entrevistas com os moradores dos domicílios selecionados,
sendo que apenas um questionário (anexo 4) foi preenchido em cada um dos 39
domicílios visitados, tendo em vista que a unidade de estudo estabelecida foi o
domicílio. Desta forma, conseguiu-se atingir um maior número de indivíduos
6
American Public Health Association. Standard methods for the examination of water and
wastwater. 20ª ed. Washington, APHA, 1998.
13
pesquisados. No entanto, o informante foi apenas uma pessoa.
Nesta etapa, o acesso aos domicílios e o contato com os moradores das
microareas foi facilitado pelas agentes do PSF, também com a anuência da gerente
da unidade. É importante observar que em certas ocasiões a companhia da agente
de saúde não foi possível, em virtude de compromissos com sua atividade. Neste
caso, a mesma acompanhava o pesquisador até a microarea apresentando-o a um
dos moradores. Este morador, após a entrevista, apresentava o pesquisador para
seu vizinho, este para o próximo e sucessivamente.
Buscou-se realizar a entrevista em todos os domicílios pré-selecionados
encontrados nas microareas. Os estabelecimentos exclusivamente comerciais não
fizeram parte da pesquisa.
As entrevistas foram semi-estruturadas. Este tipo de entrevista inclui questões
onde o entrevistado pode emitir opinião ou fornecer informações que ache
importante acerca dos temas relacionados com o assunto em pauta, permitindo
uma análise qualitativa das mesmas. Por outro lado, também permite que os dados
sejam classificados e quantificados (GIL, 1994).
Foram levantados dados socioeconômicos, como habitação, educação,
saúde, emprego e renda, e acesso a serviços básicos, como saneamento e energia
elétrica. Também foram obtidas informações sobre os serviços de atendimento à
saúde e sobre a morbidade referida, relativa ao período estimado de janeiro a
agosto de 2003.
Ao final da entrevista, foi solicitado ao entrevistado que assinasse documento
específico (anexo 5), assegurando a veracidade das informações e autorizando o
uso das mesmas em trabalhos e publicações de cunho acadêmico e científico, com
o compromisso de manter sua identidade sob anonimato.
Etapa 3
Para se ter uma idéia mais aprofundada dos motivos que levaram essas
pessoas a escolher esses locais para morar, foi realizada uma nova entrevista,
utilizando-se a técnica de história de vida, com uma subamostra dos 39 moradores
entrevistados na etapa 2 da abordagem com a população.
A história de vida é caracterizada como um estudo da vida dos moradores.
Pode ser buscada em forma de narrativa ou entrevista aberta. Neste caso foi feita
em forma de entrevista aberta, pois se pretendia conhecer o motivo que os levou a
virem para o local (GONÇALVES, 2002; MINAYO apud CRUZ NETO, 1994).
14
Nesta etapa foram selecionados quatro moradores que compuseram a
subamostra, equivalente a 10% dos entrevistados da etapa 2, sendo um para cada
microarea. A seleção foi feita através de pergunta no questionário da etapa 2 se
concordariam ou não em dar mais uma entrevista e seguindo o critério de maior
tempo de residência na área estudada. As entrevistas foram realizadas no mês de
dezembro de 2003 e janeiro de 2004.
Aos informantes desta etapa foi solicitada autorização para gravação da
entrevista e os mesmos foram informados de que tinham todo o tempo necessário
para falar. Foi-lhes explicado que a gravação seria transcrita e que posteriormente
seria feita uma nova visita, na qual os textos seriam lidos com a finalidade de darlhes conhecimento e esclarecer possíveis divergências. Depois da leitura da
transcrição (anexo 6) foi solicitado que o entrevistado assinasse uma autorização
para uso e publicação das informações em trabalhos de cunho acadêmico e
científico, conforme modelo apresentado no anexo 7. Ficou estabelecido o
compromisso de manter no anonimato a identidade do entrevistado.
3.3.2 Dados secundários
As aerofotografias e mapas utilizados no desenvolvimento da pesquisa foram
obtidos junto ao IPAT/UNESC.
As informações sobre as características ambientais do município de Criciúma,
principalmente as relacionadas com a água, com o ar e com o solo, foram obtidas
com base em pesquisa bibliográfica.
As informações sobre a morbidade (internações pelo SUS) no município de
Criciúma e no Estado de Santa Catarina, referentes ao período de jan-set/2003,
foram obtidas a partir da base de dados do Ministério da Saúde – Sistema de
Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), em consulta a home page do
DATASUS7.
Os dados estatísticos e demográficos de Santa Catarina, de Criciúma e dos
bairros estudados foram obtidos na agência regional do IBGE, em publicações
desta instituição e ainda nas home pages do DATASUS e do IBGE8.
O levantamento dos dados relativos à morbidade constatada foi realizado na
unidade de assistência à saúde do Bairro Renascer, no mês de dezembro de 2003.
7
8
Home page do DATASUS: <http://www.datasus.gov.br>.
Home page do IBGE: <http://www.ibge.gov.br>.
15
O trabalho contou com auxílio de duas técnicas em enfermagem que trabalham na
unidade de saúde e teve anuência da sua gerente.
A unidade conta com aproximadamente 1500 prontuários, dos quais se fez a
análise apenas daqueles dos moradores selecionados para a pesquisa na etapa 2.
Nos prontuários, numerados por unidade familiar, estão anotadas as queixas dos
pacientes, o diagnóstico médico e os encaminhamentos dados para cada um dos
casos. Foi levantado apenas o diagnóstico médico relativo às consultas realizadas
no período de janeiro a dezembro de 2003. Para identificar os prontuários solicitouse através do questionário da etapa 2 que os entrevistados fornecessem o número
do prontuário na unidade de saúde ou o nome completo de quem consta como
titular no prontuário. Com estes dados foi possível localizar os prontuários e
proceder a sua análise.
Estas informações permitiram a construção de um quadro com os principais
problemas de saúde diagnosticados na unidade.
As informações obtidas a partir dos prontuários foram comparadas com
aquelas obtidas por Rosso (1999), com as contidas no Diagnóstico de Saúde
(2000) e com os dados de morbidade relativos ao município de Criciúma e ao
Estado de Santa Catarina, no período compreendido entre os meses de janeiro e
setembro de 2003, com o objetivo de verificar se a morbidade apresenta
divergências ou se segue a mesma tendência das pesquisas citadas.
3.4 A análise dos dados
A preocupação principal da pesquisa foi o caráter qualitativo, embora tenham
sido usados dados quantitativos para facilitar a descrição e demonstração das
associações previstas.
3.4.1 Categorias de análise
A análise qualitativa foi realizada a partir do elenco de conceitos teóricos que
compõem a argumentação desse trabalho, entre os quais destaca-se a concepção
de saúde, de meio ambiente e de qualidade de vida, as idéias relativas à
degradação ambiental e dos fatores do ambiente intervenientes na vida dos
moradores. Buscou-se, ainda, relacionar as condições de vida dos moradores das
microareas estudadas com a idéia de rejeito social ou restos inúteis, proposta por
16
Damergian (2001) e de intitulação, proposta por Sen (2000). Destacam-se, ainda,
como categorias de análise as concepções de espaço e lugar, na perspectiva de
Tuan (1983, apud Gonçalves, 2002), e de apropriação, conforme Pol (s.d., apud
Gonçalves, 2002).
A análise qualitativa baseia-se ainda na percepção do pesquisador.
Percepção aqui entendida como a leitura de um fato, de uma situação real de
acordo com a ótica de quem o faz. A percepção na perspectiva de Merleau-Ponty
(1999), se refere à intencionalidade da consciência. Portanto, à intencionalidade do
sujeito, no caso do pesquisador.
A análise quantitativa foi realizada por meio da comparação entre os dados
referentes à morbidade e à estrutura de serviços básicos disponibilizados para a
população e as informações socioeconômicas e de morbidade obtidas durante a
pesquisa.
17
4 A HISTÓRIA DO CARVÃO E DA SAÚDE EM CRICIÚMA
O território geográfico do município de Criciúma, antes da chegada dos
imigrantes europeus, era ocupado por populações de botocudos, denominados
pelos antropólogos de Xokleng (NUERNBERG, 2001).
Segundo Volpato (1984), antes da fundação e ocupação definitiva das atuais
terras do município, por ali passaram expedições exploratórias de jazidas minerais
de carvão, que confirmaram a existência de carvão de pedra no subsolo, sem se
deterem para fixar residência.
A ocupação da área geográfica do município deu-se em 6 de janeiro de 1880,
quando imigrantes oriundos da Itália ali se estabeleceram e levantaram suas casas.
Ainda no mesmo ano chegaram também imigrantes de origem polonesa e alemã. A
corrente migratória não cessou e novas levas de imigrantes foram chegando nas
décadas seguintes. A migração européia, somada aos operários de origem lusa,
vindos três décadas após, constituíram a população inicial de Criciúma (VOLPATO,
1984).
Desde o início, o modelo de colonização do município de Criciúma esteve
calcado na exploração dos recursos naturais. Os recursos vegetais foram os
primeiros a serem explorados. A floresta foi derrubada para uso da madeira na
construção de moradias e para limpeza do solo para instalação de cultivos de
subsistência, permitindo o avanço das fronteiras agrícolas.
Em 1917, inicia-se a exploração de carvão, apesar de já se conhecer sua
existência desde 1825. A atividade mineradora é ampliada a partir de 1919, em
razão da chegada do ramal da Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina, ligando o
município ao porto de Imbituba e facilitando o escoamento da produção das minas
(NUERNBERG, 2001; VOLPATO, 1984).
Para Nuernberg (2001), a exploração do carvão foi a principal mola mestra a
impulsionar o crescimento da cidade, projetando-a no cenário nacional. Em 1925,
Criciúma
torna-se
município,
adquirindo
sua
emancipação
a
partir
de
desmembramento do município de Araranguá.
A extração do carvão se acentuou a partir da Segunda Guerra Mundial, em
parte por conta dos subsídios do governo. Outros fatores importantes que
impulsionaram a atividade mineradora foram a instalação da Companhia
Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda, RJ, em 1945, da Usiminas, em
Minas Gerais, e Cosipa, em São Paulo, nos anos seguintes, responsáveis pelo
18
consumo do carvão metalúrgico. Também foram construídas unidades de produção
de energia termoelétricas, como a Sotelca, subsidiária da Eletrobrás, atualmente
Tractebel Energia, em Capivari de Baixo, Santa Catarina, na década de 1960.
Nestas unidades termoelétricas é consumido o carvão vapor (NUERNBERG, 2001;
VOLPATO, 1984).
De acordo com Nuernberg (2001), paralela à atividade mineradora, a
industrialização foi se expandindo. O grande impulso ocorre nas décadas de 196070 com a instalação de fábricas dos setores cerâmico, metalúrgico, vestuário,
calçadista e de alimentação. A cidade, que com o carvão tinha se tornado pólo
regional atrator de migrantes, especialmente das áreas rurais do sul do Estado,
acentua sua disposição de se tornar a mais importante da região e, com isto, tornase o principal destino destes migrantes.
Nuernberg (2001) relata também que o desenvolvimento econômico pujante
do município traz, em 1973, a pavimentação asfáltica da Rodovia SC 444, ligando a
sede do município à BR 101, facilitando a comunicação do município. Isto é motivo
para expansão do comércio e da prestação de serviços. O crescimento econômico
de Criciúma atrai um contingente cada vez maior de migrantes, que chegam a
somar, no início da década de 80, quase 40% da população.
Apesar do crescimento dos outros setores, a atividade mineradora manteve
ao longo do tempo papel de importância fundamental no desenvolvimento do
município. A crise politicoeconômica relacionada às reservas, produção e
comercialização do petróleo, no início da década de 1970, fez os países
dependentes do petróleo redirecionarem sua política energética. As previsões do
Ministério das Minas de Energia para substituir petróleo por carvão, na ordem de
170 mil barris de petróleo/dia, definidas para o período 1975-85, estabelecem uma
necessidade crescente do mineral (VOLPATO, 1984). Este fato provocou um
incremento da atividade mineradora, que atingiu o maior volume de produção
durante a primeira metade da década de 80. Neste período registrou-se também o
maior número de trabalhadores ligados ao setor.
4.1 A mineração
O processo de extração do carvão na bacia carbonífera catarinense era,
inicialmente, manual e acarretava menos danos à natureza e à saúde dos
trabalhadores do que na fase de mecanização das minas. Este foi o principal modo
19
de exploração até a década de 1950. Nele a seleção do carvão era feita no fundo
das minas. Todo o rejeito, composto por pedra, pirita e barro, ficava nas galerias e
só o carvão era retirado das minas. Havia, ainda, uma segunda escolha feita nas
bocas das minas, porém a quantidade de rejeitos era bem pequena (VOLPATO
apud MILIOLI, 1995).
A mecanização das minas foi a grande responsável pelo aumento da
produção do mineral e de rejeitos, em razão da necessidade de retirar do fundo das
minas todo o material desmontado nas frentes de trabalho. Do montante de material
retirado das minas, cerca de 30 a 40% é de carvão energético, metalúrgico e finos.
O restante é rejeito constituído de materiais xistosos, piritosos e carbonosos de
pouco ou nenhum valor (ROSSO, 1999). Estes rejeitos foram depositados,
principalmente, nos banhados e baixadas ao longo dos rios e córregos,
comprometendo grandes extensões de solo, os mananciais hídricos, devido às
reações químicas entre os rejeitos e a água, e a atmosfera, contaminada pelos
gases resultantes da queima espontânea da pirita e pela poeira, levantada em
função da movimentação intensa de máquinas e caminhões e da ação dos ventos
(ROSSO, 1999; MILIOLI, 1995).
Em décadas passadas, como as reservas eram tidas como inesgotáveis e de
fácil acesso, uma parte do carvão era jogada fora junto com os rejeitos, o que
aumentava ainda mais sua quantidade. Recentemente, depósitos de rejeitos de
algumas áreas do município começaram a ser relavados para aproveitamento do
mineral ali existente.
Volpato (1984) registra ainda que os órgãos envolvidos com a dinamização
do setor de mineração, tanto na esfera pública como privada, primavam por uma
política de caráter eminentemente econômico, valorizando extremamente o produto
e o lucro. A poluição ambiental, a destruição paisagística, a destruição da fauna e
da flora, a contaminação das águas e outras ameaças, especialmente à saúde,
decorrentes da atividade, constitui-se num alto preço socioambiental da indústria
carbonífera, contribuindo decisivamente para prejudicar a qualidade de vida.
Neste sentido, em relação ao carvão, o que ocorreu em Criciúma foi como se
os antepassados tivessem tomado emprestado um capital ambiental das gerações
seguintes, sem qualquer interesse ou perspectiva de devolvê-lo, dominados pelo
ímpeto da produção e do lucro, tendo o meio ambiente apenas como fornecedor
dos recursos. Além de terem tomado o capital ambiental, deixaram um rastro de
degradação em variadas frentes, como solos destruídos pelos rejeitos, mananciais
20
hídricos completamente poluídos e uma atmosfera carregada de partículas e de
gases que interferem nos sistemas vitais das pessoas. Este passivo ambiental é o
ônus que os habitantes de Criciúma e região terão que pagar por longo tempo,
apesar de que os lucros do carvão serviram para benefício de poucos.
4.2 A explosão demográfica no município de Criciúma
Apesar dos problemas relacionados com a atividade mineradora, quando uma
cidade cresce economicamente atrai migrantes em busca de melhores condições
de vida. Este fato ocorreu também com o município de Criciúma, que passou a
atrair expressivo contingente, à medida que a indústria mineradora se desenvolvia.
Segundo Volpato (1984), o modelo exploratório que se estabeleceu na região
carbonífera foi o grande responsável por atrair as pessoas. A capital do carvão era
o que se podia imaginar como um eldorado, capaz de permitir a realização dos
sonhos. Muitas pessoas buscavam o trabalho nas minas, pois os níveis salariais
dos mineiros se equiparavam aos dos setores industriais mais bem pagos no País,
como o das indústrias automobilísticas, chegando em 1978, a uma média de 3 a 5
salários mínimos regionais. Volpato destaca também a possibilidade de obter a
aposentadoria aos 15 anos de trabalho no subsolo, apesar dos problemas relativos
ao ofício que. Segundo ela, o trabalho nas minas coloca o mineiro em convívio com
um ambiente de risco permanente à vida, à saúde e à integridade corporal, cujas
conseqüências daí derivadas poderão acompanhá-los por toda a vida.
Neubert e Dufloth (2002) estudaram a dinâmica da população do Sul de
Santa Catarina, utilizando os dados dos Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991
e 2000, realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Comparando a densidade populacional da Associação dos Municípios da Região
Carbonífera (AMREC), da Associação dos Municípios do Extremo Sul Catarinense
(AMESC) e da Associação dos Municípios da Região de Laguna (AMUREL),
concluíram que apenas a AMREC aumentou a densidade da população total num
percentual superior ao do Estado, mantendo-se ao longo dos períodos analisados
como a região mais densamente habitada do sul catarinense. Segundo os
pesquisadores, estes dados permitem deduzir que a AMREC deve ter recebido,
nesse período, muitos migrantes oriundos das outras duas regiões. Ainda, pode-se
afirmar que o meio rural das três microrregiões foi o grande fornecedor contínuo de
novos habitantes para o meio urbano.
21
Parte deste contingente de migrantes é o que sobrou sem ter emprego e nem
para onde ir. Muitos contribuíram para formar vilas e bairros em condições
precárias e em áreas críticas sob o ponto de vista socioambiental na periferia do
município de Criciúma, como os bairros Renascer e São João.
O município de Criciúma, a exemplo de outras cidades do Estado e do País,
sofreu um acentuado processo de urbanização. De 1980 até hoje a taxa de
população urbana se mantém ao redor de 90%, segundo dados dos censos
demográficos de 1980, 1991 e 2000 e da contagem da população, realizada em
1996, analisados por Nuernberg (2001). A densidade demográfica situa-se acima
de 810 hab/km2 (IBGE, 2000). Os grandes fornecedores de migrantes para o
município são as populações de áreas rurais e das pequenas cidades da região sul
do Estado. As principais razões deste fluxo migratório são a busca por emprego,
por equipamentos sociais, como comércio, serviços, habitação, educação e saúde,
e por melhores condições de vida (NUERNBERG, 2001).
Segundo Nuernberg (2001), a partir de 1940, acentuou-se o processo de
crescimento populacional, devido ao intenso fluxo imigratório relacionado à
exploração do carvão. Nestes anos de intenso progresso, Criciúma registrou
elevadas taxas de crescimento demográfico, como em 1950, com 6,33%; em 1960,
com 12,07%; e em 1970, com 7,25% ao ano para a sede urbana.
Outro dado importante é relativo a composição da população do município.
Em 1980, 60,92% da população era natural do município e 39,08% era originária de
outros municípios. Dos 39,08% de imigrantes permanentes que passaram a residir
no município, 33,98% são originários dos municípios do sul do Estado,
principalmente da faixa litorânea. Os outros 5,10% são de outras cidades, de outros
estados e até estrangeiros (NUERNBERG, 2001).
Desse modo, pode-se inferir que as cidades-pólo, por seus atrativos
econômicos e por apresentarem maiores oportunidades de melhoria das condições
de vida e de acesso aos bens e serviços, como foi o caso Criciúma, tendem a
receber um contingente maior de imigrantes.
4.3 O passivo ambiental
Qualquer atividade humana gera alterações nos ambientes onde está
inserida. A degradação ambiental decorrente da atividade de exploração do carvão
mineral é bastante acentuada. A tabela a seguir apresenta os principais processos
22
de degradação ligados à exploração do carvão.
Tabela 1: Matriz informativa sobre impacto ambiental das atividades ligadas à
exploração do carvão mineral.
Processos de
degradação
Recurso natural
Água
Combustão
Espontânea
Chuvas ácidas
Lixiviação
Formação de ácido e
solubilização de metais.
Contaminação dos recursos
hídricos
Transporte de águas ácidas,
metais tóxicos e sólidos em
suspensão. Contaminação
dos recursos hídricos
Acidificação e contaminação
de águas subsuperficiais
Drenagem
superficial
Drenagem
subsuperficial
Intemperismo
Ar
Solo
Gases tóxicos, Acidificação do
materiais
solo
particulados
Acidificação e
contaminação
do solo
Acelera o processo de Material
formação de águas ácidas e particulado em
provoca o assoreamento em suspensão
rios e lagoas
Erosão,
acidificação do
solo,
assoreamento
Acidificação do
solo
infiltrado
pela água ácida
Erosão
Fonte: Adaptado de ALEXANDRE et al. (1995). Fontes de Poluição no Município de Criciúma.
CPRM.
A quantificação dos problemas gerados é bastante difícil. O passivo ambiental
resultante da mineração pode, no entanto, ser contabilizado a partir dos dados
relativos a degradação do solo, da água e do ar.
Em relação ao solo, de acordo com dados da Secretaria de Estado de
Planejamento e Fazenda do Santa Catarina (1996), são cerca de 760 hectares de
área degradada em razão da atividade mineradora, o que representa cerca de 3,6%
da área total do município, que é de 209,2 km². É importante ressaltar que esta
degradação é decorrente tanto da atividade de instalação, funcionamento e
abandono da mina, quanto das áreas usadas para deposição dos rejeitos. Somados
a outras atividades, como a agricultura e disposição inadequada de resíduos
industriais e urbanos, a área degradada aumenta para cerca de 960 hectares,
aproximadamente 4,6% da área total do município (NUERNBERG, 2001).
O relevo, o modo de disposição e a declividade das pilhas de rejeito são
fatores que aceleram a erosão e os deslizamentos de grandes quantidades de
materiais para dentro dos corpos d'água, assoreando-os e provocando inundação
23
de áreas maiores. Como normalmente as pilhas de rejeitos não eram cobertas, as
águas das chuvas percolavam, reagindo quimicamente com os componentes do
rejeito, originando águas ácidas. Estas provocam a solubilidade de metais pesados,
carreando-os
para
os
mananciais
hídricos,
inutilizando-os
para
uso
no
abastecimento das populações (ROSSO, 1999).
Segundo Alexandre (1996), a granulometria dos rejeitos depositados nas
pilhas tem grande importância. Quanto menor for seu tamanho maior será o contato
do rejeito piritoso9 (R1) com o oxigênio do ar ou da água. A pirita10 (FeS2), em
contato com a água (H2O) e o oxigênio (O2), desencadeia uma série de reações
químicas, cujo principal produto é o ácido sulfúrico (H2SO4), que dissolvido na água
torna-a ácida. A água ácida compromete os recursos hídricos representados pelos
rios e aqüíferos, refletindo na destruição da flora e fauna destes ambientes.
A combustão espontânea da pirita das pilhas também libera para a atmosfera
grande quantidade de gases, especialmente o gás sulfídrico (H2S), que pode
provocar problemas respiratórios, queimaduras, irritação nos olhos, mortalidade de
plantas e animais, chuva ácida e corrosão de estruturas metálicas, monumentos e
construções. Um outro problema referente à disposição inadequada do rejeito é o
intemperismo, que provoca liberação na atmosfera de grande quantidade de
material particulado11.
O quadro apresentado para o solo mostra a sua interface com a água e o ar.
Em relação à água, o passivo ambiental é, talvez, o mais crítico. A
contaminação dos mananciais devido aos processos já descritos tende a
permanecer por longo tempo, mesmo depois de paralisadas as atividades de
mineração.
O estudo realizado por pesquisadores do NUPEA/FATMA/UNESC12 nos anos
de 1994-95 permitiu a caracterização dos recursos hídricos superficiais (rios e
córregos) do município de Criciúma. Foram amostrados 18 pontos em sete corpos
d'água: rios Criciúma, Maina, Sangão, Linha Anta e Ronco d'Água, e córregos
Eldorado e Quarta Linha. Os principais problemas detectados são o baixo valor
9
Rejeito piritoso ou R1 é considerado o mais agressivo ao meio ambiente por apresentar cerca de
10% de Enxofre (S) e cerca de 8% de carvão, além de outros materiais. (R0SS0, 1999).
10
Pirita (FeS2) apresenta cerca de 53,4% de Enxofre e 46,6% de Ferro (Fe). Ibidem.
11
Anotações do autor durante a disciplina Extração Mineral e Recuperação de Ambientes Alterados,
ministrada pelos professores Dr. Laurindo de Salles Leal Filho, Dra. Vanilde Citadini Zanette e
Doutorando Carlyle Torres Bezerra de Menezes, no Curso de Mestrado em Ciências Ambientais da
Universidade do Extremo Sul Catarinense, em julho de 2002.
12
Núcleo de Pesquisas Ambientais (NUPEA) da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC),
atualmente integrado ao Instituto de Pesquisas Ambientais e Tecnológicas (IPAT), da UNESC, em
convênio com a Fundação do Meio Ambiente (FATMA).
24
para o pH (água com elevada acidez) e diversos metais pesados dissolvidos. Os
pesquisadores avaliaram o Índice de Toxicidade (IT) para manganês, chumbo,
cromo total, cobre e zinco, sendo o manganês e o zinco os de maior e menor valor
entre os avaliados, respectivamente. Os resultados foram comparados com os
padrões estabelecidos para águas da classe III (destinadas ao abastecimento
doméstico após tratamento convencional) determinados pela Resolução n. 20/86 do
CONAMA13. Dos 18 pontos amostrados, 15 foram considerados como impróprios
para tratamento convencional de acordo com classificação pelo IT. Desta maneira,
considerando a disponibilidade de água de acordo com o IT, há apenas 4,66% dos
mananciais do município que são de boa qualidade, enquanto os outros 95,34%
não servem para abastecimento da população, e têm a fauna e a flora praticamente
destruídas. Há também a possibilidade de que o uso dessas águas pela população
venha a causar sérios riscos à sua saúde (ROSSO, 1999).
Em relação ao ar, o passivo ambiental não é menos importante. Estudar a
poluição atmosférica14 é mais complicado, pois não se tem controle sobre os
poluentes lançados na atmosfera e o ar circula livremente. No entanto, os estudos
realizados em Criciúma, em 1982 e entre 1993-95, mostraram que a qualidade do
ar melhorou consideravelmente. Os dados do Projeto ECP, de 1982, mostravam
uma média anual de 146,62µg/m³ e 107,67µg/m³ para partículas totais em
suspensão e dióxido de enxofre, respectivamente. Em 1995, o Programa de
Monitoramento da Qualidade do Ar do Município de Criciúma, realizado pelo
NUPEA/FATMA/UNESC, obteve valores de 59,43µg/m³ e 39,46µg/m³ para
partículas totais em suspensão e dióxido de enxofre, respectivamente. Comparados
com os parâmetros da Resolução do CONAMA 03/90 e do Padrão da Qualidade do
Ar (PQAR), da Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental (CETESB), que
classifica como bom o ar com até 80µg/m³ de média anual, tanto para partículas
totais em suspensão como para dióxido de enxofre, os valores obtidos em 1982
estavam 83,3% e 34,6% acima da média, respectivamente para partículas totais em
suspensão e dióxido de enxofre, enquanto que, em 1995, os valores encontrados
estavam 25,7% e 50,7% abaixo da média anual padrão para partículas totais em
13
A Resolução n. 20/86 trata da classificação das águas, doces, salobras e salinas do Território
Nacional. Disponível em <http://www.mma.gov.br/port/conama/index.cfm>. Acesso em 13/04/2003.
14
Poluição atmosférica. Considera-se poluição atmosférica toda e qualquer forma de matéria e/ou
energia que, de acordo com suas características, sua concentração e seu tempo de permanência na
atmosfera, possa ou venha causar danos à saúde, aos materiais, à fauna e flora e que se mostre
prejudicial à segurança, ao uso e gozo da propriedade, à economia e ao bem-estar de todos
(ALEXANDRE et al, 1995).
25
suspensão e dióxido de enxofre, respectivamente (ROSSO, 1999). Sabe-se que
estes poluentes possuem a capacidade de causar sérios problemas de saúde,
principalmente no aparelho respiratório.
4.4
O passivo social
A mineração do carvão deixou, também, um passivo social. Segundo Volpato
(1984), a atividade coloca em risco a saúde do trabalhador, por provocar um tipo de
pneumoconiose (antracose ou antracocitose), caracterizada pela instalação no
tecido pulmonar de poeira do carvão. O tecido pulmonar é destruído progressiva e
irreversivelmente, adquirindo nítida cor escura, diminuindo sua capacidade de troca
de gases (hematose). Apesar de práticas preventivas, como o uso de equipamento
de proteção individual, especialmente de máscaras, e da umidificação constante
das frentes de trabalho, ainda hoje os trabalhadores de carvão estão sujeitos a
desenvolver problemas respiratórios.
Outros problemas de saúde relacionados diretamente com o trabalho nas
minas são a tensão, em função dos perigos de acidentes de trabalho, que acaba
provocando perturbações gastrointestinais; os resfriados, asma, bronquites e
reumatismos, em função da umidade no interior das minas e das mudanças
bruscas de temperatura; os problemas de coluna, devido ao dispêndio da força
física e da altura limitada das galerias; e as infecções de pele, devido a cortes,
arranhões, queimaduras, fricção da pele no uso da botas, que tendem a se agravar
pelo contato contínuo com a poeira. Estas condições são mais graves em minas
mecanizadas (VOLPATO, 1984). Em razão destas condições de trabalho os
trabalhadores das minas recebem valores referentes a periculosidade e a
insalubridade.
Além dos trabalhadores, a população da região carbonífera também sofreu e
ainda sofre conseqüências à saúde, devidas à degradação ambiental. Esta, no
entanto, não recebeu e não receberá nenhum valor por seus problemas de saúde.
O ônus à saúde, assim como o ônus ambiental, está sendo pago por toda a
população, mesmo por aqueles que nunca tiveram nenhuma relação mais direta
com as atividades do setor.
Portanto, falar de passivo social da mineração é contabilizar os doentes
profissionais e o número de pessoas que ficaram ou ainda ficarão doentes em
razão da atividade mineradora ao longo destes cerca de 80 anos.
26
4.5
A retração do setor carbonífero e suas conseqüências
A partir do início da década de 1990 a indústria da mineração começou a
sofrer revezes. De acordo com Nuernberg (2001), apesar de toda infra-estrutura e
da importância que representou na economia local e das reservas ainda existentes,
o desaquecimento do setor é expressivo. No governo Fernando Collor de Mello
foram instituídas as Diretrizes para Política do Carvão Mineral, que decretaram, em
17/09/1990, a desregulamentação da atividade, através da Portaria n. 801. Entre as
medidas contidas na portaria está o fim da obrigatoriedade do consumo do carvão
nacional, a liberação dos preços, a extinção das cotas de produção, a livre
importação de carvão estrangeiro com alíquota zero, e a retirada da CSN das
atividades ligadas ao carvão.
Em razão dessas mudanças, o carvão nacional passa a competir com o de
outros países, tanto em qualidade como no preço, e o Governo Federal deixa de se
responsabilizar pela compra obrigatória do montante de carvão extraído e retira
subsídios e incentivos (NUERNBERG, 2001).
Várias são as conseqüências que podem ser creditadas a estas alterações na
ordem político-econômica nacional e que provocaram mudanças drásticas na
atividade mineradora, além do passivo ambiental já abordado e que carece de
solução definitiva.
Uma primeira conseqüência foi a redução do número de trabalhadores
ligados à mineração, conforme dados apresentados na tabela 2. O ano de 1984
representa o auge da mineração, com o maior contingente de empregados na
indústria carbonífera.
Tabela 2: Número de empregados vinculados à indústria carbonífera nos
municípios da ANREC (Associação dos Municípios da Região Carbonífera) na série
histórica 1980-1999.
Ano base
1980
1984
1988
1990
1993
1994
1999
Mão-de-obra empregada na
indústria carbonífera
8.575 10.898
9.380
7.476
4.665*
4.293
3.615
2.953
Fonte: SIECESC; DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) Informativo Anual da
Indústria Carbonífera. Mês de referência: Janeiro. * Números de dezembro/1990.
Se adicionarmos a mão-de-obra de empresas ligadas à atividade mineradora,
como transportes, beneficiamento e subprodutos do carvão, os números chegam a
aproximadamente 15.000 trabalhadores. Não há dados publicados acerca de 2002
27
e 2003. No entanto, segundo estimativas obtidas junto ao Sindicato das Indústrias
de Extração de Carvão do Estado de Santa Catarina (SIECESC), há atualmente
cerca de 2800 empregados ligados à atividade.
A diminuição dos postos de trabalho modificou as relações entre os
indivíduos. Uns conseguiram recolocarem-se no mercado e mantiveram seu status
quo. Muitos, entretanto, ficaram desempregados. Além da redução dos empregos
diretos e indiretos, houve uma desaceleração geral em toda a economia do
município, resultando em mais desempregados.
Uma parcela de criciumenses que perdeu seus empregos e outros que
desacreditavam da possibilidade de conseguir um trabalho e um salário na cidade
optaram por buscar em outros países a solução para o problema. Com isto,
Criciúma se projetou no cenário nacional como "A Nova Valadares" numa
referência à cidade mineira de Governador Valadares, que foi por muito tempo uma
das maiores exportadoras de mão-de-obra para outros países. Segundo Verano;
Buchalla (1999),
O sonho americano em Criciúma começou com a decadência das minas
de carvão. Até 1990, a atividade empregava parte considerável da
população. Naquele ano, o governo reduziu a zero a alíquota de
importação do carvão mineral, um dos principais combustíveis da indústria
siderúrgica, e fez cair de 12.000 para 5.000 o número de empregos
gerados pela mineração. Muitos dos que ficaram desempregados na
época resolveram ir para os Estados Unidos, em busca de trabalho. A
economia da cidade se acertou com a indústria de confecção, mas esse
ramo entrou em crise após o Plano Real. O resultado foi outros 5.000
desempregados e uma nova leva de emigração.
As estimativas indicam que, de 1990 para cá, cerca de 25.000 pessoas
deixaram a região para percorrer o mesmo caminho que deu fama aos mineiros de
Governador Valadares. O destino principal foi Boston, no Estado de Massachusetts,
Estados Unidos, e mais de 70% dos emigrantes da cidade tinham entre 20 e 34
anos quando se foram (VERANO; BUCHALLA, 1999).
Muitos dos imigrantes que chegaram nos tempos de fartura e criciumenses
que não conseguiram se estabelecer novamente ou mudar para outros países
tiveram que mudar sua maneira de viver, porém sem mudar de cidade. Acabaram
indo ocupar algumas das áreas usadas para os depósitos de rejeitos da mineração
ou outras que tivessem baixo valor comercial, quer seja em condições legais ou
ilegais, ou até forçando as estruturas públicas a legalizá-las. Este fato os colocou
em condições de interação continua com o ônus da mineração, ou seja, a
degradação ambiental e social e acentuou a formação de favelas em várias áreas
do município.
28
4.6 Os bairros Renascer e São João
Uma das áreas que serviu como refúgio para aqueles que não conseguiram
emigrar e nem entrar ou voltar ao mercado de trabalho foi o antigo pátio e a área de
depósito de rejeitos da Mina Quatro, situada nos bairros Renascer e São João,
porém mais conhecida como “Mina Quatro”. No local muitas pessoas se instalaram
sobre os rejeitos de carvão e ainda hoje podem ser encontradas muitas moradias
construídas diretamente sobre os rejeitos, expondo seus moradores a riscos
permanentes em suas condições de saúde, principalmente em relação a doenças
do aparelho respiratório, gastrointestinal e dermatológico.
É importante lembrar que a área serviu durante certo tempo como local para
depósito dos resíduos sólidos produzidos no município. Outro fato importante é que
muitos dos moradores atuais, então pobres e desassistidos, sem emprego e sem
moradia, foram se instalar no local para trabalhar, ou seja, catar lixo, como forma de
garantir a subsistência. Os invasores da área e aqueles que para ali foram
encaminhados por outras pessoas, muitas vezes ligadas ao Poder Público,
conforme referem Dona Aparecida e Dona Maria15, assim o fizeram e aceitaram
porque foi a única opção que lhes restou, e ali ficaram, sem uma expectativa melhor
de vida. Apesar de muitos destes moradores terem contribuído para o
desenvolvimento do município, estão excluídos das benesses deste mesmo
desenvolvimento.
Não há, ainda hoje, segundo nos apresenta Gonçalves (2002), uma história
do Bairro Renascer e nem da “Mina Quatro” como um todo, que inclui também uma
área do Bairro São João. Para poder contar um pouco da história deste espaço
urbano em sua tese, a autora recorreu a entrevistas com ambientalistas que
possuem um certo conhecimento do local e a reportagens publicadas em jornal
regional.
Segundo os relatos e pesquisas da autora, o chamado projeto Mina Quatro,
criado durante o mandato do prefeito José Augusto Hülse (1983-1988), assenta-se
sobre uma área de aproximadamente 43 ha, destinados à criação de um
loteamento popular para cerca de 650 famílias, à criação do porto seco e ao aterro
sanitário. No local, funcionou a Mina Quatro, que após a desativação deixou como
herança da sua atividade uma paisagem de vulcão, com rejeitos de carvão
15
Dona Aparecida e Dona Maria são os pseudônimos de duas das entrevistadas na etapa 3 da
abordagem com a população. As transcrições das entrevistas gravadas estão no anexo 6.
29
expostos em todo o entorno da boca da mina, montes de moinhas de carvão no
local, além de enormes cavas, onde funcionavam as bacias de decantação.
Gonçalves (2002) descreve, ainda, que a recuperação da área, feita pela
prefeitura na segunda metade da década de 1980, não foi mediada por qualquer
preocupação ambiental, pois ainda se notam pilhas de rejeitos sem nenhum
tratamento. Nas cavas das bacias de decantação passou-se a depositar os
resíduos sólidos urbanos do município, que depois eram cobertos com fina camada
de argila. Chamou-se aterro sanitário a esta forma precária de destinação do lixo.
Até a época citada, os resíduos sólidos eram lançados em cavas de mineração a
céu aberto, no Bairro Archimedes Naspolini.
Atualmente, o local de destino final dos resíduos sólidos de Criciúma não é
um aterro sanitário. O material coletado pela concessionária do serviço é
depositado num aterro controlado, em outra área de depósito de rejeitos do carvão,
localizado na divisa dos municípios de Criciúma e Forquilhinha. Nele, os resíduos
sólidos são colocados em camadas sobre os rejeitos do carvão e recobertos
diariamente com estes mesmos rejeitos. Em alguns locais já foram feitas várias
camadas. Não há isolamento do material nem controle e tratamento do chorume.
A mudança do depósito de lixo da “Mina Quatro” para a área atual deu-se a
partir de 1993, por conta de uma ação popular movida pelos moradores do local.
A área da Mina Quatro, inicialmente escolhida para destino do lixo do
município, começou a ser invadida, mesmo antes da instalação do loteamento. As
pessoas que ali se instalaram eram principalmente catadores. Com a saída do
lixão, a área começa a tomar feição de bairro, ganhando mais construções
precárias, feitas com restos de materiais diversos; outras, um pouco melhor, feitas
em mutirão, com planta doada pela prefeitura, outras ainda de caráter popular e de
mesmo padrão, edificadas pela Caixa Econômica Federal. Há ainda aquelas que
seguem padrão específico e que foram construídas por moradores com melhores
condições econômicas (GONÇALVES, 2002).
Em meio a área ocupada pelas residências passa um córrego que, além de
ser contaminado com resíduos da mineração, recebe os esgotos da comunidade.
Nas ruas, percebe-se poças e valetas a céu aberto, onde ficam depositadas ou
escorrem águas contaminadas pelo contato com os rejeitos e por resíduos
biológicos provenientes das moradias. Segundo Gonçalves (2002), há casebres
que se equilibram nas margens do córrego, que, em caso de enchente, são
invadidos pela água.
30
A recuperação da área onde atualmente ocupada pelos moradores dos
bairros Renascer e São João foi realizada de forma bastante precária. Inicialmente,
os montes foram terraplenados e, a seguir, foram colocadas finas camadas de
argila, para esconder a cor preta das pilhas de rejeitos e minimizar os odores
exalados pelas reações químicas que ali ocorrem. Este trabalho também esconde
um pouco da história da área, narrou Mário Ricardo Guadagnin, pesquisador da
Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), entrevistado por Gonçalves
(2002). Ele também relatou que as enxurradas provocam erosões em diversos
pontos da área habitada, carreando para o córrego a argila e expondo novamente
às intempéries o “preto” do rejeito que serve de alicerce para as casas e expondo
seus moradores aos riscos à saúde que representam estas condições.
Nas adjacências dos bairros ainda podem ser encontradas pilhas de rejeito
descobertas e que, não raras vezes, assim como acontece no córrego, servem de
local de brincadeiras para as crianças, expondo-as ainda mais aos riscos de
doenças. Também a ferrovia, com seus dormentes assentados sobre os rejeitos do
carvão, e os vagões dos seus comboios que por ali passam, carregados e
descobertos, representam a memória viva da história do local e a possibilidade de
mais poeira lançada ao vento e sobre os moradores.
João Paulo Teixeira, ambientalista entrevistado por Gonçalves (2002),
queixou-se da falta de pesquisas no sentido de verificar a habitabilidade de
determinados locais, como este em questão. Também relatou que as pessoas não
precisariam estar vivendo em condições tão precárias, pois Criciúma é uma cidade
rica. No entender do ambientalista, Criciúma enriqueceu uns poucos que dela
extraíram recursos ao máximo e deixaram feridas imensas, em todos os
segmentos, seja do ponto de vista ambiental, social, econômico ou cultural.
Os moradores dos bairros Renascer e São João, em especial aqueles das
áreas críticas, são o exemplo e a memória viva de um modelo de desenvolvimento
calcado na exploração máxima dos recursos naturais sem a devida distribuição de
seus lucros. Pelo contrário, o que se pode verificar é que o esvaziamento das
reservas naturais coincide com o esvaziamento dos bolsos e da dignidade de uma
parcela significativa da população de Criciúma.
4.7 A assistência à saúde
O desenvolvimento do setor de saúde no município de Criciúma não contou
31
com a mesma pujança do setor econômico, especialmente o setor carbonífero. De
acordo com informações fornecidas em entrevista pelo prof. MSc. Carlos Renato
Carola16, embora as décadas de 20 e 30 marquem, em nível nacional, o início de
um processo de organização do setor de saúde, o que se observa na região sul do
Estado, até a década de 50, é que os agricultores, pescadores e mineiros
procuravam com maior freqüência os curandeiros, servindo-se dos seus
conhecimentos para solucionarem os problemas de saúde.
No setor carbonífero, ainda na década de 40, a CSN já contava com uma
estrutura de atendimento aos seus trabalhadores e às suas famílias. Tinha, junto
com o Serviço Social da Indústria (SESI), um sistema de visitação às casas das
famílias dos trabalhadores, que era realizado por religiosas, com o objetivo de levar
às famílias um pouco do saber científico sobre higiene e saúde (COSTA, 1999).
A Companhia Brasileira Carbonífera Araranguá (CBCA), na década de 50,
tinha à disposição das famílias de seus funcionários um posto de puericultura. As
outras empresas, pelo menos as de maior porte, contavam também com esquemas
de atendimento aos seus trabalhadores e familiares17.
Entre os motivos que levaram as empresas a organizarem sistemas de
atendimento à saúde, juntamente com o poder público, estava o fato de que as vilas
operárias apresentavam, com freqüência, problemas na saúde de seus moradores.
Estes problemas afetavam diretamente a economia e forçaram a organização de
postos de saúde dentro e fora das empresas18.
Costa (1999) relata que havia em Criciúma, em 1944, apenas sete médicos
que atendiam no Hospital São José, inaugurado em 1936. Desta forma, a
assistência médica era feita apenas no Centro da cidade. A partir de 1955, o jipe do
Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência (SAMDU) começa a fazer
visitas às famílias em programas de vacinação e medicina preventiva. Algumas
mineradoras, entre elas a CSN, também encampam as campanhas de vacinação.
O SESI, por meio das freiras, organizou cursos de saúde pública.
A partir da década de 50, um outro motivo vem somar-se na pressão para que
as empresas e o poder público organizem a assistência à saúde: é que começam a
ser diagnosticados os problemas de saúde relacionados com a atividade
mineradora, em especial aqueles relacionados diretamente com o trabalhador do
16
Professor MSc. Carlos Renato Carola. Coordenador Adjunto do Departamento de História da
UNESC (Universidade do Extremo Sul Catarinense). Informações obtidas em entrevista nas
dependências da Biblioteca Prof. Eurico Back, da UNESC, em 07/04/2003.
17
Idem.
18
Idem.
32
carvão. Neste sentido, é importante ressaltar que a mineração traz o crescimento
econômico e que este gera doenças. Gonçalves (2002) cita que na localidade de
Guatá, município de Lauro Müller, no ano de 1948, houve grande mortalidade de
crianças. As mortes das crianças ocorreram por absoluta falta de saneamento e de
água potável. As doenças contagiosas como sarampo, meningite e coqueluche
eram endêmicas. Em 1948 houve um grande surto de meningite, responsável pela
grande maioria das mortes, segundo a população local. Neste ano nasceram, em
Guatá, 248 crianças e morreram 240, restando apenas oito crianças vivas. Este fato
foi comentado pela Rádio de Moscou, Rússia (antiga URSS), segundo J. D’Alba
(apud GONÇALVES, 1993).
Carola (2002) cita a mortalidade infantil como um dos principais problemas de
saúde relacionados com a mineração. Relata também a constatação do médico
Manif Zacarias de que a mortalidade infantil é um problema médico-social e que a
educação da população para a higiene e a melhoria das condições de habitação
são as melhores alternativas de solução. Lembra, ainda, que a mortalidade infantil
da região carbonífera foi fato que chocou os deputados envolvidos na Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) do carvão, de 1957, quando das investigações
acerca das condições de vida e de trabalho das famílias mineiras.
Em razão destes fatos, os sindicatos e os médicos das mineradoras
começam a apontar para a necessidade de considerar os problemas de saúde
provocados pela atividade das minas.
O professor Carola19 relatou, ainda, que os médicos das minas, que até então
tinham a função de fazer os exames necessários para admissão, começam a se
preocupar também com a saúde dos trabalhadores durante suas atividades na
empresa. Por outro lado, os médicos do Departamento Nacional de Produção
Mineral (DNPM), órgão federal responsável pela fiscalização das atividades
mineradoras, começam a verificar os aspectos relacionados à higiene nas
atividades, de acordo com os preceitos do Código de Minas20 em relação à
proteção ambiental e aos aspectos relativos à insalubridade e insegurança dos
trabalhadores.
19
Professor MSc. Carlos Renato Carola. Coordenador Adjunto do Departamento de História da
UNESC (Universidade do Extremo Sul Catarinense). Informações obtidas em entrevista nas
dependências da Biblioteca Central da UNESC, em 07/04/2003.
20
Legislação Federal que dispõe sobre a pesquisa, posse, administração e lavra dos recursos
minerais, a indústria de produção mineral e a distribuição, o comércio e o consumo de produtos
minerais, prevendo os cuidados acerca dos ecossistemas e também das condições de salubridade e
segurança dos trabalhadores; Decreto-Lei n. 227, de 28 de fevereiro de 1967, dá nova redação ao
Decreto-Lei n° 1.985, de 29 de janeiro de 1940 (Código de Minas). Disponível em
<http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0227.htm>. Acesso em 03/05/03.
33
As necessidades legais, a preocupação de profissionais da saúde, a pressão
da sociedade, em especial dos sindicatos, e o próprio crescimento econômico
levaram a uma melhora significativa na estrutura de assistência à saúde da
população criciumense. A instalação de hospitais de porte médio também fez da
cidade um pólo no que tange ao atendimento à saúde.
Atualmente, apesar das crises econômicas e dos mais variados e escusos
interesses políticos que perpassam o setor de saúde, o município de Criciúma
conta, na rede básica, com uma estrutura de assistência à saúde acima da média
do Estado. Embora possa ser possível esta constatação, o município e a região da
AMREC se ressentem da falta de um hospital público regional que possa suprir as
necessidades e as lacunas deixadas pelos dois hospitais da cidade, isto porque um
deles presta atendimento a pacientes do SUS, por convênio (Hospital São José), e
o outro (Hospital São João Batista) possui atendimento ambulatorial apenas para
particulares e conveniados, mantendo convênio com o SUS apenas para os
tratamentos mais específicos.
A estrutura de assistência à saúde administrada pelo poder municipal,
segundo informações obtidas na Secretaria Municipal de Saúde, conta com duas
unidades de Pronto Atendimento 24 horas, um projeto de hospital materno-infantil,
atualmente atendendo como Pronto Atendimento Infantil (PAI), uma Policlínica
Municipal (PAM), duas Unidades de Referência, uma para atendimento a crianças
com necessidades especiais e de alto risco e outra para atendimento à saúde da
mulher, vinte e três unidades de saúde com Programa de Saúde da Família (PSF) e
vinte e uma unidades de saúde com Programa de Agentes Comunitários de Saúde
(PACS). Além destas, há a Casa das Vigilâncias, que tem as unidades de Vigilância
Sanitária e Epidemiológica e Laboratório Municipal. No bairro Renascer há uma
unidade de saúde com o PSF, que atende 3.167 habitantes dos bairros Renascer,
São João e Jardim das Paineiras, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde
que constam do relatório do Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB) de
08 de janeiro de 2004, referente às famílias cadastradas do ano de 2003.
4.7.1 As doenças relacionadas com a mineração
Os dados acerca da morbidade e mortalidade nas populações resultam de
formulários preenchidos em hospitais e ambulatórios. No entanto, quem preenche
sempre está sujeito a erros, sejam voluntários ou não. Também não são
34
contabilizados aqueles atendimentos realizados exclusivamente em consultórios e
clínicas que não comunicam os dados dos diagnósticos para as instituições
responsáveis. Portanto, o que se tem são dados relativos à mortalidade e
informações sobre a morbidade, quando esta resulta em internação hospitalar.
Para o estudo da relação ambiente e saúde em áreas de exploração
carbonífera, as doenças do aparelho respiratório e do aparelho digestório devem
ser consideradas e associadas. O fundamento para isto é a contaminação
atmosférica, que causa problemas ao aparelho respiratório, e a contaminação da
água e do solo, que podem trazer transtornos ao aparelho digestório,
principalmente em crianças, cujo contato com substâncias tóxicas presentes na
água ou no solo que teve contato com os rejeitos de carvão. É também provável
que
estas
mesmas
substâncias
tóxicas
possam
provocar
problemas
dermatológicos, para os quais não há dados específicos.
Em relação aos dados de mortalidade e morbidade no município de Criciúma,
a fonte de obtenção dos dados foi o Diagnóstico de Saúde produzido por
pesquisadores da UNESC e concluído no ano de 2000. As tabelas a seguir
apresentam um panorama da mortalidade e da morbidade por doenças do aparelho
digestório e respiratório, calculados com base em 10.000 habitantes.
Em relação ao coeficiente de mortalidade por doenças do aparelho digestório,
Criciúma segue a tendência de Santa Catarina e do Brasil. Apenas no ano de 1996
é que os coeficientes de mortalidade apresentam diferença significativa, sendo de
3,8 no município e 2,5 no Estado e no País, conforme se verifica na tabela 3.
Tabela 3: Coeficiente de mortalidade por doenças do aparelho digestório, no
município de Criciúma, em Santa Catarina e no Brasil, na série histórica 1993-1997.
Ano
Abrangência
População
Total de
Óbitos
Coeficiente de
Mortalidade
Criciúma
153.950
38
SC
4.697.194
1.086
Brasil*
151.556.521
35.522
Criciúma
156.271
31
1994
SC
4.767.955
1.038
Brasil*
153.726.463
36.969
Criciúma
158.524
26
1995
SC
4.836.588
1.092
Brasil*
155.822.296
37.394
Criciúma
159.101
60
1996
SC
4.875.244
1.242
Brasil*
157.070.163
39.035
Criciúma
162.288
43
1997
SC
4.958.339
1.171
Brasil*
159.636.413
39.815
Fonte: GEINF/SESI/Florianópolis, SC/*Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM).
calculado por 10.000. Adaptado do Diagnóstico de Saúde, UNESC, 2000.
1993
2,5
2,3
2,4
2,0
2,2
2,4
1,6
2,3
2,4
3,8
2,5
2,5
2,6
2,4
2,5
Coeficiente
35
O coeficiente de mortalidade por doenças do aparelho respiratório em
Criciúma também segue a tendência de Santa Catarina e do Brasil, com exceção
de 1995 quando o coeficiente para o município foi superior, conforme apresentado
na tabela 4.
Tabela 4: Coeficiente de mortalidade por doenças do aparelho respiratório, no
município de Criciúma, em Santa Catarina e no Brasil, na série histórica 1993-1997.
Ano
Abrangência
População
Total de
Óbitos
Coeficiente de
Mortalidade
Criciúma
153.950
85
SC
4.697.194
2.636
Brasil*
151.556.521
79.342
Criciúma
156.271
72
1994
SC
4.767.955
2.469
Brasil*
153.726.463
81.464
Criciúma
158.524
100
1995
SC
4.836.588
2.673
Brasil*
155.822.296
83.297
Criciúma
159.101
88
1996
SC
4.875.244
2.905
Brasil*
157.070.163
88.435
Criciúma
162.288
86
1997
SC
4.958.339
2.698
Brasil*
159.636.413
83.991
Fonte: GEINF/SESI/Florianópolis, SC/*Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM).
calculado por 10.000. Adaptado do Diagnóstico de Saúde, UNESC, 2000.
1993
5,5
5,6
5,2
4,6
5,2
5,3
6,3
5,5
5,3
5,5
6,0
5,6
5,3
5,4
5,3
Coeficiente
Estes dados demonstram que os valores gerais do município acompanham a
realidade estadual e nacional. Esta situação, possivelmente, não ocorrerá quando
relacionarmos os valores obtidos em análises de cidadãos que vivem em condições
tidas como críticas.
Tabela 5: Coeficiente de internações por doenças do aparelho digestório, no
município de Criciúma e em Santa Catarina, na série histórica 1993-1997.
Ano
Abrangência
População
Número de
Coeficiente de
Internações
internações
1993
1994
1995
1996
1997
Criciúma
SC
Criciúma
SC
Criciúma
SC
Criciúma
SC
Criciúma
SC
153.950
4.697.194
156.271
4.767.955
158.524
4.836.588
159.101
4.875.244
162.288
4.958.339
2.350
38.372
2.297
36.688
2.021
30.905
1.469
30.736
1.079
31.890
152,65
81,69
146,99
76,95
127,49
63,90
94,03
63,26
66,49
64,32
Fonte: SIH/SUS - MS-SES/SC. Adaptado do Diagnóstico de Saúde - UNESC, 2000. População
estimada para 1° de Setembro.
36
No que se refere à morbidade, verificadas pelas internações, os coeficientes
de Criciúma para ambas as doenças citadas são bem superiores aos do Estado de
Santa Catarina, como demonstram as tabelas 5 e 6. Apenas no ano de 1997 os
coeficientes obtidos para ambos os motivos de internações são semelhante entre o
município e o Estado. Ainda, no caso das doenças do aparelho respiratório, o
coeficiente de internações em 1997 para o Estado é um pouco superior ao de
Criciúma.
Tabela 6: Coeficiente de internações por doenças do aparelho respiratório, no
município de Criciúma e em Santa Catarina, na série histórica 1993-1997.
Ano
Abrangência
População
Número de
Coeficiente de
Internações
internações
1993
1994
1995
1996
1997
Criciúma
SC
Criciúma
SC
Criciúma
SC
Criciúma
SC
Criciúma
SC
153.950
4.697.194
156.271
4.767.955
158.524
4.836.588
159.101
4.875.244
162.288
4.958.339
5.578
106.271
5.507
98.467
5.472
85.482
4.166
86.266
2.739
86.466
362,33
226,24
352,40
206,52
345,18
176,74
261,85
177,56
168,77
174,39
Fonte: SIH/SUS - MS-SES/SC. Adaptado do Diagnóstico de Saúde - UNESC, 2000. População
estimada para 1° de Setembro.
Estes dados nos levam a crer que quando se trata de doenças e internações
é significativa a diferença entre os coeficientes, o que pode estar relacionado com
as condições ambientais da região carbonífera.
37
5 MEIO AMBIENTE, CONDIÇÕES DE VIDA E CONDIÇÕES DE
SAÚDE
Os organismos necessitam, para sobreviverem, de um ambiente que lhes dê
condições adequadas ao seu modo de vida. Logo, tem importância fundamental
considerar as condições de vida ao tentar compreender as variações observadas
no processo saúde-doença. No mesmo sentido, Suzzane e Pierre Déoux (s.d., p.
15), afirmam que “não se pode pretender curar um paciente sem ter em
consideração as influências do seu ambiente quotidiano”.
Segundo Kupstas (1997), a preocupação com as condições ambientais e com
as condições de vida não é atual. Pelo contrário, se aprofundássemos o estudo
desta temática verificaríamos que, desde os primórdios da origem das primeiras
aldeias e vilas humanas, uma das preocupações era a busca de lugares
considerados mais seguros e saudáveis e que fossem bem arejados e iluminados.
Estes locais deveriam contar também com água e alimentos fáceis de serem
obtidos, o que já demonstrava uma preocupação com o suprimento das
necessidades básicas.
O organismo humano, assim como o de outras espécies vivas, é um sistema
aberto, cujas trocas com o meio acontecem instantânea e continuamente. Assim,
quanto mais nos debruçarmos para entender o modo como os indivíduos
sobrevivem no seu meio, mais nos convenceremos de que as diferentes condições
de vida, em todas as suas dimensões, têm influência fundamental sobre os
mesmos.
Entre as várias interações possíveis, uma das mais importantes é a que se dá
em relação ao processo saúde-doença. Por este motivo, a análise das condições
de vida oferece suporte para entender os riscos ou benefícios para a saúde em
determinada população.
Logo, pode-se afirmar que há uma retroalimentação entre as condições de
vida, boas ou ruins, e as conseqüências para a saúde, e que estas condições estão
vinculadas a um amplo conjunto de fatores que encontramos no meio em que vivem
os indivíduos. A atuação sinérgica dos múltiplos fatores ocorre continuamente, seja
em maior ou menor escala, caracterizando o processo saúde-doença nas
populações.
O esquema apresentado na figura 1 demonstra uma possível configuração
38
sinérgica multifatorial sobre as condições de vida e a relação destas condições de
vida com as condições de saúde.
FATORES POLÍTICOS
E SOCIOECONÔMICOS
F
A
T
O
R
E
S
A
M
B
I
E
N
T
A
I
S
CONDIÇÕES
DE VIDA
CONDIÇÕES
DE SAÚDE
F
A
T
O
R
E
S
C
U
L
T
U
R
A
I
S
FATORES PATOGÊNICOS
E HEREDITÁRIOS
Fig. 1: Sinergismo multifatorial na produção e manutenção das condições de vida e de saúde.
Construído a partir do esquema de Rouquayrol; Goldbaum (1999), usado para explicar a sinergia dos
fatores que contribuem para a retroalimentação entre diarréia e desnutrição.
Os fatores políticos e socioeconômicos são representados pelas Políticas
Públicas21 de saúde, de educação, de moradia, de infra-estrutura urbana, de
emprego e renda e de meio ambiente. Os fatores ambientais incluem aqueles
relacionados à natureza e aos ambientes construídos por seres humanos. Os
fatores patogênicos e hereditários englobam os agentes patogênicos e fatores
relacionados com a hereditariedade.
21
Políticas Públicas: representam a forma de atuação do Poder Público na implantação de infraestrutura, equipamentos e serviços, na formulação, aplicação e fiscalização da legislação, na
coordenação das atuações públicas e privadas em programas de inversão de recursos financeiros e
na mediação de conflitos entre os diferentes atores sociais (ULTRAMARI et al., 2000).
39
Assim, para compreender melhor o conjunto destas interações, faz-se
necessário compreender as diferentes concepções de meio ambiente e sua
degradação,
os
modelos
de
desenvolvimento
que
influem
negativa
ou
positivamente nas Políticas Públicas, os interesses que permeiam estes modelos e
as conseqüências prováveis ou possíveis de serem inferidas para as populações,
resultantes da adoção destes modelos.
Por outro lado, este início de século traz como herança dos últimos dois
séculos um alto percentual de concentração das populações humanas nas cidades,
além da existência de metrópoles e megalópoles em vários países. Este intenso
processo de urbanização produz graves conseqüências para a vida humana, sendo
estas piores quando se trata de cidades dos países subdesenvolvidos e, mais grave
ainda, das periferias destas cidades, onde as condições de vida são bastante
precárias.
Para Coelho (2002), outro fator importante a ser considerado na análise das
condições de saúde das populações é relativo às concepções de qualidade de vida
e os indicadores possíveis de serem utilizados para se avaliar a mesma, pois é a
partir das mudanças nas condições de vida que os diversos segmentos da
sociedade
vão
construindo
social
e
historicamente
suas
vidas
e,
conseqüentemente, sua qualidade de vida.
Por fim, traçar um perfil acerca das concepções de saúde e doença auxiliará
a compreender as interações entre as condições de vida e condições de saúde
numa ótica mais coerente com a realidade, considerando que a dinâmica saúdedoença é inerente ao ser humano.
5.1
O meio ambiente
Estabelecer uma concepção de meio ambiente não é tarefa simples dado a
multiplicidade de idéias que perpassam o conceito. No entanto, para poder envidar
uma discussão mais concreta dos problemas ambientais e suas conseqüências
para a espécie humana, é preciso analisar algumas idéias sobre o que pode ser
definido como meio ambiente.
Entre as concepções clássicas encontradas nos diversos livros de biologia ou
ecologia podemos encontrar desde simplificações como “meio que nos cerca”, até
outras mais elaboradas, que dão conta de colocar no conceito de meio ambiente o
processo contínuo de interações que ocorrem entre os mais diferentes elementos
40
bióticos e abióticos que compõem a biosfera.
Na legislação, meio ambiente é mencionado como “conjunto de condições,
leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas”22. No entanto, os verbos “permitir,
abrigar e reger” não conseguem dar conta de expressar uma significação
adequada, pois permitem a interpretação da “vida em todas as suas formas” como
algo externo aos outros elementos apresentados e não como o resultado da
interação do todo.
Para Sachs (1986), meio ambiente é uma dimensão do desenvolvimento,
devendo sua gestão racional permitir um desenvolvimento econômico e social
contínuo. Ainda, para o mesmo autor, a expressão meio ambiente abrange tanto o
equilíbrio dos recursos naturais quanto a qualidade deste ambiente. No entanto,
quando se analisa a interação da humanidade com os elementos naturais, verificase que, mesmo conhecendo a importância e a necessidade de um ambiente
equilibrado, o ser humano não tem tentado garantir um desenvolvimento social e
econômico contínuo e eqüitativo. Ao contrário, relata-se, a todo instante, diferentes
formas de agressão tanto à vida num todo como, em particular, à vida humana.
De acordo com o Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente (PNUE),
este pode ser entendido como o habitat total do homem, numa concepção
ecológica bastante abrangente para o ambiente humano. Ainda, para Branco
(1999), a noção de meio ambiente precisa ultrapassar a visão puramente biológica,
considerando sua dimensão cultural e tendo o homem como parte integrante do
sistema ambiental, do qual deve participar de forma racional para garantir equilíbrio
e estabilidade.
Integrando as idéias apresentadas, é possível definir meio ambiente como os
elementos bióticos e abióticos do planeta Terra, que são partes integrantes do
Universo, e as interações que ocorram entre estes elementos, as quais permitem o
equilíbrio e desequilíbrio constante do sistema. Este se encontra em caos
permanente, numa espécie de processo dinâmico que permite a continuidade do
próprio sistema. Assim, a noção de meio ambiente ou socioambiente ultrapassa a
idéia de conjunto de elementos ou a sua soma, englobando as dimensões
históricas, culturais e psicossociais que fazem com que se estabeleçam diferentes
interações, que diferem segundo o tempo e o espaço.
22
Lei 6.938, de 31/08/1981, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente, seus fins e
mecanismos de formação e aplicação, e dá outras providências. (A Política Nacional de Meio
Ambiente. In: DIAS, 2001).
41
Os estudos para compreender a dinâmica do Planeta e do Universo têm sido
feitos com o intuito de o homem poder viver melhor e, assim, melhorar o ambiente
do próprio ser humano. Infelizmente nem sempre os resultados dos estudos têm
sido usados para este fim. Em muitos casos, o conhecimento dos ecossistemas, de
seus habitantes e suas culturas tem servido para facilitar sua exploração ou
destruição.
O ser humano é parte integrante do meio ambiente e interage neste sistema,
pois ele próprio é um “sistema simultaneamente aberto e fechado”23. Assim, o meio
ambiente humano é o espaço onde os indivíduos se estabelecem e onde realizam
suas interações. Para Santos (apud GONÇALVES, 2002), este espaço compõe-se
de objetos e de relações que se realizam sobre os mesmos.
Em seu espaço, cada indivíduo cria um “lugar”, que, na visão de Gonçalves
(2002, p. 53), "é mais específico, concreto, conhecido, familiar, delimitado: o ponto
de práticas sociais específicas que nos moldaram e nos formaram, com as quais
nossas identidades estão estreitamente ligadas".
Para os moradores dos bairros Renascer e São João, o espaço é a rua onde
moram, o próprio bairro e suas adjacências, a cidade e até outras cidades vizinhas,
ou mais amplo ainda, extrapolando o geográfico, “abarca o cósmico, o físiconatural, o histórico, o cultural e o psicológico” (GONÇALVES, 2002, p. 53).
O lugar é, efetivamente, onde moram, trabalham, caminham, passeiam,
relacionam-se (GONÇALVES, 2002). O lugar é onde os sujeitos estabelecem suas
raízes e têm possibilidade de ter uma história.
Há que se ressaltar, porém, que em certas áreas dos bairros Renascer e São
João, como as próximas ao córrego ou às pilhas de rejeitos de carvão, estabelecer
raízes não é um processo tão simples. Isto se dá porque o espaço geográfico onde
foram construídos os bairros tem uma história de ações humanas que o levaram à
degradação ambiental, ainda muito presente, ou, então, porque as pessoas que ali
se encontram não tiveram como estabelecer suas raízes noutro lugar. São pessoas
que não têm acesso às benesses do desenvolvimento, um contingente de reserva
de força de trabalho. Ou, como escreve Damergian (2001, p. 103), são “restos
inúteis dos quais a sociedade se desfaz sem culpa”.
Por estes motivos, o resultado da interação dos moradores com o espaço é,
quase sempre, negativo, tanto do ponto de vista do próprio espaço, que, não tendo
23
Para Castiel (1994, p. 45), “os seres vivos consistem em sistemas simultaneamente fechados (que
protegem sua integridade e dispõem de elementos identificatórios) e abertos em relação ao seu meio
ambiente, de onde obtêm nutrientes, informação e organização”.
42
sido apropriado, pouco sofre alterações no sentido de melhorar seu aspecto
estético e paisagístico, quanto dos moradores que, em geral, por não se sentirem
bem naquele local, pouco ou quase nada fazem ou podem fazer para mudar sua
própria vida e a razão de existir.
Para Gonçalves (2002, p. 21),
a apropriação, como processo de identificação, é, em certo sentido, um
agente transformador, pois, ao apropriar-se do espaço, o sujeito deixa
sua marca ao transformá-lo, iniciando, assim, um processo de
reapropriação constante que vai desde a casa aos objetos dentro dela.
Assim, se o sujeito não se apropriar do espaço não promoverá mudanças
positivas. Damergian (2001) acentua que uma interação bem sucedida só se dará,
se a sociedade também oferecer condições favoráveis.
Assim, incorporando à noção de meio ambiente estabelecida pelo PNUE, que
o coloca como o habitat total do homem, a dimensão cultural defendida por Branco,
na qual o homem é integrante e partícipe racional para garantir o equilíbrio e a
estabilidade do sistema, o meio ambiente humano é, sobretudo, o resultado das
ações e atividades humanas, sejam elas quais forem e onde acontecerem, inclusive
quando provocam a permanência do desequilíbrio e da instabilidade e colocam em
risco os próprios indivíduos ou a sua saúde.
5.2
Crise ambiental: suas causas e conseqüências
Os últimos cinqüenta anos foram extremamente importantes para a
construção da idéia de que os seres vivos possuem um único habitat, comum e
necessário à sua sobrevivência, e de que o mesmo vem sendo destruído de modo
rápido e desordenado. Os principais motivos que levaram a esta situação foram a
acentuada utilização dos recursos naturais para a satisfação das necessidades e
das ganâncias e a conseqüente degradação dos ecossistemas.
Alguns analistas e estudiosos chegaram a defender, no final dos anos 60 e
início dos anos 70, que seria insustentável a continuidade da espécie humana no
planeta caso fossem mantidos os mesmos padrões de crescimento demográfico e
econômico. De acordo com Gonçalves (2002, p. 228), as sociedades industriais,
conseguem um aperfeiçoamento intenso e contínuo da estruturas produtivas,
acentuando a escassez dos recursos naturais. Este contexto, segundo a mesma
autora,“coincidiu com movimentos populares contrários à guerra, às armas
nucleares, à corrida armamentista [...] e à sociedade de consumo com um todo”,
43
além de denúncias sobre a toxidade de produtos químicos. Para Costa (apud
VITTE, 2002, p. 28), o grande papel desta preocupação foi o de questionar o
“caráter massificante, predatório e opressor das diferentes sociedades e espaços
urbanos”.
Foram estes problemas que levaram à tomada de consciência acerca da
questão ambiental. De acordo com Martine (1996), esta conscientização, em
especial nas duas últimas décadas, tem se concentrado em problemas resultantes
da industrialização, principalmente nos países ricos, e em problemas específicos
como o desflorestamento e a desertificação pelo mau uso do solo, nos países
pobres.
Apesar desta crescente conscientização, os governantes e líderes mundiais,
especialmente os ligados à área econômica, ainda não estão plenamente
convencidos ou não querem se convencer de que são necessárias mudanças
radicais no modelo de ocupação e de uso dos recursos do planeta. Continuam
acreditando que a ciência e a tecnologia, aliadas aos mecanismos da economia de
mercado, são instrumentos eficientes para regular o uso dos recursos de modo a
torná-los inesgotáveis.
Para corroborar esta idéia basta lembrar que a Cúpula sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável, realizada entre 26 de agosto e 4 de setembro de
2002, em Joanesburgo, na África do Sul, teve poucos resultados concretos no
sentido de resgatar centenas de milhões de pessoas da fome, das epidemias e da
falta de acesso a saneamento básico e aos serviços de saúde. Nas palavras de Kofi
Anan, Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o encontro foi
resumido numa frase: “Temos de fazer mais” (TAUTZ, 2002).
Os resultados desta conferência pouco acrescentaram nos acordos firmados
na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
(CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro, em 1992, e nos encontros que a ela se
seguiram. Os mesmos países que defendiam seus interesses político-econômicos
(países industrializados, especialmente Estados Unidos, e países produtores de
petróleo) na conferência de 1992, continuaram a defendê-los em 2002,
prejudicando e atrasando a tomada de medidas mais efetivas para a solução dos
diversos problemas ambientais e sociais.
Neste contexto, podemos afirmar que os problemas ambientais são resultado
do saber-fazer do ser humano. Para Gonçalves (2002, p. 234),
apesar de ter consciência de que todos os seres vivos transformam o
meio ambiente de acordo com seus interesses ou necessidades, sabe-se
44
que apenas o ser humano atingiu a capacidade de acumular a
experiência de manipular o meio e criar instrumentos aperfeiçoados que
otimizam o uso dos recursos.
O fato de saber-fazer não traduz por si próprio o saber-fazer de modo
equilibrado. Na ótica do capitalismo o saber-fazer pode ser traduzido em lucro
máximo no menor tempo possível, independente das conseqüências ambientais e
sociais e de quem arcará com os custos para saná-las.
Segundo Rosso (1999), os municípios da bacia carbonífera do sul do Estado
de Santa Catarina também foram alvos da utilização acentuada de recursos
naturais, beneficiando alguns poucos capitalistas que enriqueceram e deixando
uma grande parcela da população com o ônus ambiental e social deste processo.
Portanto, também neste caso prevaleceu a “irracionalidade” como causa dos
problemas ambientais e sociais.
Um dos fatos mais importantes das últimas cinco décadas foi a visão da Terra
a partir do espaço e a noção de que ela é uma bola frágil e pequena, dominada por
forças próprias do universo. O fato de a humanidade não se coadunar com estas
forças e querer impor suas próprias idéias é que a levou a alterar de forma tão
acentuada o sistema, que hoje impõe ameaças à vida. Desta realidade não há
como
fugir
(COMISSÃO
MUNDIAL
SOBRE
MEIO
AMBIENTE
E
DESENVOLVIMENTO (CMMAD), 1991). É preciso haver mudanças na condução
da humanidade, sob pena de a própria humanidade ser vítima deste processo.
Para Martine (1996), a maioria dos problemas ambientais tem origem
justamente nos países industrializados. No entanto, os problemas ambientais e
sociais gerados nos países pobres sofrem grande influência dos mais ricos, pois
aqueles são, na maioria das vezes, fornecedores de matérias-primas para a
indústria. Como não há competitividade equilibrada, os recursos extraídos têm
pouco valor agregado. Esta situação pode estimular a extração acentuada e sem
controle ambiental dos recursos naturais, porém com baixo retorno social.
Estabelece-se, assim, um círculo vicioso de degradação ambiental e pobreza.
Alguns avanços podem ser notados no sentido de buscar soluções para as
crises ambiental e social, porém ainda incipientes para modificar a realidade e
promover um futuro melhor para todos. Wilson (apud KEINERT; KARRUZ;
KARRUZ, 2002) constata que o enriquecimento das cidades não tem levado à
melhoria da qualidade de vida da população. Carlos (1989, p. 35) já afirmava, há
mais de uma década, que “o aumento da acumulação da riqueza na cidade [...] é
acompanhado pelo aumento da miséria”. Esta é a leitura que pode ser feita dos
45
bairros Renascer e São João e de outras áreas de Criciúma.
A desigualdade social e econômica criticada pela Comissão Mundial sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD) no relatório Nosso Futuro Comum
(1991) está expressa no contingente de pessoas que não tiveram oportunidades
reais de desenvolvimento e que se acumulam em lugares e habitações impróprias,
expondo-se a interações negativas sob os mais diversos aspectos, principalmente
relacionados à saúde.
Para Martine (1996), um dos agravantes, embora não o único, para o
aumento das desigualdades e da pobreza é o crescimento demográfico. No Brasil,
já a partir do final da década de 1960, as taxas de natalidade começam a declinar
de forma acentuada. No entanto, houve e sempre haverá regiões que serão
exportadoras de migrantes e outras que, por seus atrativos, serão as grandes
receptoras destes contingentes. Nestas a taxa de crescimento demográfico tende a
ser mais acentuada, principalmente nas periferias. O incremento demográfico
ocorre tanto em função do crescimento endógeno, em menor escala, resultante da
fecundidade, como do crescimento exógeno, resultante dos fluxos migratórios.
Esta tendência se justifica pela carência ou precariedade de serviços
urbanos, como saneamento básico, segurança, moradia, a pouca disponibilidade de
instituições e a falta de incentivo à educação, as deficiências dos serviços de
saúde, o desemprego e o subemprego, as políticas agrícolas inadequadas, entre
outros. Estes fatores impedem ou dificultam a intitulação24. Deste modo, quem opta
por mudar para estas cidades o faz em busca de melhoria na sua condição de vida.
De acordo com Martine (1996, p. 31),
a redistribuição da população sobre o espaço obedece à evolução da
localização e da reestruturação da atividade econômica. Por sua vez,
essas mudanças espaciais de atividades econômicas e de populações,
induzidas ou não (grifo do autor) pelas transformações no cenário
econômico nacional e internacional, determinam onde e como a
população afetará o meio ambiente e será afetada por ele.
No entanto, nem sempre estas cidades estão preparadas para receber
migrantes. Por isso, aumentam os problemas ambientais e sociais, cuja lista é
encabeçada por aqueles resultantes de uma industrialização atrasada ou de
exploração desordenada dos recursos naturais e da pobreza, como a poluição do
24
Intitulação. Gonçalves (2002) cita Sen (2000), que define intitulação como o ato de ingressar no
desenvolvimento, de ter potencial para comprar alimentos, por exemplo. De poder estabelecer sua
posse sobre as coisas as quais se quer dispor. Ainda para o mesmo autor, a intitulação depende da
dotação à propriedade de recursos produtivos e de riqueza que tem um preço no mercado, sendo que
para boa parte da humanidade a única dotação significativa é a força de trabalho. Uma outra influência
na intitulação consiste na possibilidade da produção e seu uso.
46
ar, da água e do solo, a precariedade no saneamento básico, o crescimento
desenfreado de cortiços, favelas e invasões, assim como sua insalubridade, a
ocorrência e a gravidade de enchentes em razão da urbanização, entre outros
(MARTINE, 1996).
Martine (1996) também afirma que, atualmente, existe apenas um modelo de
desenvolvimento ao qual todos os países são impelidos a seguir: o neoliberal. Este
modelo desfaz as fronteiras nacionais ao fluxo de capital e provoca integração da
economia de mercado global. Mas, como há enormes diferenças entre as várias
regiões do planeta, não há garantias de que este processo de globalização possa
levar crescimento econômico e desenvolvimento para todos. Pelo contrário, supõese que a ausência de mecanismos reguladores provoque a exploração de recursos
humanos e naturais dos países subdesenvolvidos e não-competitivos, acelerando a
degradação humana e ambiental e acentuando as diferenças entre os ricos e os
pobres.
A humanidade já possui a capacidade de tornar o desenvolvimento
sustentável, isto é, de garantir que ele atenda as necessidades das populações do
presente sem comprometer a capacidade de satisfação das mesmas por parte das
gerações futuras. Mas para alcançar este tipo de desenvolvimento é preciso
atender as necessidades básicas de todos e dar oportunidade para que realizem
suas aspirações em relação a uma vida melhor (CMMAD, 1991).
A CMMAD (1991, p. 75) concluiu que “para haver sustentabilidade, é preciso
uma visão das necessidades e do bem-estar humano que incorpora variáveis não
econômicas como educação e saúde, água e ar puros, e a proteção de belezas
naturais”. A mesma Comissão (1991, p. 58) refere que “as deficiências nessas
áreas são muitas vezes manifestações evidentes de desgaste ambiental”, sendo
que nos países mais pobres a impossibilidade de resolver estes problemas expõe
as populações a riscos para a saúde de diversos tipos, levando aquelas mais
carentes a concentrarem-se nas periferias ou em lugares inadequados à moradia.
Ainda, de acordo com a CMMAD (1991), as cidades de países do terceiro
mundo crescem mais rapidamente que a capacidade do poder público de dar
solução para todos os problemas. Assim, aumentam em larga escala a falta de
habitações, de água potável, de saneamento e transporte. Também há um
contingente cada vez maior de habitantes em favelas e em barracos miseráveis,
expostos a toda sorte de poluentes na água, no solo e no ar, tanto de origem
natural quanto resultantes da atividade humana. A continuar neste ritmo, com o
47
crescimento urbano, a tendência é só piorar. Assim, é urgente tratar da degradação
humana (crise social), pois este é o principal caminho para solucionar a crise
ambiental.
5.3
Crise socioambiental e perspectivas de desenvolvimento
O modelo neoliberal tem sido praticado nos países ricos e imposto aos países
pobres, em sua grande maioria. Este modelo baseia-se na economia de mercado,
com enfraquecimento das fronteiras nacionais e abertura ao comércio com outros
países, na transnacionalização do capital, no uso acentuado dos recursos naturais
e na busca do lucro como único objetivo do desenvolvimento. É um modelo injusto,
pois as regras acabam, em geral, sendo definidas de modo a beneficiar aqueles
que detêm o capital. Com isto, os ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres cada
vez mais pobres.
O conceito de desenvolvimento aqui postulado se refere ao aperfeiçoamento
e equilíbrio das relações entre os seres humanos e destes com os recursos naturais
que utilizam para atender as suas necessidades. Representa, assim, o modo como
os seres humanos se organizam e estruturam seu ambiente de modo a garantir sua
existência. Não é, dessa forma, o simples acúmulo de capital derivado da extração
e transformação dos recursos naturais, da circulação de mercadorias, das
transações monetárias e, muito menos, da exploração humana.
Modelos alternativos de desenvolvimento começaram a surgir a partir da
década
de
1960,
quando
a
problemática
ambiental
ganhou
destaque,
especialmente no bojo da idéia de que, no caso dos recursos naturais, a busca
egoísta dos próprios interesses não conduz ao crescimento incessante da riqueza
nacional, mas sim à catástrofe sem volta da destruição do planeta (NOBRE, 2002)
e da humanidade.
Entre as décadas de 1960 e 1970, segundo Foladori; Tommasino (2001)25, se
destacavam quatro posições a respeito da problemática ambiental:
a) Os catastrofistas, para os quais a continuidade do ritmo de crescimento
levaria, num período de cerca de um século, a uma catástrofe ecológica e
humana, devido principalmente à escassez dos recursos naturais e ao
crescimento demográfico descontrolado e suas mazelas;
b) Os “otimistas ecológicos”, que afirmavam que a natureza é fonte
25
Tradução do autor.
48
inesgotável e os mecanismos de mercado seriam os instrumentos
reguladores do uso dos recursos. Nobre (2002) comenta que os integrantes
deste grupo acreditavam que a ciência e a técnica seriam capazes de
encontrar soluções para todos os problemas e que tudo terminaria bem;
c) Os ecologistas com pensamento ultrapassado e sonhador, que diante
da crise da sociedade industrial defendiam uma “volta ao passado” numa
defesa romântica da vida rural em pequenas comunidades autosustentáveis.
d) E aqueles que, para se diferenciarem dos demais, propuseram uma série de
idéias no sentido de interpretar a crise ambiental e propor uma saída “viável”
para
o
capitalismo.
O
termo
“ecodesenvolvimento”
e,
depois,
“desenvolvimento sustentável” constitui o centro desta discussão.
De acordo com Sachs (apud FOLADORI; TOMASINO, 2001), a concepção
de ecodesenvolvimento começou a ser formada a partir da preparatória para a
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano em Estocolmo
(1972).
Ainda,
para
Sachs
(apud
FOLADORI;
TOMASINO,
2001),
ecodesenvolvimento é um conceito que podemos definir como um desenvolvimento
desejável do ponto de vista social, viável do ponto de vista econômico e prudente
do ponto de vista ecológico26.
As idéias centrais do ecodesenvolvimento na linha de Sachs são:
a satisfação das necessidades básicas com a ajuda de bases de recursos
próprias, sem copiar os estilos de consumo dos países industrializados; o
desenvolvimento de um ecossistema social satisfatório; a solidariedade
prospectiva para com as futuras gerações; as medidas para poupar
recursos naturais e o meio ambiente; a participação dos interessados; e
os programas educacionais de apoio e acompanhamento (NOBRE, 2002,
p. 35).
A expressão “desenvolvimento sustentável” surgiu por volta de 1980, a partir
da evolução do termo “ecodesenvolvimento”, e foi consagrada em 1987 pela
CMMAD, conhecida como Comissão Brundtland, que produziu um relatório
considerado básico para a definição desta noção e dos princípios que lhe dão
fundamento. De acordo com o Relatório Brundtland, publicado no Brasil com o título
de Nosso Futuro Comum (1991), o desenvolvimento sustentável deveria ser um
processo de transformação progressiva na economia e na sociedade, no qual a
exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do
desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizariam e
26
Tradução do autor.
49
reforçariam o potencial presente e futuro. Neste sentido, seria um caminho de
desenvolvimento que permitiria atender às necessidades das gerações do presente
sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas
próprias necessidades ou, então, uma tentativa de entender que meio ambiente e
desenvolvimento são compatíveis e que seus problemas devem ter soluções
viáveis e comuns (CMMAD, 1991).
No entanto, pode-se afirmar que a expressão “desenvolvimento sustentável”
tem sido usada mais como um slogan muito eficiente de marketing institucional e de
propaganda dos produtos do que de um real comprometimento com as populações
e com os ecossistemas, pois ainda observam-se a pobreza e a degradação
ambiental sustentando o lucro.
Estas idéias acerca de modelos de desenvolvimento possibilitam a
compreensão dos dilemas que perpassam as noções de meio ambiente e
desenvolvimento. Mais importante, neste sentido, é perceber a necessidade de
buscar soluções que não sejam parciais, resolvendo este ou aquele problema, tanto
de caráter ambiental como social. A necessidade de pensar a crise global atual de
modo amplo é, por si só, um complicador para as possíveis soluções. Não basta,
porém, procurar viabilizar crescimento econômico e meio ambiente. É necessário
entender e buscar a solução para os problemas globais através da redução dos
contrastes ecológicos, econômicos e sociais.
Assim, não é um modelo de desenvolvimento que justifique o neoliberalismo e
a manutenção das injustiças sociais e imprudências ecológicas que se deseja. O
que se defende é uma idéia de desenvolvimento que permita, na ótica de Sen
(2000,
apud
GONÇALVES,
2002),
a
intitulação
das
populações.
Um
desenvolvimento que elimine as injustiças sociais e diminua a pressão sobre os
ecossistemas, de modo a garantir que as populações tenham as suas
necessidades atendidas, tanto no presente quanto no futuro, e que os ecossistemas
possam manter sua capacidade de renovação e equilíbrio. É neste sentido que as
expressões “ecodesenvolvimento” ou “desenvolvimento sustentável” devem ser
compreendidas. Ou então, talvez o modelo de desenvolvimento que permita estas
realizações ainda tenha que ser gestado.
5.4
As cidades
A doutora em Geografia Humana Claudete de Castro Silva Vitte, em trabalho
50
de revisão bibliográfica intitulado Planejamento urbano, sustentabilidade urbana e
qualidade de vida, publicado em 2002, afirma, com base em Mumford, que as
primeiras cidades teriam surgido há mais de cinco mil anos, inicialmente resultantes
da preocupação com os mortos. Assim, a cidade dos mortos teria sido a precursora
das cidades dos vivos. Vitte (2002) afirma também que a mudança de aldeia para
cidade deu-se num momento posterior e que esta era o “lugar onde as pessoas se
reuniam não só pelo nascimento e pelo hábito, mas também com a esperança de
encontrar uma vida melhor”.
Com o desenvolvimento do comércio, os núcleos urbanos avançaram fazendo
com que um maior número de pessoas passassem a viver em aglomerados,
convivendo, comprando e vendendo mercadorias e trocando informações e
experiências (VITTE, 2002). Calligaris (apud VITTE, 2002, p. 22), lembrando o
pensamento de Lewis Mumford, afirma que “a cidade nasceu como local da
satisfação das necessidades, lugar para se alimentar e se reproduzir”. Afirma
também que o surgimento da cidade coincidiria, deste modo, com o começo da
história humana. Ela seria o lugar por excelência do processo civilizador.
Posteriormente, a partir do final da Idade Média, a noção de cidade confundese com a de mercado, caracterizando-se como lugar de trocas e contatos
mercantis, donde emerge a cidade comercial, que se consolida, precedendo a
cidade industrial, e cujo advento permite que se fale em urbanização da sociedade
e em problemas urbanos (VITTE, 2002). Os mesmos problemas urbanos de ordem
social, econômica, cultural e ambiental cujos administradores das cidades, ainda
hoje, não conseguem ou não se empenham em solucionar.
Em um editorial do Banco Mundial denominado La era urbana, de 1994, Vitte
(2002, p. 23) busca informações acerca de aspectos importantes a serem
resgatados a partir da concepção greco-romana de cidade. Estes aspectos são:
1. a cidade é o espaço principal para a construção social, para a
construção da cidadania e formação de identidades coletivas; 2. a cidade
é o cenário de relações sociais múltiplas, espaço que concentra a
diversidade, a heterogeneidade expressa na cultura, economia, política e
sociedade; 3. a cidade é o âmbito fundamental do público (em oposição
ao privado), sendo a instância privilegiada de regulação e mediação de
conflitos.
Para Carlos (1989), o processo de industrialização, ao provocar alteração na
divisão social e espacial do trabalho, implicou mudanças profundas na vida do
homem, com a aglomeração da população, dos meios de produção e capitais num
determinado ponto do espaço, produzindo uma rede urbana.
51
A produção do espaço urbano realiza-se, portanto, a partir do trabalho
industrial ou comercial e das atividades que lhes dão suporte. Criam-se outras
atividades não produtivas, articulando suas relações e funções e originando um
mercado de mão-de-obra e de mercadorias, cuja tendência é desenvolver e ampliar
a urbanização de acordo com o grau de desenvolvimento das forças produtivas da
sociedade. Como esta ampliação carece, muitas vezes, de equilíbrio, sempre
haverá aqueles que superam as dificuldades e conseguem se estabelecer e
aqueles que acabam marginalizados pela sociedade e que, mesmo tendo
importância no processo de industrialização e na produção do espaço urbano, são
obrigados a deixar a cidade ou instalarem-se em suas periferias, nem sempre
preparadas ou adequadas para recebê-los.
Dessa maneira, o espaço urbano vai se produzindo para atender às
necessidades da produção e das relações que esta, somada à circulação,
distribuição e troca, determina. Este espaço é produzido para atender tanto as
necessidades de circulação de mercado, como a própria existência humana
(CARLOS, 1989). No entanto, o espaço urbano não dá conta de dispor as
necessidades básicas para parcelas significativas da população.
Dessa forma, “a cidade que hoje se constrói parece cada vez mais distante
dos anseios, necessidades e aspirações do homem” (CARLOS, 1989, p. 42). O
espaço urbano que assim se produz é eivado de contradições. Socializam-se o
processo de produção e de mercado e as conseqüências negativas em termos de
poluição e deterioração das condições ambientais, mas a apropriação do capital é
privada e exclusiva de uns poucos.
A preocupação em compreender o fenômeno da urbanização data do início
do século XX, quando o contexto mundial é predominantemente capitalista, tanto
nas cidades européias quanto nas nascentes cidades brasileiras, que se
caracterizavam pelas péssimas condições de existência, principalmente da classe
trabalhadora. As condições de ocupação do espaço urbano eram vistas como
geradoras de doenças. Assim, a questão da saúde despertou o interesse das
classes dominantes devido à ameaça que representava e por não distinguir classes
sociais (VITTE, 2002).
A partir da década de 1970, idéias voltadas para a defesa das condições de
vida e de proteção ambiental entraram na agenda de discussões urbanas. Com isto
a questão social é substituída ou encoberta por discursos relacionados com o
desenvolvimento sustentável e cidades sustentáveis, embora não se saiba com
52
certeza se tal mudança tem caráter de transformação da ordem social injusta ou de
sua manutenção (VITTE, 2002).
Para Costa (apud VITTE, 2002), falar dos problemas ambientais atualmente é
como usar um discurso novo para tratar das velhas questões sociais. Assim,
mudam-se o discurso e as palavras, com a intenção de manter o poder, mas não se
alteram as ações. Por causa disto, assistimos a um processo de urbanização
desequilibrada, que provoca a exclusão de muitos cidadãos e imputa-lhes um ônus
em forma de violência e desrespeito aos seus direito como seres humanos e
cidadãos.
Atualmente, discute-se muito a sustentabilidade das cidades, reduzindo os
impactos ambientais, buscando alternativas para problemas de infra-estrutura
urbana e minimizando as diferenças de acesso às benesses da cidade. No entanto,
as alternativas de atuação e os modelos produzidos ou implementados ainda não
deram conta de resolver estes problemas.
A associação da noção de sustentabilidade ao debate sobre desenvolvimento
das cidades originou-se em articulações políticas pelas quais alguns atores
envolvidos na produção do espaço urbano procuravam legitimar suas perspectivas.
Assim, ao mesmo tempo em que há uma “ambientalização” do debate sobre
políticas urbanas, há, em sentido oposto, uma entrada crescente do discurso
ambiental no tratamento das questões urbanas, seja pelo argumento da
concentração populacional nas metrópoles, pelo fato de obter mais facilmente
financiamentos oficiais ou, ainda, por uma questão de marketing da cidade, que vê
neste discurso uma forma de atrair investimentos num contexto de competição
globalizada (ACSELRAD, 1999).
Em razão da dificuldade de se estabelecer categorias da sustentabilidade
urbana, Vitte (2002) utiliza-se das proposições de David Satterthwaite (apud VITTE,
2002), aqui resumidas em cinco pontos, que seriam: a) aspectos relacionados à
saúde coletiva; b) aspectos relacionados à redução de riscos químicos e físicos nas
diversas instâncias da vida das pessoas (casas, trabalho, etc); c) aspectos
relacionados à provisão dos serviços de lazer, recreação, proteção a patrimônios
naturais e culturais e proteção de paisagens naturais e estéticas; d) aspectos
relacionados à redução de transferência de custos ambientais aos habitantes e
ecossistemas que circundam a cidade, bem como para as gerações futuras; e) e
aspectos relacionados à proposição do chamado consumo verde, em direção a um
modelo de consumo que seja sustentável por parte de empresas e pessoas.
53
Seguindo o pensamento de Vitte, Criciúma, de um modo geral, e os bairros
Renascer e São João não apresentam sustentabilidade, pois a saúde da população
ainda é comprometida pelos agentes químicos e físicos resultantes do processo de
mineração, embora a infra-estrutura de atendimento tenha melhorado. Também há
descaso com a provisão de serviços de lazer, que praticamente inexistem, e com a
proteção a patrimônios naturais e culturais. Ainda, as gerações atuais e futuras
estão tendo que arcar com os custos dos passivos ambiental e social decorrentes
de um passado de crescimento calcado na mineração do carvão.
Assim, analisar a maioria das cidades brasileiras e, em particular, Criciúma e
os bairros Renascer e São João, sob estes aspectos é uma tarefa decepcionante,
pois raros são os exemplos de constatação destas categorias, o que demonstra que
ainda estamos muito distantes de alcançarmos a tão desejável sustentabilidade.
5.5
A qualidade de vida
A cidade deveria ser o espaço da qualidade de vida. Porém, ela tem sido o
espaço das externalidades negativas, cujo equacionamento só se dará ao longo do
processo de construção e legitimação dos direitos individuais e coletivos. Desse
modo, a palavra cidadania retornaria ao seu espaço de origem: a cidade.
Para Vitte (2002, p. 31), “a discussão da qualidade de vida como uma das
premissas norteadoras na busca do desenvolvimento e do bem-estar deve ser
considerada como um direito de cidadania”. Segundo Herculano (apud VITTE,
2002, p. 31), a qualidade de vida é um conceito que deve servir como “um
compromisso ético de uma sociedade garantidora da vida, onde as potencialidades
humanas não sejam brutalizadas nem a natureza seja destruída”, podendo ser um
estímulo para a ação coletiva.
Historicamente, a concepção de qualidade de vida sofreu mudanças. Até
meados da década de 1950, baseava-se no conceito de nível de vida, associado à
capacidade de consumo. Na década de 1960, teve incorporado a si o conceito de
bem-estar, que procurava demonstrar a situação de uma sociedade do ponto de
vista econômico e social, fundamentados em aspectos matemáticos. Na década de
1970 ocorreu uma ampliação expressiva do entendimento de qualidade de vida,
traduzida na incorporação de aspectos sociais aos econômicos, e que procurava
observar as necessidades básicas de determinado grupo. Nos anos 80 ocorreu a
incorporação
do
aspecto
ambiental,
abrindo
espaço
para
o
debate
da
54
sustentabilidade urbana (VITTE, 2002).
Vitte (2002) nos traz uma experiência escandinava de qualidade de vida
baseada em três verbos: ter, que engloba as condições materiais necessárias à
sobrevivência digna, como recursos econômicos, moradia adequada, emprego,
condições físicas de trabalho, saúde e educação; amar, que se refere às
necessidades de relações com outros indivíduos e formação de uma identidade
social; e ser, cujo sentido está associado às necessidades de integração com a
sociedade e com a natureza. Damergian (2001) também aborda que a satisfação
dos aspectos relacionados ao ter, ao amar e ao ser são fundamentais para alcançar
a qualidade de vida.
Ao longo do tempo, o conceito de qualidade de vida tem sido ampliado e os
indicadores que têm sido utilizados “podem ser considerados como medidas
discretas dos níveis de satisfação das necessidades e permitem fazer a descrição,
a avaliação e a análise dos fenômenos” (VITTE et al.). Camargo Mora (apud VITTE
et al., 2002) aponta alguns componentes que servem de critérios para a
determinação da qualidade de vida, entre eles o ambiente físico, saúde, educação,
habitação, serviços básicos, participação socioeconômica (emprego e renda) e
seguridade social e pessoal.
Os componentes podem ser analisados tanto do ponto de vista do poder
público, que enumera e descreve os equipamentos e serviços disponibilizados
como forma de demonstrar que tem colaborado para garantir a qualidade de vida,
quanto da forma como é percebida pelos indivíduos e comunidades, que
expressam continuamente a insatisfação com a infra-estrutura pública disponível
para satisfazer os mesmos componentes. Assim, é importante que a análise da
qualidade de vida inclua também as expectativas e os anseios de determinada
sociedade.
Outras terminologias, além de qualidade de vida, têm sido usadas para
exprimir a idéia de satisfação das necessidades básicas individuais e sociais. A
expressão "condições de vida" também serve a esta finalidade.
A terminologia condições de vida foi utilizada pela Fundação SEADE (1998)
para realizar a Pesquisa de Condições de Vida (PCV), em São Paulo, que teve sua
primeira versão em 1990 e foi reaplicada em 1994 e em 199827. Este levantamento
tem permitido à sociedade, aos analistas e aos formuladores de políticas públicas
acompanharem a evolução da situação socioeconômica da população paulista no
27
Disponível para consulta e download em <http://www.seade.gov.br>. Acesso em 12/01/2003.
55
período recente. Os resultados da pesquisa foram tratados e publicados em nove
seções:
aspectos
demográficos;
caracterização
das
famílias;
condições
habitacionais; situação educacional; inserção no mercado de trabalho; renda e
patrimônio familiar; acesso a serviços de saúde; portadores de deficiência e vítimas
de crimes. Cada uma das seções foi subdividida em itens que permitem uma
análise mais ampla e clara dos dados. A pesquisa foi realizada em duas unidades
distintas de coleta de dados – domicílio e indivíduos –, e adotou como unidade de
análise a família, de forma a resumir, no âmbito familiar, as quatro dimensões
utilizadas para a mensuração da pobreza – moradia, instrução, emprego e renda.
O fundamento conceitual sobre o qual se assenta a PCV pode ser
sintetizado na admissão de que o conhecimento simultâneo destes
aspectos permite construir um amplo painel das condições de vida da
população pesquisada e, assim, avaliar o grau em que as necessidades
básicas desta população estariam sendo atendidas, qualificar o acesso
dos indivíduos e famílias ao mercado de consumo conforme sua
disponibilidade de renda e estimar a capacidade de a estrutura produtiva
incorporar a oferta de trabalho disponível em um momento específico
(FUNDAÇÃO SEADE, 1998).
Compreender o significado de qualidade de vida ou de condições de vida e a
abrangência destes conceitos permitirá uma análise mais ampla da população, de
modo que se possa descrevê-la com maior fidelidade.
5.6
O processo saúde-doença
De uma maneira simplificada, “saúde” pode ser definida como “ausência de
doença” e, de modo contrário, “doença” pode ser definida como sendo a “falta ou
perturbação da saúde”. Estas definições, embora muito simplistas, são usadas com
muita freqüência, principalmente no dia-a-dia, quando as pessoas são ditas sadias
ou doentes.
Ao longo do tempo, têm surgido concepções mais elaboradas para o termo
saúde. Entre elas se pode citar a que é a adotada pela OMS (Organização Mundial
de Saúde) em sua constituição de 1948, que afirma que “saúde é um completo
estado de bem-estar físico, mental e social, e não meramente ausência de doença
ou defeito”. Um pouco mais prática é a definição proposta por Rene Dubos (apud
DÉOUX; DÉOUX, s.d., p. 27), que afirma que “saúde é a resposta do organismo
total ao ambiente total”, dando conta de que saúde é o resultado do equilíbrio
dinâmico entre o indivíduo e seu meio ambiente.
Para Leser (et al, 2000, p. 1), “a conceituação simplista de saúde e doença
56
como dois estados, mutuamente exclusivos e estáticos [...], é facilmente refutada
pela simples observação do que acontece com cada um de nós e com aqueles que
convivemos”. A condição de saúde ou doença pode ser modificada com o decorrer
do tempo. Assim, saúde não pode ser tida como um estado estável. A
compreensão do que vem a ser saúde é, portanto, subjetiva e depende do que as
sociedades, ao longo do tempo, consideram como ter mais ou menos saúde, pelo
menos naquele determinado momento.
De um modo mais amplo, o estado de saúde de um indivíduo ou de uma
população será mais bem compreendido se considerarmos as "múltiplas causas"
presentes nas suas condições de vida. Quando analisamos as condições de vida
temos que levar em conta os vários aspectos da análise da qualidade de vida como
geradores de saúde ou de doença.
A concepção de saúde proposta pela 8ª CNS é dinâmica e abrangente. Os
aspectos apresentados na concepção são geradores das desigualdades nas
condições de vida das populações e, com isto, podem ser causa de impactos
positivos ou negativos sobre o processo saúde-doença.
Para Capra (1982) a saúde é proporcional à flexibilidade, sendo esta
entendida como a capacidade dos organismos se readaptarem constantemente em
função das alterações do meio, ou seja, de manterem sua saúde. Assim, se as
condições de vida forem boas, considerando os aspectos propostos pela 8ª CNS, o
indivíduo ou as populações terão melhores condições de saúde. Se, por outro lado,
as condições de vida forem ruins, a capacidade de readaptação, isto é, a
flexibilidade será menor e maiores tenderão a ser os impactos sobre a saúde.
É no conjunto das interações com o meio ambiente, entendidas como
condições de vida, que se produzem as condições para a manutenção da saúde ou
o surgimento e a manutenção das doenças, particularmente nos indivíduos mais
suscetíveis. A eclosão de uma doença se dará, pois, a partir de uma determinada
configuração dos fatores de risco. O estado de saúde ou de doenças é, portanto,
resultante da sinergia dos diversos fatores envolvidos na produção das condições
de vida, sejam eles políticos, econômicos, sociais, culturais, psicológicos,
genéticos, biológicos, físicos e químicos.
Assim, para compreender ou transformar a situação de saúde de um
indivíduo ou de uma coletividade é preciso levar em conta que ela é produzida nas
relações com o meio físico, social, econômico e cultural através de intrincados
mecanismos que determinam as condições de vida das pessoas. Nesse contexto,
57
falar de saúde implica levar em conta as condições de vida, pois saúde é resultante
do estilo de vida e das condições de existência.
Uma idéia tão ampla de saúde pode levar a crer que a solução dos problemas
de saúde de determinada população é um desafio demasiadamente grande para
ser enfrentado e extremamente caro para ser custeado. No entanto, se quisermos
buscar a sustentabilidade das cidades e do planeta, é um desafio que temos que
enfrentar seja ele quão difícil for ou quanto venha custar, sob pena de inviabilizar a
continuidade da vida humana.
O que se deve levar em conta também é que grandes saltos na condição de
vida e saúde da maioria da população brasileira e mundial são possíveis por meio
de medidas já conhecidas, de baixo custo e eficazes, cujos resultados poderão ser
obtidos já na próxima geração. Porém, a melhoria das condições de vida e,
conseqüentemente, de saúde de uma população não é automática nem está
garantida pelo passar do tempo, assim como o progresso e o desenvolvimento não
trazem necessariamente em seu bojo a saúde e a longevidade. A compreensão
ampla dos fatores concorrentes e intervenientes e dos compromissos políticos
necessários são exigências para sua efetivação.
A Agenda 21, no parágrafo introdutório ao capítulo 6, afirma que
a saúde e o desenvolvimento estão intimamente relacionados. Tanto um
desenvolvimento insuficiente que conduza à pobreza como um
desenvolvimento inadequado que resulte em consumo excessivo,
associados a uma população mundial em expansão, podem resultar em
sérios problemas para a saúde relacionados ao meio ambiente, tanto nos
países em desenvolvimento como nos desenvolvidos.
Ainda no mesmo capítulo da Agenda 21, quando a mesma se refere ao
desafio em saúde urbana, lemos que
para centenas de milhões de pessoas, as condições de vida sofríveis das
zonas urbanas e periferias urbanas estão destruindo vidas, saúde e
valores sociais e morais. O crescimento urbano deixou para trás a
capacidade da sociedade de atender às necessidades humanas,
deixando centenas de milhões de pessoas com rendimentos, dietas,
moradia e serviços inadequados. [...] Com grande freqüência, o
desenvolvimento urbano se associa a efeitos destrutivos sobre o meio
ambiente físico e sobre a base de recursos necessária ao
desenvolvimento sustentável. A poluição ambiental das áreas urbanas
está associada a níveis excessivos de insalubridade e mortalidade.
Alojamentos inadequados e superpovoados contribuem para a ocorrência
de doenças [...]. Nos meios urbanos, muitos fatores que afetam a saúde
humana são externos à área da saúde.
Em muitas comunidades, as condições de vida são extremamente sofríveis,
resultantes tanto da degradação ambiental como da degradação social, resultante
de um modelo de desenvolvimento centralizador dos recursos, que impede que
parcelas significativas das populações tenham acesso às necessidades básicas.
58
Estas populações estão, provavelmente, mais sujeitas a terem problemas na sua
saúde. Neste sentido, a doença em si não seria categoria absoluta e importante,
mas uma desregulação social e biológica, que tem conseqüências funestas sobre
os grupos humanos (UNESC et al., 2000).
59
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO
6.1
Aspectos socioambientais
Os bairros Renascer e São João, nos quais estão as microareas estudadas,
assim como outras áreas do município de Criciúma e também de outros municípios
da região carbonífera, possuem uma estreita relação com a história da mineração.
O fato de terem sido construídos sobre uma área utilizada para depósito de rejeito
do carvão e que, posteriormente, serviu como local de depósito dos resíduos
sólidos de Criciúma, aliado ao baixo valor de mercado de seu solo, quando
comparado com outras áreas não mineradas, atraiu para ali se instalarem pessoas
que, em geral, possuem baixo ou muito baixo poder aquisitivo. Também há aqueles
que devido a impossibilidade de adquirirem um imóvel em locais menos críticos sob
o ponto de vista socioambiental destes bairros, foram se instalar nas áreas onde os
rejeitos de carvão não foram recobertos ou nas barrancas do córrego, que não
possui nome.
Os moradores dos bairros, em sua maioria, são pessoas que possuem
histórias de vida sofrida, pelo que se pode constatar durante as entrevistas. Este
fato, aliado a degradação ambiental do local, contribui para que o processo de
apropriação e transformação seja bastante difícil e demorado de acontecer. A
apropriação se refere ao processo pelo qual “o sujeito, ao apropriar-se do espaço,
deixa sua marca ao transformá-lo, iniciando, assim, um processo de reapropriação
que vai desde a casa aos objetos dentro dela” (GONÇALVES, 2002, p. 21). Poucos
são os domicílios onde se percebe esta apropriação. Como exemplos pode-se citar
as casas de Dona Juraci e de Dona Aparecida, pseudônimos de duas das
informantes na etapa 3 da abordagem com a população. Nestes domicílios vê-se
que seus moradores transformaram o espaço.
O aspecto ambiental da área ocupada pelas moradias dos bairros Renascer e
São João assim como das áreas circunvizinhas tem presente a marca da
mineração do carvão. Ainda podem ser encontrados muitos locais onde as pilhas e
os depósitos de rejeito de carvão não foram recobertos, permanecendo à vista da
população e de seu contato direto, e também sujeitos às intempéries. Nestas áreas
é freqüente a presença de crianças brincando. Na aerofotografia dos bairros (anexo
3) é possível verificar que estas áreas são encontradas em quase todo o seu
entorno.
60
Destas áreas resultam, com freqüência, poeira, mau cheiro e outros fatores
que podem interferir na vida dos moradores mais próximos. Nas palavras de uma
moradora, a situação “faz com que se tenha que deixar a casa toda fechada, pois
em dia de vento a poeira é horrível, acumulando-se sobre todos os móveis”.
Argumentou, também, que “o mau cheiro atrapalha muito” e que ela e seus filhos
têm, constantemente, “problemas de saúde”, principalmente respiratórios. A
moradora que fez estas colocações não está entre os informantes da pesquisa. Ela
se acercou do pesquisador na rua e o indagou, quando este se deslocava para
fotografar o local.
A área residencial dos bairros Renascer e São João é cortada por um córrego
que segue no sentido Nordeste/Sudoeste. Já à montante dos bairros, na parte
Nordeste, o mesmo está poluído devido ao contato com rejeitos da mineração,
como mostram os resultados da análise da amostra de água coletada no ponto P
01, em destaque na figura 2, e apresentados na tabela 7.
P 01
Fig. 2: Vista parcial do córrego, próximo à estrada que segue para a Vila Primeira Linha/São João, à
montante da área residencial dos bairros Renascer e São João, com moradias em construção, à
direita. As setas indicam áreas de depósito de rejeitos da mineração de carvão. Foto: José Carlos
Virtuoso, 19/12/2003.
Ao longo da passagem do córrego pela área residencial dos bairros, somamse às suas águas já poluídas o despejo de esgoto das casas que estão nas suas
margens e de águas da canalização pluvial, que também trazem contribuição de
61
esgoto das residências. Para o córrego escoam também as águas de escorrimento
superficial que passam por locais com depósitos de rejeitos de carvão ou com lixos
e entulhos, os quais podem ser arrastados para dentro de seu leito, e com alguns
esgotos que são lançados nas ruas sem nenhuma canalização.
A análise das condições da água do córrego nos pontos P 0128 e P 0229, cujos
laudos estão nos anexos 8 e 9, respectivamente, revelou ausência de coliformes
fecais e totais. Isto se deve, provavelmente, a elevada acidez. Estes dados foram
comparados com a Resolução n. 274/2000 do CONAMA, que trata da qualidade
das águas para balneabilidade. Os resultados das análises das amostras indicam
água própria para banho.
A tabela 7 apresenta os resultados da análise físico-química das amostras
nos pontos P 01 e P 02 e a comparação com os parâmetros estabelecidos para
águas da classe I (destinadas ao abastecimento doméstico após tratamento
simplificado; à recreação de contato primário; entre outros usos), de acordo com a
Resolução n. 20/86 do CONAMA. A comparação dos resultados mostra que, além
da elevada acidez, semelhante nos pontos P 01 e P 02, a água do córrego
apresenta valores acima dos parâmetros para os metais (Alumínio, Ferro Total e
Manganês) e para Sulfato, embora estes sejam diferentes entre os pontos. Estes
dados indicam água com elevada toxicidade.
Tabela 7: Resultados das análises físico-químicas das amostras de água do
córrego dos pontos P 01, situado a montante, e P 02, situado a jusante dos bairros
Renascer e São João, e os parâmetros da Resolução n. 20/86 do CONAMA.
Parâmetros
pH
Dureza Total (mg.L-1 CaCO3)
Nitrogênio Nitrato (mg. L-1)
Alumínio (mg. L-1)
Ferro Total (mg. L-1)
Manganês (mg. L-1)
Sulfato (mg. L-1)
Teores máximos
Res. n. 20/86
6,0 a 9,0
500*
10
0,1
0,3
0,1
250
Resultados das amostras
Ponto P 01
2,4
247,5
<0,1
132,0
106,0
1,60
2440
Ponto P 02
2,7
247,5
0,1
61,0
183,00
7
1290
Fonte: Laudos apresentados nos anexos 8 e 9. * Parâmetro de acordo com a Portaria 1469/2001 do
Ministério da Saúde, pois Resolução 20/86 não prevê teores máximos de CaCO3.
Apesar de serem consideradas balneáveis de acordo com a análise
28
Ponto P 01: Córrego, próximo à estrada que vai para a Vila Primeira Linha/São João, antes de sua
entrada na área residencial dos bairros Renascer e São João.
29
Ponto P 02: Córrego, próximo a Rua José Artur de Melo, no bairro Renascer, depois de sua
passagem pela área residencial dos bairros Renascer e São João.
62
microbiológica, as águas do córrego não servem para este fim devido às
características físico-químicas. No entanto, é freqüente a presença de crianças e
adolescentes brincando nas águas do córrego, como mostra a figura 3. Por isto, é
possível afirmar que os mesmos correm riscos de intoxicação, de problemas
dermatológicos e de outros agravos à saúde.
Este
tema
carece
de
estudos
mais
específicos
e
campanhas
de
esclarecimento para a comunidade tendo em vista a impossibilidade de solucionar
os problemas de poluição do córrego em curto prazo.
Os despejos de esgoto no córrego acontecem em quase toda a extensão de
sua travessia pela área residencial dos bairros Renascer e São João. A figura 3
ilustra também esta situação.
Fig. 3: Vista parcial do córrego na região central da área residencial dos bairros Renascer e São João,
nos fundos da microarea 1. Foto: José Carlos Virtuoso, 19/12/2003.
Além dos despejos de esgoto e de águas pluviais poluídas, o córrego serve
de local de descarte de sacolas de lixo e de entulho, que contribuem para obstruir
seu curso. Também a presença de vegetação nas margens e no interior do leito do
córrego dificulta ainda mais o escoamento das águas. Como a limpeza do leito não
é freqüente, esta situação provoca o assoreamento em algumas áreas, contribuindo
para a ocorrência de enchentes.
A figuras 3 e 4 ilustram o descaso das autoridades e a falta de informação
63
dos moradores. Evidencia-se, assim, a tese de Sen (2000, apud GONÇALVES,
2002), no que se refere ao não-intitulamento.
Fig. 4: Vista parcial do córrego na região central da área residencial dos bairros Renascer e São João,
próximo à ponte que dá acesso para a microarea 2. Foto: José Carlos Virtuoso, 19/12/2003.
As águas de coloração vermelho/alaranjada que entram na área urbana dos
bairros chegam a jusante com uma coloração um pouco mais escura,
provavelmente em razão da contribuição de esgotos.
Estas considerações sobre o córrego e suas características permitem
compreender porque o aspecto negativo mais citado pelos moradores entrevistados
em relação às suas condições de vida e que contribui para a não-apropriação do
local onde moram está relacionado ao córrego. Relatos de enchentes e mau cheiro,
referência a doenças provocadas pelo contato com as águas contaminadas, entre
outras queixas, foram feitos por 30 dos 38 informantes na etapa 2 da abordagem
com a população. Quando questionados sobre a ocorrência de enchentes, alguns
informantes da área 2 relataram que chuvas contínuas por cerca de um dia são
suficientes para provocar alagamentos.
A referência aos problemas relacionados ao córrego demonstra que a maioria
dos
moradores
percebe
as
condições
ambientais
como
importantes
na
consideração das condições de vida. Apesar disto, sabe-se que, muitas vezes, são
os próprios moradores que contribuem para o agravamento do problema, tanto com
64
seus esgotos ligados diretamente e sem qualquer tratamento quanto com as
sacolas de lixo e outros entulhos que lançam no córrego. Alguns moradores têm
consciência de sua responsabilidade e reclamam dos vizinhos. Deste modo, os
próprios moradores são agentes e vítimas do desgaste ambiental, na medida em
que ocupam áreas comprometidas sob o ponto de vista ambiental expondo-se às
interações resultantes deste convívio e provocando uma deterioração ainda maior.
Em relação ao lixo pode-se afirmar que há um maior comprometimento, pois
a maioria dos informantes afirma que o coloca para que seja recolhido pelo serviço
público, de onde se infere que os moradores têm acesso a este serviço. No entanto,
é freqüente a presença de entulho no leito do rio e também espalhado em diversos
locais dos bairros.
A estrutura urbana relativa a ruas e vias públicas também merece destaque.
Uma grande parcela das ruas, principalmente na parte mais antiga do aglomerado,
tem calçamento com lajotas. Na parte mais ao sul e em algumas ruas distribuídas
por toda a área residencial dos dois bairros há revestimento de areia ou de rejeito
de carvão, como se pode ver na figura 5.
Fig. 5: Vista parcial de moradias da microarea 3, próximo da estrada que segue para a Vila Primeira
Linha/São João, esquina com um rua sem nome, no Bairro São João. As setas indicam lixo e entulho
jogados na lateral da rua e também na calçada próximo às casas. Foto: José Carlos Virtuoso,
19/12/2003.
Diferente das ruas, em praticamente todas as calçadas há ausência de
65
revestimento. Quando muito são de terra, areia ou pirita, e sem mato ou entulho. No
entanto, é bem freqüente haver lixo, entulho e vegetação obstruindo a passagem
dos pedestres. Estes se obrigam a caminhar pelo meio das vias.
O caminhar do pesquisador pelas ruas do aglomerado chamou a atenção de
um morador, vizinho da microarea 1. A abordagem deu-se quando retornava para a
unidade de saúde, no final de um período de trabalho. O morador indagou sem
rodeios o motivo de estar ali. Foi-lhe explicado superficialmente o trabalho que
estava sendo desenvolvido e os objetivos propostos. Não lhe foi perguntado o
nome, o que não o impediu de falar sobre o aglomerado e suas condições de vida.
De sua fala, anotada posteriormente no diário de campo, ressaltam-se alguns
pontos, os quais contribuem para uma análise dos aspectos socioambientais do
aglomerado. Comentou que era importante e necessário continuar falando sobre os
problemas, pois isto poderia chamar a atenção dos administradores públicos para a
solução dos problemas. Também mencionou informações a respeito da
transferência das pessoas que moram nas barrancas do córrego na microarea 1
para um outro local. Até esta data, cerca de seis meses após a conversa, nada foi
feito ou se sabe sobre o assunto.
Sobre o córrego, o morador disse que é necessário canalizar, diminuindo os
problemas de enchentes e mau cheiro. No entanto, mostrou indignação com o fato
de que algumas pessoas jogam lixo e entulho dentro do córrego e contribuem para
piorar a situação. Também se mostrou descontente com a grande quantidade de
animais, principalmente de cães e gatos, que perambulam, defecando tanto nas
ruas e calçadas quanto nos terrenos das casas, nem sempre cercados. Este
problema, associado às enchentes, segundo o morador, atrapalha a vida no local.
Pareceu ser uma pessoa consciente da necessidade de mudança nas atitudes das
pessoas, inclusive mencionando a importância da reciclagem de certos tipos de
materiais contidos no lixo.
A região do Bairro São João onde está inserida a microarea 2, ao centro da
figura 6, é a mais precária do ponto de vista social, econômico e ambiental. As
moradias, em geral, têm construção precária e, pelo que se pôde levantar nas
entrevistas, uma grande parcela dos seus moradores que sobrevivem recolhendo
materiais para venderem (catadores). Ali se concentram também os cavalos usados
no transporte dos materiais, em muitos casos compartilhando o mesmo terreno da
residência, e uma certa quantidade de entulhos amontoados em diversos lugares. A
maioria das ruas é calçada, destoando das moradias. Normalmente não aparecem
66
rejeitos de carvão na superfície. Mas, ao serem questionados sobre este fato,
alguns moradores relataram que a espessura da cobertura de argila é
extremamente fina e que, em certas ocasiões, a chuva remove a argila, expondo o
material que se encontra logo abaixo.
Fig. 6: Vista parcial da microarea 2, no Bairro São João, ilustrando sua proximidade com o córrego.
Foto: José Carlos Virtuoso, 19/12/2003.
Compromete ainda mais a vida destes moradores o fato de que moram em
uma das áreas mais baixas de todo o aglomerado e são os que sofrem, com maior
freqüência, com o problema das enchentes e mau cheiro. Foram os moradores da
micro-área 2 os que mais relataram os problemas relacionados ao córrego. Mesmo
assim continuam a surgir mais construções no local.
As moradias das microareas 1 e 4 foram construídas muito próximo das
barrancas do córrego, estando, em geral, assentadas sobre os rejeitos do carvão.
Trata-se de uma mistura de restos de carvão, de entulho de construção e de
entulhos lançados nos terrenos e dentro do córrego.
A microarea 3, apesar de estar um pouco mais afastada do córrego e de não
ter problemas com as enchentes, apresenta dois importantes aspectos a serem
considerados sob o ponto de vista socioambiental. A maioria de suas moradias está
assentada diretamente sobre os rejeitos de carvão e encontram-se muito próximas
da ferrovia, conforme se pode observar na figura 7. Há que se ressaltar que uma
das casas é bem cuidada e conservada, inclusive com o terreno gramado, o que
67
não impede a presença do esgoto a céu aberto em uma das laterais do terreno,
escorrendo para a rua.
A ferrovia tem seus dormentes e trilhos assentados diretamente sobre os
rejeitos de carvão. É um “pretume”30 só, afirma Dona Maria.
Fig. 7: Vista parcial da micro-área 3, no bairro São João, com via pavimentada com lajotas e outra
com rejeito de carvão. Ao centro, moradia construída diretamente sobre os rejeitos de carvão. À
esquerda, mais ao fundo, indicada pela seta está o leito da Estrada de Ferro Dona Teresa Cristina.
Foto: José Carlos Virtuoso, 19/12/2003.
A microarea 4, segundo as informações obtidas, é a área ocupada a mais
tempo pelos moradores. O aspecto ambiental é um pouco melhor, provavelmente
em razão do maior tempo de residência e da maior apropriação do local por seus
moradores. No entanto, os problemas socioambientais não são muito diferentes das
outras microareas. Também há, neste local, casas construídas diretamente sobre
os rejeitos de carvão e outras que se debruçam sobre o córrego. Estas correm o
risco de desabarem devido à erosão do leito.
As casas do aglomerado onde estão as microareas estudadas não seguem
qualquer padrão de construção. A exceção fica por conta dos prédios da escola,
creche e unidade de saúde, que possuem padrão semelhante em todo o município,
e das casas que foram construídas pela Caixa Econômica Federal (CEF), que
possuíam projeto único. Estas, no entanto, já foram modificadas por seus
30
Termo usado por Dona Maria (pseudômino) na entrevista da etapa 2 da abordagem com a
população. Ela também foi uma entrevistada na etapa 3 da abordagem com a população.
68
ocupantes. As outras moradias parecem ter sido construídas de acordo com as
possibilidades de cada morador. Não raro se observa casas que estão em reforma
ou sendo ampliadas e outras que estão inacabadas ou que foram concebidas como
um projeto mais amplo, mas que estão com as obras paralisadas. É grande o
número de residências que aparentam terem sido trazidas prontas de outros locais
ou que foram construídas com materiais já usados. Também há moradias com
melhor padrão de construção, em particular na área mais antiga do Bairro
Renascer, situada na região ao norte da microarea 4.
De modo geral, não há muito capricho com as ruas e calçadas e nem com as
casas. Também é pequeno o número de casas que possuem jardim.
6.2
O perfil dos moradores
A análise das informações fornecidas pelos moradores das microareas
estudadas revela uma população excluída das benesses do desenvolvimento e
exposta constantemente a problemas de ordem socioeconômica e ambiental.
Do total de moradores da amostra estudada, 83,67% possuem idade inferior a
39 anos e quase a metade (48,3%) têm menos de 19 anos (tabela 8), indicando ser
uma população jovem.
Tabela 8: Faixas etárias dos moradores, segundo o sexo, com os respectivos
percentuais e percentuais acumulados para cada uma das faixas etárias.
Faixa etária (anos)
– de 1
1a4
5a9
10 a 14
15 a 19
20 a 24
25 a 29
30 a 34
35 a 39
40 a 44
45 a 49
50 a 54
55 a 59
60 a 64
65 ou +
Masculino
2
6
13
6
9
5
6
6
6
2
3
0
0
2
3
Feminino
1
6
10
8
10
10
7
5
7
2
3
1
3
1
4
Total
3
12
23
14
19
15
13
11
13
4
6
1
3
3
7
%
2,04
8,16
15,65
9,52
12,93
10,20
8,84
7,48
8,84
2,72
4,08
0,68
2,04
2,04
4,76
% acumulado
2,04
10,20
25,85
35,37
48,30
58,50
67,35
74,83
83,67
86,39
90,48
91,16
93,20
95,24
100,00
Total
69
78
147
100,00
Fonte: Informações obtidas durante as entrevistas da etapa 2 da abordagem com a população.
Também é importante observar que 53,1% das pessoas da amostra são do
69
sexo feminino, enquanto que 46,9% são do sexo masculino. Se considerarmos
apenas as faixas etárias acima de 20 anos, a relação passa a ser de 57,6% de
pessoas do sexo feminino e de 43,4% do sexo masculino. Este fato indica que em
muitos domicílios as mulheres são as responsáveis, inclusive pela parte financeira.
No entanto, chama a atenção o fato de que 76,92% dos informantes da etapa 2 da
abordagem com a população foram as mães. Isto demonstra que estas mulheres,
em geral, não trabalham. Ressalte-se que as entrevistas foram realizadas, na sua
maioria, no período da tarde e em dias úteis.
Apesar de ser uma população jovem, a vida sofrida e as condições
socioeconômicas e ambientais precárias fizeram com que estes “jovens”
envelhecessem precocemente. As feições, a pele, a postura e o modo como se
expressam são características de pessoas bem mais velhas. Ressalve-se que o
termo “velho” aqui utilizado refere-se ao desgaste físico e à falta de cuidado com o
corpo, a forma como encaram e falam sobre suas vidas e as perspectivas de futuro.
Entre os informantes, chamou a atenção o caso de um morador da microarea
1 que, aos 42 anos, parece ter abdicado de tudo, até mesmo da perspectiva de
viver. Sua pele e seu rosto apresentavam aparência muito desgastada, como de
alguém que tivesse muito mais que sua idade. O modo como foi encontrado para a
entrevista, maltrapilho e levemente embriagado, já no período matutino, era de
quem não valorizava sequer o ato de viver e a maneira como respondia às
questões apresentadas era de quem já se encontrava cético em relação a qualquer
perspectiva de mudança em suas condições de vida. Demonstrava desacreditar de
tudo e de todos.
Um outro caso típico é o de uma mulher, moradora da microarea 3, que, aos
22 anos, aparentava bem mais que o dobro. Estava quase no final de sua terceira
gestação quando foi entrevistada. Falou da vida, ao responder às questões
apresentadas, com certa angústia e pessimismo. É possível entender esta situação
quando se olha para a rua desde o interior de seu casebre. O que se vê é um
terreiro de chão batido em rejeito de carvão. Ao se buscar o horizonte, a visão que
se tem é de uma cerca de arame farpado e do elevado de rejeito de carvão sobre o
qual assentam-se os dormentes e trilhos da estrada de ferro.
Noutra entrevista, uma senhora, também da microarea 3, quando indagada
sobre qual era o cômodo de sua casa que considerava mais importante, respondeu
que “nenhum”. Completou a frase argumentando que quando vem voltando para
70
casa, vinda do “centro”31, a visão que tem é de que está se dirigindo para a “casa
mais preta do mundo” e que “já sente um desânimo só em ver esta casa”. A casa,
assim como a anterior, está assentada sobre os rejeitos de carvão, fato que é
comum nas quatro microareas estudadas e que também pode ser encontrado em
outros locais dos bairros Renascer e São João, mas que não constam da área
espacial desta pesquisa. Também nesta casa a visão desde o seu interior é pilhas
pretas de rejeito de carvão e da ferrovia. Nesta moradia a situação é ainda pior,
pois a casa está a poucos metros da ferrovia e no pátio observam-se restos de
entulho que sobraram do material que ela e o marido separam para vender.
O tempo médio de residência dos moradores é diferente em cada microarea.
Também há diferenças entre o tempo médio de residência nas quatro microareas e
nos bairros Renascer e/ou São João. O tempo médio de residência nos bairros é
superior ao tempo de residência nas microareas.
Tabela 9: Tempo de residência dos entrevistados nas micro-áreas e nos bairros
Renascer ou São João, com respectivos percentuais acumulados.
Tempo médio de
residência (em anos) Nas micro-áreas
Menos de 1 ano
8
1 a 3 anos
10
4 a 6 anos
9
7 a 10 anos
5
11 a 15 anos
5
Mais de 15 anos
2
39
%
20,51
25,64
23,08
12,82
12,82
5,13
100,00
Nos bairros
Renascer e/ou São
João
2
6
7
11
5
8
39
%
5,13
15,38
17,95
28,21
12,82
20,51
100,00
Fonte: Informações obtidas durante as entrevistas da etapa 2 da abordagem com a população.
A maioria dos moradores entrevistados, equivalente a 61,54%, está residindo
nos bairros Renascer e/ou São João há mais de sete anos, e 20,51% do total estão
ali há mais de 15 anos. O tempo de residência nas microareas é inferior a seis anos
para 69,23% e 20,51% do total dos moradores tem menos de um ano de residência
na microarea.
A maior média de tempo de residência nas microareas e nos bairros
Renascer e/ou São João é dos moradores da microarea 4. Também ficou evidente,
pelas informações obtidas durante as entrevistas, que esta é a microarea com
menores problemas de violência, roubo e tráfico, quando comparada com as
demais.
A análise do tempo de residência permite inferir que a movimentação dos
31
Bairro central da cidade de Criciúma.
71
moradores é pequena. A grande maioria permanece por um tempo razoavelmente
longo nos bairros e nas microareas. Este fato deveria contribuir para a apropriação
do local e para sua transformação, fato que pouco se observa. As pessoas parecem
contentar-se com a situação e poucas mudanças podem ser percebidas ao longo
do tempo.
Tabela 10: Tempo médio de residência dos moradores nas micro-áreas e o tempo
médio de residência nos bairros Renascer e/ou São João, segundo o microarea de
residência.
Tempo médio de residência (em anos)
Na microarea
Nos bairros Renascer
e/ou São João
Moradores da microarea 1
4,4
9
Moradores da microarea 2
2,1
5
Moradores da microarea 3
5,5
7
Moradores da microarea 4
7,5
12
Fonte: Informações obtidas durante as entrevistas da etapa 2 da abordagem com a população.
Há muitas casas que parecem estar caindo. Dona Maria fala, no relato da sua
história de vida, que sua casa está caindo, que as tábuas e os barrotes estão
podres. No entanto, sonha que a Prefeitura ou que alguém a tire de lá. Parece não
ter vontade própria para fazer ou não ter forças para tal. E ela já mora na microarea
há mais de 12 anos. Dona Aparecida pensa diferente. Sua primeira casa foi
praticamente destruída pelos cupins. Mas, com o auxílio do filho e “devagarinho”,
como ela mesma menciona, está melhorando uma meia-água de alvenaria que
construiu nos fundos.
Ao falarem sobre os motivos que os levaram a vir para o atual endereço, os
moradores mencionaram que buscavam um local próprio para morar, de modo a
fugirem do aluguel ou mesmo como forma de ter um lugar que pudessem dizer que
é seu. Embora o lugar não seja o mais adequado do ponto de vista socioambiental,
foi ali que fizeram sua vida. É neste espaço, localizado nas barrancas do córrego ou
sobre depósitos de rejeito da mineração do carvão, que estes moradores têm
tentado criar um lugar, de um modo mais específico, concreto, conhecido, familiar e
delimitado. Um lugar onde pudessem realizar suas práticas sociais e onde
pudessem construir sua identidade. Um lugar onde pudessem estabelecer suas
raízes e ter possibilidade de ter uma história (GONÇALVES, 2002). Para grande
parte dos moradores, este espaço geográfico foi o único que lhes restou.
Infelizmente, como afirma Damergian (2001), para que houvesse uma
interação bem sucedida entre as pessoas e o ambiente seria preciso que as
72
condições fossem favoráveis ou que a sociedade lhes fornecesse estas condições.
Como, no caso dos moradores do aglomerado e das microareas, o ambiente não é
favorável, a sociedade, através de suas instituições, muito pouco tem feito, e as
possibilidades de inserção econômica dos moradores têm sido escassas, não tem
havido uma influência saudável sobre o ambiente. Assim prossegue um círculo
vicioso onde a pobreza se perpetua e, com ela, a degradação socioambiental.
É preciso interromper este ciclo e satisfazer as necessidades humanas para
haver desenvolvimento sustentável, conforme afirma a Comissão Mundial sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento (1991). No entanto, exemplos como o destes
bairros tem se multiplicado, ao mesmo tempo em que a sociedade e suas
instituições não os têm acompanhado em igual medida na busca de soluções ou na
minimização dos problemas.
6.2.1 Uma anestesia coletiva
Todas as pessoas contatadas nas residências durante a etapa 2 da
abordagem com a população se dispuseram prontamente a responder ao
questionário. No entanto, poucos foram os que indagaram acerca da pesquisa e de
seus objetivos. Ainda assim o pesquisador fornecia-lhes as informações
necessárias. Também, quando os informantes foram indagados acerca da
possibilidade de se disporem a fazer uma outra entrevista, numa etapa posterior,
apenas um dos entrevistados respondeu negativamente, alegando que não teria
muito mais informações para fornecer além daquelas já apresentadas.
Entretanto, é importante destacar a falta de encantamento e de perspectivas
com a vida atual ou futura, como que se estivessem numa “anestesia coletiva”. Os
informantes, na sua maioria, demonstravam estar preocupados somente com o
momento e com as suas necessidades. Outros pareciam nem com isto se
preocupar. Alguns davam a impressão de ver somente o passado, queixando-se na
maior parte do tempo. Vários dos informantes foram encontrados sentados ao lado
ou na frente de suas casas e dali nem se levantaram para responder às questões.
Onde estavam, ficaram.
A inércia em relação aos acontecimentos, a resignação com a situação e o
fato de não demonstrarem anseios e desejos em relação ao presente ou ao futuro
estão, provavelmente, relacionadas com a situação a que estão sujeitos. Como não
percebem perspectivas de mudar esta situação, submetem-se a ela, passando a
73
encará-la como normal. Neste sentido, esvai-se a capacidade de luta e movimento
em prol de melhorias e a única possibilidade que resta é a esperança de que o
poder público ou alguma iniciativa privada proporcione alterações neste quadro.
Para alguns, a pesquisa só teria sentido se mudasse sua vida. O pesquisador, e
não eles, teria que fazer algo para que isto acontecesse.
Durante as entrevistas, poucas foram as pessoas que demonstraram
insatisfação com a atual situação e mencionaram a vontade de mudá-la. Para estes
o único motivo que os mantêm naquele local é a impossibilidade econômica de
mudar. Nestes moradores percebe-se que o desejo de uma vida diferente e melhor
ainda não morreu. Para estes o conceito de “anestesia coletiva” não pode ser
aplicado, apesar de compartilharem condições semelhantes de vida.
Entre as moradias onde não foi possível fazer as entrevistas da etapa 2 da
abordagem com a população estão três que, mesmo após três tentativas, ninguém
foi encontrado. No relato dos vizinhos, essas pessoas estavam na casa de parentes
ou conhecidos e dificilmente ficam em casa. São, provavelmente, pessoas que não
se apropriaram da casa nem do lugar, não hesitando em deixá-los para andar por
outros locais. Sentem necessidade de se comunicar com outros, de passar o tempo
e, como não possuem laços, tentam estabelecê-los noutros locais. A casa é, pois,
um abrigo onde descansam.
Assim é que se constrói o tecido social e ambiental nas microareas e em todo
o seu entorno, contribuindo para a construção do espaço urbano dos bairros
Renascer e São João e do município de Criciúma.
6.3
A moradia
Inicialmente, por meio da análise das aerofotografias feitas em novembro de
2001, foram identificadas 62 construções nos locais estabelecidos para estudo. No
entanto, em 23 delas o estudo não foi realizado. Os motivos são diversos e foram
obtidos junto aos vizinhos ou constatados durante a pesquisa, conforme
apresentados na tabela 11.
A busca por um lugar é o principal motivo que levou a maioria dos moradores
das quatro microareas a ali se instalarem, pois 87,17% dos informantes da etapa 2
da abordagem com a população se consideram como proprietários, embora não
tenham a escritura dos imóveis, uma vez que os terrenos são, em geral, resultante
de ocupação ou invasão. Há as moradias que são emprestadas ou alugadas.
74
Tabela 11: Motivos apresentados pelos vizinhos ou constatados pelo pesquisador
que justificam a não-realização das entrevistas.
Motivos
Demolidas
Desocupadas
Moradores que trabalham o dia todo e só estão durante a noite
Construções com outras finalidades
Moradores não encontrados após três tentativas de visita
Outros motivos
Total
Nº
2
4
6
5
3
3
23
Fonte: Informações obtidas durante as entrevistas da etapa 2 da abordagem com a população.
O material mais freqüentemente empregado na construção é a madeira, na
maioria dos casos resultante de demolição. Há também moradias de alvenaria ou
de outros materiais, conforme apresentado na tabela 12.
Tabela 12: Principal tipo de material empregado na construção das moradias.
Material empregado
Nº de moradias
%
Madeira
Alvenaria
Mista (alvenaria + madeira)
Restos de madeira de várias origens
Madeira e outros materiais (metal, papelão, amianto)
18
14
5
1
1
46,15
35,90
12,82
2,56
2,56
Total
39
100,00
Fonte: Informações obtidas durante as entrevistas da etapa 2 da abordagem com a população.
Para a análise do estado de conservação das 39 moradias visitadas houve a
necessidade de se estabelecer critérios próprios. Assim, foram estabelecidos quatro
parâmetros:
1. Bom: Construção de madeira ou de alvenaria, com tamanho suficiente para
distribuição dos moradores, com certa privacidade. A casa deve ser
adequadamente construída, com utilização de material próprio para tal
(tijolos, tábuas, etc). Pode ser ou não pintada.
2. Regular: Construção de madeira ou alvenaria que demonstre ter sido feita
com restos de materiais obtidos na demolição de outras construções. Deve
ter uma construção relativamente organizada. O tamanho e o número de
cômodos é insuficiente para os moradores do domicílio, havendo
sobreposição de espaços (Ex: sala que se transforma em quarto ou outro).
Normalmente casal e filhos dormem no mesmo espaço.
3. Ruim: Construção de madeira ou alvenaria sem organização na construção,
misturando restos de material (Ex: chapas de compensado, zinco ou lonas
75
como cobertura). Tamanho muito inferior ao necessário para os moradores
e, por vezes, com número de cômodos insuficiente. Normalmente construída
sem nenhuma organização ou muito mal construída.
4. Péssimo: Construção de restos de materiais (Ex: zinco, lona, chapa de
compensado, restos de madeira já usada, etc). Construção mal feita e
desorganizada. Espaço inadequado para instalação de moradores.
De acordo com estes parâmetros, identificaram-se 25 construções acima da
média e 18 abaixo, com predominância (50%) de moradias regulares.
O modo como foram feitas as divisórias das moradias é irregular. Há aquelas
que apresentam cômodos específicos e outras que apresentam cômodos que
servem para mais de uma função, como, por exemplo, um cômodo que durante o
dia é sala ou cozinha e que, à noite, serve de quarto. O número de cômodos
também é irregular. Em mais de 71% das moradias este número é inferior a três,
incluindo o banheiro. Entre estas estão as moradias que apresentam apenas um
cômodo, que serve para todas as atividades. Também foram identificadas sete
moradias nas quais se constatou a ausência de banheiro, sendo necessário que
vizinhos ou parentes cedam ao uso o banheiro de suas moradias.
O número médio de pessoas por domicílio é de 3,77, valor um pouco inferior
à média nos bairros, que é de 3,86, conforme os dados do IBGE (2000). Logo,
pode-se concluir que não há espaço adequado suficiente para todos, ressaltandose que, mesmo quando o número de cômodos é maior, o tamanho dos mesmos é
pequeno. Há, também, moradias que abrigam seis ou mais pessoas. Como foram
listados 67 quartos, tem-se um número médio de ocupantes por quarto superior a
dois.
Uma análise qualitativa no que se refere às moradias foi realizada com base
no questionamento sobre qual o maior e qual o mais importante cômodo das
moradias. Em quase 54% das moradias a cozinha é o cômodo mais amplo, talvez
por ser este o lugar da casa onde as pessoas mais convivem e onde podem
receber as visitas. Talvez, por isto, tenham um pouco mais de conforto. No entanto,
quatro moradias não possuem a cozinha. Sobre o cômodo mais importante as
respostas foram variadas. Mais de 38% dos informantes citaram o quarto e, em
segundo lugar, com mais de 25%, a preferência foi pela cozinha. Chamou atenção
o fato de que quatro informantes consideraram o banheiro como mais importante.
Dois deles chegaram a justificar a opção. Para um o banheiro é uma necessidade,
algo do qual não se pode prescindir. Para o outro a preferência é por ser o único
76
cômodo da moradia que já fora concluído do modo como havia planejado. É
importante destacar, também, que dois dos informantes relataram que não gostam
da casa e que só não mudam por não terem condições financeiras para isto.
Há, em contrapartida, os moradores que se sentem muito bem no local e com
sua casa. É o caso de Dona Aparecida. Durante o relato de sua história de vida
(anexo 6) a mesma deixou transparecer em suas palavras o carinho que sente por
sua casa, pelo terreno, pela rua e pelos vizinhos. Fala com orgulho que durante os
cerca de 15 anos que mora no local teve sua moradia assaltada uma única vez.
Percebe-se também a apropriação da casa e do terreno quando se é recebido. Nas
duas entrevistas o pesquisador foi convidado a sentar-se num banco colocado
numa varanda que está de frente para o córrego. Relatou, nas duas ocasiões, que
ela própria cuida da pequena horta, com auxilio de seu companheiro. Tanto quanto
possível para um local com pouco aterro, a pequena horta é muito bem cuidada.
Um outro caso é o da Dona Juraci, também entrevistada na etapa 3 (anexo 6).
Durante a sua fala e também pelo que se pode perceber, sua casa tem o jeito de
quem a está construindo. Veio para o aglomerado há cerca de 8 anos e morou
inicialmente numa meia-água caindo aos pedaços, nos fundos da atual.
Trabalhando, na maior parte do tempo sozinha, conseguiu erguer uma casa de
alvenaria. Na parte externa da sua casa ainda falta o acabamento, mas
internamente é bem cuidada e organizada.
6.4
A participação econômica
A participação econômica aqui é entendida como a geração e o usufruto da
riqueza de uma sociedade. É nesta perspectiva que trabalhamos emprego e renda.
Assim como se observa no Brasil, também entre as famílias que moram nas
microareas há grande diferença na entrada de renda mensal dos domicílios.
O levantamento sobre participação econômica, de acordo com as
informações dos próprios moradores, permitiu verificar que a entrada de renda
média mensal por domicílio é de R$ 319,47, e que a renda média mensal per capita
é de R$ 82,59. No entanto, a diferença entre o domicílio de maior entrada de renda
e o de menor é de cerca de 20 vezes. Da mesma forma, comparando um grupo de
oito domicílios com as menores entradas de renda (Grupo A), e o grupo dos oito
domicílios com as maiores entradas de renda (Grupo B), verificou-se que a
diferença da média da entrada de renda é de 6,71 vezes. A entrada de renda média
77
mensal no Grupo A é de R$ 96,67, enquanto que no Grupo B é de R$ 648,75.
Também em relação à renda per capita a diferença entre os dois grupos é
significativa. No Grupo B a renda per capita é de R$ 133,08, enquanto no Grupo A
é de R$ 28,06. Isto significa que a entrada de renda mensal per capta no Grupo B é
4,74 vezes maior que o Grupo A. Não foi considerado, nestes cálculos, o domicílio
em que o informante afirmou não possuir entrada de renda, vivendo de esmolas, e
nem um outro cuja entrada de renda não foi informada. A tabela 13 apresenta estas
informações de maneira mais detalhada.
Tabela 13: Tipo de ocupação, existência ou não de registro na Carteira de Trabalho
e Previdência Social (CTPS), renda total mensal dos domicílios, com detalhe para o
grupo dos oito domicílios com as menores (Grupo A) e maiores (Grupo B) entradas
de renda e os respectivos números de pessoas para cada domicílio.
Nº do
Quest.
1
2
3
4
Ocupação
Serviços diversos
ocasionais - diarista
5
6
Pedreiro autônomo
7
Seguro desemprego
8
9
Ajudante em lanchonete**
Serviços diversos
ocasionais - segurança /
faxina**
10
Ajudante de motorista
11
13
Catador de sucata
Catador de sucata / faz
cestos
Serviços diversos
ocasionais - ajudante de
motorista
14
Zeladora
15
16
Empregada doméstica
Empregada doméstica /
servente de pedreiro***
17
Servente de pedreiro
18
Comerciante
19
20
x
Aposentado
Serviços diversos
ocasionais
Pedreiro
Aposentado e Serviços
diversos ocasionais
12
Entrada
Nº de
Nº de
de renda Grupo pessoas Grupo pessoas
total do
do
A
B
do
domicílio
Grupo A
Grupo B
SIM NÂO (em R$) (em R$)
(em R$)
Registro
na CTPS
Pedreiro autônomo
Pedreiro autônomo /
cozinheira **
Continua.
150,00 150,00
4
240,00
x
X
100,00 100,00
1
240,00
x
x
390,00
100,00 100,00
6
262,00
X**
500,00
X**
200,00
x
5
318,00
X
100,00 100,00
5
x
120,00 120,00
4
x
x
x
500,00
50,00
50,00
3
300,00
x
200,00
X***
x
350,00
350,00
1000,00
1000,00
4
x
600,00
600,00
4
x
N.I.
78
Continuação da tabela 13.
Nº do
Quest.
Ocupação
21
Empregada doméstica /
benefício**
22
Desempregado
23a
Catador de sucata
23b
Zelador
24
Catador de sucata
25
Aposentado
Marmorista / benefício /
empregada doméstica**
26
27
Costureira
28
Operador de máquina
Serviços diversos
ocasionais
29
30
Catador de sucata
31
Marceneiro autônomo
32
33
Ajudante de marceneiro
Barbeiro / serviços gerais
em fábricas**
34
Montador de móveis
35
Serviço geral prefeitura
36
Aposentado
Serviços diversos
ocasionais
Aposentado / vendedora
roupa (autônoma) **
37
38
Entrada
Nº de
Nº de
de renda Grupo pessoas Grupo pessoas
total do
1
do
2
do
domicílio
Grupo 1
Grupo 2
SIM NÃO (em R$) (em R$)
(em R$)
Registro
na CTPS
X**
500,00
500,00
5
650,00
5
740,00
7
500,00
6
700,00
3
N.P.
x
x
100,00 100,00
3
290,00
x
400,00
240,00
X**
x
x
x
x
x
650,00
330,00
300,00
x
x
x
x
150,00 150,00
x
740,00
5
240,00
400,00
240,00
350,00
500,00
240,00
x
200,00
x
700,00
39
39
10
31 12.140,00 870,00
31
5190,00
Fonte: Informações obtidas durante as entrevistas da etapa 2 da abordagem com a população.
N.I.: Não informado.
N.P.: Não possui entrada de renda.
** Duas pessoas do domicílio que trabalham ou duas pessoas com ou sem registro na Carteira de
Trabalho e Previdência Social (CTPS).
*** Três pessoas do domicílio que trabalham ou três pessoas com ou sem registro na Carteira de
Trabalho e Previdência Social (CTPS).
Estes dados mostram que nas microareas estudadas há uma espécie de
divisão de classes no que se refere à participação econômica, embora as maiores
entradas de rendas não sejam muito expressivas. O que fica evidente é que muitos
domicílios não possuem renda digna para atender suas necessidades.
Repete-se, pois, em escala micro o que já ocorre na escala macroeconômica,
ou seja, a maioria da população tem pouco acesso a renda enquanto que a minoria
fica com a maior parte e esta diferença tende a aumentar.
Ao considerar o tipo de vínculo que viabiliza a entrada de renda dos 47
79
moradores que representam a fonte de renda dos domicílios, verificaremos que
65,96% deles não têm nenhum tipo de registro legal e, portanto, não são intitulados.
Neste caso, a intitulação está na dependência exclusiva da força de trabalho, mal
remunerada e sem garantias. Logo, a intitulação como ato de ingressar no
desenvolvimento e de ter a satisfação das necessidades está distante de ser
alcançada. Os demais moradores com fonte de renda são 21,28% com registro na
Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), 10,64% aposentados e 2,13%
que estavam recebendo, na época da entrevista, o Seguro Desemprego.
O tipo de ocupação é, também, um quadro preocupante. A grande maioria
dos trabalhadores não possui profissão definida. Fazem serviços diversos
ocasionalmente e com os quais não possuem vínculo, são ajudantes gerais ou
possuem ocupação que, aparentemente, foi a oportunidade que surgiu. Aqueles
que possuem uma profissão definida são exceções e, normalmente, possuem um
salário um pouco acima da média. Assim, como a maioria daqueles que são
economicamente ativos não possuem formação ou qualificação definida, são mais
difíceis, ainda, as possibilidades de obtenção de uma renda que permita a
satisfação contínua das necessidades, ficando estes moradores, em muitas
ocasiões, à mercê da caridade de outros.
6.5
A infraestrutura e os serviços urbanos
O área urbana dos bairros Renascer e São João onde estão inseridas as
quatro microareas que fazem parte deste estudo possui, aproximadamente, duas
décadas de história. Neste tempo, pouco foi feito pelos poderes públicos para dotar
a área de uma melhor infra-estrutura urbana.
O primeiro grande problema, nas palavras de João Paulo Teixeira
(GONÇALVES, 2002), é que não houve a realização prévia de estudos para
verificar a habitabilidade do local. De acordo com Guadagnin, pesquisador
entrevistado por Gonçalves (2002), a recuperação do local foi feita de forma
bastante precária. Os bairros que se formavam também tiveram que conviver com o
lixão do município por cerca de uma década.
O calçamento das ruas foi realizado muito tempo depois deste início, mas
ainda não atinge todas as ruas e estradas. As linhas de ônibus que atendem os
dois bairros possuem horários bem distribuídos.
Os moradores contam, também, com uma escola de Ensino Fundamental,
80
uma creche e uma unidade de saúde com PSF.
As áreas de lazer são praticamente inexistentes. Há apenas um campo de
futebol, que, no momento, está abandonado. Com freqüência os adolescentes
pulam o muro da escola para utilizar a quadra esportiva. No entanto, são comuns
os atos de vandalismo contra o patrimônio público.
Analisando mais especificamente os serviços de abastecimento de água,
esgotamento sanitário, coleta de lixo e acesso à energia elétrica para os moradores
das quatro microareas, percebemos alguns problemas.
A água tratada chega de maneira direta a 79,49% dos domicílios, mas apenas
10,26% possuem caixa-d’água. Os outros 69,23% têm seus terminais domésticos
ligados diretamente à rede de distribuição. Para 20,51% dos moradores o
abastecimento é feito por canalização ligada a um vizinho. Tanto os que não
possuem a caixa-d’água como aqueles que dependem da concessão de vizinhos
estão sujeitos à falta d’água, principalmente em razão dos problemas de
abastecimento, que são freqüentes na região de Criciúma, principalmente no verão.
A qualidade da água distribuída está dentro dos parâmetros físico-químicos
estabelecidos pela Portaria 1469/MS (tabelas no anexo 1), com exceção do
Alumínio, cujo resultado obtido na amostra coletada num dos domicílios da
microarea 4 (ponto P 03) é levemente superior ao parâmetro. O laudo está no
anexo 10. Este fato pode estar relacionado com as características geológicas e
hidrológicas das fontes de coleta. Os resultados e a comparação com os
parâmetros da Portaria 1469/MS podem ser observados na tabela 14.
No entanto, na análise microbiológica foi detectada a presença de coliformes
totais e fecais conforme laudo apresentado no anexo 10. O padrão microbiológico
de potabilidade da água para consumo humano, segundo a Portaria 1469/MS, é a
ausência destes microorganismos em 100ml. É provável, entretanto, que o
resultado aferido na amostra analisada esteja relacionado à problemas de
contaminação nas canalizações e nas torneiras da residência, tendo em vista que
não foi feita a esterilização antes da coleta. A não esterilização da torneira permitiu
que a amostra coletada mantivesse as mesmas características da água utilizada na
residência. Por outro lado, é importante ressaltar a necessidade de estudos mais
detalhados sobre a qualidade da água distribuída nos bairros onde se realizou o
estudo e de análises em outras amostras da água efetivamente consumida, ou seja,
de amostras coletadas nas torneiras.
81
Tabela 14: Resultados das análises físico-químicas da amostra de água de
consumo coletada em uma torneira ligada diretamente à rede de distribuição em
domicílio da microarea 4 e a comparação com a Portaria 1469/MS.
Parâmetros
pH
Dureza Total (mg.L-1 CaCo3)
Nitrogênio Nitrato (mg. L-1)
Alumínio (mg. L-1)
Ferro Total (mg. L-1)
Manganês (mg. L-1)
Sulfato (mg. L-1)
Parâmetros Portaria
1469/MS
6,0 a 9,0
500
10
0,2
0,3
0,1
250
Resultados da amostra
Ponto P 03
6,1
19,8
<0,1
0,4
0,29
<0,01
<2
Fonte: Laudos em anexo.
A energia elétrica chega diretamente a 64,10% dos domicílios das microáreas. Para 23,08% dos domicílios o acesso ao serviço é possível devido à
concessão de ligação feita por algum vizinho. Os outros 12,82% possuem ligações
clandestinas. Como são ligações ilegais, a concessionária do serviço desliga-as
com freqüência, deixando os moradores às escuras. No entanto, é só o pessoal de
serviço ir embora que os moradores refazem as ligações. Se, por um lado, isto
garante o acesso, por outro, expõe aquelas pessoas a riscos freqüentes de
acidentes elétricos, já que as ligações não possuem segurança. Durante as
entrevistas da etapa 2 da abordagem com a população, uma das informantes da
microarea 2 mencionou que não possui dinheiro para pagar as taxas de
abastecimento de água e energia elétrica. Então, como não pode ficar sem água,
mantém os pagamentos em dia. Com a energia elétrica sujeita-se a situação
clandestina, mesmo reconhecendo o risco de acidentes (choques elétricos) e a
possibilidade de incêndios.
O serviço de coleta dos resíduos sólidos (lixo) é realizado por empresa
privada, contratada pela Prefeitura. Os caminhões de coleta passam em quase
todas as ruas dos bairros três vezes por semana, inclusive das quatro microareas.
A exceção é uma rua da microarea 3. A coleta pública é o destino que 87,18% dos
moradores das microareas afirmam dar ao seu lixo. O material é queimado ou
deixado espalhado pelo terreno por 7,69% dos moradores e outros 5,13% afirmam
que lançam no córrego, desconhecendo haver problemas neste ato. Dona Maria,
pseudônimo de uma moradora de uma rua da microarea 3 onde não tem coleta, é
catadora de papelão, junto com seu marido. Afirmou que depois da entrega de uma
“carga” de papelão, varre o terreiro e amontoa os restos, carregando para o outro
lado da rua (vide figura 5 na p. 64), que é paralela à estrada de ferro, e coloca fogo.
82
No entanto, há restos de material e de lixo nos cantos do pátio de sua casa.
Reclama, no entanto, de seu vizinho, também catador, que deixa restos de
alimentos e outros materiais perecíveis jogados pelo terreno e que isto gera um
mau cheiro insuportável. Queixa-se, também, que o mesmo coloca fogo nos restos
de materiais durante a noite, e que a fumaça entra pelas frestas de sua casa,
causando transtornos. A transcrição da entrevista de Dona Maria esta no anexo 6.
Fig. 8: Vista parcial de área adjacente à microarea 2, no bairro São João, com detalhe para a estação
piloto de tratamento de esgoto. Foto: José Carlos Virtuoso, 19/12/2003.
O destino das águas servidas (esgoto) das moradias dos bairros Renascer e
São João é, praticamente, um só: o córrego. A situação não é diferente para os
moradores das microareas, como se pode observar na figura 3. Em 79,49% das
moradias das microareas o esgoto é canalizado diretamente para o córrego,
embora 10,26% dos moradores afirmem que possuem fossa e que daí canalizam
para o córrego. Outros 12,82% têm o esgoto ligado à rede pluvial e esta deságua
no córrego. Apenas 7,69% dos domicílios têm ligação com a rede de esgoto cujo
destino é uma estação de tratamento. Estes domicílios estão na microarea 2,
juntamente com a estação piloto de tratamento de esgoto, conforme pode ser
observada na figura 8.
Pelo que foi possível perceber e pelo que foi relatado pelos informantes, o
aglomerado se ressente do abandono por parte das autoridades. Em algumas
conversas com os moradores as queixas são de que muitas promessas são feitas
83
no período eleitoral e depois, independente de quem assume o poder, voltam ao
esquecimento, só sendo lembrados quando acontece alguma calamidade ou em
nova eleição.
Dona Juraci, falando sobre qualidade de vida (anexo 6), cita a necessidade
de lazer. Fala, ainda, que
aqui é um lugar que aqui não tem um esporte, não tem nada. O salão aí
ó, é só mesmo pra esses homem, é só mesmo prá este tipo de coisa.
Ainda acho se tivesse um local onde tivesse assim um esporte prá eles
(falando dos adolescentes), eu acho, uma coisa assim prá eles se ocupar
mais, eu acho que... [...]. É, eu acho que melhorava bastante.
Para Dona Juraci, além dos problemas relativos ao córrego e às enchentes, a
falta de segurança é um problema bastante grave. Fala da necessidade de ter mais
força policial nas ruas, de modo a coibir os roubos e o tráfico de drogas. É
importante salientar que Dona Juraci mora na microarea 2, onde a violência e
tráfico de drogas estão entre os maiores problemas.
A partir destes dados, percebe-se que o aglomerado está longe de ter uma
infra-estrutura urbana que garanta dignidade a seus moradores. Atacar e resolver
problemas como o saneamento básico, a melhoria das moradias, a pavimentação
das ruas, o aterro de lotes e áreas adjacentes aos bairros Renascer e São João
que ainda apresentam rejeito de carvão exposto seria o primeiro passo para dar
mais dignidade àqueles criciumenses. Além disto, faltaria, ainda, melhorar a
segurança do aglomerado, prover a comunidade de áreas de lazer e promover o
acesso à participação econômica, principalmente através de postos de trabalho.
6.6
A alfabetização
Na análise sobre a participação econômica foi comentado acerca do tipo de
ocupação ou profissão exercida por aqueles moradores das microareas que
possuem renda. Na maioria dos casos são pessoas sem profissão definida ou com
profissões que não requerem educação formal.
A análise do nível escolar daqueles moradores que não estão estudando,
cujas informações estão na tabela 15, revela números muito preocupantes. O
percentual de não-alfabetizados entre os não-estudantes da amostra que possuem
15 anos ou mais é de 12,34%, incluindo aqueles que não freqüentaram a escola
formal, mas que aprenderam a assinar o nome. Segundo dados do Sistema de
Informação de Atenção Básica (SIAB) da Secretaria Municipal de Saúde de
84
Criciúma, no relatório de 08/01/04, o percentual de não-alfabetizados com 15 anos
ou mais entre os cadastrados na unidade de saúde na mesma faixa etária é de
11,05%. Estes percentuais são semelhantes ao percentual de não-alfabetizados na
parcela da população com 15 anos ou mais do Brasil, que é de 11,63%. No entanto,
representam mais que o dobro dos percentuais de não-alfabetizados referentes à
parcela da população com 15 anos ou mais de Criciúma, que é de 4,2%, e de Santa
Catarina, que é de 5,2%, de acordo com as informações do Censo 2000 (IBGE,
2000).
Tabela 15: Não-alfabetizados e nível escolar concluído pelos moradores que já
pararam de estudar, segundo suas faixas etárias (em anos).
Faixa etária
Total/
15 a 18 19 a 25 26 a 35 36 a 45 46 a 55 55 e + Série
Série
Não alfabetizado
1
1
1
1
3
7
Não freqüentou a escola,
mas assina o nome.
1
2
3
1ª EF
2
2
1
2
7
2ª EF
1
1
1
3
3ª EF
1
2
1
4
8
4ª EF
4
5
4
1
14
5ª EF
1
3
8
4
1
17
6ª EF
2
3
1
6
7ª EF
1
1
2
8ª EF
1
4
2
7
1ª EM
1
2
3
2ª EM
1
1
2
3ª EM
1
1
2
Não informado
1
1
Total/Idade
3
19
25
17
5
13
82
%
8,64
3,70
8,64
3,70
9,88
17,28
20,99
7,41
2,47
8,64
3,70
2,47
2,47
*
100,00
Fonte: Informações obtidas durante as entrevistas da etapa 2 da abordagem com a população.
Se considerarmos a população total da amostra, o percentual de nãoalfabetizados com 15 anos ou mais é de 6,80%. Esta taxa é menor que o
percentual de não-alfabetizados com 15 anos ou mais entre todos os cadastrados
na unidade de saúde, que é de 7,26%, segundo os dados do SIAB.
Estes valores, mesmo sendo menores que o percentual de não-alfabetizados
com 15 anos ou mais referente à população total do Brasil, que é de 8,18%,
representam aproximadamente o dobro do percentual de não-alfabetizados com 15
anos ou mais referentes ao total da população do município de Criciúma, que é de
3,36%, e do Estado, que é de 3,73%. Estes dados se referem ao Censo de 2000 e
foram obtidos na Secretaria Municipal de Educação e na Agência Regional do
IBGE.
85
Esta realidade justifica a não-intitulação dos moradores e a dificuldade que
possuem de entrar e se manter em ocupações onde possam ter registro na CTPS.
Do total de 147 pessoas da amostra, 20 tinham idade inferior ou igual a seis
anos, e destes, apenas três estavam em creches ou freqüentando a Educação
Infantil (EI) ou o Ensino Fundamental (EF). Apesar de estar preconizado na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB) a necessidade de atendimento para as
crianças de zero a seis anos, apenas 15% das crianças com até seis anos contam
com este atendimento, principalmente devido à falta de vagas. As outras 17
crianças de 0 a 6 anos permanecem em casa e situação impede que muitas mães
possam trabalhar.
Para os que freqüentaram a escola formal e pararam seus estudos ao longo
dos anos percebemos que também há problemas bastante graves. O número total
de moradores das microareas com 15 anos ou mais que ingressaram no EF é de
71. Destes, 25,35% não concluíram as séries iniciais, 19,72% concluíram apenas
até a 4ª série, 35,21% ingressaram nas séries ginasiais, mas não concluíram o EF,
e 9,86% interromperam seus estudos quando completaram o EF. Em relação ao
Ensino Médio (EM), o quadro é ainda pior. Apenas 9,86% daqueles que têm 15
anos ou mais ingressaram no EM e apenas 2,82% o concluíram com êxito. Em
relação à população total das microareas, o percentual de pessoas que concluíram
o EM é de 1,36%. Nenhum dos moradores da amostra ingressou no Ensino
Superior.
Se levarmos em conta apenas a faixa etária da população considerada mais
economicamente ativa, isto é, entre 19 e 55 anos, o percentual de não
alfabetizados ou que lêem pouco ou apenas assinam é de 7,57%. Ainda neste
mesmo grupo, o percentual de pessoas que não concluíram o EF é de 72,72%.
Apenas 9,1% das pessoas na faixa etária entre 19 e 55 anos concluíram o EF. Dos
7,57% que ingressaram no EM, apenas 1,52% o concluiu com êxito.
Estes dados demonstram que uma maior participação econômica está na
dependência direta da escolarização. Isto se evidencia quando relacionamos as
ocupações da população estudada e a baixa renda que obtêm com a atividade.
Enquanto os níveis de escolarização continuarem tão baixos, haverá
continuidade do desemprego, dos subempregos e dos baixos salários, e as
pessoas continuarão submetidas a precárias condições de vida. Dessa forma, a
cidade, que deveria ser o espaço da cidadania e da qualidade de vida, passa a ser
o espaço da exclusão. A não-alfabetização e/ou a alfabetização insuficiente são
86
alavancas que forçam as pessoas a submeterem-se ao poder econômico. Mesmo
sendo importantes no processo de produção da cidade, estão na ponta da linha do
sistema capitalista e não conseguem obter o suficiente para satisfazer suas
necessidades.
Como estes dados se referem a uma população jovem, é necessário que o
poder público e a própria comunidade se mobilizem no sentido de viabilizar o
acesso destas pessoas à educação formal, seja por meio de projetos de educação
ou alfabetização de adultos ou por outros projetos que possibilitem a alteração
deste quadro. Talvez se deva pensar em horários alternativos ou outras maneira de
estimular estas pessoas a freqüentarem a educação formal, pois este é o caminho
para ingressarem no desenvolvimento.
É importante deixar claro que estas informações se referem a uma parcela
bem pequena, equivalente a 5,81% dos moradores dos bairros Renascer e São
João, que se enquadravam nos critérios estabelecidos para a seleção da amostra
da população este estudo. Mesmo assim, estes dados demonstram a necessidade
de uma intervenção.
Até aqui se analisou a alfabetização daqueles moradores das microareas que
pertencem à faixa etária a partir de 15 anos e que já não freqüentavam a escola
formal. A análise dos estudantes também mostra dados preocupantes. A tabela 16
destaca o número de estudantes pertencentes à população das microareas,
segundo a faixa etária e a série que estavam freqüentando na época em que foi
realizada a etapa 2 da abordagem com a população, conforme informações
fornecidas pelos entrevistados.
Do total da população amostrada, 32,65% eram estudantes e freqüentavam a
escola, desde a Educação Infantil até a 2ª série do EM. No entanto, apenas 40,42%
dos estudantes freqüentavam a série equivalente a sua faixa etária média ou
estavam adiantados em relação a ela. Os outros 59,58% dos estudantes já
apresentavam algum atraso na relação idade/série, inclusive na 1ª série do EF. Nas
séries seguintes a tendência é um aumento do percentual de alunos com atraso
escolar. Na 4ª série do EF, 60% dos estudantes que moram nas microareas
apresentavam atraso escolar, chegando, em certos casos, a seis anos de atraso.
Todos os estudantes que moram nas microareas e que freqüentavam a 5ª série ou
séries seguintes, inclusive o EM, apresentavam atraso escolar, como é o exemplo
de um aluno com 17 anos que estava freqüentando a 5ª série.
87
Tabela 16: Número de estudantes, segundo a faixa etária e a série que estavam
freqüentando em julho/agosto de 2003, com destaque para a idade e as respectivas
séries a serem freqüentadas no EF e EM.
Idade
Série
Não estão na
escola
Ed. Infantil
1ª EF
2ª EF
3ª EF
4ª EF
5ª EF
6ª EF
7ª EF
8ª EF
1ª EM
2ª EM
3ª EM
Ed. Especial
0a
6
Total/Idade
17
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
Total/
Série
17
2
1
6
1
3
2
2
3
1
4
3
2
65
2
1
1
3
2
1
8
1
1
17
2
10
5
6
10
3
4
2
3
1
1
1
1
1
1
3
1
1
1
1
1
5
5
5
2
2
3
2
7
2
2
Fonte: Informações obtidas durante as entrevistas da etapa 2 da abordagem com a população.
É importante ressaltar que, conforme dados do SIAB/Secretaria Municipal de
Saúde, apenas 81,93% das crianças de 7 a 14 anos cadastradas pela unidade de
saúde estão na escola. Isto demonstra que há uma tendência de manutenção dos
índices de não-alfabetizados.
Diversas hipóteses poderiam ser formuladas para tentar explicar as razões
desta situação. No entanto, este não é o objetivo proposto neste estudo. Ressalvese que um estudo com o objetivo de elucidar estas questões e, talvez, propor
soluções é muito importante e deveria ser desenvolvido.
Para os objetivos propostos neste trabalho, a análise que pode ser feita é
referente às possibilidades futuras de ingresso no desenvolvimento por parte destes
estudantes e sobre suas possibilidades de intitulação. A análise dos dados
apresentados na tabela 14 permite afirmar que, mantidas as atuais condições, a
tendência futura é de repetição dos dados sobre alfabetização relativos à parcela
da população amostrada que tem 15 anos ou mais. Esta tendência pode ser
demonstrada considerando o número de adolescentes com 15 anos ou mais que
ainda não haviam concluído o EF até a época da pesquisa, cujo percentual é de
22,92% do total dos estudantes.
88
6.7
O processo saúde-doença
O principal foco deste trabalho se assenta na hipótese de que a exposição a
riscos socioeconômicos e ambientais de maior intensidade determina maior agravo
à saúde das populações urbanas de áreas consideradas críticas. Pelo que já foi
exposto, considerando os aspectos socioambientais das microareas, o perfil de
seus moradores, as condições de moradia, a participação econômica, a infraestrutura e os serviços urbanos e a alfabetização, pode-se caracterizá-las como
áreas críticas.
A análise da morbidade e de outras informações relacionadas com a saúde
dos moradores das microareas e com os serviços de saúde permitirá verificar a
hipótese apresentada.
Não foram trabalhados os dados de mortalidade geral e mortalidade infantil
em razão do espaço temporal da pesquisa, que não permite a construção de uma
série histórica na amostra e na população total dos bairros. Também não havia
possibilidade de levantar estes dados junto aos moradores e na unidade de saúde.
Não seria possível, portanto, uma associação com outras fontes.
6.7.1 A morbidade
É sempre muito complicado trabalhar com informações sobre a morbidade
nas populações. Uma primeira dificuldade é a origem e abrangência dos dados.
Sabe-se que as informações oficiais são resultados de formulários preenchidos em
razão de internações em hospitais públicos ou conveniados com o SUS. Daí resulta
o segundo problema, relativo à fidedignidade destes dados, principalmente devido à
possibilidade de erros de diagnóstico, de preenchimento e, até, de preenchimentos
indevidos, como forma de obtenção de recursos por parte daqueles que prestam os
serviços. Uma terceira questão que pode ser levantada é que estes dados são, na
maioria, resultantes dos serviços de atenção em nível terciário e quaternário, feitos
em hospitais. Não se têm dados referentes à morbidade nos serviços de atenção
em nível secundário, feitos em centros de saúde regionalizados, e, menos ainda,
nos serviços de atenção em nível primário, feitos nas unidades de saúde
localizadas nas vilas e bairros.
Para este estudo utilizamos uma terminologia específica, que ficou assim
estabelecida: Morbidade Oficial, para as informações obtidas na base de dados do
89
DATASUS; Morbidade Constatada, para as informações obtidas a partir dos
prontuários das famílias que moram nas microareas e que foram analisados na
unidade de saúde do Bairro Renascer; e Morbidade Referida, para as informações
fornecidas pelos entrevistados da etapa 2 da abordagem com a população.
Embora possa haver distorções nas informações sobre a morbidade, nosso
interesse neste estudo foi relacionar a morbidade oficial, a morbidade constatada e
a morbidade referida, buscando associações que permitissem estabelecer uma
relação de causa e efeito entre condições de vida e de saúde.
Para facilitar a comparação das informações, os dados foram reunidos nas
tabelas 17 e 18, segundo a Lista de Morbidade CID-10 do Ministério da Saúde. No
cálculo dos coeficientes de morbidade foi utilizado como base 10.000 habitantes.
Tabela 17: Internações em hospitais públicos ou conveniados, segundo Lista
Morbidade CID-10, para residentes em Santa Catarina e Criciúma, classificados em
ordem decrescente do coeficiente de morbidade de Santa Catarina, e respectivos
coeficientes de morbidade por incidência por causas e para todas as causas,
calculados para cada 10.000 hab, no período jan-set/2003 e estimativa para o
período jan-dez/2003.
Santa Catarina
População estimada para
o ano de 2003
Morbidade
15 Gravidez parto e puerpério
10 Doenças do ap. respiratório
09 Doenças do ap. circulatório
11 Doenças do ap. digestório
01 Algumas doenças
infecciosas e parasitárias
19 Lesões enven e alg out
conseq. causas externas
02 Neoplasias (tumores)
14 Doenças do aparelho
geniturinário
05 Transtornos mentais e
comportamentais
13 Doenças sist osteomuscular e tec conjuntivo
04 Doenças endócrinas
nutric. e metabólicas
06 Doenças do sistema nervoso
16 Algumas afec originadas
no período perinatal
12 Doenças da pele e do
tecido subcutâneo
21 Contatos com serviços
de saúde
Continua.
Nº de
Intern.
Criciúma
5.607.160
Coef. de
Morbidade
jan-set jan-dez
2003*
2003**
Nº de
Intern.
177.841
Coef. de
Morbidade
jan-set jan-dez
2003*
2003**
53.006
47.805
38.221
24.128
94,53
85,26
68,16
43,03
126,04
113,68
90,88
57,37
1.685
1.333
1.393
758
94,75
74,95
78,33
42,62
126,33
99,93
104,44
56,83
20.008
35,68
47,57
480
26,99
35,99
18.429
17.848
32,87
31,83
43,83
42,44
551
816
30,98
45,88
41,31
61,17
16.565
29,54
39,39
381
21,42
28,56
10.004
17,84
23,79
821
46,16
61,55
9.260
16,51
22,01
336
18,89
25,19
6.220
5.910
11,09
10,54
14,79
14,05
165
139
9,28
7,82
12,37
10,43
3.588
6,40
8,53
105
5,90
7,87
3.219
5,74
7,65
113
6,35
8,47
3.101
5,53
7,37
193
10,85
14,47
90
Continuação da tabela 17.
Santa Catarina
População estimada para
o ano de 2003
Morbidade
Nº de
Intern.
5.607.160
Coef. de
Morbidade
jan-set jan-dez
2003*
2003**
Criciúma
Nº de
Intern.
177.841
Coef. de
Morbidade
jan-set jan-dez
2003*
2003**
17 Malf cong deformide
anomalias cromos.
2.276
4,06
5,41
85
4,78
6,37
18 Sint sinais e achad
2.106
3,76
5,01
31
1,74
2,32
anorm ex clín e laborat
03 Doenças sangue órgãos
hemat e transt imunitár
1.494
2,66
3,55
39
2,19
2,92
07 Doenças do olho e anexos
1.089
1,94
2,59
48
2,70
3,60
08 Doenças do ouvido e da
589
1,05
1,40
11
0,62
0,83
apófise mastóide
20 Causas externas de
morbidade e mortalidade
7
0,01
0,01
0
0,00
0,00
Totais
284.873
508,05
677,40
9.483
533,23
710,97
Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS); IBGE - Censos
Demográficos e Contagem Populacional e MS/SE/Datasus, a partir de totais populacionais fornecidos
pelo IBGE, para os anos intercensitários.
* Coeficiente de morbidade calculado com base no número de internações do período jan-set/2003.
** Coeficiente estimado para o período jan-dez/2003, com base no coeficiente de morbidade calculado
para o período jan-set/2003.
A comparação entre os coeficientes de morbidade oficial para Santa Catarina
e para Criciúma e os coeficientes de morbidade constatada e referida, segundo
todas as causas, relativos aos moradores das microareas, mostra grande diferença
de valores. Isto nos permite inferir que as informações obtidas a partir dos serviços
de atendimento à saúde em nível terciário e quaternário não refletem a realidade do
que realmente ocorre com as populações e do que, normalmente, é diagnosticado
nos serviços de atendimento em nível primário e secundário.
Estas informações nos permitem questionar as políticas de saúde. Que
informações têm sido utilizadas no planejamento dos Programas de Agentes
Comunitários de Saúde e de Saúde da Família? Como tem sido pensado para cada
região? A distribuição de recursos atinge as parcelas mais necessitadas das
populações, de acordo com suas especificidades? Não é objetivo deste trabalho
buscar estas respostas, mas elas não podem passar despercebidas.
A análise dos coeficientes de morbidade por causas também apresenta
números que merecem destaque, principalmente porque os coeficientes de
morbidade oficial, constatada e referida são, também, bastante diferentes entre si.
As doenças do aparelho respiratório apresentam um coeficiente de morbidade
referida de 2.789,12, sendo a primeira causa de queixa dos moradores e
representando mais de 33% do total de doenças citadas. Nos prontuários
91
analisados na unidade de saúde, as doenças do aparelho respiratório representam
a terceira causa de morbidade diagnosticada (morbidade contatada), com um
coeficiente de 884,35. Representa 12,62% das doenças registradas nos
prontuários. No entanto, o coeficiente de morbidade oficial estimado para o período
jan-dez/2003, para doenças do aparelho respiratório relativo ao município de
Criciúma, que é de 99,93, é menor que o mesmo coeficiente relativo a SC, que é de
113,68. As doenças do aparelho respiratório ocupam o 2º lugar em número de
internações no Estado e o 3º em Criciúma.
Tabela 18: Morbidade constatada em prontuário familiar e morbidade referida em
entrevista, com base na Lista Morbidade CID-10, para residentes nas áreas em
estudo, classificados em ordem decrescente de morbidade constatada, e
respectivos coeficientes de morbidade por incidência por causas e para todas as
causas, calculados para cada 10.000 hab, no período jan-dez/2003, numa
população total de 147 hab.
Morbidade
14 Doenças do aparelho
geniturinário
18 Sint sinais e achad anorm ex clín
e laborat
10 Doenças do aparelho respiratório
13 Doenças sist osteomuscular e
tecido conjuntivo
07 Doenças do olho e anexos
01 Algumas doenças infecciosas e
parasitárias
09 Doenças do aparelho circulatório
05 Transtornos mentais e
comportamentais
06 Doenças do sistema nervoso
12 Doenças da pele e do tecido
subcutâneo
19 Lesões enven e alg out conseq
causas externas
03 Doenças sangue órgãos hemat e
transt imunitár
04 Doenças endócrinas nutricionais
e metabólicas
08 Doenças do ouvido e da apófise
mastóide
15 Gravidez parto e puerpério
02 Neoplasias (tumores)
11 Doenças do aparelho digestivo
16 Algumas afec originadas no
período perinatal
17 Malf cong deformid e anomalias
cromossômicas
Continua.
Nº de
Coef.
Nº de citações Coef. de
registros nos Morbidade
dos
Morbidade
prontuários Constatada entrevistados Referida
22
1496,60
7
476,19
15
13
1020,41
884,35
6
41
408,16
2789,12
9
8
612,24
544,22
9
0
612,24
0,00
7
6
476,19
408,16
10
12
680,27
816,33
4
3
272,11
204,08
5
9
340,14
612,24
3
204,08
8
544,22
3
204,08
1
68,03
1
68,03
2
136,05
1
68,03
2
136,05
1
1
0
0
68,03
68,03
0,00
0,00
3
0
1
2
204,08
0,00
68,03
136,05
0
0,00
0
0,00
0
0,00
0
0,00
92
Continuação da tabela 18.
Morbidade
Nº de
Coef.
Nº de citações Coef. de
registros nos Morbidade
dos
Morbidade
prontuários Constatada entrevistados Referida
21 Contatos com serviços de saúde
0
0,00
0
0,00
Diarréia
Desidratação
Fraqueza
Picolemite
Tabagismo
Baixo Peso
Deficiência no crescimento
2
1
1
1
1
136,05
68,03
68,03
68,03
68,03
0,00
0,00
1
2
1
1
68,03
136,05
0,00
0,00
0,00
68,03
68,03
7006,80
123
8367,35
Totais
103
Fonte: Prontuários familiares, consultados na unidade de saúde do Bairro Renascer, no dia
20/12/2003, e informações obtidas durante a entrevista da etapa 2 da abordagem com a população.
Os coeficientes de morbidade por doenças do aparelho respiratório para
Santa Catarina e para Criciúma, no período 1993-97 (vide tabela 6 na p. 36),
apresentados no Diagnóstico de Saúde (UNESC, 2000), são bem maiores que os
valores estimados em 2003. Nota-se, entretanto, que a tendência ao longo da série
histórica é de redução dos coeficientes, sendo esta mais significativa para Criciúma,
cujos valores decresceram em mais de 53% no período 1993-97. Para Santa
Catarina, a redução foi de 22,92%. Até 1996, o coeficiente de Criciúma era maior
que o de Santa Catarina. Em 1997, ocorreu uma inversão nesta situação e que se
repete em 2003, de acordo com a estimativa feita.
Estas informações nos permitem inferir que a população das microareas
identifica os problemas de saúde e procura a unidade de saúde, onde, muitas
vezes, são comprovados pelo diagnóstico do médico, mas dificilmente chegam a
provocar internações. Isto, por sua vez, pode ser resultado da política de
descentralização no atendimento à saúde adotada após a implementação do SUS,
ao menos neste local. Daí deve-se o fato de não aparecerem nos dados oficiais.
As doenças do aparelho digestório, tidas como importantes na relação com as
condições de degradação ambiental do município de Criciúma, aparecem apenas
em 11º lugar entre os problemas de saúde referidos pelos moradores das microáreas. Em relação à morbidade constatada, não há registros nos prontuários deste
tipo de agravo à saúde. As doenças do aparelho digestório aparecem em 4º lugar
em número de internações no Estado e em 6º lugar, no município de Criciúma. Não
parece ser este um problema de saúde que atrapalhe a vida dos moradores das
microareas estudadas, o que explicaria a pouca referência e a ausência de
diagnóstico.
93
Merecem destaque o grande número de prontuários com registro de doenças
do aparelho geniturinário. Embora tenha sido apenas o 8º motivo de queixa dos
moradores e apareça em 8º lugar entre os coeficientes de morbidade para o Estado
e em 9º para o município, este tipo de agravo à saúde foi diagnosticado 22 vezes
nos prontuários analisados, colocando-o primeiro lugar. Os principais registros de
doenças do aparelho geniturinário que aparecem nos prontuários são infecções
vaginais diversas, infecções uterinas por organismos vivos, infecções urinárias
diversas, pruridos, corrimentos e amenorréias. Estes registros se referem,
principalmente, a pacientes do sexo feminino.
Algumas inferências podem ser feitas a partir dos resultados obtidos sobre as
doenças do aparelho geniturinário. Entre as causas que podem contribuir para a
ocorrência deste tipo de agravo à saúde, cita-se a carência de informações e de
cuidados com a higiene corporal, principalmente do aparelho geniturinário, e
também a falta de cuidados preventivos durante as relações sexuais. Ainda, a
iniciação sexual no início da adolescência, sem as informações e os cuidados
necessários, pode expor os adolescentes a vários riscos durante os anos de sua
atividade sexual, inclusive a multiplicidade de parceiros, igualmente desinformados.
A carência de informações pode ser creditada ao baixo nível de alfabetização
dos adultos e que, como já referimos, tende a continuar entre os adolescentes.
Também é possível associar estes problemas com as condições econômicas e
habitacionais e à desilusão em relação a perspectivas de mudanças na atual
situação.
As doenças infecciosas e parasitárias são igualmente importantes no contexto
do Estado e do município, onde aparecem, respectivamente, em 5º e 8º lugares no
número de internações. Estas doenças aparecem como o 6º tipo de diagnóstico
registrado nos prontuários e foram o 3º motivo de queixa dos moradores das
microareas. Referências a verminoses, viroses, bacterioses, micoses, escabiose e
doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) são freqüentes entre os entrevistados,
que, às vezes, nem dão tanta importância para as mesmas. Só buscam os serviços
de atendimento quando os sinais e sintomas não desaparecem ou quando o quadro
mórbido se agrava. Também há referências a outros sinais e sintomas que podem
ser associados às doenças infecciosas e parasitárias, como é o caso das febres,
diarréias, vômitos, cefaléias e dores abdominais.
Também neste grupo de agravos à saúde, as condições socioambientais
podem ser relacionadas como causas prováveis. O não-intitulamento, manifestado
94
na precariedade da moradia, nos baixos salários, na falta de saneamento básico e
de cuidados com o ambiente, entre outros, são problemas comuns à maioria dos
moradores das micro-áreas.
A figura 3 (vide p. 63) mostra crianças e adolescentes brincando nas águas
do córrego contaminadas com os rejeitos de carvão, com metais pesados,
resultantes da atividade mineradora, e com o esgoto. O contato com águas
contaminadas pode ser relacionado como um dos fatores que causam intoxicações,
problemas dermatológicos (infecções, pústulas e alergias), doenças infecciosas,
parasitárias e gastrintestinais, nem sempre considerados importantes pelos
moradores.
A falta de áreas de lazer e de espaço para que crianças e adolescentes
possam ocupar o tempo, aliada a falta de informação sobre os riscos do contato
com as águas contaminadas expõe estas pessoas a riscos que elas próprias
desconhecem.
As doenças de pele e do tecido subcutâneo aparecem em 6º lugar nas
queixas dos informantes das entrevistas e em 10º lugar nos registros nos
prontuários. Entretanto, é importante que estudos sejam realizados para identificar
possíveis associações entre as queixas dos moradores e os efeitos dos
contaminantes da água e do solo oriundos dos resíduos da mineração sobre o
organismo.
Também merecem destaque no quadro de morbidade os registros nos
prontuários e as queixas dos moradores referentes a sinais e sintomas típicos de
uma população que vive em condições críticas. Diarréia, desidratação, fraqueza,
baixo peso e deficiência no crescimento em crianças são agravos que preocupam,
pois estão diretamente relacionados com as condições socioeconômicas da
população. Embora não sejam muitos os registros ou referências a estes tipos de
problemas, não se pode conceber que as políticas sociais não dêem conta de
solucionar
esta
situação.
Mantendo-se
esta
tendência,
estudos
futuros
provavelmente mostrarão que doenças que deveriam desaparecer em função do
desenvolvimento
continuarão
a
existir,
justamente
porque
o
modelo
de
desenvolvimento é injusto e excludente.
6.7.2 Os moradores das microareas e os serviços de saúde
Para descrever os serviços de saúde disponíveis na unidade de saúde do
95
Bairro Renascer e em outras unidades de saúde do município, foram apresentadas
aos informantes da etapa 2 da abordagem com a população algumas questões.
A primeira questão era referente à atitude do informante ou do responsável
quando alguém no domicílio apresentava algum problema de saúde. A maioria das
respostas foi que procuravam a unidade de saúde do Bairro Renascer, seguindo-se
o uso de chás e a procura pelo pronto-socorro no Hospital São José. A figura 9
apresenta a distribuição percentual das respostas obtidas.
4% 2%
Procura a unidade de saúde do
bairro
10%
Faz uso de chás
Procura o pronto-socorro
(Hospital São José)
10%
48%
Procura o pronto-atendimento 24
horas
Procura o pronto-atendimento
infantil (Santa Catarina)
12%
Toma um remédio/automedicação
Costuma fazer imposição de
mãos e orações
14%
Fig. 9: Respostas dos informantes da etapa 2 da abordagem com a população quando questionados
sobre o que faziam quando alguém da família ficava doente, e respectivos percentuais.
A questão seguinte era referente ao serviço de saúde utilizado com maior
freqüência pelos ocupantes do domicílio. Também nesta questão prevaleceu a
procura pela unidade de saúde do Bairro Renascer, seguido pela procura pelo
Pronto Atendimento 24 Horas e pelo Pronto Atendimento Infantil. A figura 10
apresenta as respostas e sua distribuição percentual.
2% 2%
Unidade de saúde do
bairro
Pronto-atendimento 24
horas
2%
9%
Pronto-atendimento
infantil (Santa Catarina)
13%
48%
Hospital São José
Consultório no Bairro
Michel
24%
Especialista no Criança
Saudável
Não informou
Fig. 10: Respostas dos informantes da etapa 2 da abordagem com a população quando questionados
sobre o serviço de saúde utilizado com maior freqüência pelos ocupantes do domicílio e respectivos
percentuais.
96
As respostas às primeiras duas questões demonstram que os moradores das
microareas confiam no atendimento prestado pela unidade de saúde do Bairro
Renascer. Também se pode relacionar este resultado com a dificuldade de
deslocamento para outras unidades de atendimento e com a impossibilidade de
utilizar serviços particulares. Também se pode relacionar com o fato de que a
unidade de saúde dispõe de remédios e outros materiais que são distribuídos
gratuitamente.
A seguir, os informantes foram questionados sobre a freqüência com que os
ocupantes do domicílio utilizam os serviços de saúde, sem considerar a unidade de
saúde onde são atendidos. A maioria respondeu que a média é de uma vez por
mês, motivada, em grande parte dos casos, pelo acompanhamento do
desenvolvimento das crianças. A figura 11 ilustra o conjunto das respostas e
respectivos percentuais.
5%
5%
3%
5%
Uma vez ao ano ou irregular
Duas vezes ao ano
13%
21%
Três vezes ao ano
Uma vez por mês
Duas vezes por mês
8%
Três vezes por mês
Quatro vezes por mês
Mais de quatro vezes por mês
13%
27%
Não soube informar
Fig. 11: Respostas dos informantes da etapa 2 da abordagem com a população quando questionados
sobre a freqüência com que os ocupantes do domicílio utilizam os serviços de saúde e respectivos
percentuais.
A última questão apresentada envolvia a avaliação da qualidade dos serviços
de saúde disponíveis no Bairro Renascer, que é uma unidade com PSF. A figura 12
ilustra a avaliação.
A grande maioria considerou que os serviços de saúde são de boa qualidade.
Entretanto, não pode ser desprezado o percentual de 23% dos informantes que
considerou os serviços ruins. Independente da avaliação, os informantes foram
estimulados a apresentar os principais aspectos positivos e negativos sobre a
unidade de saúde, envolvendo sua estrutura, os materiais disponíveis e o
97
atendimento dispensado por médicos, enfermeiros, técnicos e agentes de saúde.
5%
23%
Bom
Regular
Ruim
59%
Não sabe/Não opinou
13%
Fig. 12: Avaliação dos informantes da etapa 2 da abordagem com a população sobre a qualidade dos
serviços de saúde disponíveis no Bairro Renascer e respectivos percentuais.
A compreensão dos resultados da avaliação é possível em função dos
aspectos positivos e negativos apresentados pelos informantes e que são
apresentados nas tabelas 19 e 20.
Tabela 19: Aspectos positivos apresentados pelos informantes da etapa 2 da
abordagem com a população sobre os serviços de saúde disponíveis no Bairro
Renascer. Unidade de Saúde com PSF.
Respostas
Bom atendimento/simpatia
Procuram resolver os problemas/se interessam pela gente
Confia no atendimento médico da unidade
Confia no atendimento das agentes da unidade
Possibilidade de ser encaminhado para especialista
Rápido atendimento
Sempre consegue remédio
Não sabe/não opinou
Total
Nº de
respostas
26
6
2
1
1
1
1
1
39
%
66,67
15,38
5,13
2,56
2,56
2,56
2,56
2,56
100,00
Fonte: Informações obtidas durante a etapa 2 da abordagem com a população.
O principal ponto positivo apresentado pelos informantes é o bom
atendimento e a simpatia de quem os recebe. Na seqüência foram citados: o
interesse em atender e a busca pela solução dos problemas de quem procura a
unidade. É muito importante ouvir estes relatos de uma população que,
normalmente, é colocada em último lugar na fila de prioridade do poder público.
As respostas mostram que a população mostra-se satisfeita com o
atendimento dispensado, embora possa haver problemas. Esta situação é bem
98
diferente da observação dos conferencistas da XI CNS32, realizada em Brasília, em
dezembro de 2000, de que “há, muitas vezes, falta de comprometimento dos
profissionais com a população e seus problemas” e que, com freqüência, os
funcionários “não respeitam o usuário em momentos de fragilidade pela doença”.
Em relação aos pontos negativos apresentados pelos informantes da etapa 2
da abordagem com a população, prevalecem os problemas de ordem material, de
organização e disponibilidade do sistema e de recursos humanos, apresentados na
tabela 20.
Tabela 20: Aspectos negativos apresentados pelos informantes da etapa 2 da
abordagem com a população sobre os serviços de saúde disponíveis no Bairro
Renascer. Unidade de Saúde com PSF.
Respostas
Nº de respostas
%
Falta de remédios e outros materiais
11
22,92
Demora para atender/consultar
5
10,42
Dificuldade de pegar número/marcar consulta
5
10,42
Reencaminhamentos freqüentes
5
10,42
O médico não dá a atenção devida/atendimento médico deficiente
4
8,33
Atendimento deficiente
4
8,33
Necessidade de um pediatra, de ginecologista e outros especialistas
2
4,17
Não gosta do médico
2
4,17
Falta de atenção e de paciência (atendentes)
1
2,08
O médico falta
1
2,08
Não foi atendida quando precisou
1
2,08
Erro de diagnóstico
1
2,08
O problema não é resolvido
1
2,08
Não tem atendimento domiciliar
1
2,08
Não há atendimento sem número/mesmo doente
1
2,08
Dificuldade de transporte
1
2,08
Desconhece o atendimento médico/nunca precisou
1
2,08
Não sabe/não opinou
1
2,08
Totais
48
100,00
Fonte: Informações obtidas durante a etapa 2 da abordagem com a população.
O aspecto negativo mais citado é a falta constante de remédios e outros
materiais que são distribuídos gratuitamente. Se a renda já é insuficiente para a
satisfação das necessidades alimentares e outras do dia-a-dia, dificilmente sobrará
dinheiro para comprar remédios, reiterando que o não-intitulamento desses
moradores os torna reféns dos serviços públicos, que nem sempre são capazes de
satisfazê-los. Assim, é compreensível que se queixem deste e de outros problemas.
A demora no atendimento ou para consultar, as dificuldades em agendar
32
Disponível em <http://www.datasus.gov.br/cns/11Conferencia/relatorio/relatorio.htm>. Acesso em
Janeiro de 2003.
99
consultas e os reencaminhamentos freqüentes são itens que aparecem na
seqüência como pontos negativos. Também nestes casos, as deficiências de infraestrutura, de materiais, de resolutividade e de recursos humanos são a causa das
reclamações.
A análise da situação dos serviços de saúde feita no Diagnóstico de Saúde
(UNESC, 2000, p. 160) detectou que
o principal problema não é a rede física, mas as equipes que estão
defasadas, desmotivadas, com baixa remuneração e como conseqüência
produzindo pouco, dificultando também, desta forma, o acesso das
pessoas aos serviços de saúde.
Assim, embora o município de Criciúma tenha, na rede básica, um superávit
de unidades segundo o parâmetro do Ministério da saúde, ou seja, uma unidade
para cada 5.000 habitantes, há falta de recursos humanos. Na unidade de saúde do
Bairro Renascer há dois auxiliares de enfermagem, uma enfermeira e um médico
para atender as 3.167 pessoas cadastradas.
Os outros aspectos negativos apresentados parecem ser, pelo número de
respostas obtidas, resultantes de uma ou outra visita do informante à unidade,
quando o mesmo não teve o atendimento esperado ou não conseguiu obter o que
procurava.
Estas informações permitem afirmar que, na opinião dos informantes, os
serviços de saúde são bons, mas poderiam ser melhores se as políticas em saúde
fossem mais efetivas e se a distribuição de recursos permitisse ampliar, em todos
os níveis, a infra-estrutura, os materiais disponíveis e, principalmente, os recursos
humanos, disponibilizados pelo sistema.
Por isso é importante que todos aqueles que estejam direta ou indiretamente
ligados à área da saúde não percam de vista a necessidade de continuar lutando
para que os ideais de saúde preconizados na 8ª Conferência Nacional de Saúde se
tornem verdadeiramente presentes na sociedade. Uma das formas de participação
nesta luta é através da implementação dos conselhos de saúde.
Os conselhos de saúde estão diretamente associados ao conceito de
participação enquanto princípio do SUS. No âmbito das políticas de saúde, a
participação pode ser definida como a possibilidade dos usuários dos serviços de
saúde atuarem na formulação, implementação, avaliação e controle das ações de
saúde (UNESC et al., 2000).
100
6.8
A relação dos moradores das microareas com os bairros Renascer
e São João
A conquista de um lugar para morar, para estabelecer raízes e ter uma
história é uma busca constante ser humano. Desde que começou a se estabelecer
nas primeiras aldeias, vilas e cidades, o ser humano sempre buscou o melhor para
a sua vida. Assim, as cidades e seus arredores passaram a ser, ao longo da
história, o destino daqueles que buscavam a satisfação das necessidades.
Os moradores das microareas estudadas nos bairros Renascer e São João
também têm buscado o melhor para suas vidas. Não é possível afirmar para
quantos já conseguiram. Para muitos, é certo, ainda está muito longe o dia em que
isto vai acontecer.
Como, neste estudo, buscamos descrever as condições de vida de uma
determinada população tentando estabelecer associações entre as informações
obtidas, pareceu-nos imprescindível conhecer e analisar a relação que a população
estudada tem com o espaço geográfico onde se encontra.
Para dar conta deste desafio, foram proporcionados dois momentos para que
os informantes expressassem suas opiniões acerca do aglomerado. Na etapa 2 da
abordagem com a população, os informantes foram estimulados a opinar sobre seu
modo de vida e sobre como vêem o bairro, destacando aspectos positivos e
negativos. Na etapa 3 solicitou-se aos quatro entrevistados que contassem sua
história de vida, desde o nascimento, sua vinda para o aglomerado e até o
presente. Também foram estimulados a falar sobre alguns conceitos importantes
para a compreensão da sua relação com o aglomerado. A transcrição das
entrevistas gravadas estão no anexo 6 e as autorizações para publicação foram
arquivadas, juntamente com as fitas gravadas.
6.8.1 Os principais aspectos positivos e negativos dos bairros
Renascer e São João
As opiniões dos informantes da etapa 2 da abordagem com a população
sobre suas vidas e sobre o aglomerado são muito diversificadas. Buscou-se reunilas de modo coerente, garantindo a manutenção da opinião expressada durante a
entrevista.
O principal aspecto positivo, que corresponde a 32,65% das opiniões
101
apresentadas pelos informantes, é o gosto que têm pelo bairro33, considerando-o
como um bom lugar para morar. O segundo aspecto positivo apresentado foi a
presença de muitos amigos no aglomerado e a boa relação com outros moradores.
Há os moradores que relataram como aspecto positivo o fato de que as pessoas
cuidam de si, sem se intrometer na vida alheia. A tabela 21 apresenta o conjunto de
todas as opiniões apresentadas.
Tabela 21: Aspectos positivos sobre aglomerado urbano dos bairros Renascer e
São João na opinião dos informantes da etapa 2 da abordagem com a população.
Aspectos positivos
Gosta do bairro/É bom para morar
Tem muitos amigos/gosta das pessoas
Cada um cuida de si
Tem muita gente boa
Gosta do colégio/creche
Acostumou-se/mas quer sair
Igrejas ajudam as pessoas a recolherem-se
Gosta da casa
Tirando os problemas, o bairro é bom
É próximo ao centro
Tem transporte coletivo fácil
Gosta do bairro, pois é ali que tem uma casa
Tenho que gostar/não tenho outro lugar
Fácil acesso ao que necessita
Totais
Nº de respostas
16
9
6
3
3
3
2
1
1
1
1
1
1
1
49
%
32,65
18,37
12,24
6,12
6,12
6,12
4,08
2,04
2,04
2,04
2,04
2,04
2,04
2,04
100,00
Fonte: Informações obtidas durante a etapa 2 da abordagem com a população.
Entre os aspectos negativos relatados pelos moradores, merecem destaque
os problemas ambientais, principalmente em relação ao córrego, que corresponde a
mais de 27% das opiniões. Entretanto, quando se analisa que 30 dos 39
informantes mencionaram este problema, ele passa a ter um significado bem mais
expressivo. É o reconhecimento de que os problemas ambientais originados pelo
uso inadequado dos recursos naturais são importantes no conjunto das condições
de vida, pois expõem as pessoas a riscos freqüentes, inclusive, à saúde. Em
seguida, aparecem problemas que são comuns, principalmente nas periferias das
cidades. É o caso do tráfico e do uso de drogas, da violência, da criminalidade, dos
roubos, da confusão, que deixam as pessoas freqüentemente amedrontadas. A
tabela 22 apresenta a síntese dos aspectos negativos relatados pelos moradores.
33
A maioria dos moradores entrevistados entende que o aglomerado urbano é um bairro único e o
conhecem por Renascer. É comum os moradores utilizarem o antigo nome do local: Mina Quatro.
102
Tabela 22: Aspectos negativos sobre aglomerado urbano dos bairros Renascer e
São João na opinião dos informantes da etapa 2 da abordagem com a população.
Aspectos negativos
Problemas do córrego (enchente, mau cheiro, doença, etc)
Há muitas drogas e tráfico/uso em qualquer lugar
Violência/riscos freqüentes/perigo/criminalidade
Bagunça/barulho/confusão
Roubos freqüentes
Não gosta do bairro/está desanimado/quer mudar
Tem cheiro/presença de pirita
Vizinhos jogam lixo nas redondezas
Não há nada de bom
Trem passa muito próximo/insegurança
Há muitas dificuldades
Terreno pequeno e aterrado de rejeito de carvão
Algumas pessoas é que fazem o bairro ruim
Catadores que não cuidam adequadamente do material
Há muitos animais soltos
Há falta de vizinhança/relação
Queimada em áreas próximas
Esgoto a céu aberto e na canalização pluvial
Terreno é alagado pela água da chuva
Não há esgoto
Nº de respostas
30
17
13
11
9
8
4
3
2
2
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
Totais
109
%
27,52
15,60
11,93
10,09
8,26
7,34
3,67
2,75
1,83
1,83
0,92
0,92
0,92
0,92
0,92
0,92
0,92
0,92
0,92
0,92
100,00
Fonte: Informações obtidas durante a etapa 2 da abordagem com a população.
Mais importante, ainda, é considerar que crianças e adolescentes que
convivem com esta situação têm grandes chances de se envolver e perpetuar esta
situação. Neste sentido, o relato de Dona Juraci sobre a falta de áreas de lazer e de
ocupação para os adolescentes e jovens vai ao encontro das possibilidades de
minimização destes problemas, concorrendo para soluciona-los, principalmente nas
áreas urbanas. É evidente que a solução definitiva é bem mais complexa, pois
demanda de ações em todas as esferas do poder público e da sociedade e abrange
diversos aspectos da vida social, cultural, econômica e ambiental das populações.
Apesar dos muitos aspectos positivos apresentados pelos moradores, foi
possível perceber durante as entrevistas que a maioria dos informantes não
hesitaria em trocar o lugar onde mora por outro com melhores condições de vida. O
sonho de um lugar para fixar raízes e construir uma história pareceu não ter, para
estas pessoas, ainda se realizado. Deste fato se pode compreender por que a lista
de aspectos negativos é bem mais extensa que os positivos. Entretanto, pareceunos que muitos já perderam a esperança de realizar seus sonhos e contentam-se
com os acontecimentos do dia-a-dia. Querem mudar, mas não reúnem força e
convicção para isto.
103
6.8.2 Vidas que se constroem nos bairros Renascer e São João
Quatro pessoas foram convidadas a contar suas histórias de vida. Elas são as
que moram há mais tempo nas microareas. Os quatro convites foram aceitos.
Dona Aparecida mora há cerca de 15 anos no local. Veio porque não
conseguia mais pagar aluguel. Queria ter um cantinho para si e para seu
companheiro. Gosta muito do lugar onde mora. Elogia a rua e os vizinhos. É feliz,
mas relata que já passou por muitas dificuldades. A receita de felicidade de Dona
Aparecida é ter saúde e viver bem com as pessoas. Dona Juraci, que mora há
cerca de oito anos no local, também afirma que é feliz porque já passou muito
trabalho.
A observação do terreno e da casa de Dona Aparecida e Dona Juraci
permite-nos afirmar que ambas apropriaram-se daquele espaço. Transformaram o
local em um lugar. Fixaram raízes e construíram uma história, assim como outros
moradores do aglomerado. Ambas não são criciumenses e andaram por vários
lugares até chegar ao aglomerado. O motivo que as trouxe foi o mesmo: um lugar.
Dona Aparecida, hoje aos 67 anos, buscava descanso. Dona Juraci, de 38 anos,
buscava melhores condições de vida, especialmente um emprego. Nas palavras de
ambas, conseguiram alcançar. Sabem que precisam muito mais, por isso
continuam lutando.
De maneira diferente, Dona Sílvia, de 33 anos, e Dona Maria, de 66, também
acabaram como moradoras das áreas críticas do aglomerado. Dona Sílvia, que está
no local há cerca de 10 anos, contou que, após ter casado, seu marido comprou
uma casa na área para não pagar aluguel. Ela achava que era bom para a família
não ter que pagar aluguel. Por isto veio. Mas hoje não pensa mais assim e cita a
violência, a bagunça, as drogas e o córrego como motivos da mudança de opinião.
Afirma que não é lugar adequado para criar seus três filhos. Se pudesse, iria
embora. Dona Maria, de 67 anos e há 12 morando no local, tem uma história um
pouco diferente. Como Dona Sílvia, também não é natural de Criciúma. As
mudanças que fez durante sua vida, para Criciúma, Morro da Fumaça, Araranguá,
Siderópolis, Lauro Muller, Urussanga e, finalmente, para o local onde está até hoje,
sempre foram em busca de trabalho. Veio para a Mina Quatro, segundo ela, porque
não havia mais para onde ir. Ao ser despejada da casa de um irmão, foi para a
calçada em frente à Prefeitura e esperou até que lhe dessem um lugar. Hoje
reclama da poluição, do mau cheiro, acha que está pior de saúde devido ao local
104
onde mora. Mas não tem como mudar. Sonha e espera que alguém chegue com
um caminhão e a leve dali, de preferência para a praia, que, acredita ela, tem um ar
muito bom.
Tanto Dona Sílvia quanto Dona Maria não se apropriaram do local. Suas
moradias parecem cair aos pedaços. Estão ali por falta de outra opção. Para Dona
Maria, sua casa é a “mais preta do mundo”. Dona Sílvia tem medo e diz que “aqui
não é pra criar filho”.
A falarem sobre qualidade de vida, as informantes têm opiniões semelhantes.
Para Dona Aparecida é ter saúde, ter alimento na mesa, não passar fome, ter luz
elétrica, água e “ter tudo quanto é conta em dia”. Dona Juraci tem opinião um pouco
mais ampla. Afirma que além de lugar para morar, alimento e roupas dignas, é
necessário também ter lazer, sair com a família para um passeio ou um jantar, ter
uma condução própria e ter dinheiro para comprar remédio, quando isto for
necessário, para não ficar na dependência da caridade de outros. Dona Aparecida
e Dona Juraci afirmam que possuem qualidade de vida, mas poderia ser melhor.
Dona Maria acha que qualidade de vida é ter saúde. Diz que, como ela e o marido
são doentes, sua qualidade de vida “é da mais pior”. Dona Sílvia não soube
responder. No entanto, afirmou que não possui.
Embora não tenha sido estimulada a falar sobre saúde, Dona Maria queixouse durante quase toda a entrevista dos problemas de saúde que ela e o marido
enfrentam. Que mudar porque isto poderá lhe trazer mais saúde. Dona Sílvia e
Dona Aparecida também entendem que saúde é não ficar doente, é poder
trabalhar. Para Dona Juraci, saúde vai além de não estar doente, incluindo,
também, os serviços de saúde.
Ao serem estimuladas a falar sobre o que entendem por ambiente, Dona
Sílvia e Dona Aparecida não conseguiram dar um conceito. Dona Aparecida
afirmou não saber e só relacionou a palavra ambiente com o local onde está
quando falou do mau cheiro que tem origem no córrego e nos rejeitos de carvão
que estão próximos. Apesar de não conceituar ambiente, Dona Maria estabelece
uma relação direta entre as condições ambientais e a saúde. Fala que é a poluição
do local que está destruindo sua saúde. Dona Juraci reclamou das condições
ambientais do lugar onde mora, principalmente do mau cheiro oriundo do córrego e
dos mosquitos, que podem transmitir doenças.
Os principais aspectos positivos e negativos levantados nas histórias de vida,
assim como já tinha sido relatado nas entrevistas da etapa 2, estão diretamente
105
relacionados com as condições de vida dos moradores das microareas. Questões
como a participação econômica, a segurança, a assistência à saúde, a infraestrutura e os serviços urbanos e a educação estão presentes na maioria das
conversas com os moradores. Mesmo aquelas pessoas que não foram
entrevistadas, mas que tiveram a oportunidade de expressar suas opiniões,
relataram os mesmos problemas. No entanto, poucas alterações são percebidas ao
longo do tempo, perpetuando as atuais condições de vida.
106
7 CONCLUSÕES
Os bairros Renascer e São João, em razão de suas características atuais, de
sua história e de seu processo de produção, constituem-se em áreas de risco
socioambiental. As quatro microareas estudadas são pontos críticos inseridos neste
universo.
Por mais diferentes que sejam os motivos que levaram os atuais moradores
para aquele local, entre eles se destaca a busca pela satisfação de necessidades
que em outras cidades e em outros lugares não lograram obter. Alguns
encontraram ou criaram ali o seu lugar. Para muitos, o local é só mais um ponto de
passagem, pois, mesmo sendo sujeitos importantes na produção de Criciúma e na
sua história, estes moradores ainda não encontraram seu lugar.
O desejo de mudar, caso tivessem oportunidade e condições financeiras, foi
expresso por vários moradores. Por isso não se apropriaram da casa, do terreno e
dos bairros e quase nada fazem para mudar esta situação. Também o poder
público e a sociedade pouco têm feito neste sentido.
No entanto, entender a relação que as pessoas têm com seu ambiente
(natural e antropizado) é condição fundamental para propor programas de
Educação Ambiental que efetivamente levem ao engajamento da população. O
conceito de apropriação é importante no entendimento desta relação.
Embora os moradores não tenham conseguido conceituar meio ambiente,
ficou evidente que compreendem a importância do todo no qual estão inseridos.
Compreendem por exemplo, que a degradação dos recursos naturais como a
poluição do córrego, do solo e do ar, são fatores que prejudicam a saúde e o bemestar.
A degradação ambiental é crucial sob o ponto de vista físico-químico, como
demonstraram as análises das amostras de água do córrego, as observações em
campo e os registros etnográficos. A contaminação físico-química “soluciona” o
problema da contaminação biológica, mas a quantidade de substâncias tóxicas
expõe as pessoas a riscos que ainda são desconhecidos e que precisam ser
estudados.
Os moradores também relacionam fatores socioculturais como intervenientes
na vida de cada um. A falta de informação dificulta a tomada de consciência crítica
e remete a um futuro de continuidade. É a falta de informação e o não-acesso à
educação formal que dificultam o ingresso dessas pessoas no mercado de trabalho,
107
que hoje na era da globalização, é extremamente disputado.
Assim o habitat total destes moradores é um todo degradado, que provoca
degradação daqueles que ali se encontram, perpetuando um círculo vicioso de
degradação ambiental e humana. Como vivem num espaço com estas
características têm poucas possibilidades de apropriação e de construção de um
lugar. A tendência é que continuem à margem da sociedade e morando nas
periferias onde poucos se atrevem a entrar. São não-intitulados e que dificilmente
chegarão a ser.
Estas populações continuarão com dificuldade de acessar as benesses do
desenvolvimento. Logo, podemos afirmar que não há desenvolvimento, pois para
haver e para que seja sustentável, é necessário garantir às populações o
intitulamento, na perspectiva de Sen (2000, apud GONÇALVES, 2002), já para as
gerações
atuais.
Mas
como
fazer
estas
populações
ingressarem
no
desenvolvimento se o modelo neoliberal atualmente adotado pela maioria das
nações é por sua própria concepção, socialmente injusto e ecologicamente
imprudente?
Damergian (2001) e Vitte (2002) concordam com a idéia de que qualidade de
vida é ter, amar e ser. Para muitos moradores do aglomerado num todo, e das
microareas, ter as condições materiais necessárias à sobrevivência digna, como
recursos econômicos, moradia adequada, emprego, condições físicas de trabalho,
saúde e educação, está distante da realidade. Amar no sentido das relações com
as outras pessoas e formação de uma identidade pessoal, é um valor com pouco
sentido para a maioria dos moradores, fazendo com que muitos permaneçam numa
“anestesia coletiva”. Ser no sentido de integração com a sociedade e com a
natureza, também é um verbo difícil de conjugar quando se mora em uma área
degradada ambientalmente e quando se é a parcela da população que segundo
Damergian (2001), a sociedade se desfaz sem culpa.
Essa “anestesia coletiva” mostra o que Gans (apud DAMERGIAM, 2001, p.
100) diz: “pobre tem professor pobre, advogado pobre, médico pobre, quando os
têm”. Diz também que a escola é pobre e a assistência médica e jurídica são
paupérrimas e que assim,
nivela-se por baixo, como se as populações desfavorecidas [...] não
tivessem direito a nada melhor, como condição indispensável para que
possam superar a miséria e o desamparo em que vivem e sonhar com
uma vida melhor (GANS apud DAMERGIAM, 2001, p. 100).
As informações analisadas nos levam a afirmar que as condições de vida dos
108
moradores das microareas estudadas são extremamente precárias quando
comparadas ao desejável em termos de qualidade de vida. Qualidade de vida
desejável na perspectiva de Sen (2000), é ter liberdade substantiva. Esta
compreende não somente a liberdade de ir e vir ou a disponibilidade de bens e
serviços, mas ter efetivamente a possibilidade de ir e vir e de poder adquirir os bens
e serviços que desejar com seus próprios recursos.
Também as condições de saúde dos moradores das microareas frente à
definição proposta pela 8ª CNS são extremamente sofríveis já que os mesmos
vivem cotidianamente em carência de alimento, de habitação, de renda, de
emprego, de lazer, de segurança e, principalmente de serviços de saúde que
atendam plenamente suas necessidades.
É por isso que o quadro de morbidade da população estudada é diferente do
quadro de morbidade oficial. Enquanto os dados oficiais apresentam as doenças
dos aparelhos respiratório e circulatório como as de maior importância, a morbidade
constatada nos prontuários coloca as doenças do aparelho geniturinário como
principal problema. Como estas são doenças relacionadas com a falta de
informação, de condições de moradia e higiene, nos remetem novamente a questão
do não intitulamento.
Assim, pode-se afirmar que pessoas que moram em áreas de risco
socioambiental estão mais sujeitas a desenvolverem doenças, pois além das
conseqüências da pobreza, da falta de informação e de perspectiva de vida, estão
expostas continuamente a agentes tóxicos no seu ambiente. No entanto, nem
sempre é possível comprovar este tipo de situação através de coeficientes
epidemiológicos específicos, principalmente aqueles que são calculados com base
em internações hospitalares.
Constata-se dessa forma que os problemas ambientais só serão plenamente
entendidos e, portanto solucionados ou minimizados, se compreendermos que os
mesmos são decorrentes dos problemas sociais. Assim, a solução dos problemas
ambientais está diretamente vinculada à solução dos problemas sociais.
O método utilizado nesta pesquisa mostrou-se eficiente na medida em que
permitiu a compreensão de vários componentes da vida humana, entre os quais
estão os aspectos socioambientais, os aspectos relacionados com a infra-estrutura,
com os serviços urbanos e com a moradia, o perfil dos moradores, a sua
participação econômica, a alfabetização e as condições de saúde.
A descrição destes componentes, a análise de cada um deles em particular e
109
em relação com os outros, e a associação entre as informações obtidas, permitiram
traçar um perfil da população estudada e estabelecer conexões entre as variáveis
obtidas. Desse modo foi possível explicar a origem de alguns dos problemas de
saúde identificados nos prontuários ou referidos pelos moradores, como é o caso
das
doenças
geniturinárias
e
os
problemas
do
aparelho
respiratório,
respectivamente. Ao mesmo tempo mostrou caminhos para solução de problemas
relacionados diretamente com as condições descritas.
O método permitiu ainda verificar que as políticas públicas devem ser
propostas de acordo com as necessidades de cada região ou área em que serão
aplicadas.
No caso da área estudada, a atuação mais efetiva do poder público nas áreas
de saneamento básico, habitação e educação reduziria significativamente o
problema das doenças do aparelho geniturinário. Também é importante a
intervenção do poder público junto às empresas responsáveis pela degradação
ambiental da área para que estas se responsabilizem por sua recuperação e, junto
aos órgãos financiadores para de obter recursos que possibilitem minimizar os
efeitos negativos que o passivo ambiental da mineração tem sobre os moradores.
Algumas questões permaneceram sem respostas definitivas e para elas
foram feitas inferências. Entre elas estão as conseqüências para a saúde oriundas
do contato com a água contaminada, os problemas de saúde que podem ser
relacionados com a contaminação da água de consumo humano, conforme se
observou na amostra analisada, e as causas e conseqüências da não-alfabetização
e do atraso escolar. Estas questões requerem estudos mais específicos e
conclusivos que possam dirimí-las, permitindo que para elas se vislumbrem
soluções adequadas, práticas e eficientes.
110
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114
ANEXOS
115
Anexo 1
Mapa 1 bairros Renascer e São João, com os acessos.
Fonte: Prefeitura Municipal de Criciúma/IPAT/UNESC.
116
117
Anexo 2
Aerofotografia dos bairros Renascer e São João, com destaque para as
quatro microareas estudadas. As áreas adjacentes (em cinza) são espaços ainda
recobertos por rejeito de carvão.
Fonte: Prefeitura Municipal de Criciúma/IPAT/UNESC. Aerofotografia de
novembro de 2001. Cedida em julho de 2003.
118
119
Anexo 3
Tabelas 1, 3 e 5 da Portaria 1469/MS, de 29/12/2000, do Ministério da Saúde,
contendo parâmetros físico-químicos e biológicos para análise da potabilidade da
água para consumo humano.
120
121
122
123
124
Anexo 4
Modelo do questionário utilizado para as entrevistas da etapa 2 da
abordagem com a população.
125
QUESTIONÁRIO PARA ENTREVISTA - Etapa 2
Abordagem com os moradores das micro-áreas do aglomerado urbano dos Bairros
Renascer e São João.
1
Domicílio n° _____
Data: ___/___/2003
2
Responsável (entrevistado): _________________________________________
2.1 Categoria: ( ) Pai
( ) Mãe
( ) Filho
( ) Outro
2.2 Prontuário de saúde na unidade de saúde do bairro: __________
3
Endereço: Rua: __________________________________________ n° ______
4
Há quanto tempo reside neste local? ____ ano(s) e ____ mês(es).
E no bairro renascer? ____ ano(s) e ____ mês(es).
5
Informações sobre os moradores do domicílio:
5.1 Qual o n° de pessoas no domicílio: ________
5.2 Qual o n° de pessoas por sexo e por idade (em anos) no domicílio:
a) Masculino: ______________________________________________
b) Feminino: _______________________________________________
6
Informações sobre a moradia:
6.1 Tipo de construção (material usado): _______________________________
6.2 Número e espécie de cômodos: __________________________________
6.3 Situação da moradia (se é própria ou ...): ___________________________
6.4 Estado da moradia: ____________________________________________
6.5 Breve descrição da moradia: _____________________________________
________________________________________________________________
7
Informações sobre o acesso aos serviços urbanos:
7.1 Energia elétrica: _______________________________________________
7.2 Abastecimento de água: ________________________________________
7.3 Resíduos sólidos (lixo): _________________________________________
7.4 Águas servidas (esgoto): ________________________________________
8
Informações sobre a escolarização:
8.1 N° de pessoas que estudam no domicílio (série e grau):
________________________________________________________________
8.2 Nível Escolar já concluído pelos moradores do domicílio, que não estudam
no momento (série e grau) e se não estudaram:
9
Informações sobre a participação econômica:
9.1 Pessoas com e sem ocupação funcional que moram no domicílio (tipo e
registro se houver):
________________________________________________________________
9.2 Qual é a renda total dos moradores do domicílio:
________________________________________________________________
126
10 Informações sobre a saúde e os serviços de assistência à saúde:
10.1
O que você faz quando se sente doente?
________________________________________________________________
10.2
Qual o tipo de serviço de assistência à saúde é utilizado com mais
freqüência pelos moradores do domicílio:
________________________________________________________________
10.3
Com que freqüência os moradores do domicílio utilizam os serviços de
saúde?
________________________________________________________________
10.4
Qual a sua avaliação da qualidade dos serviços de saúde disponíveis
no bairro (Unidade de Atendimento à Saúde do bairro):
________________________________________________________________
Como descreveria sua opinião:
________________________________________________________________
10.5
Quais os tipos de doenças você teve nos últimos seis meses?
________________________________________________________________
11 Quais outras informações você gostaria de mencionar acerca do bairro, de suas
condições de vida e de sua saúde?
________________________________________________________________
12 Caso fosse necessário você aceitaria fazer uma nova entrevista para falar de
sua história no bairro e a respeito de suas idéias sobre condições de vida e
condições de saúde?
( ) Sim
( ) Não
127
Anexo 5
Modelo de autorização para uso e publicação das informações apresentadas
pelos informantes da etapa 2 da abordagem com a população.
128
Criciúma, ____ de _____________ de 2003.
Autorização para uso e publicação de informações fornecidas em entrevista
Eu, __________________________________________, autorizo o uso e a
publicação das informações por mim fornecidas nesta entrevista, em trabalhos de
cunho acadêmico e científico, assim como asseguro a veracidade das informações
referidas, desde que minha identidade seja mantida sob anonimato.
__________________________________________
129
Anexo 6
Transcrição das histórias de vida de Dona Aparecida, Dona Sílvia, Dona
Maria e Dona Juraci.
130
UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS
(MESTRADO)
Entrevista
História de Vida I – Aparecida
Criciúma, 2004
131
Entrevista
Fita 1A
Finalidade: Dissertação de Mestrado
Ficha Técnica:
Entrevistada: Aparecida
Entrevistador: Pedro Rosso
Local de Gravação:
Bairro Renascer – residência da entrevistada
Cidade: Criciúma
Equipamento:
01 microcassete recorder
Marca: Panasonic FP (Fast PlayBack) 2 SPEED – modelo RN 202
01 FK microcassette MC-60, marca Panasonic
Transcrição, digitação e revisão:
Pedro Rosso
Data: 22/12/2003
132
Nome: Aparecida
Local de nascimento: Nasceu no interior de Imaruí, SC. Mudou-se para Porto
alegre, RS. Veio para Criciúma (bairros São Cristóvão e Cidade Mineira). Morou no
Bairro Presidente Vargas e na área rural do Município de Içara. Atualmente mora no
Bairro Renascer, que junto com o Bairro São João, pertencem ao aglomerado
formado na antiga Mina Quatro.
Idade: 66 anos
Estado Civil: Casada
Profissão: atualmente do lar; já foi trabalhadora rural, empregada doméstica e
lavadeira.
Tempo que mora na microarea 4: 15 anos
Tempo que mora no Bairro: 15 anos
Proveniente: do meio rural
133
Entrevista
Pesquisador: Eu sou Pedro Rosso, aluno do Curso de Pós-Graduação em
Ciências Ambientais, da UNESC. Ouvir sua história de vida é muito importante
para mim. Gostaria que a senhora falasse da sua vida, desde quando a
senhora nasceu, onde morou, como viveu, o que fez e o que faz na vida; o que
a senhora entende como saúde, como qualidade de vida; o que a senhora
entende por meio ambiente e por degradação ambiental; que fatores do
ambiente a senhora acha que interfere na vida dos moradores aqui do bairro;
como a senhora vê o lugar onde mora hoje. Pode falar tudo o que a senhora
quiser. Todas as informações e tudo o que a senhora disser será guardado
em segredo e seu nome não será divulgado. Depois de terminada a entrevista,
passarei para o papel e voltarei aqui para lermos juntos.
Dona Aparecida: Eu, (risos...). A minha vida foi uma vida muito triste, porque depois
que minha mãe morreu, a recaída né, aí ela faleceu do meu irmãozinho mais novo,
aí meu pai deixou nóis tudo lá para ficar com minha tia. Ó, se vocês não querem
criar, façam o que vocês querem. Aí nóis fomos criados pela nossa tia, nóis fomos
embora para Porto Alegre. Aí, depois, a nossa irmã mais velha, ela veio prá
Criciúma, junto com um tio da minha irmã por parte de pai. Aí depois ela foi lá me
buscar. Aí nóis trabalhamos de empregada na casa dos outros, se dava muito bem.
Tive muita sorte com as minhas patroas. Aí depois acontece que eu casei com um
rapaz. Tenho seis filhos muitos queridos, estão tudo casados. Dois homens e
quatro mulheres. Até um está em São Paulo. Tenho muita saudade dele. E depois
nóis vivia né, eu vivi em cinco lugares. Aí depois nóis tinha uma casa lá no
Presidente Vargas (bairro do município de Içara, que faz divisa com Criciúma, na
região da Grande Próspera). Aí ela a... do seu Quintino (se refere ao nome do
dono da casa, que era alugada). Aí a mulher queria, não tinha como sair dali,
porque já tava atrasado os aluguel. Aí o meu cunhado, este tal de Vilson, aí disse
que se nós fosse para a fazenda dele, que ele pagava tudo o aluguel. Ele pagou
tudo, fomos prá lá, depois nos viemos prá cá. Aí depois estas casas aí, (se
referindo e apontando para o local onde mora) tavam tudo invadindo. Aí nóis falemo
com um rapaz, um tal de Bigode, daqui. Aí eles deram este lugazinho para nóis.
Nóis viemos prali. Fizemos uma casinha pequeninha de madeira, né, ali mais
embaixo, enquanto nóis fazia esta daqui, esta meia-água na frente. Agora já
desmanchemo. Aí tava bem estrelado, a noite bem bonita. Deus colaborou com
nóis, por Deus é muito bom. Se a gente não tiver fé em Deus a gente não vive. Aí
fizemo essa casinha aqui, eu e ele, temo morando numa boa. O lugazinho aqui é
muito bom. Aqui essa nossa rua, porque como já disse né, porque daqui prá lá eu
não, não moro. Se for prá sair daqui e morar prá lá (referindo-se a parte do
aglomerado onde estão as micro-áreas 1 e 2), vou morar bem longe. Que essa
nossa rua é muito querida, muito boazinha, os vizinhos muito bom demais. E...
então nos tamos vivendo numa boa, nos dois, eu tou com..., vou fazer 67 o mês
que vem, dia 5. Tá bom, tamos esperando o natal, com saúde, porque agora graças
a Deus deu certo, tou tomando uns comprimidos aí, tou com saúde. Tem dia que a
gente tá um pouco apertado, quando a gente compra alguma coisa prá casa né, por
que tá tudo muito caro, não dá né. Então a gente vai levando a vida, como Deus
quer, porque eu tenho muita fé em Deus, demais, em Nossa Senhora também. É os
meus dois preferidos. É... tamos com saúde.
P: A senhora poderia dizer...
134
DA: Pergunta mais alguma coisa.. tá...
P: A senhora poderia me dizer quantos anos faz que vocês vieram aqui por
Renascer?
DA: Faz quantos anos Zé (pergunta ao companheiro que está perto)
Vai fazê quinze anos
P: Quinze anos.
DA: Hã... Hã... (concordando com a cabeça).
P: E a senhora falou que veio para cá para ter um cantinho...
DA: Isso... é... às vezes quando eu esquecer pode perguntar que eu respondo
direitinho, tá.
P: Nos outros lugares que a senhora passou, a senhora poderia me dizer quais
são?
DA: Se eu vivia bem lá, tudo...
P: É, não, só dizer por onde a senhora passou.
DA: É, ó, eu morei no 25 (número pelo qual também é conhecido o Bairro São
Cristóvão, em Criciúma), eu morei em cinco lugares. Depois do 25 ele me enganou
(se referindo ao ex-marido) dizendo se eu... se eu fosse morar lá na Cidade Mineira
(outro bairro de Criciúma), eu fosse prá lá que depois quando ele se aposentasse
ele ia. Mas ele me enganou, não foi. Aí ele pegou ficou junto com a mãe dele, e dali
junto com a mãe dele ele se ajuntou-se com essa outra e ficaram e tão até hoje, né.
E... meus filhos tudo casado. Eu e ele (apontando para o companheiro) temo
vivendo numa boa. Ele trata bem de mim, ele me que muito bem. Sou mais velha
que ele. Quanto anos tu tem, Zé? Conta pra ele. (46, responde o companheiro). 46,
eu vou fazer 67, né. Aí tu vê né, a idade né. A família dele gosta muito de mim,
porque eu trato muito bem dele. E..., quando ele se ajuntou-se comigo, ele bebia. Aí
eu pedi bastante prá Deus né , fazê ele parar de beber, que ele era uma pessoa
muito boa. Aí ele parou de beber, teve no hospital que uns... Zé...(46 dias, responde
o companheiro), 46 dias dum derrame que deu nele né. Quase morreu... ele via a
morte ele. Aí eu saia do hospital, na igreja, pra casa, do hospital, na igreja, pra
casa. E até dava dó. E aí Deus me ajudou, né, vão tomando alguma coisa...
P: E... Dona Aparecida, a senhora me falou que gosta muito do bairro aqui, da rua
onde mora, dos vizinhos. No que isso influencia na vida da senhora? É bom? É
ruim?
DA: Não..., é boa... boa. Bom porque a gente saí, graças ao meu pai do céu nunca
tiraram nada daqui. Só uma vez, foi o meu filho, né, deu uma sabiá pra min, numa
gaiola bonita, né. Sete hora da manhã vieram aqui e roubaram. Chamava prá ela
"jequifrida". Era tão engraçadinha. E... tirando isso aí graças a Deus, pai do céu,
ninguém... Também a gente não mexe com ninguém..., com ninguém. Pode ir em
qualquer casa, se alguém perguntar assim: o que a Dona Aparecida e o Seu Zé é
aqui? Não tem nada o que dizer de nóis, porque eu também..., eu..., quando eu
criei os meus seis filhos, eu morei em tudo quanto é lugar, não brigava com
ninguém. Aí tinha uma crente na frente da minha casa. Eu disse assim: o Patrícia ó,
135
eu não posso mais saí na rua, na frente do meu quintal, dentro do meu cercado,
que essa mulher briga toda vida com as criança. Disse: fica dentro de casa. Agora
eu vou ficar só dentro de casa. Não senhor, meu filho. Aí nóis saímos de lá. Aí
andemo prá lá e prá cá. Moremo..., até em Rio Maina nóis moremo, eu e ele. Aí
depois fui por porão da minha irmã, encheu tudo, acabou com tudo. Aí fomos morar
como outra cunhada, que já morreu, coitadinha, que bote em bom lugar, muito
querida ela. E... Aí depois que aconteceu isso aí nóis viemos prá cá. Meu irmão
ajudou também um pouco. Até um dia quando nóis fizemos a coisa ali né (refere-se
a primeira casinha), que ele trouxe uma baita duma tainha, rapaz, assou. E ele
disse assim, né: vem comer Santina. Ah... eu não quero. Pode ir comendo com o
Zé que depois eu vou. Gostosa que só vendo.
P: E o que a senhora acha que seja qualidade de vida? Como a senhora vê a
qualidade de vida? A senhora...
DA: Pois é né, eu quase não sei falar, né. Mas qualidade de vida é assim né, é a
gente ter bastante saúde, né, bastante saúde mesmo, e ter na mesa, né, o prato de
cada dia, uma coisinha prá gente almoçar, jantar, tomar um cafezinho, né. Não
passar fome, né, porque é uma coisa muito triste a gente passar fome. E ter a luz, a
água tudo em dia, tudo quanto é conta em dia, o que ele faz. É isso aí, né...
P: É isso que a senhora entende por qualidade de vida.
DA: Eu entendo mais alguma... porque eu não sei lê, né. Também nóis tava na
escola de noite. Se nóis não aprendesse, o meu pai já nóis da escola e botava
trabalhar. Porque hoje em dia... antes... antes era assim, né. Trabalhei muito na
roça. Carregava lenha, e de empregada aqui... trabalhei muito de empregada, e de
lavadeira. Ó, lavei até por Banco do Brasil e passava... Agora hoje em dia eu quero
me aposentar... Ah... tem que passar... tem que pagar até 15 anos. Aí quinze anos,
pagou alguma coisa, aí começa a fazer prá se aposentar, prá receber. Eu não, eu
vou ficar com o dele e pronto. Não adianta, né, pagar 15 anos. Agora vê, pagar 15
anos, né, pago..., pago..., lá algum dia acontece alguma coisa comigo, que é que
fica com o meu dinheirinho? É o governo, né, eles. Então eu vou ficar só com o dele
e pronto.
P: O que a Senhora acha que é meio ambiente?
DA: Ah... eu não sei te dizer porque ..... (o companheiro falou, mas não houve
gravação). É isso que ele falou, né.
P: A senhora pode repetir?
DA: Lugar que é bom... prá gente morar. Pois agora...
P: A senhora acha que aqui, o Bairro Renascer é esse lugar, bom?
DA: É... é bonzinho. Até agora é bom sim. Não tenho nada que falar daqui. Prá lá
os outros que... mas é bom.
P: E... como é que a senhora vê este carvão que tem ali, o rio, como é que a
senhora vê isso?
DA: Esse rio ali já era prá ter arrumado, porque toda vida quando a gente vai vota
eles fazem que vão arrumar e não arrumam. Tão arrumando em outros lugar e aqui
não são capaz de arrumar. Porque às vezes morre essas imundicia ai, vão botá
136
tudo aqui né. Tem dia que agente quer comer, no verão, não há... não dá de
suportar o mau-cheiro que tem aqui atrás, por causa disso aí. E quando era o...,
como era o nome dele? O... não o outro. Aquele... (conversa com o companheiro,
tentando lembrar o nome de um prefeito da cidade). O Paulo Meller. Se o Paulo
Meller tivesse aí, ele já tinha arrumado esse... porque quem arrumou essas estrada
tudo...o asfalto tudo, foi ele. Pessoa muito querida, muito boa. Até uma dia... Eu
nunca tinha votado. A primeira vez... Ele nunca ganhava... A primeira vez que eu
votei, ele ganhou. Parece que foi uma coisa assim, ó, até fiquei bem feliz, bem
contente, por ele... Eduardo Moreira. Aquele homem, se precisar do meu voto, eu
voto toda vida, até quando tiver bem velhinha.
P: E quanto a casa da senhora? Foi a senhora mesma que construiu? Foi alguém
que construiu para a senhora? Como é que a senhora construiu este lugar aqui?
DA: Na frente nóis fizemo uma casinha de madeira. Uma meia-agüinha, né. Igual
essa aí, na frente. Aí acontece que o cupim bateu. O cupim bateu, o meu filho veio
morar aqui com nóis. O meu filho mais velho. Aí ele fez essa casinha aí. Prá ele, a
mulher e o filho morar. Aí ele se ajuntou-se com outra mulher e o filho dele casou. E
a nossa aqui tava cheia de cupim demais. Aí desmanchemo tudo essa da frente e
ele deu essa daí prá nóis morar. E temo morando, temo arrumando devagarzinho.
Só o banheiro ali dentro não tem. Tem aqui. Porque banheiro não dá de fazer,
porque tá tudo muito caro, por que ele ganha uma mixaria, né. E tamo levando a
vida nisso ai, né...
P: E isso que a gente vê aqui ao redor, a horta, é a senhora mesmo que cultiva?
DA; Tudo eu. Criação tudo. Tudo eu e ele que fizemo.
P: O que a senhora gosta de fazer?
DA: Ah... eu, se tivesse bastante saúde, eu trabalhava até fora, de empregada.
Porque eu gosto de trabalhar demais. Trabalhei muitos anos com a minha irmã.
Como eu trabalhei. E aqui. Credo, tinha dias que os meus pés chiavam, e ele
fazendo a cerca aí, tudo, ... não vou te ajudar, porque é só nóis dois. Se alguém
deu uma ajuda aqui foi o meu irmão, ele é muito doente, mora lá na Baixadinha
(apelido do Bairro Paraíso, em Criciúma), Nilton Marques.
P: E... mas a senhora ainda hoje gosta de fazer a horta? A senhora...
DA: Gosto... lá na frente. Só não planto mais porque não tem aterro. O aterro é
muito ruim. Gosto... gosto demais de plantar. Só porque às vezes eu faço as
verdura prá mim comer, e eu vou indo, eu de repente, eu paro o apetite de comer,
não como mais, né. Porque o médico falou que eu tenho que comer muito couve,
né, com talo, tomar bastante chá de erva cidreira.
P: E isso prá que?
DA: Pro estômago. Minha doença é só o estômago que eu tenho. Não sei o que é.
Este meu estômago foi depois que eu... meu marido pegou essa outra mulher. Aí...
nuca mais melhorei.
P: Então, de certa forma, a senhora é feliz com o que tem hoje?
DA: Sou. Sou feliz porque eu já passei muito trabalho na minha vida. Oh... como eu
passei trabalho na minha vida, meu filho. Contando, ninguém acredita.
137
P: O que a senhora diria que é felicidade, então?
DA: Felicidade é bastante saúde, é a gente se dá bastante com o homem que a
gente está, marido, que agora nóis vamos casá, ele tá fazendo o divórcio, nóis
vamos casá, nóis dois. E os meus filhos, bastante saúde pr'os meus filhos. Tudo
isso aí, né.
P: Mais alguma coisa que a senhora queira falar?
DA: Pois é..., mais alguma coisa eu acho que eu não tenho, né. Quéis falá um
pouquinho Zé, ou é só eu?
P: Seria a senhora.
DA: Tá..., pois é...
P: Mais alguma coisinha?
DA: Por enquanto eu não me lembro de mais nada, né, por que se eu for contar
tudo, tudo, direitinho, aí saí muita, muita da coisa, né, porque eu não quero falar,
não posso falar, porque se eu falar já viu. Aí...
P: Mas, a senhora não é obrigada a falar nada que a senhora não queira.
DA: Pois é... então...
P: Então está bom...
Houve uma pausa e depois a entrevistada solicitou para falar mais.
DA: E olha... por que... só isso ai eu não quero que tu... Mas, quando nóis ia prá
roça, nossa madrasta botava só um pedacinho de carne assim prá três pessoas. Aí
a falecida avó dizia assim: ó... pega mais carne prá vocês comer, porque vocês tão
na roça, vocês não pode passá fome. Nóis passava fome. Ela matava galinha do
terreiro, e ela tirava por filho dela, que ela já tinha um quando tava com meu pai, né,
de 10 anos. Ela tirava e botava pimenta nas galinha prá nóis comê. Ela não dava
comida prá nóis. Era uma tristeza. Quando ela ia prá fonte... meu pai comprava
aquelas arroba de carne, bonita, tudo, ovos, tudo que a gente tinha, eu robava bem
depressa, né. Robá, não porque é dentro de casa da gente, né. Tirava bem
depressa aquele pedaço de carne e assava bem depressa (...)34 e comia tudo antes
dela vir lá da fonte. Por que... óh... nóis chegava (...)35 eu e a minha irmã, nóis ia
buscar água longe, chorando, meu filho, porque ela não fazia nada dentro de casa.
Era só nóis duas. Nóis ia num lugar longe buscar lenha, né, eu e ela, né. C'aqueles
feixe de lenha nas costas, o boi brabo no pasto. Aí nóis chegava lá tirava um feixe,
eu e ela, né, depois voltava buscar o outro. Nossa..., nóis... eu e minha irmã, meu
filho, nóis passemo muito, muito trabalho na nossa vida, com essa madrasta. Essa
agora, essa minha irmã, ela, pedi prá ela me ajudar prá me aposentar, tudo, não...
Eu trabalhei muito na... com ela. Opa... trabalhei anos com ela, né. Mas... muito
boazinha, agora tá com câncer.
P: Então tá, Dona Aparecida, eu agradeço a senhora.
34
35
Fala não compreensível.
Fala não compreensível.
138
UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS
(MESTRADO)
Entrevista
História de Vida II – Sílvia
Criciúma, 2004
139
Entrevista
Fita 1B
Finalidade: Dissertação de Mestrado
Ficha Técnica:
Entrevistada: Sílvia
Entrevistador: Pedro Rosso
Local de Gravação:
Bairro Renascer – residência da entrevistada
Cidade: Criciúma
Equipamento:
01 microcassete recorder
Marca: Panasonic FP (Fast PlayBack) 2 SPEED – modelo RN 202
01 FK microcassette MC-60, marca Panasonic
Transcrição, digitação e revisão:
Pedro Rosso
Data: 22/12/2003
140
Nome: Silvia
Local de nascimento: Tubarão. Mudou-se para Criciúma e morou no Bairro Mina do
Mato. Atualmente mora no Bairro Renascer, que junto com parte do Bairro São
João, pertencem ao aglomerado urbano formado na antiga Mina Quatro.
Idade: 33 anos
Estado Civil: Casada
Profissão: atualmente do lar e, duas vezes por semana, diarista. Já foi faxineira.
Tempo que mora na microarea 1: 10 anos
Tempo que mora no Bairro: 18 anos
Proveniente: do meio urbano
141
Entrevista
Pesquisador: Eu sou Pedro Rosso, aluno do Curso de Pós-Graduação em
Ciências Ambientais, da UNESC. Ouvir sua história de vida é muito importante
para mim. Gostaria que a senhora falasse da sua vida, desde quando a
senhora nasceu, onde morou, como viveu, o que fez e o que faz na vida; o que
a senhora entende como saúde, como qualidade de vida; o que a senhora
entende por meio ambiente e por degradação ambiental; que fatores do
ambiente a senhora acha que interfere na vida dos moradores aqui do bairro;
como a senhora vê o lugar onde mora hoje. Pode falar tudo o que a senhora
quiser. Todas as informações e tudo o que a senhora disser será guardado
em segredo e seu nome não será divulgado. Depois de terminada a entrevista,
passarei para o papel e voltarei aqui para lermos juntos.
Dona Sílvia: Eu morava em Tubarão, né.
Há muita interferência de crianças.
P: Vamos começar de novo?
DS: O meu nome é Sílvia, né. Aí... eu queria dizer é... com meus 13 anos eu
trabalhava de faxineira. Em Tubarão. A minha mãe e o meu pai eram separados.
P: A senhora nasceu em Tubarão?
DS: Nasci em Tubarão. Aí eu fui obrigada a trabalhar, né. Aí vim prá cá prá
Criciúma, morá aqui. Aí aqui conheci um moço. Aqui, né. Aí tô nesta vida, né. Mas...
que vai, não vai.
P: Onde a senhora morou aqui em Criciúma?
DS: Ah... eu morei lá na Mina do Mato. Lá que eu fiz a minha vida. Lá eu morei
tipo... casa alugada, né. Pagava aluguel. Agora a casinha é minha. Aí tô... tô
morando aqui, né. Aí não tô... tô sem emprego. Só faço uma faxina assim pr'um
advogado meu, né, que não tem outro emprego. Aí eu só vivo naquilo ali, né.
P: Quanto tempo faz que a senhora veio para cá?
DS: Ah... já faz muito tempo, desde o dia que eles começaram a fazer aqui a Mina
Quatro. Aí aqui eu vim prá cá.
P: Por que a senhora veio para cá?
DS: Porque eu pensava que aqui era bom prá nóis.
P: Bom em que sentido?
DS: Bom porque nóis pagava aluguel, não tinha onde morar. Daí aqui ele comprou
uma casinha prá mim, eu vim morar aqui. Aí eu sou obrigada a vim morar c'as
crianças prá cá, ne.
P: A senhora mudou para cá para ter um lugarzinho onde a senhora pudesse ter
mais traquilidade.
142
DS: É...
P: E o que a senhora acha deste lugar aqui?
DS: Ah... isto aqui não é muito bom, não. Mas também se eu vou prá outro lugar é
também a mesma coisa, né. Aqui tem tudo quanto é coisa que não deve.
P: Mas por que a senhora diz que não é muito bom aqui?
DS: Ah... dá muita briga... tem salão... tem tudo... dão tiro aí pela rua.
Uma parente da entrevistada que entrou no local falou: tem muita droga.
DS: É... tem muita droga.
P: E o que a senhora acha que é saúde?
DS: Saúde assim é quando a gente tem bastante saúde, né, prá trabalhar, que
nunca deixa a gente ficar doente, né. Tem que tê saúde prá gente. Deus dá força
prá gente, né.
P: E qualidade de vida?
DS: Como assim?
P: O que a senhora acha que é qualidade de vida?
DS: ....
P: A senhora acha que tem qualidade de vida?
DS: Acho que tem, né.
P: Acha que tem? Por que?
DS: Pois agora...
P: A senhora é feliz com a sua vida? Com a vida que leva?
DS: Não.
P: Por que?
DS: Não sou feliz. Por que sei lá, meu marido tá preso e eu tô aqui... criando...
sozinha... Tem que abatalhar prá tratá das crianças, se virar. Não é fácil. Eu passo
trabalho... com minhas crianças.
P: São quantas crianças?
DS: Eu tenho... três crianças. Eu não ganho a bolsa escola, eu não ganho aquela
ajuda que eles dão no... coiso, eu não ganho. Todo mundo ganha e eu não ganho.
P: O lugar aqui, o ambiente onde a senhora mora, a beira do rio, a senhora acha
legal?
DS: Não...
P: O que tem de ruim, o que tem de bom aqui?
143
DS: Ah... a beira do rio aí... tem dia que não dá prá suportá. Quando chove. Aí...
fica aquele mau-cheiro, assim..., no rio. Tem dia que eu tenho que sair prá não
sentir aquele cheiro forte.
P: A senhora fica mais em casa durante o dia... ou saí?
DS: É... tem dia que eu saio, faço faxina, né. Às vezes eu procuro assim uma
faxina. Tem que sustentar as crianças, né.
P: E o ambiente, em geral, aqui do Renascer? O que a senhora acha dele?
DS: Ah... tem vizinho bom aqui. Tem vizinho que já não é bom, né.
P: E sem ser os vizinhos. O restante do ambiente, o local...
DS: O local... prá mim é bom, né, ônibus, tudo... tem tudo certinho. Todo mundo
aqui é bom.
P: Mas... se a senhora pudesse a senhora mudaria... ou... está contente aqui?
DS: Ah... se eu tivesse outra casa eu saia daqui... que às vezes a gente não tem
condições, né. Que eu... eu gosto daqui. Mas aqui não é prá criar filho.
P: Como assim?
DS: Tem muitas drogas, muita coisa errada. Mas não dá prá...
Houve um interrupção de alguém que chamou pela entrevistada.
P: Que fatores do ambiente, de um modo geral, podem interferir na vida da
pessoas, principalmente na saúde?
DS:...
P: Assim, o que do ambiente pode interferir na sua saúde?
DS: A água, né... a água... eles botam esses remédios tudo aí. Faz mal prá saúde,
né... Algum alimento, também, né, faz mal prá saúde, que não pode comer.
P: Que mais a senhora gostaria... de falar? Pode... Pode ficar a vontade?
DS: ... Aí... aí...
P: O que a senhora entende por meio ambiente?
DS: Ahn...
P: O que a senhora entende por meio ambiente?
DS: O que eu entendo, assim...
P: É.
DS: Ah... é bom, né. Uma coisa boa. Algumas não, né...
P: Como, por exemplo...
DS: Ahn...
144
P: Como, por exemplo, o que é bom, o que é ruim?
DS: O que é ruim, o que é bom... Ah... eu acho tanta coisa ruim aqui... prá mim,
né... assim...
P: Pode dizer.
DS: A vida assim... às vezes eu não gosto, às vezes eu tô aqui eu tenho medo de
ficar sozinha, que eles sai atirando daqui prá fora, e arma..., a gente tem criança,
né. Até a própria polícia aí, quando eles vem prá Mina Quatro, eles ficam por aí
também. A gente tem medo, porque eles querem pegar os caras, decerto, né. A
gente fica com essas crianças, tem remorso aqui, né, eu tenho medo.
P: A senhora tem medo, então, do local onde a senhora mora?
DS: Não, não... é porque quando eu tá dormindo, assim, né, eu tenho medo, as
balas atirando ai afora. Aqui é muito bom, eu gosto daqui tudo, mas aqui não é
lugar prá se criar os nossos filho. Mas nóis somo obrigado a mora aqui, por que...
aonde vamo morar? Tivesse outro lugar bom a gente ia, né. Não podemo ir.
P: Mais alguma coisa, Dona Sílvia?
DS: Não. Tá bom.
P: É isso?
DS: É.
P: Então tá bom.
145
UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS
(MESTRADO)
Entrevista
História de Vida III – Maria
Criciúma, 2004
146
Entrevista
Fita 2A
Finalidade: Dissertação de Mestrado
Ficha Técnica:
Entrevistada: Maria
Entrevistador: Pedro Rosso
Local de Gravação:
Bairro São João – residência da entrevistada
Cidade: Criciúma
Equipamento:
01 microcassete recorder
Marca: Panasonic FP (Fast PlayBack) 2 SPEED – modelo RN 202
01 FK microcassette MC-60, marca Sony
Transcrição, digitação e revisão:
Pedro Rosso
Data: 09/01/2004
147
Nome: Maria
Local de nascimento: Santa Albertina, em São Luiz, no interior do município de
Capivari de Baixo, SC. Morou em Siderópolis, Criciúma (nos bairros Baixadinha,
Linha Batista e São Luiz), Morro da Fumaça, Araranguá, Lauro Müller (Guatá) e
Urussanga (Rio América). Atualmente no Bairro São João, que junto com o Bairro
Renascer, pertencem ao aglomerado formado na antiga Mina Quatro.
Idade: 67 anos
Estado Civil: Casada
Profissão: atualmente do lar (auxilia o marido como catadora de papelão); já foi
operária em olaria, catadora/escolhedeira de carvão; empregada doméstica,
trabalhadora rural e lavadeira.
Tempo que mora na microarea 3: 12 anos
Tempo que mora no Bairro: 12 anos e 6 meses
Proveniente: do meio rural
148
Entrevista
Pesquisador: Eu sou Pedro Rosso, aluno do Curso de Pós-Graduação em
Ciências Ambientais, da UNESC. Ouvir sua história de vida é muito importante
para mim. Gostaria que a senhora falasse da sua vida, desde quando a
senhora nasceu, onde morou, como viveu, o que fez e o que faz na vida; o que
a senhora entende como saúde, como qualidade de vida; o que a senhora
entende por meio ambiente e por degradação ambiental; que fatores do
ambiente a senhora acha que interfere na vida dos moradores aqui do bairro;
como a senhora vê o lugar onde mora hoje. Pode falar tudo o que a senhora
quiser. Todas as informações e tudo o que a senhora disser será guardado
em segredo e seu nome não será divulgado. Depois de terminada a entrevista,
passarei para o papel e voltarei aqui para lermos juntos.
Dona Maria: Qualidade de vida minha é que eu acho que a minha qualidade de vida
é da mais pior que tem, né. Da m ais pior, porque tenho o marido doente.
Compensação hoje ele sai que nem trabalhar ele não pode, né. E a minha também,
que sou desenganada dos médicos. Tenho muitos problemas. Até inclusive tenho a
prova, que coloquei aqui na estante. E é tudo isso que eu uso, né. É tudo isso aí
que uso, que se eu não usar isso aqui eu não vivo. E mesmo agora ta lá. O que
tenho aqui na mão são dois. Tem que tomá isso aqui.
P: Vamos, vamos começar assim... vamos começar a história lá do começo. Onde
é que a senhora nasceu?
DM: Eu nasci em Santa Albertina, em São Luis, pra dentro de Tubar..., de
Armazém, Capivari. Vim com um ano e dois meses prá dentro de Criciúma. Morei
ali em Siderópolis. Depois quando eu me casei vim morar aqui dentro de Criciúma.
P: Em Criciúma, em que bairro a senhora morou?
DM: Na Baixadinha.
P: Na baixadinha.
DM: É. Depois dali fui embora pra Morro da Fumaça, trabalhar lá na olaria, né.
Trabalhei até que pude.
P: A senhora trabalhou na olaria também.
DM: Trabalhei quatro anos. Trabalhei quatro anos na olaria. Trabalhei três anos e
três meses na mina do dia.Trabalhei de empregada doméstica.
P: Como era essa mina do dia.
DM: É mina de carvão, né. É, mais aí aquele tempo não era embocação de mina.
Era mina assim... púbrica, né, encima. Aí a gente tirava o barro branco e o carvão,
né. E escolhia o carvão pra... pra... escolha de carvão mesmo, né.
P: A escolha era feita manualmente?
DM: É. Na... tinha uma caixa, né. Aí o caminhão pegava é elevava pra essa caixa, o
carvão, né. Lá em Siderópolis, lá em Fiorita, né. E... trabalhei lá, trabalhei três ano e
pouco de lavação. Trabalhei quatro ano e oito meses na roça. Engenho de farinha.
Ia pra roça, puxar.
149
P: Puxar onde?
DM: Lá em Araranguá.
P: Lá em Araranguá.
DM: É. Trabalhei isso tudo, né, prá podê criar os filhos.
P: Então a senhora morou, nasceu lá...
DM: Nasci...
P: Nasceu lá em Capivari, morou em Siderópolis...
DM: morei em Siderópolis...
P: Morou em Criciúma...
DM: Morei aqui em Criciúma, como eu ainda moro aqui. Morei n’Araranguá. Morei
no Morro da Fumaça. Morei na... como é que agora eles dizem... come... onde é
que a Paula mora... Joni. Linha Batista, né. Morei...no, em Guatá, Rio América.
Morei em vários lugá. Depois que eu meu casei eu corri isso tudo, né.
P: E aqui na...
DM: Na Mina Quatro?
P: Na Mina Quatro faz quanto tempo?
DM: Faz, três, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze,
quatorze, quinze. Faz doze anos.
P: Doze anos?
DM: É...
P: Sempre aqui neste lugar?
DM: Não. Morei mais na outra rua lá de baixo. Aqui eu troquei... troquei por aqui,
né. E assim..., né.
P: E o que é que levava a senhora a murar de um lugar para o outro? A mudar?
DM: Morei... Também tem um lugar que eu morei aqui no Bairro São Luis. Ali foi... a
minha mãe faleceu, né. Aí eu tinha um irmão que era... ele era muito doente. Além
de doente era alcólico. Aí não tinha quem... um irmão não queria... não cuidava
dele. Outro não queria cuidar. Outro judiava. Aí a minha irmã, essa que ficou com o
aposento tudo do meu pai, que era pra repartir pra nóis. O dinheiro que era pra vim,
que era pra repartir. Então ela veio ali disse prá mim assim ó. Tu quéis cuidá do
Zeca, que é o meu irmão. Aí eu disse assim, ó. Como que eu vou? Eu vou lá, fica
lá, cuidá dele, cuidá da minha casa e tudo. Aí ela foi e disse prá mim. Não, tu pode
vendê a tua casinha, tu pode pegá o teu dinheirinho, comprá as coisa que tu
precisa e... e aquela casa lá vai sê tua. Nóis vamo passá pro teu nome. Tu vai sê
tua prá ti cuidá dele, até o fim da vida dele. Aí eu disse assim, né. Então tá. Então é
bom, né, porque eu também tinha esse meu menino pequeno aí, que ele é adotivo,
né. Agora tá com quinze anos. Aí eu disse assim: tá, eu vou porque eu também
preciso bastante de remédio e aí já eu guardo um dinheirinho prá comprá o remédio
dele. Aí peguei e vendi a minha casa. Aí, inclusive, eu peguei um pouco de
dinheiro, peguei um cavalo e uma carroça prá eu começa a trabalhá, né. Aí morei...
aí fui prá lá, cuidá desse meu irmão. Aí morei um três mês, quatro. Aí ela foi lá e me
150
jogou prá rua. Botô na rua. Aí eu garrei, eu disse, não pode sê assim, porque agora
como é... prá onde que eu vou. Eu vou ficá na rua se eu não tenho aonde, que
agora tu feis eu botá minha casa fora. Isso aí, tem lei prá isso aí. Aí a gente, como é
irmão, não sei, nóis não se criamo assim, não se discutimo, se brigamo, como
irmão, né. Então a gente não... não percurei a Justiça sobre isso. Aí eu fiquei na
rua. Inclusive fui morá com esse meu guri que mora aí do lado, que agora ele que
tá morando de favor aqui, né. Fui morá com ele. Aí não deu certo. Não que eu
brigasse, porque eu não sou de briga, graças a Deus. Mas a mulher dele era muito
ruim. Aí... começou a falá, não sei o que lá, aí eu garrei, peguei o menino e saí. Aí
fiquei na rua, jogada prá lá e prá cá. Aí deu como eles tavam dando lote aqui prá...
pr’os pobre, aqui na invasão. Aí eu fui lá na Prefeitura pedi. Aí elas disseram que
não davam, porque não tinha mais lote, porque não sei o que. Aí eu disse então...
então vocês... eu tou na rua com esse meu menino. Então vocês não querem me
dá, eu vou buscá os trapos que eu tenho lá em casa. Que só o que eu tinha e
aproveitei foi só isso meu, e vou botá aqui na frente da Prefeitura e vou ficá aqui.
Disse eu vou botá aqui e daqui não vou saí, enquanto vocês não me der um lote
prá eu armá uma barraca, prá mim botá a cabeça com meus filho, com meu filho.
Eu disse eu fico aqui. Aí, como de fato eu fiquei, até as seis horas da tarde, lá. Aí
elas viro mesmo que eu não ia saí, elas mandaram o presidente me trazê aqui na
Mina Quatro prá arrumá um lote prá mim fazê uma barraca. Aí ele arrumou, Aí nóis
fizemo uma barraca de plástico, tivemo morando três meses nesta barraca. Aí uma
senhora que dava sopão prá nóis teve ali, me visitou. Aí ela pegou me deu uma
talba. Deu prá fazê uma meia-água assim, daqui assim prá lá (mostrando sua casa
na tentativa de delimitar o tamanho da meia-água). Uma meia-água pequininha. Já
tava prontinha, só porque eu não tinha fogão, não tinha... não tinha mais nada. Aí
eu disse... aí a minha guria mais velha foi jantá comigo. O mãe, posso jantá com a
mãe? Aí disse: pode. Aí fiz a janta e disse prá ela assim ó: Fátima eu vou colocá
água no fogo porque, Deus o livre, se dexa uma brasinha, era na rua, né, não era
dentro de casa. Se dexa uma brasinha, que Deus o livre, lá que o vento e voa no
plástico lá, na coisa queima tudo. Aí tá. Aí eu peguei coloquei água no fogo todo. Aí
fomo deitá.A guri foi embora. Aí, quando era umas treis e meia da madrugada, eu
peguei, eu gritei como meu marido: aí a casa tá queimando, tá pegando fogo. Aí no
que ele alevantou, ele ficou tão nervoso que ele pegou o menino que tava no ponto
de queimá, de pegá fogo na cama do menino e jogou na rua. Aí ele teve... teve uns
dois mês na UTI, no hospital, né. Aí queimou tudo a minha casa. Quando o corpo
de bombeiro chegou não tinha mais nada. Não deu prá aproveitar nada. Fiquei na
rua outra veis. Vim morá aqui nesta outra rua ali embaixo, embaixo de outra lona,
né, vim morá, morei mais uns seis meses embaixo da lona. Aí um senhor, que até
já morreu, fais um ano, ele veio me visitar, ele e a esposa, aí me deram uma meiaaguinha, lá embaixo. Deram uma meia-aguinha, aí eu morei ali, né, passando
trabalho, dificuldade, como passo até hoje, né. Porque nunca vi tanta gente tá
coiso, então, passo dificuldade, né, correndo prá lá, prá cá. Foi assim né. Dali eu
peguei eu troquei prá cá. Por que achei que aqui era melhor prá mim morá, como
de fato ali foi mais pior, porque tem que ter toda vida no médico por causa da
poluição do carvão, né, que é muita poluição e eu tenho muito problema, eu tenho...
P: Então a senhora acha que o local aqui, em função da estrada de ferro, é ruim prá
saúde da senhora?
DM: É... é muito ruim. Isso aqui é aonde que eu tô decaindo mais de doença é aqui,
porque o médico já disse que eu tenho que sair daqui, porque ele disse que a
minha saúde tá complicando cada vez mais, ta aumentando, né, porque eu desde
os nove anos tenho angina no coração. E agora ela tá complicando mais, ela tá
151
inchando, né, eu tenho muita complicação.
P: Mas, o que é que mais incomoda aqui, a poeira, o mau-cheiro. O que mais
incomoda aqui?
DM: Oh... é a poeira, o mau-cheiro, o lixo, que a gente tem que trabalhá e, como de
fato eu não coloco o lixo, que eu não coloco... como hoje, agora, vai sê entregue
esta carga, né. Aí a gente já varre, já limpa o terreiro todo, já leva o lixo, bota ali, já
coloco fogo, né, já coiso, mais, mais olha lá prá trais que você vai vê como é que tá
de lixo. Aquilo ali é uma poluição que vem mau-cheiro de tudo, ali, porque ali é um
caminhão que trais ali, na outra casa. E ele coloca ali, aquilo ali tem poluição, tem
mau-cheiro de podre, tem mau-cheiro de comida azeda, tem mau-cheiro de óleo, de
borracha, e ele só coloca o fogo de noite, né, e aí de noite é pior prá gente, que aí a
gente fecha a casa, né, fecha a casa, e fica aquele... aquela fumaça entra pelas
trinca, que a casa da gente já não é boa mesmo, né, e a gente fica sufocada. Prá
mim que eu tenho diabete, tenho a colesterol, tenho essa osteoporose, tenho
reumatismo, tenho bico de papagaio, pressão alta, né, tudo isso me atrapalha, né.
Então, prá mim isso tudo aqui é ruim, mas ainda neste lugar, como de fato agora eu
tava, nóis tava aqui combinando, eu e o marido, prá eu tirá esta parte de lá, vê se
consigo um caminhão prá mim, né, prá levá esta parte de lá prá praia. É
pequenininha, mas a gente é obrigada a levar. Prá mim ir embora prá lá e deixá
esta aqui, né, porque esta aqui tá tudo caindo. Esta aqui tá toda esburacada.
Embaixo da minha cama aí não tem mais talba. É tudo aberto, porque não tem
mais. Eu... os barrote ali tá tudo podre, quebrou tudo, tá tudo caído no chão, aquilo
ali. Aqui também, ó, tudo caído, como de fato este coiso aqui ó... que a talba tá
dando de si prá baixo, que não em barrote, né. Então eu queria ir me embora prá
praia, prá vê, que uma vez eu fui prá casa do meu filho lá, eu melhorei um pouco.
Melhorei bastante lá.
P: Então, antes a senhora mudava para trabalhar. Agora a senhora quer mudar prá
poder ter um pouquinho de saúde
DM: Um pouquinho de saúde, né. Porque antes eu tinha, eu sou mãe de dezoito
filho, sou mãe de vinte e três. Pera aí... que eu já tou mentindo. Sou mãe de vinte...
é vinte três, não menti não. Vinte e três. Qué vê, tem o Edson, a Léia e esse ai. São
tudo adotivo, né. E tem dezoito, vinte e um, vinte e um é, dezoito meu, né. Aí é eu
tinha que... que só o marido, ele tem problema, tu sabe, né, essas doença de rua. E
ele tem tuberculose crônica, não tem mais cura. A saber, ele para mais no hospital
que em casa. Como agora ainda eu tava falando com a vizinha aí, que eu vou
buscar, vou ver se consigo falar com a enfermeira no posto, prá vê se eu consigo,
que ele não vai de jeito nenhum prá vê essa doença, ele não vai no médico, não
qué toma o remédio nem nada. Então eu vou combinar com a enfermeira lá, vê se
ela faz alguma coisa por mim prá leva ele prá fazê outra exame, exame novo nele
pra pega o remédio, né. Porque, como eu tava comentando com a vizinha aí do
lado que hoje, ... como hoje eu tava falando prá vizinha que ele não me deixou
dormir um sono esta noite. Foi a noite inteirinha prá lá e prá cá, até parece assim
que ele tava perturbando, porque nem dentro de casa ele não parou. Eu até tou
com medo, porque ele saiu louco de dor.
P: Por causa da dor?
DM: É, por já viu, né, a pessoa com essa doença. E agora mesmo ele ta fechando
todo duma coisa, uma bolha, não sei o que é aquilo lá. Coça o dia inteiro. Até eu
tou com medo, porque já viu, né.
152
P: Essa, isso, a senhora, normalmente, procura o posto? Como é que a senhora
faz? Ou ele não vai?
DM: Ele não vai, de jeito nenhum. Só se ele ficar mal mesmo. Dizê assim: que a
gente vê que ele tá morrendo, aí que... aí os vizinhos aqui são muito bom prá mim,
né, então eles pegam e levam depressa pro hospital. Que no ano arretrasado, foi...
o ano arretrasado ele teve quatro meses em Nova Veneza. O ano passado ele teve
no Araranguá, esse, o ano arretrasado, o ano passado, agora, ele teve no Morro da
Fumaça. Ele para toda vida no hospital. E agora precisa internar, porque ele... eu
tou achando que ele tá ruim mesmo, tá ruim de uma forma que ele não me deixa...
eu tou aqui louquinha de dor de cabeça. Que eu não dormi um sono, doente, né.
Não consegui dormi um sono, né. Não posso fazer nada por ele por ele não quer
que eu faço nada, então... tem que sê assim.
P: Da vida de vocês hoje, vocês sobrevivem com o que conseguem no papelão.
DM: Nóis sobrevivemo da ajuda dos outros, esmola dos outros. Que o dinheiro do
papelão não dá nem pro meu remédio. Porque já pensou ó, agora, ontem que eu
consegui pegar isso aqui ó. Se eu não tivesse conseguido, eu tinha que comprar
tudo isso aqui, que eu ainda tenho a caixinha, eu acho que ainda tenho, quase,
quase igualzinho a este aqui, só de outra marca. Só uma caixinha deste aqui é
quarenta e oito real. Já pensou. Agora tem esse aqui, que é pro coração...
P: Então, uma das dificuldades hoje da senhora é ter o remédio prá fazer o
tratamento...
DM: É... o tratamento direito, né. Já vai fazer três dias que eu tava sem o remédio.
Né, eu já tava me complicando bastante. Ó, esse aqui é do coração. Eu já tava me
complicando bastante, porque se eu fico dois dias sem o remédio eu começo
com...que eu tenho assim uma dor, um ardume. Parece assim que jogo água
quente, fica queimando ali. E eu tenho que tomá isso aqui todo dia, né, que já tá
passando da hora. Todo dia tem que tomá. É seis comprimido por dia.
P: Dona Maria, é... a senhora já falou de boa parte do que a senhora não gosta
daqui. Mas, como a senhora sente este lugar? A senhora acha que é um lugar que
é possível continuar morando?
DM: A é, é muito possível (interpreta-se que a informante quis falar impossível),
porque tem muita droga. Aí eu tenho meu filho, né. A gente tem medo. Eu ando
toda vida aqui, com medo.
P: Então a senhora, além da poluição, que a senhora reclamou já, das drogas. Que
outros fatores aqui que a senhora vê que incomodam a vida da senhora, da sua
família, no caso?
DM: Não tem nada que incomoda aqui, incomoda é isso.
P: Incomoda é isso mesmo?
DM: É essas droga, que a gente tem medo, e a minha doença e a doença do
marido e sobreviver aí, sobre... assim... a gente tem medo assim que é muita
ladruagem. A gente tá criando direito, assim com quinze anos. A gente tem que te
ali ó, de olho em cima, né, porque quanto mais cuidá melhor é.
P: É, tá certo.
DM: É, era só isso, porque sobre vizinho não, graças a Deus me dou com Deus e
153
todo mundo. Até com as crianças. Porque até as crianças gostam de mim. Que
aonde que eu to, as crianças tão junto. Todo lugar que eu moro, graças a Deus, eu
tenho meus anjos, que até, inclusive, meu minino tem... tem muito ciúme, né,
porque é só ele dentro de casa e é adotivo. Ele não gosta assim que às vezes tou...
que eu tenho uma menina, uma galeguinha aqui que eu tou, ela vem correndo, ela
me abraça, ela me beija. Tão todos eles aqui, ó.
P: A senhora se dá bem com as crianças, então?
DM: Graças a Deus.
P: Que bom.
DM: Me dou bem com as crianças, com todo mundo, né. Todo mundo. Pode chegar
aqui. Pode pegar o meu nome. Sair daqui por dentro de Criciúma tudo e dá o meu
nome. Se alguém falar mal de mim... Não, graças a Deus.
P: A casa da senhora aqui. A senhora gosta dela? Não gosta? O que a senhora
gostaria de mudar?
DM: A eu gostaria de mudar a casa, né, por que... Já pensou a gente conviver com
uma casa assim que dá uma chuvinha, chove tudo dentro, né. Foi arrumada, não
tem mais como arrumar. A gente tá ora por ora a gente quase fica na rua porque o
cupim tá comendo tudo, o soalho tá caindo, o barrote tá caindo, né. Até inclusive eu
tava pensando que se eu não me mudar daqui, eu queria ir na Prefeitura, que a
Prefeitura tá... ajuda todo mundo, por que que não me ajuda, né? Aqui deu uma
casa pr’uma senhora ali que a casa era boa só porque morreu... mataro o filho dela.
Então deram uma casa prá ela, bem boa, de material. Fizeram, né. E que tou
precisando aqui desse jeito, como eu tou precisando, que todos eles aqui sabem
meu problema, até a Prefeitura também sabe, até ela me ajuda todos... negócio de
comida, né. E... vê, eu tou aqui ó, tou aqui com a minha cabeça tá estourando,
porque agora dia primeiro fui roubada dentro de casa. Uma pessoa pobre desse
jeito, né, que não tem prá comê e sou obrigada a andá pedindo. E fui roubada, o
dinheirinho da minha luz, o dinheirinho do meu remédio, né, foi roubado. O que que
eu vou fazê. Se eu... como agora tá... eu tive no Telefone, pedi pra ir lá na
delegacia localizá, vê o que faltou daqui consta com aquilo que tá lá. Mas eu não
vou nada... por que...
P: A senhora se sente, então, meio que excluída da sociedade? Meio, assim, fora...
DM: É... prá mim ainda se eu saísse daqui era uma melhora, né.
P: A senhora quer mesmo é...
DM: A eu quero é sair daqui. Se eu arrumasse uma colocação assim que desse prá
mim saí, até ia sê uma boa, assim como o médico disse: eu tenho... se eu quiser
continuar a vivendo mais um pouco neste mundo, eu tenho que me arretirar daqui.
Até, inclusive, esse médico que me trata ele disse que eu fiz uma loucura saí
daonde que eu tava prá vim prá cá. Porque ali, logo aqui, na outra rua de lá, mas
era um lugar que não se via assim um mau-cheiro, não se via nada, né, graças a
Deus, e aqui não, aqui, eu tenho que te falando toda vida, porque eles pegam
jogam o lixo ali, né. Às vezes eu tou sentada ali, eu grito, não botam mais lixo ali,
gente, a Prefeitura já teve aqui, já me encheu, porque um dia eles tiveram aqui, o
presidente da Prefeitura, tiveram aqui, me encheram de desaforo aqui, aí eu disse
só porque a gente trabalha com papelão, como eu disse prá eles, vocês não podem
fazê isso, né, só porque a gente é pobre e trabalha com negócio de papelão que a
154
gente é... tem que jogar o lixo por tudo quanto é lado. Eu disse: isso aí não é eu
que boto. Eu disse; o que eu boto aqui todo os vizinho vejo, que eu boto aqui, eu
jogo fogo. Eu boto, como hoje, hoje é o dia, eu boto ali, já limpo o terreiro, já coloco
ali, já jogo fogo, né.
P: Então a senhora procura manter, pelo menos, aqui o pátio da senhora bem
cuidado?
DM: É, eu só não posso varrer, eu ainda com tudo isso eu ainda pego, como agora
eu tava limpando a louça aqui prá poder varrer o terreiro, limpar, amontoar mais um
pouco aquelas coisa, até eles chegá, porque quando eles chegá, ai eu amontou
tudo, tiro todo o lixo daí, amontou tudo, o meu marido carrega com a carroça ou
senão os meninos carregam com o carrinho lá prá baixo.
P: Aí a senhora bota fogo lá?
DM: Aí eu boto fogo.
P: Dona Maria, tem mais alguma coisa que a senhora queira falar, sobre a vida da
senhora?
DM: Sobre a minha vida é isso né. Trabalho que eu passo.
P: E o sonho de mudar, de ir prá um lugarzinho melhor.
DM: A é. Isso aí é o meu sonho. O se chegasse um caminhão dissesse assim ó:
Arrumei uma casa pra ti. Vai morá lá, tu não vai mais ter essas doenças. Credo, eu
acho que eu dava pulo, né, por que só o que eu tenho é esses neto aí, eu tenho
quatro neto abandonado, que a mãe abandonou, que o pai que cuida aí atrais, até
inclusive eu dei um pedacinho do lote prá ele fazê um ranchinho prá ele. Mas, eu
tem hora que eu olho assim prá eles que me dá dó, porque se eu saí daqui com
quem que eles... mas se eu também ficá olhando prá eles e não cuidá da minha
doença, ne, eu tenho mais é que cuidá da minha doença, né, porque...
P: Então o sonho de a senhora sair é porque assim a senhora vai ter um pouquinho
mais de saúde?
DM: É... mais saúde, né. Porque eu já fui prá lá prá praia, tive quatro dia, três dias
parece, na casa do meu filho, e parecia assim que eu não tinha nada. Por que tem
um ar mais bom, né...
P: Então a senhora acha que o ar, o ambiente onde a senhora está ajuda na sua
saúde?
DM: Na minha saúde é. É, mais isso em compensação, né, porque já pensou, a
gente aqui vive abafado com essa poluição do carvão, né, desse mau-cheiro. E lá
não, lá tem aquela areia, tem tudo, né. A gente tá aquele ar bom da praia, tudo, né.
P: É isso. Tem mais alguma coisa?
DM: Por enquanto não
P: Então tá. Eu agradeço a senhora e, como disse, vou passar aqui na casa da
senhora prá ler o transcrito.
155
UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS
(MESTRADO)
Entrevista
História de Vida IV – Juraci
Criciúma, 2004
156
Entrevista
Fita 2B
Data: 13/01/2004
Finalidade: Dissertação de Mestrado
Ficha Técnica:
Entrevistada: Juraci
Entrevistador: Pedro Rosso
Local de Gravação:
Bairro São João/Loteamento Primavera – residência da entrevistada
Cidade: Criciúma
Equipamento:
01 microcassete recorder
Marca: Panasonic FP (Fast PlayBack) 2 SPEED – modelo RN 202
01 FK microcassette MC-60 , marca Sony
Transcrição, digitação e revisão:
Pedro Rosso
157
Nome: Juraci
Local de nascimento: Nasceu em Bom Jardim da Serra (SC). Mudou-se para
Palmas, no Paraná, depois para São Joaquim (SC), Canela e depois Cambará do
Sul, no Rio Grande do Sul. Atualmente mora no loteamento Primavera, no Bairro
São João, que, junto com parte do Bairro Renascer, pertencem ao aglomerado
urbano formado na antiga Mina Quatro.
Idade: 38 anos
Estado Civil: separada
Profissão: atualmente faz serviços de limpeza para a empresa que administra
cemitérios em Criciúma. Já foi empregada doméstica, trabalhadora rural, operária
em fábricas de chocolate e em fábrica de papel e celulose, e cozinheira.
Tempo que mora na microarea 2: 8 anos
Tempo que mora no Bairro: 8 anos
Proveniente: do meio urbano
158
Entrevista
Pesquisador: Eu sou Pedro Rosso, aluno do Curso de Pós-Graduação em
Ciências Ambientais, da UNESC. Ouvir sua história de vida é muito importante
para mim. Gostaria que a senhora falasse da sua vida, desde quando a
senhora nasceu, onde morou, como viveu, o que fez e o que faz na vida; o que
a senhora entende como saúde, como qualidade de vida; o que a senhora
entende por meio ambiente e por degradação ambiental; que fatores do
ambiente a senhora acha que interfere na vida dos moradores aqui do bairro;
como a senhora vê o lugar onde mora hoje. Pode falar tudo o que a senhora
quiser. Todas as informações e tudo o que a senhora disser será guardado
em segredo e seu nome não será divulgado. Depois de terminada a entrevista,
passarei para o papel e voltarei aqui para lermos juntos.
P: Vamos lá, começando. Um pouquinho lá. Desde onde a senhora nasceu?
Dona Juraci: Bom Jardim da Serra (SC). E lá a gente... Eu morei bastante tempo lá,
né. Lá a gente passou bastante dificuldade. Tive que trabalhar desde os sete anos,
prá mim ajudar a minha avó. Meus pais foram embora.
P: Trabalhava no que lá?
DJ: Lá eu trabalhei... trabalhava de doméstica.
P: Doméstica.
DJ: É. Então meus pais foram embora. Me criei com meus avós. Naquela época a
gente era bem pobre mesmo. Com sete anos tive que começar a trabalhar fora, de
doméstica. Até os dezenove anos. Daí, com dezenove anos casei. Não fui bem
também no meu casamento. Daí a gente se separou. Fiquei com meus três filhos.
Passei bastante dificuldade na vida. Quando eu falei pro meu marido que eu tava
grávida do menino ele foi embora. Eu fiquei grávida, sozinha.
P: Isso ainda lá em Bom Jardim?
DJ: Lá em Bom Jardim. Então, tive, afinal de contas, que eu tive que, bem dizer, dá
o meu filho porque não tinha condições, né, de criar. E, depois eu casei de novo.
Fomos morar no Paraná. Lá também passei bastante trabalho.
P: Que cidade do Paraná?
DJ: Palmas. A gente trabalhava com um japonez. Passamos tanto trabalho que
quando eu vim embora tive que deixar a mudança tudo lá. Vim embora prá São
Joaquim. Fiquemo um tempo aí morando, de favor, né. Depois, voltemos prá
Canela. Voltei pr’ali. A gente passou trabalho também.
P: Canela, no Rio Grande do Sul?
DJ: É, no Rio Grande do Sul. E, sozinha, né, eu fiquei com as duas meninas. Daí
depois a gente veio prá Cambará do Sul (RS). Daí ali eu trabalhava numa fábrica
de papel e celulose. E foi lá, ficava cada vez mais difícil. Daí foi onde que eu... vou
mudar. Vou descer a serra. Quem sabe se a gente melhora, lá. E... vim prá cá. No
começo foi bem difícil também.
159
P: Faz quantos anos que você veio?
DJ: Faz oito anos.
P: Veio direto prá Criciúma?
DJ: Vim direto prá Criciúma. De Cambará eu vim direto. E, daí eu fui trabalhando.
Trabalhava em restaurante, né, à noite. As crianças ficavam sozinhas. Depois aqui
é muito difícil porque a gente não conhecia bem o lugar, né, e tinha medo. As
crianças ficavam traçadas dentro de casa. Daí foi indo, foi indo, eu fui pro cemitério
municipal. Daí ali faz cinco anos. Então, a partir dali que a minha vida foi
melhorando, né, daí com a ajuda dos meus patrões, né, foram me ajudando, meus
colegas de trabalho, os que trabalham nas funerárias também me ajudaram. E hoje
eu tenho o que eu tenho aqui.
P: Conseguiu...
DJ: Consegui com o meu trabalho.
P: Conseguiu fazer...
DJ: Foi... bem dizer sozinha, que seu só tinha a guria, né, que trabalhava comigo,
mas, estudando, né, as duas. A outra trabalhou um pouco, mais.. mais era prá ela.
Mas era a gente sozinha.
P: Lá no Paraná, você trabalhava com que?
DJ: Nóis trabalhava numa chácara de maçã.
P: Maçã?
DJ: É. Era bem no começo quando a gente foi prá lá. E ali a gente carpia, colhia...
P: Todo o serviço da lavoura.
DJ: Todo o serviço da lavoura. Dirigia trator, tudo. Fazia tudo, né, lá. Que eu tava...
de noite... fazia...
P: Fazia tudo o que era necessário. E em São Joaquim, quando você veio do
Paraná. Você trabalhava com o que?
DJ: Lá eu trabalhava de doméstica. Trabalhei bastante tempo de doméstica.
P: E depois em Canela?
DJ: Em Canela eu trabalhei numa fábrica de chocolate. Trabalhei em duas fábricas,
lá, de chocolate. Na Prawer e no Caracol.
P: Depois em Cambará?
DJ: Em Cambará eu trabalhei na fábrica de papel.
P: E aí aqui em Criciúma, num restaurante e...
DJ: E no cemitério. Ali, eu tou ali até agora.
P: Esta é a história em termos de trabalho.
160
DJ: De trabalho.
P: E o porque de vir aqui pro Renascer? A senhora... aqui em Criciúma, onde é que
a senhora morou?
DJ: Só aqui, eu vim direto prá cá.
P: Veio direto prá cá. Faz oito anos.
DJ: Oito anos. Quando eu vim eu morava nesta meia-aguinha ali atrás. Mas... ali
era difícil. Dava enchente, entrava água toda dentro de casa.
P: Aqui continua dando problema de enchente, não?
DJ: Continua. Agora esta última chuva que deu ainda encheu tudo, o valo aí.
P: Mas não chegou...
DJ: Não, não chegou ainda a entrar. Mas, cada vez que chove eu...
P: Dá medo.
DJ: É. Não é fácil.
P: Além da... Bom, antes de falar dos problemas. O que levou a senhora a escolher
o Renascer?
DJ: É porque aqui, quando eu vim prá cá daí eu já tinha uns parente meu aqui. Daí
eu vim através deles, né.
P: A senhora já veio mais ou menos...
DJ: É.
P: Em função deles.
DJ: Em função deles. Daí eles já moravam aqui, daí eles falaram que era, que aqui
era bom, né, que Criciúma, afinal era bom e eles tinham casa aqui. Daí eu vim prá
cá.
P: E esta fala dos seus parentes, de que Criciúma era boa, isso... o que a senhora
acha disso?
DJ: É eles falaram assim sobre a cidade, né, que tinha bastante emprego. O custo
de vida era bem melhor do que lá onde que a gente morava. Então, foi aí que eu
digo, acho que lá a gente vai se dar bem.
P: E isso foi verdadeiro prá senhora? A senhora conseguiu realmente isso?
DJ: Sim, em Criciúma sim. Ainda acho que de todos os lugares ainda...
P: È o melhor onde a senhora passou.
DJ: É.
P: A senhora me falou do problema da chuva aqui. Além deste problema da chuva,
que a gente sabe que incomoda, que deixa em pânico, principalmente quando é de
161
noite. Além deste, que outros problemas a senhora vê aqui no bairro? A senhora
mencionou alguma coisa da... sua filha, né.
DJ: É daquele outro assunto?
P: A senhora mencionou de eles ficarem em casa. Qual o maior medo da senhora
ou maiores medos da senhora aqui.
DJ: Os maiores medos é assim ó, é porque eu sei que em todo que é lugar tem,
mas aqui eu ainda acho que é pior. É assim ó, sobre o roubo. É muito assim ó, que
falta, a juventude de hoje em dia, né, ta brabo. Então é por pouca coisa eles entram
dentro de casa, né, eles roubam mesmo prá... prá venderem, né, a troco de nada. E
a gente tem medo mesmo, de deixar.
P: Então, principalmente seria a questão da violência...
DJ: É.
P: Gerada pelas drogas.
DJ: Se a gente... que nem nóis tamo aqui, não dá prá sair todos de casa. Alguém
tem que ficar em casa. Que aqui até, afinal, a gente já foi roubado. Já roubaram
aqui em casa. Então a gente tem medo. Então, e é seguido eles tão...
P: Como é que a senhora vê, como é que isso podia melhorar?
DJ: Ter mais policial na rua.
P: A senhora acha que falta segurança aqui, digamos, a presença da polícia.
DJ: Mais segurança da polícia, porque é muita, muita droga, que rola aqui, é
bastante. Tem bastante ponto de droga. E... eu sei que tem nos outros lugares, mas
eu acho que aqui ainda é o pior.
P: A senhora acha que aqui concentra?
DJ: Aqui a gente vê menores assim de sete, dez anos fumando assim na maior,
eles não escondem mais.
P: Prá senhora que mora aqui a tanto tempo, a senhora acha que teria alguma
outra forma de a gente modificar esta realidade?
DJ: Teria, que aqui é um lugar que aqui não tem um esporte, não tem nada. O
salão aí ó, é só mesmo prá esse homem, é só mesmo prá este tipo de coisa. Ainda
acho se tivesse um local onde tivesse assim um esporte prá eles, eu acho, uma
coisa assim prá eles se ocupar mais, eu acho que...
P: Uma área de lazer, onde eles pudessem ter uma atividade...
DJ: É, eu acho que melhorava bastante.
P: Então isto é uma coisa que falta no bairro?
DJ: Han, Han...que falta.
P: Em relação assim a... a ocupação da gurizada que ta por aí, falta ocupação prá
eles?
162
DJ: Falta, falta, porque aqui é que nem vê é o dia todo. É aquela... é bastante guri
de doze, de treze, de quinze, dezesseis anos na rua direto, eles não tem um, um
nada prá se ocupar. Então eu acho que se tivesse algum esporte, alguma coisa
assim prá eles fazer, eu acho que eles ia ocupar mais o tempo, eles...
P: Indo um pouquinho agora prá vida de vocês, né. O que a senhora acha que é
qualidade de vida? Ou como a senhora vê qualidade de vida prá senhora?
DJ: Eu acho assim que a pessoa prá ter uma qualidade boa de vida ele tem que... a
hora de fazer a comida, ter o que fazer, que aqui a gente vê e tem, até aqui em
casa às vezes aconteceu, já aconteceu muitas vezes. A gente tem carne, prá fazer
alguma coisa diferente, não tem. Eu acho que qualidade de vida é isso, a gente
comer um pouco melhor, se vestir melhor, dizer assim não, hoje eu vou pegar os
meus filhos, vou ir no centro, vou comer uma pizza, não pensar que amanhã vai
faltar prá comprar o leite, prá comprar o café. É isso, eu acho que a pessoa tinha
que ganhar um pouquinho melhor.
P: Então qualidade de vida prá senhora seria ter uma alimentação digna, ter a
possibilidade de ter um emprego e uma renda, vamos colocar assim, dignos, seria
isso.
DJ: É
P: Que mais entraria na ótica da senhora como qualidade de vida?
DJ: É a gente poder... pelo menos uma vez por mês poder sair, né, ter uma
carrinho, uma moto boa prá eles sair. E se o filho ficar doente dizer não, tem que
comprar o remédio, ter o dinheiro ali na mão e ir lá comprar o remédio. Ou a gente
tem que tá indo no posto, vai bate numa porta, não tem, bate na outra, não tem. E
isso aí é o que a gente, que eu acho difícil.
P: Por falar em saúde, como é que a senhora vê a saúde de vocês, aqui?
DJ: Olha, aqui é difícil, porque estes postos geralmente assim ó, a gente tem que ir
bem de manhã prá pegar a ficha. Se não pegar a ficha, não consulta. Não dão. Nóis
aqui ocupamos mais é o 24 horas. Mas mesmo assim é difícil porque a gente nunca
encontra o remédio. Às vezes a gente vai pr’um lado com a receita, vai prá outro.
Às vezes acaba ficando sem o remédio, porque, às vezes não tem como comprar e
não tem onde dá a receita.
P: E em relação assim, ao local aqui, a senhora acha que isso interfere na saúde de
vocês ou...
DJ: É, acho que sim.
P: Em que sentido?
DJ: É assim, é por causa de, principalmente voltando ao assunto do valo, né, daí
vem muito mosquito. Esse valo aí dá doença, sabe que dá. E... não é fácil.
P: Outro dia eu estive aqui e tinha mau-cheiro. O mau-cheiro incomoda vocês?
DJ: Incomoda. Quando dá essas chuvas assim ó, de verão, aí quando passa, que
esquenta o sol, é um cheiro insuportável. É bem ruim mesmo.
P: E isso atrapalha?
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DJ: Atrapalha.
P: Mas, apesar destes problemas, a senhora me falou, como é que a senhora se
sente aqui? Contando, levando em consideração a história de vida da senhora.
DJ: Eu ainda me sinto bem.
P: A senhora ainda é feliz aqui?
DJ: É sou feliz, por tudo o que eu já passei, né, nos outros lugares, eu ainda acho
que melhorou um pouco.
P: Aqui ainda é...é um lugar prá.
DJ: Um bom lugar.
P: Um bom lugar prá senhora. Então a senhora se sente feliz e gosta daqui?
DJ: Com tudo, ainda é bom.
P: Dona Juraci, mais alguma coisa que a senhora queira falar? Que a senhora
queira...
DJ: Acho que no momento... acho que é isso.
P: Esta casa aqui, a senhora deu prá ela a cara que a senhora queria?
DJ: Ainda não. Ainda falta bastante.
P: Mas a senhora me que tá...
DJ: Que tá melhorando, né. Depois o senhor dá uma olhadinha vê aonde que eu
morava. Vai ver: ela tem razão.
P: Então a senhora está fazendo disso aqui um lugarzinho especial prá senhora?
DJ: É, aqui eu pretendo ainda de deixar pra minha filha.
P: É que a gente trabalha com um conceito chamado apropriação. Então, quando
as pessoas se apropriam de algo, elas tentam transformar. E eu percebi que a
senhora... Por isso que eu fiz a pergunta. É que a senhora está dando uma cara
aqui, que é uma cara diferente daquilo que a gente normalmente encontra no
Renascer. Mais alguma coisa?
DJ: Não, eu acho que é...
P: Acha que está tranqüilo. Então ta, Dona Juraci, eu disse que era coisa rápida, eu
agradeço a senhora pela atenção.
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Anexo 7
Modelo da autorização que foi assinada pelos informantes da etapa 3 da
abordagem com a população, autorizando o uso e publicação das informações
relatadas na história de vida.
165
Criciúma, ____ de _____________ de 2004.
Autorização para uso e publicação de informações fornecidas em entrevista
Autorizo Pedro Rosso a usar e publicar as informações por mim fornecidas em
entrevista, gravada no dia ___/___/2003, em trabalhos de cunho acadêmico,
científico ou outros, assim como asseguro a veracidade das informações referidas,
concordando com o teor do texto transcrito da gravação, ora lidos para mim, desde
que minha identidade seja mantida em anonimato, podendo ser feito o uso de
pseudônimo.
__________________________________________
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Anexo 8
Laudos das análises microbiológica e físico-química da amostra coletada no
dia 12/01/2004.
Ponto de coleta P 01: no córrego que corta os bairros Renascer e São João, a
montante do Bairro São João, próximo a estrada de acesso à Vila São João.
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Anexo 9
Laudos das análises microbiológica e físico-química da amostra coletada no
dia 12/01/2004.
Ponto de coleta P 02: no córrego que corta os bairros Renascer e São João, à
jusante.
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Anexo 10
Laudos das análises microbiológica e físico-química da amostra coletada no
dia 12/01/2004.
Ponto de coleta P 02: água de consumo coletada em torneira ligada diretamente na
rede de distribuição, sem esterilização. O ponto P 03 é um domicílio da microarea
4.
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174
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