THE BEAUTIFUL PEOPLE: O ESPETÁCULO DO GROTESCO ATRAVÉS DO
VIDEOCLIPE
Orientando: Antonio Marcos da Silva Borges
Orientador: Dr. Wesley Pereira Grijó
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA
Antônio Marcos da Silva Borges
THE BEAUTIFUL PEOPLE: O ESPETÁCULO DO GROTESCO ATRAVÉS DO
VIDEOCLIPE
São Borja/RS
2015
2
ANTONIO MARCOS DA SILVA BORGES
THE BEAUTIFUL PEOPLE: O ESPETÁCULO DO GROTESCO ATRAVÉS DO
VIDEOCLIPE
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Curso de Relações
Públicas, Ênfase em Produção
Cultural, da Universidade Federal do
Pampa, como requisito parcial para
obtenção do Título de Bacharel em
Relações Públicas.
Orientador: Dr. Wesley Pereira Grijó
São Borja/RS
2015
3
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer primeiramente a Deus, por ter me concedido o suporte
espiritual necessário para conseguir seguir em frente com os meus objetivos,
no decorrer de todo o período acadêmico. Agradecer aos meus amigos e
familiares, que de maneira direta ou indiretamente sempre me estimularam a
continuar, mesmo com todas as dificuldades que no decorrer do curso, foram
aparecendo. Aos meus professores, que desde o início da jornada em 2011,
foram atenciosos e compreensivos ao entenderem várias situações que
aconteceram na minha graduação. Agradecer o meu professor orientador
Wesley Grijó, por ter sido paciente ao me orientar, e mesmo sem antes termos
trabalhado juntos, conseguiu entender e conduzir meu trabalho final da maneira
como eu havia planejado. E, é claro, a Martiele Prestes e Jorge Campos, que
me proporcionaram parceria, amizade, discussões e grandes momentos de
descontração e riso, vocês deixaram tudo mais divertido. O meu sincero
obrigado a todas as pessoas que participaram comigo de mais uma vitória em
minha vida.
4
RESUMO
Este trabalho tem como proposta abordar o papel da cultura da mídia
inserida numa sociedade do espetáculo para a criação de celebridades como
produto de consumo. Para melhor entender essa questão, toma-se como
objeto de análise a banda de Shock Horror, Marilyn Manson e busca-se
encontrar elementos de grotesco na carreira da banda a partir da Muniz Sodré
e Raquel Paiva (2003) e como a banda usa todos esses recursos para atrair o
público consumidor. Apoia-se ainda na obra Guy Debord (1967) criando um
diálogo junto Douglas Kellner (2001) para inserir o produto audiovisual nesse
contexto e como essa ferramenta é disponibilizada nos dias atuais, auxiliando e
influenciando na vida cotidiana. Os procedimentos metodológicos partem de
uma perspectiva qualitativa, utiliza-se as pesquisas bibliográfica e documental,
afim de analisar os videoclipes da banda e o que já foi publicado sobre a
temática. Assim, identifica-se como a banda Marilyn Manson usa a cultura
midiática, auxiliando na construção de sua identidade grotesca, abordando a
trajetória artística da banda, com foco principal no produto audiovisual The
Beautiful people.
Palavras-chave: Cultura da mídia; Marilyn Manson; Grotesco; Videoclipe.
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 7
2 VIDEOCLIPE: BREVE HISTÓRIA DO PRODUTO AUDIOVISUAL ............... 18
3 ESPETÁCULO MIDIÁTICO: O GROTESCO EM MARILYN MANSON ....... 25
3.1 A metodologia para o estudo do grotesco nos videoclipes......................... 27
3.2 O grotesco na banda Marilyn Manson ........................................................ 29
3.2.1 Portrait of an American Family (Era 1990-1995) ..................................... 31
3.2.2 Smells Like Children (Era 1995-1996) ..................................................... 37
3.2.3 Nasce o Antichrist Superstar (Era 1997) ................................................. 40
3.2.4 The Beautiful People – O grotesco crítico ............................................... 43
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 61
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 64
6
INTRODUÇÃO
Escolhemos fazer esta pesquisa a partir da temática do grotesco quando
inserida nos produtos audiovisuais, com foco no trabalho e na carreira da
banda Marilyn Manson até o álbum Antichrist Superstar (1997), onde ela
alcança o ápice de sua popularidade. Assim, queremos compreender com
clareza como o grupo usa essa ferramenta estrategicamente, atraindo o público
e estimulando a construção de identidade do consumidor, e como no decorrer
da carreira usa simbologias e imagens chocantes, criando identidade e se
diferenciando no mundo da indústria fonográfica. A proposta da pesquisa é de
cunho intelectual, decorrente do desejo de conhecer mais profundamente o
assunto abordado, usaremos o conhecimento já obtido sobre o assunto
pesquisado para estimular a curiosidade e a criatividade na produção
acadêmica.
Nossos procedimentos metodológicos partem de uma perspectiva
qualitativa, que hoje em dia ocupa um reconhecido lugar entre as várias
possibilidades de se estudar os fenômenos que envolvem a sociedade e as
relações sociais estabelecidas em diversos ambientes. Entende-se que nos
procedimentos metodológicos: “(...) inclui simultaneamente a teoria da
abordagem
(método),
e
os
procedimentos
de
operacionalização
do
conhecimento (as técnicas) e a criatividade do pesquisador (sua experiência,
sua capacidade pessoal e sua sensibilidade)” (MINAYO, 2007, p.14). Ou seja,
a coleta de dados produz textos que nas diferentes técnicas analíticas são
interpretados
uniformemente.
Utilizamos
as
pesquisas
bibliográfica
e
documental, afim de analisar material publicado que ainda não receberam um
tratamento analítico com vista a uma interpretação nova ou complementar do
conteúdo. Para Gil (2007, p. 44), os exemplos característicos sobre a pesquisa
bibliográfica são sobre investigações, sobre ideologias ou aqueles que se
propõem à análise das diversas posições acerca de um problema.
A pesquisa bibliográfica foi feita a partir do levantamento de referências
teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como
livros, artigos científicos, páginas de web sites. Qualquer trabalho cientifico
inicia-se por uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer
o que já se estudou sobre o assunto. Existem porém, pesquisas cientificas que
7
se baseia unicamente na pesquisa bibliográfica, procurando referencias
teóricas publicadas com o objetivo de recolher informações ou conhecimentos
prévios sobre o problema a respeito do qual procura resposta. (FONSECA,
2002, p.32)
A partir de uma pesquisa inicial exploratória em textos acadêmicos na
área, constatamos que há pouco material publicado com a temática do
grotesco e a produção audiovisual (videoclipe), o que nos impulsionou a
explorar essa ferramenta midiática e como ela teve sua evolução,
transformando-se em uma estratégia de divulgação e promoção de artistas do
meio musical e das artes em geral. Assim, a pesquisa busca entender como
um gênero/estilo, inserido na mídia de massa, pode auxiliar na construção de
identidade e da diferença. Esse estudo se torna importante para refletir sobre
como a relação entre música e videoclipe ocorre atualmente, em sites,
emissoras de televisão, canais específicos de compartilhamento de vídeos, e
como o público se identifica com o artista, passando a “copiá-lo” construindo
sua identidade, ao mesmo tempo em que busca a sua diferença. Devido ao
pouco material publicado sobre a temática do grotesco inserido em produtos
audiovisuais, esta pesquisa para o meio acadêmico terá boa relevância para os
estudos voltados ao grotesco e a cultura da mídia, podendo assim, auxiliar em
questões em que ambas teorias se encaixam, em uma visão diferente das já
abordadas.
Com isso, este trabalho tem como proposta, abordar o papel da cultura
da mídia na “criação de celebridades como produto de consumo, partindo da
ideia de que uma celebridade é uma construção midiática inserida na indústria
do entretenimento” (MATTA, 2009, p. 1). Para melhor entender essa questão,
usaremos como referência, a banda de Shock Horror, Marilyn Manson, que
ganhou notoriedade na indústria fonográfica pelo uso da estética grotesca em
seu contexto artístico, e a maneira que o grupo usa o produto audiovisual
(videoclipe) para se promover e atrair o público, intermediando uma construção
de identidade, influenciando o comportamento e o perfil desse público,
promovendo o surgimento de tribos urbanas, onde cada indivíduo mesmo na
coletividade social, procura integrar-se e distinguir-se, numa relação de
identidade e diferença.
8
Para esse estudo, usaremos como objeto empírico, a forma como a
banda Marilyn Manson utiliza o produto audiovisual (videoclipe) para se inserir
no mercado fonográfico, se destacando pela performance de “circo dos
horrores”, maquiagem pesada no rosto e o uso de vestuário feminino nos
integrantes da banda, criando uma dualidade a partir do “feio” e o “belo”. Nesse
sentido, nossa observação enfoca principalmente o videoclipe The Beautiful
People, pois consideramos que ele melhor contextualiza nossa proposta, nos
auxiliando a dialogar como o audiovisual ganha notoriedade na indústria
cultural1 e se insere na mídia de massa.
Para contemplar nossa proposta de pesquisa, o marco teórico é alinhado
epistemologicamente à visão de Guy Debord, em A Sociedade do Espetáculo
(1967), que define o espetáculo na sociedade capitalista contemporânea,
estimulando o consumo, produção e exibição de mercadorias, e quais efeitos
atingem os sujeitos. Partindo das reflexões filosóficas de Debord, formularemos
um diálogo com as teorias de Douglas Kellner que explica a Cultura da Mídia
(2001), e como os meios de comunicação são utilizados por essa sociedade de
espetáculo,
moldando
a
vida
cotidiana,
alterando
comportamentos
e
proporcionando novas maneiras de identificação. E o belo e o bom combinam
eticamente, transformando-se em ideal de vida (ibidem, p. 18), Sodré e Paiva
ainda nos explicam que para Platão, o belo seria da origem da simetria ou
proporção algo supra sensível, do qual dependem das coisas empíricas para
serem belas, e que para Aristóteles, seria o belo, a qualidade positiva das
coisas, em termos morais sociais e perceptivos (ibidem, p. 18)
Em contra partida, os autores explicam o gênero feio, que é
tradicionalmente identificado como “mau”, exemplificam citando que o objeto
pode causa repulsa e estranhamento ao primeiro momento, mas que não
necessariamente seja feio. Um bom exemplo está nos perfis desenhados por
Leonardo Da Vinci (Esboços Fisiognômicos), em que a presença de distorções
expressivas – faces humanas com aparência de macaco, leão e águia – é
capaz de provocar efeitos de antagonismo no contemplador, apesar disso, este
1
Indústria cultural, foi termo concebido pelos teóricos da escola de Frankfurt, mesmo nossa
proposta de trabalho não seguir a linha Frankfurtiana, se faz necessário entendermos. A
indústria cultural, segundo Adorno e Horkheimer consiste em “moldar” toda a produção artística
e cultural, de modo que elas assumam os padrões comerciais e que possam ser facilmente
reproduzidas. (COSTA, 2003, pag. 3)
9
poderá encontrar beleza na sua força de expressão, na plenitude vital que
neles se manifesta (ibidem, p. 19).
Com efeito, não se trata ai do mero feio, mas do grotesco, um tipo de
criação que as vezes se confunde com as manifestações fantasiosas
da imaginação e que quase sempre nos faz rir. É algo que se tem
feito presente na Antiguidade e nos tempos modernos. (SODRÉ;
PAIVA, 2002, p. 19).
Ao analisar o trabalho e carreira da banda Marilyn Manson, iremos
encontrar e os gêneros e espécies, citados por Sodré e Paiva (2002) e abordar
como Manson se apropria o grotesco representado e atuado, e as espécies
escatológicas e teratológicas em sua obra audiovisual, “o grotesco funciona por
catástrofe, não a mesma dos fenômenos matematicamente ditos como
“caóticos” ou da geometria fractal, que implica irregularidade de formas, mas
dentro dos padrões de uma previsível. Trata-se de uma mutação brusca, da
quebra insólita de uma forma canônica, de uma deformação inesperada”
(ibidem, p. 25)
No capítulo 1, enfocamos na relação entre cultura midiática e o
espetáculo do grotesco a partir da indústria contemporânea do entretenimento.
No capítulo 2, abordamos como o gênero nasceu, e foi ganhando
espaço, se moldando no decorrer dos anos e da necessidade do público por
novas opções de entretenimento. Passando pelos musicais dos anos 50,
criação da emissora MTV, e sobre como o Youtube que se tornou o site com
maior visualização de videoclipes na atualidade. Como o produto audiovisual
teve sua evolução, se tornando também, uma ferramenta midiática de
promoção e divulgação de artistas, não apenas do mundo fonográfico, mas
também das artes em geral.
No capítulo 3, analisamos como a banda Marilyn Manson tem seu início
no final dos anos 1980 e como a banda chama a atenção do cenário musical
local por suas apresentações e por seu contexto. Na Era Portrait of na
American Family, onde o grupo começa a dar os primeiros passos para definir
sua identidade, com um álbum cheio de letras críticas a sociedade. Em Smells
Like Children, a banda começa a investir mais em seu visual gótico grotesco,
ganhando atenção da mídia ao lançar o que seria seu maior hit, Sweet Dreams
(are made of this), apresentando a banda num manicômio abandonado com
10
maquiagens horrendas e personagens bizarros. Marilyn Manson começa a se
apropriar do grotesco, se diferenciando dos artistas do mundo fonográfico, mas
é no capítulo Nasce o Antichrist Superstar Que Manson nasce para o mundo,
com um visual totalmente grotesco, letras ácidas a cultura superficial
americana e um álbum conceitual e pesado, o mais intenso até então na
carreira da banda. The Beautiful People – o grotesco crítico, é o foco principal
desse trabalho, nesse sub capitulo, abordamos o produto audiovisual mais
denso da carreira de Manson, o trabalho que lançou a banda ao mainstream,
onde achamos e nos apoiamos em referências da obra O império do grotesco
(2002) para identificar os gêneros e espécies dentro do videoclipe.
Analisamos como o trabalho da banda se insere na obra de Debord
(1967) e como Manson usa o espetáculo como mercadoria dentro do mercado
fonográfico, nos apoiaremos na Cultura da Mídia (KELLNER, 2001), para
dialogar sobre como o produto audiovisual se torna uma ferramenta midiática
na promoção e divulgação das bandas, com ênfase no clipe The Beautiful
People. A partir de Silva (2000) dialogamos como Marilyn Manson cria sua
identidade
grotesca,
se
diferenciando
dentro
do concorrido
mercado
fonográfico mundial, e influenciando grupos distintos e tribos urbanas.
11
1 O ESPETACULO DO GROTESCO NA CULTURA DA MÍDIA
Dentro da perspectiva do produto audiovisual estar inserido na cultura
midiática, fruto de uma sociedade do espetáculo que tem na imagem, sua
mercadoria, podemos citar dentro dessa perspectiva, o grotesco como gênero
a ser analisado. Para tal fim, buscamos maior compreensão na obra O império
do grotesco (SODRÉ; PAIVA, 2002).
Sodré e Paiva nos explicam.
Gosto em Kant, é conceito de sentido muito amplo, que designa a
disposição para uma atitude estética. Em sentido mais restrito e mais
formal-funcional, essa disposição capacita o indivíduo a desfrutar de
uma obra-de-arte e atribuir-lhe valor por meio de juízos, que
costumam girar em torno da beleza do objeto contemplado. (SODRÉ;
PAIVA, 2002, pag. 17).
Para os autores, na verdade, havia diferentes tipos de beleza:
 To Kalon - que seria a beleza estética, harmoniosa e decorativa e;
 To Prépon – que seria o belo efetivo, ligado a um saber e um poder
persuasivos, práticos.
Para Debord (1967), a sociedade é constituída de espetáculos, um
conceito que descreve a mídia e consumo, que abrange imagens, mercadorias
e eventos culturais. Incluindo o videoclipe nesse discussão, sabemos que este
produto audiovisual está incluso em diferentes meios de comunicação, com
canais de televisão e programação pensada estrategicamente para promoção e
divulgação de videoclipes, MTV2, Multishow3, VH14, e com a velocidade de
informações na internet, que variam de canais de vídeo a compartilhamento em
postagens nas redes sociais, a chamada mídia de massa. Dessa forma, o
espetáculo tornou-se um dos principais alicerces para a economia, política,
sociedade e na vida cotidiana.
Trazendo o produto audiovisual para o espetáculo, é possível notar a
constante evolução na vinculação de clipes, e como gêneros distintos se
destacam na indústria. Desta forma, destacaremos como proposta de estudo,
uma abordagem de produções que, à primeira vista, são diferentes da estética
“padrão” do videoclipe. A banda Marilyn Manson está inclusa nesse modelo
2
Canal de televisão a cabo e satélite Norte Americano, dedicado a exibição de videoclipes,
criado em 1981
3
Canal de televisão por assinatura da operadora brasileira Globosat, criado em 1991
4
Canal de televisão por assinatura americano, criado em 1985
12
diferenciado de produzir. Com maquiagem horrenda, automutilação e
simulação de sexo ao vivo no palco, entre outras aberrações, que,
hipoteticamente, contribuem para a identificação do grotesco na proposta da
banda.
Observamos também esse fenômeno a partir da ideia de grotesco de
Muniz Sodré e Raquel Paiva (2002) em inúmeras performances na obra da
banda; aqui, ele é interpretado como tudo que foge do convencional social, é
algo que a primeira vista causa estranhamento, mas não se julga
necessariamente feio, porém em muitas vezes é. Na trajetória da banda
Marilyn Manson, podemos identificar várias referências que remetem ao
grotesco em seus clipes, visto que criam identidade, um mundo sombrio,
desafiam a estética social considerada “normal”, causando impacto e a
sensação de desconforto ao olhar pela primeira vez uma imagem ou um vídeo
do grupo.
Essa estética grotesca é difundida nos meios de comunicação, pela sua
excentricidade, ganhando espaço na indústria cultural, é nesse ponto que
criamos um diálogo com Douglas Kellner (2001), que pensa que a cultura
vinculada pela mídia fornece material para a construção de identidades,
inserindo indivíduos na sociedade contemporânea. Essa cultura midiática é
construída e difundida pelos meios de comunicação como rádio, cinema,
televisão, imprensa (jornais e revistas), e recentemente a internet, inserindo-se
na chamada "civilização das imagens" (JOLY, 2006). Assim, estudamos a
cultura vinculada pela mídia, permeada sons, imagens e espetáculos,
especificamente por meio de um produto audiovisual.
A característica grotesca que a banda vende em suas imagens, acaba
auxiliando
o
público
consumidor
a
construir
a
sua
identidade,
consequentemente criando diferença. Partindo da arte que Marilyn Manson
vende, encontramos na obra Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos
culturais (SILVA, 2000), um auxílio para nosso estudo para entendermos como
o artista promove sua imagem por meio dos videoclipes, e como ao consumir o
público se identifica e constrói uma identidade. Para Wooward (2000), a
identidade é marcada diretamente pela diferença, pela simbologia e pelo social.
A autora aponta dois tipos de identidades: a essencialista – concebe a
identidade como algo homogêneo (geralmente ligado a etnia, nacionalidade ou
13
questões biológicas) partilhado por todos do grupo e não sofrendo alterações –
e a não essencialista – que trata a identidade como processo, sofrendo
alterações e ligada diretamente a diferença.
Ao abordarmos diversas teorias, podemos constatar o pouco material
publicado com a temática grotesca inserida no contexto do videoclipe, o que
nos estimulou e se tornou fator determinante para a realização desse estudo.
No artigo “Breve história do videoclipe”, Laura Josiani Andrade Corrêa (2007)
faz uma introdução à história do videoclipe: no seu início na década de 1950,
com filmes e documentários musicais; na década de 80, com a criação da MTV
(Music Television); e como o videoclipe se tornou a principal ferramenta de
promoção de músicos para divulgação dos álbuns, sua evolução diante de
novos meios de comunicação e a maneira utilizada como ferramenta midiática
pelos artistas, produtores e gravadoras nos dias atuais.
A partir dos anos 2000, há uma grande mudança no cenário mundial, no
que diz respeito a uma nova cultura do espetáculo, que implica diretamente
numa nova configuração de economia, na sociedade na política e no cotidiano,
envolve nova cultura e modo de interação social. Isso acaba produzindo uma
nova cultura de espetáculo, com megaespectáculos e espetáculos interativos
fica muito evidente dentro do novo milênio, construindo assim uma espécie de
cultura global.
Nas últimas décadas, houve uma grande multiplicação dos espetáculos,
o entretenimento sempre foi um dos principais campos para o espetáculo;
assim, estudaremos esse fenômeno com foco nos produtos audiovisuais
produzidos pela banda Marilyn Manson, e como a realização de videoclipes se
insere dentro da “Sociedade do espetáculo (DEBORD, 1967)”, dentro de uma
sociedade baseada em consumo de imagens.
A noção de Sociedade do Espetáculo, difundida por Debord (1967) foi
muito vinculado aos meios de comunicação e utilizado como marco teórico em
pesquisas acadêmicas e culturais. Para nossa proposta, iremos contextualizar
a Sociedade do espetáculo e como a mídia e a sociedade de consumo
descritas por Debord são inseridas nos meios de comunicação atuais,
introduzindo o debate com foco principal no videoclipe The Beautiful People, da
banda Marilyn Manson.
14
O entretenimento popular há muito tempo vem sendo modificado
conforme novos meios de comunicação e novas tecnologias estão avançando
e sendo apresentadas ao mercado, e a velocidade de informação nos novos
meios acelerando a propagação de espetáculos midiáticos. Contemplando a
sociedade contemporânea, Debord (1967) define uma sociedade de consumo,
moldada pelo espetáculo. Assim, a sociedade se torna de consumo,
organizada na produção e circulação de imagens, os eventos culturais, os
grandes acontecimentos políticos, as inúmeras guerras e a indústria da música
e televisão se tornam mercadorias dentro do que ele descreve como
espetáculo. Para entender o conceito de Debord, buscamos relacionar como o
produto audiovisual (videoclipe) se insere na indústria cultural e se tornou um
produto de consumo. Com as apresentações musicais cada vez mais
espetaculares, artistas utilizam as ferramentas da comunicação para expandir
suas imagens na cultura do espetáculo.
Para compreender a relação da banda Marilyn Manson com à sociedade
do espetáculo e à cultura da mídia, recorremos a um diálogo com os estudos
de Kellner (2001). Ao estudar o fenômeno Madonna5, o pesquisador aborda
como uma artista da música pop se destaca e como ele mesmo explica: “está
situada no olho de um furação de controvérsias” (KELLNER, 2001, p. 335). Ele
aponta como a cantora consegue produzir legiões de fãs e admiradores no
decorrer dos anos de sua carreira e como ela se “transforma” se adaptando as
novas tendências de mercado musical. Esse trabalho de Kellner nos auxilia a
melhor compreender como um artista do mundo musical com sua obra e
popularidade atrai o público.
Nas últimas décadas, a maneira como vemos e ouvimos música vem se
modificando, novos artistas todos os dias são apresentados aos espectadores,
alguns permanecem até os dias atuais, outros se tornam apenas viroses na
“moda”, novas tendências, novos estilos, novas bandas e novas propostas
musicais são apresentadas diariamente. E dentre alguns que permanecem na
vasta lista da indústria fonográfica, Marilyn Manson ainda exerce influência
dentro do universo Rock, alvo de elogios e críticas diante do público, gira em
torno de polêmicas e escândalos, perseguido por grupos religiosos que tentam
5
Madonna Louise Ciccone, 1958, é uma cantora, compositora, atriz, dançarina, empresária e
produtora musical norte americana.
15
proibir a exibição de seus shows nas cidades que fazem parte da sua turnê,
aclamado pelo público, em sua maioria adolescentes que se identificam com as
letras, com o visual horror gótico ou com a ideologia com que a banda ganhou
fama ao vender.
O Reverendo Manson, como gosta de ser chamado, é uma máquina de
marketing, além de músico, Marilyn Manson também é pintor, e flerta com o
cinema, fez participações em filmes “B” pouco conhecidos. Idolatrado por fãs,
Manson ganha uma pequena gama de admiradores que o seguem, imitando
sua imagem, estilo e identidade. Para os conservadores, ele é a representação
do que a sociedade tem de pior, perturbador, com sua mensagem anti religião,
afronta igreja e governo, com palavras de ordem e ódio.
No mundo globalizado e com a velocidade da informação em tempo real,
a mídia está inserida culturalmente na vida cotidiana da sociedade, nos meios
de comunicação (revistas, jornais, rádio, televisão, imprensa, na internet e nas
chamadas novas mídias), nos espetáculos que ela proporciona são atrativos e
sedutores, de maneira que o indivíduo a utiliza imperceptivelmente, de uma
forma quase mecânica, sem perceber que a está usando. Ao ouvir rádio, olhar
um programa de televisão preferido, ao assistir a um filme no cinema, ou até
mesmo ao “curtir” postagens nas redes sociais, tudo está ali, no dia a dia de
cada pessoa, o videoclipe se insere nesse cotidiano também, vinculado em
canais específicos de televisão e na internet.
Sendo assim, Kellner também aborda que a mídia “(...) molda a vida
diária, influenciando o modo como às pessoas pensam e se comportam como
se veem e veem os outros e como constroem sua própria identidade”
(KELLNER, 2001, p.10). Ao usufruir dos meios de comunicação, cada
indivíduo, na visão de Kellner, tem seu tempo de lazer dominado pelas mídias,
que fornecem padrões estéticos, senso de bom ou mau e apresentam modelos
daquilo que seria ser homem ou mulher, forte ou fraco, bem sucedido ou
fracassado. Essa cultura veiculada pela mídia, expõe material a ponto de criar
identidade para que o indivíduo consiga se inserir na sociedade, produzindo
uma nova forma de globalização da cultura.
A partir da obra de Kellner, buscamos elementos de como a banda
Marilyn Manson constrói sua identidade a partir das imagens que produzem,
iremos analisar a carreira e como o grupo se destacou no mercado da indústria
16
musical com o produto audiovisual que criaram, o início em 1989, a ascensão
com o lançamento de um álbum polêmico e repleto de simbologias o qual os
inseriu dentro do mercado competitivo da música, e os graves problemas com
a censura e acusações de que o grupo induziria com sua arte, a violência.
Atualmente, nossa sociedade cria novos espaços para consumidores,
tornando o consumo algo padronizado que é moldado na relação entre os
indivíduos. Os consumidores estão mais interessados no significado que um
determinado produto possa ter do que a funcionalidade da própria mercadoria.
A sociedade pós-moderna é uma sociedade de consumo, onde cada indivíduo
é visto como consumidor. Por isso, nosso estudo, visa entender o conteúdo
desses videoclipes e as questões presentes nessas imagens e como podem
ser usadas para produzir sentidos a serem assimilados posteriormente pelo
público/fã.
17
2 VIDEOCLIPE: BREVE HISTÓRIA DO PRODUTO AUDIOVISUAL
Para melhor compreensão do nosso trabalho, há a necessidade de
explanar uma breve história sobre o videoclipe, como que ele surge e como se
torna uma das ferramentas midiáticas de maior importância para promoção e
divulgação de produtos musicais criados por artistas, sejam do mercado
fonográfico, bem como das artes como um todo; sua evolução: da exibição em
programas televisivos, até a criação de uma emissora especifica para sua
divulgação, passando atração televisiva à canais de compartilhamento online.
Porém, nossa análise foge à tentativa de classificação do videoclipe em gênero
e subgêneros, por ser uma área própria para experimentações, tarefa essa
torna-se difícil, quando não insuficiente.
Quando nos remetemos ao videoclipe, estamos tratando de um
conjunto de fenômenos de criação nos meios de comunicação de
massa angariados na ideia do hibridismo. Como gênero televisual pós
moderno que é, o videoclipe agrega conceitos que regem a teoria do
cinema, abordagens da própria natureza televisiva, ecos da retórica
publicitária e dos sistemas de consumo da música popular massiva
(SOARES, 2004, p. 01).
Segundo o teórico do cinema Noel Burch (2008), afirma que durante a
evolução do cinema, produtores sentem a necessidade de acompanhamento
sonoro no filmes da época, por que o silêncio junto as imagens deixava um
certo desconforto no espectador de maneira a quase se tornar insuportável,
pesquisadores tentaram suas primeiras tentativas em meados de 1877 com a
criação do fonografo, que não funcionou de maneira satisfatória. Entre os anos
1900 à 1913 houve um consenso de que música seria o acompanhamento
ideal para o frenesi das imagens. Em 1920 os mega estúdios da Warner
Brothers e Fox Film Corporation, apresentam aparelhos que conseguiam
sincronizar imagem e som, e em 1927 sai o primeiro filme “cantado” no mundo
da sétima arte, O cantor de jazz, com Al Jolson. Nos anos de 1940 os estúdios
Disney produzem o desenho animado Fantasia, o qual foi o mais próximo de
imagem e música que até então haviam chegado.
Na apresentação do trabalho sobre a Breve história do videoclipe,
encontramos informações que a partir da década de 1950, as produções do
cinema e da televisão foram marcados com inúmeros filmes e programas
18
musicais, rendendo lucratividade para o mercado fonográfico, na Inglaterra é
lançado um programa chamando “6’5 Special”, exclusivo para musicais. Nessa
mesma época há o surgimento do ícone da indústria musical até os dias atuais,
o Rei do Rock, Elvis Presley, que lança vários musicais, entre um dos mais
famosos, Love me tender, de 1956, e outros vários trabalhos populares na
década, incluindo um documentário em 1972 sobre seus shows.
O ano de 1964 foi marcado com o lançamento do filme A Hard Day’
Night, da banda The Beatles. Além do filme, a banda gravava inúmeros vídeos,
que se classificavam de “promo”, da abreviação de promocional, devido à
grande popularidade do grupo e da necessidade de estarem em vários
programas ao mesmo tempo, eram feitas essas filmagens para que houvesse a
possibilidade de apresentação em vários canais simultaneamente, sendo
assim, o videoclipe começa a ganhar espaço na televisão e cinema, dando
seus primeiros passos.
Ainda na década de 1970, a banda Queen lança o que estudiosos dizem
ser o primeiro videoclipe lançado intencionalmente, Bohemian Rhapsody,
produzido com intenção de divulgação do disco da banda, seguindo o novo
conceito do que seria o produto audiovisual, conceito esse alcançado com
sucesso, pois com a frequente exibição da banda nos programas de televisão,
fez com que o disco chegasse ao topo das vendas. No Brasil a exibição do
primeiro videoclipe ocorreu em 1975, no programa Fantástico da Rede Globo, a
canção se chamava América do Sul, interpretada por Ney Matogrosso. Nesse
período, houve grandes lançamentos no cinema voltados a musicais de grande
sucesso, Os embalos de sábado à noite, 1977, Abba – O filme, 1977 e Grease,
nos tempos da brilhantina de 1978, e no Brasil, programas de televisão são
marcados por videoclipes, FM-TV (extinta Rede Manchete), Videograma
(Record) e Clip Clip no programa do Fantástico (Globo).
Foram muitos os filmes musicais e os programas televisivos que exibiam
semanalmente documentários sobre música, mas foi durante a década de 1980
que a maneira de consumir a música começa a ser diferenciada, transformada
pelo videocassete e pelo videoclipe. A partir dessa nova empreitada, os clipes
são inseridos na indústria fonográfica e audiovisual. A criação da MTV (Music
Television), no ano de 1981, foi de relevante importância para o cenário.
Emissora de TV exclusiva para exibição, promoção e divulgação de
19
videoclipes, primeiramente era canal a cabo, depois canal aberto. Partindo da
mudança na maneira de se ouvir música e diversidade de gêneros e estilos,
houve a necessidade de criar um canal especifico para exibição dos clipes, e
isso mudou o cenário da indústria fonográfica, a partir dessa nova ferramenta e
dessa nova realidade ao consumir música através da imagem, artistas como
Marilyn Manson começam a utilizar os clipes para divulgação de seus
trabalhos.
A partir dos anos 1980, o videoclipe ganha notoriedade e a expressão
começa a ser popularizada. A palavra “clipe” surge de clipping, um recorte, que
possivelmente se refere a técnica midiática de recortar imagens e fazer
colagens, que com as adaptações e necessidades, acaba ganhando a forma
de narrativa em movimento com o vídeo, esse produto audiovisual surge na
forma de pacote vendável completo, onde encontramos a possibilidade de
vender não somente a música, mas também agregado a ela, a imagem do
artista,
sendo
vastamente
usada
como
ferramenta
de
forte
apelo
mercadológico. Em seu início, era produzido de forma para que se tornasse
rápido
e
instantâneo,
geralmente
com
prazo
de
validade,
utilizado
exclusivamente apenas para divulgação musical, para sua produção. Não havia
uma preocupação para que na sua narrativa houvesse uma história linear com
início meio e fim; em sua grande maioria, eram apenas imagens frenéticas que
pudessem ser usadas para vender o produto, nesse caso, a música, podendo
ser utilizado para ditar tendências e moda.
O videoteipe é outra coisa. Uma das razões é que a indústria se
desenvolveu de forma sinuosa, sem sempre seguindo as predições e
receita dos fabricantes e publicitários, as pessoas ficam surpresas
com o que ele é capaz por que não foram avisadas. Além disso, as
pessoas geralmente adquirem um senso imediato do surpreendente
potencial do vídeo – não vai demorar muito tempo para vermos que
sua evolução pode, literalmente mudar o mundo (MURRAY, 1975, p.
8-9)
Por ter essa liberdade, o roteiro é outro aspecto técnico que pode variar
bastante nos clipes. Por exemplo, a narrativa não é item obrigatório em um
videoclipe, ele pode contar a história da música, seguindo e dando sentido a
parte literal, como pode inserir novos elementos e conceitos não relacionados à
letra, podendo também ser totalmente contrária a ela. Com todos os recursos
20
citados, ainda tem o desempenho dos músicos, seja com coreografia, muito
utilizada no universo pop; ou em bandas de Heavy Metal, que se apropriam de
um visual mais denso, usando maquiagem, tachas e sangue artificial, com
intuito de chocar o telespectador, fazendo referências aos primórdios do
videoclipe. E, em meio ao tudo isso, é claro, também há a possibilidade de não
utilizar nenhum desses elementos e flertar com a experimentação, já que esse
gênero audiovisual permite inventividade, criatividade e uso abusivo de
imaginação.
John Lack, considerado um dos principais idealizadores da MTV,
afirma que considerou que a MTV representaria uma oportunidade
para artistas e gravadoras, anunciantes e a própria TV a cabo. Além
disso, a MTV seria uma emissora que não demandaria grandes
custos, visto que os videoclipes seriam fornecidos pelas gravadoras
que se beneficiariam do marketing que naturalmente o videoclipe
representaria (HOLZBACH, 2012, p. 269-270)
Esse produto audiovisual obteve uma crescente importância, não só
para artistas do meio musical:
A MTV levou para a televisão características do rádio, transmitindo
na TV a cabo lógica baseada na programação dos rádios FM: música
(no caso da emissora de televisão, o videoclipe) intercalada com
spots publicitários que na maioria das vezes eram da própria
emissora” (BELO, 2014, p. 2)
Além disso, o videoclipe é influenciado também pelas as artes como um
todo, pois flerta com as artes plásticas e as artes cênicas.
Ao lançar um álbum, além da música de trabalho e do single, era
necessário também pensar na parte “visual” das canções. A televisão,
principalmente a MTV, foi a grande articuladora do videoclipe no
cenário da indústria cultural durante décadas de 1980 e 1990
(HOLZBACH, 2009, pág. 51).
Com a criação da MTV (Music Television)6, emissora de televisão
dedicada apenas à divulgação de produtos audiovisuais, o videoclipe ganha
maior espaço nas mídias televisivas, e assim, produtores, diretores e músicos
6
Fundada em 1981 como um canal a cabo norte americano, a MTV é hoje considerada a maior
rede de televisão do mundo. Dados do Ibope de 2000 revelavam que o canal que atua no
Brasil desde 1990, atinge cerca de 3.5 milhões de pessoas no pais, na faixa etária de 15 a 29
anos (FRIDMAN, 2001).
21
passam a ter maior preocupação na produção e qualidade do produto,
investindo em novas maneiras e técnicas para a criação do clipe, tornando o
videoclipe uma peça principal na divulgação dos trabalhos de músicos, que o
usam como vídeos “promo” (abreviação de “promocional”) para apresentar
teasers das faixas do disco, ou como músicas de trabalho, apresentando
canções escolhidas para divulgar o lançamento do álbum.
Não há como negar a importância de uma emissora como a MTV
(Music Televison) muito menos o gênero de produto por ela
veiculado, o videoclipe, concebido, a grosso modo, como uma forma
de apresentação da canção traduzida em sinais audiovisuais
eletrônicos para ser consumida dentro da estrutura mercadológica da
música pop. Sua origem não escondem uma das funções básicas que
exerce no mercado musical até hoje: um meio de divulgação da
canção desenvolvido pela indústria fonográfica que alia a imagem aos
textos poéticos e sonoro da canção numa estrutura de linguagem,
visando aproximar-se do consumidor cultural de maneira paralela e
suplementar ao disco e a fita cassete, formas mercantis típicas nesse
mercado (GOODWIN, 1993, p. 24)
Pensando nessa estratégia comunicacional, muitos empresários e
indústria do entretenimento investem valores altos e criatividade na produção
de seus videoclipes, criando identidade e características próprias, como forma
de se destacar na indústria da música. Por isso, como objeto de estudo,
delimitamos uma das bandas mais controversas já lançadas no mainstrem para
averiguar como ela se apropria dessa ferramenta para fazer suas críticas e
polêmicas, analisando em especial, o impacto que o videoclipe The Beautiful
People causou na indústria da música e se tornou um divisor de águas na
carreira da banda.
O videoclipe assume, então, um lugar evidenciador de suas lógicas
produtivas da mídia: a música popular massiva e a televisão. Dos
sistemas da música popular massiva, estabelece a ligação entre
artistas, diretores de audiovisuais e diretores de arte e de marketing
da indústria fonográfica com a finalidade de se configurar como objeto
de divulgação de uma faixa musical. Determina a compreensão do
lugar do artista na indústria fonográfica para a ingerência deste na
dinâmica produtiva do clipe, acarretando assim, na configuração dos
produtos em circulação (SOARES, 2007, p. 2)
Dentro da perspectiva mercadológica, Marilyn Manson se sobrepõe
diante de artistas musicais pelo seu apelo visual nomeado de grotesco. Hoje
em dia, o grotesco está inserido não apenas nas artes, mas na sociedade, ele
22
é caracterizado pela possibilidade de um mundo de seres humanos e seres
não humanos deformados, inseridos num mundo de fantasias, normalmente o
grotesco está ligado diretamente ao choque, sendo esse, um dos efeitos
criados pelo gênero. Torna-se importante entender compreender como era
expressado o grotesco em seu surgimento, e como a percepção foi alterando e
se moldando com o passar das épocas. Hoje em dia encontramos facilmente o
grotesco em programas de auditório, cinema, pinturas e na música, que é o
elemento que junto ao produto audiovisual, se torna foco da nossa pesquisa.
Com a web 2.07, o surgimento de um novo consumidor e de sites de
compartilhamento de vídeos, a MTV acaba perdendo a hegemonia na
divulgação de videoclipes. Em 2013, a MTV Brasil anuncia seu fim, passou por
uma reformulação e sendo nos dias atuais um canal pago com atrações para
público de 15 a 30 anos. O Youtube8 acaba sendo o maior distribuidor desse
gênero audiovisual. Podemos analisar a forma como o ciberespaço foi se
apropriando e sendo apropriado da indústria fonográfica, tentando entender
qual função estratégica mercadológica utilizada pelas gravadoras. Nesse site e
em sites semelhantes, é possível encontrar uma variedade enorme de
videoclipes, desde os bem produzidos pela indústria fonográfica e gravadoras,
e até do circuito musical independente ou mesmo vídeos caseiros e de artistas
desconhecidos
O Youtube foi fundado em 2005, por três ex-funcionários do site de ecommerce Paypal9. O Youtube possuía inovações tecnológicas, mas ao
mesmo tempo se tornava simples e de fácil acesso aos usuários, facilitando o
upload e a visualização (dentro dos limites dos navegadores e velocidade de
conexão internet disponibilizados na época); em 2006, a empresa Google
compra o site por U$ 1,65 bilhões de dólares e “no começo de 2008, de acordo
com vários serviços de medição de tráfego na web, já figurava de maneira
7
Web 2.0 é um termo popularizado a partir de 2004 pela empresa americana O'Reilly
Media1 para designar uma segunda geração de comunidades e serviços, tendo como conceito
a "Web como plataforma", envolvendo wikis, aplicativos baseados em folksonomia, redes
sociais, blogs e Tecnologia da Informação.
8
YouTube é um site que permite que seus usuários carreguem e compartilhem vídeos em
formato digital. Foi fundado em fevereiro de 2005 por três pioneiros do PayPal,2 um
famoso site da internet ligado a gerenciamento de transferência de fundos.
9
PayPal é um sistema que permite a transferência de dinheiro entre indivíduos ou negociantes
usando um endereço de e-mail, assim, evitando métodos tradicionais como cheques e boleto
bancário. A empresa que criou e rege tal sistema situa-se em São José na Califórnia.
23
consistente entre os dez sites mais visitados do mundo” (BURGESS; GREEN,
2009,pág. 18). O Youtube representa uma quebra nos modelos midiáticos
atuais, e surge como um novo espaço da mídia.
Segundo Rafaela Belo (2014), no artigo O novo lugar do videoclipe, um
novo mercado com um novo público consumidor exige novas formas de
exibição, interação e novas estratégias de divulgação. A indústria fonográfica
modifica-se seguindo as tendências tecnológicas e mercadológicas, o ato de
escutar música transforma-se em “assistir música”, evoluindo da ação auditiva
pra uma experiência visual, através dos videoclipes presentes do ciberespaço.
A venda e o compartilhamento de singles ultrapassa a venda de álbuns físicos
“fechados” como o CD e a interação artista-consumidor se torna mais dinâmica
(BELO, 2014, p. 8). Ou seja: “As formas de espetáculo evoluem com o tempo e
a multiplicidade dos avanços tecnológicos. (KELLNER, 2006, p. 121), Kellner
explica que com os avanços tecnológicos, o espetáculo rompe barreiras e
ganha proporções globais, podendo ser observado na televisão, rádio e
internet. O próprio site Youtube permite que grandes espetáculos sejam
transmitidos ao vivo ou que o usuário dono de uma conta possa fazer o upload
e disponibilizar na rede mundial.
24
3 ESPETÁCULO MIDIÁTICO: O GROTESCO EM MARILYN MANSON
Para Debord (1967) “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas
uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”. (p. 14), seguindo a
perspectiva usada por Debord, podemos analisar que a criação de Manson,
uma figura bizarra que mescla o belo e o feio como tema principal de trabalho
como músico, está diretamente ligado a criação da diferença em seu contexto.
Através de imagens e videoclipes grotescos, Manson alcança uma gama de
espectadores que se identificam com as mensagens contra sociedade,
moralidade e religião, juntamente com espetáculos cada vez maiores e mais
teatrais e chocantes, “o espectador reativo e consumidor de um sistema social
baseado na submissão, no conformismo e no cultivo da diferença rentável
(KELLNER, 2006, p. 123).
Na cultura da mídia globalizada, as celebridades são divindades
fabricadas e administradas. São ícones midiáticos, e deuses e
deusas da vida cotidiana. Para se tornar uma celebridade, é
necessário o reconhecimento como uma estrela no campo do
espetáculo, seja com esportes, entretenimento, negócios ou política.
As celebridades possuem assessores e agentes de imagem para
garantir que continuem a ser vistas e percebidas positivamente pelo
público (KELLNER, 2006, pág. 126)
Nem sempre Marilyn Manson é visto positivamente pela crítica e público,
porém, ao explorar a identidade grotesca na música, imagem, shows e produto
audiovisual, ele acaba ganhando o reconhecimento que Kellner cita, seja pela
qualidade musical, seja pelas polêmicas que envolvem o grupo. Podemos
afirmar que a cultura midiática é “industrial, organiza-se com base no modelo
de produção de massa e é produzida para a massa de acordo com os tipos
(gêneros), segundo formulas, códigos e normas convencionais. É portanto uma
forma de cultura comercial e seus produtos são mercadorias” (KELLNER, 2001,
pag. 9).
Esta característica grotesca que a banda vende em suas imagens,
acaba auxiliando o público consumidor a construir a sua identidade
consequentemente criando diferença. Partindo da arte que Marilyn Manson
vende, encontramos na obra do autor SILVA, 2000, um auxílio para nosso
estudo para entendermos como o artista vende sua imagem por meio dos
videoclipes, e como ao consumir o público se identifica e constrói uma
25
identidade. Wooward (2000) explica como a identidade é marcada diretamente
pela diferença, pela simbologia e pelo social, para Woodward existem dois
tipos de identidades: a essencialista – concebe a identidade como algo
homogêneo (geralmente ligado a etnia, nacionalidade ou questões biológicas)
partilhado por todos do grupo e não sofrendo alterações – e a não essencialista
– que trata a identidade como processo, sofrendo alterações e ligada
diretamente a diferença.
O social e o simbólico referem-se a dois processos diferentes, mas
cada um deles é necessário para a construção e a manutenção das
identidades. A marcação simbólica é o meio pelo qual damos sentido
a práticas e a relações sociais, definindo, por exemplo, quem é
excluído e quem é incluído é por meio da diferenciação social que
essas classificações da diferença são “vividas” nas relações sociais
(WOODWARD, 2000, p. 14)
Silva (2000) aborda a identidade e diferença como produto de
linguagem, “a identidade e diferença estão, pois, em estreita conexão com a
relação de poder: o poder de definir a identidade e de marcar a diferença não
pode ser separado das relações mais amplas de poder. A identidade e a
diferença não são, nunca, inocentes” (SILVA, 2000, p.81). Dessa forma, por
serem criações linguísticas, a identidade e a diferença também adquirem
características de vacilante, indeterminada e instável atribuídas à língua. Já
Hall (2000) aborda o motivo pelo qual seres humanos se submetem à
identidade, mesmo com prejuízo de suas vontades. Nesse aspecto, a
identidade é como processo, necessitando sempre “(...) daquilo que lhe falta –
mesmo que esse outro que lhe falta seja um outro silenciado e inarticulado (...)”
(HALL, 2000, p.110).
Assim, neste capítulo, abordamos os procedimentos metodológicos
utilizados no estudo e a análise do objeto empírico.
26
3.1 A metodologia para o estudo do grotesco nos videoclipes
A pesquisa é concebida a partir da abordagem qualitativa, pois trabalha
com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, crenças, dos
valores e das atitudes, esse conjunto de fenômenos é entendido. Esse tipo de
pesquisa dificilmente pode ser mensurado com números e indicadores
quantitativos pois se aprofunda no mundo dos significados, precisa ser exposta
e interpretada em primeira estancia, pelos próprios pesquisadores. (MINAYO,
2007).
Considerando que a abordagem qualitativa, enquanto exercício de
pesquisa, não se apresenta como uma proposta rigidamente
estruturada, ela permite que a imaginação e a criatividade levem os
investigadores a propor trabalhos que explorem novos enfoques.
Nesse sentido, acreditamos que a pesquisa documental representa
uma forma que pode se revestir de um caráter inovador, trazendo
contribuições importantes no estudo de alguns temas (GODOY, 1995,
p. 23).
Para que haja melhor compreensão sobre a pesquisa qualitativa e como
pode ser utilizada, abordaremos alguns conceitos que auxiliam na interpretação
e aplicabilidade da pesquisa, que é baseada em preposições, hipóteses,
métodos e técnicas, esse tipo de linguagem é construída de forma a
desenvolver um ritmo de produção particular, esse ritmo é denominado ciclo de
pesquisa (MINAYO, 2007), subdividido em etapas, mas para nossa proposta,
iremos nos apoiar em dois.
 Fase exploratória - produção do projeto de pesquisa e de todos os
procedimentos para preparar para execução dela. Para Minayo, é o
tempo que será dedicado ao trabalho, onde deve haver empenho e
investimento, para poder definir e delimitar o objeto a desenvolve-lo
teórica e metodologicamente e colocar hipóteses ou algum
pressuposto para seu encaminhamento. Nessa fase foi feito o
balanço e a escolha de um cronograma de ações, para a delimitação
do espaço e da amostra qualitativa.
 Análise e tratamento de material empírico e documental - momento
de procedimentos para a valorização, compreensão e interpretação
dos
dados
empíricos,
afim
de
casá-los
com
as
teorias
fundamentadas no projeto, ordenando e classificando os dados e
27
partindo para a análise propriamente dita. Esse material conduz uma
busca da lógica interna do que estamos estudando, se tornando item
fundamental para o pesquisador. A pesquisa qualitativa não se
resume apenas a classificação de opinião dos informantes é: “(...) a
descoberta dos códigos sociais a partir de falas, símbolos e
observações” (MINAYO, 2007, p. 27).
Para nosso trabalho, foi fundamental partimos da metodologia de análise
documental, nesse ponto, a palavra documentos pode ser estendida de uma
forma ampla, incluindo os materiais escritos, jornais, revistas, sites, bibliografia,
obras literárias, cientificas, técnicas. Ou “os elementos iconográficos, como por
exemplo imagens, fotografias, filmes (GODOY, 1995, p 22). Esses documentos
são classificados como primários, quando a pessoa vivencia diretamente o que
está sendo estudado, ou secundário, quando coletados por pessoas que não
estavam presentes na ocasião da ocorrência.
Algumas dificuldades, no entanto, cercam as pesquisas de caráter
documental e devem ser apontadas. Muitos dos documentos por ela
utilizados não foram produzidos com propósito de fornecer
informações com vistas a investigação social, o que possibilita vários
tipos de vieses. Exemplificando: documentos autobiográficos ou
artigos de jornais podem distorcer muitos pontos na tentativa de
construir uma boa história (GODOY, 1995, p.22)
Assim, pudemos ter os subsídios metodológicos que, aliados ao marco
teórico, serve de alicerce para compreensão do fenômeno do grotesco nos
videoclipes da banda estudada.
28
3.2 O grotesco na banda Marilyn Manson
É possível observar a mídia abrangendo diversos gêneros e estilos,
“pode-se, entretanto, rir do terrível ou das desproporções escandalosas das
formas, transformando-os em veículos de irrisão e de provocação aos cânones
do esteticamente correto” (MUNIZ; PAIVA, 2002, p. 9). Diante disso, para
nosso trabalho, iremos abordar um gênero que teve seu início desde o
Renascimento (Antiguidade Clássica) e que encontramos com maior
vinculação nos dias atuais. Na obra “O Império do grotesco” (MUNIZ; PAIVA,
2002), o gênero é um conceito muito relacionado à estética e, em geral,
sempre esteve associado ao mau gosto e ao repulsivo, ao fantasioso, sem
sentido e alheio a realidade. Essa repulsa, no entanto, pode ser a estratégia de
artistas para surpreender ou simplesmente chocar o espectador, chamar a
atenção. Para a banda Marilyn Manson, essa é a ferramenta principal para sua
divulgação, criando o feio, o horrível, o monstruoso em sua arte.
Em sua biografia “Long Hard Road Out of Hell”( A Longa e Difícil Estrada
Para Fora do Inferno, 1997), Manson com a ajuda de Neil Strauss da revista
Rolling Stone, nos ajuda a pensar essa relação com a mídia e como o
videoclipe pode se tornar poderosa arma de divulgação e promoção dos
artistas.
A biografia do líder da banda inicia em 05 de janeiro de 1969, quando
nasce na pequena cidade de Canton, Ohio, interior dos EUA. Brian Warner,
como foi nomeado, passa por uma infância conturbada, sofria bullying na
escola e abusos sexuais por parte de um vizinho. No fim da adolescência e
início da fase adulta, os pais decidem se mudar para a Califórnia, onde Brian
começa a trabalhar como jornalista em uma revista especializada em música.
Nessa época:
Conheci o guitarrista (Daisy Berkowitz) e ele tinha algumas
composições sem letra e como experiência decidimos nos juntar.
Acabamos escrevendo músicas como Dogma e My Monkey, que
foram as primeiras faixas que escrevemos que estão no álbum. Esse
foi o nascimento da banda Marilyn Manson and The Spooky Kids 10
(Entrevista à Revista Black Market, 1994)
Sua formação artística - no final dos anos 1980 início dos 1990 - teve
forte apelo visual e uma mescla de música gótica com rock pesado,
10
Mais tarde chamada apenas de Marilyn Manson.
29
rapidamente ganha popularidade na região se destacando com seu show de
horrores, gênero intitulado de Shock Rock. “Eu tendo a procurar coisas que as
pessoas consideram feias, achar coisas que a sociedade decide que são
bonitas e torna-las não atrativas” (Entrevista à Revista Black Market, 1994)
Utilizando-se dos nomes de dois ícones pop: da norte-americana,
Marilyn (Monroe), vedete famosa na década de 60; e (Charles) Manson, serial
killer, Marilyn Manson elabora uma encenação que é um paralelo entre o
glamour e horror, usa maquiagem pesada e assombrosa, peças íntimas
femininas, vestidos rasgados e coturnos militares. Em sua performance há a
dualidade humana expressadas no “belo” (Marilyn, mulher) e no “feio” (Manson,
homem); com o visual grotesco, desafia a sociedade com suas críticas ácidas a
superficialidade da cultura americana, violência, sexo, drogas e muitas músicas
contém mensagens anti-religião, seu comportamento muitas vezes ultrapassa
as linhas da moralidade.
Me pergunto por que a sociedade precisa de algo como Marilyn
Manson, é uma das minhas perguntas. Fui educado na cultura
Americana, sou um produto da América. Então é completamente
injustificável as pessoas acharem que estou fazendo algo errado. Sou
um sintoma de um problema que eles criaram. Eu vim deles e eles
não podem culpar ninguém, a não ser eles mesmos” (Entrevista à
Revista Black Market, 1994).
30
Tudo começou em 1990, quando eu estava escrevendo. Eu não
chamaria aquilo propriamente dito de letras, eu estava apenas
algumas ideias que eu tinha. Eu não tinha nenhuma ambição de
formar uma banda, por que eu nunca pensei que seria ideal pra mim.
E o nome Marilyn Manson foi algo que surgiu de um casal de
opostos. Eles (Marilyn Monroe e Charles Manson) foram duas
celebridades dos anos 1960. A um nível filosófico, achei interessante
juntar dois extremos e coloca-los juntos formando uma área “cinza”
que realmente transcendeu as fronteiras do que eu estava
escrevendo, do que eu vivia no momento, bem, era o certo para mim.
O nome realmente define meu propósito e o que eu quero (Entrevista
à Revista Black Market, 1994)
Desde o surgimento da banda, os nomes de palco usados por cada
membro representava um conceito que era considerado central para a banda: a
dicotomia do bem e do mal, e a existência de ambos, juntos, em todas as
pessoas. "Marilyn Monroe tinha um lado obscuro", explicou Manson na sua
autobiografia, "do mesmo modo que Charles Manson tinha um lado bom e
inteligente". Os Spooky Kids' ganharam popularidade na área e suas
performances eram feitas com visuais incomuns e chocantes. A banda
costumava tomar elementos grotescos e teátricos, misturados com elementos
de desenhos animados em seus shows. Eles continuaram a se apresentar e
gravar fitas - encurtando o nome da banda para Marilyn Manson apenas, em
1992 - até o verão de 1993, quando ganharam a atenção de Trent
Reznor11 que na época abriu sua própria gravadora, a Nothing Records.
3.2.1 Portrait of an American Family (Era 1990-1995)
Segundo a banda, os albuns lançados marcam uma “era” que a banda
cria ou passa, Marilyn Manson começa a era Portrait of an American Family em
seu lançamento em 1993. Cada integrante usa nomes ficticios para se
identificar, sempre composto por um ícone pop e um serial killer.
11
Michael Trent Reznor é um músico estadunidense, cantor, produtor musical, e multiinstrumentalista. Reznor é o fundador e principal força criativa por trás da banda de rock
industrial, Nine Inch Nails.
31
Da esquerda para direita, nome e significado de cada um integrante:

Marilyn Manson – (vocalista) nome verdadeiro Brian Warner. Seu
nome é composto de dois ícones americanos da cultura pop, Marilyn
Monroe (atriz) e Charles Manson (serial killer).

Twiggy Ramirez – (baixista) nome verdadeiro Jeordie White. Seu
nome é composto por Twiggy (modelo dos anos 60) e Richard
Ramirez (serial killer)

Madonna Wayne Gacy – (tecladista) nome verdadeiro Steve Bier.
Seu nome é composto por Madonna (cantora) e Wayne Gacy
(assassino confesso de 33 pessoas)

Ginger Fish – (baterista) nome verdadeiro Frank Wilson. Seu nome
é composto por Ginger Roger (atriz e dançarina) e Albert Fish
(assassino canibal de crianças)

Zim Zum - (guitarrista) nome verdadeiro Michael Nastasi. Seu nome
é o único não composto por dois ícones pop, a palavra é de origem
hebraica que significa “o anjo enviado para fazer o trabalho sujo de
Deus”.
Marilyn Manson ganha popularidade local e o convite para shows em
clubes e casas noturnas aos poucos se multiplica. Em uma dessas
apresentações, a banda toca junto a Jack of Jill, grupo formado apenas por
mulheres, na noite de apresentação, Manson foi acusado pela Coligação Cristã
da cidade de violar os termos de entretenimento adulto. A vocalista de Jack Off
Jill foi acusada de solicitação e oferta para participar de atos libidinosos. Os
dois cantores foram presos por "delitos leves". Aqui já podemos observar que
Manson começa a dar seus “primeiros passos” para o que se tornaria um
produto de grande impacto na industria fonográfica. Durante o início da banda,
os Spooky Kids ganharam popularidade na área e suas performances eram
32
feitas com visuais incomuns e chocantes. A banda costumava tomar elementos
grotescos e teátricos, misturados com elementos de desenhos animados em
seus shows
O álbum ganha singles e três vídeo clipes: Get Your Gunn, o primeiro
lançado, a banda faz uma alusão as escrituras sagradas, mensagens
subliminares e prováveis profecias tiradas do livro Apocalipse, observadas
durante a rolagem do vídeo. Os fragmentos que aparecem podem ser
relacionados com aborto, procura por morte e uma sugestão do que pode ser
feito por quem pratica isso. Para Muniz e Paiva (2002):
[...] em sua modalidade crítica, o grotesco não se define como
simples objeto de contemplação estética, mas como experiência
criativa comprometida com um tipo especial de reflexão sobre a vida.
Em cada imagem ou em cada texto, há uma ponte direta entre a
expressão criadora e a existência cotidiana (Muniz; Paiva, 2002, p.
72)”
A crítica de Manson está diretamente relacionada ao assassinato do Dr.
David Gunn12 no ano de 1994, na Flórida, Estado Unidos, na letra, Manson
manifesta exatamente os opostos, “... A pró vida, eu assassinarei” (trecho da
canção Get You Gunn), a partir dessa perspectiva, podemos notar a direta
crítica ao movimento Pró-Vida Cristão13. Durante o refrão da música, os
fragmentos que aparecem são citações retiradas da bíblia. Percebam o
momento cantado com as imagens abaixo.
(Get You Gunn)
(Pegue sua arma)
“Pseudo morals work real well
“Pseudo-moralistas trabalham muito bem
On the talk shows for the weak
Nos talk shows para os fracos
But your selective judgements and good guys
Mas seus julgamentos seletivos e prêmios de bom
bagdes
garoto
Don’t mean a fuck to me”
Não significam porra nenhuma pra mim”
Quadro: Refrão da canção “Get Your Gunn” (1993)
Fonte: Letras Traduzidas Site Terra
12
Gunn era médico americano a favor do aborto, foi assassinado em 1994 na Pensacola,
Flórida , por um anti-abortista Michael F. Griffin ,originalmente alegou estar agindo "por Deus".
13
São denominados pró-vida movimentos que se declaram em defesa da dignidade
da vida humana, conhecidos principalmente por sua oposição à prática do aborto induzido.
33
Imagem: Frame do videoclipe “Get Your Gunn”
Fonte: Site Mechanical Christ Brasil
“E naqueles dias os homens buscarão a morte, e não a acharão, e desejarão morrer, e
a morte fugirá deles” Apocalipse 9:6
O video também mostra vários planos fechados (closes) de um
documento bíblico ensanguentado, possivelmente um folheto desdobrado PróVida Cristão, evocando à violência do aborto e do trágico assassinato de Gunn.
Imagem: Frame do videoclipe “Get Your Gunn”
Fonte: Site Mechanical Christ Brasil
O segundo single lançado se chama Lunchbox, uma espécie de história
biográfica que Manson conta sobre os mal tratos que recebia quando criança.
A história gira em torno de um menino que é intimidado por valentões da
34
escola, e que ao chegar em casa, acaba alimentando o que recebeu dos
valentões, raspando sua cabeça e preparado para alguma retalhação futura.
Devido a pouca verba, o clipe se torna simples e foi pouco divulgado, um dos
poucos em que aparece Manson sem maquiagem, apesar de ter tido uma boa
repercusão. Na capa do single, Manson aparece nu, pintado de batom14.
“Quando voltado apenas para provocação superficial de um choque perceptivo,
geralmente com intenções sensasionalistas, o fenômeno pode ser classificado
como “grotesco chocante. (MUNIZ; PAIVA, 2002, p. 69)
Imagem: Single para a música “Lunchbox” (1993)
Fonte: Mechanical Christ Brasil
Nesse momento, a banda começa a ganhar visibilidade diante de público
e crítica, suas letras, suas ideologias e seu visual grotesco ganha espaço no
mercado da música, porém, entre os integrantes estava havendo brigas e
discuções, gerando climas tensos durante as aparesentações. Em uma
ocasição durante um show, Manson ateia fogo na bateria e no baterista durante
a canção Lunchbox, o que ocasionou o afastamento de Sara Lee Lucas por
brigas constantes com Manson.
14
A palavra “cunt” escrita no peito de Manson significa em tradução livre, “vagina”
35
Os membros da banda se vestem com roupas e maquiagens estranhas
e se comprometem a chocar intencionalmente, tanto no palco quanto fora dele.
No passado, suas letras recebiam críticas frequentes por seus sentimentos
anti-religião e referências ao sexo, à violência e às drogas. As performances da
banda
eram
constantemente
chamadas
de
ofensivas
e
obscenas,
principalmente por religiosos e conservadores e, em várias ocasiões, protestos
e petições foram feitos para banir suas apresentações.
O terceiro e último single trabalhado na Era Portrait é Dope Hat, o
videoclipe é uma alusão direta ao filme de 1971 Willy Wonka & the Chocolate
Factory (A fantástica fábrica de chocolates); no clipe, a banda anda em um
barco num túnel psicodélico, cheio de cores e imagens bizarras enquanto
navegam com com crianças a bordo e alguns personagens “Oompa Loompas”.
Imagem: Frame videoclipe “Dope Hat”, 1993
Com a produção do album, a criação da Era Portrait , filmagens dos
videoclipes, Manson que desde sua experiencia como jornalista musical, sentia
a necessidade de um “Marilyn Manson” na industria musical, consegue aos
poucos criar sua identidade, se diferenciando dos demais grupos, bandas e
cantores do início dos anos 1990.
Para Silva:
a identidade, tal como a diferença, é uma relação social. Isso significa
que sua definição – discursiva e linguistica – esta sujeita a vetores de
forla, a relação de poder. Elas não são simplesmente definidas, elas
são impostas. Elas não vivem harmoniosamente lado a lado, em um
campo de hierarquia, elas são disputadas” (SILVA, 2000, p. 81).
Manson já havia percebido a “falha” na disputa de poder no mercado
fonográfico, e se aproveitando do conhecimento adquirido na resvista musical
36
que trabalhou, teve êxito ao compor a banda, mesclando o espetáculo teatral
de David Bowie15 da década de 1970, com a hostilidade do metal do inicio dos
anos 1990. Dope Hat encerra a Era Portrait of an American Family, com
Manson conhecido no cenário underground da Florida, começa a trabalhar em
seu nosso projeto, sua nova Era.
3.2.2 Smells Like Children (Era 1995-1996)
Imagem: Capa do álbum Smells Like Children, 1995
Nasce, em 1995, Smells Like Children, o álbum de quinze faixas de
covers, remix do album Portrait e sons bizarros, incluindo a versão da banda de
Sweet Dreams (Are Made of This) 16, que foi, provavelmente, o primeiro hit
legítimo de Marilyn Manson. Foi também nesse tempo que a banda começou a
experimentar maquiagens góticas e mais visuais bizarros.
O single de trabalho Sweet Dreams (are made of this) ganhou um video
promocional, o que ajudou a impulsionar a popularidade de Manson ao redor
do mundo, com o clipe passando diversas vezes na MTV. No clipe, a banda se
apresenta em um manicômio destruído, abandonado, decrépto, o que dá o
15
Referido como "Camaleão do Rock" pela capacidade de sempre renovar sua imagem, tem
sido uma importante figura na música popular há cinco décadas e é considerado um dos
músicos populares mais inovadores e ainda influentes de todos os tempos, sobretudo por seu
trabalho nas décadas de 1970 e 1980, além de ser distinguido por um vocal característico e
pela profundidade intelectual de sua obra
16
Canção escrita e interpretada pelos britânicos de música new wave duo Eurythmics (Annie
Lennox e David A. Stewart), lançada originalmente em 1983.
37
clima doentio nas imagens, que tem um ligeiro efeito de desfoque, enquanto a
banda usa vestuário sujo e rasgado com pinturas fortes no rosto. Durante o
clipe, Manson usa pombos em seu ombro, deixando-o sujo de dejetos, e um
porco que usa para “passear”.
Imagem: Frame do videoclipe “Sweet Dreams (are made of this)”, 1996
Imagem: Frame do videoclipe “Sweet Dreams (are made of this)”, 1996
Imagem: Frame do videoclipe “Sweet Dreams (are made of this)”, 1996
Sodré e Paiva (2002) explicam que no trabalho apresentado por Marilyn
Manson desde o seu início, em 1989, com Marilyn Manson and the Spooky
Kids (Marilyn Manson e as crianças fantasmagóricas) houve:
38
O rebaixamento, operado por uma combinação insólita e exasperada
de elementos heterogêneos, com referência frequente a
deslocamentos escandalosos de sentido, situações absurdas,
animalidade, partes baixas do corpo, fezes e desejos – por isso, tida
como fenômeno de desarmonia do gosto, que atravessa as épocas e
as diversas conformações culturais, suscitando um mesmo padrão de
reações: riso, horror, espanto, repulsa (Sodré; Paiva, 2002, p. 17)
Sweet Dreams (are made of this) encerra esta Era, que começa desde a
primeira encarnação do Marilyn Manson como "Marilyn Manson & the Spooky
Kids", em 1989, através do lançamento do primeiro grande lançamento da
banda e LP, Portrait of an American Family e se estende para o lançamento
do Smells Like Children EP. Esta Era envolveu uma abordagem mais selvagem
em seus temas e um tom menos grave, muitas vezes cômico. Durante a maior
parte da época, a banda tinha usado pouca ou nenhuma maquiagem, e os
figurinos extravagantes e performances da banda viria a ser conhecido
somente em seus estágios iniciais. A maioria dos temas abordados envolvia
crianças, inocência, ficção, religião e América.
Durante esta época, a banda ainda tinha que alcançar a fama
internacional, já que estava sendo conhecida apenas no cenário musical
underground da Flórida, mas não tinha nenhum reconhecimento significativo
fora de sua área local. Isso, no entanto, mudou com o lançamento do cover da
banda
Eurythmics
lançamento
em 1983. A música e
seu
notoriamente
horrível vídeo foram fundamentais para lançar carreira da banda para o
mainstream. Após sete meses de turnê do álbum Smells Like Children, abrindo
os shows de Nine Inch Nails, a banda compõe o que seria o maior marco na
carreira de Marilyn Manson, o álbum mais conceitual e pesado até então,
Antichrist Superstar.
39
3.2.3 Nasce o Antichrist Superstar (Era 1997)
Imagem: Capa do álbum “Antichrist Superstar”, 1997
Em uma resenha sobre Marilyn Manson e o álbum AS, o site Whiplash17
descreve.
Em 1996, o mundo não estava preparado para a explosão de uma
das mais controversas e polêmicas personagens da história da
música contemporânea, se não a maior de todas. Em oito de outubro
de 1996, Brian Warner, mais conhecido como Marilyn Manson,
lançava sua obra prima, e considerada seu álbum mais ambicioso e
pesado até hoje. “O mundo abria suas pernas” para Antichrist
Superstar, assim como Manson declama em Little Horn, a quinta faixa
da obra anticristã mais sedutora de todos os tempos (Érico Ferry,
resenha site Whiplash, 2013)
O conceito para a Era de Antichrist Superstar foi marcado por uma
viagem da banda nas áreas mais obscuras da mente e da sociedade, temas
esotéricos e seu primeiro passo para o que mais tarde se tornaria
o Triptych18. A concepção do álbum foi durante uma viagem na turnê de Smells
Like Children, no interior do ônibus com Twiggy usando um violão depois de
uma bebedeira e de usar metanfetamina, como revelado na biografia lançada
por Manson, durante essa época que a banda ganhou notoriedade em todo o
mundo, devido aos protestos contra os concertos de Manson por cristãos
17
O Whiplash.net é um site da internet, na língua portuguesa com notícias sobre rock em geral,
e, mais especificamente, hard rock e heavy metal.
18
É uma obra de arte (geralmente uma pintura ou um painel, mas nesse caso é o lançamento
de 3 álbuns na carreira de Manson) que é divido em 3 seções.
40
fundamentalistas em toda a América. A mensagem de Manson foi amplamente
mal interpretada pela mídia mainstream. O senador Joseph Lieberman19, que
rotulou Marilyn Manson como: "o grupo mais doente já promovido por uma
gravadora mainstream"20. Nessa Era, Manson teve ameaças de cancelamento
de seus shows nas cidades que passava, ameaças de bomba, e até mesmo
ameaças de morte. (Fonte, Manson Wiki). Para nossa proposta de trabalho,
iremos abordar e analisar com mais detalhes a obra Antichrist Superstar, para
que possamos melhor compreender como chegamos a The Beautiful People,
que lança Marilyn Manson ao topo da indústria mainstream para ser aclamado
e odiado pela crítica e público.
É a partir de experiências vivenciadas por Manson durante a infância e a
adolescência, os pontos pelos quais Manson esteve envolvido durante toda a
sua vida, que parte a premissa do Antichrist Superstar, uma obra auto
biográfica, na qual Marilyn Manson autonomeado o "Anticristo Superstar",
declarando guerra a todas as hipocrisias da sociedade norte americana e à sua
“ética cristã” em um jogo de músicas muito bem amarrados e com tantos
significados e conceitos por trás de suas letras que tornam o álbum uma obra
extremamente complexa e de difícil análise, sendo por diversas vezes rejeitado
pela maioria e provocando desconforto e êxtase ao mesmo tempo naqueles
que absorvem sua mensagem dilacerante (FERRY, 2013). O álbum encontrase dividido em três ciclos distintos: "O Hierofante", "A Inauguração do Verme" e
"A Ascensão do Desintegrador". Esses ciclos compreendem as seguintes
faixas:
Ciclo I - O Hierofante
1. "Irresponsible Hate Anthem" - 4:17 (Berkowitz, Gacy)
2. "The Beautiful People" - 3:38 (Ramirez)
3. "Dried Up, Tied and Dead to the World" - 4:16 (Manson, Ramirez)
4. "Tourniquet" - 4:29 (Berkowitz, Ramirez)
Ciclo II - A Inauguração do Verme
5. "Little Horn" - 2:43 (Ramirez, Reznor)
6. "Cryptorchid" - 2:44 (Gacy)
7. "Deformography" - 4:31 (Ramirez, Reznor)
8. "Wormboy" - 3:56 (Berkowitz, Ramirez)
9. "Mister Superstar" - 5:04 (Ramirez)
19
20
Político dos Estados Unidos, senador independente pelo estado de Connecticut desde 1988.
Matéria sobre os 10 anos do lançamento do álbum Holy Wood, revista Kerrang, 2011
41
10. "Angel with the Scabbed Wings" - 3:52 (Manson, Ramirez, Gacy)
11. "Kinderfeld" - 4:51 (Ramirez, Gacy)
Ciclo III - A Ascensão do Desintegrador
12. "Antichrist Superstar" - 5:14
13. "1996" - 4:01
14. "Minute of Decay" - 4:44
15. "The Reflecting God" - 5:36
16. "Man That You Fear" - 6:10
"Track 99" - 1:39
Cada uma destas partes corresponde a uma fase da vida de Manson, ao
mesmo tempo em que correspondem à um passo a mais na degradação moral
e corrupção mental do Superstar, objetos de repudio e ao mesmo tempo
idolatria para a sociedade americana, tudo isso baseado numa analogia ao
super-homem de Nietzsche21. Manson organizou magistralmente as faixas em
uma ordem que narram a sua vida e trajetória na sociedade norte americana
aonde vai tomando seus baques através das irregularidades do sistema em
que se encontra condicionado, e assim, ao longo das músicas ele vai
encarnando o Anticristo tema do álbum, e cumpre bem a sua missão ao
mostras que esse, é na verdade o reflexo e resultado direto de uma moral
cristã cheia de falhas.
Érico Ferry, em resenha para a revista Whiplash, nos ajuda a melhor
compreender o conceito articulado por Manson. Ele explica que O ciclo I O
Hierofante
22
abre com a voz do Anticristo ditando a uma multidão: “And all the
children sing: We hate Love! We love hate!" (E todas as crianças cantem: Nós
odiamos amar! Nós amamos odiar!"). É um início apoteótico, e que sintetiza
bem toda a contradição cultural norte americana além de se basear no princípio
da dualidade que permeia toda a carreira de Manson. Guitarras distorcidas e
pesadíssimas, seguida de uma bateria violenta abrem o disco com uma das
músicas mais corrosivas de todas, Irresponsible Hate Anthem (Hino do ódio
irresponsável), com frases ácidas, diretas e acima de tudo, reais, nos
preparando para a inquietação que irá nos perseguir ao longo da jornada.
21
Foi um filósofo, crítico cultural, poeta e compositor alemão do século XIX. Ele escreveu
vários textos críticos sobre a religião, a moral, a cultura contemporânea, filosofia e ciência,
exibindo uma predileção por metáfora, ironia e aforismo.
22
O Hierofante no tarot mitológico, é o revelador da Luz, o Instrutor, O grande mestre dos
testes da vida. É ainda, o termo usado para designar os sacerdotes da alta hierarquia dos
mistérios da Grécia e do Egito.
42
3.2.4 The Beautiful People – O grotesco crítico
A segunda faixa, The Beautiful People, entra com uma bateria militar em
ritmo de marcha, com o propósito de apresentar à ditadura fascista da beleza
que governa a vida do ser humano moderno. Nela discorre a respeito da busca
pelo corpo ideal, e toda a rejeição que Manson sofreu na adolescência por não
fazer parte desse seleto grupo de "pessoas bonitas". A música é como um hino
para os "oprimidos" e não é à toa que se tornou um os maiores clássicos de
Manson.
O primeiro single do álbum, fez um grande impacto nos gráficos de
música alternativa. O vocalista da banda apareceu na capa da revista Rolling
Stone, que também premiou a banda como Artista Revelação, em 1996. Um
semestre depois, "Dead to the World Tour" foi a turnê mais longa e mais vasta
que o grupo já tivera até a época. Enquanto isso, nos Estados Unidos, a banda
recebia mais atenção do que nunca antes havia recebido, e nem toda de uma
forma positiva.
Imagem: Fotos promocionais da Banda Marilyn Manson, 1997
Fonte: Site Mechanical Christ Brasil
43
O conceito do clipe surgiu baseado na realidade da sociedade
contemporânea a Manson, em que cada vez mais as individualidades perdem
espaço para os comportamentos padrões, a moda tem uma importância forte
na formação do caráter e consumo da sociedade.
The Beautiful People
As Pessoas Bonitas
And I don't want you and I don't need ya
E Eu não quero você e eu não preciso de você
Don't bother to resist, or I'll beat ya
Não tente resistir, ou eu baterei em você
It's not your fault that you're always wrong
Não é sua culpa que você estar sempre errado
The weak ones are there to justify the strong
Os fracos estão aí para justificar os fortes.
The Beautiful People, The Beautiful People
As pessoas bonitas, as pessoas bonitas
It's all relative to the size of your steeple
É tudo relativo quanto o tamanho do seu penis
You can't see the forest from the trees
Você não pode ver a floresta pelas árvores
And you can't smell your own shit on your knees
E você não sente o cheiro da sua própria merda nos seus joelhos
There's no time to discriminate,
Não há tempo para discriminar
Hate every motherfucker that's in your way!
Odeie todos os filhos da puta que estão no seu caminho!
Hey, you, what do you see?
Ei, você, o que você vê?
.
Something beautiful, something free?
Algo bonito, algo livre?
Hey, you, are you trying to be mean?
Ei, você, está tentando ser mesquinho?
You live with apes man, it's hard to be clean
Você vive com os macacos, cara, é difícil estar limpo.
The worms will live in every host
Os vermes viverão em cada hospedeiro
It's hard to tell which one ate the most
É difícil dizer qual eles comerão mais
The horrible people, the horrible people
As pessoas horríveis, as pessoas horríveis
It's all anatomic as the size of your steeple
É tão anatômico quanto o tamanho do seu penis.
Capitalism has made it this way,
O capitalismo deixou as coisas desse jeito
Old-fashioned fascism will take it away!
Fascismo fora de moda, vai acabar com isso!
Hey, you, what do you see?
Ei, você, o que você vê?
Something beautiful, something free?
Algo bonito? Algo livre?
Hey, you, are you trying to be mean?
Ei, você, está tentando ser mesquinho?
You live with apes man, it's hard to be clean
Você vive com os macacos, cara, é difícil estar limpo.
There's no time to discriminate,
Não há tempo para discriminar
Hate every motherfucker that's in your way
Odeie todos os filhos da puta que estão no seu caminho.
The Beautiful People, The Beautiful People
As pessoas bonitas, As pessoas bonitas
The Beautiful People, The Beautiful People
As pessoas bonitas, As pessoas bonitas
The Beautiful People, The Beautiful People
As pessoas bonitas, As pessoas bonitas
The Beautiful People, The Beautiful People
As pessoas bonitas, As pessoas bonitas
Quadro: Letra da música The Beautiful People, 1997
Fonte: Letras traduzidas Site Terra
44
Para que possamos compreender melhor a forma que The Beautiful
People se torna um marco na história do produto audiovisual grotesco,
precisamos entender um pouco mais o conceito trabalhado por Sodré e Paiva.
No livro, O império do grotesco (2002, p.66): “entende-se como modo ou
maneira de representação do fenômeno”, mostra-se genericamente como
representado e como atuado (vivido).
a) Representado – Trata-se das cenas ou situações pertinentes aos
diferentes tipos de comunicação indireta. Ele pode ser se apresentar
como suporte escrito, encontrado na literatura e imprensa, ou ainda
como suporte imagístico, encontrado nas artes como um todo,
pinturas esculturas, arquiteturas, desenhos, fotografias, cinema e
televisão;
b) Atuado – Trata-se das situações de comunicação direta, vividas na
existência comum ou nos palcos, interpretadas como grotesco, de
natureza: espontânea – episódios ou incidentes da vida cotidiana,
geralmente expostos na mídia, apontam para o rebaixamento
espiritual ou a irrisão (absurdos da realidade, ridículo advindo de
exagero), característicos do grotesco – natureza: encenada –
também chamada de “burlesco” é o grotesco que pode revelar-se em
peças teatrais ou quaisquer jogos cênicos. Neste caso, destaca-se
um modo de atuar que busca a cumplicidade do público por meio de
gestos
corporais
risíveis,
e
finalmente
aquele
impudente
descaramento, aqueles olhares livres, aqueles meneios indecentes,
aquela falta de propriedade, de decoro, de pudor, de polícia e de ar
nobre que tanto alvoroça a gente desobediente e petulante. (p. 67), e
para finalizar a natureza: carnavalesca – aparece nos ritos e festas
regidos pelo espirito carnavalesco e circense, desde festejos
populares até o carnaval propriamente dito, de festividades religiosas
com forte participação popular. (p. 68)
A partir dessa perspectiva, Sodré e Paiva (2002) acrescentam que há
diferentes tipos de grotesco, tanto nas formas representadas quanto nas
atuadas, o grotesco assume espécies (modalidades expressivas) diversas:
a) Escatológico: expõe tudo que é desprezado pelo homem
(vômitos, fezes, gases) e pela “civilização” - aqui o termo se refere
45
a civilização ocidental moderna (órgãos sexuais, coito e sua
consequente exibição pública);
b) Teratológico: é a exposição de aberrações, monstruosidades,
deformidades, animalidades e escândalos;
c) Chocante: inserido nas duas formas anteriores, e tem o objetivo
de provocar no espectador um choque perceptivo, podendo ser
chamado também de grotesco chocante, geralmente com
intenções sensacionalistas;
d) Crítico: quando o grotesco presente no objeto visado, além de
expor a percepção sensorial sobre o objeto, é exposto o que se
tenta ocultar (ideias), normalmente provoca inquietação nas
situações estabelecidas. Nesse caso, o grotesco dá margem a um
discernimento formativo do objeto visado. É assim um recurso
estético para desmascarar convenções e ideais, ora rebaixando
as identidades poderosas e pretenciosas, ora expondo de modo
risível ou tragicômico os mecanismos de poder abusivo.
Dessa forma, o grotesco causa um impacto e estranhamento na arte e
no cotidiano social, “[...] pode surgir na visão de quem sonha, de quem exprime
uma visão desencanada da existência (...) desta maneira pode assumir formas
fantásticas, horríficas, satíricas ou simplesmente absurdas”. (SODRÉ; PAIVA,
2002, p.55)
A mente criativa do vocalista Manson junto com a fotógrafa e diretora
Floria Sigismondi23, responsável pela direção do vídeo resultou em um trabalho
com imagens surreais, perturbadoras, fantasmagóricas, criaturas estranhas,
cenários darks, aparelhos ortopédicos e odontológicos bizarros, vermes e
referências ao fascismo, sem glamour. Floria conseguiu definir com imagens,
toda a sonoridade massiva que Manson representava na geração anos 1990,
sendo ela a principal responsável por relacionar a imagem do grotesco ao Mr.
Manson, embora nos dias atuais, Manson ter uma imagem e postura mais
gótica e menos grotesca, ela representou um marco na exploração da estética
23
Floria Sigismondi (1965) é uma fotógrafa e diretora italiana, Além de seus outros trabalhos
como fotógrafa, ela é mais conhecida por escrever e dirigir The Runaways, estrelado
por Kristen Stewart e Dakota Fanning. Floria também dirigiu videoclipes de artistas como Justin
Timberlake, Christina Aguilera, Katy Perry, David Bowie, Marilyn Manson, P!nk, Björk, Muse.
46
O videoclipe de "The Beautiful People" tem sido descrito como "o mais
apavorante dos vídeos assustadores"24. Filmado no Goodenham e Worts, uma
destilaria abandonada em Toronto, no Canadá, o videoclipe mostra a banda se
apresentando com seus instrumentos em meio a um cenário sombrio,
abandonado e sujo, com próteses médicas e equipamentos de laboratório,
usando esse recurso estético. Seguindo a lógica de Sodré e Paiva (2002),
Manson usa essa performance para desmascarar convenções sociais,
ultrapassando o limite de belo e feio, e quais os limites que as pessoas usam
para se tornarem “belas” perante uma sociedade superficial.
Imagem: Frame do videoclipe The Beautiful People, 1997
Imagem: Frame do videoclipe The Beautiful People, 1997
O vídeo é recheado de recursos que interferem diretamente na dinâmica
da música, não apenas a criação de imagens que auxiliam a letra da música,
complementando o vídeo, mas podemos observar desfoque nas lentes,
24
Site The Marilyn Manson Wiki.
47
aceleração e redução de velocidade em locais e momentos estratégicos da
música. Manson sobre pernas de pau, vestindo um traje longo, parecendo um
vestido sombrio, óculos de aviador, e maquiagem protética, fazendo-o parecer
com careca e grotescamente de altura.
Imagem: Foto promocial, single The Beautiful People, 1997
Fonte: Site Mechanical Christ Brasil
Depois de ter sido colocado neste traje por atendentes semelhantemente
vestidos, ele aparece em uma janela para uma multidão em uma cena que
lembra de um comício fascista, e mais tarde fica no centro de um círculo,
enquanto as pessoas marcham em torno dele fazendo a saudação ao nazista
Adolf Hitler.
48
Imagem: Frame do videoclipe The Beautiful People, 1997
Outras cenas rápidas incluem planos fechados (closes) de rastejar
minhocas,
cabeças
e
mãos
de
manequim, as
botas
de
pessoas
marchando, flash dos membros da banda em trajes bizarros, e Manson com
um aparelho odontológico, que retrai a carne de sua boca com ganchos,
expondo dentes metálicos.
Imagem: Frame do videoclipe The Beautiful People, 1997
49
Imagem: Frame do videoclipe The Beautiful People, 1997
Nesses dois pontos podemos verificar claramente o que Sodré e Paiva
(2002) explicam sobre o grotesco teratológico: mostrando imagens bizarras e
monstruosas, Manson usa a modalidade expressiva citada pelos autores como
suporte principal de sua crítica a “indústria da beleza” nos padrões americanos,
expondo de maneira agressiva a necessidade da sociedade em se encaixar em
grupos, em especial os das “pessoas bonitas”, chegando ao ponto de
transformar o corpo para poder ser aceito socialmente, a imagem de altura
sobre-humana e dentes metálicos, deixa explicito a crítica do artista de: “até
que ponto nos modificamos para podermos ser aceitos num contexto social
politicamente aceitável?”.
O feio (tradicionalmente identificado com “mau”, assim como o belo
era tido como “bom”), por sua vez, não é um simples contrário do
belo, porque também se constitui em um objeto a qual se atribui uma
qualidade estética positiva. Ou seja, se retirarmos do belo um traço
positivo que o constitui como tal (por exemplo, a proporção ou a
harmonia), não produziremos automaticamente o feio. Esta última
qualidade tem seu modo específico de ser, requer uma produção
particular, que não é o puro negativo do belo (Sodré; Paiva, 2002, p.
19)
50
Sendo assim, Sodré e Paiva explicam que um objeto pode causar
repulsa ou estranhamento do gosto e não ser necessariamente feio. É o que
podemos perceber no videoclipe em que Manson faz sua crítica ácida à cultura
da beleza, em que os limites estão sendo ultrapassados a procura do corpo
perfeito e de poder se encaixar no seleto grupo das “pessoas bonitas”.
Podemos perceber no videoclipe The Beautiful People, elementos descritos por
Sodré e Paiva amplamente usados por Manson.
O grotesco aqui é aplicado como representado com suporte imagístico,
por ter uma fotografia densa e pesada, com ligeiro desfoque, deixando o vídeo
com aspecto irreal, de sonho, devaneio ou pesadelo, suporte atuado
espontâneo, por apresentar um episódio ou incidente da vida cotidiana, aqui
representado nos aparelhos odontológicos e cirúrgicos que Manson usa para
criticar as mudanças corporais para poder se encaixar em grupos e alcançar a
juventude e beleza “eternas”, natureza encenada, que pode usar elementos
circenses para causar o estranhamento, como quando é usado pernas de pau
para deixar os personagens com altura fora do comum e uma simulação de
comício fascista, efetuando gestos corporais de deboche, risíveis.
Mas, principalmente, no videoclipe The Beautiful People, há a
predominância, tanto da forma representada quanto atuada, do grotesco
abordado por Sodré e Paiva (2002), em suas modalidades expressivas, é
carregado da espécie escatológica, na letra da música, quando ouvimos: The
Beautiful people, the beautiful people, It’s all relative to the size of Your steeple
(as pessoas bonitas, as pessoas bonitas, tudo é relativo quanto o tamanho do
seu pênis); trata-se do rebaixamento espiritual, assim como quando comparado
na estrofe The Horrible people, the horrible people, It’s all anatomic as the size
of Your steeple (as pessoas horríveis as pessoas horríveis, é tão anatômico
quanto o tamanho do seu pênis), incluindo referência aos órgãos genitais
masculinos. Na música, o homem é considerado “bonito” ou “horrível” conforme
o tamanho e anatomia de sua genitália. O teratológico, por mostrar uma
monstruosidade, como a imagem de Manson com aparelho odontológico,
mostrando dentes metálicos.
51
Imagem: Foto promocial, single The Beautiful People, 1997
Fonte: Site Mechanical Christ Brasil
Nessa imagem também encontramos o que os teóricos denominam de
grotesco chocante, por causar desconforto ao admirar e ter o intuito apenas de
provocar um choque perceptivo, e como objetivo principal de Manson para The
Beautiful People, o crítico, “obtendo efeitos de inquietação pela surpresa e pela
exposição ridicularizante das situações estabelecidas (SODRE e PAIVA, 2002,
pág. 69), nesse caso, as cirurgias plásticas e superficialidade da sociedade.
O vídeo estreou na MTV em 22 de setembro de 1996, e foi nomeado
para três categorias em 1997, Video Music Awards (Melhor Vídeo de Rock,
Melhor Efeitos Especiais, Melhor Direção de Arte), apesar de não ganhar
qualquer um desses prêmios. O vídeo está disponível no Lest We Forget (The
Best of) DVD bônus, assim como sobre a compilação VHS Deus está na TV.
A sequência do álbum segue com a terceira faixa do disco, "Dried Up,
Tied And Dead To The World": uma das músicas mais autobiográficas, e fala a
respeito da relação materna de Manson. Ele narra toda a superproteção de sua
mãe, e nos mostra que não havia uma total reciprocidade de sentimentos por
parte dele, uma vez que ela não compreendia as angústias do jovem e
52
perturbado filho, e é então que Manson começa sua jornada pelo mundo
das drogas para tentar amenizar a pressão interna que sentia. Tudo isso fica
evidente pelo clima sujo e agonizante dos vocais da música.
O primeiro ciclo chega ao seu fim com "Tourniquet", retrata a
superficialidade das relações humanas que tanto enojam o cantor, sendo
assim, ele tenta construir uma criatura que venha a suprir suas necessidades
afetivas e sentimentais. Isso pode ser relacionado ao período conturbado pelo
qual se passava o casamento de seus pais. A música segue em um ritmo lento,
porém, crescente, cantada de uma maneira quase apaixonada do criador pela
sua obra.
Há finalmente o amadurecimento do verme que Manson encarnou, sua
metamorfose tem início, ele se envolve em um casulo aonde irá começar a
crescer, rumando a se tornar algo maior. O verme se transforma, o anticristo
está cada vez mais próximo. "Tourniquet" apresenta uma série de imagens
grotescas dentro de um ambiente escuro e surreal. As imagens são
principalmente concentradas em torno de um humanóide estranho, sugerido
pela letra da criação de Manson, apoiado em rodas para se mover. Ele tende a
sua criação, com a ajuda de outra criatura, representada como uma criança ao
longo do vídeo.
Imagem: Frame do videoclipe Tourniquet, 1997
O vídeo igual The Beautiful People foi dirigido por Floria Sigismondi, a
parceria entre Manson e Floria proporcionou popularidade para ambos, Floria
mostra ao mundo o grotesco e horripilante Manson, e Manson apresenta ao
53
mundo Floria, uma diretora e fotógrafa que soube extrair exatamente o que a
banda queria expor ao mundo fonográfico.
Imagem: Frame do videoclipe Tourniquet, 1997
Imagem: Frame do videoclipe Tourniquet, 1997
Em sua resenha belíssima e detalhada sobre o álbum “Antichrist
Superstar”, Érico Ferry (2013) nos ajuda a entender como Manson concilia a
nova fase de seu visual grotesco, junto ao álbum conceitual que o jogou do
anonimato ao mercado mainstream.
O ciclo II, "A inauguração do Verme" se inicia com "Little Horn". A
música chega com uma fúria assustadora, vocais gritados com um ódio
54
extremo, com referências à chegada do apocalipse e a célebre frase "O mundo
abre suas pernas para outra estrela" (Little Horn), na sequência das faixas do
álbum, encontramos “Cryptorchid", uma faixa diferente das outras, com um
clima calmo e denso ao mesmo tempo, e um andamento macabro, onde o
verme adquire o poder e autocontrole, através da seguinte frase recitada em
uma contagem de fundo onde evoca o número 7, que simboliza o poder na
tradição Católica. A música se encerra em um coro com a frase: Prick Your
finger it is done, the moon has now eclipsed the sun, the angel has spread its
wings, the time has come for the bitter things (Espete seu dedo e então está
feito, A lua fez um eclipse no sol agora, O anjo abriu suas asas, Chegou a hora
de coisas melhores) Anunciando assim que o verme morreu, ele encontra-se
metamorfoseado em um ser superior, ele abriu suas asas.
Imagem: Frame do videoclipe Cryptorchid, 1997
Nota: os órgãos sendo puxados pra fora do corpo imita a morte de Deus no filme Begotten25, onde o vídeo de
Cryptorchid é uma recriação parcial do mesmo, essa irradiante alegoria de uma vida prévia se encaixa na temát ica da
maturação constante e da transformação do verme.
"Deformography" segue a linha de sua antecessora, com uma melodia
doentia, ela narra a transformação do jovem Brian em um Rock Star, apagando
todos os rastros do seu passado, e a realização de seu sonho de se tornar uma
estrela. "Wormboy" também continua nessa linha, com um ritmo nervoso e
industrial ela continua abordando as difíceis mudanças pelas quais Brian
Warner passou, retratando o medo que ele tinha de mostrar sua verdadeira
25
Begotten é um filme experimental/Filme de terror de 1991, escrito e dirigido por E. Elias
Merhige. O filme lida fortemente com religião e com a história bíblica do Gênesis e da Criação
55
face e personalidade em razão da opressão social e religiosa. Em "Mister
superstar",
Brian Warner
já
encontra-se
morto
e
é
de
fato Marilyn
Manson naquele momento. Um superstar desejado por todos, como fica
explícito nos versos da música. Ele mostra toda a adoração em torno da
celebridade e o poder de controle sobre seus adoradores, expondo a
controvérsia dos valores americanos, e percebe que se tornou tudo o que
repudiava. "Angel With The Sacabbed Wings" chega com uma ira aterrorizante,
continuando a debater o medo e repúdio que sente por ser idolatrado. Ele se
mostra como o anjo caído, de azas cicatrizadas, afundado em drogas,
completamente desvinculado de seu passado e acima de tudo furioso com toda
a situação. Eis que então chegamos ao final do segundo ciclo e um dos
momentos mais assustadores, sombrios e atraentes do disco, "Kinderfeld".
O último ciclo, "A Ascensão do Desintegrador", chega como um soco na
cara do mundo, o Anticristo é recebido com uma multidão a gritar em coro e
saudar sua chegada, ele mostra a sua transformação total, o seu poder de
controle, e ironiza a sociedade que joga pedras nele apesar de ela mesma o ter
colocado nessa posição. Ele anuncia a vingança avassaladora que ele trouxe
para a terra que se segue na próxima música, um dos momentos mais
violentos do disco.
Imagem: A esquerda Manson rasgando a bíblia no meio da canção Antichrist Superstar, a
direita, usando perna de pau para demonstrar “superioridade”, 1997
Fonte: Site Mechanical Christ Brasil
56
Imagem: Dead to the World Tour, 1997
Fonte: Site Mechanical Christ Brasil.
Na faixa "1996" (em alusão ao ano em que o disco estava sendo
lançado), o Anticristo declara guerra total contra a sociedade e seu ódio por
tudo, atacando todas as coisas, sejam elas à seu favor ou não. O Anticristo
está aqui para se vingar de tudo, e de todos, o grande final está cada vez mais
próximo, segundo a música.
Em "Minute Of Decay" temos uma amenização no ritmo feroz que o
álbum vinha empregando, porém, ao contrário do que se sugere, este é um
momento de extrema confusão vivida pelo Anticristo, em que ele lamenta por
ter abandonado sua identidade, e ter chegado à um ponto que não sabe mais
quem é, tudo isso para conseguir se elevar ao nível do Anticristo. O que fica
evidente nos versos finais da música é que ele decide perpetuar sua realidade
por mais tempo, aceitando seu destino de Anticristo e Desintegrador. A música
termina, o teclado ecoa, anunciando o poderoso final.
57
"The Reflecting God" inicia em um misto de canto raivoso e explicativo,
em que Manson se utiliza dos preceitos do Satanismo LaVeyano26, corrente
filosófica e não um culto à um mito antropomórfico de que não há um Deus
acima de nós; essa corrente crer que somos os nossos próprios deuses e
assim devemos continuar sendo, nós somos os condutores principais de
nossas vidas e nós decidimos como a vivemos. Essa talvez seja a faixa que
condensa tudo aquilo que Manson quis passar ao longo do disco, na qual
apresenta uma sociedade suja e mesquinha, que se aproveita, se utiliza e
abusa de nós sem dó nem piedade, mas que podemos evitar e passar por cima
dela, afastando-a cada vez mais.
A música possui um pré-refrão apoteótico, como quem anuncia o
apocalipse vindo para nos separar desse mundo grotesco. Manson recita "No
Salvation! No Forgiveness!" em looping dizendo que o mundo em que vivemos
já está perdido e fadado ao fracasso devido à péssima administração do
homem, ao ponto em que a bateria enlouquece, as guitarras gritam em sons
estridentes e o teclado explode. Acontece o silêncio, a multidão gritante do
início do álbum saúda o anticristo em completa vibração, a voz deste entra
cantando melodicamente: I went to God just to see, and I was looking at me,
saw heaven and hell were lies, when I’m God, everbody dies (Eu fui até deus
apenas para ver, E eu estava olhando para mim, Vi que o céu e o inferno eram
mentiras, Quando eu sou deus, todos morrem), tudo isso acompanhado pela
calmaria de um violão. Os anjos soam trombetas, o Anticristo dá seu último
grito de fúria, o peso retoma, a música explode, a ira do Desintegrador é
descontrolada.
Eis que então chegamos ao fim do último ciclo, e o fim da obra por
completo com "Man That You Fear". Com um piano bem leve, e uma batida
cansada a música desemborca no momento mais emocionante do álbum, uma
bela faixa, onde o Anticristo mistura todas as personagens apresentadas ao
longo da jornada, relembrando de seus vários momentos, assim como a batida
pressupõe, cansado, triste, porém ainda sarcástico, e como é sarcástico esse
26
O Satanismo LaVeyano ou Satanismo de LaVey foi fundado em 1966 por Anton LaVey. Sua
crença se baseia na idéia de que Satã é um arquétipo (e não um ser) positivo. Seus
ensinamentos também são baseados no individualismo, na auto-indulgência e na moral da lei
de talião, com influências dos rituais e cerimônias do ocultista Aleister Crowley e dos
filósofos Friedrich Nietzsche eAyn Rand.
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Anticristo criado por Marilyn Manson. Com uma voz chorada ele nos anuncia
que estamos sozinhos no mundo, e não há ninguém para ouvir nossas preces.
O teclado enlouquece mais uma vez, zumbidos, ruídos e sussurros de crianças
como pequenos anjos recitam incansavelmente: We know when Your wishes
are granted, many of Your Dreams will be destroyed (Saiba que quando seus
desejos forem concedidos, Muitos de seus sonhos serão destruídos). Na
sequência do álbum e das faixas, as vozes cessam da última canção e há um
silêncio. Se você estiver escutando o álbum físico em uma edição original,
nesse momento o contador do aparelho de som começará a pular as faixas em
sequência, realizando uma contagem que para na faixa secreta de número 99,
que nos remete ao começo do álbum novamente, simbolizando o renascimento
do verme.
Ao final de toda essa jornada hipnotizante pela mente de Brian Warner,
estamos certos de que nos encontramos diante de um dos álbuns mais
pesados, complexos, sarcásticas e poderosos da história do rock e da música;
obra cujo criador consegue provocar tantas emoções distintas nas pessoas
(seja por meio do seu instrumental, das suas letras ou pela sua aparência) que
conseguiu conquistar um grande exército de seguidores ao mesmo tempo em
que possui o ódio supremo e feroz de muitos outros que discordam de sua
mensagem.
Com o lançamento de Antichrist Superstar, Manson embarcou em uma
turnê mundial que ficou marcada pelos incontáveis protestos e tentativas de
evangelização por parte de religiosos nas filas de seus shows, uma vez que o
álbum cumpre bem sua função de expor os podres da sociedade cristã, podres
tão grotescos que chegam a doer naqueles que os possuem e não os
admitem. Marilyn Manson marcou toda uma geração e continua a provocar
admiração em várias outras, seja apor meio da música ou de seus outros
projetos artísticos como sua exposição de quadros em aquarela que já rodou
uma boa parte do mundo e recebeu elogios da crítica especializada, e esse
seria somente o primeiro capítulo de uma jornada de três álbuns conceituais
interligados em ordem decrescente, sendo esses "Mechanichal Animals" (1998)
e "Holy Wood: In The Shadow Of The Valley Of Death" (2000).
Em seu álbum conceitual, pesado, insano, carregado de sentimentos de
ódio, desilusão e violência, Manson consegue criar o grotesco em sua
59
totalidade, seja com os vídeos bizarros, cheios de tensão e personagens
monstruosos, letras que remetem o rebaixamento espiritual, e nas imagens
promocionais do álbum. Chocando os espectadores menos avisados. Ao final
da jornada do Anticristo, o até então pouco conhecido Brian Warner se tornaria
uma das figuras mais célebres e polêmicas de seu tempo, o Anticristo
Superstar.
60
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse trabalho, abordamos como o produto audiovisual nasceu, se
moldando no decorrer dos anos. Citando os musicais dos anos 50, criação da
emissora MTV, e do site Youtube, que atualmente é o maior vinculador de
videoclipes, sejam caseiros, pessoais, da cena musical local ou das grandes
industrias da música, e como esse produto audiovisual se torna uma
ferramenta midiática de promoção e divulgação dos artistas, do mundo da
música, ou das artes em geral. Analisamos a banda Marilyn Manson, desde
seu início no final dos anos 1980, até o lançamento do álbum conceitual que
transformou a história da banda. Passando pelas Eras, Portrait of na American
Family, Smells Like Children, e o aclamado, Antichrist Superstar, com esse
trabalho, a banda investe pesado no visual grotesco e bizarro, até chegarmos
no videoclipe The Beautiful People, o foco principal desse trabalho, que lançou
a banda ao mainstream. Trabalhamos com a análise de como o trabalho da
banda se insere na sociedade do espetáculo, usando sua imagem como
mercadoria. Dialogamos sobre como o produto audiovisual se torna uma
ferramenta midiática na promoção e divulgação das bandas, e percebemos
como que a Marilyn Manson cria sua identidade grotesca, se diferenciando
dentro do concorrido mercado fonográfico mundial.
A oportunidade de analisar de forma mais teórica e detalhada os clipes
que foram apresentados no trabalho foi gratificante. Poder compreender um
pouco mais toda a simbologia e contexto da banda Marilyn Manson, a qual, por
ser fã, me impulsionou a tal estudo e analise. Acompanhar a trajetória da
banda desde o final dos anos 1989, e como foi a evolução, tanto literal quanto
visual. Saímos do senso comum de belo e feio na obra da banda, e
conseguimos por meio da pesquisa qualitativa e documental, nos aprofundar
na mensagem passada por Manson em cada videoclipe, Get Your Gunn nos
remete a uma sociedade hipócrita que defende a vida, sendo contra o aborto, e
ao mesmo tempo, um extremista do grupo Pró vida (ironicamente) acaba
assassinando um renomado médico americano por ele defender o aborto, cada
detalhe estudado no videoclipe mostra um Marilyn Manson preocupado não
apenas em “aparecer”, mas em realmente fazer a diferença entre os artistas,
no videoclipe de Lunchbox podemos analisar um tema que atualmente é muito
61
abordado e repudiado, que é o bullying entre os jovens, mesmo sendo com
imagens simples e sem grande produção, o clipe consegue transmitir de modo
claro, que não podemos nos deixar oprimir por “valentões” e que precisamos
estar preparados para os imprevistos que possam acontecer. Dentro da Era
Portrait há uma crítica ainda tímida, explorando contexto familiar, e relações
sociais.
A partir da Era Smells Like Children podemos perceber um Marilyn
Manson mais ousado, mais crítico, debochado e mais dedicado a criação da
identidade grotesca, começa em 1996 a se destacar dentro do mercado
fonográfico ao lançar o clipe do cover Sweet Dreams (are made of this),
mostrando a mídia mundial uma banda suja, grotesca em um manicômio
abandonado, causando um estranhamento no público espectador.
Manson
ganha popularidade fora do contexto underground da música, tendo seu
videoclipe passando na MTV.
No estudo podemos compreender vários elementos novos que ainda
não haviamos observado, com o olhar apenas de espectador, mas com o olhar
crítico podemos perceber e analisar. Dentro da Era Antichrist, que o tema
grotesco é abordado em sua totalidade, a maneira como a banda usa sua
imagem e videoclipe para criticar, principalmente a cultura americana, usando
imagens fortes, letras ácidas e comportamentos imorais em seus shows e fora
dos palcos. O mundo surreal ambientado em seus clipes e mensagens
subliminares se tornam, ao mesmo tempo que assustam os espectadores
menos avisados, encantam os fãs da banda, com a quebra da simetria estética
“padrão” nos produtos audiovisuais, inserindo no mundo fonográfico, um novo
elemento de produção. Uma nova forma de ver a sociedade.
Dentro da perspectiva da sociedade do espetáculo, percebemos a
grande importância que Manson teve dentro da música e na produção de seus
videoclipes. A própria banda se transforma na mercadoria que o espetáculo
vende, investindo nas fotografias promocionais cada vez mais elaboradas e
chocantes, seus shows mais grandiosos, com troca de figurino e muita
encenação por parte da banda. Usando o grotesco como inspiração principal, o
gênero se torna a forma mais importante de sua divulgação e venda. Nos dias
atuais, não conseguimos falar de Manson sem o relacionar com o grotesco.
62
Por causa de seu apelo mercadológico, o público se identifica, não
apenas com o vestuário gótico grotesco, roupas pretas, coturnos e maquiagem
pesada no rosto. Mas sim pela ideologia que Manson vende, suas letras com
críticas a sociedade, religião, sexo, drogas e relações sociais, temas esses que
a própria sociedade prefere não abordar, a banda expõe de maneira atrativa,
principalmente a jovens com formação de personalidade, que estão procurando
se encaixar em grupos sociais distintos, buscando sua identidade e diferença
na sociedade. É a forma que esse público encontra de também expor seus
pensamentos e sentimentos.
Marilyn Manson se torna uma poderosa ferramenta midiática, podendo
ser estudado, analisado e aplicado de várias maneiras. Para o profissional de
relações públicas se torna um campo fértil para entender as relações sociais, a
comunicação de massa, as mídias eletrônicas e os estudos culturais. Com a
criação de imagem e identidade, e compreender como esses elementos se
tornam ferramentas midiáticas, que podem influenciar e modelar a vida
cotidiana do indivíduo.
Esperamos ter conseguido alinhar os autores de maneira que o diálogo
tenha sido claro. Que esse trabalho seja relevante para pesquisas futuras
sobre como o gênero grotesco se insere na cultura midiática, modelando o
cotidiano do consumidor e gerando identificação de grupos e tribos urbanas.
63
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http://whiplash.net/materias/cds/180656-marilynmanson.html#ixzz33WdvHHbp
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