CINEMA E ROCK: UMA ANÁLISE DOS USOS DA IMAGEM DOCUMENTAL
PARA A ESTÉTICA DO VIDEOCLIPE EM CHIAROSCOPE, DE RICARDO
SPENCER
Caroline Govari Nunes - Universidade Federal de Santa Maria1
Cássio dos Santos Tomaim – Universidade Federal de Santa Maria2
1. Considerações Iniciais
Abordar a relação entre música e cinema envolve uma pesquisa interdisciplinar, ainda
mais quando a música é rock’n’roll e o cinema é o experimental. Uma observação necessária
sobre o termo “experimental” pode convir já no início deste trabalho, pois identificamos um
investimento estético próprio no produto audiovisual que analisaremos. Sendo assim,
“experimental”, aproximando-se do termo “avant-garde”, aponta algo com caráter de
experimento, de investigação ou invenção da própria linguagem que constitui o cinema em
suas possíveis relações com a literatura, o teatro, a música e as artes em geral. O experimento
pode, dessa forma, garantir um aspecto diverso, desde uma montagem acelerada, não fazendo
necessariamente uso de um roteiro dramático e explorando movimentos de captação não
muito utilizados3.
Já sobre o gênero musical rock’n’roll, Grossberg diz que
[...] rock refere-se ao âmbito do pós-guerra, jovem-orientado,
tecnologicamente e economicamente mediado pelas práticas musicais e seus
estilos. Descrevendo o rock como uma formação, eu quero enfatizar o fato
de que a identidade e os efeitos do rock são mais abrangentes do que sua
dimensão sonora. Falar do rock como uma formação demanda que nós
sempre localizamos práticas musicais em um contexto de um complexo (e
sempre específico) quadro de relações com outras práticas sociais e
culturais; daí eu descreverei o rock como uma cultura antes de descrevê-lo
como uma prática musical (GROSSBERG, 1997, p. 102).
1
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3
Em nossa pesquisa encontramos a relação conceitual entre os termos “experimental”, “independente”,
“underground” e “avant-garde” confirmada tanto pelas observações introdutórias do ensaio Experimental,
independent, and animated films de Thomas e Vivian Sobchack (1987) quanto pela introdução do livro Avantgarde Film de Scott MacDonald (1993).
2
Dessa forma, compreendemos que grande parte das questões que abordam o
rock’n’roll apontam para a necessidade de atenção às suas formas de expressão no cotidiano.
Entendemos que esse gênero, por sua musicalidade, agrega fãs, críticos, músicos e constrói
uma afetividade presente em suas produções.
Percebemos, no decorrer desse trabalho, que ainda são recentes os estudos4 que
englobam cinema e música, principalmente no Brasil. De um modo geral, o interesse por
estudos sobre a música no cinema cresceu no final dos anos de 1970, após a viabilidade
técnica que possibilitou uma maior integração entre os elementos sonoros, cujo marco é o
sound design, conceito criado por editores de som norte-americanos como Walter Murch e
Ben Burtt. Além da escassez de estudos sobre música e documentário, durante décadas a
música foi pouco explorada como objeto de representação nos filmes, ficando em segundo
plano mesmo em documentários que apresentam a produção de um disco e composições
musicais, aparecendo apenas fragmentos de canções.
O início dessa relação música/cinema surgiu em 1965 quando o cineasta Don Alan
Pennebaker, engajado no Cinema Direto, como veremos mais adiante, documentou a turnê de
Bob Dylan pela Inglaterra. Intitulado Don’t Look Back, o filme em preto e branco mostra mais
os bastidores do que o palco, além de ensaios e a genialidade de Bob Dylan em momentos até
então não conhecidos do grande público. Na mesma época, Jean Rouch, articulando o Cinema
Verdade, lançou Tourou et Bitti (1967), em que o toque dos tambores deflagra o transe
mediúnico dos personagens.
No Brasil, boa parte dos produtos que tratam a música no cinema resulta da
experiência em combinar essas duas vertentes, recuperando elementos estilísticos do
documentário clássico e poético. Acerca das produções que envolvem rock e cinema no
Brasil, encontramos exemplos em Herbert de Perto (Roberto Berliner e Pedro Bronz, 2009),
sobre o líder da banda Paralamas do Sucesso, Lóki: Arnaldo Baptista (Paulo Henrique
Fontenelle, 2008) documentário biográfico sobre Arnaldo Baptista e Raul Seixas – o início, o
fim e o meio (Walter Carvalho, 2012), sobre a vida e obra do músico baiano, entre outros
tantos exemplos (ainda mais no âmbito biográfico) que poderíamos citar aqui.
4
Dos estudos sobre música no cinema ficcional e/ou no documentário a que tivemos acesso, os que se
mostraram relevantes para o nosso tema foram Como explicar o ímpeto do documentário musical brasileiro?
(Luciano Ramos), no qual o autor busca refletir sobre o fenômeno a partir de um olhar crítico da produção
brasileira recente, contextualizando o lançamento dos filmes e estudos da cultura que baseiam suas asserções; O
rock desligado de Lóki (Márcia Carvalho), que é uma análise do documentário Lóki: Arnaldo Baptista (2009), de
Paulo Henrique Fontenelle que busca retratar a pesquisa histórica e a abordagem biográfica, examinando em
particular a valorização da memória oral e o resgate de performances musicais apropriadas de diferentes fontes
que colocam em perspectiva a história do rock brasileiro nas telas do cinema e da televisão, entre outros.
Fugindo do caráter biográfico presente nos exemplos citados acima e abusando de
ferramentas experimentais, encontramos em Chiaroscope (Ricardo Spencer, 2009), DVDColetânea sobre as gravações do disco Chiaroscuro, de Pitty, a presença do cinema
documental agregado à estética do videoclipe. Dessa forma, esse texto objetiva propor o
entrelaçamento entre música e expressão audiovisual em Chiaroscope, além de apresentar a
trajetória da cantora Pitty e do diretor Ricardo Spencer. Com isso, buscamos entender e
valorizar o experimentalismo presente na obra, o que proporcionou um material que varia a
narrativa cinematográfica e quebra com conceitos pré-estabelecidos. Percebemos que
Chiaroscope dialoga com esses dois formatos – documentário e videoclipe – ao fazer uso da
imagem captada in loco para compor as estéticas dos videoclipes, o que acarreta uma série de
singularidades que diferem essa obra de outros produtos audiovisuais da própria cantora e
demais artistas brasileiros.
2. A carreira de Pitty e Ricardo Spencer
Nascida na cidade de Salvador/BA em 1977, Pitty, nome artístico de Priscilla Novaes
Leone, passou por outras duas bandas, Shes (1998) e Inkoma (1998-2000) antes de despontar
em trabalho solo pelo mundo afora. Desde então, foram mais de cinco milhões de cópias
vendidas em sua carreira, além de inúmeros prêmios no VMB (Video Music Brasil), Prêmio
Multishow, e outras premiações.
Acompanhada por Joe no baixo, Duda na bateria e Martin na guitarra, Pitty investe em
diversos formatos musicais e audiovisuais desde o início da sua carreira nacional, em 2003.
Após um convite de Rafael Ramos, músico e produtor da gravadora Deckdisc, Pitty lançou
três discos de estúdio, Admirável Chip Novo (2003), Anacrônico (2005) e Chiaroscuro
(2009). Já no campo audiovisual, a cantora e compositora lançou Admirável Vídeo Novo
(2004), Sessões Anacrônicas (2005), {Des} Concerto Ao Vivo (2007), Chiaroscope (2009) e A
Trupe Delirante no Circo Voador (2011) (NA MORAL, 2013).
Em 2011, influenciados por Nick Drake, Iron&Wine, Elliott Smith e tantos outros
artistas, Pitty e Martin lançaram o disco homônimo de seu projeto paralelo denominado
Agridoce, o qual se diferencia bastante do trabalho principal de Pitty. Além do disco, o
Agridoce lançou um DVD intitulado Multishow Registro: Agridoce – 20 passos e dois clipes:
Dançando, com direção de Otávio Sousa, e 130 anos, dirigido por Ricardo Spencer
(DECKDISC, 2013).
Neto da primeira dama do teatro baiano, Ricardo Spencer nasceu em um berço de
artistas e foi da avó, Nilda Spencer, que ganhou a Super 8 que utiliza em seus videoclipes até
hoje. Formado em Artes pela UNIFACS, Salvador/BA, e com pós-graduação em Estética do
Cinema pela UCLA, Los Angeles/CA, o diretor baiano de 36 anos dirigiu mais de 40
videoclipes de artistas como Rita Lee, Vivendo do Ócio, Agridoce, Vanguart, The Cigarettes,
CPM 22, Cascadura, Cachorro Grande, NX Zero, entre outros.
Considerando-se um autodidata por avaliar que a maioria do seu aprendizado vem de
livros, Ricardo Spencer, além de Chiaroscope, dirigiu inúmeros trabalhos audiovisuais da
carreira de Pitty, entre documentários, making of e videoclipes. Em Sessões Anacrônicas,
produto que documentou as gravações do disco Anacrônico (2005), o diretor, em parceria
com o também cineasta Alexandre Guena, precisou ser muito criativo para suprir as
necessidades de orçamento e equipe, o que resultou em um documentário inteiro feito com
câmeras amadoras e de vigilância. Já em Chiaroscope, a estrutura foi um pouco melhor, o que
consequentemente possibilitou maiores inovações. Intitulado pela imprensa como Home
Movie, Ricardo Spencer suspeita que essa denominação tenha surgido porque muitas das
imagens foram gravadas pelos próprios músicos e não cinegrafistas profissionais, garantindo
assim um teor mais familiar ao produto.
Em Chiaroscope, uma vez que estava decidido que cada música teria uma estética
diferente da outra, as influências de David Lynch, Harmony Korine e muito experimentalismo
vieram à tona, resultando em vídeos cheios de particularidades, como veremos na análise.
Além de David Lynch e Harmony Korine, as influências de Ricardo Spencer transitam
entre o cinema e a literatura e vêm de Michelangelo Antonioni, Stanley Kubrick, Akira
Kurosawa, Jean-Luc Godard, Andrei Tarkovsky, Meteorango Kid, Charles Bukowski,
Shepard e os beatniks, Stan Brakhage, e, claro, muita música, do Jazz ao Shoegazer. No
videoclipe, o diretor alega que suas influências são quase inexistentes, justamente por optar
por uma linguagem mais cinematográfica em sua obra. Entretanto, cita Spike Jonze e Michel
Gondry como nomes imortais e afirma que não há como não adorá-los5.
3. A estética do videoclipe
Acerca do termo videoclipe, temos que “velocidade, fragmentação, efeitos visuais e pósmodernidade são palavras comumente associadas ao videoclipe ou à sua estética” (MUANIS,
5
Essas informações foram fornecidas por Ricardo Spencer por meio de troca de mensagens eletrônicas em 03 de
agosto de 2013.
2012, p. 65). Também percebemos que para muitos é senso comum que esses artifícios de
velocidade e fragmentações tiveram origem nos filmes vanguardistas dos anos de 1920, em
que os experimentos com movimento, ritmo, cor, forma e música mostraram que o cinema
poderia ter uma narrativa inexistente e até mesmo abstrata nos trabalhos dos cineastas Oskar
Fischinger e Hans Richter6 (MUANIS, 2012, p. 65-66).
Segundo Soares (2004), no início o videoclipe era rápido e instantâneo, com imagens
em velocidade frenética e sem obrigação de contar uma história linear com início, meio e fim,
isto é, podia ser somente uma sobreposição de imagens para vender a música. Assim, esse
dispositivo cultural e artístico surge para vender um pacote: música e artista. Na composição
do videoclipe as imagens se relacionam em maior ou menor intensidade com a letra da
canção. Essa dimensão da imagem é criada na articulação entre o sonoro e as possíveis
traduções em forma de imagem que cada música suscita, característica que, mesmo fazendo
uso da imagem documental, vemos presente em Chiaroscope, seja fazendo uso de distintas
ferramentas cinematográficas como iluminação mais obscura ou diversos efeitos de
montagem.
Acreditamos na premissa de que o videoclipe não deve ser validado somente pela
imagem ou pelo som e, sim, pela interação de ambos. Em congruência com o pensamento de
Goodwin (1992), o qual aposta em uma “musicologia da imagem” e sugere que a sinestesia é
peça chave para entender o videoclipe, vemos o videoclipe como uma tentativa de registrar a
combinação entre imagem e som, relacionando elementos da música como, por exemplo,
tempo, ritmo, arranjos, desenvolvimento harmônico e espaço acústico com os movimentos de
câmera, além da performance do artista, edição de imagens e finalização. A sinestesia que
Goodwin fala “é o processo intrapessoal, por meio do qual as impressões sensoriais são
conduzidas de um sentido para outro, por exemplo, quando ouvimos os sons das imagens com
os nossos ‘olhos da mente’” (GOODWIN, 1992, p. 50). Como já foi citado anteriormente, o
autor destaca cinco aspectos musicais (tempo, ritmo, arranjos, desenvolvimento harmônico e
espaço acústico) e dá ao “tempo” atenção particular. Movimentos de câmara, efeitos de edição
e pós-produção estão entre as técnicas utilizadas para promover a visualização da velocidade.
Para ele o ritmo também é essencial e não é representado apenas pelo “corte na batida”,
efeitos especiais e variação na luminosidade também geram estes resultados. A elevação da
6
Nos anos de 1920, o cinema absoluto (filmes de Richter, Ruttmann, Eggeling, Fischinger) surge no contexto
de efervescência criativa e teórica (e técnica: todos os filmes são de animação) que atravessa toda a Europa,
além da União Soviética (URSS) e que envolve o cinema em uma demanda sem fim: a busca de uma
legitimidade artística que o equipare às outras artes e a compreensão da sua especificidade expressiva
(NOGUEIRA, 2010, p. 01).
voz do intérprete em relação aos instrumentos musicais também direciona a composição do
videoclipe quando, por exemplo, são feitos closes na face do artista numa espécie de resposta
ao que pede a canção, como em Medo, onde a variação da luminosidade e os closes no rosto
de Pitty são recursos constantes, os quais veremos mais adiante na análise.
O autor ainda comenta que “música pop e videoclipe desafiam certas convenções do
“clássico texto realista”; em particular, nenhum dos dois adere completamente à clássica
seqüência ruptura-ação-resolução” (GOODWIN, 1992, p.84), ou seja, tentar transpor para o
videoclipe o modelo clássico das narrativas tradicionais do cinema e da TV dificilmente
resultará em um produto promissor.
Em Chiaroscope percebemos essa ruptura com as convenções clássicas e, mais ainda,
com o visual estético do videoclipe contemporâneo, contrapondo inclusive o pensamento do
próprio Goodwin (1992) que diz que “o videoclipe faz sentido em parte porque reflete, de
certa forma direcionada, as características do pop, com as quais a audiência é extremamente
familiarizada” (GOODWIN, 1992, p. 85). As características dos videoclipes de Pitty que a
audiência estava familiarizada estavam presentes em Memórias7, Dejà Vú e Me Adora, por
exemplo, todos dirigidos por Ricardo Spencer. Havia uma identidade e uma história sendo
contada nesses videoclipes, e não imagens documentais que vemos presentes em
Chiaroscope.
4. Os diversos usos da imagem documental
Ao fazer uso da imagem documental, Ricardo Spencer suscita uma série de reflexões
acerca da produção de Chiaroscope. Em primeiro lugar, precisamos entender o que é
documentário. Esse gênero cinematográfico caracteriza-se pela presença de procedimentos
que o singularizam com relação ao campo ficcional. Antes de tudo, “o documentário é
definido pela intenção de seu autor de fazer um documentário (intenção social, manifesta na
indexação da obra, conforme percebida pelo espectador)” (RAMOS, 2008, p. 28, grifo do
autor). O autor destaca também elementos próprios à narrativa documentária, como a
presença de locução, utilização de imagens de arquivo, presença de entrevistas ou
depoimentos, rara utilização de atores profissionais e intensidade particular da dimensão da
tomada. Já que estamos falando sobre o termo documentário, e o recurso a tomadas de caráter
documental de forma direta em Chiaroscope nos remete a um dos modos de representação no
documentário, acreditamos ser válido expor a tipologia de Nichols (2006).
7
Além de Ricardo Spencer, a direção do videoclipe de Memórias é também de Alexandre Guena.
Segundo o autor, os documentários expositivos dependem muito de uma lógica
informativa, transmitida verbalmente, em que as imagens desempenham papel secundário.
Elas ilustram, esclarecem, chamam ou contrapõem o que é dito. O modo poético, para Nichols
(2006), sacrifica as convenções da montagem em continuidade para explorar associações e
padrões que envolvam ritmos temporais e justaposições espaciais. Ele originou-se do grau em
que os filmes modernistas se basearam no mundo histórico como fonte, assim, retirando do
mundo histórico sua matéria-prima. No modo participativo é a interação e experiência aberta
entre cineasta e participantes que contam. Pode acontecer de o cineasta querer apresentar uma
perspectiva mais ampla e, para isso, ele faz uso da entrevista, dirigindo-se formalmente ao
personagem em vez de dirigir-se ao público através da voz-over. O modo performático
enfatiza a complexidade de nossos conhecimentos do mundo ao enfatizar dimensões
subjetivas, dirigindo-se a nós de maneira emocional, significativa, em vez de nos mostrar
apenas o mundo objetivo que temos em comum. Para Nichols (2006), o formato reflexivo
resulta em um tipo de filme que busca aumentar a consciência do telespectador a partir dos
problemas da representação do outro, ou seja, é posto em jogo o convencimento desta
representação segundo a sua veracidade e autenticidade, de modo a desafiar técnicas e
convenções. Enfim, o autor aponta que os filmes observativos mostram uma força especial ao
dar uma ideia da duração real dos acontecimentos, além de trazer à tona uma estética que
conclama a evidência e a aproximação com os temas retratados, e é assim que nos sentimos ao
assistir Chiaroscope.
Tentando entender onde esse modo cinematográfico surgiu, descobrimos que na
década de 1930 a tradição não ficcional foi inaugurada por John Grierson, a qual predominou
até a primeira metade do século. Já em 1960, o Cinema Verdade/Direto constituiu a primeira
ruptura ideológica com essa estética de Grierson, o que Ramos (2004) apresenta como
momento-chave dentro do campo da não ficção. O Cinema Verdade, para o autor, deve jogar
limpo e sempre mostrar o caminho percorrido na composição dos procedimentos do discurso
cinematográfico. Ramos (2004) ainda aponta que o primeiro Cinema Verdade acreditava
poder contrapor-se à tradição griensoniana, assumindo “a vida como ela é”, excluindo a
encenação. No Cinema Direto havia a proposta da não intervenção do documentarista, sendo
este comparado a uma “mosca na parede”, em que lhe cabia mostrar sem ser mostrado
(RAMOS, 2004, p. 82).
Entretanto, “mostrar a vida como ela é” tem seus limites e abre a discussão acerca de
temas como verdade, realidade, enquanto que o próprio nome não nega o fato de esta ter sido
pensada dentro de um conceito no qual se acreditava que a objetividade era a verdade. Aqui,
percebemos que Chiaroscope visa um realismo estético particular do documentário do
Cinema Direto, o que contribui para tornar mais familiar a relação da banda com os seus
admiradores. Porém, nos videoclipes a objetividade que sugerem os registros é distanciada,
uma vez que predomina um tom mais subjetivo e experimental, até mesmo porque não
devemos perder de vista que Chiaroscope não pode ser considerado um documentário.
Esse tom subjetivo surge ao fazer uso dos tratamentos estéticos distintos em cada uma
das 11 músicas que compõem o produto audiovisual, exibindo cada faixa com fotografia
singular e uma “vestimenta” visual adequada para traduzir a essência das músicas em questão.
Vemos os músicos fazendo às vezes de cinegrafistas, captando imagens através de celulares,
câmeras HD e até mesmo GoPro, uma espécie de micro câmera.
Outro ponto a destacar em relação ao uso da imagem documental é o que Ramos
(2008) nos aponta como “encenação documentária”. Mesmo Chiaroscope não sendo um
documentário, estamos diante do que o autor denomina de “encenação-construída” e
“encenação-atitude” (ou “encena-ação”). A encenação-construída engloba um conjunto de
atitudes desenvolvidas explicitamente para a câmera e a circunstância da tomada que a cerca.
O autor ainda lembra que esse tipo de encenação que faz reconstruções históricas sempre foi
muito utilizado, por isso, nos adverte que “ao analisar a amplitude da tradição documentária
de hoje, devemos reconhecer o lugar de destaque que é ocupado pela encenação de
documentários em estúdios” (RAMOS, 2008, p. 42).
Já na encenação-atitude, temos uma série de comportamentos provocados pela
presença da câmera e do sujeito que a sustenta. Segundo Ramos (2008), na encenação-atitude,
existe uma relação de homogeneidade entre o espaço fora-de-campo e o espaço fílmico, isto é,
os comportamentos deflagrados pela presença da câmera são os próprios comportamentos
corriqueiros, com alguma mudança provocada justamente pela presença da câmera e a equipe
de filmagem. Nós interpretamos a nós mesmos na presença de outras pessoas, e isso não seria
diferente diante de um sujeito que sustenta uma câmera. O autor nos explica que a encenaçãoatitude não existe, apesar de costumarmos defini-la assim. O que existe, então, é uma
“encena-ação”, pois trata-se de um comportamento normal flexionado em atitudes pela
presença da câmera. Se para cada pessoa compomos uma imagem e reagimos assim à sua
presença, não seria diferente com a experiência da presença da câmera e seu sujeito na
circunstância da tomada cinematográfica, entende o autor.
Recorrendo à música para pontuar a narrativa, percebemos de que forma Ricardo
Spencer fez uso das encenações-construídas e encenações-ações durante o produto
audiovisual. Pitty encena a si mesma ao gravar a canção, ou seja, a ação que acontece frente à
câmera é própria ao estilo da cantora. Por outro lado, percebemos que a encena-ação é a ação,
movimento e interação ativa com os sujeitos que compõem a circunstância da tomada –
diretor, produtor e demais músicos. Nos videoclipes a encenação-ação interage com a
encenação-construída ao entendermos que essas tomadas foram pensadas para o vídeo. Dizer
que a tomada foi “pensada” não se trata de eliminar o verossímil da tomada, como se por trás
da espontaneidade da artista (aqui transformada em personagem, por se tratar de um
experimento no formato videoclipe) existe um falseamento, pelo contrário, reconhecemos que
é uma forma de aproximar o espectador da música que está sendo gravada para o disco,
causando neste uma sensação de apropriação do ambiente visto na tela.
Portanto, buscaremos a seguir entender a comunhão entre música e imagem por meio
de uma análise dos diferentes formatos e conceitos que o realizador dá ao tema e à cantora,
assim como os usos da imagem documental como variação estética para o formato videoclipe.
5. Me dou bem com os inocentes, mas com os culpados me divirto mais
No menu do DVD podemos escolher se queremos assistir faixa por faixa ou o
Chiaroscope inteiro. Ao darmos play em Chiaroscope, o vídeo inicia com a canção 8 ou 80,
já que a ordem dos clipes obedece a ordem das faixas do CD Chiaroscuro. De início, somos
tomados por imagens intercaladas de guitarras, dos músicos, além de tomadas externas de
carros circulando no ritmo da canção. A estética das imagens surpreende – tratamentos
granulados, imagens desfocadas e imediatamente cortadas para imagens em HD, até que a
base da música fica mais firme e somos introduzidos claramente ao Estúdio Madeira (São
Paulo/SP), onde foram feitas as gravações. A partir daqui, vemos Pitty cantando a música ora
com toda a banda, ora isolada. O uso das imagens com tratamento experimental cria um
ambiente claramente subjetivo, fugindo do tratamento objetivo dos registros in loco. Pitty,
muitas vezes, nos foge à imagem, em que então vemos os músicos tocando e demais sujeitos
fazendo parte da tomada, criando uma atmosfera caseira e afetiva. Por vezes, chegamos a
suspeitar que os músicos esqueceram que estão sendo filmados, tamanha a espontaneidade
dos mesmos. Espontaneidade essa que não desaparece com os usos da encenação-construída e
encenação-ação já que, mesmo sendo tomadas pensadas para o vídeo, a ação que ocorre frente
à câmera é inerente à personalidade destes sujeitos.
Nessa primeira faixa já percebemos que Chiaroscope abusa do experimentalismo e
rompe com narrativas clássicas do cinema e dos próprios videoclipes contemporâneos, seja
fazendo uso de imagens desfocadas, HD, micro câmeras, imagens em planos detalhe ou
gerais. A narrativa de 8 ou 80 não segue uma linha lógica, o que aparece é o ambiente de
ensaio e gravações da banda.
A canção 8 ou 80 termina, consequentemente seu vídeo também, e a imagem é cortada
para a faixa Me Adora. Aqui percebemos que a única ligação que há entre uma música e outra
é o ambiente de gravação, pois os tratamentos estéticos diferem e os vídeos podem ser
assistidos separadamente, ou seja, não há uma ligação narrativa entre as canções que obrigue
a uma montagem contínua.
Me Adora surge em um ambiente mais descontraído. Diferentemente de 8 ou 80 em
que só víamos imagens dos músicos no estúdio e tomadas externas, Me Adora apresenta a
banda em um ambiente totalmente familiar, em situações na cozinha da casa do baterista
Duda, dono do estúdio onde eles gravam e ensaiam. No início, uma tomada em que Pitty pica
cebolas nos remete rapidamente a cenas em preto e branco dos filmes mudos, da década de
1920. Essa tomada é cortada para outra dos músicos no estúdio fazendo uma audição da
música. A montagem de Me Adora é um pouco mais evidente do que a de 8 ou 80, há uma
duração mais real dos acontecimentos, já que não há tantos movimentos quanto na faixa
anterior, apenas inserções de imagens da cantora, amigos e músicos em outros ambientes, mas
sempre voltando para o estúdio. Durante todo o clipe eles se divertem, cantam, dançam e
fazem graça para a câmera, tornando o vídeo convidativo à aproximação desse momento por
parte do espectador.
Uma tomada essencialmente documental aparece entre Me Adora e Medo, onde Pitty
está sentada na cama de Duda e diz “vamos Medo?!”, e em seguida o produtor Rafael Ramos
aparece e eles se dirigem para o estúdio. O cineasta continua acompanhando os músicos
durante uma rápida preparação da pré-gravação que, consequentemente, nos leva a uma
aproximação do fato em si. Aproximação essa que pode ser proporcionada justamente pelo
uso dos dispositivos documentais, bem no estilo observativo, já que o cineasta acompanha as
gravações e não interfere diretamente na atitude dos sujeitos envolvidos. Essa tomada não faz
parte dos videoclipes da banda e é uma ferramenta de ligação entre um vídeo e outro,
ratificando o caráter experimental de toda a obra. O espectador, ao assistir Chiaroscope em
um play só, não sabe muito bem o que pode acontecer entre uma faixa e outra, e isso é uma
característica positiva proporcionada pela escolha estética documental de Ricardo Spencer.
Medo aparece completamente sombria, um tratamento estético singular em relação aos
demais videoclipes. Entendemos que a obscuridade dada ao vídeo remete à letra da música e à
tensão presente na harmonia, cheia de particularidades pesadas de guitarras e bateria. Se antes
tínhamos imagens descontraídas de toda a banda, em Medo vemos somente Pitty cantando em
tomadas introspectivas com a exploração de big closes. A roupagem estética escura dada à
canção dialoga com o que Pitty canta: “Medo de ter, medo de perder, cada um tem os seus e
todos têm alguns. Suando frio, as mãos geladas, coração dispara até sufocar”. Isso
proporciona uma melhor assimilação por parte do público que recebe esse produto, já que o
que vemos na tela combina com o que escutamos na música.
Em Água Contida surgem dois novos sujeitos sociais: Catarina Gushiken, artista
plástica que pintou o quadro “Chiaroscuro” (capa do disco e do encarte do DVD) e Hique
Gomez, músico convidado para gravar o violino na canção. Água Contida inicialmente segue
no tom mais introspectivo que havia aparecido em Medo, e isso se deve à letra da música que
também trata de questões mais pessoais e subjetivas. Um ponto que nos chama a atenção é
que em todos os momentos que Catarina aparece pintando, a estética visual da imagem varia
para o preto e branco, se diferenciando do colorido do resto do vídeo. Acreditamos que isso se
deve ao fato de que Catarina Gushiken é estimulada sensorialmente durante seu trabalho que,
além de ser uma pintura em preto e branco, é capa de um disco intitulado “Chiaroscuro”8,
palavra italiana para “luz e sombra”, ou mais literalmente “claro e escuro”. É possível
perceber mesmo em apenas quatro faixas que o disco aborda essa dualidade, o que foi,
consequentemente, levado para a tela de pintura de Catarina Gushiken e para as tomadas
audiovisuais do cineasta.
Entre Água Contida e Só Agora temos novamente a inserção de uma cena que não faz
parte dos videoclipes. Duda se prepara para gravar meia-lua, mostrando claramente que
estamos saindo de um vídeo e indo para outro.
Só Agora chega devagar, com Pitty cantando sentada no sofá da casa de Duda, em
uma tomada intimista. A encenação-construída a qual o cineasta recorre refere-se a uma
tomada controlada, pois entendemos que ela foi pensada previamente para o vídeo, a fim de
criar um ambiente onde a música possa se sobressair e tomar a posição principal. Há o uso de
efeitos na edição que nos confundem e ao mesmo tempo nos envolvem nos pequenos
movimentos de Pitty. Em determinados trechos da música somos levados ao estúdio onde os
músicos estão tocando, e imagens intercaladas dos instrumentos que causam efeitos sonoros
como sinos, chocalhos, e demais objetos aparecem com um toque minimalista, fazendo
novamente que a música receba vestimenta diferente e tratamento especial.
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Leonardo da Vinci foi pioneiro no uso do Chiaroscuro para criar a ilusão de relevo sobre uma superfície
bidimensional. Leonardo da Vinci foi um dos maiores pintores renascentistas do século XV (DA VINCI & THE
DEVELOPMENT OF CHIAROSCURO, 2013).
O uso da imagem que foge à estética do videoclipe reaparece, e dessa vez Martin está
colocando um boné onde está atrelado uma micro câmera. A edição dessa tomada dá a
sensação de que a imagem está com defeito, mas não é nada mais que um efeito do diretor,
novamente reforçando a quebra de alguns conceitos. Quando Fracasso começa percebemos
que há micro câmeras não somente na cabeça de Martin, mas de todos os outros componentes
da banda. Essa ferramenta permite que tenhamos a sensação de estar enxergando através dos
olhos dos músicos, não perdendo nenhum detalhe desse espaço de gravação. Essas tomadas
captadas pelas micro câmeras predominam na maior parte do videoclipe, abrindo apenas para
imagens da cantora gravando as palmas da música e pequenos movimentos de Martin na
guitarra, mostrando que é essencialmente na música em que o diretor se apóia para estabelecer
a narrativa dentro dos videoclipes.
A presença da micro câmera intercalada às imagens HD que comentamos acima
permite que duas narrativas se encontrem: uma mais limpa, tradicional e nítida, e a outra mais
experimental, nebulosa e desfocada. Este encontro já havia aparecido desde o início do
produto audiovisual em análise, entretanto, aqui fica mais evidente para o espectador por
termos uma visão particular exposta em vídeo. Além disso, estas imagens de tonalidades
diferentes em Fracasso sugerem a dualidade de toda a atmosfera que paira sobre o disco – o
nítido e o desfocado, o claro e o escuro, o oito e o oitenta.
Fracasso é cortada imediatamente para Desconstruindo Amélia, em que, até um
primeiro momento, acreditamos que esse será um clipe igual aos outros – com cenas que
mostram os músicos conversando, ensaiando, caminhando pelo estúdio e demais ações que já
vimos anteriormente. Entretanto, apesar de a montagem ser essencialmente parecida, a edição
e tratamento das imagens estão em harmonia com a música, inclusive no coro feminino que
faz parte do refrão. Aqui, outras seis personagens surgem e participam da tomada. Acentuada
pelo forte contraste do preto e branco ou pela própria letra e melodia da música, a imagem em
que Pitty aparece cantando o refrão nos sugere uma força e intensidade singular na
interpretação da artista.
Um mecanismo novo surge ainda em Desconstruindo Amélia. Objetos de gravação
(microfones, cabos, pratos, pedais etc.) sobrepostos surgem e desaparecem freneticamente
acompanhando o solo de guitarra, proporcionando mais movimento na narrativa e montagem
do vídeo.
Novamente, temos um trecho que liga uma canção à outra. Dessa vez, vemos os
músicos fazendo aquecimento vocal e brincando, recordando o clima caseiro que ambienta a
obra. A música da vez é Rato na Roda. Ela também tem todo aquele jogo de cenas e
ferramentas estéticas que vimos anteriormente. Por ter uma linha de baixo e bateria muito
marcante, Joe e Duda recebem atenção destacada na montagem. A gravação dos pedais de
efeito também recebe atenção, já que a música tem várias camadas de vozes. O preto e branco
sujo volta a se contrapor com o colorido nítido, nos causando aquela mesma impressão de
dualidade do produto.
Após uma rápida inserção que nos induz à música Trapézio, somos levados ao
banheiro do baterista onde cada músico está em uma posição: Martin, em pé, escorado na pia;
Joe, sentado na privada; Duda, no chuveiro, e na banheira, Pitty. Essa é talvez a música que
mais recebe a vestimenta característica do videoclipe e poderia possivelmente vender o pacote
artista + imagem. É feita em uma tomada só, não aparecem imagens documentais e a música
se desenrola enquanto Duda toma banho, Pitty divaga cantando na banheira, Joe toca violão e
Martin lixa suas unhas no ritmo da canção. Além disso, vemos o uso que o diretor faz da
encenação-construída em Trapézio. A construção do espaço em uma encenação-construída
envolve a utilização de cenários pensados exclusivamente para a tomada, que é o que vemos
no banheiro onde o videoclipe é gravado, ou seja, essa é uma ação ou expressão preparada
anteriormente. A utilização da encenação-construída por parte do diretor permite uma imagem
completamente nova em Chiaroscope, nada semelhante ao que vimos até então.
A inserção de imagens que fez a ponte outrora entre uma música e outra é agora a
mais longa desde o início do DVD. Se acima vimos o uso da encenação-construída, aqui nesse
espaço entre um clipe e outro vemos traços do modo reflexivo que Nichols utilizou para
definir os tipos de documentário. Como essa é uma obra que intercala o uso documental com
a estética do videoclipe, podemos dizer que essa imagem pós clipe de Trapézio desconstrói a
ideia de acesso à realidade e nos convida à reflexão sobre o processo pelo qual essa impressão
é construída por meio da montagem. Também achamos válido apontar que a presença dessa
cena que mostra o diretor posicionando a câmera, pensando em onde seria melhor filmar e
demais ações dos músicos, por mais rápida que seja, sugere que em lugar de ver o mundo por
intermédio do ponto de vista do diretor, podemos analisar o videoclipe anterior pelo que ele é:
um construto ou representação.
Após essa cena que gerou tal reflexão, somos tomados por uma imagem da banda
vestida de coelhos. Se até então o contraste presente na obra era bastante recorrente, agora,
em A Sombra, esse contraste ultrapassa tudo o que estávamos acostumados a ver e confunde o
espectador mais desavisado. A letra de A Sombra fala sobre uma busca pela autoaceitação em
versos que dizem “eu quero saber me querer com toda a beleza e abominação que há em
mim”, enquanto a vestimenta estética da canção são os músicos interpretando a música em
trajes de coelhos gigantes. A edição do vídeo é feita quase que em câmera lenta, ou seja, há
uma mistura de elementos que colidem entre si e não trazem nenhuma resposta ao espectador,
apenas questionamentos.
Antes mesmo de a música acabar completamente, Pitty e banda tiram as cabeças de
coelho e em seguida surge uma tomada dos músicos chegando ao estúdio, provando as
fantasias e brincando sobre a atuação. É o mesmo caso que vimos após Trapézio, isto é, há
aqui uma auto-reflexividade, o fazer é desvendado e os bastidores vêm à tona.
Todos Estão Mudos é a última faixa do disco e, portanto, última faixa do Chiaroscope.
Do início da música até o primeiro solo de guitarra o que vemos é Pitty entrando para gravar
e, então, a música se desenrola com imagens sem tantos efeitos estéticos, mudança de cores
ou ações semelhantes. O que toma conta da tomada é a interpretação da cantora que, por sua
vez, aparece tão viril quanto em Desconstruindo Amélia. Do solo de guitarra somos levados a
outra cena em que músicos e produtor gravam o coro presente em Todos Estão Mudos. Após
isso, voltamos a ver a cantora no mesmo ponto inicial interpretando ferozmente a canção.
Talvez esses adjetivos caibam porque a letra da música diz “Não espere! Levante! Sempre
vale a pena bradar. É hora, alguém tem que falar” e, dessa forma, o diretor não precisou fazer
uso de mecanismos estéticos para entreter o espectador, deixando que a cantora e a música
falassem por si só, revelando-se mais próximo do modelo clássico do videoclipe.
6. Considerações Finais
Ricardo Spencer foge da previsibilidade comercial ao fazer uso do experimentalismo e
transita entre duas vertentes audiovisuais: o documentário e o videoclipe. Dessa forma, o
diretor faz uso de uma alternativa visual não muito presente nem no documentário musical,
nem no videoclipe brasileiro.
Não há necessariamente ligação entre os videoclipes, mas as inclusões que, por vezes,
apareceram entre uma canção e outra, sugerem uma tentativa de construir uma relação de
proximidade com a audiência, pois ali vemos a preparação de espaços e cenários que
constituem as gravações.
Identificamos a quebra de alguns conceitos clássicos de narrativa, o que resultou em
videoclipes carregados de características subjetivas, experimentais e peculiares. Assim, ao
fazer uso da imagem documental no videoclipe e intercalando cenas cotidianas dos músicos,
Chiaroscope visa um realismo estético e torna a relação banda-espectador mais íntima.
Porém, apesar de fazerem uso da imagem documental, aproximando-se do estilo do Cinema
Direto, os videoclipes presentes em Chiaroscope não se resumem a um tratamento objetivo do
real, mas os dispositivos documentais tornam-se adequados para “vestir” os sentidos musicais
de cada canção, contribuindo de forma inovadora para o cenário contemporâneo da produção
audiovisual no Brasil.
7. Referências Bibliográficas
DECKDISC. Artistas – Agridoce. Disponível em < http://deckdisc.com.br/agridoce-2/>.
Acesso em 23 jul. 2013.
GOODWIN, Andrew. Dancing in the distraction factory – music television and popular
culture. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1992
GROSSBERG, Lawrence. Dancing in Spite of Myself: essays on popular culture.
Durham/London, 1997.
MUANIS, F. A imagem-ritmo e o videoclipe no audiovisual. Galaxia (São Paulo, Online),
n. 24, p. 64-76, dez. 2012.
NA MORAL. Casting - Pitty. Disponível em < http://namoral.com.br/>. Acesso em 23 jul.
2013.
NICHOLS, Bill. Que tipos de documentário existem? In: Introdução ao documentário.
Campinas, SP: Papirus, 2006. p. 137-177.
NOGUEIRA, Luís. Cinema Geométrico: Obras de Hans Richter, Viking Eggeling,
Walter Ruttmann, Oskar Fischinger e John Whitney. Viseu: Cine Clube de Viseu, 2010.
Disponível em <http://files.cineclubeviseu.pt/Cinema_geometrico.pdf >. Acesso em: 23 jul.
2013.
RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal... o que é mesmo documentário? São Paulo: Senac/SP,
2008.
RAMOS, Fernão Pessoa. Cinema verdade no Brasil. In: TEIXEIRA, Francisco E.
(Org.). Documentário no Brasil – Tradição e Transformação. São Paulo: Summus, 2004,
p. 81-96.
SOARES, Thiago. Videoclipe: o elogio da desarmonia. Recife: Livro Rápido, 2004.
8. Filmografia
LEONE, Pitty. Direção: SPENCER, Ricardo. Chiaroscope. Deckdisc. 2009. 1 DVD (64
min), Brasil.
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UMA ANÁLISE DOS USOS DA IMAGEM DOCUMENTAL PARA A