RENATA BEATRIZ SILVA Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfométricos e nutricionais. Tese apresentada ao Curso de PósGraduação em Patologia, Concentração “Patologia Universidade Federal do área de Geral”, da Triângulo Mineiro, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Vicente de Paula Antunes Teixeira Co-orientadora: Profa. Dra. Camila Lourencini Cavellani Uberaba-MG Maio/2009 ii Catalogação na fonte: Biblioteca da Universidade Federal do Triângulo Mineiro S583a Silva, Renata Beatriz. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais / Renata Beatriz Silva. - - 2009. 68 f. : tab. ; graf. ; fig. Dissertação (Mestrado em Patologia Geral) - Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, 2009. Orientador: Prof. Dr. Vicente de Paula Antunes Teixeira. Co-orientadora: Profª. Drª. Camila Lourencini Cavellani. 1. AIDS. 2. Pele. 3. Subnutrição. 4. Hipotrofia. I. Título. II. Teixeira, Vicente de Paula Antunes. III. Cavellani, Camila Lourencini. CDU 616.98:578.828HIV ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 iii Dedicatória “Até mesmo o céu desejou ser família, Para que a família desejasse ser céu”. (Pe. Antônio Maria) Acredito que a família é o alicerce da sociedade. Os valores vividos nela são reflexos daqueles vividos nos lares. Se a família não é fonte de bênçãos, se não se reconhece como instituição sagrada, a sociedade se torna doente e o mundo tende a caminhar para o caos. Dedico este trabalho, bem como o título de mestre que busco alcançar, aos meus pais, Sandra e Renair, como expressão de gratidão ao carinho e doação dedicados a mim e ao meu irmão, Rodrigo, e por seus exemplos de honestidade, retidão e fé. ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 iv Agradecimentos “Quanto maiores somos em humildade, tanto mais próximos estamos da grandeza”. (Tagore) Ao meu orientador Prof. Dr. Vicente Teixeira e a minha co-orientadora Profa. Dra. Camila Cavellani, pela confiança e pelos conhecimentos e experiências compartilhados. Aos professores da UFTM, Dr. André Domingues, David Nascimento e Dr. Valdo Silva, pela colaboração dada a este trabalho na bancas examinadora do Exame de Qualificação. Aos professores Dr. Jorge Kleber Chavasco (UNIFALMG) e Dr. Mário Leon (UFTM) e aos professores Dr. Antônio Martins Siqueira (UNIFAL-MG), Dra. Amanda Latercia Tranches Dias (UNIFAL-MG) e Dra. Adriana Oliveira (UFTM), por atenderem ao convite para colaboração neste trabalho nas bancas examinadora e suplente da Defesa de Tese. Às alunas de Iniciação Científica, Laís Resende (Biomedicina – UFTM) e Lívia Ferreira (Enfermagem – UFTM), e aos pós-graduandos em Patologia Geral – UFTM, Jannaína Pacheco, Laura Penna, Maria Helena Soares e Humberto Faria, pela participação na execução deste trabalho. ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 v Agradecimentos Especiais Especiais “Cada dia pode ser um grito de vitória, se a harmonia inundar o coração”. (Oliver Clément) A Deus, por renovar em mim o dom da Fortaleza, fazendo-me perseverante diante das dificuldades encontradas. Ao meu primo Raphael Almeida pelo incentivo e auxílio na impressão deste material. Aos colegas de Pós-Graduação da Disciplina de Patologia Geral – UFTM, Ana Carolina, Ana Paula, Camila Souza, Cláudia Renata, Débora, Humberto, Jannaína, Laura, Lívia, Luciana, Maria Helena, Luís Gustavo, Renata Rossi e Willian, pela convivência, partilhando dificuldades e conquistas. Aos colegas da equipe da Disciplina de Patologia Geral – UFTM, Aloísio, Edson, Liliane, Lourimar, Mara, Maria Helena, Pedro, Sônia e Vandair, pela dedicação e disponibilidade. Aos professores do Curso de Pós-Graduação em Patologia da UFTM, Denise Bertulucci, Geraldo Thedei Júnior, Marlene Reis, Marly Ballarin, Rosana Corrêa, Roseli Gomes, Sanívia Pereira, Sheila Adad e Virmondes Rodrigues Júnior pelo trabalho que desenvolvem, diversificando os conhecimentos adquiridos durante o curso. ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 vi Agradecimentos Especiais “Um amigo representa uma só alma em dois corpos” (Aristóteles) Se todas as pessoas fizessem a experiência de viver uma amizade verdadeira, feita para a eternidade, o mundo seria justo, o ser humano seria mais forte e a paz e a alegria seriam constantes. Porque a verdadeira amizade, em si, já é sinal de partilha e doação e assim não há injustiça. Quem tem um amigo sincero não caminha sozinho e o amigo enfrenta com o outro os desafios, divide e participa dos sofrimentos do outro e com ele busca encontrar soluções. A união dos dois os torna mais fortes e o fardo se torna mais leve. A amizade que nasce para a eternidade acalma o coração e faz descobrir o lado bom de todas as situações, por isso é pacífica e revela a felicidade. Agradeço ao bom Deus por fazer todas estas experiências, ao longo dos últimos doze anos e, particularmente, durante o período do curso de Mestrado, através do apoio e da presença do meu amigo, Pe. Valmir Ribeiro, dando-me ânimo e fortalecendo-me na fé, possibilitando a conclusão deste trabalho. ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 vii Este trabalho foi realizado com os recursos financeiros do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Fundação de Ensino e Pesquisa de Uberaba (FUNEPU), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 viii SUMÁRIO LISTA DE ABREVIATURAS E SIMBOLOS .................................................................x LISTA DE FIGURAS .......................................................................................................xii LISTA DE TABELAS .......................................................................................................xv RESUMO .........................................................................................................................xvii ABSTRACT ......................................................................................................................xix 1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................1 1.1 Resposta Imune....................................................................................................2 1.2 Resposta Imune contra Vírus...............................................................................3 1.3 Infecção pelo HIV................................................................................................3 1.4 Subnutrição associada ao HIV ............................................................................5 1.5 Acometimento da Pele ........................................................................................6 1.6 Histologia da Pele ...............................................................................................6 1.7 A Pele e o Quadro de AIDS ................................................................................8 1.8 Hipótese ..............................................................................................................8 1.9 Objetivo Geral .................................................................................................10 1.10 Objetivos Específicos ..................................................................................10 2 MATERIAL E MÉTODOS ...........................................................................................11 2.1 Dados gerais da amostra ....................................................................................12 ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 ix 2.2 Causas de morte .................................................................................................12 2.3 Preparação do material ......................................................................................13 2.4 Avaliação morfológica ......................................................................................13 2.5 Avaliação morfométrica ....................................................................................13 2.6 Imunohistoquímica ............................................................................................14 2.7 Análise estatística ..............................................................................................15 3 RESULTADOS ...............................................................................................................18 3.1 Características gerais da amostra ...................................................................... 19 3.2 Análise macroscópica e histopatológica da pele ...............................................22 3.3 Espessura, número de camadas e diâmetro das células da epiderme ................25 3.4 Fibras colágenas e elásticas da derme ...............................................................28 3.5 Células de Langerhans .......................................................................................31 4 DISCUSSÃO ...................................................................................................................39 5 CONCLUSÃO ................................................................................................................45 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 48 ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 x LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS AIDS: Acquired Immunodeficiency Syndrome (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) BMI: Body Mass Index (Índice de Massa Corporal) CL: Células de Langerhans DNA: Deoxyribonucleic Acid (Ácido Desoxirribonucléico) dp: desvio padrão F: Teste ANOVA GPP: General Pathologic Process (Processo Patológico Geral) H: Teste Kruskal-Wallis HC-UFTM: Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro HE: Hematoxilina e Eosina HIV: Human Immunodeficiency Virus (Vírus da Imunodeficiência Humana) IL: Interleucina IMC: Índice de Massa Corporal INFγ: Interferon γ LC: Langerhans Cells (Células de Langerhans) Máx: Valor máximo MG: Minas Gerais ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 xi MHC: Major Histocompatbility Complex (Complexo de Histocompatibilidade Principal) Min: Valor mínimo mm: milímetros mm2: milímetros quadrados NK: células Natural Killer PPG: Processos Patológicos Gerais r: Teste de Pearson RNA: Ribonucleic Acid (Ácido Ribonucléico) rS: Teste de Spearman t: Teste “t” de Student T: Mann Whitney Th1: Linfócitos T helper (auxiliaries) 1 Th2: Linfócitos T helper (auxiliaries) 2 TNFα: Tumor Necrosis Factor (Fator de Necrose Tumoral α) TNFβ: Tumor Necrosis Factor (Fator de Necrose Tumoral β) UFTM: Universidade Federal do Triângulo Mineiro µm: micrômetros µL: microlitros X: Média ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 xii LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Mensuração da epiderme através do sistema analisador de imagens Image J. 17 FIGURA 2 - Distribuição, quanto à década da autópsia, das pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008......................................................................................................................................19 FIGURA 3 – Média das idades das pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008. .................................................... 20 FIGURA 4 - Classificação, quanto à cor da pele, das pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008. ............................20 FIGURA 5 – Média dos valores de IMC de pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008. ...........................22 FIGURA 6 - Processo Patológico Geral observado em 3 pacientes autopsiadas sem AIDS, no período de 1984 a 2008. .................................................................................................24 Figura 7 - Espessura da epiderme através do sistema analisador de imagens Image J de pacientes autopsiadas, no período de 1984 a 2008. .............................................................27 ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 xiii Figura 8 – Visualização das fibras colágenas da derme. ....................................................29 Figura 9 – Visualização das fibras elásticas da derme. ......................................................30 FIGURA 10 - Identificação de Células de Langerhans na epiderme através de técnicas de Imunohistoquímica de pacientes autopsiadas sem ou com AIDS, no período de 1984 a 2008......................................................................................................................................33 FIGURA 11 - Correlação entre a espessura da epiderme e a idade de mulheres autopsiadas no HC/UFTM, com ou sem AIDS, no período de 1984 a 2008. ...................34 FIGURA 12 - Correlação entre a espessura da epiderme e o IMC de mulheres autopsiadas no HC/UFTM, no período de 1984 a 2008. ..........................................................................35 FIGURA 13 - Correlação entre a espessura da epiderme e a porcentagem de fibras colágenas de mulheres autopsiadas no HC/UFTM, com ou sem AIDS, no período de 1984 a 2008..................................................................................................................................35 FIGURA 14 - Correlação entre a espessura da epiderme e a porcentagem de fibras elásticas na derme de mulheres autopsiadas no HC/UFTM, com ou sem AIDS, no período de 1984 a 2008. .................................................................................................................36 FIGURA 15 - Correlação entre a espessura da epiderme e a média de Células de Langerhans/mm² de mulheres autopsiadas no HC/UFTM, com ou sem AIDS, no período de 1984 a 2008. .........................................................................................................................37 FIGURA 16 - Correlação entre a espessura da epiderme e a relação CD4+/CD8+ nas mulheres autopsiadas no HC/UFTM, com AIDS, no período de 1984 a 2008. ...................37 ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 xiv FIGURA 17 - Correlação entre a espessura da epiderme e a carga viral nas mulheres autopsiadas no HC/UFTM, com AIDS, no período de 1984 a 2008. ...................................38 ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 xv LISTA DE TABELAS TABELA 1 – Distribuição das causas de morte das pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008. ...........................21 TABELA 2 – Frequência das alterações macroscópicas da pele descritas nos laudos de autópsias de pacientes do HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008. ...................................................................................................................22 TABELA 3 – Comparação da espessura da epiderme de pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008. .........25 TABELA 4 – Número de camadas de células da epiderme de pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008......................................................................................................................................25 TABELA 5 – Diâmetro das células da epiderme de pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008. ...........................26 TABELA 6 – Porcentagem de fibras colágenas na derme de pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008. .........28 ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 xvi TABELA 7 – Porcentagem de fibras elásticas na derme de pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008. .........28 TABELA 8 – Número de Células de Langerhans/mm² observadas na epiderme de pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre mulheres sem AIDS normonutridas, mulheres com AIDS normonutridas, mulheres sem AIDS subnutridas e mulheres com AIDS subnutridas, no período de 1984 a 2008. .............................................................................31 TABELA 9 - Número de Células de Langerhans alteradas/mm² observadas na epiderme de pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre mulheres sem AIDS normonutridas, mulheres com AIDS normonutridas, mulheres sem AIDS subnutridas e mulheres com AIDS subnutridas, no período de 1984 a 2008. .............................................................................32 ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 xvii RESUMO Introdução: A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida caracteriza-se pela imunodepressão, verificada através da redução na contagem de células CD4+. Uma vez instalado o quadro de AIDS, o paciente torna-se mais susceptível a infecções oportunistas e pode apresentar febre, episódios de diarréia, dores, distúrbios psíquicos ou neurológicos, perda de peso e manifestações cutâneas. Estas últimas apresentam características peculiares e podem auxiliar no prognóstico da doença. A desnutrição também aparece como agravante da imunodepressão na AIDS. No entanto, o uso da terapia antirretroviral tem aumentado a sobrevida destes pacientes. A partir da década de 1990 foi observado aumento no número de casos femininos. Em estudos anteriores avaliando mulheres com AIDS, verificou-se redução da espessura nas pacientes com AIDS. Como a pele é constituída de epitélio pavimentoso estratificado, semelhante ao epitélio cervical, nosso trabalho teve por objetivo verificar se existe uma redução na espessura da epiderme destas mulheres. Metodologia: Foram avaliadas amostras da pele de 52 mulheres autopsiadas no período de 1984 a 2008, no HC-UFTM. As pacientes foram classificadas em quatro grupos: (1) sem AIDS normonutridas, (2) sem AIDS subnutridas, (3) com AIDS normonutridas e (4) com AIDS subnutridas. Foram realizadas revisões dos laudos de autopsias e prontuários e análise histoquímica (HE, Picro-sirius e Verhoff), morfométrica e imunohistoquímica (anti-S100) da pele. Resultados: Foi verificada menor faixa etária entre o grupo com AIDS normonutridas e menor IMC entre o sem AIDS subnutridas. No grupo com AIDS normonutridas, as alterações na pele foram mais freqüentes (52,5%) e foi encontrado o PPG de hiperemia. Maior quantidade fibras colágenas na derme foi encontrada neste grupo, enquanto a porcentagem de fibras elásticas foi menor. O número ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 xviii de Células de Langerhans totais e alteradas foi menor no grupo com AIDS subnutridas. Neste grupo também foi verificada menor espessura da epiderme, acompanhada de redução no número de camadas de células e do diâmetro. Discussão: Estudos abordando a relação entre a AIDS, a subnutrição e a redução da espessura da pele parecem inéditos até o presente momento. Sugerimos que o HIV possa atuar indiretamente sobre os ceratinócitos, induzindo mecanismos moleculares que levem ao aumento da apoptose destas células ou comprometam a síntese e/ou a função de componentes celulares. Os óbitos por causas infecciosas foram mais freqüentes no grupo de mulheres com AIDS, o que pode ser explicado pela subnutrição que tem como conseqüência o comprometimento do sistema imune. A não adesão à terapia antirretroviral ou seu uso em um curto espaço de tempo pode ter sido insuficiente para o restabelecimento da imunidade e da produção equilibrada de citocinas, havendo maior produção de fibras colágenas, além da menor quantidade de fibras elásticas entre as mulheres normonutridas, porém o quadro de AIDS não demonstrou influência nesta redução. Na pele normal de mulheres subnutridas existe alteração no número total de CL. A AIDS levaria ao comprometimento da função destas células, que pode ser traduzido na sua morfologia alterada. Conclusões: Concluímos que existe uma redução na espessura da epiderme de mulheres com AIDS subnutridas, além da redução nas CL, e que a AIDS pode levar ao aumento de fibras colágenas e redução das fibras elásticas na derme. Palavras-chave: AIDS, pele, subnutrição, hipotrofia ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 xix Abstract Introduction: Acquire Immunedeficiency Syndrome, is characterized by immunedepression, verified through CD4+ cell counts decrease. After AIDS had been established, patients became more susceptible to opportunistic infections and can exhibit fever, diarrhea episodes, aches, psychic or neurologic disturbances, weight loss and cutaneous manifestations. These ones have peculiar features and can help illness prognostic. Malnutrition also appears as aggravating on immunedepression. However, antiretroviral therapy use has increased these patients outlife. After 1990 decade it was observed an increase on feminine cases number. On previous studies evaluating women with AIDS, it was verified uterine epithelium thickness reduction in patients with AIDS. As skin is constituted by stratified pavemented epithelium, similar to the cervical one, our study had the objective of verify of these women epidermis thickness reduction. Methodology: Skin samples from 52 autopsy performed in the period from 1984 to 2008 in HC-UFTM were evaluated. Patients were classified in four groups: without AIDS and malnutrition (1), without AIDS with malnutrition (2), with AIDS without malnutrition (3) and with AIDS and malnutrition (4). Autopsy reports and handbooks were reviewed and skin histochemical (HE, Picro-sirius and Verhoff), morphometric and immunehistochemical analysis were done. Results: It was observed lower age between the group with AIDS without malnutrition and lower BMI between the group without AIDS with malnutrition. On the group with AIDS without malnutrition skin alteration was more frequent (52.5%) and GPP of hyperemia was found. More collagen fibers quantity was found on this group, while elastic fibers quantity was lower. Total and altered LC number were lower on the group with AIDS and malnutrition women Between them, lower ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 xx epidermis thickness was also verified, accompanied by cell layers number and diameter reductions. Discussion: Studies about the relationship between AIDS, malnutrition and skin thickness reduction seems to be unpublished until now. We suggest that HIV could act directly or indirectly over skin cells leading to molecular mechanisms that cause apoptosis increase or endanger cellular components synthesis and/or functions. Infectious deaths were more frequent in women without AIDS, what can be explained by malnutrition and consequently immune system damage. Incorrect or short time use of antiretroviral therapy could be insufficient for immune reestablishment and balanced cytokines production, occurring higher collagen fibers production, besides lower elastic fibers quantity on women without malnutrition, however, AIDS did not influence these reduction. On normal skin from these women there is Langerhans Cells number alteration. AIDS could lead to these cells function damage that can be translated on their morphology alterations. Conclusions: We could conclude that there is epidermis thickness reduction, besides Langerhans Cells reduction, and that AIDS can lead to collagen fibers increase and elastic fibers reduction in the derm. Keywords: AIDS, Skin, Malnutrition, Hypotrophy ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 _________________________Introdução 2 1.1. Resposta Imune A resposta imune a agentes infecciosos, em situações fisiológicas, ocorre através de dois mecanismos conhecidos por imunidade inata e imunidade adaptativa. A primeira delas é desempenhada por barreiras naturais, como o tecido cutâneo, mucosas e tecido linfóide, através da ação de células fagocitárias (macrófagos, polimorfonucleares e células dendríticas) e do sistema complemento. Já a resposta imune adaptativa, está relacionada com a produção de anticorpos e citocinas por linfócitos T CD4+ e CD8+ e linfócitos B. A resposta imune realizada pelas células T atua na defesa contra agentes infecciosos como fungos, vírus e bactérias intracelulares através da ativação da citotoxicidade dos linfócitos ou através da secreção de citocinas ativadoras de macrófagos. Além destes mecanismos, na pele e mucosas, os queratinócitos podem secretar citocinas, ativando e recrutando células inflamatórias e linfócitos, enquanto as células de Langerhans exercem função fagocitária e migram para o tecido linfóide regional para a apresentação antigênica aos linfócitos. Assim, desenvolver-se-á a imunidade adaptativa protetora, tolerância ou hipersensibilidade (Machado et al. 2004). Entretanto, a população de células T CD4+ é heterogênea, diferenciando-se em três subpopulações de ações antagônicas, de acordo com as citocinas produzidas. A resposta Th1 está relacionada com a imunidade contra protozoários, bactérias intracelulares e vírus modulando negativamente, a resposta Th2, pela produção de IFN-γ, a resposta Th2 que está relacionada a imunidade contra helmintos e bactérias extracelulares, modulando negativamente a resposta Th1 pela produção de IL-4 e IL-10. A terceira subpopulação, Th17, pela produção de IL-17, atua na inflamação, autoimunidade e resposta contra fungos e bactérias que não são cobertas pelos padrões Th1 e Th2, tendo sua ação inibida pelo IFNγ e pela IL-4 (Rizzo, 2007). ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 3 1.2. Resposta Imune Contra Vírus A resposta imune contra vírus é feita em duas fases, uma inicial com atuação da resposta inata e uma fase que se estabelece de maneira mais lenta, com a atuação da resposta adaptativa. No início, as células infectadas por vírus secretam interferons tipo I (IFN-α e IFN-β), que entram em contato com as células não infectadas exercendo ação protetora sobre elas. Também o IFN-γ ativa os macrófagos para a fagocitose e as células NK na produção de enzimas granzimas e perfurinas para a destruição de células infectadas. As células NK são estimuladas ainda pela IL-12, produzida por macrófagos e outras células apresentadoras de antígenos, e também produzem IFN-γ que aumenta a ação microbicida dos macrófagos (Chadha, 2004). Já na fase de resposta adaptativa, os antígenos virais presentes nas células alvo são reconhecidos via MHC classe I pelas células T CD8+, que exercem então sua ação citotóxica. Nesta fase, as células T CD4+ colaboram com as células B na produção de anticorpos. Estes podem neutralizar partículas virais livres no meio extracelular, impedindo sua penetração em células não infectadas, ou ligar-se a células infectadas permitindo a citotoxicidade pelas células NK (Janeway, 2001). O curso de uma infecção depende, portanto, de fatores relacionados ao agente infeccioso e ao hospedeiro. Nas infecções virais, fenômenos auto-imunes, reações de hipersensibilidade ou o efeito citopático do vírus podem levar a danos teciduais e, em alguns casos, mais de um mecanismo concorre para este processo. 1.3. Infecção pelo HIV ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 4 Na infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV, human immunodeficiency virus), seu efeito citopático e a citotoxidade das células NK e T CD8+, ao lado de fatores genéticos do hospedeiro, contribuem para a progressão da doença e estabelecimento do quadro da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS, Acquired Immunodeficiency Syndrome). A AIDS foi descrita incialmente, com a ocorrência inexplicável de pneumonia por Pneumocystis carinii em cinco homossexuais em Los Angeles, EUA. Em 1983, foi isolado o vírus HIV e relacionado com a AIDS. No Brasil, os dados epidemiológicos têm demonstrado uma incidência progressiva da infecção pelo HIV, sendo que a maior parte dos casos notificados da doença, importante causa de morbimortalidade entre os pacientes, está associada à via de transmissão heterossexual (Ministério da Saúde, 2004). O aumento dessa via de transmissão resulta em um crescimento substancial de casos em mulheres, o que vem sendo apontado como o mais importante fenômeno para o momento da epidemia no país (Brito, Castilho e Szwarcwald, 2000). O HIV é um retrovírus, pertencente à família Retroviridae e à subfamília Lentivirinae, classificado em dois tipos, HIV-1 e HIV-2, encontrados com distribuição mundial e na África, respectivamente, e com homologia de 40 a 50%. Vários subtipos e cepas já foram descritos, dentre elas destacando-se as cepas R5 não indutoras da formação de sincícios, comuns no início da infecção e com tropismo por macrófagos, e cepas X4 indutoras de sincícios, comuns na infecção avançada e com tropismo pelas células T (Levy, 2006). O HIV infecta células com receptores CD4+ e co-receptores CCR5 e CRX4 e possui como material genético duas fitas de RNA, a qual, na célula hospedeira é transcrita em DNA pela enzima viral transcriptase e reversa. O DNA viral é então incorporado ao ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 5 DNA da célula através da enzima viral integrase. A maquinaria celular é utilizada para a síntese de RNA e a enzima viral protease realiza a sua fragmentação para a síntese de novas partículas virais. A infecção pelo HIV pode ocorrer através de relações sexuais, transfusões de sangue ou hemoderivados, material perfurocortante contaminado, transmissão vertical e aleitamento materno. O vírus penetra no hospedeiro através do contato com a mucosa genital, retal ou oral, ricas em célula dendríticas, ou por soluções de continuidade e a replicação persiste nos tecidos linfóides. Na célula infectada, o HIV estimula citocinas pró-inflamatórias como a IL-1ß, TNF-α e IL-6. A produção de vírus é contínua em todos os estágios da doença. Na viremia primária o título de vírus infectante é alto no plasma, reduzindo com o desenvolvimento de resposta imune adaptativa e freqüentemente se torna indetectável no plasma. Com níveis reduzidos de CD4+ aparecem doenças oportunistas e abaixo de 200 células/µL tem-se o quadro de AIDS (CDC 1993). Estabelecido o quadro de AIDS, há uma tendência ao desenvolvimento de linfadenopatias, lesões neurológicas, susceptibilidade aumentada a neoplasias e a infecções oportunistas, além da presença de quadros de subnutrição (Levy, 2006). 1.4. Subnutrição A patogenia da subnutrição é multifatorial e relacionada com processos patológicos que afetam tanto a entrada de nutrientes, a sua absorção ou o metabolismo intermediário (Kotler, 1998). Existem várias razões possíveis para a subnutrição em indivíduos infectados com HIV. Entre elas: patógenos locais na cavidade oral ou esôfago, doenças do sistema nervoso central afetando mecanismos da alimentação ou percepção da fome, ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 6 anorexia secundária decorrente de infecção sistêmica, má absorção, medicamentos e fatores sociais (Faintuch, Soeters e Osmo, 2006). 1.5. Acometimento da Pele No aspecto do desenvolvimento de infecções oportunistas, lesões inflamatórias e neoplásicas, um dos órgãos mais comumente afetado é a pele. Aproximadamente 90% dos pacientes infectados pelo HIV desenvolvem doenças cutâneas (Coldiron e Bergstresser, 1989), especialmente nos países em desenvolvimento, onde a terapia antirretroviral de alta atividade não está total ou amplamente disponível (Randial, 2000). Esta incidência relaciona-se ao fato de que tem sido verificada uma relação inversa entre a contagem de células CD4+ e a gravidade de doenças da pele em pacientes com AIDS. Estas manifestações não apenas atuam como marcadores, mas refletem o estado imunológico do paciente, uma vez que são vistas em todos os estágios da AIDS (Krishnam Raju et al., 2005). O envolvimento da pele na AIDS engloba neoplasias, infecções e desordens inflamatórias. Com a deterioração dos mecanismos imunes naturais aumenta a suscetibilidade a agentes virais, fúngicos, bacterianos e parasitários bem como as doenças inflamatórias não-infecciosas. Considerando-se as manifestações incomuns das lesões nestas doenças, suas possíveis distribuições atípicas, bem como o relato de PPG concomitantes em um mesmo espécime biopsiado, torna-se importante a realização de biópsias em pacientes com AIDS (Herman, Jacoby e Webster, 1991). 1.6. Histologia da Pele ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 7 A pele é o maior órgão o corpo e representa cerca de 15% do peso corporal do adulto, exercendo várias funções relacionadas a proteção contra agressões externas de origem física, química e biológica, devido a sua estrutura elaborada, associando tecidos de várias origens embriológicas. Estes tecidos estão organizados em três camadas da base para a superfície: hipoderme, derme e epiderme (Murphy, 1997). A hipoderme é a região mais profunda da pele, constituída por tecido gorduroso, desempenhando funções de termorregulação, reserva de energia, proteção contra traumas mecânicos e separando a pele do periostium. É formada por adipócitos dispostos em lóbulos separados por septos de tecido conectivo formados por fibroblastos, dendrócitos, mastócitos, a região profunda das glândulas sudoríparas, vasos sanguíneos e nervos, contribuindo para a formação dos plexos da derme (Murphy, 1997). A derme é um tecido de conexão compressivo e elástico, que protege a epiderme, seus apêndices, vasos sanguíneos e plexos nervosos e é constituída por células, fibras e uma matriz de preenchimento, subdividindo-se em duas regiões: derme papilar e reticular. Esta última contém fibras colágenas paralelas a superfície cutânea, fibras elásticas finas e a região profunda dos apêndices cutâneos e plexos nervosos e vasculares. Já a derme papilar forma projeções cônicas alternadas com a epiderme, aumentando a superfície de contato entre as mesmas e permitindo uma melhor adesão entre elas. É constituída por fibroblastos, dendrócitos, mastócitos, fibras colágenas em arranjo desorganizado e fibras elásticas paralelas à junção derme-epiderme (Murphy, 1997). Esta junção é uma complexa membrana basal sintetizada por fibroblastos da derme e queratinócitos da camada basal. Suas funções são permitir a migração de queratinócitos para a superfície e de células de defesa em processos infecciosos e inflamatórios, dar suporte para a adesão da epiderme à derme e regular as trocas metabólicas entre elas (Murphy, 1997). ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 8 A epiderme é um epitélio estratificado, que se renova continuamente. Em sua maioria (90 a 95%) é constituída por queratinócitos e 5 a 10% corresponde a células de Langerhans e melanócitos. Estas células estão dispostas em camadas contínuas que compreendem a camada basal, espinosa, granular e córnea, que se subdivide em stratum compactum e stratum disjunctum. Na região palmoplantar, uma camada extra pode ser vista entre a granular e a córnea, chamada stratum lucidum. Na epiderme encontram-se ainda a parte superior de glândulas sudoríparas écrinas e os folículos pilosos (Kanitakis, 2002). Para compor as camadas da epiderme, os queratinócitos originam-se da divisão mitótica de células-tronco da camada basal e migram para a superfície sofrendo transformações morfológicas e bioquímicas, a queratinização. A espessura média da epiderme é de 100 µm, variando de 50 µm nas pálpebras a 1mm nas palmas das mãos e plantas dos pés (Kanitakis, 2002). 1.7. A Pele e o Quadro de AIDS Considerando-se a estrutura histológica da pele frente a subnutrição e complicações dermatológicas, presentes no quadro de AIDS, nota-se que em estudos anteriores abordando o colo uterino de mulheres HIV positivas, foi observado que essas mulheres possuem a um epitélio cervical mais delgado em comparação com mulheres HIV negativas (Guimarães et al., 2007). 1.8. Hipótese Dada a semelhança histológica entre a pele e o epitélio que reveste a porção externa da cérvix que faz saliência no lúmen da vagina, esperamos encontrar neste estudo, a ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 9 epiderme mais delgada em mulheres HIV positivas. A partir disso, saber se a diminuição da espessura do epitélio ocorre apenas no colo uterino ou em outros locais do organismo e se a espessura está relacionada com o estado nutricional. ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 10 1.9. Objetivo Geral Desta maneira, o objetivo geral do nosso trabalho foi identificar os possíveis processos patológicos gerais (PPG) e determinar as características morfológicas, morfométricas e imunológicas da pele de mulheres com a síndrome da imunodeficiência adquirida autopsiadas no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (HC-UFTM). 1.10. Objetivos Específicos I. Avaliar as características epidemiológicas e antropométricas de mulheres autopsiadas com AIDS; II. Analisar os principais PPG presentes na pele de mulheres autopsiadas com AIDS; III. Quantificar, através de métodos morfométricos, a espessura da epiderme de acordo com a AIDS e o estado nutricional; IV. Quantificar, através de métodos morfométricos, as fibras colágenas e elásticas da derme de acordo com a AIDS e o estado nutricional; V. Identificar e quantificar as Células de Langerhans na epiderme, através de técnicas de imunohistoquímica, e correlacionar com o estado nutricional; VI. Correlacionar a espessura da pele com a idade, o Índice de Massa Corporal (IMC), a carga viral, a contagem CD4+/CD8+, quantidade de fibras colágenas na derme, quantidade de fibras elásticas na derme e número de Células de Langerhans. ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 ________ Material e Métodos 12 2.1. Dados Gerais da Amostra O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, sob o protocolo de número 902. Foram revistos 330 protocolos de autópsias realizadas no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (HC-UFTM), Uberaba, Minas Gerais, no período de 1984 a 2008. Foram selecionados 52 indivíduos do gênero feminino, com idades de 16 a 54 anos, os quais foram divididos em quatro grupos: (1) mulheres sem AIDS normonutridas (n=18), (2) mulheres sem AIDS subnutridas (n=9), (3) mulheres com AIDS normonutridas (n=16) e (4) mulheres com AIDS subnutridas (n=9). Foram excluídos deste estudo os casos em que os protocolos e as autópsias estavam incompletos e as mulheres com idade inferior a 16 anos ou superior a 54 anos. Informações relativas à idade, à cor (branca ou não branca), à causa de morte, ao peso corporal, à altura, ao índice de massa corporal (IMC), e as alterações da pele foram registradas. O período de estudo foi agrupado nas décadas de 80 (1984 a 1989), 90 (1990 a 1999) e 00 (2000 a 2008). O estado nutricional foi considerado de acordo com o índice de massa corporal (IMC), calculado pela relação entre o peso corporal (kg) e o quadrado da altura (m). As pacientes foram classificadas, a partir do IMC, em subnutridas e normonutridas/sobrepeso. Os indivíduos com o IMC abaixo de 18,5 kg/m² foram considerados subnutridos e acima deste valor, normonutridos/sobrepeso (Fezeu et al., 2006). 2.2. Causas de Morte As causas de morte foram agrupadas em cardiovascular, infecciosa, digestiva, neoplásica e outras (Kohn, 1982; Reis et al., 1995), como, por exemplo, complicação ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 13 cirúrgica. Para o agrupamento dessas causas foi considerada no laudo de autópsia a descrição do processo que atuou como determinante para a causa de morte. 2.3. Preparação do Material Os fragmentos de pele da região torácica das mulheres selecionadas neste estudo foram recuperados no arquivo de peças da Disciplina de Patologia Geral – UFTM. Os fragmentos foram fixados em formaldeído 10% e posteriormente foram desidratados em álcoois com concentrações crescentes (70 a 100%), diafanizados em xilol e incluídos em parafina. Foram confeccionadas lâminas em cortes seriados com 4 µm de espessura. Os fragmentos foram capturados em lâminas de vidro com Poli-L Lisina® e processados para a histoquímica e imunohistoquímica. Para a análise histoquímica as seguintes colorações foram realizadas: HematoxilinaEosina, Picro-sírius e Verhoff. 2.4. Análise Morfológica As alterações microscópicas encontradas foram classificadas de forma semiquantitativa, seguindo os seguintes critérios: ausente, discreta com comprometimento de até 25% da área, moderada de 25% a 50%, e acentuada acima de 50% da área. Foram analisados os seguintes PPG: (1) Patologia da Célula (necrose), (2) Patologia do Interstício (fibrose), (3) Alterações Locais da Circulação Sanguínea (hemorragia, hiperemia), (4) Inflamação e (5) Distúrbio no Crescimento e Diferenciação Celular (hipotrofia, hiperplasia e metaplasia). 2.5. Análise Morfométrica Para a análise da espessura da epiderme, a imagem dos campos das lâminas ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 14 histológicas foi capturada utilizando-se uma câmera de vídeo acoplada a um microscópio de luz comum, com sistema KS-300 (Kontron-Zeiss), instalado em um microcomputador. A medida da espessura foi realizada utilizando-se um sistema analisador de imagens interativo Image J. Foi capturada e quantificada toda a extensão da epiderme das lâminas histológicas, traçando-se 5 retas em regiões distintas de cada campo analisado, para obtenção do valor da espessura (Figura 1). Abaixo de cada reta traçada, foram contados o número de núcleos de ceratinócitos encontrados, para obtenção do número de camadas de células na epiderme. Dividindo-se o valor da espessura pelo número de núcleos, em cada medida, obteve-se o valor do diâmetro das células. Para a análise da quantidade de fibras colágenas na derme, as lâminas coradas pelo método Picro-sírius foram examinadas sob luz polarizada, sendo que a área constituída de colágeno apresentava aspecto birrefringente com tonalidade avermelhada. A quantificação das fibras colágenas foi realizada utilizando-se um sistema analisador de imagens interativo Image J. Para a análise das fibras elásticas, as lâminas coradas pelo Verhoff foram examinadas sob luz comum, sendo que a área constituída por estas fibras apresentava tonalidade negra. A quantificação destas fibras foi realizada utilizando-se um sistema KS300 (Kontron-Zeiss). 2.6. Imunohistoquímica Para a avaliação das células de Langerhans, foram utilizados os anticorpos anti S100 (Dako). Os cortes de 4µm foram fixados nas lâminas com Poli-L Lisina®, posteriormente desparafinizados em xilol e hidratados em álcoois com concentrações decrescentes até água destilada. No processo de recuperação antigênica, foi utilizado o tampão citrato, no qual os fragmentos permaneceram 20 minutos em estufa a 97°C e ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 15 depois foram resfriados em temperatura ambiente pelo mesmo tempo. Foram realizados banhos com tampão PBS 0,05m + Triton X-100 0,05%. Os anticorpos primários foram colocados sob as lâminas por 12 horas. O material foi lavado novamente com 0,05m + Triton X-100 0,05% e incubado com anticorpo secundário (LSAB+System-HRP-DAKO®) por duas horas. O complexo Estreptavidina-Biotina (LSAB+System-HRP-DAKO®) ficou agindo por 30 minutos. Após esta fase, o material foi incubado com o substrato da peroxidase (DAB), a temperatura ambiente, por 30 minutos. Passado esse tempo, as lâminas foram colocadas em água destilada, processadas histologicamente e montadas em Entelan. As Células de Langerhans marcadas positivamente na imunohistoquímica foram contadas em toda a extensão do corte e expressas em número de células/área (mm2). 2.7. Análise Estatística Para a análise estatística foi elaborada uma planilha eletrônica no Microsoft Excel. As informações foram analisadas utilizando-se o programa eletrônico SigmaStat versão 2.03. As variáveis quantitativas foram testadas para verificar a distribuição normal, através do teste de Kolmogorov-Smirnov. Em casos de distribuição normal e variâncias semelhantes, foi utilizado o teste paramétrico: teste ANOVA (F) para comparação entre três ou mais grupos, seguido do teste de Tukey ou Bonferroni, quando necessário. Neste tipo de distribuição, os resultados foram expressos em média ± desvio padrão (X ± DP). Quando a distribuição não foi normal, ou quando foi normal, mas com variâncias não semelhantes, foi utilizado teste não paramétrico: o teste de Kruskal-Wallis (H) na comparação entre três ou mais grupos, seguido pelo teste de Dunn quando necessário. Neste tipo de distribuição os resultados foram expressos em mediana e valores mínimos e máximos (Med - Min-Max). A correlação entre duas variáveis com distribuição normal e ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 16 não normal foi analisada pelos testes de Pearson (r) e Spearman (rS), respectivamente. As variáveis qualitativas foram expressas em proporções, sendo estas comparadas pelo teste exato de Fisher. Foram consideradas estatisticamente significativas as diferenças em que a probabilidade (p) for menor que 5% (p<0,05). ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 17 Epiderme de paciente sem AIDS normonutrida (HE, 200X) Figura 1 - Mensuração da epiderme através do sistema analisador de imagens Image J. ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 Resultados 19 3.1. Características Gerais da Amostra Das 52 pacientes selecionadas, 18 (34,62%) se referem a mulheres sem AIDS normonutridas, 9 (17,31%) a mulheres sem AIDS subnutridas, 16 (30,76%) a mulheres com AIDS normonutridas e 9 (17,31%) a mulheres com AIDS subnutridas. Em relação a frequência quanto a década da realização da autópsia em cada grupo, dos casos pertencentes ao grupo sem AIDS normonutridas, 12 (66,66%) referiam-se a década de 90 (90-99). Nos casos sem AIDS subnutridas, 6 (77,77%) foram selecionadas na década de 80 (84-89). Quanto às pacientes com AIDS normonutridas, 13 (81,25%) correspondiam à década de 00 (00-08). Entre as mulheres com AIDS subnutridas, 5 (55,56%) estavam nos laudos pertencentes a década de 00 (Figura 2). FIGURA 2 - Distribuição, quanto à década da autópsia, das pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008. ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 20 Foi observado que o valor da média de idade das pacientes de todos os grupos convergiu para a faixa etária de 30 anos (30-39) e não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos (Figura 3). FIGURA 3 – Média das idades das pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008. F= 0,207; p = 0,891 Com relação ao total de casos analisados e a frequência das pacientes segundo a cor da pele, a cor branca prevaleceu entre todos os grupos e não houve diferença significativa (Figura 4). ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 21 FIGURA 4 - Classificação, quanto à cor da pele, das pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008 Em relação à causa de óbito, dentre as pacientes com AIDS e entre as subnutridas, observou-se que as causas infecciosas foram as mais comuns. (Tabela 1). TABELA 1 – Distribuição das causas de óbito das pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008. Sem AIDS n (%) Causas de óbito Cardiovascular Infecciosa Neoplásica Outras Total normonutridas 8 (44,44%) 4 (22,22%) 2 (11,12%) 4 (22,22%) 18 (100%) subnutridas 1 (11,11%) 5 (55,56%) 1 (11,11%) 7 (100%) Com AIDS n (%) normonutridas 8 (44,44%) 4 (22,22%) 2 (11,12%) 4 (22,22%) 18 (100%) subnutridas 1 (11,11%) 7 (77,78%) 1 (11,11%) 9 (100%) ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 22 Em relação ao IMC pode-se observar que, tanto entre os grupos sem AIDS, quanto entre os com AIDS, a maioria das pacientes apresentaram valores da média de IMC dentro da faixa de normalidade/sobrepeso (Figuras 5). FIGURA 5 - Média dos valores de IMC de pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008 F = 19,911; p < 0,001 3.2 Análise macroscópica e histopatológica da pele Na análise macroscópica da pele, descrita nos laudos de autópsia, encontramos maior frequência de lesões indicativas de infecções cutâneas entre as pacientes com AIDS (Tabela 2). ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 23 TABELA 2 – Frequência das alterações macroscópicas da pele descritas nos laudos de autópsias de pacientes do HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008. Alterações Sem AIDS (%) normonutridas Com AIDS (%) subnutridas normonutridas subnutridas Cicatriz 20,0 2,5 12,5 0 Escara 2,5 0 7,5 0 Despigmentação 2,5 0 0 2,5 Hemorragias 2,5 2,5 0 0 Hiperemia 0 0 0 0 Icterícia 5 0 0 0 Inflamação 0 0 2,5 2,5 Edema 0 0 5 0 Úlcera 5 0 2,5 0 Lesão Crostosa 0 2,5 0 0 0 2,5 2,5 0 0 0 7,5 0 Lesão Verrucosa 0 0 2,5 0 Estrias 0 0 2,5 0 Nocardiose 0 0 2,5 0 Total 37,5% 10% 47,5% 5% Pigmentação Exógena Lesão Descamativa Nos 52 casos analisados, foi encontrado o Processo Patológico Geral de alteração local da circulação sanguínea (hiperemia), no grupo sem AIDS normonutridas, estando presente em 3 (16,66%) dos 18 casos, com quantidade aumentada de vasos sanguíneos na derme papilar, sendo classificada como moderada nestes 3 casos e ausente nos demais. A fibrose foi quantificada através do sistema Image J (Figura 6). ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 24 A BB B A: Hiperemia identificada como moderada em paciente sem AIDS (HE 100X) B: Hiperemia identificada como moderada em paciente sem AIDS (HE 200X) FIGURA 6 - Processos Patológicos Gerais observados em pacientes autopsiadas, no período de 1984 a 2008. ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 25 3.3 Espessura, número de camadas e diâmetro das células da epiderme Verificamos que a espessura da epiderme foi significativamente menor no grupo com AIDS subnutridas (Figura 7, Tabela 3). TABELA 3 – Comparação da espessura da epiderme de pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008. Espessura da epiderme (µm) I Grupos Sem AIDS Normonutridas Sem AIDS Subnutridas Com AIDS Normonutridas Com AIDS Subnutridas Total I: n (%) 18 (34,64) 9 (17,30) 16 (30,76) 9 (17,30) 29 (100) Med (min – máx) 72,43 (0,04 – 447,03)1,2,3 48,87 (0,02 – 530,02)3,4,5 34,72 (0,02 - 459,66)2,5,6 31,12 (0,01 – 226,09)1,4,6 H = 1898,577 ; p <0,001; 1,2,3,4,5,6: p<0,05 Com relação ao número de camadas de células da epiderme, estes valores foram significativamente maiores nos grupos com AIDS (Tabela 4). TABELA 4 – Número de camadas de células da epiderme de pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008. ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 26 Grupos Sem AIDS Normonutridas Sem AIDS Subnutridas Com AIDS Subnutridas Com AIDS Normonutridas Total I: n (%) 18 (34,64) 9 (17,30) 9 (17,30) 16 (30,76) 52 (100,00) Número de camadas de células da epiderme I Med (min – máx) 3 (1 – 14)1,2,3 2 ( 1 – 8)1,4,5 3 (1 - 11)2,5 3 (0 – 11)3,4 H = 442,869 ; p <0,001; 1,2,3,4,,5: p<0,05 Observamos que o diâmetro das células da epiderme foi significativamente menor no grupo com AIDS subnutridas (Tabela 5). TABELA 5 – Diâmetro das células da epiderme de pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008. Grupos Sem AIDS Normonutridas Sem AIDS Subnutridas Com AIDS Normonutridas Com AIDS Subnutridas Total I: n (%) 18 (34,64) 9 (17,30) 16 (30,76) 9 (17,30) 52 (100,00) Diâmetro das células da epiderme (µm) I Med (min – máx) 25,43 (0,01 – 352,87)1,2,3 21,58 (0,02 – 114,74)1,4,5 12,94 ( 0,02 – 87,75)1,3,4 12,89 ( 6,46 – 39,32)1,2,5 H = 1827,603 ; p <0,001; 1,23,4,5: p<0,05 ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 27 A B A: Epiderme de paciente com AIDS subnutrida (HE, 200X). B: Epiderme de paciente sem AIDS normonutrida (HE, 200X). Figura 7 - Espessura da epiderme através do sistema analisador de imagens Image J de pacientes autopsiadas, no período de 1984 a 2008. ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 28 3.4 Fibras colágenas e elásticas da derme Encontramos valores significativamente maiores de porcentagem de fibras colágenas na derme nos grupos com AIDS (Figura 8, Tabela 6). Verificamos que a porcentagem de fibras elásticas da derme foi significativamente menor nos grupos de pacientes normonutridas (Figura 9, Tabela 7). TABELA 6 – Porcentagem de fibras colágenas na derme de pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008. Fibras colágenas na derme (%)I Grupos Sem AIDS Normonutridas Sem AIDS Subnutridas Com AIDS Normonutridas Com AIDS Subnutridas Total I: n (%) 18 (34,64) 9 (17,30) 16 (30,76) 9 (17,30) 52 (100) Med (min – máx) 6,7 ( 1,4 – 13,9)5 5,1 ( 0,4 – 13,2)1,4,5 8,4 (2,9 – 19,4)1,2,3 7,6 (2,4 – 16,6)1,2,3,4 H = 108,705 ; p <0,001; 1,2,3,4,5: p<0,05 TABELA 7 – Porcentagem de fibras elásticas na derme de pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre os grupos de mulheres sem AIDS subnutridas, com AIDS subnutridas, sem AIDS normonutridas e com AIDS normonutridas, no período de 1984 a 2008. Fibras elásticas na derme (%)I Grupos Sem AIDS Normonutridas Sem AIDS Subnutridas Com AIDS Normonutridas Com AIDS Subnutridas Total I: n (%) 18 (34,64) 9 (17,30) 16 (30,76) 9 (17,30) 52 (100) Med (min – máx) 4,06 ( 0,27 – 14,98)1,3,5 9,16 (0,03 – 32,18)1,3,4 4,98 ( 0,18 – 12,10)2,4,5 8,08 (3,16 – 20,17)1,2 H = 189,600 ; p <0,001; 1,2,3,4,5: p<0,05 ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 29 A B A B C D A: Fibras colágenas na derme de paciente com AIDS sob luz comum (Picro-sirius, 100X). B: Fibras colágenas na derme de paciente com AIDS sob luz polarizada (Picro-sirius, 100X). C: Fibras colágenas na derme de paciente sem AIDS sob luz comum (Picro-sírius, 100X). D: Fibras colágenas na derme de paciente sem AIDS sob luz polarizada (Picro-sírius, 100X). Figura 8 – Visualização das fibras colágenas da derme. ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 30 A B A: Fibras elásticas na derme de paciente com AIDS normonutridas (Verhoeff, 100X). B: Fibras elásticas na derme de paciente com AIDS subnutridas (Verhoeff, 100X). Figura 9 – Visualização das fibras elásticas da derme. ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 31 3.5 Células de Langerhans Com relação ao número de Células de Langerhans/mm² (CL/mm²) observadas na epiderme, verificamos valor significativamente menor nos grupos de mulheres subnutridas Quando analisamos o número de CL alteradas/ mm2, valores significativamente menores foram observados entre as pacientes com AIDS subnutridas. (Tabela 8). TABELA 8 – Número de Células de Langerhans/mm² observadas na epiderme de pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre mulheres sem AIDS normonutridas, mulheres com AIDS normonutridas, mulheres sem AIDS subnutridas e mulheres com AIDS subnutridas, no período de 1984 a 2008. CL/mm² na epiderme I Grupos Sem AIDS Normonutridas Sem AIDS Subnutridas Com AIDS Normonutridas Com AIDS Subnutridas Total I: n (%) 15 (33,35) 7 (15,55) 14 (31,10) 9 (20,00) 45 (100) Med (min – máx) 44,01 (0 – 169,77)1,2,3 12,58 (0 – 106,89)1 18,86 (0 – 75,45)3 12,58 (0 – 81,74)2 H = 235,286; p < 0,001; 1,2,3: p<0,05 Em relação à morfologia das CL, tanto no grupo sem AIDS como no grupo com AIDS, foram observadas CL imaturas ou com morfologia alterada, ou seja, formato arredondado e prolongamentos dendríticos menores e em menor número e CL maduras ou com morfologia normal, ou seja, formato irregular, estrelada, exibindo prolongamentos citoplasmáticos longos e delgados (Figura 10). ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 32 A B A: Células com morfologia normal em paciente sem AIDS (anti-S100, 800x) B: Células com morfologia alterada em paciente com AIDS (anti-S100, 800x) FIGURA 10 - Identificação de Células de Langerhans na epiderme através de técnicas de Imunohistoquímica de pacientes autopsiadas sem ou com AIDS, no período de 1984 a 2008. ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 33 O número de CL/mm² observadas na epiderme foi menor entre as mulheres com AIDS subnutridas, com diferença significativa entre os grupos (Tabela 9). TABELA 9 – Número de Células de Langerhans alteradas/mm² observadas na epiderme de pacientes autopsiadas no HC/UFTM, entre mulheres sem AIDS normonutridas, mulheres com AIDS normonutridas, mulheres sem AIDS subnutridas e mulheres com AIDS subnutridas, no período de 1984 a 2008. CL alteradas/mm² na epiderme I Grupos Sem AIDS Normonutridas Sem AIDS Subnutridas Com AIDS Normonutridas Com AIDS Subnutridas Total I: n (%) 15 (33,35) 7 (15,55) 14 (31,10) 9 (20,00) 45 (100) Med (min – máx) 6,29 (0 – 37,73)1,2,3 6,29 (0 – 56,59)2 6,29 (0 – 31,44)3,4 0,0 (0 – 50,30)1,4 H = 35,080; p < 0,001; 1,2,3,4: p<0,05 Foi observada uma correlação negativa e significativa entre a espessura da epiderme e a idade das mulheres com ou sem AIDS (Figura 11). Foi observada uma correlação positiva e significativa entre a espessura da epiderme e o IMC das mulheres com ou sem AIDS (Figura 12). ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 34 FIGURA 11 - Correlação entre a espessura da epiderme e a idade de mulheres autopsiadas no HC/UFTM, no período de 1984 a 2008. Sr: -0,349; p= 0,0114 FIGURA 12 - Correlação entre a espessura da epiderme e o IMC de mulheres autopsiadas no HC/UFTM, com ou sem AIDS, no período de 1984 a 2008. Sr: 0,339; p= 0,0141 ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 35 Foi observada uma correlação positiva e não significativa entre a espessura da epiderme e a porcentagem de fibras colágenas na derme das mulheres com ou sem AIDS (Figura 13). FIGURA 13 - Correlação entre a espessura da epiderme e a porcentagem de fibras colágenas de mulheres autopsiadas no HC/UFTM, com ou sem AIDS, no período de 1984 a 2008. Sr: 0,0381; p= 0,807 Foi observada uma correlação positiva e não significativa entre a espessura da epiderme e a porcentagem de fibras elásticas na derme das mulheres com ou sem AIDS (Figura 14). ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 36 FIGURA 14 - Correlação entre a espessura da epiderme e a porcentagem de fibras elásticas na derme de mulheres autopsiadas no HC/UFTM, com ou sem AIDS, no período de 1984 a 2008. Sr: 0,0111; p= 0,944 Foi observada uma correlação positiva e significativa entre a espessura da epiderme e o número de CL no epitélio das mulheres com ou sem AIDS (Figura 15). FIGURA 15 - Correlação entre a espessura da epiderme e a média de Células de Langerhans/mm² de mulheres autopsiadas no HC/UFTM, com ou sem AIDS, no período de 1984 a 2008. SR: 0,351; P= 0,0229 ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 37 Foi observada uma correlação positiva e não significativa entre a espessura da epiderme e a relação CD4+/CD8+ das mulheres com AIDS (Figura 16). FIGURA 16 - Correlação entre a espessura da epiderme e a relação CD4+/CD8+ nas mulheres autopsiadas no HC/UFTM, com AIDS, no período de 1984 a 2008. SR: 0,127; P=0,693 Foi observada uma correlação negativa e não significativa entre a espessura da epiderme e a carga viral das mulheres com AIDS (Figura 17). ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 38 FIGURA 17 - Correlação entre a espessura da epiderme e a carga viral nas mulheres autopsiadas no HC/UFTM, com AIDS, no período de 1984 a 2008. SR: -0,245; P=0,450 ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 __________________________Discussão 40 Inicialmente a AIDS mostrava-se como uma síndrome relacionada a pacientes do sexo masculino, especialmente aqueles com comportamento homossexual. A partir da década de 1990, passou-se a observar uma tendência ao aumento de casos femininos (Fonseca e Bastos, 2007). Tanto nos homens quanto nas mulheres, a pele é um órgão de considerável morbidade na AIDS. Desta forma, estudos que avaliem as características deste tecido nestas pacientes tornam-se importantes. Neste contexto, a utilização de amostras provenientes de autópsias mostra-se como opção para este estudo, evitando procedimentos invasivos às pacientes. Dos 330 protocolos de autópsia revistos neste estudo, 117 eram de mulheres, das quais 52 foram selecionadas para avaliação. A imunossupressão causada pelo HIV leva a redução das células responsáveis pela imunidade local e a subnutrição (Ambrus e Ambrus, 2004). A espessura da epiderme apresentou-se significativamente menor entre as pacientes com AIDS e a subnutrição mostrou ter ação sinérgica para esta redução. Ao mesmo tempo, foi verificada hipotrofia desta camada do epitélio, devido a redução significativa do diâmetro destas células. Estudos abordando os epitélios do colo uterino, esôfago e pele de mulheres com AIDS, mostraram diminuição da espessura e sugerem que o HIV possa atuar indiretamente sobre os ceratinócitos, induzindo mecanismos moleculares que levem ao aumento da apoptose destas células ou comprometam a síntese e/ou a função de componentes celulares (Cavellani, 2009). As mulheres têm sido afetadas pela AIDS mais intensamente na faixa etária dos 25 a 39 anos e ainda demonstram índices crescentes de incidência em praticamente todas as faixas etárias, com exceção dos 20 a 29 anos, na qual as taxas de incidência têm se estabilizado nesta década e tem sido excedida por casos registrados em mulheres entre 40 e 49 anos. Na população feminina, a média de idade passou de 30, no início da epidemia, para 35 anos nos últimos anos (Fonseca & Bastos, 2007). A média de idade nos quatro ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 41 grupos analisados em nossos estudos situa-se na faixa etária de 30 a 39 anos, concordando com as estatísticas nacionais. Estudos dos parâmetros nutricionais, clínicos e imunológicos de 100 pacientes HIV positivos, dentre eles pacientes com AIDS mostraram que 82% apresentavam massa corporal reduzida (Suttman et al., 1995). Em outro estudo, foi demonstrada elevada incidência (62-78 %) de perda de peso grave em pacientes com AIDS (Casey, 1997). O menor número de pacientes com AIDS subnutridas encontrado em nossos estudos pode ser resultado do uso da terapia antirretroviral, melhorando a imunidade das pacientes e consequentemente o estado nutricional. Mulheres com AIDS foram avaliadas segundo a etnia, das quais 50,7 % foram classificadas como negras (negras e pardas) sendo consideradas não-negras as mulheres que se consideraram brancas, indígenas ou amarelas (Lopes et al., 2007). Nosso estudo revelou uma maioria de mulheres brancas nos grupos com AIDS, o que pode estar relacionado a subjetividade na interpretação da sua etnia pelas pacientes nos diferentes estudos. A maioria das pacientes com AIDS foram a óbito por causas infecciosas, o que está de acordo com protocolos de autópsias de imunossuprimidos, que revelam as DIP como a principal causa de morte (Reis et al., 1995). Esta causa de morte também foi mais freqüente no grupo de mulheres sem AIDS, uma das possíveis explicações para este fato é que estas pacientes eram consideradas subnutridas, e uma das conseqüências da subnutrição é o comprometimento do sistema imune. Deste modo, os indivíduos subnutridos se tornam mais vulneráveis em adquirir infecções oportunistas. As lesões descritas na pele foram mais frequentes no grupo com AIDS normonutridas sendo estes achados condizentes com a literatura, que relata lesões ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 42 papuloescamosas, infecciosas e fotossensíveis, como as mais comuns em pacientes com AIDS (Gomides et al., 2002; Randial, 2000). O efeito citopático do HIV, o quadro de imunodepressão e a ocorrência de coinfecções levam a modificações no microambiente tecidual, que induzem mudanças na produção de citocinas, aumentando a atividade inflamatória e fibrogênica (Verma, 2006). Nas pacientes com AIDS, a porcentagem de fibras colágenas na derme mostro-se significativamente aumentada, sendo maior entre as normonutridas. Nestas pacientes, a não adesão à terapia antiretroviral ou seu uso em um curto espaço de tempo até a data do óbito pode ter sido insuficiente para o restabelecimento da imunidade e da produção equilibrada de citocinas, havendo maior produção de fibras colágenas. As fibras elásticas são responsáveis pela contração na pele e sua quantidade tende a diminuir com o aumento da idade, exposição a radiação solar e outros fatores (Kanitakis, 2002). A quantidade de fibras elásticas foi significativamente menor entre as mulheres normonutridas e quadro de AIDS não demonstrou influência nesta redução. Um estudo de caso de colagenoma eruptivo em paciente HIV do sexo masculino sugere que, diante da maior quantidade de fibras colágenas na derme, por aumento da proliferação ou espessamento destas fibras, poderia ocorrer fragmentação e degradação das fibras elásticas (Coimbra et al., 2008). Entendemos que nossos resultados devem-se a maior porcentagem de fibras colágenas encontrada neste grupo, já que os componentes celulares e da matriz extracelular estariam diminuídos (levando a redução da espessura da epiderme), havendo assim síntese de tecido fibroso na derme. Estudos sobre o sistema imune na pele têm demonstrado resultados diversificados (Galhardo et al., 2004; Charton-Bain et al., 1998). A alteração morfológica das CL infectadas pelo HIV pode ocorrer, já que participam da imunidade local (Lehner et al., ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 43 1991). Entretanto, alterações numéricas nestas células apontam para diferentes resultados e envolvem a integridade do tecido, o uso de antiretrovirais, dentre outros fatores (Banchereau et al, 2000). Acreditamos que na pele normal de mulheres subnutridas exista uma alteração no número total de CL. A AIDS levaria ainda ao comprometimento da função destas células, que pode ser traduzido na sua morfologia alterada. No entanto, a presença do quadro de AIDS concomitante a subnutrição leva a redução nas CL com tal morfologia, demonstrando que nesta associação um fator tende a anular o outro. Assim, os resultados que traduzem os danos ao sistema imune local causados pela subnutrição seriam atenuados por aqueles causados pela AIDS e vice-versa. Tendo verificado uma redução na espessura da epiderme, buscamos relacioná-la os demais parâmetro analisado neste estudo. Percebemos uma correlação negativa da espessura com a idade. Este resultado pode ser explicado pelo fato de que com o avançar da idade, os níveis estrogênicos sofrem redução, chegando a fase de climatério. Esta redução leva a modificações no organismo feminino que incluem hipotrofia de epitélios e mucosas (Mendonça, 2004). Verificamos também uma correlação positiva entre a espessura da epiderme e o IMC das mulheres, com ou sem AIDS. Como as principais substâncias alimentares (carboidratos, ácidos graxos e aminoácidos) são degradadas, por meio de vias catabólicas convergentes com a função de síntese de ATP (Cox e Nelson, 2000), e as células precisam de energia na forma de ATP para exercer suas funções e permanecerem vivas, a insuficiência de substratos energéticos poderia contribuir para a diminuição de células de epitélios. Entre a espessura da epiderme e as porcentagens de fibras colágenas e elásticas na derme, verificamos correlações positivas, porém, não significativas. Entendemos que na ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 44 imunossupressão, além da redução das células de defesa (e provavelmente nas demais células) existe uma estimulação na produção de citocinas que poderiam levar ao aumento da síntese de fibras colágenas e também de fibras elásticas na derme (Verna, 2006). Observamos ainda uma correlação positiva entre a espessura da epiderme e o número de CL, entre as mulheres com ou sem AIDS. Estes resultados sustentam a hipótese de que provavelmente, todas as células presentes na epiderme poderão estar diminuídas durante a AIDS, inclusive as responsáveis pela imunidade local. Apesar de apenas poucos prontuários apresentarem dados completos sobre a carga viral e relação CD4+/CD8+, entre a espessura da epiderme e a relação de linfócitos CD4+/CD8+, observamos uma correlação positiva e entre a espessura e a carga viral uma correlação negativa. A subnutrição associada a AIDS revela rápida redução na contagem de CD4 (Fanintuch, 2006) e esta redução apresenta relação inversa com a incidência e gravidade de alterações cutâneas (Raju, 2005), que estariam ligadas ainda a elevação da carga viral. A partir das análises morfológicas, morfométricas e imunohistoquímicas nas pacientes autopsiadas com ou sem AIDS, entendemos que a AIDS e a subnutrição causam uma diminuição da espessura da epiderme. Esta hipotrofia e a alteração do número e funções de CL poderiam interferir na imunidade local, favorecendo o aparecimento de lesões na pele, durante o curso da doença. Além disso, a alteração na quantidade de fibras colágenas e elásticas devem ser consideradas, à medida que modificam o microambiente cutâneo, podendo auxiliar no melhor conhecimento das alterações da pele na AIDS, propiciando melhor diagnóstico e tratamento. ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 46 Conclusões A partir da análise de amostras de pele de pacientes autopsiadas com ou sem AIDS concluímos que: I. A frequência de casos de pacientes com AIDS normonutridas, na amostra analisada neste estudo, foi maior que as subnutridas na década de 1990 e estas mulheres apresentaram maior média de idade, mostrando que os avanços na terapia antirretroviral tem melhorado a sobrevida na AIDS; II. Foi encontrado o Processo Patológico Geral de hiperemia moderada em 3 pacientes sem AIDS normonutridas e descritas lesões de pele mais frequentes nas pacientes com AIDS; III. A epiderme mostrou-se significativamente mais delgada e com menor diâmetro das células entre as mulheres com AIDS subnutridas. A hipotrofia da epiderme pode favorecer a penetração de agentes infecciosos, contribuindo para o aparecimento de lesões cutâneas tanto em mulheres com AIDS, como em mulheres subnutridas; IV. A porcentagem de fibras colágenas foi maior nas mulheres com AIDS normonutridas, enquanto a porcentagem de fibras elásticas foi menor neste grupo. O aumento do colágeno pode estar relacionado a processos inflamatórios e fibrogênicos induzidos na presença do HIV, levando ainda a uma menor porcentagem de fibras elásticas na derme; V. O número de Células de Langerhans observadas na epiderme foi significativamente menor no grupo de mulheres sem AIDS subnutridas. Além disso, essas mulheres apresentaram maior número de células imaturas ou com morfologia alterada. Provavelmente, as mulheres com AIDS apresentam CL com alterações numéricas, que associadas ao comprometimento do sistema imune, leva também a alterações morfológicas destas células; ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 47 VI. A espessura da epiderme mostrou-se correlacionada negativamente com a idade e a carga viral e positivamente com o IMC, quantidade de fibras colágenas e elásticas, com o número de Células de Langerhans e relação CD4+/CD8+. Estes resultados sugerem que provavelmente, a quantidade de todas as células presentes no epitélio está diminuída na AIDS, nos casos de subnutrição e com aumento da idade. ______________________________________________________________________ Silva, R. B. Análise da pele de mulheres autopsiadas com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, segundo critérios morfológicos, morfométricos e nutricionais, 2009 Referências Bibliográficas 49 Ambrus, J. L. Sr., Ambrus, J. L. Jr. Nutrition and infectious diseases in developing countries and problems of acquired immunodeficiency syndrome. Exp Biol Med, 229: 464-472, 2004. Banchereau, J., Briere, F., Caux, C., Davoust, J., Lebecque, S., Liu, Y. J., Pulendran, B., Palucka, K. Immunobiology of dendritic cells. Ann Rev Immunol, 18: 767-811, 2000. Brito, A.M., Souza, J.L., Luna, C.F., Dourado, I. Tendência da transmissão vertical de AIDS após terapia anti-retroviral no Brasil. Rev Saúde Pública, 40, p.18-22, 2006. Candiani, T. M. S., Pinto, J., Cardoso, C. A. A., Carvalho, I. R., Dias, A. C. M., Carneiro, M., Goulart, E. A. 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