gente
Editora ANDREA MARTINS [email protected]
SAPO DE FORA
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rização do feminino ou do masculino e
perpetuar preconceitos. Há um tempo,
tinha uma campanha, não me lembro a
marca, que a mulher fazia o gesto de pequeninho que remetia ao tamanho do
pênis. Estamos falando de um dos principais tabus do brasileiro, algo que gera
problemas sexuais. O homem, em geral,
tem a preocupação se o pênis é grande o
suficiente, se dará prazer à mulher. Quando chega à fase adulta, se fica preocupado
demais com isso, pode começar a apresentar dificuldade de ereção e ejaculação rápida. Ou seja, isso não é saudável.
Até que ponto é legal brincar com uma
dificuldade desta? Na desvalorização da
mulher, às vezes, carregam a mão, olham
para a mulher como um produto. A cerveja é um produto. O ser humano, não.
“A cerveja é um produto.
O ser humano, não”
Jornalista, psicóloga e sexóloga do programa Altas Horas, da Rede Globo, Laura Muller
comenta como o sexo ainda é um tema tabu na sociedade, destaca como a publicidade erra a
mão ao banalizar a imagem de homens e mulheres em comerciais e conta suas experiências
como palestrante em escolas por todo o País
Por FERNANDO MURAD [email protected]
M&M — Qual sua opinião sobre campanhas
de marcas de preservativos: elas devem
ser informativas ou podem ser ousadas?
Laura — Podem ousar, sim. Devem ousar. O mercado publicitário tem uma mão
muito boa para sacar o que o leitor ou
quem está assistindo à TV ou ouvindo
rádio vai gostar. O bom humor e as sacadas são sempre legais nessa área de preservativos ou na prevenção de gravidez
na adolescência, por exemplo.
ARTHUR NOBRE
M&M — Já foi convidada para participar de
alguma campanha?
Laura — Na verdade, eu trabalho muito
com mídia e já fiz projetos em parceria
com veículos. Uma campanha que fiz e
que deu muito certo — faz uns dez anos
— foi o projeto Capricho Sexo Legal. Ele
usou toda aquela pegada que a revista
tinha com as meninas na época — elas
abraçavam, dormiam com a revista —,
e foi às escolas. Dei uma circulada nas
escolas brasileiras falando sobre educação sexual e tendo a Capricho com hotsite e outras coisas de fundo para alimentar essa ação.
Meio & Mensagem — O que acha das
campanhas de órgãos públicos sobre uso
de preservativos e prevenção de doenças
sexualmente transmissíveis?
Laura Muller — É uma forma de chegar
uma informação de qualidade. Essas campanhas aconteceram mais na área das doenças sexualmente transmissíveis com a
chegada da Aids no País, nos anos 80, e
começaram a fazer um alerta para a população adolescente só em 1996. Olho com
bons olhos, mas é preciso ficar cada vez
mais atento ao comportamento da população. Quem faz as campanhas, sejam órgãos públicos ou privados, precisam estar antenados com o que está rolando. O
jovem continua não usando camisinha.
Já melhorou muito, mas ainda tem uma
população grande que não usa preservativo e que continua se infectando com
os mais diversos vírus, em especial o da
Aids. Ao trabalhar com sexualidade, que
é assunto tabu, é preciso insistir.
M&M — Qual seria a forma mais adequada
de tratar o tema?
Laura — Gosto muito quando tratam o
tema de um jeito mais leve, descontraído e bem-humorado. O melhor caminho
é que seja a informação na forma mais
aberta possível e que consiga atingir, de
fato, aquele público. Se for uma campanha voltada para o adolescente, é necessário entender o universo e qual a linguagem, para poder se comunicar com ele
de fato. Hoje, os adolescentes estão muito antenados na internet, nas mídias sociais etc., então, boas campanhas precisam contemplar toda essa mudança de
comportamento. E não é só a população
jovem que precisa ouvir sobre sexualidade. Temos uma população adulta madura e na terceira idade que não passou por
ações de educação sexual, mas são pessoas ativas e que precisam ser contempladas nessas ações.
M&M — Em relação à educação sexual as
políticas públicas atendem às necessidades
da população?
Laura — Desde 1997, a sugestão dos parâmetros curriculares nacionais é que a
sexualidade seja um tema transversal no
ensino a partir dos sete anos, que o tema
seja abordado não só na aula de ciência e
biologia, mas em qualquer disciplina. Isso foi sugerido em 1997, já viramos o século, mas não é a totalidade das escolas
que oferecem o tema. Não estamos falando só de escola públicas, mas das particulares também. O que falta? Talvez entender que o tema ainda é um assunto tabu,
que ainda temos problemas com os pais,
com a capacitação dos professores, com
os coordenadores e diretores das escolas
e com os próprios alunos. Uma educação
sexual que tenha um impacto importante
precisa abranger todos os setores da sociedade, a casa e a escola.
M&M — Peças publicitárias, especialmente
de cerveja, usam mulheres e fazem
brincadeiras com conotações sexuais. Qual
a sua opinião?
Laura — Campanhas de cerveja têm uma
pegada divertida, boas sacadas, são bemhumoradas. Mas é preciso tomar cuidado
para não pesar muito a mão na desvalo-
M&M — Já foi procurada para prestar
serviços de sexóloga para a criação de
alguma campanha?
Laura — Às vezes, quando a galera da
publicidade quer pensar um pouco sobre produtos que envolvam sexualidade
ou sensualidade, me chamam como sexóloga e psicóloga especializada em sexualidade para fazer uma consultoria, para falar desse humano, da valorização do
feminino, do masculino, da não banalização, de como está o cenário sexual brasileiro. Um momento de grande trabalho
foi quando os medicamentos para ereção
chegaram ao País, em 1998. O primeiro
foi o Viagra, depois veio o Levitra, o Cialis e tantos outros. Todos os laboratórios
investiram em campanhas de educação
sexual. Fiz para quase todos. Viajei bastante, até para fora do País, com Pfizer,
Bayer e alguns outros.
M&M — O que acha da cobertura que
a imprensa faz de casos de pedofilia e
homofobia?
Laura — Nesses casos, quando faz denúncia de pedofilia, de prostituição infantil, acho que a mídia é fundamental.
Isso também é um lado da sexualidade.
É um lado podre, pesado, difícil, mas que
existe e, como sociedade, precisamos estar atentos, saber que existe até para começar a mudar.
11 JUL 2011 •
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“A cerveja é um produto. O ser humano, não”