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Sociedade e Natureza Monferrer
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327 - EXTENSÃO AMBIENTAL: REDEFININDO OS PADRÕES DE
INTERAÇÃO ENTRE SER-HUMANO E MEIO AMBIENTE NO MEIO RURAL
Katia Marzall 1
RESUMO
O texto propõe o conceito de extensão ambiental como uma ferramenta para a estruturação da
resiliência social e ambiental, questionando e redefinindo a interação entre o ser humano e o meio
ambiente, e assim estabelecendo uma situação de segurança ambiental.
Palavras chave: agricultura; extensão ambiental; incerteza; interação ser-humano/meioambiente; resiliência; segurança ambiental; sustentabilidade.
INTRODUÇÃO
Nos últimos 20 anos tem crescido a preocupação com mudanças ambientais e com as
conseqüências destas nos diferentes sistemas básicos ao desenvolvimento dos seres vivos,
como clima e disponibilidade de água. Mudanças são uma inevitável conseqüência das
dinâmicas intrínsecas ao ambiente natural. Resultam de eventos catastróficos, pressões
crônicas e constantes de ciclos naturais, ou ainda das atividades de organismos vivos. As
mudanças observadas nesta última década, no entanto, se demonstram mais extremas,
intensas e perturbadoras. Essas ameaças às condições básicas para o desenvolvimento da
vida definem uma condição persistente de insegurança ambiental. O ser humano, como
principal agente de mudanças através das interações que estabelece com seu meio natural,
tem um papel central nesta situação. Da mesma forma, a agricultura desempenha um papel
central nas transformações do meio ambiente pelo ser humano.
A insegurança ambiental impõe à sociedade contemporânea dois desafios principais.
Por um lado, o desafio de desenvolver a capacidade de lidar com questões ambientais
inseguras, e, portanto com a incerteza. Por outro, existe a necessidade de entender as
causas dessa insegurança, sobretudo àquelas definidas por atividades humanas, além de
desenvolver estratégias para evitar, na medida do possível, condições extremas no futuro.
A primeira questão é abordada quando a incerteza é considerada com intrínseca a
1
A autora é engenheira agrônoma, bolsista da Capes, desenvolvendo seu curso de doutoramento junto a
Universidade de Guelph, Canada.
Endereço para contato: University of Guelph, Rural Studies PhD Program – Guelph, ON - N1G 2W1 Canada
Email: [email protected]
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qualquer processo, e assim administrada em vez de eliminada. A segunda questão é
abordada quando se desenvolve a capacidade de perguntas “o que acontece então?” (“what
then?”) (Orr, 1992). Isso implica reflexividade e conscientização crítica (Freire, 1979, 1982)
quanto ao padrão de interação que os seres humanos estabelecem com seu ambiente,
assim como quanto às consequências deste relacionamento. Defende-se que ambas as
condições necessitam ser definidas dentro de uma perspectiva ontológica que integra as
atividades do ser humano ao seu ambiente. A extensão ambiental é a ferramenta que
permite promover essa perspectiva.
DESENVOLVIMENTO
O Pressuposto básico desta discussão é que a o cerne da problemática ambiental se
estabelece a partir do padrão de interação desenvolvido pelo ser humano com seu meio
ambiente. Essas interações são definidas por códigos culturais baseados em ontologias
específicas (Deb and Malhotra, 2001). Ontologia é um entendimento do que o mundo (meio
ambiente) é, e de como a sociedade e os indivíduos vêem a si mesmo dentro – ou fora –
deste ambiente (Poli, 1996). Esse entendimento é adquirido através dinâmicas de
comunicação social, estabelecendo regras de comportamento entre pessoas e natureza,
assim como as normas de uso dos recursos naturais (Maturana and Varela, 1987; Deb and
Malhotra, 2001). A interação entre o ser humano e seu meio ambiente, e particularmente as
estruturas culturais que definem essa interação devem ser entendidas para em seguida
refletir sobre as consequências geradas, levando a uma possível reestruturação dessa
interação, através da redefinição das atividades desenvolvidas pelo ser humano (Raedeke e
Rikkon, 1997). Esse processo de reflexão não é espontâneo, mas mediado por um processo
de aprendizado, e a extensão ambinetal se propõe a ser uma ferramenta para esse
processo.
Valores, crenças e definições ideológicas que dirigem o comportamento humano são
por demais subjetivos e impregnados nas practicas diárias para serem facilmente mudados
através de processos informativos. No entanto, alguns outros aspectos culturais podem ser
racionalmente redefinidos. A capacidade de perceber e responder a alteraçoes ambientais
envolve autocorreção. Isto é possível através de reflexão, consciência, aprendizado,
Agradecimentos: CAPES, pelo apoio financeiro, e prof. Jorge Nef, pelo apoio acadêmico.
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percepção e vontade, e não de um comportamento automático pré-estabelecido (Nef, 1999).
A capacidade de aprender com nossos erros, de perceber problemas e encontrar soluções é
o que a extensão ambiental se propõe a fazer. É o que Orr (1992) define como a capacidade
de perguntar “what then?”, ou “e o que acontece então?”. Central a esse conceito está a
noção de ação cultural para sustentabilidade: desenvolver consciência e reponsabilidade em
relação às consequências das decisões tomadas e atividades desenvolvidas. Isto significa ir
além de uma lógica vertical e linear e uma perspectiva de curto prazo. Ao contrário, isso
envolve o desenvolvimento de uma visão mais ampla, que considera complexidade, onde as
consequências não são apenas uma produtividade e um retorno financeiro imediatos, ou
apenas atingindo um entorno próximo, mas são impactos das atividades humanas que se
refletem em maiores arcos temporais e espaciais.
As recentes renovações dos sistemas de extensão rural já têm incluído questões
sócio-culturais e ambientais, interdisciplinaridade, conhecimento local, participação, ecoagricultura, enfoque sistêmico, entre outros (Waltner-Toews, 1996; Röling e Wagemakers,
1998; Campbell, 1998; Shanley e Gaia, 2000). No entanto, existem outros aspectos a serem
considerados. Um sistema de produção agrícola não é apenas uma atividade econômica ou
uma determinação técnica; é também um lugar onde pessoas vivem e define suas relações
com o meio ambiente, agricultura sendo apenas uma dessas relações. Extensão ambiental
envovle essa extensa gama de relações, definindo as bases a partir das quais uma nova
extensão agrícola pode ser estabelecida.
Extensão ambiental vai além de uma definição de tecnologias adequadas, sejam elas
definidas por uma ideologia de agricultura moderna, seja por uma ideologia alternativa como
a agroecologia. Extensão ambiental deve ter outros objetivos que mudanças das bases
técnicas, mesmo que essas mudanças provavelmente ocorram. Uma das principais funções
da extensão ambiental é a democratização do conhecimento e da compreensão das
dinâmicas de interdependências existentes nas interações ser humano/meio ambiente. Isso
significa desenvolver a capacidade de pensar e agir de forma crítica e responsável e apenas
então escolher as bases técnicas que são necessárias para desenvolver uma produção
agrícola que também preserve a integridade ecológica.
Muitos dos métodos que existem atualmente são propícios à extensão ambiental:
participação, metodologias adaptadas, manejo colaborativo, entre outros são conceitos que
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permitem a inclusão do conhecimento local e a consideração de diferentes pontos de vista
que permitem a evolução da consiteização e o estabelecimento de um novo padrão de
interação em relação ao meio ambiente. Todos esses métodos têm em comum 1) o
envolvimento de diferentes atores, 2) são contextualizados, e 3) estão abertos a resultados
inesperados.
CONCLUSÃO
O conceito de extensão ambiental não pretende ser um substituto a atual extensão rural e
agrícola, mas um complemento. Muito menos se propõe a trazer soluções imediatas e
predefinidas à ameaça de insegurança ambiental. Ao contrário, enfatiza a necessidade de
um entendimento de vida mais abrangente, envolvendo tanto o âmbito social como o
ambiental. O conceito ressalta a interdependência de todas as coisas, e a necessidade de
estar consciente disso. Essa consciência tem a capacidade de levar o ser humano a uma
relação mais responsável com a natureza como um todo, incluindo a propria humanidade.
Consequentemente, evita desestabilizações desnecessárias ao meio ambiente, promovendo
sua resiliência e adaptação a eventos inesperados.
Para promover esta responsabilidade ambiental, indo além de respostas automáticas
pré-definidas, que nos cegam e impedem de aprendermos com nossos erros, a extensão
ambiental – enquanto processo educativo – se baseia na noção freiriana de conscientização
crítica. Apenas estando profundamente conscientes da complexidade do meio ambiente, da
limitação do nosso conhecimento, o ser humano será capaz de contribuir para segurança
ambiental.
Ao promover a conscientização – reflexividade – a extensão ambiental objetiva uma
humanidade consciente de sua condição humana e de sua capacidade de transformação.
Questiona os padrões de interação com o meio-ambiente, assim como as escolhas feitas,
através de uma reflexão sobre as consequências que não necessariamente obedecem
limites p[re-estabelecidos. Esta reflexão permite ao ser humano redefinir sua essência
enquanto ser humano, responsável por suas ações e todo e qualquer âmbito, e habitante –
até o momento – do planeta Terra.
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LITERATURA CITADA
Campbell, Andrew (1998) “Fomenting Synergy: Experiences with Facilitating Landcare in
Australia”. In: Röling, N.G.; Wagemakers, M.A.E. (Eds.) (1998) Facilitating Sustainable
Agriculture. Cambridge: Cambridge Univ. press. pp. 232-249.
Deb, Debal; Malhotra, KC (2001) “Conservation Ethos in Local Traditions: the West Bengal
Heritage”. Society and Natural Resources 14: 711-724.
Freire, Paulo (1979) Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 79p.
Freire, Paulo (1982) Comunicação ou Extensão? Rio de Janeiro: Paz e Terra. 93p.
Maturana, Humberto R; Varela, Francisco J (1987) The Tree of Knowledge – The Biological
Roots of Human Understanding Boston : New Science Library. 263 p.
Nef, Jorge (1999) Human Security and Mutual Vulnerability: the Global Political Economy of
Development and Underdevelopment. Ottawa: IDRC. 140p.
Orr, David (1992) Ecological Literacy: Education and the Transition to a Postmodern World.
Albany: State University of New York Press. xiii, 210 p.
Poli, Roberto (1996) “Ontology for Knowledge Organization”. In: Green, R. (ed.) Knowledge
Organization and Change, Frankfurt/Main, INDEKS pp.313-319.
Raedeke, Andrew H.; Rikkon, J. Sanford (1997) “Temporal and Spatial Dimensions of
Knowledge: Implications for Sustainable Agriculture”. Agriculture and Human Values 14:
145-158.
Röling, N.G.; Wagemakers, M.A.E. (1998) “A New Practice: Facilitating Sustainable
Agriculture”. In: Röling, N.G.; Wagemakers, M.A.E. (Eds.) (1998) Facilitating Sustainable
Agriculture. Cambridge: Cambridge Univ. press. pp. 3-22
Shanley, Patricia; Gaia, Gloria R. (2000) “Break Barriers, Increase Impact: Equitable
Generation and Dissemination of Natural Resource Information in the Brazilian Amazon”.
In: Guijt, I.; Berdegué, J.; Loevinsohn, M. Deepening the Basis of Rural Resource
Management - Proceedings of a workshop, February 16-18, 2000, ISNAR, The Hague,
Netherlands. Publisher: The Hague, Netherlands: International Service for National
Agricultural Research. pp. 181-188.
Waltner-Toews, David
(1996)
“Ecosystem
Health, a Framework for Implementing
Sustainability in Agriculture”. Bioscience v.46 (9): 686-
5
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