CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS
DIRETORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens
POLLYANNA DE MATTOS MOURA VECCHIO
A COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA E O FUTURO:
ESTUDO SOBRE AÇÕES INOVADORAS DE EDIÇÃO CIENTÍFICA EM
AMBIENTE DIGITAL
Orientadora: Profa. Dra. Ana Elisa Ferreira
Ribeiro
Belo Horizonte, fevereiro de 2014
Pollyanna de Mattos Moura Vecchio
A COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA E O FUTURO:
ESTUDO SOBRE AÇÕES INOVADORAS DE EDIÇÃO CIENTÍFICA EM
AMBIENTE DIGITAL
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Estudos de Linguagens do
Centro Federal de Educação Tecnológica de
Minas Gerais (CEFET-MG) como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
Estudos de Linguagens.
Orientadora: Profa. Dra. Ana Elisa Ferreira
Ribeiro
Belo Horizonte, fevereiro de 2014
CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS
DIRETORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
DEPARTAMENTO DE LINGUAGEM E TECNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGENS
Dissertação intitulada “A comunicação científica e o futuro: estudo sobre ações
inovadoras de edição científica em ambiente digital”, de autoria da mestranda Pollyanna
de Mattos Moura Vecchio, aprovada pela banca examinadora composta pelos seguintes
docentes:
Profa. Dra. Ana Elisa Ferreira Ribeiro (Orientadora)
Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens (Posling/CEFET-MG)
Prof. Dr. Carlos Frederico de Brito D‟Andrea
Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM/UFMG)
Prof. Dr. Francis Arthuso Paiva (Coltec-UFMG)
Programa de Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS/FALE/UFMG)
Prof. Dr. Renato Caixeta da Silva
Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens (Posling/CEFET-MG)
Belo Horizonte, 17 de março de 2014
Para minha mãe, Luíza, que sequer sabe o que é comunicação científica ou
multimodalidade, mas sempre foi e sempre será minha melhor orientadora.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Luíza e Juarez, por terem me ensinado desde cedo que estudar é um
privilégio e um deleite, jamais uma obrigação.
Ao meu marido, Bruno Vecchio, por embarcar comigo em mais essa aventura, sendo
sempre tão manso e compreensivo e também por ter me ajudado a entender e resenhar
os artigos da área de ciências biológicas.
Aos meus irmãos, Fabiana e Marcelo, pelo revezamento eficaz que temos feito na
corrida pela saúde de nossa querida mãe e por entenderem minhas ausências durante
esse momento tão particular da minha vida.
Às minhas cunhadas, Juju e Lulu, e à minha sogra Roseli, por me ajudarem
enormemente com os preparativos para a chegada da Malu, concedendo-me mais tempo
para focar na dissertação.
À minha orientadora, Profa. Dra. Ana Elisa Ferreira Ribeiro, por todo o apoio durante
essa etapa da minha vida: desde o impulso inicial para que eu participasse do processo
seletivo de mestrado, passando pelas orientações nada convencionais (mas tão
eficientes) na mesa da cantina, até chegar à defesa. Seu exemplo de “pesquisadora
frenética” está gravado em mim e mudou minha percepção sobre a academia.
Ao CEFET-MG, esta instituição que conheci ainda na adolescência e que, desde então,
tem sido um dos principais pilares da minha formação intelectual, profissional,
acadêmica e humana. Um nome que carrego orgulhosamente no peito como servidora,
aluna e ex-aluna e que vou sempre defender e elevar onde quer que eu esteja.
Ao DELTEC, setor onde trabalho, pela calorosa acolhida dos colegas desde o meu
ingresso na instituição e pelo apoio de todos nessa empreitada. Agradeço especialmente
aos chefes que tive durante o período do mestrado e que, sem exceção, apoiaram meus
estudos. Sãos eles: os professores doutores Vicente Aguimar Parreiras, Andréa Soares
Santos, Renato Caixeta da Silva, Lílian A. Arão e Ângela Vieira Campos.
Às minhas queridas, amáveis e tão obedientes estagiárias Thaís Isabelle de Souza César
e Ana Carolina Monteiro Lessa de Moura.
Ao POSLING, incluindo os professores, a secretária Sandra Aquino e as estagiárias
Tathiane e Carolina, pela infraestrutura para a conclusão deste projeto. Ofereço um
agradecimento especial à Profa. Dra. Olga Valeska Soares Coelho, por ter despertado
em mim o brilho nos olhos ao assistir às suas excelentes aulas e por ter me ajudado a
reciclar minha escrita, já tão viciada.
Ao meu colega de mestrado André Luiz Silva, pela parceria acadêmica e profissional
desde os tempos da especialização.
Aos colegas do grupo de pesquisa Produção Editorial, da INTERCOM, pela discussão
interessada, pelos conselhos e por terem sido praticamente a minha primeira banca.
Aos professores doutores Carlos Frederico de Brito D‟Andrea, Francis Arthuso Paiva e
Renato Caixeta da Silva, por terem aceitado fazer parte da minha banca.
Aos pesquisadores que gentilmente cederam as entrevistas para esta dissertação, mesmo
sendo pessoas tão ocupadas e tão distantes da minha realidade. São eles: Kathleen
Fitzpatrick, Ph.D, do projeto MediaCommons Press; Rebecca Lawrence, Ph.D, do
F1000Research; e Moshe Pritsker, Ph.D, do projeto The Journal of Visualized
Experiments.
À minha querida filha, Maria Luíza, que chegou de mansinho e se tornou a principal
força propulsora para que eu concluísse este mestrado de forma digna e eficaz.
Por fim, ao meu querido e bondoso Pai Celestial, por ter colocado todo esse pessoal aí
em cima na minha vida e por ter me emprestado uma minúscula centelha do seu
conhecimento infinito para que eu pudesse compartilhar o que aprendi sobre
comunicação científica e novas tecnologias. Afinal, é tudo criação Dele! “E em
nada ofende o homem a Deus ou contra ninguém está acesa sua ira, a não ser contra os
que não confessam sua mão em todas as coisas...” (Doutrina & Convênios, 59:21).
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AAAS – American Association for the Advancement of Science
Artemisa – Articulos Editados en Mexico sobre Información en Salud
BIREME – Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da
Saúde, antiga Biblioteca Regional de Medicina
BMC – BIOMED Central
BVS – Biblioteca Virtual em Saúde
CC – Creative Commons
CEFET-MG – Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
DOAJ – Directory of Open Access Journals
DOI – Digital Object Identifier
DORA –The San Francisco Declaration on Research Assessment
FAPESP – Agência de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FI – Fator de Impacto
HTML – HyperText Markup Language
IBICT – Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
IMLA – Index Medicus Latino-Americano
ISSN – International Standard Serial Number
JoVE – The Journal of Visualized Experiments
Latindex – Sistema Regional de Informação em Linha para Revistas Científicas da
América Latina, Caribe, Espanha e Portugal
LILACS – Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde
MCP – MediaCommons Press
NTIC – Novas Tecnologias de Informação e Comunicação
OA – Open Access
OAI – Open Archives Iniciative
OAI-PMH – Open Archives Initiative Protocol for Metadata Harvesting
OJS – Open Journal Systems
OMS – Organização Mundial da Saúde
OPAS – Organização Pan-americana da Saúde
PDF Portable Document Format
PLOS – Public Library of Science
PUC Minas – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
RedALyC – Red de Revistas Científicas de America Latina y el Caribe
SciELO – Scientific Electronic Library Online
SEER – Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas
XML – Extensible Markup Language
RESUMO
Esta dissertação tem como foco o impacto das Novas Tecnologias de Informação e
Comunicação (NTICs) nas práticas tradicionais de edição científica. Partimos da
hipótese de que a simples transposição do suporte impresso para o digital não leva o
pesquisador a usufruir dos benefícios de um tipo de comunicação científica somente
possível com o advento das NTICs. Assim, conduzimos um estudo comparativo de
casos, a fim de investigar o funcionamento de três iniciativas digitais cujo processo e/ou
produto editorial usufruem de forma inovadora do ambiente digital, transgredindo
paradigmas tradicionalmente estabelecidos até o momento. As iniciativas abordadas
foram os projetos MediaCommons Press (MCP), F1000Research e The Journal of
Visualized Experiments (JoVE). Utilizamos como suportes a Teoria dos Gêneros
Textuais, com destaque para a corrente sociorretórica, baseando-nos especificamente
nas ideias de Bazerman (2005; 2007; 2011) a respeito do gênero acadêmico, e a
perspectiva do Discurso Multimodal (KRESS; VAN LEEUWEN, 2001). Em relação ao
processo editorial, analisamos a forma como se constituem, em cada um dos casos: 1) o
fluxo editorial, 2) a autoria, 3) a revisão por pares, 4) a acessibilidade e 5) a
visibilidade/indexação das publicações. Em relação ao produto editorial, analisamos o
formato e o conteúdo de um artigo científico publicado por cada uma das iniciativas. Os
resultados nos permitem afirmar que há uma nova onda de mudanças ocorrendo no
gênero artigo científico em decorrência da otimização do uso das NTICs. Também
pudemos concluir que, das três iniciativas, duas tendem a transgredir mais os
paradigmas do processo (MCP e F1000Research); outra tende a transgredir mais os
paradigmas do produto (JoVE). Além disso, podem coexistir práticas bastante
inovadoras do processo e práticas bastante tradicionais do produto ou vice-versa. Os
resultados também corroboram a teoria de Bazerman (2011) de que os gêneros não são
meras cristalizações formais estagnadas no tempo e no espaço e de que, para se definir
um gênero, não devemos nos ater somente aos traços textuais mais típicos, mas sim às
relações e às interações mais fundamentais realizadas no ato de comunicação.
PALAVRAS-CHAVE: comunicação científica; novas tecnologias de informação e
comunicação (NTICs); edição; multimodalidade; gêneros científicos.
ABSTRACT
This dissertation focuses on the impact of New Information and Communication
Technologies (NICTs) in traditional practices of scientific publishing. We start from the
hypothesis that the simple transposition from paper to digital format does not lead the
researcher to enjoy the benefits of a kind of scientific communication only possible with
the advent of NICTs. Therefore, we conducted a comparative case study, in order to
investigate the operation of three digital initiatives whose editorial process and/or
product innovatively benefit from the digital environment by breaking paradigms
traditionally established until the present moment. The initiatives addressed were:
MediaCommons Press, F1000Research and The Journal of Visualized Experiments. We
relied on the Theory of Textual Genres, highlighting the socio-rhetoric approach, based
specifically on Bazerman (2005, 2007, 2011) regarding the academic genre, and on the
Multimodal Discourse perspective (Kress, van Leeuwen, 2001). Regarding the editorial
process, we analyzed the constitution, in each case, of: 1) editorial flow, 2) authorship,
3) peer review, 4) accessibility and 5) visibility/indexing. Regarding the editorial
product, we analyzed the format and content of one scientific article published by each
one of the initiatives. The results allow us to conclude that there is a new wave of
changes occurring in the genre scientific article due to the optimization of the NICTs
use. We were also able to conclude that, among the three initiatives, two of them tend to
transgress more paradigms related to the process (MCP and F1000Research), and the
other tends to transgress more paradigms related to the product (JoVE). Furthermore,
quite innovative practices related to the process may coexist with quite traditional
practices related to the product or vice versa. The results also corroborate Bazerman‟s
(2011) assumption that genres are not merely formal crystallizations stagnant in time
and space and that, in order to define a genre, we should not limit ourselves to only the
most typical textual features, but to more fundamental relationships and interactions
performed in the act of communication.
KEYWORDS: scholarly communication, new information and communication
technologies (NICTs); publishing; multimodality; scientific genres.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Comunicação científica no mundo – cronologia ...................................... 29
FIGURA 2 – Primeira edição do periódico Philosophical Transactions ....................... 45
FIGURA 3 – Artigo publicado em 2014 pela revista Astronomy & Astrophysics ......... 46
FIGURA 4 – Esquematização da metodologia proposta ................................................ 68
FIGURA 5 – Página inicial da rede MediaCommons..................................................... 70
FIGURA 6 – Discussão sobre o reality show 30 Days .................................................. 71
FIGURA 7 – Template da plataforma CommentPress para revisão por pares aberta .... 74
FIGURA 8 – Página inicial do website da iniciativa Faculty of 1000 ........................... 77
FIGURA 9 – Página inicial da iniciativa F1000Research. ............................................ 78
FIGURA 10 – Página inicial do website do periódico JoVE ......................................... 82
FIGURA 11 – Exemplo de um videoartigo publicado pelo periódico JoVE ................. 87
FIGURA 12 – Exemplo de um editorial em vídeo ......................................................... 88
FIGURA 13 – Resumo de comentários postados no projeto “Born Digital” ................. 89
FIGURA 14 – Contribuição individual dos autores de um artigo em coautoria ............ 91
FIGURA 15 – Disponibilização de diferentes versões de um mesmo artigo ................. 92
FIGURA 16 – Exemplo de artigo de acesso aberto publicado no JoVE ........................ 96
FIGURA 17 – Número total de artigos publicados pela iniciativa (Base: 2012-2013).. 98
FIGURA 18 – Número de total artigos indexados depois (Base: 2012-2013) ............... 98
FIGURA 19 – Seção introdutória do artigo “CommentPress” ..................................... 104
FIGURA 20 – Comentários de Terje Hillesubynd e Sherman Dorn ............................ 106
FIGURA 21 – Diálogo final entre Terje Hillesubynd e Sherman Dorn ....................... 108
FIGURA 22 – Comentário feito pela autora ................................................................ 109
FIGURA 23 – Artigo Prevalence of antibiotic-resistant... na sua versão online ......... 110
FIGURA 24 – Comentários da parecerista Irene Hanning ........................................... 113
FIGURA 25 – Nota de atualização para a segunda versão do artigo ........................... 115
FIGURA 26 – Ficha catalográfica da segunda versão do artigo .................................. 116
FIGURA 27 – Página do videoartigo Live-cell Video ... Phagocytosis ....................... 117
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 15
1 COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA: ESTADO DA ARTE E QUESTÕES EM DEBATE
........................................................................................................................................ 22
1.1 Introdução ................................................................................................................. 22
1.2 Breve contextualização histórica .............................................................................. 23
1.2.1 Comunicação científica na América Latina........................................................... 29
1.3 O processo editorial científico .................................................................................. 33
1.3.1 Autoria e revisão por pares .................................................................................... 35
1.3.2 Acessibilidade, visibilidade e indexação ............................................................... 37
1.3.3 Movimentos pelo acesso aberto e a Licença Creative Commons ......................... 41
1.4 O produto editorial científico ................................................................................... 43
1.5 O advento das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação.......................... 47
1.6 Tendências atuais: quatro pilares para a comunicação científica contemporânea .... 48
2 PERSPECTIVAS TEÓRICAS ADOTADAS ............................................................. 52
2.1 Introdução ................................................................................................................. 52
2.2 Eixo teórico I: Multimodalidade ou Discurso Multimodal ...................................... 52
2.2.1 Discurso ................................................................................................................. 54
2.2.2 Design .................................................................................................................... 55
2.2.3 Produção ................................................................................................................ 57
2.2.4 Distribuição ........................................................................................................... 59
2.3 Eixo teórico II: Teoria Sociorretórica dos Gêneros .................................................. 61
3 PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................... 65
3.1 Tipo de pesquisa ....................................................................................................... 65
3.2 Técnica de pesquisa e coleta de dados...................................................................... 65
3.2 Seleção do corpus ..................................................................................................... 66
3.3 Análises .................................................................................................................... 67
4 APRESENTAÇÃO DOS CASOS ............................................................................... 69
4.1 Caso 1: MediaCommons Press (MCP) ..................................................................... 69
4.1.1 O MediaCommons Press ....................................................................................... 73
4.2 Caso 2: F1000Research ............................................................................................ 75
4.2.1 O F1000Research .................................................................................................. 76
4.3 Caso 3: The Journal of Visualized Experiments (JoVE) .......................................... 79
5 RESULTADOS, ANÁLISES E DISCUSSÃO ........................................................... 83
5.1 O processo editorial .................................................................................................. 83
5.1.1 Fluxo editorial ....................................................................................................... 83
5.1.1.1 Caso 1: MediaCommons Press ........................................................................... 83
5.1.1.2 Caso 2: F1000Research ...................................................................................... 85
5.1.1.3 Caso 3: JoVE ...................................................................................................... 86
5.1.2. Autoria e revisão por pares ................................................................................... 89
5.1.2.1 Caso 1: MediaCommons Press ........................................................................... 89
5.1.2.2 Caso 2: F1000Research ...................................................................................... 90
5.1.2.3 Caso 3: JoVE ...................................................................................................... 93
5.1.3 Acessibilidade........................................................................................................ 94
5.1.3.1 Caso 1: MediaCommons Press ........................................................................... 94
5.1.3.2 Caso 2: F1000Research ...................................................................................... 94
5.1.3.3 Caso 3: JoVE ...................................................................................................... 95
5.1.4 Visibilidade e indexação das publicações ............................................................. 96
5.1.4.1 Caso 1: MediaCommons Press ........................................................................... 96
5.1.4.2 Caso 2: F1000Research ...................................................................................... 97
5.1.4.3 Caso 3: JoVE ...................................................................................................... 98
5.1.5 Análise do processo editorial sob a perspectiva do discurso multimodal ............. 99
5.2 O produto editorial ................................................................................................. 103
5.2.1 Caso 1: MediaCommons Press ............................................................................ 103
5.2.2 Caso 2: F1000 Research ...................................................................................... 109
5.2.3 Caso 3: JoVE ....................................................................................................... 116
5.2.4 Análise do produto editorial sob a perspectiva do discurso multimodal ............. 119
5.2.5 Análise do produto editorial sob a perspectiva da teoria sociorretórica dos gêneros
...................................................................................................................................... 122
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 125
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 128
APÊNDICE A – Entrevista com Kathleen Fitzpatrick (MediaCommons Press) ......... 137
APÊNDICE B – Entrevista com Rebecca Lawrence (F1000Research) ...................... 141
APÊNDICE C – Entrevista com Moshe Pritsker (JoVE) ............................................. 146
(...) a proliferação das tecnologias de
informação está facilitando a vida de
alguns, dificultando a de outros, mas, com
certeza, alterando a vida de todos.
(HOFFMAN, 1994, p. 232)
15
INTRODUÇÃO
O cenário atual da comunicação científica tem preocupado vários pesquisadores.
Carência de verba para publicações (sobretudo impressas), avaliações por pares tendenciosas,
marginalização das Ciências Humanas, questões envolvendo acessibilidade e uma
concorrência desleal diante de publicações de países desenvolvidos são alguns dos desafios
enfrentados pela comunidade científica (FERREIRA; TARGINO, 2005; 2008).
A despeito desses entraves, cresce a pressão para que os pesquisadores mantenham
uma produtividade acadêmica quase desumana e permanece a tendência para uma maior
valorização da publicação impressa e da autoria individual, sobretudo na área das Ciências
Humanas e Sociais. Segundo Fitzpatrick (2011), diante desses desafios, é preciso repensar a
forma como a academia faz comunicação científica hoje, considerando principalmente a
tendência mundial para o uso cada vez mais constante do ambiente online e das Novas
Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs).
Segundo Garvey e Griffith (1979), a comunicação científica é a troca de informações
entre os membros da comunidade científica (incluindo atividades associadas à produção, à
disseminação e ao uso da informação) desde o momento em que o cientista/pesquisador
concebe uma ideia para pesquisar até que os resultados sejam aceitos pelos pares como
constituintes do estoque universal de conhecimentos. Para Targino (2000), a ideia de troca
perpassa todo o fluxo da comunicação científica: o pesquisador repassa à comunidade as
informações que obteve em seus estudos e recebe em troca sua confirmação como cientista,
dada pelos pares, e a progressão ou manutenção de seu status institucional, alimentando a
produção intensa de publicações originais atualmente exigida pelas instituições.
Do ponto de vista da produção editorial, as publicações mais comuns de comunicação
científica são os periódicos (ou revistas científicas), os livros e os anais, além das
monografias, dissertações e teses. Tradicionalmente, a publicação científica se fez em suporte
impresso. No entanto, nota-se cada vez mais a existência de publicações e iniciativas digitais.
No Brasil, as publicações costumam ser produzidas por instituições de ensino e institutos de
pesquisa. Em geral, essas entidades se deparam com diversos desafios para manter a
regularidade e a qualidade de suas publicações (RIBEIRO, 2012). Dentre essas dificuldades,
existe a carência de recursos financeiros, especialmente para os títulos impressos, que têm
volumosas despesas com impressão e distribuição (DIAS; GARCIA, 2008). Diante dessa
realidade, a tendência para os próximos anos é de que existam cada vez mais publicações
eletrônicas e menos impressas, uma vez que, em termos de aumento da acessibilidade e
16
visibilidade e de redução de custos, o suporte eletrônico parece apresentar inúmeras vantagens
sobre o de papel (MEADOWS, 1999; 2001; LEMOS, 2005; FERREIRA; TARGINO, 2010).
Essa tendência induz à necessidade de estudos que analisem em que medida as
publicações e iniciativas online estão sendo repensadas de modo a explorar satisfatoriamente
as potencialidades do ambiente digital. Pelo menos uma questão se levanta sobre as reais
vantagens dessa transição: a garantia de que as publicações e iniciativas online não sejam
eternamente uma mera transposição do que já existe no formato impresso. Segundo Ribeiro
(2010, p. 20), a melhor explicação para o termo “transposição”, nesse contexto de mudança de
suportes, é “tirar algo de seu lugar „normal‟ e implantar em outro, em geral, gerando um
incômodo de alguma natureza”.
Minhas1 primeiras inquietações diante dessa transição de suportes surgiram enquanto
preparava meu Trabalho de Conclusão de Curso para uma especialização em revisão de textos
no Instituto de Educação Continuada da PUC Minas. Meu objetivo de pesquisa era investigar
quais eram os principais desafios na publicação de periódicos científicos produzidos por
instituições públicas brasileiras2. Para tanto, conduzi um estudo de caso sobre a Revista
Educação & Tecnologia, periódico quadrimestral mantido há 19 anos pelo Centro Federal de
Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), instituição onde trabalho.
Meu corpus de pesquisa eram as 26 edições do periódico publicadas entre 1995 e
2010. Uma vez que não consegui acesso a todas as edições da revista no formato impresso,
utilizei a versão digital, ainda no prelo, que estava sendo preparada para que o periódico
passasse a ser disponibilizado na plataforma SEER (Sistema Eletrônico de Editoração de
Revistas). Minha decepção foi grande quando descobri que a versão digital era composta por
arquivos em formato PDF (Portable Document Format) dos artigos escaneados a partir da
versão impressa (algumas vezes com resultados ilegíveis). Aos poucos, fui percebendo que
essa realidade da Revista Educação & Tecnologia era a regra e não uma exceção.
Segundo Gruszynski e Golin (2006), há uma disseminação de artigos científicos
online em formato PDF publicados com a mesma tradição de apresentação linear de
elementos dos textos impressos. Embora a tecnologia dos tablets e de celulares com telas cada
vez maiores tenha facilitado bastante a leitura de documentos na tela, muitos leitores, para ler
1
Utilizo a primeira pessoa do singular nesta seção porque trato de motivações pessoais em relação ao impulso
inicial para a realização desta pesquisa. No entanto, da seção seguinte em diante, optei por usar a primeira pessoa
do plural, implicando, com o uso do termo “nós”, a parceria entre mim e minha orientadora no desenvolvimento
do estudo.
2
Ver Vecchio (2012).
17
com mais comodidade, ainda imprimem os estudos que vêm em formato PDF, perpetuando
práticas de leitura herdadas da tradição impressa.
No caso do periódico científico especificamente, Gruszynski e Golin (2006) afirmam
que ele deverá manter vários parâmetros já consolidados pelas revistas impressas. Há a
necessidade, por exemplo, de uma política interna, de conselhos editoriais e de uma rigorosa
avaliação por pares. Também é preciso que o periódico eletrônico siga um escopo temático,
mantenha edições regulares e apresente um número de registro (International Standard Serial
Number – ISSN), entre outros critérios. As autoras afirmam que “a disponibilidade da
produção científica na internet é cada vez mais comum e não pode ficar restrita aos recursos
de mera transposição da produção gráfica impressa” (GRUSZYNSKI; GOLIN, 2006, p. 5).
Com o tempo, esse incômodo inicial com a inadequação do suporte ao propósito foi se
agravando durante meu trabalho como revisora e tradutora. Ao revisar ou traduzir teses,
dissertações ou artigos de áreas bastante visuais (como o cinema, a mídia televisiva e a
biologia), muitas vezes ficava frustrada ao ler descrições de cenas de filmes, de trechos de
telejornais ou de experimentos laboratoriais ilustrados somente com a exposição de figuras
em quadrantes. Imaginava que um dia seria possível que o pesquisador pudesse usar a internet
e seu caráter essencialmente multimídia para potencializar a forma como se faz e como se
visualiza a comunicação científica nos dias de hoje. Além disso, idealizava que não só o
formato dos textos poderia usufruir mais das tecnologias digitais, mas também o processo
editorial científico poderia ser mais beneficiado com uma mudança nas formas tradicionais de
submissão, autoria, revisão por pares, acesso e visibilidade.
O que tem acontecido é que poucas publicações ou iniciativas digitais de comunicação
científica formal oferecem ao leitor as comodidades tecnológicas próprias do hipertexto e da
hipermídia. Poucos apresentam interfaces mais adequadas ao modo de assimilação da
informação em um suporte que se caracteriza essencialmente pela facilidade de utilização de
recursos multimídia.
Segundo Marcuschi (2001):
[...] o hipertexto, aliado às vantagens da hipermídia, consegue integrar notas,
citações, bibliografia, referências, imagens, fotos ou outros elementos encontrados
na obra impressa, de modo eficaz e sem a sensação de que sejam notas, citações etc.
Em suma, subverte os movimentos e redefine as funções dos constituintes textuais
básicos. (p. 94)
Considerando o contexto exposto até aqui, a hipótese para a condução desta pesquisa
foi de que a simples transposição do suporte impresso para o digital não leva o pesquisador a
18
usufruir dos benefícios de um tipo de comunicação científica somente possível com o advento
das NTICs.
Meus incômodos e inquietações iniciais se transformaram num desafio pessoal de
tentar descobrir alguém ou alguma instituição que estivessem fazendo comunicação científica
online de forma intrinsecamente ligada ao espaço virtual. Assim, esta dissertação trata da
existência e do funcionamento de iniciativas digitais cujo processo e/ou produto editorial
usufruem de forma inovadora do ambiente digital, transgredindo paradigmas tradicionalmente
estabelecidos até o momento.
Se as publicações científicas em ambiente digital disponibilizassem mais recursos do
hipertexto, da hipermídia e da interatividade, por exemplo, a internet possibilitaria que um
artigo levasse o leitor ao corpus original pesquisado, a cenas de filmes ou a outros arquivos
audiovisuais, a projetos arquitetônicos com imagens em 3D e a tantos outros recursos e fontes
de pesquisa somente possíveis de se acessar em um ambiente multimídia. Seria possível,
inclusive, iniciar um percurso rumo a uma espécie de convergência de mídias3 (JENKINS,
2008), caminho que o jornalismo há algum tempo já vem trilhando e que já foi explorado por
pesquisas como a de Gonzaga-Pontes (2012) e Gonçalves (2013).
O próprio Prêmio Nobel de Química de 2013 refletiu o reconhecimento da
comunidade científica sobre o uso das novas tecnologias em práticas dificilmente alcançáveis
por métodos não virtuais. Os premiados foram os pesquisadores Martin Karplus, da
Universidade Harvard, Michael Levitt, da Universidade Stanford, e Arieh Warshel, da
Universidade do Sul da Califórnia, pela criação de um programa de computador que faz
simulações de reações químicas e prevê a forma como acontecem as mudanças na estrutura
das moléculas4.
Estudos sobre a transição do suporte impresso para o digital não são novidade,
especialmente para as áreas da Linguística e do Jornalismo. Em Ribeiro e outros (2009), por
exemplo, encontram-se os resultados de uma pesquisa sobre a interação de usuários com
versões digitais simuladoras de jornais impressos. Tavares (2011), por sua vez, abordou a
multimodalidade de textos jornalísticos ao comparar reportagens de capa de três revistas
semanais brasileiras de grande circulação nas suas versões em suporte impresso, internet e
3
A noção de cultura da convergência e de convergência de mídias tem como principal defensor o pesquisador
norte-americano Henry Jenkins e, em termos gerais, consiste na ideia do fluxo de conteúdo por meio de
múltiplas plataformas midiáticas, da cooperação entre os vários setores da mídia e do comportamento migratório
da audiência, que hoje percorre vários tipos de mídia (TV, internet, rádio) em busca do tipo de entretenimento
que proporciona a experiência desejada (JENKINS, 2008).
4
Fonte: Site Oficial do Prêmio Nobel. Disponível em: <http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/chemistry/
laureates/2013/>. Acesso em: 11 out. 2013.
19
mobile. Gruszynski e Castedo (2008) abordaram a eficácia comunicacional na transição do
impresso para o digital em periódicos científicos especificamente, com enfoque para questões
relativas à área do Design.
Uma característica comum de estudos direcionados ao fenômeno da transição de
suportes é o caráter comparativo entre um mesmo objeto em sua versão impressa e em versão
digital. Nesse sentido, há uma certa lacuna de pesquisas que se voltem especificamente para o
objeto próprio da era digital, para um objeto que use as novas tecnologias de forma a
subverter práticas tradicionais arraigadas em séculos de cultura do papel.
Uma tentativa brasileira de preencher essa lacuna encontra-se nos estudos de Castedo
(2007), cujo objetivo de pesquisa é bastante similar ao que se fez aqui. Em seu artigo
Periódicos científicos on-line: novas interfaces, novos usos, novas práticas, a autora reflete
sobre duas iniciativas digitais de comunicação científica que também procuram explorar
características específicas da web. Seu objeto de estudo são as práticas editoriais inovadoras
de revisão por pares propostas pela editora BIOMED Central e o uso de links em periódicos
publicados no Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas ou Open Journal Systems
(SEER/OJS).
Abordando a questão do multiletramento acadêmico, Florek e Hendges (2013)
também fazem um estudo interessante sobre as características de resumos acadêmicos
gráficos5 disponíveis online em relação ao grau de especialização visual das informações. As
autoras concluem que o grau de especialização da linguagem visual no corpus pesquisado é
bastante alto, evidenciando o reflexo, nas figuras, da padronização do gênero acadêmico
científico já estabelecida pela cultura verbal escrita.
Os estudos de Castedo (2007) e Florek e Hendges (2013) abrem caminhos para
pesquisas futuras mais aprofundadas sobre o assunto. Para tanto, nesta dissertação, estudamos
o caso de três iniciativas online que apresentam uma nova forma de comunicação científica
subsidiada pelo uso das NTICs. Como um passo à frente ao que foi feito por Castedo, não só
buscamos outras iniciativas ainda mais recentes, mas, sobretudo, nós as abordamos sob a
perspectiva da multimodalidade, além de desenvolver uma reflexão a respeito de algumas
mudanças ocorridas no gênero “artigo científico” em decorrência das tecnologias digitais.
5
Um resumo acadêmico gráfico (graphical abstract) é um resumo simples, conciso, pictórico e visual das
principais conclusões de um artigo. Trata-se de uma “figura-chave”, ou seja, uma espécie de infográfico que
permite que os leitores obtenham rapidamente uma compreensão geral do trabalho descrito no artigo. Fonte:
Editora Elsevier (Instruções para autores). Disponível em: < http://www.elsevier.com/journal-authors/graphicalabstract>. Acesso em: 06 fev. 2014.
20
Além disso, uma vez que dois dos casos que foram tratados nesta pesquisa são
iniciativas bem-sucedidas de comunicação científica sob um modelo de publicação com
acesso aberto, ou seja, gratuito, uma das justificativas para a condução deste estudo é de que
esses projetos podem servir como incentivo e modelo para iniciativas locais.
A pesquisa teve dois focos de interesse: o processo e o produto editorial das iniciativas
elencadas para estudo. Ou seja, focamos em entender como (processo) e o que (produto) essas
iniciativas de comunicação científica estão produzindo na web de forma a transgredir
paradigmas estabilizados durante séculos de cultura impressa.
Diante desse contexto, o estudo foi desenvolvido com vistas a responder à seguinte
pergunta: como são o processo e o produto editorial de iniciativas de comunicação científica
em ambiente digital que utilizam as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação de
forma a subverter práticas próprias da tradição impressa e quais mudanças podem ser
percebidas no gênero “artigo científico” em função do uso dessas novas tecnologias?
Nosso objetivo geral de pesquisa foi desdobrado em dois tópicos, quais sejam: (1)
analisar a maneira como elementos próprios da comunicação científica são constituídos em
três iniciativas em ambiente digital consideradas inovadoras, a fim de verificar se as
modificações apresentadas nesses projetos estão ajudando a engendrar um novo paradigma de
comunicação científica e (2) investigar, no âmbito do gênero discursivo científico, o que está
acontecendo com o gênero artigo científico em função do uso das Novas Tecnologias de
Informação e Comunicação. Entendemos como gênero discursivo aquilo que Bakhtin (2003,
p. 262) chama de “tipos relativamente estáveis de enunciados” e consideramos o artigo
científico (paper) como o gênero textual mais representativo da comunicação formal entre a
comunidade científica na atualidade (CASTRO, 2006; MOTTA-ROTH; HENGDES, 2010).
Para conduzir a pesquisa, utilizamos como suportes a Teoria dos Gêneros Textuais,
com destaque para a corrente sociorretórica, baseando-nos especificamente nas ideias de
Bazerman (2005; 2007; 2011) a respeito do gênero acadêmico, e a perspectiva do Discurso
Multimodal (KRESS; VAN LEEUWEN, 2001). Como objetivos específicos, focamos em: i)
discutir questões atuais relacionadas ao impacto das Novas Tecnologias de Informação e
Comunicação sobre as formas tradicionais de comunicação científica no mundo; ii) descrever
a história, o contexto e o funcionamento de cada um dos casos de edição científica eleitos para
estudo, com ênfase para as características que os particularizam como iniciativas inovadoras;
iii) analisar a forma como se constituem, em cada um dos casos, os seguintes elementos do
processo editorial: 1) fluxo editorial, 2) autoria, 3) revisão por pares, 4) acessibilidade, 5)
21
visibilidade/indexação das publicações; e, por fim, iv) analisar o produto editorial dessas
iniciativas.
Os casos eleitos para estudo são: (1) o MediaCommons Press (MCP), um espaço
virtual para revisão aberta de textos científicos desenvolvido em um formato inovador de
blog; (2) o F1000Research, um editor científico online que publica artigos com base nos
seguintes princípios: publicação imediata, publicação concomitante dos dados originais de
pesquisa, revisão por pares pós-publicação, publicação das considerações e da identidade dos
pareceristas e acesso aberto e, por fim, (3) o The Journal of Visualized Experiments (JoVE),
um periódico científico eletrônico na área da Medicina, Biologia, Química e Física que se
baseia no formato tradicional de periódicos indexados e revisados por pares, mas cujos artigos
são apresentados em formato de vídeos com a filmagem profissional dos procedimentos
experimentais e protocolos, acompanhados de descrições textuais.
Dos três casos, um foi descoberto por indicação pessoal (MCP), outro por pesquisa
pela internet (JoVe) e outro (F1000Research) durante as várias leituras que fizemos para
estabelecer o estado da arte da dissertação. A definição dessas iniciativas como “inovadoras”
foi feita primeiramente porque elas mesmas se definem como tal e, para constatação, valemonos do conhecimento que adquirimos ao estabelecer o estado da arte desta dissertação e
verificarmos que as mudanças propostas pelas três iniciativas realmente apresentam inovações
nas práticas tradicionais de comunicação em ciência.
Além da introdução e das considerações finais, este trabalho se apresenta em cinco
capítulos. No Capítulo 1, temos uma revisão da literatura a respeito da comunicação
científica, incluindo a discussão de alguns conceitos fundamentais relacionados ao processo e
ao produto editorial científico, a contextualização histórica e um panorama geral sobre as
principais questões atuais envolvendo o tema e o impacto das novas tecnologias. No Capítulo
2, apresenta-se o eixo teórico adotado, ou seja, a Teoria dos Gêneros Textuais e a perspectiva
da Multimodalidade, mais especificamente os pontos de interesse para a análise que se
empreendeu nesta pesquisa.
No Capítulo 3, relatamos como se deu o nosso percurso metodológico, incluindo o
método de pesquisa utilizado, os critérios para a composição da amostra, as categorias
elencadas para estudo e as etapas de coleta e sistematização dos dados. No Capítulo 4, são
apresentados os três casos de estudo. Por fim, no Capítulo 5, comparamos e analisamos os
dados obtidos em cada um dos três casos sob a luz da Multimodalidade e da Teoria
Sociorretórica dos Gêneros Textuais, de Bazerman.
22
1 COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA: ESTADO DA ARTE E QUESTÕES EM DEBATE
1.1 Introdução
Meadows (1999) afirma que a comunicação é “tão vital quanto a própria pesquisa,
pois a esta não cabe reivindicar com legitimidade este nome enquanto não houver sido
analisada e aceita pelos pares. Isto exige necessariamente que seja comunicada” (p. vii). Essa
visão é corroborada por Kuhn (1990), pois o autor argumenta que a ciência funciona por meio
de uma mudança constante de paradigmas: novas ideias põem em crise um paradigma até
então estabelecido. Assim, quando nasce um paradigma, ele traz consigo uma nova visão da
prática científica vigente e incorpora novos temas prioritários, novas técnicas e métodos,
novas hipóteses e teorias, num ciclo constante e ilimitado.
Le Coadic (1996) também ressalta a importância da circulação da informação para a
existência da ciência quando sustenta que:
A informação é o sangue da ciência. Sem informação, a ciência não pode se
desenvolver e viver. Sem informação a pesquisa seria inútil e não existiria o
conhecimento. Fluido precioso, continuamente produzido e renovado, a informação
só interessa se circula, e, sobretudo, se circula livremente. (LE COADIC, 1996, p.
27)
Além disso, segundo Griffith (1989), “a comunicação é o único comportamento
comum a todos os cientistas, pois os demais são específicos de cada área, ou [são] técnicos”
(p. 600). É a essa ideia de troca e circulação, contida nas citações anteriores, que se dá o nome
de comunicação científica.
Expandindo o conceito, interessa-nos ainda a diferença e complementaridade das
noções de comunicação científica formal e informal. A comunicação formal se apresenta
prioritariamente em linguagem escrita e é veiculada por meio de inúmeros canais formais
como periódicos, anais, coletâneas, livros, teses, dissertações etc. Meadows (1999) sustenta
que a comunicação formal é direcionada a um público potencialmente grande, porém
proporciona pouca interação entre o público e o pesquisador. Na comunicação formal, a
informação normalmente é menos instantânea, mas pode ser permanentemente armazenada e
recuperada.
A comunicação informal consiste na troca de ideias entre os pesquisadores por meio
de canais que, em geral, não são registrados oficialmente, nem podem ser resgatados com a
mesma facilidade que os veículos formais. Trata-se de discussões travadas em reuniões,
23
simpósios, seminários, debates, conversas particulares, telefonemas, cartas e, mais
recentemente, por meios eletrônicos como mensagens de e-mail, diretórios, blogs, wikis, redes
sociais etc. Segundo Meadows (1999), a comunicação informal apresenta um público mais
restrito, porém com maior capacidade de feedback para o pesquisador. Ela é mais atual, mais
redundante, mas, em geral, não pode ser facilmente armazenada ou recuperada.
Em suma, conforme já definido por estudiosos do tema, como Garvey e Griffith
(1979), Meadows (1999) e Müeller (1994), o processo de comunicação científica consiste na
interação formal e informal entre pesquisadores que procuram atender seus interesses
individuais ou coletivos de pesquisa, mediante influência e diálogo recíprocos e permanentes.
Müeller (1994) afirma que uma das mais fortes motivações que levam os cientistas a
se comunicarem é a obtenção de opiniões de outros cientistas a respeito de suas próprias
pesquisas e o estabelecimento da propriedade intelectual. Segundo Oliveira e Noronha (2005),
esses fatores costumam ser mais importantes para o pesquisador do que a própria busca por
informações.
Para finalizar esta seção, advertimos sobre a ambiguidade criada entre os conceitos de
comunicação científica e de divulgação científica. Diferentemente do primeiro, a divulgação
científica (também conhecida como vulgarização da ciência e popularização da ciência) se
refere à comunicação de cientistas para a sociedade em geral. Essa divulgação é feita pela
grande mídia (em jornais, revistas, programas televisivos como telejornais e documentários),
ou pelas TVs universitárias e por material de divulgação de agências de fomento, entre outros.
Segundo Pinheiro (2003), embora os dois termos não se equivalham, é inegável aceitar que
um dos primeiros fenômenos decorrentes da internet foi a aproximação entre comunicação
científica (de cientistas para cientistas) e divulgação científica (de cientistas para a sociedade).
1.2 Breve contextualização histórica
Um mapeamento histórico plausível da comunicação científica no mundo é bastante
difícil de ser feito, uma vez que, como vimos na seção anterior, a comunicação informal não
costuma ser registrada, embora seja parte substancial dessa história. Podemos, no entanto,
mapear alguns acontecimentos relevantes na história do periódico científico, veículo mais
expressivo da comunicação científica formal (GUÉDON, 2001; PATALANO, 2005), e das
sociedades científicas, entidades inicialmente responsáveis pela manutenção do fluxo editorial
científico. Fjällbrant (1997) nos oferece um panorama dessa trajetória.
24
Segundo a autora, em meados do século XVII, houve um movimento para
proporcionar um fórum de cooperação entre cientistas e outras pessoas interessadas em
ciência. Nesse período, foram organizadas algumas sociedades científicas, como a Royal
Society, fundada em Londres em 1660, e a Académie des Sciences, fundada em Paris em
1666. Essas sociedades científicas representavam um movimento em direção a uma
organização cooperativa entre cientistas, independentemente de opiniões políticas ou de
associação profissional.
Nessa época, surge o Journal des Sçavans, considerado o primeiro periódico literário e
científico de todos os tempos. Foi publicado pela primeira vez em Paris, em 05 de janeiro de
1665, como resultado de um empreendimento privado do editor Denis de Sallo
(FJÄLLBRANT, 1997). Segundo Mckie (1948), o Journal des Sçavans continha textos dos
mais variados gêneros: dados de experimentos em física e química, descobertas nas artes e na
ciência, observações astronômicas e anatômicas, julgamentos legais e eclesiásticos de vários
países, além de resenhas e obituários.
A princípio publicado semanalmente, o Journal des Sçavans teve de ser suprimido em
março 1665. A publicação, entretanto, foi retomada a partir de janeiro de 1666 e uma série de
cento e onze volumes foi publicada entre 1665 e 1792, quando a revista foi extinta durante a
Revolução Francesa (FJÄLLBRANT, 1997). Em 1797, retornou com nova ortografia para
nome: Journal des Savants. A revista foi de grande importância na medida em que forneceu
um modelo e um estímulo para a criação de outras.
Segundo Fjällbrant (1997), um dos objetivos da Royal Society de Londres era informar
sobre seu trabalho científico. Seus membros tinham visto e discutido um exemplar do Journal
des Sçavans e quiseram fazer algo parecido, mas mais filosófico. Assim, o primeiro volume
da revista Philosophical Transactions, da Royal Society, foi publicado em 06 de março de
1665, em Londres. Foi a primeira publicação em série produzida por uma sociedade
científica.
A Philosophical Transactions era uma publicação mensal que reunia material
científico, juntamente com resenhas de livros e com um espaço para discussões entre pessoas
que possuíssem opiniões científicas divergentes. Essa revista forneceu um modelo para
publicações posteriores de academias científicas em toda a Europa.
As revistas das sociedades científicas continham não só material científico original –
que consistia, na verdade, em correspondência entre cientistas e trabalhos lidos em reuniões
das entidades –, mas também comentários de trabalhos científicos em áreas específicas. Além
disso, havia reproduções de material publicado em outros lugares, principalmente traduções.
25
Segundo Fjällbrant (1997), naquela época, os cientistas frequentemente publicaram seus
trabalhos em mais de uma revista, uma vez que as sociedades estavam preocupadas com a
propagação e difusão cada vez maior do conhecimento científico.
Paralelamente às publicações das sociedades científicas, foram publicadas revistas por
grupos comerciais privados, como o periódico Giornale Letterati, que foi publicado em Roma
entre 1668 e 1681 e era baseado no Journal des Sçavans.
Segundo Fjällbrant (1997), houve um crescimento lento na publicação de revistas
científicas no século XVIII, com cerca de cinco novos títulos publicados entre 1700 e 1750,
seguido de um crescimento mais rápido na segunda metade do século, com cerca de setenta
novos títulos, incluindo alguns bem conhecidos, como Annales de Chimie (et de Physique), de
1790, e Annalen der Physik, de 1799.
Vale ressaltar que os periódicos não eram a única forma de comunicação formal entre
os cientistas. Nessa época, havia outras formas de comunicação impressa, como os livros e os
jornais, além, é claro, dos vários meios de comunicação informal.
O livro também foi uma forma estabelecida de comunicação em ciência (assim como
em outras áreas) antes do século XVII. Segundo Fjällbrant (1997), a Royal Society e outras
sociedades científicas publicaram livros, juntamente com as revistas, no entanto, a publicação
de um livro era um processo lento e dispendioso. O mercado de livros científicos não era
grande, por isso a editora teria de assumir um risco financeiro considerável. Um livro era
muitas vezes o meio para relatar o trabalho de uma vida inteira de um cientista. Seus trabalhos
“menores” eram divulgados, de fato, pelos periódicos.
Na Europa do século XVII, houve um grande aumento da população e isso pode ter
sido um fator que contribui para que a procura por informações aumentasse. A revista
científica e o jornal diário ou semanal, assim, surgiram mais ou menos na mesma época. Os
jornais frequentemente continham informações sobre agricultura e pecuária. Meadows (1999)
menciona que outra fonte de notícias de natureza semicientífica eram os almanaques
populares e os calendários desse período.
Em 1731, ainda na Europa, é lançado, pela Royal Society of Edinburgh, o Medical
Essays and Observations, o primeiro periódico totalmente revisado por pares. Nos Estados
Unidos, também houve o surgimento de sociedades científicas (e, posteriormente, de suas
respectivas publicações) desde meados do século XVIII. Criada em 1743, a Sociedade
Filosófica Americana (American Philosophical Society) foi a primeira sociedade acadêmica
das Américas, criada antes mesmo de os EUA terem conseguido sua independência.
26
Do século XIX em diante, os EUA foram se tornando cada vez mais o centro científico
mundial e é lá que surgem as principais novidades no setor. Em 1848, surge a Associação
Americana para o Avanço da Ciência (American Association for the Advancement of Science
– AAAS), que ainda hoje é a maior sociedade de ciências gerais do mundo e é responsável
pela publicação da renomada revista Science, fundada em 1880. Em 1869, a revista Nature é
publicada pela primeira vez. Em 1947, a Elsevier, uma megaeditora comercial bastante
tradicional em outras modalidades, lança sua primeira revista científica internacional, a
Biochimica et Biophysica Acta.
Em 1978, surge o primeiro periódico científico eletrônico, financiado pela National
Science Foundation e desenvolvido no New Jersey Institute of Technology, nos Estados
Unidos (TARGINO, 1999). Em 1990, o Postmodern Culture torna-se o primeiro periódico
publicado exclusivamente online, sem versão impressa disponível. Em 1991, é lançado o
arXiv, a primeira plataforma online de pré-impressão científica6.
Em 2000, chega ao cenário da comunicação científica o BIOMED Central (BMC), um
editor científico com base no Reino Unido que fornece acesso gratuito a pesquisas
científicas7. Suas publicações concentram-se nas áreas da Ciência, Biologia e Medicina e
atualmente disponibiliza 257 periódicos revisados e de acesso aberto. Todos os artigos são
originais e permitem acesso aberto online imediatamente após a publicação. Os autores que
publicam no BIOMED Central mantêm os direitos autorais de seu trabalho por meio da
Licença Creative Commons, que permite que os artigos sejam reutilizados e redistribuídos
sem restrição, desde que a obra original seja corretamente citada.
Um dos grandes diferenciais do BIOMED Central é que, embora muitas de suas
revistas ainda trabalhem com a revisão por pares tradicional, outras passaram a trabalhar com
um sistema de revisão aberta em que os pareceristas são convidados a assinar e publicar seus
comentários. Assim, a trajetória de pré-publicação de cada artigo (incluindo todas as versões
apresentadas, os pareceres dos revisores e as respostas dos autores) fica disponível junto ao
artigo publicado. Segundo Castedo (2007):
A prática de publicar também o processo de avaliação dos artigos leva a
comunicação científica a um outro estágio. Desse modo, como apresentado pela
BIOMED Central, os interessados nesse tipo de informação têm a possibilidade de
6
Na comunicação científica, a pré-impressão (conhecida como preprint) surgiu como uma forma de
disponibilizar artigos científicos antes da avaliação por pares e da publicação formal, uma vez que esta muitas
vezes demora meses ou mesmo anos para se efetivar. A distribuição imediata de preprints permite aos autores
receber feedback inicial de seus pares, o que pode ser útil na preparação de artigos para submissão.
7
Dados
obtidos
no
website
oficial
do
BIOMED
Central.
Disponível
em:
<http://www.biomedcentral.com/about>. Acesso em: 27 set. 2013.
27
acompanhar as discussões sobre os assuntos em questão, bem como entender o
contexto da avaliação, sabendo quem são os pareceristas e podendo inferir sobre
seus critérios de revisão. Isso modifica o processo de produção do conhecimento,
uma vez que altera a prática editorial de avaliação de periódicos científicos. Assim,
reconfigura-se também a relação entre autores – na situação de pesquisadores que
submetem artigos e de pareceristas que têm seus pareceres publicados – e leitores,
uma vez que o acesso aberto ao procedimento de avaliação os aproxima de uma
forma nunca vista no processo de edição de revistas impressas. (CASTEDO, 2007,
p. 5)
Em 2002, como uma das consequências da Iniciativa de Acesso Aberto, é lançado o
Open Journal System (OJS), um software gratuito desenvolvido por pesquisadores da
Universidade British Columbia, no Canadá, para a construção e gestão de publicações
periódicas eletrônicas. No Brasil, o OJS foi adaptado pelo Instituto Brasileiro de Informação
em Ciência e Tecnologia (IBICT) e passou a se chamar Sistema Eletrônico de Editoração de
Revistas (SEER). Segundo Graham (2009), o OJS/SEER auxilia em todas as fases do
processo de publicação revisado por pares, desde a etapa de submissões até a publicação final
online e indexação. Suas principais características são: 1) é instalado e controlado localmente
e 2) após treinamento, os próprios editores (e não a equipe técnica) conseguem configurar os
requisitos, as seções e o processo de revisão.
Com o OJS/SEER, o fluxo e os procedimentos editoriais ficam mais transparentes e
mais rápidos. Além disso, ao utilizar o protocolo OAI-PMH8, o sistema permite o intercâmbio
de metadados (ou seja, de dados que descrevem informações sobre cada publicação), o uso de
ferramentas de apoio à pesquisa, assim como mecanismos para preservação dos conteúdos.
No OJS/SEER, a apresentação e gestão de todo o conteúdo é online. Além disso, o
sistema inclui ferramentas de leitura de conteúdo com base no campo assunto e na escolha dos
editores. Os usuários (editores, autores, pareceristas, tradutores, revisores linguísticos e
leitores) se comunicam via e-mail de notificação. Sobre as ferramentas de leitura e os
hiperlinks acrescentados aos artigos, Castedo (2007) afirma que:
Esses exemplos de utilização de links, que remetem a conteúdos adicionais aos
artigos, podem ser considerados um avanço considerável no uso da possibilidade
hipertextual da Internet, pensando na publicação de periódicos científicos
eletrônicos. Os leitores, se ativadas as opções pelos editores que se utilizam do
SEER, têm à sua disposição indicações do que ler de forma suplementar e onde
procurar outras referências sobre os assuntos abordados. (p. 7)
8
O protocolo Open Archives Initiative Protocol for Metadata Harvesting (OAI-PMH) é um mecanismo para a
interoperabilidade entre repositórios e intercâmbio de metadados. Os provedores de dados servem como
repositórios que expõem metadados estruturados via OAI-PMH. Os provedores, então, fazem solicitações de
serviços OAI-PMH para a coleta desses metadados. Fonte: Open Archives Initiative. Disponível em:
<http://www.openarchives.org/pmh/>. Acesso em: 28 set. 2013.
28
Segundo a autora, o sistema oferece ainda outro avanço na forma de hiperlinks ainda
subutilizada por vários periódicos disponíveis no SEER: a inserção de links pelo autor ao
longo do artigo. Segundo Castedo (2007):
A inserção de links pelo autor, durante o processo de redação do artigo, agilizaria o
acesso ao documento de referências, em relação à busca pelas “Ferramentas de
Leitura”. Entretanto, tendo em vista a falta de hábito da parte dos autores de redigir
artigos que contenham links ativos, a iniciativa do sistema faz, na prática, com que
partam dos editores as opções de busca de conteúdo adicional aos leitores. (p. 7)
Em 2003, é fundada a Public Library of Science (PLOS), que também é um projeto
sem fins lucrativos que tem como objetivo ser uma biblioteca para o acesso aberto a
publicações científicas. Em 2006, é lançado o PLOS One, um enorme periódico revisado de
acesso aberto. Em dezembro de 2011, o PLOS ONE já estava publicando 70 artigos por dia.
Em 2010, é escrito o Manifesto Altmetrics, documento que descreve as novas formas
potenciais de medir o impacto da pesquisa além de citações e índices de fator de impacto 9.
Em 2012, são lançadas várias revistas inovadoras, incluindo o F1000Research, o PeerJ e o
eLife, que são periódicos online revisados e de acesso aberto. Esses novos periódicos estão
experimentando novas formas de revisão por pares, novos modelos de negócios e novas
fontes de financiamento. O primeiro deles, o F1000Research, é um de nossos casos de estudo.
A seguir, podemos visualizar uma cronologia10 dos eventos descritos até aqui.
9
O “fator de impacto”, comumente abreviado como FI, é uma medida que reflete o número médio
de citações de artigos científicos publicados em determinado periódico. É empregado frequentemente para
avaliar a importância de um dado periódico em sua área, sendo que aqueles com um maior FI são considerados
mais importantes do que aqueles com um menor FI. É calculado pela empresa Thomson Reuters e foi
originalmente criado como uma ferramenta para ajudar bibliotecários a identificar os periódicos mais indicados
para aquisição. Atualmente, no entanto, funciona como uma medida da qualidade científica da pesquisa em um
artigo e é bastante criticado por alguns membros da comunidade científica, uma vez que não estratifica os artigos
individualmente, mas somente o periódico como um todo.
10
Embora tenhamos almejado apresentar uma cronologia de eventos, a Figura 1 é meramente ilustrativa, por isso
não há uma proporção correspondente entre o espaço entre as datas e o período de tempo transcorrido.
29
FIGURA 1 – Comunicação científica no mundo – cronologia
Fonte: Elaborada pela autora.
1.2.1 Comunicação científica na América Latina
Embora também seja difícil traçar uma história precisa da comunicação científica na
América Latina, uma vez que parece não haver muitos registros a esse respeito, exporemos
aqui alguns acontecimentos relevantes ocorridos nessa parte do mundo nas últimas décadas.
Admitimos que nossa abordagem terá como enfoque a área das ciências da saúde e atribuímos
tal incompletude à escassez de material bibliográfico que relate dados históricos sobre a
comunicação científica em outras áreas (como as humanidades) na América Latina.
Em 1967, em São Paulo/Brasil, foi fundada a plataforma BIREME, um Centro
Especializado da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da Organização Mundial
da Saúde (OMS) para cooperação técnica em informação e comunicação científica em saúde
na Região das Américas. A sigla tem origem no antigo nome, Biblioteca Regional de
30
Medicina (BIREME), mas atualmente é denominado Centro Latino-Americano e do Caribe de
Informação em Ciências da Saúde, mantendo, no entanto, a mesma sigla BIREME 11. No
início (de 1967 ao final da década de 1970), sua função se baseava na formação de recursos
humanos em gestão e operação de bibliotecas e centros de documentação, desenvolvimento de
coleções locais, uso compartilhado de coleções entre bibliotecas, serviços de atenção aos
usuários, pesquisas bibliográficas na base de dados MEDLINE12 e fotocópias de documentos.
Na década seguinte, passa a fazer também o controle bibliográfico e indexação da
literatura publicada nas revistas científicas de saúde da América Latina e Caribe. Lança, em
1979, o Index Medicus Latino-Americano (IMLA), indexando cerca de 150 revistas. No final
dos anos 1980, a plataforma BIREME expande sua atuação, passando a manter sedes em
outros países da região. Nesse mesmo período, promoveu o uso de computadores nas
bibliotecas, tanto para a produção descentralizada de sua base de dados quanto para a pesquisa
bibliográfica em CD-ROM e posteriormente online. O LILACS13 CD-ROM, produzido pela
plataforma BIREME e lançado em 1988, foi um dos primeiros CD-ROMs de informação
científica produzido no mundo. Mais adiante, voltaremos a falar da plataforma BIREME.
Segundo Gamboa e Islas (2005), outro registro de um dos primeiros periódicos
científicos eletrônicos feitos na América Latina ocorreu no México, em 1992, com a
publicação do CD-ROM denominado Artemisa (Articulos Editados en Mexico sobre
Información en Salud). A publicação reunia artigos publicados em 12 revistas mexicanas e
disponibilizava buscas automáticas.
Ainda segundo Gamboa e Islas (2005), em 1995, em Cuba, foi lançada a primeira
versão eletrônica da Revista Cubana de Plantas Medicinales. Nessa época, a ilha estava
sofrendo uma grave crise econômica em função da derrocada da União Soviética. Por isso, as
700 revistas cubanas impressas publicadas anteriormente à crise foram reduzidas a 262, em
11
Disponível em: <http://www.paho.org/bireme/index.php?option=com_content&view=article&id=33&Itemid=
43&lang=pt>. Acesso em: 27 set. 2013.
12 O MEDLINE é uma base de dados da literatura internacional na área médica e biomédica, produzida pela
NLM (National Library of Medicine, USA) e que contém referências bibliográficas e resumos de mais de 6.000
títulos de revistas publicadas nos Estados Unidos e em outros 70 países. Contém referências de artigos
publicados desde 1966, que cobrem as áreas de: medicina, biomedicina, enfermagem, odontologia, veterinária e
ciências afins. A atualização da base de dados é mensal. Fonte: Biblioteca Virtual em Saúde. Disponível em:
<http://www.bireme.br/php/level.php?component=107&item=107>. Acesso em: 27 set. 2013.
13 O LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) é um índice bibliográfico da
literatura relativa às ciências da saúde publicada nos países da América Latina e Caribe a partir de 1982. É um
produto cooperativo da Rede BVS. Possui mais de 600.000 registros bibliográficos de artigos publicados em
cerca de 1.500 periódicos em ciência da saúde, das quais aproximadamente 800 são atualmente indexadas. A
LILACS também indexa outros tipos de literatura científica e técnica como teses, monografias, livros e capítulos
de livros, trabalhos apresentados em congressos ou conferências, relatórios, publicações governamentais e de
organismos internacionais regionais. Pode ser acessada no Portal de Pesquisa da BVS, no seu próprio portal ou
no Google. Fonte: Biblioteca Virtual em Saúde. Disponível em: <http://www.bireme.br/php/level.php?
component=107&item=107>. Acesso em: 27 set. 2013.
31
1991. O panorama da falta de recursos alertou os editores, que viram no meio eletrônico uma
forma de evitar que as revistas fossem extintas. Assim, graças à doação do software Adobe
Acrobat por parte da Organização Pan-Americana da Saúde, o INFOMED (uma divisão do
Centro Nacional de Informações em Ciências Médicas de Cuba) iniciou um trabalho
experimental de criação de revistas eletrônicas em formato PDF. De 1995 a 1998, já havia 26
revistas médicas cubanas eletrônicas em formato HTML e PDF (GAMBOA; ISLAS, 2005).
Desde então, segundo Alperin, Fischman e Willinsky (2008), alguns avanços foram
feitos na América Latina a fim de oferecer canais de difusão de revistas locais. Segundo os
autores, isso foi conseguido principalmente através da criação de sistemas de indexação
regionais capazes de proporcionar o acesso a uma grande parte da produção científica local.
O mais antigo exemplo em larga escala desse tipo é o Latindex, criado em 1994 no
México. Trata-se de um sistema de informação dedicado ao registro e difusão de revistas
acadêmicas editadas nos países ibero-americanos. Atua na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile,
Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, Espanha, Guatemala, México, Nicarágua, Panamá,
Peru, Portugal, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e Venezuela e tem fornecido
acesso gratuito a um diretório de revistas latino-americanas desde 1997.
Atualmente, a plataforma BIREME também concentra esforços para a adoção plena da
internet como o meio de produção das fontes e fluxos de informação científica e técnica. A
cooperação técnica se realiza por meio da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), que foi lançada
em março de 1998, com a Declaração de San José Rumo à Biblioteca Virtual em Saúde,
aprovada durante o 4º Congresso Regional de Informação em Ciências da Saúde. Os
signatários dessa declaração apelam para a necessidade do acesso à informação para que haja
equidade em saúde na América Latina. Também reconhecem que as NTICs oferecem riscos,
mas principalmente oportunidades para se melhorar o desenvolvimento humano na região.
Assim, para eles, o Sistema Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da
Saúde, sob a liderança da plataforma BIREME, teria a capacidade de controlar o uso dessas
tecnologias, adaptando-as à realidade local.
Na mesma época, a plataforma BIREME se junta à Agência de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (FAPESP) e ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico) para a criação da Scientific Electronic Library Online – SciELO
(Biblioteca Científica Eletrônica On-line).
Lançada em 1998, a plataforma SciELO é um agregador eletrônico não comercial de
periódicos que funciona como um modelo cooperativo para publicação de revistas científicas
online e com acesso aberto. Sua coleção abrange periódicos brasileiros e estrangeiros,
32
selecionados a partir de critérios internacionais de qualidade. Possui um sistema de metadados
e links para outras fontes de informação. Também fornece estatísticas de uso, citações e fator
de impacto. Atualmente está presente nos seguintes países: Argentina, Brasil, Bolívia, Chile,
Colômbia, Costa Rica, Cuba, Espanha, México, Paraguai, Peru, Portugal, África do Sul,
Uruguai e Venezuela (FERREIRA; TARGINO, 2008).
Em 2002, foi criada no México a Red de Revistas Científicas de America Latina y el
Caribe (RedALyC). Segundo Alperin, Fischman e Willinsky (2008), a RedALyC ultrapassa o
Latindex e a plataforma SciELO juntos em tamanho, representação e importância. Ao
contrário do Latindex, que fornece apenas metadados e links para alguns artigos de texto
completo, tanto a plataforma SciELO quanto a RedALyC disponibilizam cópias dos artigos
completos.
Duas características principais distinguem SciELO e RedALyC de grandes portais de
periódicos que podem ser encontrados na Europa e nos EUA. A primeira é que essas
iniciativas são estritamente regionais e nasceram como resultado de uma necessidade comum
de aumentar a disponibilidade e visibilidade de conteúdo regional para uso local e global. A
segunda é que ambos estão operando totalmente sob um modelo de publicação em acesso
aberto (Open Access).
Para Alperin, Fischman e Willinsky (2008), a falta de uma forte indústria editorial na
América Latina permitiu o maior florescimento de iniciativas de publicação online de acesso
aberto. Por outro lado, na Europa e nos EUA, o ramo de negócios que abrange a publicação
científica é muitas vezes lucrativo demais para que os envolvidos venham a abrir mão de seus
benefícios de um dia para o outro.
Nesse ponto, vale discutir a importância do acesso aberto para o contexto latinoamericano. Para Rodrigues e Oliveira (2012), “o conceito de Acesso Aberto na América
Latina tem uma abordagem própria, uma vez que a questão principal é atender à falta de
periódicos e não apenas reagir ao custo elevado das publicações” (p. 78).
Terra-Figari (2008) aponta que os países da “periferia científica” são prejudicados por
desvantagens como tamanho, incentivos, financiamento, língua e parâmetros de edição.
Assim, para Alperin, Fischman e Willinsky (2008), o acesso aberto seria uma das formas de
fazer com que o impacto acadêmico da região seja sentido tanto regional como globalmente.
Ou seja, para garantir que a presença da América Latina em redes científicas seja substancial
em tamanho, visibilidade e, sobretudo, qualidade, é preciso haver um esforço científico e
político para o fortalecimento da publicação acadêmica no sentido mais amplo.
33
1.3 O processo editorial científico
Segundo Castro (2006), o processo editorial na comunicação científica clássica (de um
periódico, por exemplo) pode ser descrito esquematicamente pelas suas cinco etapas
elementares, quais sejam: redação, revisão, publicação, indexação e disseminação. Na
tradição impressa, essas etapas costumam ser sequenciais e dependentes da transferência
constante de material impresso entre os diferentes profissionais e setores envolvidos no fluxo
editorial, como autor, editor, avaliador, copidesque, revisor de linguagem, diagramador, entre
outros.
A primeira etapa do fluxo é a submissão de originais. Os autores redigem seu trabalho
resultante de pesquisa ou de reflexão teórica e o submetem a uma editora ou revista científica
para publicação. Em seguida, o editor prepara a revisão por pares, também conhecida como
peer review, blind peer review, revisão cega, avaliação cega ou revisão duplo-cega.
O termo “pares”, nesse contexto, não se limita à ideia de dupla. Os pares, nesse caso,
são pesquisadores academicamente qualificados para avaliar trabalhos que pertencem à área
de atuação do autor, pois produzem estudos sobre temas semelhantes. Assim, nessa etapa, um
ou dois membros da comunidade científica que, em geral, fazem parte do conselho editorial
da revista leem o original sem saber quem o escreveu e, por fim, redigem um parecer dizendo
se o texto deve ser aceito ou rejeitado para publicação. O processo de revisão costuma ser
moroso, pois o fluxo entre autor/editor/revisor pode ter várias idas e vindas. Em alguns casos,
o trabalho pode retornar ao autor quantas vezes forem necessárias antes da publicação. Em
seguida, os textos passam ainda por revisão de linguagem e adequação aos padrões de
publicação. Depois da impressão, há ainda a revisão de provas. Depois que a publicação é
impressa, há ainda o trabalho de distribuição, que em geral é feito via serviço de correios.
Como se pode observar, esse processo pode levar meses até que o trabalho seja publicado,
envolvendo vários membros da comunidade científica, problema bem relatado por Ribeiro
(2012).
No caso dos periódicos eletrônicos ou daqueles que apresentam versão impressa e
digital, mais uma etapa é acrescentada: a indexação. Nessa etapa, cada número da publicação
é processado e registrado em bases de dados de instituições intermediárias no fluxo da
comunicação científica, como as bibliotecas e os centros de informação.
Essas dificuldades foram significativamente atenuadas com o advento do espaço
virtual. Nele, segundo Castro (2006), o fluxo segue “sem imposições temporais e de espaço
34
físico. A dinâmica de transmissão de informação e de publicação na internet permite que as
ações se sucedam concomitantemente, e não mais em intervalos regulares” (p. 58).
Ainda segundo a autora:
[...] o novo fluxo permite a convergência entre autores, revisores e editores
(produtores da informação), bibliotecas e centros de informação (intermediários) e
usuários (leitores e pesquisadores) e estimula o compartilhamento de ideias e
experiências. A comunicação se dá por meio de mensagens e arquivos digitais
transferidos automaticamente de uma etapa a outra, que podem estar visíveis e
acessíveis a vários desses atores simultaneamente, independentemente de distâncias
físicas. (CASTRO, 2006, p.60)
Nesse novo contexto, o artigo científico (ou paper) torna-se o gênero textual mais
representativo da comunicação formal entre os pesquisadores. Ele passa a ser uma “unidade
informacional independente, embora reunido posteriormente em fascículos” (CASTRO, 2006,
p. 60). Por meio da edição eletrônica, é possível agregar valor ao periódico com informações
complementares apresentadas em hiperlinks e com versões em outros idiomas. E isso pode ser
feito sem a inconveniência de se tornar uma publicação muito grande, pesada e pouco
ergonômica, como seria se todos os dados agregados fossem publicados na versão impressa.
Isso sem falar na economia de papel e na consonância com o apelo mundial à
sustentabilidade.
Além disso, a interação passou a ser facilitada pela possibilidade de criar espaços de
comunicação entre os cientistas, por meio de fóruns de discussão e comunidades virtuais,
utilizados desde o início das pesquisas até a redação dos trabalhos. Muitos editores abriram,
nos sites das revistas, espaços para discussão dos artigos pela comunidade científica. Os
comentários agregados ao final de cada artigo, como em um blog, contribuem para o
desenvolvimento da ciência e constituem nova modalidade de validação de resultados.
Essa nova modalidade de avaliação (a revisão por pares aberta e pós-publicação) é a
essência de dois dos nossos casos de estudo: o MediaCommons Press e o F1000Research.
Esses comentários pós-publicação também contribuem significativamente para a diminuição
da diferença entre a comunicação formal e a informal, extraindo vantagens de ambas: de um
lado o registro escrito oficializado da primeira e, de outro, a celeridade de interação da
segunda. A esse respeito, tanto Crawford (1996) quanto Meadows (2001) corroboram a ideia
de que os limites entre comunicação formal e informal acabam ficando menos claros em
função do uso da tecnologia informática.
35
Algumas iniciativas maiores buscam profissionalizar o processo de edição de
periódicos científicos em geral, tornando-o mais ágil, automatizado e transparente, como
o Open Journal Systems – OJS ou SEER, já descrito em seção anterior.
Para finalizar, ressaltamos que, embora as vantagens do meio digital sejam bastante
significativas, nem todas as etapas da produção editorial chegaram a mudar de fato na
transição do impresso para o eletrônico, ou mudaram muito pouco. O pesquisador Andrew
Odlyzko (2012, p. 3) alega que “há inúmeras inadequações do sistema tradicional de edição e
revisão por pares. Eles são um legado da tecnologia impressa, que era tudo o que tínhamos
nos últimos séculos”14.
Do ponto de vista do design, a transição do impresso para o digital parece manter esse
legado mencionado por Odlyzko (2012). Gruszynski e Golin (2007), por exemplo,
investigaram a eficácia comunicacional gráfica e editorial de periódicos científicos eletrônicos
editados no Brasil entre 2003 e 2004 e perceberam que, no conjunto de 23 títulos, houve uma
inevitável migração do suporte tradicional impresso para o eletrônico, sinalizando impasses e
lacunas nessa transição.
Ainda do ponto de vista do design, Castedo (2009) afirma que “especialmente a
imagem, utilizada há milhares de anos na ciência, se mantém ainda como mero adereço
descartável na maior parte dos textos encontrados em revistas científicas on-line” (p. 40).
Para Cauduro (1998, citado por CASTEDO, 2009), os logocentristas, ao conceberem a
fala como a forma de expressão mais perto da consciência, defendem um entendimento
equivocado de que a linguagem verbal seja a forma mais pura de representação. Mais adiante,
quando falarmos do eixo teórico desta pesquisa, mostraremos que essa afirmação de Cauduro
está fortemente corroborada e fundamentada pela perspectiva da multimodalidade, de Kress e
Van Leeuwen (2001). Além disso, um dos nossos casos de estudo, o Journal of Visualized
Experiments (JoVE), mostra-se como uma iniciativa vanguardista de comunicação científica
online ao combinar texto verbal, som e imagem em movimento para criar um periódico de
videoartigos produzidos profissionalmente.
1.3.1 Autoria e revisão por pares
Para Fitzpatrick (2011), o grande problema do processo tradicional de edição científica
é que o sistema de revisão por pares atual costuma funcionar como um canal de comunicação
14
Tradução nossa para: “There are numerous inadequacies of the traditional editorial and peer review system.
They are a legacy of the print technology, which was all that we have had for the last few centuries”.
36
exclusivo entre o editor e o revisor e, muitas vezes, o revisor sabe quem submeteu o trabalho.
Para a autora, falhas como essas impedem que o autor goze dos benefícios que uma revisão
por pares deveria oferecer, ou seja, exatamente do diálogo científico, além de muitas vezes
impedir (em vez de auxiliar) a circulação de ideias.
A autora afirma que, de modo geral, a publicação acadêmica é bastante específica e
direcionada a um nicho relativamente pequeno de leitores afins. Por isso, as tecnologias
proporcionadas pela internet lhe parecem particularmente adequadas para possibilitar a
comunicação entre esses leitores e para estabelecer padrões de avaliação baseados em redes
eletrônicas de trabalho. Diante dessa realidade, Fitzpatrick (2011) propõe utilizar ferramentas
da web (como os blogs) para realizar uma revisão por pares aberta. Segundo a autora:
[...] a revisão baseada em blogs não só traz mais vozes (que podem identificar mais
problemas potenciais), e não apenas fornece alguns “comentários de comentários”
(com revisores pesando sobre questões levantadas por outros revisores), mas é
também, fundamentalmente, uma conversa. (FITZPATRICK, 2011, p. 34) 15
Crawford (1996) também ressalta a importância de se fazer com que pareceristas
dialoguem com editores, autores e outros pareceristas. A esse respeito, a autora cita o
entusiasmo de LaPorte e outros (1995), citado por Crawford (1996), ao tratar dessa nova
forma de validação científica.
[...] um sistema genuinamente democrático de revisão: leitores de artigos eletrônicos
serviriam de pareceristas; cada leitor teria a oportunidade de adicionar uma ficha de
comentário; a cada artigo seria dada uma pontuação de prioridade; e a relevância
relativa de um artigo seria determinada pelo número de vezes em que o mesmo fosse
reparado. (LAPORTE et al., 1995 apud CRAWFORD, 1996, p.102)
Uma famosa frase do pesquisador norte-americano Clay Shirky se aplica bem a essa
nova forma de revisão por pares: “publique, depois filtre” (SHIRKY, 2008 apud
D‟ANDRÉA, 2011, p. 18). Nesse mesmo sentido, D‟Andréa (2011), em sua tese a respeito
de edição colaborativa na web, cita o projeto do software aberto GNU/Linux, idealizado pelo
programador finlandês Linus Torvalds e executado com a ajuda de voluntários do mundo
todo. Segundo D‟Andréa (2011), Linus considerava que quanto mais pessoas pudessem
participar do processo de desenvolvimento do software, mais fácil é rápido seria detectar seus
15
Tradução nossa para: “[...] the blog-based review form not only brings in more voices (which may identify
more potential issues), and not only provides some „review of the reviews‟ (with reviewers weighting in on
issues raised by others), but is also, crucially, a conversation”.
37
erros, solucioná-los e aperfeiçoar o produto continuamente. Daí a ideia de se publicar
primeiro e filtrar depois.
As ideias de Fitzpatrick mostram que a fronteira entre a comunicação científica formal
e a informal tem se tornado cada vez mais tênue. A autora alerta, no entanto, que uma
mudança tão radical no processo de publicação científica exige alterações também na
estrutura de autoria. Fitzpatrick (2011) afirma que o ambiente digital permite que a escrita
seja uma questão mais de processo do que de produto. A autora adverte os colegas:
“Precisamos pensar menos em produtos acabados e mais em textos em desenvolvimento;
menos em autoria individual e mais em colaboração; menos na originalidade e mais no remix;
menos na posse e mais na partilha” (FITZPATRICK, 2011, p. 83)16.
Vale ressaltar que, segundo Castedo (2007), o desejo se publicar os bastidores do
fluxo editorial não é recente. Segundo a autora:
Em uma escala menos interativa, já em 1978, Stevan Harnad editou Behavioral and
Brain Sciences (BBS), um periódico que oferecia avaliações abertas de pareceristas
aos pesquisadores (HARNAD, 1995a, apud CRAWFORD,1996). Mas enquanto
BBS provia um tipo de cartas ao editor, publicando comentários ao final de cada
artigo, isto não trazia nenhuma alternativa ao processo de avaliação tradicional.
(CASTEDO, 2007, p. 5)
Segundo Fitzpatrick (2011), na comunidade científica, há uma perigosa tendência de
pesquisadores que se iludem com a ideia de que seus trabalhos sejam fruto exclusivo de sua
própria genialidade e experiência e não de um trabalho colaborativo. Em sua obra Planned
Obsolescence (Obsolescência Programada), de 2011, a autora promove tanto uma
provocação para se pensar de forma mais ampla sobre o futuro da academia quanto um
argumento a favor de uma prática editorial mais orientada por atitudes colaborativas e em
rede. A grande bandeira levantada pela autora é de que a própria academia deve rever seus
conceitos sobre comunicação científica e deixar para trás algumas práticas obsoletas.
1.3.2 Acessibilidade, visibilidade e indexação
Na comunicação científica, três temas importantes são a acessibilidade, a visibilidade
e a indexação, elementos imbricados entre si e diretamente vinculados à obtenção,
compartilhamento, preservação e recuperação do conhecimento.
16
Tradução nossa para: “we need to think less about completed products and more about texts-in-process; less
about individual authorship and more about collaboration; less about originality and more about remix; less
about ownership and more about sharing.”
38
A acessibilidade, segundo Ferreira e Targino (2010), diz respeito à “condição de
acesso aos serviços de informação, documentação e comunicação por parte não apenas de
portadores de necessidades especiais, mas de todo e qualquer cidadão” (p. 16). Já a
visibilidade, conceituada por Packer e Menegheni (2006), “representa a capacidade de
exposição que uma fonte ou fluxo de informação possui de, por um lado, influenciar seu
público alvo e, por outro, ser acessada em resposta a uma demanda de informação” (p. 237).
A visibilidade de uma publicação científica depende da capacidade de ser acessada em
bases de dados e índices. Nesse sentido, a ideia de uma rede mundial de computadores passa a
ser determinante na localização das informações, por meio de mecanismos de busca e
indexação. Para aumentar a visibilidade, a associação de metadados aos documentos facilita a
recuperação de informações eletrônicas, fornecendo meios de identificação e organização. Por
isso, é essencial que o profissional que trabalhe com comunicação científica leve em
consideração não apenas a facilidade com que os seres humanos acessam e interpretam as
informações disponíveis em seu periódico, mas também a facilidade com que as máquinas
deveriam fazê-lo.
Com o advento das NTICs, houve algumas mudanças em relação à acessibilidade,
visibilidade e indexação na comunicação científica. Oliveira e Noronha (2005) defendem que
a maior influência para essas transformações veio da internet, uma vez que a informação
passou a ser produzida e armazenada em diferentes locais. Além disso, o trabalho cooperativo
passou a ser facilitado pela rede.
A esse respeito, Mandel, Simon e Delyra (1997, p. 18) sustentam que a internet
“revelou-se um catalisador e mesmo um instrumento insuperável para a cooperação entre
pessoas e grupos trabalhando em um objetivo comum, bem definido, a ponto de surpreender
até mesmo os maiores especialistas da área”.
Ainda assim, mesmo na era da velocidade dos meios de comunicação e do (suposto)
amplo acesso à informação, muito há que ser feito para que se aumente a acessibilidade à
produção científica no mundo. Ao que parece, ainda estamos longe do dia em que,
efetivamente, o leitor/pesquisador terá acesso eficaz e gratuito aos mais recentes, seguros e
relevantes estudos, seja qual for a sua área de atuação.
Lemos (2005) aborda a acessibilidade como uma das questões mais latentes para a
comunicação científica hoje. Segundo o autor, em geral os custos de assinatura de periódicos
não diminuíram com a era digital. Vários títulos passaram a vender assinaturas de suas
versões impressas somente acompanhadas da assinatura da versão digital e vice-versa, como
numa “venda casada”, aumentando, assim, o preço da versão impressa.
39
Outro problema em relação aos custos é que, de 1991 a 2001, houve um número
significativo de fusões entre editoras científicas comerciais, como a gigante holandesa
Elsevier, que comprou 57 títulos de ciências biomédicas nesse período. Essas fusões criaram
uma “forte tendência ao monopólio e a cartelização” da indústria editorial científica (LEMOS,
2005, s.p.), ou seja, o controle dos preços pelas assinaturas ficou nas mãos de poucas
empresas.
Paralelamente a isso, começou a haver também um aumento nos preços para o acesso
a títulos com maior fator de impacto, uma “técnica mercadológica há muito tempo usada no
setor de hotelaria e gastronomia: quanto mais estrelas tiver o hotel ou restaurante, mais caro
ele será”, pontua Lemos (2005, s.p.).
Há, no entanto, casos de periódicos de acesso aberto cujo plano de negócios pressupõe
que o autor (ou seus financiadores) pague uma taxa para que seu trabalho seja publicado.
Segundo Leite (2003), trata-se de uma estratégia de autossuficiência financeira para fomentar
as iniciativas de acesso aberto. Nesse caso, a contribuição do autor é uma maneira de
arrecadação de verba para a manutenção do periódico. Um levantamento feito por Hooker em
2007 mostrou que 18% das revistas de acesso aberto disponíveis no DOAJ (Directory of Open
Access Journals) adotavam esse modelo. O próprio F1000Research, nosso segundo caso de
estudo, adota esse tipo de financiamento, mas, em contrapartida, não exige avaliação por
pares pré-publicação e oferece acesso gratuito e irrestrito aos artigos publicados.
O problema é que, com passar do tempo, o modelo passou a ser usado também como
estratégia capitalista de obtenção de lucro em algumas editoras comerciais com periódicos
com acesso baseado em assinaturas pagas. Em alguns casos, para ter seu trabalho publicado
em uma revista com fator de impacto elevado, além de ter que submeter previamente o texto a
uma rigorosa avaliação por pares anônima, o autor precisa pagar para publicar.
Existem também modelos híbridos. O BIOMED Central, por exemplo, só exige
pagamento de autores cujas instituições de origem não sejam patrocinadoras da base. A
iniciativa PLoS (Public Library of Science) também exige pagamento ao autor, mas diminui
as tarifas para autores de instituições patrocinadoras.
A TAB. 1, a seguir, traz os valores cobrados, em 2013, em dólares, para a publicação
de um artigo em alguns periódicos. A ordem vai do mais caro ao mais acessível.
40
TABELA 1
Taxas de publicação em periódicos científicos
Periódico
Tarifa em
Comentário
Dólares
Nature Communications
3570
PNAS
2900
PLoS Biology
PLoS Medicine
PLoS Pathogens
NAR Nucleic Acid Research
2850
2850
2850
2670
PLoS Computational Biology
PLoS Genetics
PLoS Neglected Tropical Diseases
Genome Biology (BIOMED Central)
BMC Biology (BIOMED Central)
BMC Medicine (BIOMED Central)
PNAS
BMC Biochemistry (BIOMED Central)
PLoS ONE
Nature Communications
2220
2220
2200
2065
1775
1775
1700
1485
1300
0
opção de acesso aberto; opção de
assinatura grátis
acesso aberto, mais barato se a instituição
tem assinatura PNAS
acesso aberto
acesso aberto
acesso aberto
acesso aberto, mais barato para os
membros
acesso aberto
acesso aberto
acesso aberto
acesso aberto
acesso aberto
acesso aberto
custo médio, acesso pago
acesso aberto
acesso aberto
somente para assinantes; custos extras
para acesso aberto
Fonte: OPEN WETWARE, 2013 (texto traduzido)17.
Como resultado dessa estratificação, hoje em dia, para acessar um periódico de
renome pela internet, o leitor deve assiná-lo ou se dirigir a uma biblioteca que tenha
assinatura. Como seria impossível para um mesmo leitor ter assinatura de vários títulos, a
solução foi que as bibliotecas públicas (principalmente as universitárias) obtivessem
assinaturas com dinheiro público. Há ainda outro problema. Segundo Lemos (2005, s.p.):
O fornecimento de periódicos eletrônicos baseia-se não na compra de um produto,
mas no aluguel ou licenciamento de uso de um serviço por um prazo delimitado. A
interrupção do serviço implica a perda do direito de acesso. [...] Em síntese, ao
contrário do que acontece com a publicação impressa, o usuário não conserva uma
coleção mesmo depois de cancelada sua assinatura.
Vê-se, portanto, que há um paradoxo entre as facilidades advindas com a publicação
de periódicos eletrônicos e a crise que tem se agravado nesse setor.
Em relação à visibilidade e indexação, Miranda e Pereira (1996) afirmam que “um
grave problema é a tendência que têm as instituições acadêmicas de estabelecer seus próprios
17
Disponível em: <http://openwetware.org/wiki/Publication_fees>. Acesso em: 21 set. 2013.
41
periódicos, trazendo como consequência baixa afluência de artigos e circulação reduzida” (p.
379).
Merton (1973) propôs diretrizes para se fazer comunicação científica e definiu o
compartilhamento como uma delas. Ziman (1984) afirma que a ideia compartilhamento
defendida por Merton (1973) pressupõe que os resultados de uma pesquisa não pertencem ao
cientista, mas à humanidade. Storer (1966) também afirma que o conhecimento científico que
não é público não é científico.
Segundo Chan e Costa (2005), há iniciativas governamentais norte-americanas e
britânicas que questionam a eficiência do sistema de publicação científica atual (dominado
por interesses comerciais de grandes empreendimentos editoriais), e estão começando a
demandar que a pesquisa financiada com recursos públicos seja mais acessível.
No caso norte-americano, as autoras destacam a decisão da House of Representatives
de que uma das maiores instituições de financiamento para pesquisa do país, a National
Institute of Health, desenvolva políticas para que seus bolsistas depositem seus artigos em
uma base de acesso aberto (o PubMedCentral) quando aceitos para publicação em um
periódico.
Em termos de iniciativas mundiais, várias medidas têm sido tomadas com o intuito de
mudar essa realidade. Destaca-se, por exemplo, o movimento Acesso Aberto (Open Access –
OA) e a Licença Creative Commons, assuntos da próxima seção. É sob essa prerrogativa de
aumento da acessibilidade que foi criado o MediaCommons Press e o F1000Research, dois
dos nossos objetos de estudo.
1.3.3 Movimentos pelo acesso aberto e a Licença Creative Commons
Como já dissemos em tópico anterior, mediante o contexto de um mercado editorial
científico cada vez mais capitalista, vários esforços internacionais têm sido feitos com o
objetivo de defender a livre disseminação dos resultados de pesquisas financiadas com
recursos públicos. Dois movimentos têm se destacado: a Open Archives Iniciative (OAI) 18,
fruto da Convenção de Santa Fé (1999), e o Open Access (AO)19, pronunciado por meio das
recomendações da Declaração de Budapeste (CHAN et al, 2002). Esses dois movimentos
visam ao acesso livre e gratuito à informação científica. Segundo Gruszynski (2007):
18
19
Disponível em: <http://www.openarchives.org>. Acesso em: 28 set. 2013.
Disponível em: <http://www.soros.org/openaccess/>. Acesso em: 28 set. 2013.
42
Entre os princípios do Acesso Aberto, destacam-se: sistema de armazenamento a
longo prazo, autopublicação, política de gestão com normas de preservação de
objetos digitais, acesso livre – também para coleta e replicação de metadados, uso de
padrões e protocolos que visam a troca de informações entre bibliotecas eletrônicas,
e o uso de softwares de fonte aberta (open source). (p. 7)
A Open Archives Initiative (OAI) é uma organização que desenvolve e promove
padrões de interoperabilidade (isto é, intercâmbio de dados e de operações) que visam facilitar
a disseminação eficiente de conteúdo científico via web. Começou com esse propósito, mas,
atualmente, sua estrutura tecnológica e suas normas podem ser utilizadas na abertura de
acesso a uma série de outros conteúdos digitais (OAI, 2013).
A iniciativa foi fundada e é mantida pelas seguintes instituições: Fundação Andrew W.
Mellon, Coligação pela Informação em Rede, Federação de Bibliotecas Digitais e Fundação
Nacional da Ciência.
Também conhecida como Iniciativa de Acesso Aberto de Budapeste, o Open Access
(OA) ganhou força depois da publicação de um documento20 homônimo redigido e assinado
por alguns cientistas durante um encontro, em 2002, em Budapeste/Hungria. O documento
trazia recomendações que poderiam dar início a grandes avanços na comunicação científica.
Dentre os signatários do documento, há representantes das universidades de Londres e de
Montreal, das fundações Next Page e Open Society, além das editoras BIOMED Central e
Bioline International (OA, 2013).
As recomendações incluem o desenvolvimento de políticas de acesso aberto em
instituições de ensino superior e de agências de fomento, o licenciamento aberto de trabalhos
acadêmicos, o desenvolvimento de infraestrutura, tais como repositórios de acesso aberto, e a
criação de normas de conduta profissional para publicação de acesso aberto. As
recomendações também estabelecem uma nova meta para que, dentro de um prazo de dez
anos, o Acesso Aberto seja estabelecido como método padrão para a distribuição de pesquisas
originais revisadas por pares em todos os campos e em todos os países.
Outra resposta a iniciativas como as mencionadas surge em 2002, com a licença
Creative Commons (CC)21, idealizada pela Creative Commons, uma organização norteamericana sem fins lucrativos fundada em 2001. A licença é uma das várias licenças de
direitos autorais públicas que permitem a livre distribuição de trabalhos com o consentimento
do autor. É usada quando um autor quer dar ao público o direito de compartilhar, utilizar e até
mesmo valer-se de seu trabalho como base para outros. A CC oferece certa flexibilidade ao
20
O documento pode ser lido na íntegra no website da iniciativa pelo link http://www.budapestopen
accessinitiative.org/read. Acesso em: 28 set. 2013.
21
Disponível em: <http://creativecommons.org.br/>. Acesso em: 28 set. 2013.
43
autor, pois ele pode, por exemplo, optar por permitir apenas usos não comerciais de seu
próprio trabalho e proteger as pessoas que usam ou redistribuem sua obra para fins didáticos,
por exemplo. Um exemplo simples sobre as vantagens do CC é que, quanto mais autores a
utilizarem, mais perto estaríamos da solução para o grande impasse criado pela “cultura da
fotocópia ilegal” tão presente no ambiente acadêmico brasileiro.
1.4 O produto editorial científico
No âmbito acadêmico, há várias espécies de textos que compõem aquilo que
chamamos de discursivo científico. As monografias, dissertações, teses, resenhas e artigos são
alguns desses textos. Do ponto de vista da produção editorial, os artigos científicos têm se
destacado como o gênero mais representativo da comunicação formal entre a comunidade
científica na atualidade (CASTRO, 2006).
Em seu livro intitulado Produção textual na universidade, de 2010, Désirée MottaRoth e Graciela Rabuske Hendges afirmam que “o artigo acadêmico é o gênero textual mais
conceituado na divulgação do saber especializado acadêmico” (p. 66) e o definem como “um
texto, de aproximadamente 10 mil palavras, produzido com o objetivo de publicar, em
periódicos especializados, os resultados de uma pesquisa desenvolvida sobre um tema
específico” (MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010, p. 65). Segundo Costa (2011), o caráter
sintético é um dos principais diferenciais do artigo científico em relação aos demais textos
que compõem o discurso científico.
Motta-Roth e Hendges afirmam que “a título de generalização, um artigo pode ser
visto como um documento escrito por um ou mais pesquisadores para relatar os resultados de
uma atividade de investigação” (MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010, p. 66). Nas expressões
“10 mil palavras” e “documento escrito”, retiradas do texto das autoras, vemos a presença da
tradição verbal e escrita.
Segundo Bazerman (2005), o primeiro artigo científico surgiu do gênero carta,
quando, em meados do século XVII, uma correspondência ativa se desenvolveu entre
filósofos com o propósito de trocar informações sobre suas investigações. O periódico
Philosophical Transactions se desenvolveu dessa correspondência. Com o tempo, o editor
começou a fazer longas citações de seus correspondentes e os artigos passaram a assumir uma
forma diferente. Nesse processo de transição, “uma tensão se desenvolveu entre as
características comuns ao argumento público (a asserção, a didática e a disputa) e as comuns à
44
correspondência pessoal entre cavalheiros (a etiqueta, a polidez e a boa vontade)”
(BAZERMAN, 2005, p. 96).
Costa (2011) traça um panorama sobre algumas mudanças estruturais observadas no
gênero artigo científico das áreas de Física, Química, Matemática e Biologia desde o século
XIX até os dias atuais, são elas:
Extensão: De 1893 para 1900, a extensão média dos artigos caiu de 7.000 para
5.000 palavras. Com poucas flutuações, eles continuaram com aproximadamente
5.000 palavras até 1940. Em 1980, a extensão cresceu para aproximadamente 10.000
palavras. Atualmente, os artigos científicos se tornaram mais compactos;
Referências: Entre 1890-1980, as referências eram de aproximadamente 10 por
artigo científico, mas raramente se relacionavam com descobertas específicas ou
com os tópicos específicos investigados pelos autores. Em 1910, o número de
referências tinha se tornado rigorosamente reduzido, mas as poucas que
permaneceram eram todas recentes, tinham datas e relevância direta com a pesquisa
em foco. Daí em diante, o número de referências tem se multiplicado;
Características sintáticas e lexicais: Não houve muita variação no tamanho das
frases, que tinham em média 25 palavras. As sentenças relativas diminuíram em
frequência, enquanto que as sentenças nominais e as subordinadas temporal e causal
se tomaram mais frequentes. No nível lexical, os conteúdos das sentenças principais
se tornaram mais abstratos. Mudanças significantes na função do verbo principal
também ocorreram – a voz passiva deu lugar à voz ativa;
Material não verbal: Durante o período, houve uma diminuição no número de
figuras e no número e tamanho das tabelas. Por outro lado, houve um crescimento
no número e na complexidade de gráficos e equações;
Organização: Antes de 1950, apenas 50% dos artigos eram formalmente divididos
em seções tituladas; depois de 1950, os títulos das seções se tornaram uma
característica regular. Desde então, as seções de discussão e conclusão se tornaram
mais comuns e cresceram em tamanho e complexidade. Já as seções de método e
aparato geralmente diminuíram. (COSTA, 2011, p. 3)
Com uma opinião diferente da de Costa (2011), o pesquisador Moshe Pritsker (2012)
afirma que, do ponto de vista estrutural, pouca coisa mudou no formato dos textos científicos
desde as primeiras publicações da Philosophical Transactions até bem recentemente,
principalmente porque eles continuam sendo textos verbais escritos. Segundo o pesquisador, a
estrutura atual dos textos científicos não é mais suficiente para o nível de desenvolvimento
alcançado pela pesquisa científica. Para ele, é preciso usufruir das novas tecnologias para a
publicação, por exemplo, de artigos em vídeo com a filmagem profissional dos experimentos
descritos verbalmente em periódicos de áreas como a Biologia e Medicina.
Pritsker compara os textos publicados na edição inaugural do periódico Philosophical
Transactions, de 1665, com publicações eletrônicas na mesma área publicadas até o ano de
2011 e chega à conclusão de que os princípios estruturais mais elementares do gênero foram
mantidos. O pesquisador admite que houve melhorias, como a presença de figuras coloridas,
a possibilidade de buscas e pesquisas online, o compartilhamento e a possibilidade de baixar
45
arquivos em formato PDF. No entanto, enfatiza que o cerne estrutural do gênero está presente:
cabeçalho com título, nomes dos autores e resumo, seguidos da introdução, metodologia etc.,
e tudo isso feito em linguagem verbal escrita.
Para exemplificar o que foi afirmado por Pritsker, podemos observar a semelhança
estrutural entre as FIG. 2 e 3, a seguir. A FIG. 2 apresenta um fac-símile da primeira página
da primeira edição do periódico Philosophical Transactions da Royal Society, publicado em 6
de março de 1665. Nela é apresentado o sumário com o título dos textos que compõem a
edição e o primeiro parágrafo da introdução. Nota-se que alguns dos textos tratam da área de
astronomia e astrofísica.
FIGURA 2 – Primeira edição do periódico Philosophical Transactions
Fonte: The Occasional Pamphlet on Scholarly Communication, 2013.
46
A FIG. 3, a seguir, traz como exemplo a página inicial de um artigo publicado em
janeiro de 2014 pela revista Astronomy & Astrophysics, um grande periódico eletrônico
internacional que publica resultados de pesquisa em astronomia e astrofísica, ou seja, na
mesma grande área dos artigos publicados pela Philosophical Transactions.
FIGURA 3 – Artigo publicado em 2014 pela revista Astronomy & Astrophysics
Fonte: Astronomy & Astrophysics, 2014.
47
1.5 O advento das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação
O advento das novas tecnologias de comunicação e informação, em especial a internet,
tem modificado o processo de comunicação científica (tanto a informal quanto a formal),
estabelecendo uma nova categoria: a comunicação científica eletrônica. Em 2005, quando as
conexões de internet banda larga para uso doméstico ainda eram restritas, Oliveira e Noronha
(2005) afirmaram: “apesar de ter se tornado lugar comum a utilização da rede para a
comunicação informal, não há ainda consenso de sua aceitação plena como canal para a
comunicação formal” (p. 76). De lá para cá, o recurso eletrônico continua sendo mais
utilizado nos estágios informais do processo da pesquisa, que envolvem as discussões e troca
de informações com os colegas. No entanto, tem causado impacto relevante nos meios
formais com o número crescente de periódicos científicos publicados em formato eletrônico.
Para alguns membros da comunidade científica, dois grandes desafios para a aceitação
do meio eletrônico como comunicação formal são a premissa da informação volátil e pouco
recuperável e os problemas de definição de autoria e direitos autorais. Ainda assim, os
recursos eletrônicos ganham cada vez mais força nesse meio.
Barreto (1998) afirma que a comunicação eletrônica modifica estruturalmente o fluxo
da informação e do conhecimento através dos seguintes pontos, assim estruturados por
Oliveira e Noronha (2005):
interação do receptor com a informação: o receptor passa a participar do fluxo da
comunicação, sendo sua interação com a informação direta, conversacional e sem
intermediários;
tempo de interação: o receptor conectado on-line interage com o fluxo da
informação em tempo real, passando a ser o julgador da relevância da informação;
estrutura da mensagem: o receptor pode utilizar diversas linguagens (texto,
imagem, som) para elaborar a informação; não está mais preso à estrutura linear da
informação, podendo criar seu próprio documento de acordo com a sua decisão;
facilidade de ir e vir: a conexão em rede amplia a percepção da dimensão do
espaço da comunicação, e o receptor pode acessar diferentes estoques de informação
no momento em que desejar. (OLIVEIRA; NORONHA, 2005, p. 76, grifos nossos)
A coexistência de publicações impressas e eletrônicas ainda é latente e a proporção
maior ou menor dessa relação varia conforme a área do conhecimento e o país de origem.
Podemos perceber que algumas etapas da produção editorial já estão migrando
definitivamente para o meio eletrônico. É o caso, por exemplo, do fluxo editorial dos
periódicos, em que os autores submetem seus originais em meio digital e o processo de
avaliação e revisão é realizado pela internet. Mas o produto editorial ainda é disponibilizado,
em muitos casos, nos dois formatos (impresso e eletrônico).
48
Com o advento da rede, ocorreu uma revolução decorrente da confluência e
coexistência de texto, velocidade e interatividade. Assim, a comunicação eletrônica recupera e
potencializa, de certa forma, a interatividade da comunicação direta entre os pesquisadores.
1.6 Tendências atuais: quatro pilares para a comunicação científica contemporânea
Um texto recente sobre a emergência de mudanças na comunicação científica diante
das novas tecnologias é The four pillars of scholarly publishing: the future and a foundation
[Os quatro pilares da publicação acadêmica: o futuro e uma fundação], de 2013, de Byrnes e
outros. Nele oito pesquisadores que atuam nas áreas da Biologia, Ecologia, Mídia e Ciências
da Informação propõem mudanças nas publicações acadêmicas das áreas de Biologia
Evolutiva e Ecologia. Trata-se de uma versão pré-impressão de um artigo (quase um
manifesto) publicado no PeerJ Preprints, que é um servidor de acesso aberto a textos em fase
anterior à publicação revisada por pares. Os oito autores pertencem a instituições renomadas
de ensino, quais sejam: as universidades de Massachusetts Boston, do Michigan, do
Tennessee e da Califórnia, nos EUA, e do Queen‟s College e Your University, no Canadá,
além do Instituto de Pesquisa em Novas Mídias e da Public Library of Science (PLOS).
O próprio fato de os autores terem publicado seu texto em uma plataforma de acesso
aberto e cuja essência é publicar preprints (ou seja, uma plataforma com a prerrogativa de
agilizar o acesso às novidades científicas) já nos faz vislumbrar uma forte adesão às novas
formas de comunicação científica que serão defendidas no artigo.
Os autores afirmam que, com o surgimento das publicações eletrônicas e com as
mudanças de paradigma em função de tantos empreendimentos científicos existentes na
atualidade, é preciso considerar uma mudança nas práticas de publicação acadêmica nas áreas
da Ecologia e da Biologia Evolutiva. Embora deixem bem claro qual é a área do
conhecimento a que se referem, as ideias defendidas nesse artigo reverberam e resumem as
questões discutidas até aqui.
Para os autores, se os pesquisadores querem facilitar a velocidade e a qualidade da
ciência, o futuro da comunicação científica terá que se basear em quatro pilares: 1) um
ecossistema de produtos acadêmicos; 2) acesso imediato e aberto; 3) revisão por pares aberta;
e 4) pleno reconhecimento pela participação no processo. Segundo os autores, esses quatro
pilares permitirão construir ferramentas melhores para auxiliar cientistas individuais a
desenvolverem trabalhos inéditos e relevantes, uma vez que um dos maiores desafios do
49
nosso tempo é saber lidar com o dilúvio atual de informação científica. Expliquemos melhor o
que seria cada um desses pilares:
Pilar 1 – Um ecossistema de produtos acadêmicos: os autores afirmam que a
publicação acadêmica na área de Ecologia e Biologia Evolutiva costuma ser restrita a
uma única espécie de produto editorial: o artigo narrativo. Alegam que esse gênero
textual é um produto da tradição impressa e que é cada vez mais visto como o único
capaz de veicular o conhecimento científico em ambiente digital22. Os autores
afirmam que a publicação de dados de pesquisa, por exemplo, tem se tornado cada
vez mais comum, com revistas inteiras dedicadas e esse tipo de serviço23. Além
disso, apontam que os blogs vêm se tornando terreno fértil para a apresentação de
observações curtas ou de ricos produtos midiáticos que permitem aos usuários
visualizar e interagir com dados e experimentos de maneiras que não são possíveis
em artigos de revistas tradicionais24. Assim, a essência do primeiro pilar é fazer com
que a comunidade científica e as universidades passem a reconhecer esse ecossistema
de novos produtos como publicações genuinamente científicas e que essas
contribuições passem a “somar pontos” no currículo para fins de contratação,
promoção ou efetivação de cargos na carreira de pesquisadores e docentes
universitários. Essa ideia também é veementemente defendida por Fitzpatrick (2011).
Pilar 2 – Acesso imediato e aberto: a emergência do acesso aberto já foi
discutida nesta dissertação. Mas o acesso imediato reivindicado pelos proponentes
destes quatro pilares é digno de nota. Os autores afirmam que a comunidade
científica costuma rejeitar a ideia do acesso imediato a publicações acadêmicas
inéditas antes de passarem por um processo de revisão por pares porque isso
prejudicaria seriamente a credibilidade da ciência. Em contraposição, os autores
alegam que enxergam o acesso imediato como um pilar fundamental do futuro da
publicação acadêmica. Afirmam que sua proposta não se restringe à publicação de
preprints, mas inclui o acesso aberto e imediato aos dados utilizados, além do uso de
código aberto e compartilhável, como é exigido por algumas revistas. Essas
22
O teórico Charles Bazerman (nossa principal referência sobre a questão dos gêneros, que será apresentada
mais adiante) afirma que “certas profissões, situações e organizações sociais podem estar associadas a um
número limitado de tipos de textos” (BAZERMAN, 2005, p. 19).
23
Fazem isso, por exemplo, as revistas Dataset Papers in Ecology e Ecological Archives.
24
É o que acontece, por exemplo, com os videoartigos do JoVE, nosso terceiro caso de estudo.
50
características (acesso aberto, imediato e extensivo aos dados de pesquisa) são a
essência do F1000Research, nosso segundo caso de estudo.
Pilar 3 – Revisão por pares aberta: essa reivindicação também já foi
discutida nesta dissertação. Cumpre acrescentar que, embora reconheçam o grande
avanço alcançado pela ciência ao longo dos séculos em função das avaliações por
pares anônimas, os autores afirmam que, atualmente, a ideia de anonimato do
processo vem ficando cada vez mais ultrapassada. Para eles, da mesma forma que o
anonimato pode permitir que um revisor seja mais crítico, também pode permitir que
ele seja guiado por uma conduta pessoal (consciente ou não) em vez de uma conduta
científica. Diferentemente, a revisão assinada seria uma maneira de trazer
transparência para o processo, reduzindo vieses e potencializando a função da
revisão. Os autores admitem que os pesquisadores costumam se apegar à necessidade
de revisão por pares anônima usando o pressuposto simples e aparentemente óbvio
de que os revisores estariam mais dispostos a ser abertamente críticos a uma obra se
tivessem garantias de que não sofreriam qualquer retaliação por parte dos autores.
Afirmam também que o anonimato permite uma grande variedade de abusos dentro
do processo de revisão por pares, incluindo a supressão de trabalhos semelhantes ao
do próprio revisor, a influência nepotista, sexista ou bairrista, entre outros. Por fim,
os autores afirmam que a revelação das identidades dos revisores demonstrou que
não tem nenhum impacto na qualidade da avaliação e que, na verdade, beneficia o
produto final. A revisão por pares aberta é a essência do MediaCommons Press,
nosso primeiro caso de estudo, e do F1000Research, nosso segundo caso.
Pilar 4 – Pleno reconhecimento pela participação no processo: o quarto
pilar está bastante ligado ao anterior. Para os autores, trabalhos como o de revisão e
edição de manuscritos de publicações científicas também são contribuições
intelectuais para o desenvolvimento da ciência. Muitos revisores contribuem com
ricos pensamentos e comentários e ajudam o autor a moldar o desenvolvimento de
um determinado campo da ciência. Uma vez que esses comentários nunca são vistos
pelo público, essa contribuição é pouco reconhecida. Com a publicação dos
comentários e a atribuição de crédito para os revisores, seria mais fácil distinguir
entre pareceristas que fazem contribuições singulares para a literatura pela força e
rigor dos seus comentários daqueles que se restringem a acrescentar o conceito
“Recomendado” ao final da leitura. Assim, o quarto pilar reivindica a atribuição de
51
crédito para os todos colaboradores envolvidos em uma publicação, incluindo
revisores e editores.
O artigo foi publicado no dia 25 de abril de 2013 e recebeu onze comentários. Alguns
foram deixados por leitores que, embora tenham apreciado o texto, tinham algumas críticas.
Outros comentários eram respostas de autores e quatro deles eram um diálogo entre dois
leitores, prática que nos parece bastante inovadora e profícua.
52
2 PERSPECTIVAS TEÓRICAS ADOTADAS
2.1 Introdução
Nesta pesquisa, são adotados dois suportes teóricos: primeiro, para a análise tanto do
produto quanto do processo editorial das iniciativas, será utilizada a perspectiva da
multimodalidade ou do discurso multimodal, termos cunhados por membros do New London
Group, destacando-se Kress e Van Leeuwen (1996; 2001). Segundo, para a análise específica
do produto editorial das três iniciativas, ou seja, o gênero artigo científico, será utilizada a
Teoria dos Gêneros, passando por Bakhtin (2000) e focando mais especificamente nas ideias
de Bazerman (2005; 2007; 2011) sobre o discurso científico, dentro da corrente sociorretórica
dos estudos sobre gêneros textuais. Vejamos em partes cada uma dessas perspectivas teóricas.
2.2 Eixo teórico I: Multimodalidade ou Discurso Multimodal
Kress e Van Leeuwen (1996; 2001) têm argumentado que, na contemporaneidade, a
comunicação humana não se limita a um único modo semiótico (como a linguagem verbal) e
não é realizada por meio de um único meio (como a página impressa).
Inserida na perspectiva da Semiótica Social, a multimodalidade consiste na ideia de
que a produção de sentido se realiza pela combinação de mais de um código semiótico
(modalidade) e de que todos os modos semióticos utilizados em um determinado objeto
multimodal contribuem para a construção de sentido. Assim, cada modalidade teria suas
potencialidades de representação e de comunicação que são construídas culturalmente pelos
seres humanos no processo de construção de signos.
Em Multimodal Discourse (Discurso Multimodal), de 2001, Kress e Van Leeuwen
ampliam o conceito de multimodalidade defendido em sua obra Reading Images, de 1996, ao
explorarem os princípios comuns de comunicação multimodal presentes em diferentes modos
semióticos. Os autores afirmam que, dentro de um determinado domínio sociocultural, um
“mesmo” sentido pode frequentemente ser expresso por meio de diferentes modos semióticos.
Por exemplo, uma informação publicada em um jornal impresso pode aparecer na forma de
um texto verbal, de uma fotografia com legenda ou de um infográfico. Se essa mesma
informação fosse publicada em um jornal online, ainda poderia ser expressa por um
infográfico interativo ou por um vídeo.
53
Em termos gerais, a ideia central do discurso multimodal é de que, na comunicação
humana, há sempre um modo mais apropriado de representação de uma ideia conforme o
propósito e a audiência em questão. Contudo, para se chegar a esse modo, há alguns fatores
que interferem na produção de sentido. O produtor, por exemplo, deverá possuir as
habilidades necessárias tanto para planejar (design) quanto para executar (produção) os
procedimentos necessários para expressar uma determinada ideia por meio de um
determinado modo, ou por uma combinação de modos.
Na comunicação científica, por exemplo, é comum se deparar com reclamações de
leitores e autores quanto à impossibilidade de se acrescentar, nas publicações online, arquivos
audiovisuais de um experimento juntamente com o artigo científico que o descreve
verbalmente. Um biólogo, por exemplo, pode não conseguir reproduzir um experimento
usando como fonte de informações somente o artigo que o descreve. Um pesquisador da área
do Cinema também pode achar incompleto ler um artigo que expõe uma cena em quadrantes
em vez de assisti-la em movimento. Esses exemplos nos mostram que pode haver certo
desconforto, por parte do leitor/receptor, quando uma determinada ideia não é apresentada por
meio do sistema sígnico que melhor a represente.
Kress e Van Leeuwen (2001) também afirmam que a multimodalidade não se resume
à junção de várias semioses, como ocorre no processo de edição no cinema, em que a imagem
representa a ação, os efeitos sonoros representam o realismo e a música adiciona emoção à
cena. Mais do que isso, os autores afirmam que, na visão da multimodalidade, princípios
semióticos comuns operam por meio de diferentes modos e seria possível, por exemplo, que
uma determinada trilha sonora expressasse uma ação ou que uma imagem expressasse um
sentimento e assim por diante.
Os autores afirmam que, na era digital, os diferentes modos têm se tornado
tecnicamente iguais em algum nível de representação e podem ser operados por uma só
pessoa multitarefa usando uma única interface (o software) em um único aparelho de
manipulação física (o computador). Assim, esse produtor multitarefa poderia chegar ao ponto
de se perguntar, em determinado ponto: “Seria melhor representar essa ideia com um efeito
sonoro ou com uma música de fundo?”, “Seria melhor dizer isso visualmente ou
verbalmente?”.
Corroborando essa ideia, Lunenfeld (1999, p. xix) afirma que “o computador, quando
ligado a uma rede, é único na história das mídias tecnológicas: é o primeiro sistema
amplamente disseminado que oferece ao usuário a oportunidade de criar, distribuir, receber, e
consumir conteúdo audiovisual no mesmo local”. Manovich (2003) também se manifesta a
54
esse respeito quando afirma que a revolução causada pelo computador “afeta todos os estágios
da comunicação, incluindo aquisição, manipulação, arquivamento, e distribuição; afeta
também todos os tipos de mídia – textos, imagens, imagens em movimento, som, e
construções espaciais” (p. 19).
Por fim, ainda dentro do conceito de multimodalidade, os autores afirmam que a
linguagem se constitui a partir de múltiplas articulações que ocorrem entre quatro estratos (ou
camadas) diferentes: o discurso, o design, a produção e a distribuição. Cada um desses
estratos produz suas próprias camadas de significado. Nas seções seguintes, descreveremos
melhor cada um desses estratos.
2.2.1 Discurso
Kress e Van Leeuwen (2001) corroboram teorias consolidadas de análise do discurso
que o definem como um conjunto de saberes socialmente construídos sobre a realidade (ou de
alguns aspectos dela). No entanto, vão além ao relacionarem o discurso não somente à
linguagem, mas também à forma como ele se realiza materialmente. Os autores focam a interrelação absoluta entre o discurso e o modo como ele se apresenta e argumentam que a
materialidade do modo semiótico contribui para o sentido. Para eles, todos os modos
semióticos disponíveis como meios de realização comunicacional em uma determinada
cultura são elaborados naquela cultura como meios de articulação de discursos. Para os
autores, é bastante cara a ideia de que os discursos podem ser articulados em modos
semióticos não linguísticos, como as cores, o som, a textura e até mesmo os elementos ligados
ao suporte. A própria diferença de sensações derivada das diferenças de leitura em suporte
impresso e digital já seriam maneiras de atribuir sentido a um objeto de comunicação, como
se tem afirmado em vários trechos desta dissertação.
Kress e Van Leeuwen (2001) afirmam que há certa especificidade sensorial para cada
modo semiótico e que, por conseguinte, há certa perda dessa especificidade quando há uma
transposição de um modo para outro. Segundo os autores:
[...] duvidamos que a língua seja o modo mais articulado em todas as circunstâncias,
tanto porque a cor como modo – para dar um exemplo – pode ser capaz de realizar
sentidos discursivos que a língua falada ou escrita não podem, quanto porque alguns
sentidos são “recebidos” mais facilmente em um modo do que em outro. Em outras
palavras, a prática discursiva em um ambiente multimodal consiste na habilidade de
55
selecionar os discursos que devem estar “em jogo” em uma ocasião específica, em
um “texto” em particular. (KRESS; VAN LEEUWEN, 2001, p. 29-30)25
Assim, usar o modo cor para se referir às cores seria mais articulado discursivamente
(mais eficiente) que usar palavras para se referir às cores. Por exemplo, para representar um
sofá azul em uma revista de decoração, o recurso semiótico mais adequado seria uma imagem
colorida de um sofá azul e não somente um texto verbal que o descrevesse ou uma imagem
em preto e branco. Nesse sentido, uma tradução de um modo não linguístico para o modo
linguístico perde várias especificidades essenciais. No caso da descrição do sofá, o leitor
poderá não saber qual é a tonalidade específica de azul, além de perder a possibilidade de
associação visual com outros aspectos visualmente representados, como formato, textura,
material etc. Segundo os autores, “as associações de sentido capazes de ser estabelecidas
visualmente simplesmente não são as mesmas que podem ser estabelecidas verbalmente”
(KRESS; VAN LEEUWEN, 2001, p. 27)26.
Para finalizar esta seção, retomamos a premissa inicial da multimodalidade, que
consiste na ideia de que, na comunicação humana, há sempre um modo mais apropriado de
representação de um discurso. Da mesma forma que acontece com as cores, usar imagens em
movimento para se referir a imagens em movimento é mais articulado (eficiente) do que
representá-las verbalmente ou em quadrantes. Nesse sentido, as imagens em movimento se
apresentam como um modo bem articulado para expressão de sentidos discursivos. No
entanto, em geral, a comunicação científica online ainda carece bastante dessa potencialidade,
embora seja feita em um ambiente multimídia por essência.
2.2.2 Design
Conforme vimos na seção anterior, na concepção multimodal, a prática
comunicacional consiste em escolher, entre os modos semióticos culturalmente disponíveis,
aqueles que são mais adequados para finalidades, audiências e ocasiões de produção textual
25
Tradução nossa para: “we doubt that language is the most effective mode in all circumstances, both because
color as a mode – to take an example – may be able to realise discursive meanings which writing could not, and
because some meanings may be more readily „received‟ in one mode rather than another. In other words,
discursive practice in a multimodal environment consists in the ability to select the discourses which are to be „in
play‟ on a particular occasion, in a particular „text‟”.
26
Tradução nossa para: “The meaning-associations capable of being set up visually are simply not those which
can be set up verbally”.
56
específicas. É a partir desse princípio que Kress e Van Leeuwen vão elaborar seu conceito de
design.
Segundo os autores, para alcançar essa harmonia entre o que se pretende comunicar e
como é comunicado, é necessário escolher materiais e modos que – por razões históricoculturais, por proveniência ou pela história do indivíduo – são os mais capazes de articular os
discursos utilizados em um momento em particular. Isto é, não é simplesmente uma questão
de organizar o discurso considerado de forma abstrata, mas também de organizar os modos
realizacionais para os discursos. Isso envolve selecionar as formas materiais de realização a
partir do repertório existente em uma determinada cultura, além de selecionar os modos que o
produtor do texto julgue serem os mais eficientes em relação aos seus propósitos, às
expectativas em relação à audiência e aos tipos de discurso que serão articulados.
Além disso, os autores afirmam que uma das limitações para as possibilidades de
escolha de modos semióticos está no fato de o produtor saber quais são os recursos que estão
disponíveis. Para os autores, há uma fronteira entre recurso e design. Nessa fronteira, há uma
restrição bastante específica: somente os recursos oficialmente reconhecidos como modos
comunicativos e representacionais (sejam abstratos como os discursos ou concretos como o
material para desenhar) podem se transformar em sujeitos de um design consciente.
Os modos semióticos que não fazem parte do inventário oficial e público de uma
determinada cultura (ou de um domínio de práticas) não podem ser usados no processo de
design. Da mesma forma, apenas as estruturas e os sintagmas reconhecidos pelo falante (em
termos linguísticos) estão disponíveis para o processo de elaboração de uma sentença.
Para os autores, isso sugere que, dentre os modos semióticos existentes em uma
cultura, alguns são oficialmente reconhecidos (como a linguagem verbal) e, portanto, ficam
disponíveis para o processo de comunicação e representação. Esses modos, em geral, são
altamente desenvolvidos, chegando a existir membros da cultura que descrevem sua
organização como se fosse uma gramática. Outros modos não são reconhecidos ou o são
somente em relação a determinados domínios, ou podem ainda ser semirreconhecidos.
No caso da comunicação científica, em termos de fluxo editorial, o modo reconhecido
disponível é o seguinte: submissão  revisão por pares cega  aceite ou rejeição; em termos
de recursos de design, o modo reconhecido disponível é a linguagem verbal escrita e as
figuras, seja em suporte impresso ou eletrônico; e, em termos de distribuição, o modo
reconhecido disponível é a indexação em bases de dados que utilizam mecanismos
mediadores da qualidade dos veículos ali indexados.
57
Kress e Van Leeuwen defendem que a comunicação depende da articulação desses
estratos e também da interpretação. Para esta última, os autores falam em comunidade
interpretativa, que é a instância responsável por fornecer esse reconhecimento. No nosso caso,
a comunidade interpretativa é a comunidade científica.
De outra maneira, dentre os outros modos, estariam aqueles que carregam consigo a
novidade de utilizar algum tipo de tecnologia ainda não totalmente explorada (ou
reconhecida) pela comunidade científica. Por exemplo, as imagens em movimento são um
modo semiótico reconhecido como recurso na edição de documentários televisivos. No
entanto, elas são menos reconhecidas como modo semiótico para a composição de um artigo
científico. Nesse sentido, um dos nossos casos de estudo, o JoVE, seria inovador ao
apresentar videoartigos com a filmagem profissional de procedimentos e protocolos médicos e
laboratoriais, utilizando, assim, a imagem em movimento como um modo representacional em
uma prática discursiva (a comunicação científica formal) que parece ainda não reconhecer
este como um modo semiótico legítimo.
2.2.3 Produção
A produção está associada ao meio através do qual o design pode ser expresso. Está
relacionada à organização de uma expressão, à articulação material real do evento semiótico.
A produção é a organização da expressão ou do meio de execução do que foi elaborado na
camada do design. Para os autores, diferentemente do que ocorre com o design, há outra série
de habilidades relacionada à produção: habilidades técnicas, habilidades manuais e visuais,
habilidades relacionadas não aos modos semióticos, mas aos meios semióticos, ou seja, ao
tipo mídia ou suporte que será utilizado.
Para Kress e Van Leeuwen (2001, p. 66), “a produção pode estabelecer
correspondências entre a qualidade material percebida por diferentes órgãos sensoriais” 27. A
forma como um material é produzido para ser distribuído interfere na interpretação do leitor,
ou seja, na leitura para produção de significado, pois não só a produção, mas a interpretação
também pode ser considerada um trabalho físico que se materializa através dos órgãos
sensoriais.
Algumas vezes, o design e a produção são executados pela mesma pessoa. Por
exemplo, isso acontece quando um professor desenvolve um método e ministra suas aulas
27
Tradução nossa para: “production can also set up correspondences between the material qualities perceived by
different sense organs”.
58
utilizando esse método. Mas também pode ser separado, quando, por exemplo, um professor
ministra suas aulas utilizando método alheio ou quando um compositor compõe uma canção e
um intérprete faz somente a parte performática de cantá-la.
Para os autores, o significado reside na produção e não apenas no discurso e design. O
que é comummente aceito é que a produção não acrescenta significado, já para os autores: “a
produção desempenha um papel semiótico variável independente na comunicação e não
„simplesmente‟ realiza o que temos chamado de „design‟” (KRESS; VAN LEEUWEN, 2001,
p. 66)28. Um exemplo claro para demonstrar essa ideia é o jazz, estilo musical em que a
essência do improviso coloca design, discurso e produção como instâncias simultâneas de
realização de sentido.
Os autores também discutem dois princípios básicos de produção: a provenance
(proveniência ou lugar de origem) e o potencial significativo experiencial. O primeiro se
relaciona à origem dos signos e aos potenciais de significados que esses podem veicular; o
segundo se relaciona ao seu potencial de significar algo diferente do que ordinariamente
significa, através de um processo metafórico, por exemplo.
Segundo Kress e Van Leeuwen (2001), a ideia de proveniência pressupõe que os seres
humanos constantemente importam signos de outros contextos (de outra época, grupo social
ou cultura) para o contexto no qual se está construindo um novo signo. Para os autores, a ideia
de proveniência inclui os seguintes aspectos (p. 73):
1. Na ausência de um modo semiótico, isto é, de uma “léxico-gramática”
explicitamente elaborada, uma forma de significar um discurso é por
proveniência, anexando um discurso a um significante importado de outro lugar,
outro tempo, outra cultura, ou de outro grupo social, em que esse outro “lugar”
está, de uma forma ou de outra, relacionado ou associado a valores ou temaschave daquele discurso.
2. Um signo que produz significado por proveniência evoca um discurso completo,
mas sem fazer com que esse discurso fique explícito, de modo que,
subjetivamente, apenas um complexo vago e confuso de ideias e valores seja
comunicado. No entanto, essas ideias e valores geralmente são importantes para o
“lugar” que criou o signo de proveniência, e estão associados com sentimentos
fortes. Como resultado, em geral, a imprecisão não é conscientemente percebida.
3. A comunicação por proveniência é geralmente assistemática e ad hoc, uma
invenção do momento, ou parte de um catálogo de invenções do passado que
nunca foi sistematizado e, portanto, só pode ser comunicada como uma “lista”.
Do mesmo modo, não haverá regras gerais para interpretação, de modo que cada
um dos casos é visto como único e os exemplos só podem ser interpretado um de
cada vez. (KRESS; VAN LEEUWEN, 2001, p. 73)29
28
Tradução nossa para: “ […] production plays an independent variable semiotic role in communication and
does not „merely‟ realise what we have called „designs‟”.
29
Tradução nossa para: “1- In the absence of a semiotic mode, that is, of an explicitly worked out
„lexicogrammar‟, one mode of signifying a discourse is through provenance, through attaching a discourse to a
signifier imported from another place, another time, another culture, or another social group, where this other
59
Isso acontece, por exemplo, quando a comunicação científica na web é feita de
maneira bastante similar à comunicação científica tradicional impressa. Roger Chartier
(1999), ao tratar da transição de suportes, afirma que “a obra não é jamais a mesma quando
inscrita em formas distintas, ela carrega, a cada vez, um outro significado” (p. 71), uma vez
que sempre que há a um novo suporte, há também um novo hábito de leitura que, em geral,
vai se impondo vagarosamente.
O professor e designer italiano Ezio Manzini afirma que, em termos de técnica,
inovações materiais chegariam ao sistema de objetos em duas etapas: na primeira, “se
empregam os novos materiais como imitações, ou seja, como meros substitutos de materiais
anteriormente utilizados” (MANZINI, 1993, p. 53). Já na segunda fase, todo o sistema seria
redefinido em função do grau de inovação possibilitado pela nova tecnologia. É nesse ponto
que esta pesquisa se baseia: na busca por iniciativas online que estariam nessa segunda fase
descrita por Manzini (1993).
2.2.4 Distribuição
A distribuição se refere à “recodificação” técnica de produtos ou eventos semióticos,
com o propósito de gravação (exemplo: gravação em fita cassete ou gravação digital) e/ou
distribuição (exemplo: transmissão por rádio ou TV, internet etc.). Também tende a ser vista
como um elemento não semiótico, como se não acrescentasse nenhum significado e somente
facilitasse as funções pragmáticas de preservação e distribuição. Se assim o fosse, ouvir uma
orquestra em um aparelho MP3 produziria o mesmo efeito de sentido de se ouvir a mesma
orquestra tocando ao vivo em um teatro com tratamento acústico.
Assim, os autores afirmam que a distribuição também acrescenta algo a (ou muda) o
sentido e que, com o passar do tempo, os meios de distribuição podem, em parte ou como um
todo, se tornar meios de produção. Focando no caso da comunicação científica, se um
„place‟ is, in one way or another, related to or associated with key values or these from that discourse. 2 - A sign
that signifies through provenance evokes a complete discourse, but without making that discourse explicit, so
that, subjectively, only a vague and confused complex of ideas and values is communicated. Nevertheless, these
ideas and values are usually important to the „place‟ which has created the provenance sign, and they are
associated with strong feelings. As a result the vagueness is not usually consciously realized. 3 - Communication
by means of provenance is usually unsystematic and ad hoc, an invention of the moment, or part of a catalogue
of past inventions which has never been systematized, and can therefore only be communicated as a „list‟. In the
same way there will be no general rules for interpretation, so that each case is seen as unique, and examples can
only be interpreted one at a time.”
60
periódico está indexado em uma base de dados como a plataforma SciELO, a própria essência
da base dá ao periódico o status de ser balizado, de ter passado por uma rigorosa avaliação
por pares.
Uma ideia bastante importante relacionada à distribuição é de que os modos e as
mídias que lhe servem de suporte são interdependentes, o que significa que embora as mídias
e os modos sejam diferentes uns dos outros, a mídia que usamos afeta as maneiras pelas quais
podemos perceber o significado através de um modo ou de uma combinação de modos.
Por exemplo, o modo escrita é afetado de forma diferente pelas possibilidades e
limitações proporcionadas pela página de um livro em comparação às possibilidades e
limitações proporcionadas pela tela do computador ou de outro dispositivo eletrônico. A ideia
de um autor único e solitário que se comunica com o leitor por meio do produto final livro foi
transformada à medida que as tecnologias digitais abriram as possibilidades de produção
textual não linear, interativa, hipertextual, continuamente passível de revisão.
Conforme a escrita vem se tornando uma atividade cada vez mais baseada na tela, as
maneiras pelas quais escrevemos (desde a gramática que usamos até o estilo, tom, aparência e
estrutura de nossas palavras, frases, parágrafos e páginas) faz com que o papel ocupado pelo
autor se torne necessariamente mais fluido e transitório. Essa mudança na relação entre autor
e texto, e, portanto, na maneira como o significado pode ser comunicado por meio de texto,
foi facilitada pelo avanço tecnológico, que permitiu uma mudança do meio estático da página
para o meio mais fluido da tela.
Por fim, vale ressaltar que a camada do discurso perpassa todas as categorias devido à
sua estreita ligação com a noção de ideologia. Vejamos: a prática comunicacional consiste em
escolher o modo de realização que está mais apto a um propósito específico, a um público e à
ocasião da produção do objeto, que será interpretado por uma comunidade interpretativa.
Essa comunidade é quem vai reconhecer e aceitar o discurso. Kress e Van Leeuwen
(2001) também afirmam que a prática discursiva é sempre produtiva e transformativa: a cada
nova configuração do discurso e de seus modos, um formato novo é produzido e
transformado. Essas transformações produzem efeitos. Para os autores, trata-se de ideologia.
Por trás dessas mudanças, há motivações. Como toda ação social é semiótica e vice-versa, a
ação social muda o ator e o ato. Nesse sentido, as iniciativas aqui pesquisadas apresentam
certas mudanças ideológicas, mas, obviamente, há outras ideologias (a lógica do impresso ou
de sua transposição literal para o ambiente digital) que tentam se manter.
61
2.3 Eixo teórico II: Teoria Sociorretórica dos Gêneros
Há séculos, a definição de “gênero”, desde o literário até o discursivo, tem ocupado a
agenda de vários filósofos e pesquisadores em todo o mundo. Uma tentativa atual de definição
foi cunhada por Mikhail Bakhtin, com seu texto Os gêneros do discurso (2000), escrito em
1952. Para o teórico, a diversidade das produções de linguagem é infinita, mas não chega a ser
caótica, pois a competência linguística dos sujeitos vai além da construção e reconhecimento
da frase ou da oração. Essa competência se estende para os gêneros do discurso, que são,
segundo o autor, “tipos relativamente estáveis de enunciados” aos quais os falantes são
sensíveis desde o início até o fim de suas atividades de linguagem (BAKHTIN, 2000, p. 279).
Numa visão ainda mais contemporânea, Bazerman (2005, p. 31) defende os gêneros
“como fenômenos de reconhecimento psicossocial que são parte de processos de atividades
socialmente organizadas”. Afirma que há formas textuais típicas de cada atividade social e
que mais do que um estudo do gênero em si, é preciso estudar a circulação de discursos e da
inovação dos formatos dessa circulação, em termos de meios, canais, modos retóricos e
tipificação. Para o autor, devemos ver os gêneros como uma “ação tipificada pela qual
podemos tornar nossas intenções e sentidos inteligíveis para outros. Como resultado, gênero
dá forma a nossas ações e intenções. É um meio de agência” (BAZERMAN, 2011, p. 11).
O autor afirma que, historicamente, “desde o advento da escrita há cinco mil anos,
poderosas funções da sociedade (incluindo o direito, o governo e a economia) têm sido de
modo crescente mediadas através de textos escritos” (BAZERMAN, 2005, p. 15). Não é
diferente com a ciência, como temos visto nesta dissertação.
Para Bazerman, há gêneros que são fundadores de outros, como a carta, que deu
origem aos artigos científicos, às patentes, às folhas de cheques, às reportagens e, mais
recentemente (com o advento das NTICs), aos emails, entre outros. Nesse sentido, Bazerman
defende que os gêneros são formas típicas de usos discursivos da língua originadas de formas
anteriores. Para ele, os gêneros nunca surgem do nada, mas num processo histórico, cultural e
interativo dentro de instituições e atividades já conhecidas pelo falante.
O autor afirma que os gêneros têm origem sociointerativa e não são meras
cristalizações formais. Para ele, a definição de gêneros como apenas um conjunto de traços
textuais ignora o papel dos indivíduos no uso e na construção de sentidos. Para Bazermam, a
noção do gênero como algo cristalizado no tempo e espaço deixa de considerar as diferenças
de percepção entre pessoas, épocas e regiões diferentes (por exemplo), além de ignorar o uso
criativo da comunicação para satisfazer novas necessidades originadas em novas
62
circunstâncias de uso de um determinado gênero (no nosso caso, o artigo científico). Segundo
o autor:
Assim como as ações, intenções e situações humanas, uma teoria de gênero precisa
ser dinâmica e estar sempre mudando. Essa teoria precisa incorporar a criatividade
improvisatória das pessoas na interpretação de suas situações, na identificação de
suas metas, no uso de novos recursos para alcançá-las e na transformação das
situações através de seus atos criativos. Esse caráter dinâmico, interativo e agentivo
do uso dos gêneros escritos significa que no centro de nossa teoria devem estar
pessoas que querem realizar coisas através da escrita em um mundo em mudança.
(BAZERMAN, 2011, p. 11, grifos nossos)
Os seres humanos podem apresentar uma forte resistência às mudanças ocorridas em
um determinado gênero. Segundo Bazerman (2005, p. 19), “certas profissões, situações e
organizações sociais podem estar associadas a um número limitado de tipos de textos”. Essa
resistência se manifesta porque o próprio surgimento (ou reforço) de um gênero se dá porque
uma maneira de coordenar melhor nossos atos de fala uns com os outros é agir de modo
típico. Quando percebe que um determinado enunciado ou texto funcionam bem numa
determinada situação, a tendência é de que, ao se deparar com uma situação semelhante, o ser
humano repita o procedimento bem-sucedido da vez anterior. Além disso, “no discurso há
sempre uma tensão dialética entre o que veio antes e os novos participantes do embate,
constantemente manobrando para conseguir uma voz em qualquer empreendimento vital
comum” (BAZERMAN, 2011, p. 107).
Para Bazerman:
Se começamos a seguir padrões comunicativos com os quais as outras pessoas estão
familiarizadas, elas podem reconhecer mais facilmente o que estamos dizendo e o
que pretendemos realizar. Assim, podemos antecipar melhor quais serão as reações
das pessoas se seguimos essas formas padronizadas e reconhecíveis. Tais padrões se
reforçam mutuamente. (BAZERMAN, 2005, p. 29)
É isso o que vem acontecendo com o gênero artigo científico (paper). Reconhecemos
que a padronização de um gênero na comunicação científica trouxe diversas vantagens para
que pesquisadores diferentes (inclusive quanto à nacionalidade) pudessem se compreender
mutuamente. Bazerman afirma que refletir sobre o gênero é bastante produtivo para se
“compreender as práticas discursivas acadêmicas e profissionais, em que enunciados
altamente individuais e estratégicos são produzidos em formas bastante distintivas e
reconhecíveis” (BAZERMAN, 2005, p. 59). Para o autor, essas formas padronizadas vêm se
moldando ao longo de trajetórias extensas e conscientes. Assim, “escritores novos em um
domínio precisam dedicar algum tempo para aprendê-las, independentemente das habilidades
63
de escrita que o escritor traz consigo de outros domínios” (BAZERMAN, 2005, p. 59). Em
seus estudos de 2011, Bazerman corrobora essa importância da padronização afirmando que:
Algumas ferramentas e truques provaram ser tão úteis e poderosos que se tornaram
regularizados, constituindo até elementos obrigatórios e institucionalizados (formais
e processuais) de tipos particulares de comunicação científica. O que nós
reconhecemos como o gênero artigo experimental incorpora muitos desses
elementos regularizados, formais e processuais. Gênero, então, não é simplesmente
uma categoria linguística definida pelo arranjo estruturado de traços textuais. Gênero
é uma categoria sociopsicológica que usamos para reconhecer e construir ações
tipificadas dentro de situações tipificadas. É uma maneira de criar ordem num
mundo simbólico sempre fluido. (BAZERMAN, 2011, p. 60)
O autor também afirma que a maioria dos gêneros tem características de fácil
reconhecimento que sinalizam a espécie de texto que é. No entanto, lembra que a essência dos
gêneros não está nessas características mais formais. Adverte que é equivocada a visão de
gênero que simplesmente o concebe como uma coleção de elementos característicos, pois ela
“encobre como esses elementos são flexíveis em qualquer instância, ou até como a
compreensão geral do gênero pode mudar com o passar do tempo, à medida que as pessoas
passam a orientar-se por padrões em evolução” (p. 40). Para o autor:
Os traços textuais que podemos associar a qualquer gênero particular não têm uma
definição necessariamente fixa. Mesmo as tentativas de manter firmes os traços
através de processos sociais da institucionalização levam apenas a uma estabilidade
temporária; apesar da grande influência do Manual de Publicação da APA, uma
breve revisão das revistas de psicologia em 1987 revela uma ampla gama de
inovação retórica, quase ultrapassando as fronteiras do modelo idealizado.
Tampouco, são da mesma ordem todos os traços textuais que associamos a um
gênero. Alguns são traços macro-oganizacionais, tais como a apresentação do
método após a introdução e antes dos resultados em muitas versões do artigo
experimental. Outros são associados às práticas de citação (em termos do formato de
citação e da quantidade, bem como do papel da citação dentro do argumento).
Outros são questões de quantidade e de localização de detalhes. Outros, ainda, têm a
ver com o nível, função e lugar da generalização. [...] Mais importante, os traços que
podemos associar ao gênero quase não se restringem às aparências formais na
página. Os traços formais são apenas as maneiras pelas quais as relações e as
interações mais fundamentais são realizadas no ato de comunicação. (BAZERMAN,
2011, p. 60)
Segundo Bazerman, para se definir um gênero, “podemos usar uma variedade de
conceitos analíticos linguísticos, retóricos, ou organizacionais menos óbvios para examinar
uma coleção de textos de um mesmo gênero”, ou seja, devemos ir além dos aspectos físicos e
diagramáticos. Além disso, para o autor, uma vez que o gênero é uma categoria tão
multifacetada e em constante mudança, a sua redução “a alguns poucos itens formais que
devem ser seguidos por razões de propriedade (o decoro no seu sentido mais restrito) deixa
64
escapar a vida que está incorporada no momento genericamente formado” (BAZERMAN,
2011, p. 61).
Para Bazerman, a compreensão do gênero muda quando um campo e o contexto
histórico mudam. Citando Luckmann (1992), Bazermam afirma que “os gêneros
comunicativos de uma época podem se dissolver em processos comunicativos mais
„espontâneos‟, enquanto outros gêneros até então pouco definidos podem se congelar em
novos gêneros” (LUCKMANN, 1992 apud BAZERMAM, 2005, p. 56).
Mais de um século depois, os artigos perderam os vestígios do formato de carta e
adotaram o tom e o foco argumentativo e abstrato da atualidade. Isso foi possível porque, ao
longo do tempo, como postula a Teoria-Ator-Rede (actor-network)30, entrou em jogo a
agência individual, a explicação histórica dos arranjos correntes e a resposta criativa dos
indivíduos à necessidade de criar novos arranjos (BAZERMAN, 2005).
Nesse sentido, afirmamos que há uma nova onda de mudanças ocorrendo nos artigos
científicos. Não o fazemos pensando que o gênero mudará como um todo, mas que
coexistirão formas mais tradicionais de comunicação científica (com os artigos padronizados
impressos ou em formato PDF) e formas inovadoras como as que são propostas pelas
iniciativas que apresentaremos no Capítulo 4 desta dissertação.
30
Em termos gerais, a Teoria-Ator-Rede enfatiza a ideia de que os atores (humanos e não humanos) estão
constantemente ligados a uma rede social de elementos, que podem ser materiais e imateriais.
65
3 PERCURSO METODOLÓGICO
3.1 Tipo de pesquisa
Esta pesquisa insere-se no paradigma qualitativo e é um estudo comparativo de casos.
Expliquemos melhor cada um desses conceitos. Segundo Neves (1996), a pesquisa dentro do
método qualitativo detecta a presença ou não de algum fenômeno sem se importar com sua
magnitude ou intensidade. É denominada qualitativa, em contraposição à pesquisa
quantitativa, em função da maneira como os dados são tratados e da forma de apreensão de
uma realidade. No caso da pesquisa qualitativa, o mundo é conhecido por meio de experiência
e senso comum (conhecimento intuitivo), em oposição às abstrações (modelos) da pesquisa
quantitativa. Os métodos qualitativos e quantitativos não são excludentes, embora difiram
quanto à forma e à ênfase (NEVES, 1996, p. 1).
Em relação ao estudo comparativo de casos, Bogdan e Biklen (1997) e Yin (1994)
distinguem-no do estudo de caso único porque, no estudo comparativo ou coletivo, o
investigador estuda dois ou mais casos com o intuito de posteriormente compará-los ou
contrastá-los a fim de compreender melhor a realidade específica na qual se inserem.
Mais especificamente, além de ser um estudo comparativo, este projeto se voltará para
três casos atípicos ou de interesse intrínseco. Segundo Stake (2005), o estudo de caso de
interesse intrínseco, ou caso atípico, ocorre quando o investigador pretende estudar uma
situação específica na sua particularidade e complexidade para compreender melhor suas
características e seu funcionamento peculiar.
Em suma, este projeto propõe como metodologia um estudo comparativo de três casos
de edição científica com o uso das NTICs que fogem ao padrão convencional, ou seja, que
provocam no pesquisador um interesse intrínseco de entender o funcionamento e a
peculiaridade de um caso atípico.
3.2 Técnica de pesquisa e coleta de dados
Como metodologia de trabalho, propomos utilizar uma tríade de técnicas de pesquisa
dentro do método qualitativo, quais sejam: análise documental, pesquisa bibliográfica e
entrevistas.
Na análise documental, consideramos como corpus de análise o website oficial de
cada um dos projetos, ou seja, trata-se de documentos digitais. Pesquisamos cada um dos
66
websites à procura de textos como editoriais, recomendações aos autores e descrições de
funcionamento, além de arquivos de áudio ou vídeo ou ainda figuras como infográficos ou
fluxogramas que falavam sobre o projeto em si, sua história, seu funcionamento e as razões
para a sua proposta inovadora.
Concomitantemente à análise documental, foi feita uma pesquisa bibliográfica por
meio de artigos, livros, dissertações e teses que abordem essas iniciativas. Como
complementação à análise documental e à pesquisa bibliográfica, entrevistamos os
idealizadores (ou representantes) de cada um dos projetos em análise.
A análise do processo e parte da análise do produto editorial terá como suporte teórico
a perspectiva da Multimodalidade e a análise dos artigos terá como suporte a Teoria dos
Gêneros do Discurso, ambas já delineadas na seção anterior.
3.2 Seleção do corpus
Como primeiro passo para o desenvolvimento desta pesquisa, intentávamos descobrir
iniciativas digitais que subvertessem alguma prática tradicional do meio impresso, ou seja,
iniciativas que não fossem simplesmente uma transição do artigo impresso para o formato
PDF ou para um HTML simples, sem sequer apresentar hipertextos. Procedemos então a uma
investigação inicial para fazer um levantamento de ações no mínimo “diferentes” de
comunicação científica em ambiente digital. Nossos critérios iniciais exigiam que a iniciativa
fosse brasileira. No entanto, como não encontramos nenhum caso que se destacasse,
eliminamos esse pré-requisito. Com isso, por meio de indicações pessoais, pesquisas pela
internet e leitura de referências sobre o tema, identificamos algumas iniciativas inovadoras e
elegemos três projetos (um no Reino Unido e dois nos EUA) que, de certa maneira,
revolucionam algumas noções tradicionais de comunicação científica.
A seguir, descrevemos brevemente esses três iniciativas, na ordem em que serão
apresentadas no capítulo seguinte.
a)
MediaCommons Press (MCP): trata-se de um espaço virtual para revisão aberta
de textos científicos desenvolvido em um formato inovador de blog (na plataforma
CommentPress, do WordPress).
b)
F1000Research: trata-se de um editor científico online que publica artigos com
base nos seguintes princípios: 1) publicação imediata; 2) publicação concomitante dos
67
dados originais de pesquisa; 3) revisão por pares pós-publicação; 4) publicação das
considerações e da identidade dos pareceristas; e 5) acesso aberto.
c)
The Journal of Visualized Experiments (JoVE): trata-se de um periódico
científico eletrônico na área da Medicina, Biologia, Química e Física que se baseia no
formato tradicional de periódicos indexados e revisados por pares, mas cujos artigos
são apresentados em formato de vídeos com a filmagem profissional dos
procedimentos experimentais e protocolos, acompanhados de descrições textuais.
3.3 Análises
Conforme já mencionamos em tópico anterior, o objetivo da pesquisa foi comparar
três iniciativas inovadoras de comunicação científica. No entanto, a comparação não foi feita
somente entre as três iniciativas, mas também, e principalmente, entre o que cada uma traz de
inovador e as formas de comunicação científica já consolidadas pela academia.
Para analisar o processo editorial em cada uma das iniciativas consideradas
inovadoras, pesquisamos a maneira (tradicional ou inovadora) como elementos próprios da
comunicação científica são constituídos nas três iniciativas. Assim, estabelecemos como
categorias de análise a forma como se dão, em cada um dos casos: 1) o fluxo editorial; 2) a
autoria; 3) a revisão por pares; 4) a acessibilidade; 5) a visibilidade/indexação das
publicações; e 6) o produto editorial.
Para analisar o produto editorial, escolhemos um artigo representativo de cada uma
das iniciativas e analisamos seu conteúdo e seu formato, a fim de verificar se as mudanças
ocorridas no gênero artigo científico. A seguir, apresentamos, esquematicamente, qual foi o
projeto metodológico que guiou esta pesquisa.
68
Estudo Comparativo de Casos
Caso 1
MediaCommons Press
(MCP)
Caso 2
F1000Research
(F1000)
Caso 3
The Journal of Visualized
Experiments (JoVE)
Técnicas de Coleta de dados
Análise Documental
(no website oficial de cada
iniciativa)
Pesquisa Bibliográfica
(em publicações sobre as
iniciativas)
Entrevistas
(com os idealizadores de
cada uma das iniciativas)
Análise do PROCESSO EDITORIAL sob o prisma da
Multimodalidade
Estrato 1:
Design
Fluxo
editorial
Estrato 2:
Produção
Revisão
por pares
Autoria
Artigo
do caso 1
Produto
Editorial
Artigo
do caso 2
Estrato 3:
Distribuição
Acessibilidade
Artigo
do caso 3
Análise do PRODUTO EDITORIAL sob o prisma da teoria
sociorretórica dos gêneros e da Multimodalidade
FIGURA 4 – Esquematização da metodologia proposta
Fonte: Elaborada pela autora.
Visibilidade
/indexação
69
4 APRESENTAÇÃO DOS CASOS
Do extremo da realização individual, temos as grandes obras da
literatura, da filosofia, das ciências sociais e da política, de
cujas páginas as grandes vozes da história ainda nos falam.
Cervantes, Shakespeare, Borges e Machado de Assis; Platão,
Confúcio, Ortega y Gasset; Darwin, Freud, Maturana;
Jefferson, Marx, Freire – cada um desses autores, enquanto
usam as ferramentas familiares da linguagem e da organização
textual, excedem os limites do ordinário e esperado para
encontrar novas coisas para dizer e novos meios de expressão.
(BAZERMAN, 2011, p. 12)
Na epígrafe acima, Bazerman enumera algumas pessoas que se destacaram porque,
com uma visão vanguardista, fizeram algo inovador na área em que atuavam usando como
base aquilo que já existia. De nossa parte, acrescentaríamos três outros nomes
contemporâneos que buscaram responder a demandas existentes na comunicação científica de
maneira inovadora e inteligente. Essas novas pessoas que se destacam são os pesquisadores
que idealizaram (juntamente com colaboradores) as iniciativas que vamos estudar neste
capítulo. São eles: Kathleen Fitzpatrick, fundadora do MediaCommons Press; Vitek Tracz,
fundador do F1000Research, e Moshe Pritsker, fundador do The Journal of Visualized
Experiments (JoVE).
Neste capítulo, apresentaremos cada uma dessas iniciativas, começando por sua
história, seu funcionamento básico e algumas de suas características peculiares.
Posteriormente, no capítulo de análises e discussão, retomaremos cada iniciativa mostrando os
resultados obtidos na investigação das categorias elencadas para estudo.
4.1 Caso 1: MediaCommons Press (MCP)
Para se entender melhor a história e o funcionamento do MediaCommons Press
(MCP), é preciso abordar a trajetória e a importância da rede eletrônica que lhe deu origem e
que agrega pessoas em torno do projeto. Trata-se do MediaCommons, uma espécie de rede
social entre docentes, pesquisadores, estudantes e profissionais da mídia que promove a
exploração de novas formas de publicação científica via web. Seus fundadores são Avi Santo,
professor assistente do Departamento de Comunicação, Teatro e Dança da Old Dominion
University, na Virgínia/EUA, e Kathleen Fitzpatrick, professora associada em Estudos da
Mídia no Pamona College, na Califórnia/EUA. A professora Fitzpatrick foi quem nos
70
concedeu entrevista sobre o projeto MCP para a elaboração desta dissertação (APÊNDICE
A).
Embora seja moderada pelos editores, os projetos sediados pelo MediaCommons são
conduzidos pelos membros da comunidade. Os usuários são livres para postar comentários,
desenvolver perfis sofisticados, incluindo um portfólio com links para seu trabalho
acadêmico, e para discutir com os pares os projetos publicados. Os membros também podem
propor novos projetos para o conselho editorial.
Na entrevista, a professora Fitzpatrick nos relatou que o primeiro projeto da rede foi o
In Media Res, um fórum em ambiente multimodal e colaborativo no qual, a cada semana, um
membro propõe e administra uma discussão em torno de um vídeo curto ou um slideshow de
imagens sobre um objeto midiático recente acompanhado por um texto de 300 a 350 palavras
analisando o material. A FIG. 5, a seguir, mostra a página inicial do MediaCommons e a FIG.
6 traz a página de discussão de um episódio do reality show e documentário 30 Days, postado
dentro do projeto In Media Res.
FIGURA 5 – Página inicial da rede MediaCommons
Fonte: http://mediacommons.futureofthebook.org/
71
FIGURA 6 – Discussão sobre o reality show 30 Days
Fonte: http://mediacommons.futureofthebook.org/imr/2013/02/01/affect-location-and-identification-30-days
Fitzpatrick nos conta sobre suas principais inquietações diante da comunicação
científica contemporânea antes de chegar à ideia inicial para o projeto da comunidade
MediaCommons. Afirma reconhecer que, na área das Ciências Humanas, ao menos nos EUA,
a forma mais importante de comunicação científica tem sido o livro, publicação mais
prestigiada para admissão e promoção na carreira na maioria das instituições de ensino
superior. Sobre sua própria trajetória, Fitzpatrick nos relata o seguinte:
Quando era professora assistente, passei vários anos trabalhando no manuscrito do
meu primeiro livro, preparando-o para revisão por várias editoras que tinham dito
que estavam interessadas em vê-lo. No entanto, a crise econômica após o estouro da
bolha das empresas ponto.com, em 2000, teve efeitos terríveis sobre os orçamentos
de muitas editoras universitárias e, quando terminei o manuscrito, em 2002, senti
que nenhuma das editoras que haviam declarado anteriormente interesse em publicálo poderiam se dar ao luxo de fazê-lo. Os orçamentos das bibliotecas universitárias
tinham sido cortados durante a crise financeira e o orçamento restante era
esmagadoramente desviado para a compra de monografias e para cobrir o custo
exponencialmente crescente com assinaturas de periódicos, especialmente na área
das ciências. (FITZPATRICK, 2013, n.p.)
A autora nos relata que, em seguida, procurou diversas outras editoras universitárias
que pudessem publicar seu livro e finalmente uma delas demonstrou interesse. No entanto,
mesmo depois da avaliação bastante positiva dos revisores externos, a publicação foi rejeitada
no conselho editorial pelos responsáveis pelo Departamento de Marketing, os quais alegaram
72
que o livro representaria um grande risco financeiro. Isso queria dizer que, apesar da
qualidade da obra, suas vendas poderiam ser demasiadamente baixas para que pudessem
recuperar seus custos e se transformar em lucro.
Concomitantemente a esse contexto desolador, em que a manutenção e promoção de
sua carreira dependiam da publicação daquele livro aparentemente “impublicável”, a autora
narra ter iniciado um blog. Afirma que o blog não lhe custava praticamente nada, a não ser a
hospedagem no provedor e o tempo gasto para mantê-lo e que, mesmo assim, tinha mais
leitores do que suas publicações acadêmicas formais. Além disso, a ferramenta tinha lhe
permitido desenvolver uma comunidade de colegas que também mantinham blogs. Esse grupo
passou, então, a ler e comentar os trabalhos uns dos outros, ajudando a melhorar a pesquisa de
todos os envolvidos. Nas palavras da própria autora: “Então eu comecei a pensar: e se
começássemos algum tipo de „editora‟ científica completamente eletrônica que pudesse
aprender com os blogs acadêmicos e se concentrar na criação de uma comunidade de
estudiosos que trabalham com e para o outro?” (FITZPATRICK, 2013, n.p.).
Foi então que surgiu a ideia para a comunidade virtual MediaCommons e, mais tarde,
para o MediaCommons Press, um dos cinco projetos atualmente sediados pela rede. Segundo
a autora, o projeto concreto para a comunidade MediaCommons teve início de 2005, quando o
pesquisador Bob Stein, do Instituto para o Futuro do Livro31, entrou em contato com ela
depois de ter lido uma postagem no seu blog sobre as possibilidades de criação de uma editora
completamente eletrônica. Stein disse que estava interessado em apresentar a ideia para a
equipe do Instituto.
Em reunião com Fitzpatrick, o grupo do Instituto para o Futuro do Livro decidiu
agregar pessoas que trabalham com mídias digitais para ajudar a pensar na infraestrutura
eletrônica para a ideia. Desse encontro, surgiram os primeiros contornos para a criação do
MediaCommons e foi também quando Fitzpatrick foi apresentada ao pesquisador Avi Santo, o
qual se tornou cofundador da iniciativa. A comunidade foi lançada no outono de 2006,
juntamente com seu primeiro projeto, o In Media Res.
Fitzpatrick nos relata que a rede MediaCommons levou algum tempo para ganhar
força. O projeto havia sido destinado principalmente a pesquisadores de estudos da mídia, os
quais teciam críticas bastante positivas sobre a iniciativa. No entanto, havia problemas de
31
O Institute for the Future of the Book é um projeto do Centro Annenberg de Comunicação da Universidade do
Sul da Califórnia e tem sede em Nova York. Trata-se, segundo a definição encontrada no próprio website da
entidade, de um pequeno grupo “pense-e-faça” que considera que a página impressa está dando lugar à tela em
rede e procura narrar essa mudança e canalizá-la em uma direção positiva. Disponível em: <http://
www.futureofthebook.org/mission.html>. Acesso em: 16 mar. 2013.
73
engajamento dos pares para que a rede fosse realmente produtiva. Segundo Fitzpatrick, é
difícil construir:
[...] uma comunidade comprometida com um objetivo comum cujos resultados são
desconhecidos e cuja percepção dentro da comunidade acadêmica é incerta. Os
acadêmicos continuam a colocar sua ênfase principal na publicação de forma
tradicional [em livros e periódicos], porque sabem que essas formas de publicação
serão reconhecidas pelos colegas e pelas instituições quando eles vão para mercado
de trabalho ou são avaliados. (FITZPATRICK, 2013, n.p.)
No entanto, a autora relata que, aos poucos, ela e sua equipe conseguiram construir a
comunidade que almejavam. Atualmente, a rede conta com um conselho editorial dinâmico
que é responsável por cinco grandes projetos (In Media Res, The New Everyday32, #altacademy33, MediaCommons Press e o site geral do MediaCommons), além de novos projetos
em desenvolvimento.
4.1.1 O MediaCommons Press
O MediaCommons Press é um blog que proporciona um processo aberto de revisão
por pares. A plataforma que fornece a tecnologia necessária para o funcionamento do projeto
é o CommentPress, um software gratuito que surgiu como resultado de uma demanda do
Instituto para o Futuro do Livro para os gerenciadores da plataforma de blogs WordPress34.
Criado em 2007 e tendo passado por diversas modificações até chegar ao formato atual, o
CommentPress é um plugin35 do WordPress cujo template facilita a publicação online de
documentos longos (como livros inteiros) e permite que os usuários/leitores comentem e
32
O projeto The New Everyday é uma plataforma que publica trabalhos em um estado intermediário entre um
blog e um diário. Seu diferencial é que, ao invés de aderir a uma estrutura mais tradicional em que a publicação é
feita após a leitura e seleção entre um grande número de submissões dos participantes, o projeto publica primeiro
e depois os editores filtram as informações. Qualquer usuário do MediaCommons pode publicar um trabalho. A
plataforma publica tanto obras baseadas em texto (ensaios, rascunhos, capítulos de livros, etc.) quanto obras em
formato multimídia (vídeos do YouTube e Vimeo, apresentações Slideshare e Scribd, etc.). O tema das
publicações foca na reflexão sobre os papéis que a mídia e a tecnologia desempenham na construção do
mundano, do cotidiano, do habitual e da rotina. Disponível em: <http://mediacommons.futureofthebook.org/tne/
how-it-works>. Acesso em: 18 nov. 2013.
33
O projeto #Alt-Academy (em que “alt” significa “alternativa” e “academy” significa “academia”,
“universidade”) funciona da mesma forma que o projeto The New Everyday. A diferença é que, no #AltAcademy, os usuários publicam e comentam trabalhos em torno do tema da existência e do funcionamento de
carreiras profissionais não convencionais ou alternativas para pessoas com formação acadêmica. Disponível em:
<http://mediacommons.futureofthebook.org/tne/how-it-works>. Acesso em: 18 nov. 2013.
34
Disponível em: <www.wordpress.com>. Acesso em: 16 mar. 2013.
35
Um plugin ou plug-in é uma extensão que adiciona novos recursos a um programa maior. Os plugins mais
famosos são os para browsers, como o flash, mas existem plugins para jogos e vários outros tipos de programas.
Ele promove alguma funcionalidade especial ou muito específica. Geralmente é pequeno e leve, usado somente
sob demanda. Disponível em: <www.lifehost.com.br/portal/faq/dicas_e_termos.htm>. Acesso em: 10 mar. 2013.
74
discutam o texto em escala gradual, variando desde o nível do parágrafo até a extensão do
documento completo.
Os blogs tradicionais apresentam cada postagem como um texto corrido único em
formato HTML. A leitura nesse tipo de ambiente exige que o leitor use constantemente a
barra de rolagem, disponibiliza o espaço para comentários somente ao final do texto e impede
que o leitor publique comentários laterais conectados a trechos específicos do texto.
De forma inovadora e atendendo à demanda específica de uma ferramenta para revisão
por pares online, o CommentPress estrutura a obra completa em seções cujos títulos ficam
dispostos em hiperlinks em um menu de conteúdos sempre visível na parte superior da tela. O
leitor, então, lê o texto por seções, semelhantemente à maneira como se lê um e-book em um
aplicativo para leitura compatível com a tecnologia dos smatphones e tablets. Diante da tela,
o leitor pode clicar no título de uma seção, ler o texto e adicionar comentários laterais à direita
conectados a um parágrafo específico ou ao texto como um todo, conforme podemos verificar
pelas indicações das setas na FIG. 7, a seguir.
FIGURA 7 – Template da plataforma CommentPress para revisão por pares aberta
Fonte: http://mcpress.media-commons.org/complextelevision/
75
4.2 Caso 2: F1000Research
Para entendermos melhor a iniciativa F1000Research, é importante apresentarmos
alguns fatos relevantes na trajetória profissional de seu fundador, o pesquisador Vitek Tracz,
considerado um visionário pela comunidade científica. Para tanto, valemo-nos do trabalho
intitulado The seer of science publishing [O vidente da publicação científica], um artigo
baseado na entrevista concedida por Vitek Tracz à pesquisadora Tania Rabesandratana e
publicado pela revista Science, em outubro de 2013.
Vitek Tracz nasceu na Polônia, em 1940. Cursou Matemática em Israel e depois
estudou Cinema em Londres nos anos 1960, onde se estabeleceu desde então. Já naquela
época, propôs sua primeira experiência de inovação em ciência ao fundar a companhia
cinematográfica Medi-Cine, que produzia filmes educativos para estudantes de medicina.
Mais tarde, Tracz vendeu a Medi-Cine e fundou a Gower Medical Publishing, uma editora
que publicava atlas médicos com figuras coloridas (numa época em que a maioria dos livros
eram em preto e branco) e coleções de apresentações em slides para palestrantes.
Segundo Rabesandratana (2013), nos anos 1990, Tracz entendeu rapidamente que a
ascensão da internet poderia transformar a comunicação científica. Então, em 1996, lançou o
BioMedNet, uma rede online que agregava pesquisadores biomédicos e incluía uma biblioteca
de artigos científicos e um serviço de notícias. Nos anos 2000, Tracz abraçou o movimento de
acesso aberto que floresceu no final da década de 1990 e fundou seu projeto mais reconhecido
até o momento: o BIOMED Central, já mencionado na seção 1.2 desta dissertação.
Concomitantemente, além do problema do acesso restrito, outra prática da
comunicação científica incomodava Vitek Tracz: o índice de fator de impacto. Segundo o
pesquisador, um dos grandes problemas do fator de impacto é que ele estratifica os periódicos
e não os artigos. Para Tracz: “Ninguém lê periódicos. As pessoas leem artigos” (TRACZ,
2013 apud RABESANDRATANA, 2013). Segundo o pesquisador, dentro dos próximos 10
anos, a revista impressa revisada por pares vai deixar de existir. Como uma métrica
alternativa, Tracz fundou, em 2002, a iniciativa Faculty of 1000, que fornece acesso a
trabalhos de biologia avaliados e comentados por um grupo de mais de 5.000 especialistas
selecionados criteriosamente.
Mais recentemente, outra praxe da publicação científica se tornou alvo do ímpeto
inovador de Vitek Tracz: a revisão por pares anônima. Segundo o pesquisador, a revisão
anônima é a principal razão dos atrasos entre a submissão e a publicação de uma pesquisa,
uma vez que, entre outras coisas, fomenta práticas antiéticas de roubo de ideias e de dados.
76
Assim, como uma forma de combater os problemas criados pela revisão por pares anônima, e
por outros vieses que serão relatados no tópico a seguir, Tracz fundou, em 2012, o
F1000Research, um de seus projetos mais recentes.
Para obtermos mais informações a respeito do F1000Research, entramos em contato
com Vitek Tracz. Infelizmente, não conseguimos entrevistá-lo diretamente, mas ele nos
encaminhou para a pesquisadora Rebecca Lawrence, atual diretora geral da iniciativa, que
gentilmente nos concedeu a entrevista (APÊNDICE B).
4.2.1 O F1000Research
Assim como o MediaCommons Press, o F1000Research também faz parte de um
projeto maior. Esse projeto se chama Science Navigation Group e consiste em um grupo de
editoras científicas que têm mudado a maneira como a ciência é comunicada. Seus produtos
incluem a comunidade BioMedNet (uma das primeiras com base na web), o banco de dados
Investigational Drugs, o indexador europeu de acesso aberto BIOMED Central e a editora
Faculty of 1000, um conjunto de quatro periódicos eletrônicos que oferece revisão por pares
aberta e pós-publicação.
O F1000Research é um dos periódicos publicados pelo Faculty of 1000, que engloba
também: 1) o F1000Prime, um diretório aprofundado que publica os artigos mais populares
em biologia e medicina segundo a avaliação feita por um conselho formado por mais de 5.000
cientistas especialistas e pesquisadores clínicos; 2) o F1000Trials (ainda em versão beta36),
uma lista detalhada de ensaios clínicos publicados com recomendações e comentários; e 3) o
F1000Posters, um repositório de acesso aberto a pôsteres e apresentações de slides sobre
biologia e medicina. A FIG. 8, a seguir, traz a página inicial do website da iniciativa Faculty
of 1000.
36
Versão beta é o nome dado a um produto que ainda se encontra em fase de desenvolvimento e testes e é
disponibilizado para que os usuários possam testar e, eventualmente, reportar problemas para os
desenvolvedores.
77
FIGURA 8 – Página inicial do website da iniciativa Faculty of 1000
Fonte: http://f1000.com/
Na entrevista, Rebecca Lawrence nos relata que várias inquietações instigaram a
criação do projeto F1000Research. Muitas delas coincidem com o que também foi narrado
por Kathleen Fitzpatrick, em nossa entrevista, e na trajetória de Vitek Tracz, como os atrasos
bastante significativos entre o momento em que a pesquisa está pronta para ser compartilhada
com a comunidade e o momento em que o trabalho é finalmente publicado e os vários vieses
da revisão por pares anônima.
Além dessas inquietações, Lawrence também lamenta sobre o fato de não haver
tradição de se publicar os dados originais de pesquisa e os detalhes relativos aos protocolos
utilizados, sendo, portanto, praticamente impossível que outros pesquisadores possam replicar
os achados de um determinado artigo. Ela também menciona a dificuldade enfrentada por
pesquisadores que desejam publicar pesquisas com resultados negativos ou nulos, levando à
criação de um viés na literatura científica, na qual predominam os relatos de resultados
esperados e bem-sucedidos. Por fim, a diretora relata que muitos cientistas produzem vários
tipos de pequenas descobertas, mas que, como o processo de publicação tradicional é tão
demorado e oneroso, consideram que não vale a pena o esforço de publicá-las.
Assim, diante desses desafios, Vitek Tracz, juntamente com seus colaboradores,
decide criar em 2012 uma versão beta para projeto o F1000Research e uma versão definitiva
78
em 2013. Como uma forma de responder a algumas das inquietações mencionadas, o projeto é
um periódico científico eletrônico que publica trabalhos adotando os seguintes princípios: 1)
todos os artigos são publicados imediatamente (após uma rápida verificação interna para
evitar inadequações óbvias) a fim de agilizar o fluxo do diálogo entre os pares; 2) os artigos
são sempre acompanhados do conjunto de dados originais de pesquisa, fornecidos em um
formulário que permite a confirmação ou reutilização dos dados por outros pesquisadores; 3)
a revisão por pares é realizada após a publicação para evitar atrasos; 4) a identidade e
afiliação dos pareceristas, assim como suas considerações em relação ao artigo, são
publicadas juntamente com o artigo; e 5) todos os artigos são publicados sem qualquer
restrição de acesso. A FIG. 9, a seguir, traz a página inicial da iniciativa F1000Research. Nela
podemos observar a ênfase dada aos cinco pilares que sustentam o projeto.
FIGURA 9 – Página inicial da iniciativa F1000Research.
Fonte: http://f1000research.com/
Sobre a aceitação da iniciativa por parte da comunidade científica, Lawrence nos relata
que, pela experiência de Vitek Tracz com os primeiros anos do BIOMED Central, ele
esperava ter as mesmas dificuldades em persuadir outros pesquisadores a aderirem a esse
novo modelo de publicação. No entanto, diz ter se surpreendido com a resposta altamente
positiva ao modelo. Prova disso, segundo Lawrence, foi a aceitação imediata e massiva do
79
convite feito a pesquisadores para fazerem parte do conselho consultivo do periódico
(atualmente com 230 membros) e do conselho editorial (atualmente com 1.100 membros).
A diretora também relata que algumas críticas iniciais estão sendo aos poucos
amenizadas conforme as pessoas observam como a iniciativa funciona. Por exemplo, no
início, havia preocupações de que os pareceristas não seriam críticos o suficiente tendo seus
nomes e considerações divulgados. Lawrence relata que o novo modelo tem se mostrado
eficaz, uma vez que continuam existindo revisões altamente críticas sobre os artigos
publicados. A única diferença é que elas passaram a ser escritas de uma forma muito mais
construtiva do que na revisão por pares anônima tradicional. Isso prova que a publicidade das
revisões faz com que os revisores pensem mais cuidadosamente sobre o que escrevem.
Segundo Lawrence, outra crítica inicial da comunidade científica (e também uma
preocupação prévia dos editores) era de que os autores se recusassem a fornecer os dados
originais de pesquisa. Segundo a diretora, a prática demonstrou que, na realidade, a grande
maioria dos autores não tem nenhum problema em fornecer seus dados originais para
publicação. Afirma também que alguns outros que inicialmente tinham preocupações também
se dispuseram a fornecer seus dados uma vez que perceberam que teriam prioridade sobre eles
e por entenderem as razões pelas quais os dados são exigidos, ou seja, para aumentar a
credibilidade dos resultados.
4.3 Caso 3: The Journal of Visualized Experiments (JoVE)
Segundo informações colhidas no site oficial da iniciativa, o JoVE é o primeiro
periódico
científico
especializado
em
publicar
videoartigos.
Com
sede
em
Massachusetts/EUA, já publicou quase 3.000 artigos com filmagem profissional feita em
laboratórios científicos de instituições de pesquisa e sua lista de assinantes inclui mais de 550
universidades, faculdades e empresas de biotecnologia.
Seu principal fundador é o pesquisador Moshe Pritsker, atual editor-chefe e presidente
do empreendimento. Pritsker é doutor em Biologia Molecular pela Universidade de
Princeton/EUA, possui mestrado em Química pelo Instituto de Ciência Weizmann, em Israel,
e licenciatura em Química pela Universidade Hebraica de Jerusalém. Nasceu na Rússia, mas
viveu por muito tempo em Israel e nos EUA. Atualmente, reside em Medford, Massachusetts.
Moshe Pritsker foi quem nos concedeu a entrevista para a condução desta pesquisa
(APÊNDICE C).
80
Pritsker nos fala sobre as primeiras inquietações que o levaram à criação de um
periódico de videoartigos. A ideia surgiu durante seus estudos de doutorado, quando, segundo
o editor, como qualquer outro biólogo experimental, sofria com as dificuldades de reproduzir
experimentos a partir de descrições escritas disponíveis na literatura científica. Ele afirma que
esse fenômeno se deve a várias razões, incluindo descrições incompletas de procedimentos
complexos feitas pelos autores, interpretações erradas de detalhes técnicos por parte dos
leitores, variações na terminologia, ausência de padronização, entre outros fatores.
Ainda segundo o editor, para lidar com esse problema, os cientistas muitas vezes
recorrem a colegas que já estão habituados com determinadas abordagens experimentais e
pedem a eles para mostrar como fazer o experimento. O problema, segundo Pritsker, é que
muitas vezes esse tipo de ajuda não está disponível e os cientistas ficam estagnados em um
processo contínuo de “reinventar a roda”, passando anos tentando reproduzir experiências
anteriormente feitas e publicadas por outros. Nas suas próprias palavras: “no nível pessoal,
isso é muito frustrante. No nível global, é um „buraco negro‟ sistêmico que consome mais de
50% do tempo e dinheiro que são destinados para a pesquisa biológica e biomédica”
(PRITSKER, 2013, n.p.).
O editor afirma que o impacto das novas tecnologias na comunicação científica tem
sido significativo, mas limitado à melhoria nos mecanismos de transferência, busca,
navegação e catalogação. Por outro lado, para ele, as novas tecnologias não alteraram
significativamente a estrutura principal da publicação científica, que permanece a mesma nos
últimos 400 anos: descrições longas e complicadas, cheias de jargões técnicos de difícil
compreensão, mesmo por peritos em domínios específicos.
Para Pritsker, a mudança lenta na publicação científica é incompatível com a rápida
evolução da própria ciência nos últimos 50 anos. Para ele, uma grave consequência disso é a
baixa reprodutibilidade dos experimentos devido ao nível insuficiente de eficácia na
transferência de conhecimento fornecido pelo formato tradicional dos artigos baseados
somente em texto e figuras. O editor afirma que pesquisas recentes mostram que mais de 70%
dos estudos publicados não são reprodutíveis.
Como uma possível resposta a essa demanda, Pritsker começou a vislumbrar um
grande repositório online de vídeos de experimentos em laboratório. Sua ideia inicial era de
que os vídeos pudessem substituir o processo tradicional de pedir a outro cientista para
“mostrar” como o processo funciona, aumentando, portanto, a reprodutibilidade, eficiência e
padronização em ciências biológicas. Na sequência, o editor percebeu que esse repositório
81
deveria ser desenvolvido como um periódico científico, incentivando pesquisadores a
submeterem seus trabalhos para publicação.
Depois de filmar o próprio experimento, Pritsker percebeu que seria muito difícil que
os cientistas produzissem vídeos de alta qualidade de suas próprias experiências. Segundo o
pesquisador, um experimento médio requer entre 3 e 4 horas de filmagem e edição extensa e
os cientistas normalmente não têm câmeras profissionais e softwares de edição e, sobretudo,
não têm tempo para aprender as habilidades necessárias para fazer filmagem e edição de boa
qualidade.
Portanto, o projeto para o JoVE começou a ganhar forma em 2006, quando Pritsker e
seus colaboradores estabeleceram uma rede multilocal de produtores de vídeo profissionais
que passaram a produzir vídeo-protocolos em laboratórios de pesquisa espalhados pelo
mundo. Hoje essa rede abrange cerca de 15 países, onde são filmados experimentos em
laboratórios de universidades dos EUA, Reino Unido, Canadá, Alemanha, Suécia, Israel,
Austrália e outros.
Na entrevista, Pritsker relata que inicialmente a ideia recebeu uma recepção muito boa
por parte de cientistas e estudantes no que diz respeito ao uso das publicações em vídeo e que
ainda hoje o acesso aos vídeos é muito requisitado. No entanto, embora os cientistas
aprovassem o uso dos videoartigos, muitos demonstravam certa resistência em publicar seus
trabalhos no JoVE.
Segundo Pritsker, nas Ciências Biológicas, um periódico leva décadas para acumular
um prestígio comparável ao das revistas de maior prestígio, como a Nature e a Science. Além
disso, dentro do processo editorial científico (já apresentado em seções anteriores desta
dissertação), a etapa de produção de vídeo ainda não era familiar para os cientistas e os
editores do JoVE precisavam se esforçar para explicar isso detalhadamente aos candidatos à
submissão de trabalhos.
Segundo Pritsker, a equipe do JoVE tem trabalhado bastante para aumentar a
credibilidade e o reconhecimento do periódico entre autores potenciais. E a iniciativa tem se
tornados mais conhecida a cada ano, publicando atualmente, segundo o editor, uma média de
60 videoartigos por mês. A FIG. 10, a seguir, traz a página inicial do website do periódico
JoVE.
82
FIGURA 10 – Página inicial do website do periódico JoVE
Fonte: http://www.jove.com/
83
5 RESULTADOS, ANÁLISES E DISCUSSÃO
No capítulo anterior, apresentamos as características básicas e o contexto histórico de
criação das iniciativas eleitas para estudo. Neste capítulo, apresentaremos os resultados e a
análise dos dados obtidos na investigação dos elementos constitutivos do processo e do
produto editorial dessas iniciativas. Este capítulo será, portanto, uma fusão entre os resultados
e a análise das informações colhidas no corpus.
Em primeiro lugar, apresentaremos os dados obtidos na análise do processo editorial
de cada um dos casos e discutiremos como a perspectiva do discurso multimodal pode ser
vista nas inovações trazidas por essas ações de edição científica em ambiente digital.
Em seguida, faremos a análise do formato e do conteúdo de um artigo de cada um dos
casos, servindo-nos como uma amostra do seu produto editorial. Também discutiremos como
a perspectiva do discurso multimodal pode ser vista nas inovações trazidas pelo produto
editorial dessas iniciativas e, por fim, discutiremos, sob o prisma da Teoria dos Gêneros, de
Bazerman, as questões relativas às mudanças que vêm ocorrendo no gênero artigo científico
em decorrência do advento das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação.
5.1 O processo editorial
5.1.1 Fluxo editorial
5.1.1.1 Caso 1: MediaCommons Press
O processo de avaliação de projetos a serem disponibilizados no MCP não está
informado no blog da iniciativa, tampouco seu fluxo editorial. Há, no entanto, uma chamada
para submissões permanentes em que se recomenda que os interessados enviem um email
com a proposta de revisão aberta para os editores do projeto.
Também não há informações sobre a existência de um conselho editorial específico
para o MCP, mas sim para o projeto MediaCommons como um todo. Esse conselho inclui seis
professores-pesquisadores pertencentes a seis universidades norte-americanas diferentes. Há
também um conselho consultivo composto por nove professores-pesquisadores pertencentes a
nove universidades norte-americanas diferentes. Como suporte técnico, a iniciativa conta com
o apoio do Serviço de Tecnologia para Bibliotecas da Universidade de Nova York (NYU).
84
Na entrevista, perguntamos à professora Fitzpatrick como acontece o processo de
seleção dos textos antes de serem disponibilizados para o processo de revisão aberta no MCP.
Ela nos respondeu que, de forma geral, os critérios de seleção estão focados principalmente
em garantir que o projeto apresentado esteja dentro dos interesses da área de pesquisa e
atuação dos pesquisadores agregados pela comunidade. Além disso, afirma que é preciso que
os autores ou editores envolvidos tenham uma noção clara de como o projeto apresentado
pretende se beneficiar do processo de revisão aberta.
O MCP conta hoje com dezesseis obras já submetidas à revisão aberta. São textos que
variam desde artigos científicos individuais até livros completos. O Quadro 2, a seguir, nos
mostra, cronologicamente, o fluxo de textos postados na plataforma desde sua criação até
2013. Alguns projetos ainda estão em andamento e outros já foram publicados por editoras
universitárias tradicionais, como é o caso de Planned Obsolescence (2011), obra que serviu,
inclusive, como referencial teórico para esta dissertação.
As informações utilizadas para a construção do Quadro 2 foram retiradas do próprio
blog, o qual mantém um histórico com os comentários postados em cada seção de cada obra.
É possível visualizar os comentários divididos por comentarista, em cada obra, ou um resumo
da quantidade total de comentários de cada seção. Somente um dos projetos, denominado The
Transmedia Adventures of Sherlock, não foi considerado neste estudo. Embora apareça como
um dos projetos, nem o texto nem os comentários estão mais disponíveis na plataforma. A
referência completa dos projetos que se tornaram publicações efetivas constará na seção de
“Referências”, ao final desta dissertação.
85
QUADRO 2 – Projetos postados na plataforma MediaCommons Press (Base: 2007 a 2013)
Fonte: Elaborado pela autora.
5.1.1.2 Caso 2: F1000Research
No F1000Research, o processo de submissão e publicação é contínuo, não havendo
organização dos artigos em volumes, fascículos ou outro tipo de publicação seriada
semelhante. Depois de publicados, os artigos são indexados em categorias segundo a área ou
86
o tipo de pesquisa (ex: revisão sistemática, caso clínico, etc.). Também é possível fazer buscas
por palavras-chave.
O fluxo funciona da seguinte maneira: os autores submetem seu artigo e, em seguida,
o texto passa por uma verificação interna pré-publicação. Nessa etapa, segundo Rebecca
Lawrence, a equipe editorial verifica uma série de aspectos, procurando principalmente
respostas para as seguintes perguntas: 1) O trabalho descrito no artigo é considerado
científico? 2) O tema se encaixa no âmbito das ciências da vida (escopo da iniciativa)? 3) O
artigo é legível e escrito em linguagem adequada? 4) Alguma parte do artigo foi plagiada? 5)
O artigo e as pesquisas realizadas para produzi-lo atendem às exigências éticas padrão (que
incluem uma série de detalhes descritos nas diretrizes para autores)? 6) Os dados originais
estão disponibilizados para publicação? 7) Estão inclusas no artigo informações sobre o
protocolo adequado para permitir que outra pessoa possa replicar os dados?
Depois que os artigos passam por essa verificação, eles entram na fase de produção e
são gerados arquivos XML, HTML e PDF, com os dados originais hospedados em arquivos
independentes em formato de planilha. Uma versão de prova é, então, enviada para o autor e
pode retornar até que este fique satisfeito. Em seguida, o artigo é publicado com um DOI37 e
os dados são publicados simultaneamente com outro DOI independente. Segundo a diretora,
esse fluxo dura em média seis dias.
5.1.1.3 Caso 3: JoVE
Segundo Moshe Pritsker, o fluxo editorial do JoVE é igual ao de qualquer outro
periódico revisado por pares, acrescido, naturalmente, da etapa de produção do material
audiovisual. Segundo o editor, um fluxo editorial típico no JoVE pressupõe as seguintes
etapas: 1) os autores submetem um artigo em formato de texto; 2) o artigo passa por uma
revisão interna pelos editores do JoVE (um dos critérios avaliados nessa etapa é se o
protocolo é filmável); 3) o texto original é enviado a dois ou três revisores externos anônimos,
especialistas na área do artigo, os quais fornecem suas opiniões; 4) se for aprovado pelos
pares, o artigo é convertido em roteiro fílmico pela equipe do JoVE; 5) um cinegrafista da
37
O Digital Object Identifier (DOI) é uma sequência de caracteres usada para identificar um objeto como sendo
um documento eletrônico. Os metadados sobre o objeto são armazenados juntamente com o nome do DOI e
podem incluir um local, tal como uma URL, onde o objeto pode ser encontrado online. Quando alguém se refere
a um documento online pelo seu DOI, fornece uma ligação mais estável do que a URL, porque, se houver
mudanças de URL, o editor só precisa atualizar os metadados no DOI. O sistema é implementado pela Fundação
Internacional DOI. Fonte: Wikipédia em Inglês. Acesso em 16 dez. 2013. Disponível em:
<http://en.wikipedia.org/wiki/Digital_object_identifier>. Acesso em 19 dez. 2013.
87
rede JoVE em um local específico visita o laboratório e filma o experimento com o auxílio
dos autores, os quais participam das filmagens demonstrando cada etapa do procedimento a
ser adotado; 6) o vídeo é editado pela equipe do JoVE; 7) o vídeo e o texto são publicados
simultaneamente pelo periódico como um artigo único. A FIG. 11 apresenta um exemplo de
um videoartigo publicado pelo periódico JoVE.
FIGURA 11 – Exemplo de um videoartigo publicado pelo periódico JoVE
Fonte: http://www.jove.com/video/1366/an-vitro-skin-irritation-test-sit-using-epiderm-reconstructed-human
Depois de publicados, os videoartigos são indexados em seções segundo a área do
conhecimento, sendo nove áreas ao todo: Geral, Neurociência, Imunologia e Infecção,
88
Medicina Clínica e Translacional, Bioengenharia, Física Aplicada, Química, Meio Ambiente
e Comportamento. Também é possível fazer buscas por palavras-chave.
A periodicidade das edições foi irregular somente no primeiro ano. De 2007 em
diante, o periódico passou a ser mensal, com submissão contínua. Na nossa pesquisa,
identificamos um total de 83 edições do JoVE publicadas de 2006 a 2014, com um total de
2.926 videoartigos publicados.
Cada edição apresenta um editorial em vídeo em que são apresentadas prévias dos
artigos que compõem o mês. Abaixo desse vídeo, há um texto verbal com a transcrição do que
é dito no editorial. A FIG. 12 apresenta a página da web com um exemplo de editorial em
vídeo. Trata-se de um vídeo de 3‟54‟‟, da edição 75, de maio de 2013, destacando um artigo
sobre reprodução humana que começa fazendo uma alusão à enigmática questão de quem veio
primeiro, o ovo ou a galinha.
FIGURA 12 – Exemplo de um editorial em vídeo
Fonte: http://www.jove.com/video/5080/may-2013-this-month-in-jove.
89
5.1.2. Autoria e revisão por pares
5.1.2.1 Caso 1: MediaCommons Press
A questão da revisão por pares aberta é a essência da iniciativa MCP e está
estreitamente ligada à questão da autoria. Vale ressaltar que o MCP não é um tipo de
plataforma para escrita colaborativa aos moldes do que é proporcionado pelo ambiente wiki
ou por editores de texto em nuvem como o Google Docs. Todos os textos postados
apresentam um autor ou um grupo específico de autores, que é a pessoa ou grupo que propõe
o texto, escreve-o por completo e depois o submete à revisão aberta.
No MCP, os textos podem ser publicados em período pré ou pós-publicação e muitos
deles ficam disponíveis para leitura na tela mesmo depois da publicação da versão impressa.
A FIG. 13 mostra, como exemplo, um resumo de todos os comentários postados no projeto
“Born Digital”.
FIGURA 13 – Resumo de comentários postados no projeto “Born Digital”
Fonte: http://mcpress.media-commons.org/borndigital/all-comments/
90
Para postar um comentário, não é preciso ser membro da comunidade. Basta preencher
um formulário com nome e email. Na seção “Como isso funciona”, explica-se que o primeiro
comentário de um comentarista não registrado é mediado pelos editores, a fim de evitar
spams. Também se informa que os comentários não são filtrados pelo conteúdo, embora os
editores afirmem se reservar o direito de remover comentários com tom de maldade e que não
se aproximem do objetivo de fornecer conselhos úteis, construtivos e amistosos. Afirmam que
opiniões discordantes a respeito de pontos específicos são muito bem-vindas, uma vez que o
trabalho pode prosperar do dissenso, mas advertem que isso deve ser sempre feito com
respeito pelo trabalho alheio.
5.1.2.2 Caso 2: F1000Research
A princípio, as práticas de autoria individual observadas no F1000Research não se
mostraram diferentes do que se faz na tradição impressa. Nos casos de coautoria, no entanto,
há um diferencial na iniciativa. Ainda na fase pré-publicação, exige-se que os autores
preencham um formulário relatando qual foi a contribuição individual de cada um. A partir
dessa informação, os editores verificam se os indivíduos que estão listados como autores
contribuíram o suficiente para a composição do artigo a fim de atender às diretrizes do
ICMJE38 relativas à autoria. Segundo Rebecca Lawrence, também se verifica se as pessoas
que estão listadas na seção de agradecimentos deveriam, na verdade, receber crédito de
autoria com base nas informações que fornecem. Ao final do artigo, são publicadas essas
informações a respeito da coautoria, conforme podemos observar na indicação da seta da FIG.
14.
38
International Committee of Medical Journal Editors. Trata-se de um comitê formado por um grupo de editores
de periódicos médicos responsáveis pela elaboração do documento “Recomendações para a Condução, Relato,
Editoração e Publicação de Trabalhos Acadêmicos em Periódicos Médicos”. Disponível em: <http://www.icmje.
org/about.html>. Acesso em: 19 dez. 2013.
91
FIGURA 14 – Contribuição individual dos autores de um artigo em coautoria
Fonte: http://f1000research.com/articles/2-155/v2
Outra característica importante sobre a autoria é que, sendo a revisão aberta, os autores
têm o direito tanto de responder publicamente aos pareceristas quanto de enviar versões
atualizadas em atendimento às revisões sugeridas. Assim como no MediaCommons Press,
essa característica do F1000Research materializa e torna mais rápido, dinâmico e explícito o
dialogismo inerente a todo processo de comunicação verbal. O F1000Research disponibiliza
todas as versões já publicadas e informa ao leitor se ele está lendo a versão mais atual,
conforme podemos observar nas indicações das setas na FIG. 15.
92
FIGURA 15 – Disponibilização de diferentes versões de um mesmo artigo
Fonte: http://f1000research.com/articles/2-144/v2
Como já vimos até então, a questão da revisão aberta e pós-publicação é um dos
pilares que sustentam o F1000Research. Ela funciona da seguinte maneira, segundo Rebecca
Lawrence: quando o autor submete seu artigo, ele também sugere pareceristas, que podem
pertencer ao conselho editorial ou serem convocados ad hoc. Na etapa de revisão interna prépublicação, as sugestões de pareceristas também são cuidadosamente apuradas a fim de
conferir a existência de conflitos óbvios de interesse, coautoria anterior entre o parecerista
sugerido e os autores do próprio artigo a ser avaliado, adequação do tema, etc.
Depois que o artigo é publicado, os pareceristas são formalmente convidados a
arbitrá-lo e a fornecer um entre os três status a seguir, que aparecem na tela com o respectivo
símbolo: “aprovado” (), “aprovado com ressalvas” (?), ou “não aprovado” (X). Além disso,
os pareceristas são orientados a fornecer um relatório sobre a revisão, o qual deve se
93
concentrar exclusivamente no mérito científico do artigo e não no seu interesse ou impacto
em potencial.
Ainda segundo Rebecca Lawrence, depois que o artigo recebe dois ou três relatórios
de pareceristas, os autores são encorajados a revisar o orifinal. Todas as novas versões, então,
passam pelo mesmo processo anterior e os pareceristas (sobretudo aqueles cujos comentários
foram abordados pela nova versão) são convidados a relatar se estão satisfeitos e se suas
preocupações foram adequadamente resolvidas na nova versão. Depois disso, os pareceristas
podem fornecer um novo relatório e alterar ou manter o status para a nova versão do artigo.
Outros usuários cadastrados no F1000Research também podem comentar o artigo, mas suas
considerações não afetam a decisão dos editores pela indexação ou não do artigo em bases de
dados, conforme veremos mais adiante.
5.1.2.3 Caso 3: JoVE
Moshe Pritsker nos informou na entrevista que, no JoVE, assim como em outros
periódicos científicos, os próprios autores decidem sobre a autoria, sem nenhuma intervenção
dos editores. Da mesma maneira, em relação às práticas de avaliação adotadas pelo periódico,
afirma que se segue a tradição, ou seja, o artigo é enviado a revisores externos e estes
decidem, anonimamente, sobre o aceite ou a rejeição do artigo para publicação. É possível
postar comentários ou enviar perguntas para os autores, mas isso é feito posteriormente à
publicação e não altera a situação do artigo.
Na seção de diretrizes para autores, os editores solicitam que o autor sugira o nome de
pelo menos seis avaliadores academicamente qualificados para revisar o trabalho. No entanto,
afirmam não poder garantir que os revisores sugeridos sejam selecionados. Os editores
também permitem que o autor forneça até três nomes e informações de pesquisadores que ele
não gostaria que revisassem seu trabalho, desde que forneça uma breve justificativa para isso.
Além disso, exige-se que o autor forneça, junto ao original, uma carta de apresentação
descrevendo por que motivo o trabalho deve ser publicado no formato multimídia exclusivo
do JoVE.
94
5.1.3 Acessibilidade
5.1.3.1 Caso 1: MediaCommons Press
Durante o processo de revisão, o MCP permite acesso aberto aos textos publicados,
assim como aos comentários. No entanto, nem todos os textos ficam disponíveis após o
processo de revisão. Para encontrá-los, o leitor deve se dirigir ao site do periódico que
publicou ou então comprar o livro. Em relação aos textos que foram publicados em fase préimpressão (como é o caso da obra Planned Obsolescence), um empecilho que encontramos é
que a plataforma não dá acesso à versão definitiva. Para obtê-la, tivemos que adquirir o livro
por meio convencional, o que, no nosso caso, implicou a compra de um e-book na rede
Amazon, única versão disponível para consumidores não residentes nos EUA e Canadá.
Em nossa entrevista, a professora Fitzpatrick afirmou que o projeto MediaCommons
como um todo é absolutamente empenhado em relação à disseminação do acesso aberto.
Afirma que esse comprometimento está relacionado principalmente à convicção de que existe
um público muito maior com potencial de interesse no trabalho que estão fazendo do que a
maioria dos outros estudiosos faz pensar. Segundo a autora:
Num momento em que o apoio federal e estadual para o ensino superior parece em
perigo, é crucial que os estudiosos encontrem novas formas de comunicar a
importância do nosso trabalho para um público muito mais amplo e de se envolver
com eles para discutir as questões vitais que afetam nossa cultura hoje.
(FITZPATRICK, 2013, n.p.)
5.1.3.2 Caso 2: F1000Research
A própria trajetória do fundador do F1000Research já nos informa sobre sua posição
de vanguarda em relação ao acesso aberto. Na verdade, o editor Jan Velterop, representante
do BIOMED Central na época, foi um dos signatários da “Iniciativa de Acesso Aberto de
Budapeste”, documento referido na seção 1.6.1 desta dissertação.
Todos os trabalhos publicados no F1000Research são de acesso livre. Na nossa
experiência, verificamos que qualquer usuário de internet pode acessar o site e ler os textos
completos online ou fazer download em formato PDF ou XML, sem sequer precisar se
cadastrar no site do periódico. Os dados originais das pesquisas também ficam disponíveis em
planilhas (muitas vezes bastante longas) para visualização online ou para download, que pode
95
ser feito de duas maneiras: um arquivo EXCEL individual para cada planilha ou uma pasta
compactada com todas as planilhas de dados referentes ao artigo.
5.1.3.3 Caso 3: JoVE
Segundo o editor Moshe Pritsker, a assinatura paga é a base do modelo de negócios
adotado no JoVE. Na entrevista, o editor afirma que um modelo de negócios baseado no
acesso aberto não funcionaria para o periódico, porque as despesas para se produzir um
videoartigo são muito mais elevadas do que para artigos de texto normais. Essas despesas,
segundo o editor, incluem pagamento para as equipes de produtores e editores, além das
despesas para manter a tecnologia de informação adequada para dar suporte ao periódico.
O periódico fornece, no entanto, alguns vídeos com acesso gratuito. Segundo o editor,
trata-se de uma porcentagem muito pequena de artigos patrocinados que servem para ajudar a
cobrir os custos de produção de vídeo. Na seção “Processo de produção”, há uma seção que
aborda a prática da cobrança de taxas para autores. Em uma consulta feita no dia 13 de janeiro
de 2013, o site informava que todas as submissões ao JoVE incluem uma taxa para ajudar a
cobrir os custos de publicação e que essa taxa depende do tipo de produção e do tipo de
acesso. Segundo os editores, a taxa cobre parcialmente o custo de roteirizarão, videografia,
locução, edição e outras despesas de publicação.
Os autores podem optar por publicar com acesso padrão, o que significa que é preciso
ter uma assinatura para assistir e/ou ler o artigo completo, ou de acesso aberto, o que significa
que qualquer usuário de internet pode ler o artigo e/ou assistir ao vídeo. As taxas informadas
no dia em que acessamos o site eram de 2.400 dólares para acesso restrito e 4.200 para acesso
aberto. Os artigos de acesso aberto formam uma categoria à parte chamada “Artigos
Patrocinados” e, em geral, trazem a logomarca da instituição financiadora, conforme podemos
perceber na indicação da seta da FIG. 16.
Até janeiro de 2014, havia 173 videoartigos de acesso aberto publicados pelo JoVE, o
que corresponde a 5,9% do total de artigos publicados até essa data. A empresa BIO-RAD,
patrocinadora do artigo na FIG. 16, é uma rede de laboratórios fundada em 1952, na
Califórnia, que fomenta pesquisas em ciências biológicas, saúde, química analítica e em
outros mercados, e depois fabrica produtos resultantes dessas pesquisas39.
39
Fonte: Wikipédia em inglês. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Bio-Rad_Laboratories>. Acesso
em: 13 jan. 2014.
96
FIGURA 16 – Exemplo de artigo de acesso aberto publicado no JoVE
Fonte: http://www.jove.com/video/675/preparation-gene-gun-bullets-biolistic-transfection-neurons-slice.
5.1.4 Visibilidade e indexação das publicações
5.1.4.1 Caso 1: MediaCommons Press
Com exceção dos artigos publicados simultânea ou posteriormente em periódicos
eletrônicos convencionais e dos livros publicados posteriormente em papel e/ou e-book por
editoras, não identificamos nenhuma informação sobre a existência de indexação dos textos
postados na plataforma MCP em bases de dados externas. A única forma que nos pareceu
possível de se chegar a um texto do MCP é visitando diretamente o site do MediaCommons.
Também não encontramos nenhuma forma de medição da visibilidade da iniciativa ou dos
textos individualmente, muito menos informações a respeito do seu fator de impacto.
A esse respeito, Fitzpatrick nos relata que, embora o MediaCommons tenha interesse
no impacto que tem sobre a comunidade acadêmica e o público envolvido em geral, não há,
por parte dos idealizadores, nenhum interesse no índice de fator de impacto fornecido pela
empresa Thomson Reuters. Ela esclarece que:
O fator de impacto pretende medir a importância de uma revista em seu campo, o
que então confere grande prestígio a artigos publicados em periódicos com fator de
impacto elevado e muito menor prestígio a artigos publicados em revistas com fator
de impacto mais baixo. O problema é que os estudos têm mostrado que não há
correlação alguma entre o fator de impacto de uma revista e a importância dos
97
artigos publicados nessa revista. Na verdade, recentemente cientistas começaram a
rejeitar o fator de impacto como um meio de medir a importância das publicações
em favor de uma gama de alternativas, com métricas em nível de artigo que se
concentram em como a pesquisa tem circulado dentro de sua comunidade.
(FITZPATRICK, 2013, n.p.)
De fato, um dos pontos reivindicados pelo documento denominado Manifesto DORA
(The San Francisco Declaration on Research Assessment – DORA) é de que a produção
científica seja avaliada com mais precisão e sabedoria. Segundo o manifesto, há um equívoco
em se usar o índice de fator de impacto como parâmetro primário para se estratificar a
produção científica de indivíduos e instituições.
Ainda segundo o manifesto, o fator de impacto de periódicos, calculado pela empresa
Thomson Reuters, foi originalmente criado como uma ferramenta para ajudar bibliotecários a
identificarem as revistas recomendadas para compra e não como uma medida da qualidade
científica da pesquisa em um artigo.
Na entrevista, Fitzpatrick afirma que o MediaCommons tem adquirido uma
visibilidade grande dentro da comunidade acadêmica ao longo dos últimos sete anos, e que os
idealizadores têm interesse em ajudar os autores a avaliarem o impacto que o seu trabalho tem
tido. Segundo a autora, esse tipo de medição de impacto é mais interessante que os índices
mais tradicionais.
5.1.4.2 Caso 2: F1000Research
Segundo Rebecca Lawrence, todas as versões de um trabalho publicado no
F1000Research podem ser citadas independentemente. Depois que um artigo passa pela
revisão dos pareceristas oficialmente convidados, se receber dois status de “aprovado” ou um
status “aprovado” e mais dois “aprovado com ressalvas”, ele é indexado em bases de dados
reconhecidas internacionalmente, como PubMed Central, PubMed, Scopus e outras, o que o
tornará visível em poucos dias. Segundo Lawrence, os trabalhos também são indexados pelo
Google Acadêmico.
Em relação ao fator de impacto, como o F1000Research tem apenas um ano e meio de
existência, ainda não pôde obter esse dado, uma vez que ele é calculado com base no número
de citações válidas feitas nos últimos dois anos da publicação. A diretora não se mostrou
relutante à atribuição de um índice de fator de impacto. No entanto, como já discutimos em
tópicos anteriores, essa é uma das principais críticas da iniciativa. Portanto, provavelmente
não deve haver uma preocupação tão grande em obtê-lo.
98
Na nossa pesquisa, identificamos um total de 354 artigos publicados pelo
F1000Research entre 13 de julho de 2012 e 23 de dezembro de 2013. Desse total, 228 artigos,
ou seja, 64%, já estavam indexados em alguma base de dados, provando a alta produtividade
da iniciativa em apenas um ano e meio de atividade. As setas das FIG. 17 e 18 indicam,
respectivamente, o número total de artigos publicados pelo F1000Research entre 13 de julho
de 2012 e 23 de dezembro de 2013 e o número total de artigos indexados posteriormente
durante o mesmo período, segundo dados disponíveis no site da própria iniciativa.
FIGURA 17 – Número total de artigos
publicados pela iniciativa (Base: 2012-2013)
FIGURA 18 – Número de total artigos
indexados depois (Base: 2012-2013)
Fonte: http://f1000research.com/articles?/tab.
Fonte: f1000research.com/articles?tab=indexed
5.1.4.3 Caso 3: JoVE
Em relação à visibilidade e indexação, Pritsker afirma que o JoVE é conhecido por
milhões de cientistas e estudantes e que mais de três milhões de pessoas visitaram o site em
2012. Além disso, afirma que a iniciativa recebeu muitos pedidos de acesso aos videoartigos.
Em relação ao fator de impacto, o editor nos informa que o periódico fez recentemente um
pedido de inclusão na base de dados Web Of Science, de propriedade da empresa Thomson
Reuters (responsável pela medida do fator de impacto) e que aguarda decisão da empresa.
O periódico conta com um mecanismo próprio de cálculo de visualizações. Embora
não tenhamos conseguido dados sobre o número de acesso do periódico como um todo,
observamos que é possível saber quantas visualizações foram feitas de cada videoartigo.
99
5.1.5 Análise do processo editorial sob a perspectiva do discurso multimodal
É importante destacarmos três princípios que nos serão úteis nesta análise. O primeiro
deles é a essência da perspectiva multimodal, ou seja, a ideia de que há maneiras mais
eficientes de se utilizarem os vários modos semióticos disponíveis em uma cultura para
produzir um mesmo significado conforme o propósito desejado, a audiência esperada e os
recursos disponíveis. Em outras palavras, o cerne da perspectiva da multimodalidade é de que
é possível usar os recursos representacionais disponíveis em uma cultura para otimizar a
eficiência na produção de sentido.
A segunda ideia, intimamente ligada à primeira, é a noção de “affordance”,
especialmente a sua adaptação para a área do Design, desenvolvida por Donald Norman em
seu artigo Affordance, conventions and design, de 1999. Em termos gerais, a affordance é a
qualidade própria de um objeto (ou, no nosso caso, de um ambiente) que permite que um
indivíduo realize uma ação de forma mais intuitiva. Para o autor, o cerne do conceito é de que
“a aparência de um dispositivo poderia proporcionar as pistas essencialmente necessárias para
o seu funcionamento correto” (NORMAN, 1999, p. 38). Por exemplo, uma maçaneta redonda
em uma porta convida o usuário a girá-la, assim como uma alça convida para ser puxada e
uma tecla convida para ser pressionada, etc.
Problemas de affordance podem causar danos irreversíveis, como no famoso caso de
usuários que tiveram parte do dedo decepado por uma argola metálica presa a uma alça
destinada a reclinar o banco traseiro de um determinado modelo de automóvel. Ao se
depararem com a argola, os usuários intuitivamente inseriam o dedo dentro dela para puxá-la.
O problema é que, enquanto o usuário ajustava o dedo na argola, acionava-se um mecanismo
e uma mola puxava a argola abruptamente para dentro do banco, prendendo (ou até
decepando) o dedo do usuário40. O correto, segundo o fabricante, era que o usuário puxasse a
alça sem tocar na argola. Trata-se, nesse caso, de um claro problema de affordance.
Nesse sentido, a transição de um objeto de um suporte para outro altera também sua
capacidade de affordance, pois uma mudança de modalidade implica mudança na produção de
sentido e, consequentemente, na interpretação. Assim, a mudança do suporte impresso para o
digital na comunicação científica implica mudança nos processos de produção das
publicações e no seu produto editorial e, por conseguinte, no seu processo de significação.
40
Para mais detalhes, conferir a reportagem completa do jornalista Flávio Machado
<http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG81441-6014-507,00.html>. Acesso em 03 fev. 2014.
em
100
Por fim, a terceira ideia (já bastante discutida nesta dissertação) é de que, segundo
Kress e Van Leeuwen (2001), a linguagem se constitui a partir de múltiplas articulações entre
quatro camadas diferentes pertencentes aos sistemas sígnicos (o discurso, o design, a
produção e a distribuição) e cada uma dessas camadas produz suas próprias nuances de
significado. Entendidos esses três princípios, passemos às análises.
Em relação ao processo editorial do nosso caso 1 (MCP), na camada do discurso,
percebemos que os idealizadores da iniciativa defendem uma atitude transgressora em relação
às práticas tradicionais de revisão por pares e autoria. Assim, na camada do design,
projetaram um modelo de disposição de textos científicos em que todo o processo de revisão
pode ser visualizado pelos usuários. Nesse caso, as novas tecnologias permitiram que os
produtores de sentido (no caso os editores) passassem a construir o significado de uma forma
que seria bastante difícil de ser feita em suporte impresso. É uma demonstração de que,
conforme afirmam Kress e Van Leeuwen (2001), o discurso está relacionado não somente à
linguagem, mas também à forma como ele se realiza materialmente, uma vez que há uma
inter-relação absoluta entre o discurso e o modo como ele se apresenta e a materialidade do
modo semiótico contribui para o sentido.
Mesmo sendo possível publicar em papel (ou em PDF) o artigo e os comentários
referentes a ele, a dinamicidade do processo se perderia, pois não seria possível postar novos
comentários na versão impressa. Portanto, concluímos que, na camada do design, houve um
melhor aproveitamento das características próprias do ambiente para os propósitos desejados
na camada do discurso, legitimando a essência do discurso multimodal. Além disso, a
disposição do texto em seções acessíveis por hiperlinks, ao contrário de disponibilizá-lo como
texto corrido com os comentários ao final, aumenta a affordance da plataforma, uma vez que
o usuário já está acostumado com esse tipo de layout no ambiente digital.
Em termos da produção, o fato de os editores permitirem que qualquer usuário
cadastrado comente sobre os textos altera as relações de quem atua nessa camada de
significação. Nesse caso, o leitor-comentarista passa a um ser também uma espécie de
coautor, uma vez que produz sentido não só para o seu próprio entendimento, mas também
para a interpretação alheia. Assim, podem-se obter comentários de comentários e a camada de
produção vai acrescentando cada vez mais nuances à significação. Também nesse caso, houve
um melhor aproveitamento das características próprias do ambiente para os propósitos
desejados.
Por fim, vemos que, no processo editorial do MCP, os editores utilizam o suporte
eletrônico do blog como um modo semiótico de produção de sentido. Nesse caso, as novas
101
tecnologias utilizadas pelos editores acrescentam, por meio da camada da distribuição, uma
nuance para a produção de sentido. Embora seja bastante difundido para veiculação de
conteúdo jornalístico, para divulgação de interesses pessoais e outras funções, os blogs ainda
não fazem parte do inventário oficial e público do domínio de práticas da comunidade
científica como uma instância legítima de distribuição de conteúdo científico formal. Nesse
caso, os editores do MCP estariam utilizando uma forma proveniência (KRESS; VAN
LEEUWEN, 2001) ao importarem signos de outros contextos (de outra época, grupo social ou
cultura) para o contexto no qual se está construindo um novo signo.
Além disso, na camada da distribuição, vemos que o discurso do acesso aberto se
materializa na forma como os textos são disponibilizados no blog, ou seja, de forma
transparente e sem restrições de acesso.
Em relação ao fluxo editorial e à visibilidade, não percebemos características
inovadoras nas práticas editoriais exercidas pelo MCP.
No caso 2 (F1000Research), na camada do discurso, podemos perceber que cada um
dos cinco pilares defendidos pela iniciativa aponta para um discurso de defesa de mudanças
nas formas tradicionais de comunicação científica formal. Daí, nas camadas do design,
produção e distribuição, os editores utilizam características próprias do ambiente digital para
realizarem o que se propõem na camada do discurso, provando, mais uma vez, que o modo
como o discurso se apresenta materialmente contribui para o sentido.
Por exemplo, na camada do design, vemos que a iniciativa projetou um fluxo editorial
bastante rápido (cerca de seis dias), para que discurso da publicação imediata pudesse ser
atendido. Além disso, assim como no MCP, a defesa da revisão por pares pós-publicação e da
publicação das considerações e da identidade dos pareceristas, pertencentes à camada do
discurso, materializam-se na camada do design quando os editores disponibilizam no
ambiente digital o acesso a todo o processo de avaliação do artigo na forma de um quadro de
resumo na página inicial com hiperlinks para os textos de comentários e para o perfil dos
pareceristas.
Além disso, o periódico também reforça a camada do discurso com o design ao
disponibilizar todas as versões disponíveis do artigo, mantendo, inclusive, sua atualização
constante. Esses serviços dificilmente poderiam ser oferecidos em versões impressas,
principalmente por causa do dinamismo do processo.
Na camada da produção, a publicação dos comentários dos pareceristas, a
possibilidade de publicação de atualização por parte dos autores e os comentários de leitores
fazem com que, assim como no MCP, outros produtores de sentido (e não somente os editores
102
e autores) passem a fazer parte da camada de produção, alterando constantemente as nuances
de significação proporcionadas por essa camada.
Em relação à distribuição, o discurso do acesso aberto (um dos pilares da iniciativa) é
corroborado por uma forma de distribuição online que permite a qualquer usuário ter livre
acesso a todos os textos. Além disso, a camada da distribuição está relacionada a uma grande
inovação do periódico: a publicação concomitante dos dados originais de pesquisa.
Podemos perceber que os editores utilizam adequadamente as potencialidades do
ambiente digital para disponibilizar planilhas bastante longas que, se fossem impressas,
inviabilizariam a publicação do periódico ou então o tornariam demasiadamente redundante e
pouco ergonômico, como se fosse um longo catálogo e não um periódico científico. Além
disso, os dados são adequadamente alocados em arquivos editáveis de planilha, facilitando
sua reutilização por outros usuários, conforme se projeta na camada do design e se defende na
camada do discurso. É mais um caso de affordance adequada e de utilização do espaço virtual
em práticas dificilmente alcançáveis no universo impresso.
Obviamente, a publicação imediata e a revisão pós-publicação levantam, na
comunidade científica, certa dúvida quanto à confiabilidade do periódico, o que também está
ligado às camadas do discurso e da distribuição. No caso do webjornalismo, por exemplo, a
publicação imediata e a verificação posterior da validade dos dados tem se tornado uma praxe,
conforme nos apontam os estudos de Gonzaga-Pontes (2012). Portanto, tal como no MCP,
podemos dizer que, nesse quesito, os editores do F1000Reserarch também utilizam uma
forma de proveniência (KRESS; VAN LEEUWEN, 2001), importando signos de outros
contextos (o webjornalismo) para o contexto no qual se está construindo um novo signo (a
comunicação científica).
No caso do F1000Research, a camada de distribuição também está relacionada a um
melhor aproveitamento das formas de indexação, que é feita tão logo o artigo preenche os
requisitos necessários de avaliação positiva para ser indexado em várias bases de dados.
Portanto, concluímos que, no processo editorial do F1000Research, também houve um
melhor aproveitamento de características próprias do ambiente para os propósitos desejados,
legitimando a essência do fenômeno da multimodalidade.
No nosso Caso 3, o JoVE, percebemos que não se combate tão veemente o processo,
mas sim o produto editorial científico. Assim, como um reflexo desse discurso, percebemos
que as práticas de revisão por pares, autoria, acessibilidade e visibilidade do periódico não
apresentam tantas inovações quanto o seu produto editorial, ou seja, os videoartigos.
103
No entanto, há que se ressaltar as inovações no fluxo editorial. Na entrevista, o editor
Moshe Pristker admitiu ter tido dificuldades em filmar e editar a filmagem do próprio
experimento. Assim, vislumbrando que outros cientistas também teriam dificuldade em fazêlo, acrescentou as etapas de roteirização, filmagem e edição dos vídeos ao seu fluxo editorial e
designou outros profissionais para fazê-las de maneira mais adequada. Nesse caso, vemos que
o design e a produção não são mais executados pelo mesmo produtor de sentido. Trata-se de
um caso em que o produtor de sentido não possui as habilidades necessárias tanto para
planejar (design) quanto para executar (produção) os procedimentos necessários para
expressar uma determinada ideia por meio de um determinado modo, ou por uma combinação
de modos. Assim, para chegar a esse modo desejado, novos produtores de sentido entram em
cena.
Nessa nova “esteira” de produção, o autor ficará encarregado de produzir o artigo
utilizando a linguagem verbal escrita, além de recursos visuais estáticos, como figuras,
gráficos e tabela. A equipe de produtores de vídeo do JoVE criará o roteiro fílmico baseado
no artigo. Um cinegrafista visitará o laboratório para executar as filmagens com a ajuda dos
autores. Em seguida, a equipe de produtores de vídeo do JoVE editará as imagens e
acrescentará elementos como animação, legendas, narração, etc. No final de tudo, desde a
camada do discurso até a camada de produção, o videoartigo terá passado por várias mãos
antes de ser publicado e, em cada uma delas, poderá ter ganhado novas nuances de
significado.
As camadas de design e produção ganham nova roupagem, uma vez que o artigo
originalmente produzido pelo autor no modo semiótico da linguagem verbal é representado
por meio de um novo objeto semiótico: o videoartigo, que combina linguagem verbal,
imagem em movimento e som e é distribuído em um ambiente que comporta esse tipo de
texto multimodal. Assim, também concluímos que, no JoVE, as potencialidades do ambiente
digital são empregadas em práticas dificilmente alcançáveis no universo impresso, ou mesmo
em iniciativas mais tradicionais de comunicação científica em ambiente digital.
5.2 O produto editorial
5.2.1 Caso 1: MediaCommons Press
Escolhemos como amostra do produto editorial da iniciativa MCP o primeiro artigo
publicado na plataforma, intitulado CommentPress: New (Social) Structures for New
104
(Networked) Texts [CommentPress: Novas Estruturas (Sociais) para Novos Textos (Em
rede)], de autoria de Kathleen Fitzpatrick. Foi publicado simultaneamente, em 2007, pelo n.
10, v. 3 do periódico eletrônico JEP – Journal of Electronic Publishing – e no MCP, sob o
consentimento da autora e do conselho editorial do periódico, conforme se explica no próprio
texto. Em termos estruturais, o artigo é dividido em nove seções, somando um total de 10.194
palavras. A versão impressa tem 18 páginas.
O texto fala sobre a plataforma CommentPress e é uma espécie de projeto-piloto
autorreferente em que, ao mesmo tempo, a autora discute e utiliza a plataforma. Nesse artigo,
Fitizpatrick trata das novas formas de publicação em ambiente digital e das diferenças entre o
códice e o e-book, passa pela discussão sobre o hipertexto e do que considera como suas
vantagens e deficiências e finaliza descrevendo a plataforma CommentPress e advogando
sobre a possibilidade de se criar nela um ambiente profícuo para o diálogo entre os pares.
A FIG. 19 traz a página de introdução do artigo. Nota-se um menu lateral à direita em
que o leitor pode clicar nos hiperlinks e acessar cada uma das seções do artigo separadamente.
Nota-se também a indicação de dois comentários relacionados ao terceiro parágrafo. É
possível visualizá-los clicando no link agregado ao ícone de balão de diálogo.
FIGURA 19 – Seção introdutória do artigo “CommentPress”
Fonte: http://mcpress.media-commons.org/cpfinal/introduction/
105
Em relação à dinâmica do processo de revisão por pares aberta, o artigo recebeu 26
comentários postados por seis comentaristas diferentes, incluindo a própria autora. Uma
pesquisa pela internet pelo nome completo de cada um dos comentaristas nos levou a seus
currículos online ou a sua página profissional no website da instituição a que pertencem. Esse
levantamento revelou que todos os comentaristas são pessoas com carreiras acadêmicas
bastante produtivas. Além da autora, comentaram o artigo os seguintes membros da
comunidade:
Terje Hillesund: professor assistente na Universidade de Stavanger Center, na
Noruega, onde lidera um programa nacional de pesquisa sobre os impactos dos ebooks na indústria norueguesa.
Noah Wardrip-Fruin: professor associado de Ciências da Computação da
Universidade da Califórnia em Santa Cruz/EUA. Atua nas áreas de mídia digital, jogos
eletrônicos, literatura eletrônica e estudos de software.
Sherman Dorn: professor de Educação da Universidade do Sul da Flórida/EUA. É
Bacharel em História, mestre em Demografia e ph.D em História. Atua na área de
políticas educacionais e da história da Educação.
Chuck Tryon: professor assistente no Departamento de Inglês da Universidade
Estadual de Fayetteville, na Carolina do Norte/EUA. Escreve sobre cinema, televisão e
novas mídias e sua pesquisa atual se concentra em como as mídias digitais estão
mudando a indústria cinematográfica.
Timothy Murray: professor de Literatura Comparada e Inglês e diretor da
Sociedade de Ciências Humanas da Cornell University, em Nova York. Atua na área
do ensino e sua interface com as novas mídias, também no campo do cinema e vídeo,
com forte interesse por filosofia e psicanálise.
Os 26 comentários foram postados entre 17 e 24 de outubro de 2007. Terje Hillesund
postou nove comentários; Noah Wardrip-Fruin postou três; Sherman Dorn, três; Chuck
Tryon, dois; Timothy Murray, um; e a autora postou oito comentários. A extensão média dos
comentários foi de 76 palavras, sendo o comentário mais curto com apenas uma palavra e o
mais longo com 348 palavras.
Em relação ao conteúdo dos comentários, oito eram considerações críticas a respeito
das ideias apresentadas no artigo; dois eram perguntas; nove eram réplicas (da autora ou dos
106
demais membros) às críticas ou perguntas postadas; quatro comentários se referiam a
problemas técnicos no funcionamento da plataforma; dois eram elogios ao artigo e um
comentário indicava uma revisão pontual que deveria ser feita no texto. Alguns comentários
críticos nos parecem dignos de nota, o que faremos a seguir.
Na seção “Introdução”, Terje Hillesubynd elogia a iniciativa do artigo, mas diz esperar
que a autora tenha consciência da profundidade do assunto com o qual estará lidando.
Também critica o uso da palavra “press” (prensa, imprensa, editora), no nome do aplicativo
CommentPress, argumentando que a palavra retorna ao “mundo do papel” ao invés de dar um
passo à frente para o mundo das publicações digitais. Em seguida, Sherman Dorn replica
dizendo que a metáfora com o mundo impresso não é totalmente ruim, pois é preciso começar
por algum lugar. Nesse ponto, podemos notar um diálogo entre revisores e não somente entre
o autor e revisor ou, pior ainda, entre revisor e editor, como comumente acontece nas revisões
cegas tradicionais. A FIG. 20, a seguir, traz os comentários de Terje Hillesubynd e Sherman
Dorn na seção de introdução, disponibilizados após clicarmos o ícone de balão de diálogo.
FIGURA 20 – Comentários de Terje Hillesubynd e Sherman Dorn
Fonte: http://mcpress.media-commons.org/cpfinal/introduction/
107
Mais adiante, na seção “Codex, not print” [Códice, não impresso], Terje Hillesubynd
admite que sempre teve o desejo de ter mais feedback sobre seus próprios textos e que o
CommentPress é uma boa iniciativa para se fazer isso. No entanto, critica um certo “exagero”
da autora quando ela defende supostas vantagens de leitura que a ferramenta poderia
proporcionar. Também reclama por não haver uma versão completa do artigo para impressão
no próprio blog e admite ter precisado imprimir o artigo publicado no periódico JEP e fazer
seus comentários a partir dele e não da versão fracionada postada no CommentPress41.
Na seção “Hypertext”, Sherman Dorn questiona se a autora tem certeza de que as
pessoas de hoje são tão “presas ao códice” quanto ela alega. Argumenta que muitos
profissionais leem intensamente documentos na tela, como e-mails, memorandos, rascunhos
de impressão e arquivos de PowerPoint.
Nos dois comentários postados por Chuck Tryon, ele se mostra elogioso ao artigo. No
primeiro, postado na seção “Scholarly discourse networks” [Redes de discurso acadêmico],
afirma que sua própria pesquisa sobre culturas cinematográfica na internet tem sido
grandemente beneficiada pela sua interação com blogueiros não acadêmicos em seu blog
pessoal, que mantém há vários anos. No segundo, na parte de “Notas”, corrobora a ideia de
que as publicações e interações digitais não impedem a publicação de livros. Afirma que, na
verdade, na era digital, o livro pode nascer como um fruto do trabalho coletivo de uma rede de
pensadores.
Terje Hillesubynd, no entanto, segue criticando as ideias propostas pelo artigo. Afirma
que os modos de circulação online de ideias propostos por Fitzpatrick são mais adequados
para ajudar a divulgar e distribuir obras já prontas, ou seja, livros e periódicos completos e
que isso, aliás, já existe. Admite que processos de revisão e escrita aberta em ambiente online
exigirão uma mudança em toda a concepção tradicional de comunicação científica e que essas
mudanças demandarão muitos e muitos anos.
Na última seção do artigo, denominada “Toward the future” [Em direção ao futuro],
Hillesund protesta:
Durante mais de cinco dias tenho deixado vários comentários e poucas outras
pessoas escreveram alguma coisa aqui. Acho que isso indica que, para se obter a
“vivacidade de diálogo e interação” exigida, é preciso que haja algum tipo de
comunidade. Pode ser na forma de um website criado por docentes, um portal de
periódicos, ou um blog em que o artigo seja publicado no CommentPress
(HILLESUBYND, 2007, n.p., tradução nossa).
41
Ainda hoje a iniciativa não disponibiliza a versão integral dos textos em PDF para download.
108
Na sequência, Sherman Dorn posta um sonoro “Concordo!”. Na FIG. 21, podemos
visualizar esse diálogo na língua e formato originais.
FIGURA 21 – Diálogo final entre Terje Hillesubynd e Sherman Dorn
Fonte: http://mcpress.media-commons.org/cpfinal/toward-the-future/
Os comentários da autora praticamente se restringem a respostas às perguntas
objetivas ou às reclamações sobre o funcionamento do programa. Ela responde a somente um
dos comentários críticos de Terje Hillesubynd, membro mais ativo no processo de revisão.
Das duas outras réplicas que posta, a autora somente esclarece posições suas que talvez
tenham sido mal entendidas pela pessoa que a criticou. A FIG. 22 exemplifica um dos
comentários feitos pela autora.
109
A
FIGURA 22 – Comentário feito pela autora
Fonte: http://mcpress.media-commons.org/cpfinal/codex-not-print/
Depois desse artigo, os outros trabalhos que foram (e estão sendo) revisados no MCP
tiveram participação bastante significativa de membros. O projeto de revisão do número 62,
volume 03, do periódico Shakespeare Quarterly, por exemplo, recebeu 214 comentários
postados por 28 membros diferentes. A editora da revista assim se expressou no editorial do
volume:
Somos extremamente gratos a Kathleen Fitzpatrick e ao projeto MediaCommons por
terem sido nossos parceiros nessa empreitada. Agradecemos também aos autores
que aceitaram participar da revisão aberta, os quais podem ter se sentido, algumas
vezes, um tanto quanto excessivamente expostos. Finalmente, queremos reconhecer
os leitores que dedicaram seu tempo para participar e comentar nesta avaliação. O
trabalho dos revisores é muitas vezes invisível, mas, neste caso, a natureza aberta da
revisão faz com que possamos agradecer-lhes pelo nome (WERNER, 2011, p. 307).
5.2.2 Caso 2: F1000 Research
Escolhemos como amostra do produto editorial da iniciativa F1000Research o artigo
intitulado Prevalence of antibiotic-resistant E. coli in retail chicken: comparing conventional,
organic, kosher, and raised without antibiotics [Prevalência de E. coli resistente a antibióticos
em frango de varejo: comparando frango convencional, orgânico, kosher e criado sem
antibióticos], produzido em 2013 pelos pesquisadores Jack M. Millman e Ann R. Marks, do
Horace Mann Bronx Campus; Kara Waits e Heidi Grande; do Translational Genomics
110
Research Institute; Jane C. Marks e Bruce A. Hungate, da Northern Arizona University; e
Lance B. Price, da George Washington University.
Em termos estruturais, o artigo é dividido em quatro seções, somando um total de
5.144 palavras. Se somarmos os comentários dos pareceristas e as réplicas e notas de
atualização dos autores, a versão atualizada passa a ter 7.560 palavras. A versão em PDF,
disponível para download, passa de oito para quatorze páginas, com os comentários e réplicas
organizados em um histórico ao final do artigo. Além disso, há duas planilhas para download
com os dados originais de pesquisa. A FIG. 23 traz a página do artigo na sua versão online
disponibilizada pelo F1000Research.
FIGURA 23 – Artigo Prevalence of antibiotic-resistant... na sua versão online
Fonte: http://f1000research.com/articles/2-155/v2
No layout da página, podemos perceber algumas inovações estruturais apresentadas
pelo formato de artigos publicados pelo F1000Reserach. No alto da tela, à esquerda, por
exemplo, vemos que se trata de uma versão atualizada, o que é demonstrado pelo termo
111
“UPDATED”. Isso também pode ser observado na lateral direita, onde o leitor é informado
que se trata da segunda versão de um total de duas versões (Version 2 of 2).
O quadro lateral direito traz um resumo do processo de revisão ao qual o artigo está
sendo submetido, informação impossível de ser encontrada em uma versão impressa, devido à
atualização constante. Os números 1, 2 e 3 representam os pareceristas convidados para
avaliar o artigo, cujos nomes e afiliações estão apresentados abaixo, no mesmo quadro. Por
meio da leitura do quadro, podemos entender que o fluxo foi o seguinte: a primeira versão do
artigo (v1) foi publicada em 13 de julho de 2013, tendo recebido, posteriormente, um status
de “aprovado” () dado pela primeira parecerista, e um status de “aprovado com ressalvas”
(?), dado pela segunda parecerista. Em seguida, observa-se que foi publicada uma versão
atualizada (v2) em 02 de setembro de 2013, a qual foi “aprovada” () pela segunda
parecerista e “aprovada com ressalvas” (?) pela terceira. Outra característica importante em
relação à utilização das potencialidades do ambiente digital pode ser vistas nas várias opções
de compartilhamento do artigo, por meio dos hiperlinks listados na parte inferior da tela.
Em termos de conteúdo, o artigo trata do uso de antibióticos na produção avícola e dos
possíveis efeitos nocivos disso na saúde humana. É feito um experimento a fim de estabelecer
um estudo comparativo, na região da cidade de Nova York, entre quatro tipos de frango
resfriado disponíveis no mercado que foram criados em fazenda com os seguintes métodos,
conforme informado na embalagem: convencional, orgânico, kosher42 e sem antibióticos. O
objetivo de pesquisa é investigar a prevalência da bactéria Escherichia Coli resistente a
antibióticos nas quatro categorias examinadas.
Para entendermos melhor a abrangência do assunto tratado pelo estudo, vale-nos o
alerta dado pela jornalista Sabrina Tavernise, do jornal The New York Times, e reeditado pelo
caderno “Saúde” do portal jornalístico UOL Notícias:
Há um amplo consenso quanto ao uso excessivo de antibióticos ter causado uma
crescente resistência aos medicamentos. Muitos cientistas dizem existir evidências
de que o uso intensivo de antibióticos para promover o crescimento mais rápido em
animais criados em fazenda é um dos grandes culpados por isso, criando um
reservatório de bacilos resistentes aos medicamentos que estão chegando até as
comunidades. Mais de 70% de todos os antibióticos usados nos Estados Unidos são
dados para animais. (TAVERNISE, 201343)
42
Os alimentos kosher são aqueles cuja preparação obedece à tradição judaica. No caso das carnes, essa tradição
inclui rituais específicos de abate dos animais.
43
UOL NOTÍCIAS, Caderno de Saúde, publicado em 03/08/2013 Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/
saude/ultimas-noticias/redacao/2013/08/03/cientista-quer-saber-se-consumo-de-carne-contribui-para-resistenciaa-antibioticos.htm>. Acesso em: 24 dez. 2013.
112
Os resultados indicaram que houve incidência de E. coli resistente a antibióticos em
todas as categorias e que o método de produção influencia a frequência desse patógeno em
produtos aviários. No frango kosher, houve a maior frequência dessa bactéria resistente a
antibióticos. Nos frangos criados sem antibióticos, a frequência tendeu a ser ligeiramente mais
baixa e a diferença entre a frequência nos frangos criados com método convencional e nos
orgânicos foi estatisticamente indistinguível, embora o rótulo americano para produtos
orgânicos indique a restrição à utilização de antibióticos. Os autores sugerem que sejam feitas
pesquisas futuras para identificar as práticas específicas relacionadas à alta frequência de E.
coli resistente a antibióticos em frango kosher, a fim de promover esforços para reduzir a
exposição dos consumidores a esse patógeno em potencial.
Em relação ao processo de revisão aberta, uma pesquisa pela internet pelo nome
completo de cada uma das comentaristas convidadas a avaliar o artigo nos levou a seus perfis
na plataforma Faculty of 1000 ou a sua página profissional no website da instituição a que
pertencem. Esse levantamento revelou um perfil adequado dos nomes escolhidos para a
arbitragem do artigo. São eles:
Marilyn Roberts, Ph.D – membro do conselho editorial do Faculty of 1000 desde
2001; professora adjunta de Ciências da Saúde, Saúde Global e Odontopediatria da
Escola de Saúde Pública da Universidade de Washington, em Seattle/EUA. Entre seus
principais interesses de pesquisa, inclui-se a resistência antibiótica.
Irene Hanning, Ph.D – professora assistente do Departamento de Ciência e
Tecnologia Alimentar do Instituto de Agricultura da Universidade do Tennessee/EUA.
Atua na área de segurança alimentar microbiológica.
Katharina Stärk, Ph.D – professora do Departamento de Produção e Saúde
Populacional da Escola Real de Veterinária da Universidade de Londres/Inglaterra.
Atua na área de saúde pública, ecossistemas de saúde, alimentação segura e
sustentável, epidemiologia veterinária e economia.
A primeira revisão foi postada em 23 de julho de 2013 (doze dias após a publicação)
pela parecerista Marilyn Roberts, a qual atribuiu ao artigo o status de aprovado. O texto de
comentário soma um total de 222 palavras. A pesquisadora ressalta que a constatação de que
os frangos orgânicos e os criados de forma convencional tiveram resultados estatisticamente
indistinguíveis, e de que nos frangos criados sem antibióticos a incidência foi só ligeiramente
menor, levanta mais uma vez a dúvida se há ou não vantagens reais para a saúde do
113
consumidor que escolhe comer produtos orgânicos ou criados sem antibióticos. Em relação à
alta frequência de E. coli resistente nos produtos kosher, a parecerista afirma que é uma nova
descoberta e certamente precisa de um estudo mais aprofundado.
A pesquisadora também afirma que não ficou claro se as diferenças estatísticas nos
animais criados sem antibióticos teriam sido encontradas se o experimento fosse feito com
uma amostra maior. No entanto, admite que o estudo ajuda a fomentar o debate sobre os
possíveis danos à saúde humana causados pelo uso de antibióticos como promotores de
crescimento.
Em 16 de agosto de 2013 (35 dias após a publicação), a parecerista Irene Hanning
postou sua revisão do artigo e atribui o status de “aprovado com ressalvas”. O texto com seus
comentários é um pouco maior que o anterior (285 palavras) e está dividido em tópicos,
conforme pode ser visto na FIG. 24.
FIGURA 24 – Comentários da parecerista Irene Hanning
Fonte: http://f1000research.com/articles/2-155/v2
Irene Hanning elogia o artigo ressaltando sua importância para se entender melhor o
uso de antibióticos na produção animal, além de afirmar que está bem escrito e é de fácil
compreensão. No entanto, assinala alguns pontos que precisam ser completados, como dar
114
mais especificações quanto à composição da amostra e quanto ao número total de E. coli
isolados coletados por tipo ou marca de frango examinado.
Ela também sugere a reformulação ou exclusão de duas frases da seção de discussão,
pois seu conteúdo seria exagerado e não seria absolutamente verdadeiro. Por fim, a parecerista
aponta dois possíveis vieses: afirma que uma variável não abordada no estudo foi a
possibilidade de que frangos produzidos por uma mesma marca sejam criados em fazendas
diferentes, o que faria com que a amostra tivesse que ser aumentada, uma vez que o ambiente
agrícola exerce impacto sobre a qualidade do alimento. Além disso, afirma que, em alguns
casos, as aves podem ser processadas dentro da própria fazenda e isso também pode afetar a
qualidade microbiológica da carne, devido à contaminação cruzada.
Em 02 de setembro de 2013, um dos autores, Bruce Hungate, respondeu às
pareceristas. Em relação a Marilyn Roberts, ele apenas agradeceu-lhe pelos comentários. Em
relação a Irene Hanning, o autor agradeceu os comentários e afirmou que a primeira versão
foi revisada a fim de atender a cada uma das sugestões dadas. Ele então esclarece quais
modificações foram feitas. Esse texto de réplica tem um total de 297 palavras e seu teor é
equivalente à nota de atualização, escrita pelos autores, que passou a introduzir a segunda
versão do artigo, publicada em 02 de setembro de 2013, ou seja, 53 dias após a publicação da
primeira versão.
A FIG. 25 traz a nota de atualização. Trata-se de um texto de 304 palavras em que os
autores explicam ter atendido a cada um dos pontos levantados por Hanning. Em relação ao
primeiro viés em potencial, agradecem à Dra. Hanning pela abordagem e afirmam ter
adicionado uma frase reconhecendo isso explicitamente. Sobre o segundo viés em potencial,
afirmam que pesquisas futuras mais exaustivas poderiam tentar quantificar a influência dos
fatores levantados, mas isso estaria além do escopo do estudo.
115
FIGURA 25 – Nota de atualização para a segunda versão do artigo
Fonte: http://f1000research.com/articles/2-155/v2
Em 09 de setembro de 2013 (60 dias após a publicação da primeira versão e 07 dias
após a publicação de segunda), a terceira parecerista comentou a segunda versão do artigo e
atribuiu o status “aprovado com ressalvas”. Em um texto de 277 palavras, Katharina Stärk faz
elogios ao artigo, mas aponta algumas incompletudes. Sugere, por exemplo, que seria útil
fornecer mais detalhes sobre práticas específicas utilizadas no frango kosher, uma vez que os
leitores podem não estar familiarizados com isso. Também aponta algumas dúvidas quanto ao
método estatístico utilizado e afirma que a descrição da análise estatística é muito superficial
para concluir sobre a validade dos resultados, além de o número de amostras ter sido baixo.
Em 17 de setembro, é novamente o autor Bruce Hungate quem responde à parecerista,
dessa vez com um texto de 626 palavras. O autor esclarece cada uma das dúvidas de
Katharina Stärk. No entanto, não é feita outra versão do artigo, uma vez que, tendo recebido
um status “aprovado” e dois status “aprovado com ressalvas”, o trabalho preencheu os
requisitos para indexação em base de dados e isso foi feito no mesmo dia em que a terceira
parecerista postou seu relatório, ou seja, no dia 09 de setembro de 2013, conforme pode ser
visto na indicação da seta da FIG. 26, na ficha catalográfica da segunda versão do artigo, a
qual nos parece ter passado a ser a versão definitiva.
116
FIGURA 26 – Ficha catalográfica da segunda versão do artigo
Fonte: http://f1000research.com/articles/2-155/v2
A última postagem feita no artigo ocorreu em 17 de setembro de 2013, quando, diante
da segunda versão, a parecerista Irene Hanning se disse satisfeita com as alterações efetuadas
e mudou o status do trabalho para “aprovado”.
5.2.3 Caso 3: JoVE
Escolhemos como amostra do produto editorial da iniciativa JoVE o artigo intitulado
Live-cell Video Microscopy of Fungal Pathogen Phagocytosis [Vídeo microscopia de célula
viva de fagocitose de patógenos fúngicos], publicado, em janeiro de 2013, pelos
pesquisadores Leanne E. Lewis, Judith M. Bain e Blessing Okai, da Divisão de Medicina
Aplicada da Universidade de Aberdeen/Escócia, Neil A. R. Gow, do Grupo Fúngico de
Aberdeen, e Lars Peter Erwig, do Grupo Fúngico de Aberdeen e da Universidade de
Aberdeen/Escócia. Trata-se de um artigo de acesso aberto, mas não há logomarca de uma
instituição financiadora.
Em termos estruturais, o videoartigo tem a extensão total de 8‟52‟‟, divididos em sete
seções. O título de cada seção aparece em um menu lateral direito em forma de hiperlink em
117
que o usuário pode clicar e assistir diretamente àquela seção, conforme pode ser visto na
indicação da seta da FIG. 27.
O artigo em formato de texto não é uma transcrição do que é dito no videoartigo. Ele
obedece às estruturas convencionais do gênero artigo científico na área de ciências biológicas
e tem 2.835 palavras. Além das seções apresentados no vídeo, traz também resumo,
discussão, referências e uma seção de agradecimentos. É possível fazer download da versão
em PDF, assim como da lista de materiais utilizados no experimento, separadamente.
FIGURA 27 – Página do videoartigo Live-cell Video ... Phagocytosis
Fonte: http://www.jove.com/video/50196/live-cell-video-microscopy-of-fungal-pathogen-phagocytosis
Em termos de conteúdo, o tema geral do artigo é a fagocitose, nome dado ao processo
realizado por células que, ao encontrarem partículas sólidas estranhas no organismo,
envolvem-nas e as absorvem para protegê-lo. As bactérias, células de tecido morto e pequenas
partículas minerais são exemplos de materiais que podem ser fagocitados. O artigo descreve
um método de videomicroscopia de células vivas do fungo Candida albicans sendo
fagocitado.
Os autores afirmam que determinados estudos desse tipo de fagocitose, apesar de
informativos, são limitados por normalmente não dividirem o processo em suas fases
118
específicas, que podem afetar o processo de formas diferenciadas. Isso se deve ao fato de que
a análise costuma ser feita a partir de imagens capturadas de um único momento do processo,
sem levar em consideração seu caráter dinâmico e contínuo. Segundo os autores, o método
demonstrado no videoartigo é inovador por revelar novos aspectos e fases da fagocitose, uma
vez que são feitas imagens em um intervalo muito pequeno de tempo (uma a cada minuto
durante 6 horas).
Assim, ao contrário da captura de imagens de um único momento, a microscopia em
vídeo de células vivas permite que uma ampla variedade de células e de organismos
patógenos sejam estudados como sequências contínuas em períodos de tempo prolongado,
proporcionando informação espacial e temporal em uma ampla gama de processos dinâmicos.
Segundo os autores, essa técnica pode fornecer uma diretriz para futuros estudiosos que
queiram utilizar o método de microscopia em vídeo para a análise de atividades fagocitárias e
de outros microrganismos.
O vídeo começa com uma vinheta do JoVE, seguida por uma tela com o título, o nome
dos autores e suas afiliações, acompanhada por narração. Em seguida, há uma animação
explicando resumidamente como o experimento deve ser feito e suas vantagens em relação
aos métodos já existentes, incluem-se também imagens microscópicas das células em
movimento. Funciona como uma introdução ou um resumo do artigo. Em seguida, em 1‟15‟‟,
a autora Judith M. Bain aparece falando sobre as vantagens do método em relação às técnicas
existentes. Em seguida, em 1‟32‟, a autora Blessing Okai fala sobre a aplicabilidade do
método em outros tipos de experimentos. Na cultura impressa, essa seção seria a junção da
revisão da literatura e da justificativa. Em 1‟44‟‟, inicia-se o experimento, que é dividido em
cinco seções correspondes às cinco etapas de sua execução.
Nessa fase do vídeo, as imagens apresentam uma das duas autoras executando os
procedimentos no laboratório enquanto a narração descreve como eles devem ser feitos. Uma
das etapas demonstradas é a coloração da amostra do fungo Candida albicans para melhor
visualização no microscópio. Também há algumas legendas indicando quais procedimentos
estão sendo feitos e algumas medidas, como se fosse o vídeo de uma receita culinária.
Na etapa que envolve a visualização do processo de fagocitose no microscópio, em
6‟22‟‟, a autora Judith M. Bain volta-se para a câmera para alertar que se trata da fase mais
crítica do experimento, por isso o pesquisador deve ser cuidadoso em configurar o
microscópio corretamente, uma vez que, se o material ficar exposto além ou aquém do
necessário ou se estiver fora do foco, o experimento deverá ser refeito.
119
Na sequência, em 6‟40‟‟, inicia-se a seção de análise e o vídeo apresenta as imagens
microscópicas coloridas das células em atividade e depois uma figura com setas indicando
aspectos importantes da análise e um gráfico que resume o número total de Candida albicans
fagocitado por cada célula fagocitária.
Por fim, na seção de conclusão, em 8‟10‟‟, a autora Judith M. Bain retorna afirmando
que, após assistir ao vídeo, é esperado que o usuário tenha tido uma boa compreensão de
como executar o experimento seguindo especificamente as instruções dadas. O vídeo termina
aos 8‟52‟‟ com a repetição da tela de título, autoria e afiliação, seguida da ficha de créditos,
que inclui o nome do produtor, roteirista, cinegrafista, narrador e editores do vídeo.
O artigo foi visualizado 5.855 vezes entre o período de 09 de janeiro de 2013 a 13 de
janeiro de 2014, conforme pode ser observado no GRÁFICO 1. Também foram feito oito
compartilhamentos. Não foi postado nenhum comentário ou pergunta para os autores.
GRÁFICO 1 – Total de visualizações do artigo Live-cell Video ... Phagocytosis
Fonte: JoVE, 2013-2014.
5.2.4 Análise do produto editorial sob a perspectiva do discurso multimodal
Segundo Santaella (2004), a leitura não está restrita à decifração de letras. Para a
autora, ler significa também relacionar palavra e imagens, desenho e tamanho de tipos,
elementos gráficos e diagramação. Além disso, os hábitos de leitura mudam de acordo com
evoluções técnicas, formais e culturais, as quais podem alterar o modo de pensar a ciência e
seus resultados de pesquisa. A própria diferença de sensações derivada das diferenças de
leitura em suporte impresso e digital já seriam maneiras de atribuir sentido a um objeto de
comunicação.
120
No caso do artigo publicado pelo MCP, o formato de apresentação nessa plataforma
inovadora de blog revela-se como um tipo de design bastante pertinente para os propósitos da
iniciativa elaborados na camada do discurso e do design, ou seja, transparecer o processo de
revisão por pares e deixá-la mais dinâmica e dialogada. Em vez de expor todo o texto em uma
só tela, a possibilidade de visualizar seus componentes em hiperlinks dá liberdade ao leitor
para trilhar um caminho pessoal e facilita sua navegação pelo fluxo de revisão.
Assim, a leitura não precisa mais ser linear e, ao se valer da tecnologia dos hiperlinks,
o periódico otimiza a utilização do suporte digital. Além disso, os comentários passam a ser
ligados aos trechos específicos a que se referem. Esse é um caso em que podemos notar que
características próprias do ambiente digital são utilizadas a fim de alterar a forma como se faz
comunicação científica.
Na camada da produção, os comentários e o diálogo entre os próprios comentaristas
(como vimos acontecer entre Terje Hillesund e Sherman Dorn) acrescentam novas
interpretações para as ideias que estão sendo discutidas no texto, provando que o leitorcomentarista passa a ser uma espécie de coautor do texto.
Na nossa experiência pessoal, a leitura do artigo e dos comentários deixou a leitura
mais significativa uma vez que, ao dialogarmos mentalmente com a autora durante nosso
processo de leitura do artigo, algumas das indagações que tivemos coincidiram com o que foi
dito nos comentários. Obviamente, algum pesquisador mais cético pode argumentar que os
comentários influenciaram nossa leitura e tiraram de nós a oportunidade de entendê-la de
forma autônoma, como acontece quando se lê um poema juntamente com a sua interpretação
dada por outrem. Mas não foi essa a sensação.
A sensação de ver o processo de revisão de um texto científico foi de transparência
quanto à validação das ideias e resultados. Ao contrário da leitura solitária, em que, com o
artigo impresso em mãos, o leitor dialoga mentalmente com o autor e jamais recebe respostas,
nossa sensação é de que estávamos participando ao vivo de um seminário em que o texto foi
apresentado pelo autor e debatido por outros pesquisadores presentes, como num simpósio ou
congresso. A sensação foi de que, com a utilização dessas novas tecnologias, a vivacidade e o
imediatismo proporcionados pela comunicação científica informal foram transportados para a
comunicação formal, extraindo as vantagens exclusivas de ambas.
No artigo publicado pelo F1000Research, embora a plataforma de exposição dos
textos não seja tão inovadora como o blog do MCP, também é possível acrescentar nuances
ao sentido a partir do acompanhamento do fluxo constante de publicação, revisão e
121
atualização dos artigos. Ou seja, trata-se de um caso em que se nota que mudanças na camada
de distribuição (ou seja, no suporte) acrescentam mudanças na interpretação dos textos.
Nossa experiência pessoal de leitura do artigo publicado no F1000Research foi ainda
mais significativa do que com o MCP, uma vez que não pertencemos à área de discussão do
artigo e somos, portanto, leitores ainda mais ingênuos nesse caso. A leitura da primeira versão
do artigo, depois dos comentários das pareceristas, da nota de atualização e, por fim, da
versão atualizada do artigo potencializaram bastante nosso entendimento sobre o texto.
No formato tradicional, a leitura de um artigo em sua versão definitiva pode fazer com
que o leitor inexperiente (como no nosso caso) interprete como verdades incontestáveis aquilo
que é defendido no texto. Por outro lado, nesse formato inovador, o acompanhamento do
fluxo de revisão faz com que o leitor tenha uma interpretação mais madura, menos inocente
sobre falhas que, devido a sua inexperiência quanto ao assunto, não poderia detectar sozinho.
Trata-se, portanto, de mais uma prova de que as práticas proporcionadas pela iniciativa
utilizam as potencialidades do ambiente digital de forma a transgredir o que já é considerado
praxe na comunicação científica e de que as características dos modos semióticos com os
quais o discurso se materializa alteram a produção de sentido e, por conseguinte, a
interpretação.
Sobre o artigo publicado pelo JoVE, cumpre admitirmos que escolhemos esse estudo
em particular porque, embora não sejamos da área das ciências biológicas, conseguimos
perceber que a reprodução do experimento baseada somente na sua descrição verbal seria
difícil de ser feita. O grande diferencial do artigo é a inovação da visualização e categorização
de uma atividade celular, ou seja, de algo dinâmico, em movimento. Nesse momento,
sentimos empatia pelas primeiras inquietações do editor Moshe Pristker e pudemos entender
como os videoartigos podem ser úteis para a comunidade científica.
Além disso, com uma análise atenta dos elementos dispostos na página do artigo
online e após assistir ao vídeo, podemos observar que não se trata de uma transposição do
material verbal para o material audiovisual. O artigo em formato de texto apresenta seções de
introdução e discussão bem mais longas e aprofundadas, enquanto que a seção do protocolo é
apenas uma lista em formato “passo a passo” dos procedimentos a serem executados. De
forma complementar e oposta, as seções de introdução e conclusão do vídeo são bastante
sucintas, enquanto que as etapas de condução do experimento, ou seja, o protocolo, são
bastante explícitas.
Nesse caso, percebemos que os editores comprovam as afirmações de Kress e Van
Leeuwen (2001) de que a produção de sentido se realiza pela combinação de mais de um
122
código semiótico e de que todos os modos semióticos utilizados em um determinado objeto
multimodal contribuem para a construção de sentido. Assim, nesse caso, as potencialidades
específicas de representação e de comunicação de cada modalidade (no caso, a linguagem
verbal escrita e as imagens em vídeo) foram utilizadas de forma a complementar uma à outra.
5.2.5 Análise do produto editorial sob a perspectiva da teoria sociorretórica dos gêneros
Conforme já apontamos em tópico anterior, o teórico Charles Bazermam conceituou o
gênero como uma categoria sociopsicológica usada para reconhecer e construir ações
tipificadas dentro de situações tipificadas. Para o autor, trata-se de “uma maneira de criar
ordem num mundo simbólico sempre fluido” (BAZERMAN, 2011, p. 60).
O autor também afirma que a maioria dos gêneros tem características de fácil
reconhecimento que sinalizam a espécie de texto que são. No entanto, lembra que a essência
dos gêneros não está nessas características mais formais.
Alguns membros mais céticos da comunidade científica (como, por exemplo, se
mostrou ser um dos comentaristas do artigo postado no MCP) podem negar que um texto
postado na plataforma de blog do MCP ou um videoartigo do JoVE sejam, genuinamente, um
artigo científico no sentido estrito. Nós, ao contrário, chegamos à conclusão de que esses
novos objetos comprovam a teoria de Bazerman de que a noção do gênero como algo
cristalizado no tempo e espaço ignora o uso criativo da comunicação para satisfazer novas
necessidades originadas em novas circunstâncias de uso de um determinado gênero (no nosso
caso, o artigo científico).
Além disso, essas inovações no gênero artigo científico comprovam que a
“criatividade improvisatória” (BAZERMAN, 2011, p. 11) dos seres humanos entra em jogo
no uso de novos recursos para alcançar novas metas e na transformação de novas situações
através de seus atos criativos, comprovando o caráter essencialmente dinâmico, interativo e
agentivo do uso dos gêneros. Isso significa que, no centro da teoria sociorretórica dos gêneros,
há a ideia de que as pessoas estão constantemente realizando coisas novas para adequar os
gêneros a um mundo em constante mudança.
Sendo assim, a conclusão a que se chega com esta dissertação é de que os produtos
editoriais das três iniciativas estudadas pertencem ao gênero “artigo acadêmico-científico”,
embora não apresentem todos os traços formais mais facilmente reconhecíveis desse gênero.
Se ponderarmos sobre as mudanças propostas pelas iniciativas aqui estudadas na
forma tradicional do artigo científico, veremos que estão surgindo formas mais “adequadas”
123
ao ambiente digital, ou seja, mais espontâneas, confirmando a ideia de Luckmann de que “os
gêneros comunicativos de uma época podem se dissolver em processos comunicativos mais
„espontâneos‟, enquanto outros gêneros até então pouco definidos podem se congelar em
novos gêneros” (LUCKMANN, 1992 apud BAZERMAN, 2005, p. 56).
Para fazer uma comparação, no início da era da internet, os primeiros emails
provavelmente eram mais semelhantes às cartas ou mensagens telegráficas que lhes deram
origem. Já na atualidade, o email foi se adaptando e ganhando contorno próprio bastante
diferente do formato e do decoro relacionados aos gêneros dos quais derivou.
Assim, podemos afirmar que, conforme sinalizou Bazerman (2011), há gêneros que
são fundadores de outros, ou seja, são formas típicas de usos discursivos da língua originadas
de formas anteriores, que nunca surgem do nada, mas num processo histórico, cultural e
interativo dentro de instituições e atividades já conhecidas pelo falante. As cartas trocadas
entre os membros da Royal Society de Londres deram origem aos artigos científicos tal como
os conhecemos hoje, consideradas, obviamente, as pequenas alterações que foram sendo feitas
ao longo dos séculos e que já foram abordadas nesta dissertação.
Da mesma forma, podemos afirmar que, nos artigos estudados, outros tipos de gêneros
próprios de um ambiente essencialmente multimodal, que é a tela do computador,
influenciaram a criação desses novos formatos. No caso do MCP, características próprias da
web como o dinamismo de postagem dos blogs, aliado à possibilidade de diálogo nas laterais
vista em editores de textos como o Microsoft Word ou mesmo em redes sociais como o
Facebook foram adequadamente utilizadas para dar mais vivacidade ao diálogo entre os pares,
atendendo ao propósito mais caro ao discurso da iniciativa.
No caso do F1000Research, embora o artigo seja mais tradicional em termos de
formato, o acréscimo das planilhas editáveis com os dados originais de pesquisa, do fluxo de
avaliações dos pareceristas e das versões atualizadas também agregam valor ao texto, fazendo
com que o gênero artigo deixe de ser exposto como o único produto de uma pesquisa. O que
sabemos é que, para se realizar uma pesquisa, utilizamos um conjunto de textos de diversos
gêneros, como questionários, planilhas, fichas, roteiros, resenhas e outros. Assim, o que o
F1000Research faz é entender a comunicação científica não mais como a publicação de um
produto editorial único, mas como a publicação do conjunto de textos que originaram aquela
pesquisa.
No caso do JoVE, assim como no MCP, traços de outros gêneros multimídia (como
programas de TV em que se ensina o passo a passo para se fazer alguma coisa) influenciaram
a criação desse novo formato de artigo científico. O JoVE criou o videoartigo como uma nova
124
categoria dentro do gênero acadêmico. Além disso, há outros recursos disponibilizados na
página que são reflexos da utilização das NTIC de forma a potencializar a comunicação
científica em ambiente digital. É possível, por exemplo, fazer download, em PDF, do artigo
escrito e da lista de materiais utilizados no experimento. Há também versões completas de
alguns artigos escritos em outros idiomas diferentes do inglês e um espaço para postar
comentários e perguntas para os autores, além de links para o compartilhamento automático
do artigo por email ou por várias redes sociais.
Assim, depois de confirmarmos que o texto escrito do artigo e do videoartigo não são
uma transcrição um do outro, mas sim complementares, concluímos que o JoVE trouxe
práticas de publicação em formato não só multimodal, ou seja, utilizando mais de um recurso
semiótico para representar uma ideia, mas também o fez em formato convergente, ou seja,
otimizando a maneira como diferentes recursos multimídia disponíveis em uma página da web
trabalham complementariamente para aumentar as fontes de informação e interação
disponíveis para o leitor.
Nesse sentido, os resultados desta pesquisa nos permitem afirmar que há uma nova
onda de mudanças ocorrendo no gênero artigo científico. Não o fazemos pensando que o
gênero mudará como um todo, mas que coexistirão formas mais tradicionais de comunicação
científica (com os artigos padronizados impressos ou em formato PDF) e formas inovadoras
como as que são propostas pelas iniciativas investigadas nesta dissertação.
125
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao iniciar esta pesquisa, nossa principal inquietação era descobrir se havia pessoas ou
instituições propondo novas maneiras de se fazer comunicação científica na internet.
Podemos dizer que fomos bem-sucedidas nesse propósito. Lamentamos que não tenhamos
descoberto casos brasileiros ou, ao menos, latino-americanos até o momento de fechamento
desta dissertação, mas ficamos satisfeitas em saber que os casos que abordamos podem servir
de incentivo e modelo para ações locais.
Nossas perguntas iniciais de pesquisa eram: (1) como são o processo e o produto
editorial de iniciativas de comunicação científica em ambiente digital que utilizam as Novas
Tecnologias de Informação e Comunicação de forma a subverter práticas próprias da tradição
impressa? E (2), no caso do produto editorial, quais mudanças podem ser percebidas no
gênero “artigo científico” em função do uso dessas novas tecnologias?
Em relação à primeira pergunta, descrevemos e analisamos o processo e o produto dos
casos eleitos para estudo e chegamos à conclusão de que, das três iniciativas, duas tendem a
transgredir mais os paradigmas do processo (MCP e F1000Research, com a revisão por pares
aberta, por exemplo); outra tende a transgredir mais os paradigmas do produto (JoVE, como
os videoartigos, por exemplo). Além disso, podem coexistir práticas bastante inovadoras do
processo e práticas bastante tradicionais do produto ou vice-versa.
O MCP, por exemplo, transgride o processo (com a revisão aberta) e o produto (com
os artigos publicados em uma plataforma de blog), favorecendo-se do caráter essencialmente
multimodal da web. O F1000Research transgride mais o processo (com a publicação
imediata, a revisão aberta pós-publicação e o acesso aberto) do que o produto, que ainda é um
artigo mais tradicional em termos de formato. Mas o fato de publicar os dados de pesquisa e
de disponibilizar várias versões de um artigo e as suas atualizações já é uma inovação do
produto. No caso do JoVE,
encontramos um paradoxo em que se observa um tipo de
comunicação científica extremamente revolucionária quanto ao produto (videoartigo), mas
bastante conservadora em relação ao processo, com a revisão por pares ainda anônima e o
bloqueio ao acesso aberto, por exemplo.
Do ponto de vista da multimodalidade, a distribuição foi a camada que mais se
destacou como aquela que passa a atribuir novas nuances de sentido para o objeto,
principalmente porque ela está intimamente ligada ao suporte. No MCP, por exemplo, a
distribuição se relaciona às novas formas de autoria e reescrita e às barreiras de ver os blogs
como formas legítimas de comunicação científica séria, evidenciando uma etapa de
126
proveniência em que um sistema sígnico busca recursos de outro sistema. No F1000Research,
além da revisão aberta, o suporte está relacionado à maior acessibilidade aos periódicos e ao
acesso conjugado ao corpus utilizado. Mas, por outro lado, a publicação imediata e a revisão
pós-publicação levam a comunidade científica a levantar certa dúvida quanto à confiabilidade
dada pela própria forma de distribuição. No JoVE, distribuição e produção estão imbricadas
uma vez que o artigo originalmente produzido pelo autor no modo semiótico da linguagem
verbal escrita é representado por meio de um novo objeto semiótico: o videoartigo.
Em relação à segunda pergunta de pesquisa, podemos afirmar que os resultados desta
dissertação corroboram a teoria de Bazerman de que os gêneros não são meras cristalizações
formais estagnadas no tempo e no espaço. Corroboram também a ideia do teórico de que, para
se definir um gênero, não devemos nos ater somente aos traços textuais mais característicos,
mas sim às relações e às interações mais fundamentais que são realizadas no ato de
comunicação por meio dos gêneros.
Assim, afirmamos que os três objetos analisados como artigos científicos o são não
porque apresentam um conjunto de traços formais esperados para compor tal gênero, mas
porque pertencem a uma categoria sociopsicológica usada para reconhecer e construir a ação
tipificada de troca de informação e discussão de ideias entre cientistas e pesquisadores dentro
da situação tipificada da comunicação científica.
Desse modo, esses novos tipos de publicação científica pertencem ao gênero
discursivo científico tanto quanto o mais tradicional dos artigos impresso (ou em PDF)
indexado e revisado previamente por pares. A novidade é que esses novos produtos
incorporam a criatividade improvisatória dos seres humanos na interpretação de novas
situações, na identificação de novas metas, no uso de novos recursos para alcançar essas
metas e na transformação das situações através de seus atos criativos, provando o caráter
dinâmico, interativo e agentivo do uso da linguagem por meio dos gêneros. No final,
admitimos que a tendência é de que coexistirão formas mais tradicionais de comunicação
científica (com os artigos padronizados impressos ou em formato PDF) e formas inovadoras
como as que são propostas pelas iniciativas aqui estudadas.
Obviamente, muita coisa precisa mudar nas práticas de comunicação científica no
mundo e, principalmente, na forma como os membros da comunidade científica validam e
valorizam a publicação científica para que haja um novo paradigma verdadeiramente
conectado às novas formas de produção e disseminação do conhecimento em um ambiente
virtual, interativo, multimídia, gratuito e ilimitado, que é a web.
127
No universo editorial baseado na impressão e distribuição física dos produtos, a
revisão por pares precede a publicação até mesmo como um mecanismo de controle
econômico diante da escassez cada vez maior de recursos para se investir em publicações de
caráter científico. No entanto, essa lógica perde bastante o sentido no ambiente virtual.
Na nossa entrevista, Kathleen Fitzpatrick defende que a comunidade científica não
precisa de um meio de criar uma escassez artificial de recursos, mas sim um meio de lidar
com a abundância, desenvolvendo um conjunto eficaz de mecanismos de avaliação póspublicação que ajude a filtrar os inúmeros trabalhos que estão sendo publicados online, de
forma a melhorar constantemente a pesquisa que está sendo feita pelo mundo afora.
Embora o ponto de vista da educação não tenha sido o foco deste trabalho, vale
também mencionar os estudos da pesquisadora norte-americana Elizabeth Daley (2010) sobre
o letramento multimidiático. A autora afirma que, na concepção tradicional sobre o que é
letramento, há um pressuposto subjacente de que a linguagem só possa se articular por meio
de palavras. Contraponto essa ideia, Daley se propõe a expandir o conceito argumentando,
entre outros pontos, que a linguagem multimidiática da tela permite modos de pensamentos,
formas de comunicar e produzir pesquisa, além de métodos de publicação e ensino que são
essencialmente diferentes daqueles relacionados ao texto escrito.
A autora também relata que já existem institutos de ensino que oferecem cursos para
“empoderar professores e alunos para escolherem a melhor linguagem para suas tarefas” (p.
489). Esses dados abrem caminhos para pesquisas que envolvam a relação entre
multimodalidade e ensino, em especial a questão do letramento multimidiático defendido pela
autora.
No final deste estudo, idealizamos que, talvez num momento futuro, haja uma
publicação científica online em que o processo editorial seja tão inovador quanto o que vimos
acontecer no F1000Rersearch, em que o produto editorial seja publicado em plataformas tão
interativas quanto no MCP e que, quando o teor do artigo assim o exigir, sejam filmados
videoartigos tão eficientes quanto os do JoVE.
Sabemos que esse sonho está um pouco distante de se tornar realidade, sobretudo em
circunstâncias como a nossa, brasileira. Esperamos, no entanto, que tenhamos contribuído
para a discussão sobre o impacto das novas tecnologias na forma como se faz comunicação
científica no mundo atualmente. Também esperamos que esta pesquisa possa inspirar projetos
institucionais ou talvez uma pesquisa-ação de mestrado ou doutorado que tente colocar em
prática ao menos alguma das inovações propostas pelas iniciativas aqui apresentadas.
Certamente será um grande desafio, mas com grandes perspectivas de sucesso.
128
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137
APÊNDICE A – Entrevista com Kathleen Fitzpatrick (MediaCommons Press)
Forma de entrevista: Questionário escrito enviado por email em 27 de agosto de 2013.
Data da resposta: 31 de outubro de 2013
1) As a researcher, what bothered you most in traditional scientific communication that
made you (or your team) to come up with the idea for the creation of MCP?
In the humanities in the US, the most important form of scholarly communication has long
been the book, which is the gold standard for tenure in most research-oriented colleges and
universities. As an assistant professor, I spent several years working on the manuscript for my
first book, preparing it for review by a number of presses that had said they were interested in
seeing it. However, the economic downturn after the bursting of the dot-com bubble in 2000
had terrible effects on the budgets of many university presses, and by the time I was done
with the manuscript, in 2002, none of the presses that had earlier declared interest in
publishing the book felt that they could afford to do so. University library budgets had been
cut during the financial crisis, and what budget remained was overwhelmingly being diverted
away from monograph purchases and toward covering the exponentially rising cost of journal
subscriptions, especially in the sciences.
After querying many, many more scholarly presses, I finally found one that was interested in
publishing the manuscript, but after sending it to external reviewers (who gave it very positive
reviews), the editor was overruled on the editorial board by the folks from the marketing
department, who declared that the book “posed too much financial risk… in the current
economy.” The press was concerned, in other words, that despite the book‟s quality, sales
might be too low for it to recoup its costs and turn a profit.
That my ability to publish this book – on which my ability to get tenure and keep my job was
largely reliant – was being hindered on economic grounds was profoundly frustrating, not
least because, at the same time I‟d been working on the last stages of the manuscript, I‟d
started a blog. That blog cost me next to nothing to operate – just hosting costs and the
investment of my own time – and yet it had garnered a readership that was far larger than any
of my formal scholarly publications. Even more, it allowed me to develop a community of
colleagues who were likewise blogging; we read and commented on one another‟s work, and
in engaging in that way, we made all of our work better.
So I started wondering: what if we were to start some kind of all-electronic scholarly “press”
that could learn from academic blogging and focus on the creation of a community of scholars
working with and for one another? That‟s where MediaCommons was born. MediaCommons
Press followed a bit later, as a project focused specifically on publishing long-form texts for
open discussion.
2) When did the initiative start and how were the early years?
MediaCommons got its start in early 2005 when I was contacted by Bob Stein of the Institute
for the Future of the Book. He‟d seen a blog post I‟d written about the possibilities of creating
that all-electronic press and wrote to say that he was interested in having me come talk about
it with the team at the Institute, which included Bob, Ben Vershbow, Jesse Wilbur, and Dan
138
Visel. We decided to bring together a group of folks working in digital media to help us think
through the idea. And out of that meeting came both the rough outlines of the
MediaCommons idea and my co-founder, Avi Santo. Avi and I worked with the Institute to
launch the network and its first major project, In Media Res, in fall 2006.
3) Was there rejection or criticism by scientific community? Does it still exist?
MediaCommons took a while to gain traction. The project was primarily aimed at scholars in
media studies, who largely saw the value of working in new digital ways, so the issue wasn‟t
really rejection or criticism. It was more the difficulties inherent in building a community
that‟s committed to a common goal whose outcomes are unknown and whose perception
within the scholarly community is uncertain. Scholars continue to place their primary
emphasis on publishing in traditional ways (in books and journals) because they know that
those forms of publication will count with their colleagues and their administrations when
they go on the job market or come up for review. Would publishing with an experimental
network like MediaCommons count in the same way?
Gradually, however, we built the community we were looking for. Seven years in now, we
have a dynamic editorial board leading five major projects within the network (In Media Res,
The New Everyday, #alt-academy, MediaCommons Press, and the core MediaCommons site)
with new projects in development.
4) In your opinion, what is the impact of New Technologies of Information and
Communication in scientific communication, specially the internet?
The impact of the Internet on scholarly communication has been enormous. There‟s the
obvious fact that the vast majority of academic research is now distributed and consumed
online, of course. But I think that the Internet is beginning to reshape the nature of that
research, as well as its primary emphasis. More and more, scholars are beginning to recognize
the importance of communicating the process of scholarly work, and not just the products that
are its end result. They‟re also recognizing that, on some level, scholarly communication has
always been about conducting a conversation with one‟s peers (if a conversation that has
generally taken place at a protractedly slow pace). The Internet highlights that conversation,
both by allowing individual pieces of scholarship to connect with one another, as well as by
allowing readers to respond directly to them. Moreover, the Internet has the ability to broaden
the audience for scholarly work quite dramatically, facilitating greater transdisciplinary
communication, as well as the potential for greater connection between the academy and its
surrounding publics.
5) In your opinion, what needs to change in today’s scholarly publishing culture in order to
establish a new paradigm for scientific communication?
The primary things that I believe need to change in order for a truly networked scholarly
communication paradigm to become established are the ways that we value and evaluate
research. In the print-based publishing world, peer review precedes publication in part as a
gatekeeping mechanism, one that manages the scarcities of publishing‟s economics by
determining whether a piece of scholarship is worthy of being published. Transferring that
same mechanism to online publishing makes very little sense, not just because the Internet is
not subject to those same economic scarcities, but also because so many new venues for
publishing are popping up all the time, including scholars simply posting their own work
139
directly online. What we need is not a means of creating artificial scarcity, but instead a
means of coping with abundance; we need to develop a robust set of post-publication
evaluative mechanisms that help to filter the work being published online, bringing attention
to the best research out there. In other words, instead of a means of excluding the bad, we
need a means of highlighting the good.
Beyond this change in the function of peer review, however, we need a corresponding change
in the ways that we evaluate scholarship for hiring, tenure, and promotion. Far too much
emphasis is currently placed on the imprimatur that comes from a book‟s publisher, or an
article‟s journal. That work – and even more, work that‟s been published online, that often
doesn‟t have a publisher per se – needs to be evaluated on its own merits, considering the
responses of the community of scholars that interact with it and the impact that it has on its
field and the surrounding intellectual landscape.
6) How are texts chosen before they are available to the open peer review process in MCP?
Our selection criteria are primarily focused on ensuring that a project submitted for open peer
review at MediaCommons Press falls within our field interests, very broadly construed, and
that the authors or editors involved have a clear sense of how the project intends to benefit
from the process.
7) How do you define the role played by the digital community Media Commons to the
success of MCP?
The existence of MediaCommons and its community was absolutely crucial to our ability to
establish MediaCommons Press. MediaCommons had a kind of credibility and name
recognition by the time the first MCPress projects went up, and it had a strong community of
followers. As a result, when we launched those first projects, a wide range of readers were
ready to come explore what we were doing, and they helped us spread the word.
8) What is your standpoint on the question of accessibility to scientific publications?
MediaCommons is absolutely committed to open access, not least because of our conviction
that there is a far larger audience with potential interest in the work we‟re doing than most
scholars have been led to think. At a moment when federal and state support for higher
education seems in threat, it‟s crucial that scholars find new ways to communicate the
importance of our work to a much broader public, to engage with them in discussing the vital
matters affecting our culture today.
9) How is the issue of the visibility (impact factor) of the text published in MCP?
MediaCommons is interested in the impact it has on the scholarly community and the
generally engaged public, to be sure, but we are utterly uninterested in “impact factor.”
Impact factor purports to measure the importance of a journal in its field, which then confers
great prestige on articles published in journals with high impact factors, and much lesser
prestige on articles published in journals with lower impact factors. The problem is that
studies have shown that there is no correlation whatsoever between the impact factor of a
journal and the importance of the articles published in that journal. Recently, in fact, scientists
have begun rejecting impact factor as a means of measuring the importance of publications
140
(you might see the DORA manifesto on this) in favor of a range of alternative, article-level
metrics that focus on how any given piece of research has circulated within its community.
MediaCommons has become very highly visible within the scholarly community over the last
seven years, and we are interested in helping our authors evaluate the impact that their work is
having. Moving toward this more considered sense of impact is, we believe, in everyone‟s
interest.
10) How do you see the MCP’s future?
That‟s a very good question! I hope that MediaCommons Press continues to publish really
exciting work for open discussion and review, and that more and more authors find the idea of
working on our platform energizing. But more than that, I hope that MediaCommons in
general continues to innovate, developing new projects of a kind that I cannot even imagine
today. If you had told me ten years ago that I was going to put my second book through an
open peer review process, I‟d have been shocked. I hope that the MediaCommons of ten years
from now would shock me today in the same kinds of way.
141
APÊNDICE B – Entrevista com Rebecca Lawrence (F1000Research)
Forma de entrevista: Questionário escrito enviado por email em 16/09/2013.
Data da resposta: 03 de dezembro de 2013
1) As a researcher, what bothered you most in traditional scientific communication that
made you (or your team) to come up with the idea for the creation of F1000 Research?
There were a whole host of things that triggered the concept of F1000Research:
• Very significant time delays experienced by most researchers when publishing in traditional
journals between when the research is ready to share with others and when the work finally
gets published.
• The wasted effort (often repeatedly so) of different sets of referees for each journal an article
is sent following the usual repeated rejection, in reassessing the article before it is finally
published.
• The fact that peer review has not been doing what it needs to do: if an author tries hard
enough to get published, most articles will ultimately be published in a „peer reviewed
journal‟ somewhere and so it is not acting as a proper filter for bad science.
• The bias that an anonymous peer review process brings – referees are by their very nature
researchers working in a very similar area and the publish or perish culture brings great
incentives to hold up a competitors‟ work or provide an overly negative review to try and get
the competing paper rejected whilst trying to get your own work published. There is also no
accountability for what referees say in this system.
• The fact that we allow researchers to make claims in their results section but do not require
them to provide any evidence of them in the form of raw data.
• The fact that it is almost impossible to try and replicate a paper if the raw data and the
detailed protocol information is not published alongside it.
• The fact that negative and null results are usually very hard to publish leading to a positive
publication bias in the literature.
• The fact that many researchers produce all sorts of small findings but because the traditional
publishing process is so time-consuming and onerous, it is not worth the effort of publishing
these small findings. This means that the same work is often being repeated by different labs
not realizing it has already been done, or that scientific progress is slowed due to the missing
information that could have been gleaned from these small findings.
2) When did the initiative start and how were the early years?
F1000Research beta-launched in July 2012 so we could test out the new publishing model and
the various assumptions we had made and refine the process before we formal launched in
January 2013. Our founder originally founded the first Open Access journal, BIOMED
Central and we expected to have just as hard a time persuading people of this new publishing
model as we did with persuading people about Open Access back in 2000. However, we were
amazed at just how positive everyone has been about the model. When we invited the
Advisory Panel (now 230 members) and Editorial Board (now 1100 members) right at the
beginning, we had an overwhelmingly supportive response and built both Boards in a week.
3) Was there rejection or criticism by scientific community? Does it still exist?
142
The main concerns have been:
• Will referees be openly critical about others‟ work? Most of those concerned about this are
largely happy once they see that we have numerous highly critical referee reports on articles
we have published. However, like others who have conducted open peer review before us
(e.g. BMJ Open, BMC medical series journals), we have found that these reports are written
in a much more constructive manner than in the traditional anonymous peer review. It also
makes referees think more carefully about what they say as they have to publicly stand by it.
• Will referee reports be as rigorous? We have made significant changes to the way we ask for
referee reports since our launch which means that our referee reports are just as detailed and
rigorous as those that journals receive that use the anonymous process.
• Will we find it difficult to get referees to agree to do open refereeing when we invite them?
To even our surprise, we have not found it any harder to get referees in our open postpublication peer review model compared with pre-publication and closed review. There has
been a lot of discussion for a long time now about how the refereeing system needs to change,
and it seems that many researchers are now very ready for just such a change and are
therefore very keen to support our approach and model. It does on occasion also encourage
referees to respond quickly – we have many articles that received 2 referee reports within 24
hours of publication. We do of course also have a few that have taken quite some time to get
refereed (just like on any journal) but our average time from publication to 2 referee reports is
14 days.
• Will authors provide their raw data for publication? We have found that in fact, the vast
majority of authors have no problem supplying their supporting data for publication. Many
others who initially had concerns have also been willing to supply their data once they realize
that they will get priority on that data and understand the reasons why we ask for the data.
4) In your opinion, what is the impact of New Technologies of Information and
Communication in scientific communication, specially the internet?
The Internet obviously has had a significant impact on publishing by bringing about digital
publishing and online-only journals. It has also had a big impact on forms of self-publishing
such as blogs, social media, etc. However, it hasn‟t yet really transformed the publishing
industry to the extent that the Internet has transformed most other sectors. I believe this
transformation is starting to happen. One of the main challenges seems to be that many are
still thinking in the print way of publishing and trying to work out how to change it. What I
would argue is really needed is to start with a clean slate, i.e. if you were to start publishing
today with the tools we have now, how would you do it? Most of the large publishers will
find this difficult as they have their legacy systems and processes. However, this is what we
are trying to achieve with F1000Research.
One example of this is that with our articles, in reality, there is no final endpoint. This would
not be possible in the print world but makes complete sense in the digital world where things
can be updated in real-time. So articles can potentially receive additional referee reports at
any time in the future. Authors can also update their articles as many times as they wish (for
free), either as revisions (i.e. addressing comments from referees or users) or as an update to
the work they presented in the initial paper (e.g. with software papers, you might want to
update your paper as you make updates to the software). You can even „thread‟ papers
together that cover similar themes or topics, or that are the publication of different stages of a
research project from the same research group. Another example is that as a reader, you can
play with the authors‟ data in real-time within the article itself – we just launched a pilot dataplotting tool to do this (see http://blog.f1000research.com/2013/11/11/data-plotting/). These
143
are just a couple of examples and there are many more things we can do to take it forward in
this direction.
5) In your opinion, what needs to change in today’s scholarly publishing culture in order to
establish a new paradigm for scientific communication?
• We need much better credit and recognition for the time researchers spend doing invaluable
tasks for scientific progression (that exclude conducting research and writing papers) such as
refereeing.
• We also need much better credit and agreed measures of impact for the production of data
itself. This is needed to encourage a change in culture where the expectation is to share your
raw data and researchers no longer feel that the data is solely theirs but rather that it belongs
to the scientific community (and often to the public, for publicly funded research). It should
become the norm that to not share your data is strongly discouraged and frowned upon by the
scientific community.
• We need to move the main measure of scientific impact away from the almost sole reliance
on the Impact Factor and it‟s use as the basis of decisions on grant funding, institutional
funding (e.g. REF in the UK) and career/tenure decisions away. The Impact Factor is
increasingly becoming well recognized as being highly flawed but despite this, there is little
real movement away from using it.
• We need to move away from trying to measure impact of an article at the time of publication
(PLOS One was the first journal to start this move but we need others to follow) so the focus
is not on the journal the article is in, but instead on quality of the science in the actual article
itself.
• As part of the point above, this would then help make it much easier to provide the
incentives necessary to encourage the publication of negative and null findings and small
findings that are usually far too time-consuming to publish currently (and most journals won‟t
take these studies; F1000Research however does encourage the publication of such studies).
6) Currently, how is the editorial flow of a paper in F1000 research?
Authors submit their article and it then undergoes a pre-publication check (more detail in
point 8 below). Once articles pass this check, they go into Production where the XML, HTML
and PDF files are generated and as part of that, any data is hosted in an appropriate location.
The authors proof the article and data, and once they are happy, the article is published with a
DOI, and the data is simultaneously released with its own DOI. The process from final
submission of the article to publication is on average 6 days.
When the author submits their article, they also suggest referees, from our Referee Panel
and/or additional referees. While the article is being checked prior to publication, the referee
suggestions are also carefully checked to look for obvious conflicts of interest, co-authorships
with the authors of this paper, topic suitability, seniority etc. Once the article is published,
these referees are then formally invited by us to referee. Referees are asked to provide a status
for the article („Approved‟, „Approved with Reservations‟ or „Not Approved‟) as well as a
referee report and are asked to focus purely on the scientific merit of the article and not on
potential interest or impact.
Once the article receives 2/3 referee reports, we encourage the authors to revise their
manuscript. Any new versions then go through the same process as above, and referees
(especially those whose comments have been addressed by the new version) are asked to
confirm if they are happy that their concerns have been adequately addressed in the new
version and can provide a new referee report and status for the new version of the article.
144
All article versions are individually citable. Once an article passes peer review (i.e. receives
two „Approved‟ statuses or one „Approved‟ status plus two „Approved with Reservations‟
statuses, it is indexed in PubMed and other major indexers (our articles will become visible
there very shortly). Registered users (i.e. scientists who provide their full name and
affiliation) can also comment on the article but they do not affect whether an article becomes
indexed.
More information is available at http://f1000research.com/about.
7) How is the usual practice for authorship and credits?
Authors decide on authorship order and who is/are the corresponding author(s) themselves, as
with other journals. We also require a section on Author Contribution where they have to state
clearly which authors contributed what input to the manuscript and from this information, we
do check that individuals that are listed as authors have done enough towards the manuscript
to meet the ICMJE guidelines for authorship. We equally check whether individuals that are
listed in the acknowledgements section should actually be credited with authorship based on
the information they provide. We also require any medical writers used to write papers on
behalf of the authors to be fully disclosed.
8) How is the “quick internal check for obvious inappropriateness” mentioned on the
website?
We check for a whole range of things, the main ones being:
• Is the work described in the paper „science‟?
• Does the topic of the paper fit into our scope of life sciences?
• Is the article readable and is the English of good quality?
• Has any part of the article been plagiarised?
• Does the article and the research conducted to produce it meet standard ethical
requirements? (we include a lot of details of this in our author guidelines)
• Do we have the raw data for publication?
• Is there adequate protocol information included in the article to enable someone else to
attempt to replicate the data?
9) How is the issue of the visibility? Is it possible to know the articles’ impact factor?
Those articles that pass peer review will be indexed by major bibliographic databases such as
PubMed Central, PubMed, Scopus and others (they will become visible on there in the next
few days). We are also indexed by Google Scholar. Like all new journals though, we cannot
obtain an impact factor until we have been publishing for 3 years as it is a calculation of 2
years‟ worth of citations on your first years‟ worth of papers so we will have to wait for that.
10) How is your perspective on the issue of accessibility, especially before the Open Access
Initiative?
Accessibility of research to a large proportion of the research community, as well as to the
broader public, was very limited before the advent of Open Access. Our founder, Vitek Tracz
(see this interview with him in a recent issue of Science magazine:
http://www.sciencemag.org/content/342/6154/66.full) founded the first Open Access journal,
BIOMED Central. Since then, and after a very long process, Open Access is finally become
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very well accepted and most publishers now have some form of Open Access program,
although these are still quite limited in places. There is a still a lot of work to do to increase
awareness of Open Access within the researcher community,
especially on the more medical/clinical side, and also in chemistry, where awareness is low
and is also often incorrectly associated with poor quality papers despite the many studies that
have proved that this is not the case. The increasing support for Open Access by major
governments around the world, especially in the western world, is though helping to really
move this forward and ensure that discussions about open access are now happening in all
corners of science.
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APÊNDICE C – Entrevista com Moshe Pritsker (JoVE)
Forma de entrevista: Questionário escrito enviado por email em 27 de agosto de 2013
Data da resposta: 06 de setembro de 2013
1) As a researcher, what bothered you most in traditional scientific communication that
made you (or your team) to come up with the idea for the creation of JoVE?
First time, I came with the idea of a video-publication for biological research in the middle of
my Ph.D. studies at Princeton. As any other experimental biologist, I was suffering from the
low reproducibility of experiments described in the scientific literature. This phenomenon is
due to many reasons including poor descriptions of complex experimental procedures by
authors, wrong interpretations of technical details by readers, variations in terminology, lack
of standardization, and other factors. To deal with this problem, scientists often look for
colleagues who are experienced with particular experimental approaches and can show them
how to do the experiment. However, often such help is not available, and the scientists find
themselves in the never ending process of reinventing the wheel, when they spend years of
their life trying to repeat experiments previously done and published by others. On the
personal level, this is very frustrating. On the global level, this is a systemic “black hole” that
consumes more than 50% of time and money that are given to biological and biomedical
research (to remind, only the NIH year budget is $29 billion dollars).
As a possible solution, I began to think about a large online repository of videos on
experimental procedures. Video can mimic the traditional “show me” process adopted in the
biological labs, and therefore would increase reproducibility, efficiency and standardization in
biological sciences. I also realized that this repository should be developed as a science
journal because it would give an incentive to academic scientists to publish there. This is how
the JoVE was born.
2) When did the initiative start and how were the early years?
Very early, after filming my own experiment, I realized that it would be very difficult for
scientists to make high-quality videos on their own experiments. An average experiment
requires 3-4 hours of filming and extensive editing. Scientists typically do not have
professional cameras and editing software, and, more importantly, do not have time to learn
the necessary skills for good quality filming and editing. Therefore, to enable production of
video-protocols at research labs, we have established a distributed network of professional
film-makers, which covers about 15 countries in the world where we film experiments in
university labs, including US, UK, Canada, Germany, Sweden, Israel, Australia and others.
3) Was there rejection or criticism by scientific community? Does it still exist?
The JoVE idea received a very good reception from academic scientists and students, with
respect to the usage of the video publication. A typical reaction was “Wow! Why nobody
thought about this idea before? It would be really helpful to watch experiments”. We continue
to receive numerous requests for our content from scientists and students every day.
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It was more difficult to convince scientists to publish in JoVE. Scientists are used to rank their
publications by the “prestige” of the journal. In biological sciences, it takes decades to
accumulate a prestige comparable to the most prestigious journals such as Nature, Science
and Cell. In addition, the video production part of the publication process is not familiar to
scientists and a lot of effort is made by us to explain this. We work hard to increase the
awareness about JoVE and increase its reputation among potential authors. JoVE becomes
more known each year. At this time, we publish 60 video articles per month.
4) In your opinion, what is the impact of New Technologies of Information and
Communication in scientific communication, specially the internet?
So far, the impact of new technologies on scientific communication was significant, but
limited. Specifically, transferring the text of science articles online enabled more efficient
consumption of the information through better searching, browsing and cataloging. At the
same time, the new Internet technologies have not changed the principal structure of the
science publication. It remains as it was for the last 400 years: long convoluted descriptions
full of technical jargons barely understandable by experts in specific fields. The slow change
in scientific publishing is incomparable with the fast developments of the last 50 years in
science itself. One big consequence of this is the low reproducibility of published science
experiments due to the insufficient level of knowledge transfer provided by the traditional
text-only format. Recent studies show that more than 70% of published studies are not
reproducible. JoVE is trying to solve this problem using the new video-based approach to
scientific publishing.
Summary:
http://blog.jove.com/2012/05/03/studies-show-only-10-of-published-science-articles-arereproducible-what-is-happening
http://blog.jove.com/2012/05/15/1343
5) In your opinion, what needs to change in today’s scholarly publishing culture in order to
establish a new paradigm for scientific communication?
We need changes that will make the scientific article more a productivity tool than just an
article. Then the article will become a new tool that will help scientists to increase the
productivity of their work, pace the scientific discovery and development of new medical
therapies. JoVE is one example of the change in this direction.
6) Currently, how is the editorial flow of a paper in JoVE?
A typical flow is:
Authors submits a text article
The text article undergoes a review by JoVE editors and independent academic peer
review
The article is converted to filming script by JoVE staff
A JoVE videographer at a specific location (e.g. Boston, London or Berlin) comes to the
laboratory to film the experiment demonstrated by the authors
Video undergoes editing by JoVE staff
Video and text are published as one article
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7) How is the usual practice for authorship and credits?
Submitting authors decide on the authorship, as in other scientific journals.
8) How does peer review happen?
Similar to other journals: the manuscript is sent to 2-3 anonymous academics, experts
in the article field, who provide their opions.
9) How is the issue of accessibility, especially before the Open Access Initiative? Do you
have any concern about this matter?
JoVE uses the subscription business model. The Open Access business model would not work
for JoVE because our expenses for video article are much higher than for regular text articles.
This is because video production (filming and editing) is expensive since we have to pay to
our staff and contractors who do the video work. Typical fees charged by Open Access
journals are in the range $1,000 - $3,000 per article. Our expenses per article are much higher
than this, so we have to use the subscription model. Subscription is the main business model
for JoVE. Publication fees are sponsored for a very small percentage of articles to help to
cover the costs of the video production. We had it for long time.
10) How is the issue of the visibility (impact factor)?
Visibility and impact factors are different things. JoVE is known to millions of scientists and
students. More than 3,000,000 people visited our website in 2012. We receive a lot of
requests for access to JoVE video articles, so it is visible.
The impact factor, first of all, requires inclusion in the Web of Science database, owned by
the company Thomson Reuters. We submitted our application for the inclusion of JoVE and
now are waiting for their decision.
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