CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS DIRETORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens POLLYANNA DE MATTOS MOURA VECCHIO A COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA E O FUTURO: ESTUDO SOBRE AÇÕES INOVADORAS DE EDIÇÃO CIENTÍFICA EM AMBIENTE DIGITAL Orientadora: Profa. Dra. Ana Elisa Ferreira Ribeiro Belo Horizonte, fevereiro de 2014 Pollyanna de Mattos Moura Vecchio A COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA E O FUTURO: ESTUDO SOBRE AÇÕES INOVADORAS DE EDIÇÃO CIENTÍFICA EM AMBIENTE DIGITAL Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Estudos de Linguagens do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagens. Orientadora: Profa. Dra. Ana Elisa Ferreira Ribeiro Belo Horizonte, fevereiro de 2014 CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS DIRETORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO DEPARTAMENTO DE LINGUAGEM E TECNOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGENS Dissertação intitulada “A comunicação científica e o futuro: estudo sobre ações inovadoras de edição científica em ambiente digital”, de autoria da mestranda Pollyanna de Mattos Moura Vecchio, aprovada pela banca examinadora composta pelos seguintes docentes: Profa. Dra. Ana Elisa Ferreira Ribeiro (Orientadora) Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens (Posling/CEFET-MG) Prof. Dr. Carlos Frederico de Brito D‟Andrea Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM/UFMG) Prof. Dr. Francis Arthuso Paiva (Coltec-UFMG) Programa de Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS/FALE/UFMG) Prof. Dr. Renato Caixeta da Silva Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens (Posling/CEFET-MG) Belo Horizonte, 17 de março de 2014 Para minha mãe, Luíza, que sequer sabe o que é comunicação científica ou multimodalidade, mas sempre foi e sempre será minha melhor orientadora. AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Luíza e Juarez, por terem me ensinado desde cedo que estudar é um privilégio e um deleite, jamais uma obrigação. Ao meu marido, Bruno Vecchio, por embarcar comigo em mais essa aventura, sendo sempre tão manso e compreensivo e também por ter me ajudado a entender e resenhar os artigos da área de ciências biológicas. Aos meus irmãos, Fabiana e Marcelo, pelo revezamento eficaz que temos feito na corrida pela saúde de nossa querida mãe e por entenderem minhas ausências durante esse momento tão particular da minha vida. Às minhas cunhadas, Juju e Lulu, e à minha sogra Roseli, por me ajudarem enormemente com os preparativos para a chegada da Malu, concedendo-me mais tempo para focar na dissertação. À minha orientadora, Profa. Dra. Ana Elisa Ferreira Ribeiro, por todo o apoio durante essa etapa da minha vida: desde o impulso inicial para que eu participasse do processo seletivo de mestrado, passando pelas orientações nada convencionais (mas tão eficientes) na mesa da cantina, até chegar à defesa. Seu exemplo de “pesquisadora frenética” está gravado em mim e mudou minha percepção sobre a academia. Ao CEFET-MG, esta instituição que conheci ainda na adolescência e que, desde então, tem sido um dos principais pilares da minha formação intelectual, profissional, acadêmica e humana. Um nome que carrego orgulhosamente no peito como servidora, aluna e ex-aluna e que vou sempre defender e elevar onde quer que eu esteja. Ao DELTEC, setor onde trabalho, pela calorosa acolhida dos colegas desde o meu ingresso na instituição e pelo apoio de todos nessa empreitada. Agradeço especialmente aos chefes que tive durante o período do mestrado e que, sem exceção, apoiaram meus estudos. Sãos eles: os professores doutores Vicente Aguimar Parreiras, Andréa Soares Santos, Renato Caixeta da Silva, Lílian A. Arão e Ângela Vieira Campos. Às minhas queridas, amáveis e tão obedientes estagiárias Thaís Isabelle de Souza César e Ana Carolina Monteiro Lessa de Moura. Ao POSLING, incluindo os professores, a secretária Sandra Aquino e as estagiárias Tathiane e Carolina, pela infraestrutura para a conclusão deste projeto. Ofereço um agradecimento especial à Profa. Dra. Olga Valeska Soares Coelho, por ter despertado em mim o brilho nos olhos ao assistir às suas excelentes aulas e por ter me ajudado a reciclar minha escrita, já tão viciada. Ao meu colega de mestrado André Luiz Silva, pela parceria acadêmica e profissional desde os tempos da especialização. Aos colegas do grupo de pesquisa Produção Editorial, da INTERCOM, pela discussão interessada, pelos conselhos e por terem sido praticamente a minha primeira banca. Aos professores doutores Carlos Frederico de Brito D‟Andrea, Francis Arthuso Paiva e Renato Caixeta da Silva, por terem aceitado fazer parte da minha banca. Aos pesquisadores que gentilmente cederam as entrevistas para esta dissertação, mesmo sendo pessoas tão ocupadas e tão distantes da minha realidade. São eles: Kathleen Fitzpatrick, Ph.D, do projeto MediaCommons Press; Rebecca Lawrence, Ph.D, do F1000Research; e Moshe Pritsker, Ph.D, do projeto The Journal of Visualized Experiments. À minha querida filha, Maria Luíza, que chegou de mansinho e se tornou a principal força propulsora para que eu concluísse este mestrado de forma digna e eficaz. Por fim, ao meu querido e bondoso Pai Celestial, por ter colocado todo esse pessoal aí em cima na minha vida e por ter me emprestado uma minúscula centelha do seu conhecimento infinito para que eu pudesse compartilhar o que aprendi sobre comunicação científica e novas tecnologias. Afinal, é tudo criação Dele! “E em nada ofende o homem a Deus ou contra ninguém está acesa sua ira, a não ser contra os que não confessam sua mão em todas as coisas...” (Doutrina & Convênios, 59:21). LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS AAAS – American Association for the Advancement of Science Artemisa – Articulos Editados en Mexico sobre Información en Salud BIREME – Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde, antiga Biblioteca Regional de Medicina BMC – BIOMED Central BVS – Biblioteca Virtual em Saúde CC – Creative Commons CEFET-MG – Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico DOAJ – Directory of Open Access Journals DOI – Digital Object Identifier DORA –The San Francisco Declaration on Research Assessment FAPESP – Agência de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FI – Fator de Impacto HTML – HyperText Markup Language IBICT – Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia IMLA – Index Medicus Latino-Americano ISSN – International Standard Serial Number JoVE – The Journal of Visualized Experiments Latindex – Sistema Regional de Informação em Linha para Revistas Científicas da América Latina, Caribe, Espanha e Portugal LILACS – Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde MCP – MediaCommons Press NTIC – Novas Tecnologias de Informação e Comunicação OA – Open Access OAI – Open Archives Iniciative OAI-PMH – Open Archives Initiative Protocol for Metadata Harvesting OJS – Open Journal Systems OMS – Organização Mundial da Saúde OPAS – Organização Pan-americana da Saúde PDF Portable Document Format PLOS – Public Library of Science PUC Minas – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais RedALyC – Red de Revistas Científicas de America Latina y el Caribe SciELO – Scientific Electronic Library Online SEER – Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas XML – Extensible Markup Language RESUMO Esta dissertação tem como foco o impacto das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs) nas práticas tradicionais de edição científica. Partimos da hipótese de que a simples transposição do suporte impresso para o digital não leva o pesquisador a usufruir dos benefícios de um tipo de comunicação científica somente possível com o advento das NTICs. Assim, conduzimos um estudo comparativo de casos, a fim de investigar o funcionamento de três iniciativas digitais cujo processo e/ou produto editorial usufruem de forma inovadora do ambiente digital, transgredindo paradigmas tradicionalmente estabelecidos até o momento. As iniciativas abordadas foram os projetos MediaCommons Press (MCP), F1000Research e The Journal of Visualized Experiments (JoVE). Utilizamos como suportes a Teoria dos Gêneros Textuais, com destaque para a corrente sociorretórica, baseando-nos especificamente nas ideias de Bazerman (2005; 2007; 2011) a respeito do gênero acadêmico, e a perspectiva do Discurso Multimodal (KRESS; VAN LEEUWEN, 2001). Em relação ao processo editorial, analisamos a forma como se constituem, em cada um dos casos: 1) o fluxo editorial, 2) a autoria, 3) a revisão por pares, 4) a acessibilidade e 5) a visibilidade/indexação das publicações. Em relação ao produto editorial, analisamos o formato e o conteúdo de um artigo científico publicado por cada uma das iniciativas. Os resultados nos permitem afirmar que há uma nova onda de mudanças ocorrendo no gênero artigo científico em decorrência da otimização do uso das NTICs. Também pudemos concluir que, das três iniciativas, duas tendem a transgredir mais os paradigmas do processo (MCP e F1000Research); outra tende a transgredir mais os paradigmas do produto (JoVE). Além disso, podem coexistir práticas bastante inovadoras do processo e práticas bastante tradicionais do produto ou vice-versa. Os resultados também corroboram a teoria de Bazerman (2011) de que os gêneros não são meras cristalizações formais estagnadas no tempo e no espaço e de que, para se definir um gênero, não devemos nos ater somente aos traços textuais mais típicos, mas sim às relações e às interações mais fundamentais realizadas no ato de comunicação. PALAVRAS-CHAVE: comunicação científica; novas tecnologias de informação e comunicação (NTICs); edição; multimodalidade; gêneros científicos. ABSTRACT This dissertation focuses on the impact of New Information and Communication Technologies (NICTs) in traditional practices of scientific publishing. We start from the hypothesis that the simple transposition from paper to digital format does not lead the researcher to enjoy the benefits of a kind of scientific communication only possible with the advent of NICTs. Therefore, we conducted a comparative case study, in order to investigate the operation of three digital initiatives whose editorial process and/or product innovatively benefit from the digital environment by breaking paradigms traditionally established until the present moment. The initiatives addressed were: MediaCommons Press, F1000Research and The Journal of Visualized Experiments. We relied on the Theory of Textual Genres, highlighting the socio-rhetoric approach, based specifically on Bazerman (2005, 2007, 2011) regarding the academic genre, and on the Multimodal Discourse perspective (Kress, van Leeuwen, 2001). Regarding the editorial process, we analyzed the constitution, in each case, of: 1) editorial flow, 2) authorship, 3) peer review, 4) accessibility and 5) visibility/indexing. Regarding the editorial product, we analyzed the format and content of one scientific article published by each one of the initiatives. The results allow us to conclude that there is a new wave of changes occurring in the genre scientific article due to the optimization of the NICTs use. We were also able to conclude that, among the three initiatives, two of them tend to transgress more paradigms related to the process (MCP and F1000Research), and the other tends to transgress more paradigms related to the product (JoVE). Furthermore, quite innovative practices related to the process may coexist with quite traditional practices related to the product or vice versa. The results also corroborate Bazerman‟s (2011) assumption that genres are not merely formal crystallizations stagnant in time and space and that, in order to define a genre, we should not limit ourselves to only the most typical textual features, but to more fundamental relationships and interactions performed in the act of communication. KEYWORDS: scholarly communication, new information and communication technologies (NICTs); publishing; multimodality; scientific genres. LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 – Comunicação científica no mundo – cronologia ...................................... 29 FIGURA 2 – Primeira edição do periódico Philosophical Transactions ....................... 45 FIGURA 3 – Artigo publicado em 2014 pela revista Astronomy & Astrophysics ......... 46 FIGURA 4 – Esquematização da metodologia proposta ................................................ 68 FIGURA 5 – Página inicial da rede MediaCommons..................................................... 70 FIGURA 6 – Discussão sobre o reality show 30 Days .................................................. 71 FIGURA 7 – Template da plataforma CommentPress para revisão por pares aberta .... 74 FIGURA 8 – Página inicial do website da iniciativa Faculty of 1000 ........................... 77 FIGURA 9 – Página inicial da iniciativa F1000Research. ............................................ 78 FIGURA 10 – Página inicial do website do periódico JoVE ......................................... 82 FIGURA 11 – Exemplo de um videoartigo publicado pelo periódico JoVE ................. 87 FIGURA 12 – Exemplo de um editorial em vídeo ......................................................... 88 FIGURA 13 – Resumo de comentários postados no projeto “Born Digital” ................. 89 FIGURA 14 – Contribuição individual dos autores de um artigo em coautoria ............ 91 FIGURA 15 – Disponibilização de diferentes versões de um mesmo artigo ................. 92 FIGURA 16 – Exemplo de artigo de acesso aberto publicado no JoVE ........................ 96 FIGURA 17 – Número total de artigos publicados pela iniciativa (Base: 2012-2013).. 98 FIGURA 18 – Número de total artigos indexados depois (Base: 2012-2013) ............... 98 FIGURA 19 – Seção introdutória do artigo “CommentPress” ..................................... 104 FIGURA 20 – Comentários de Terje Hillesubynd e Sherman Dorn ............................ 106 FIGURA 21 – Diálogo final entre Terje Hillesubynd e Sherman Dorn ....................... 108 FIGURA 22 – Comentário feito pela autora ................................................................ 109 FIGURA 23 – Artigo Prevalence of antibiotic-resistant... na sua versão online ......... 110 FIGURA 24 – Comentários da parecerista Irene Hanning ........................................... 113 FIGURA 25 – Nota de atualização para a segunda versão do artigo ........................... 115 FIGURA 26 – Ficha catalográfica da segunda versão do artigo .................................. 116 FIGURA 27 – Página do videoartigo Live-cell Video ... Phagocytosis ....................... 117 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 15 1 COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA: ESTADO DA ARTE E QUESTÕES EM DEBATE ........................................................................................................................................ 22 1.1 Introdução ................................................................................................................. 22 1.2 Breve contextualização histórica .............................................................................. 23 1.2.1 Comunicação científica na América Latina........................................................... 29 1.3 O processo editorial científico .................................................................................. 33 1.3.1 Autoria e revisão por pares .................................................................................... 35 1.3.2 Acessibilidade, visibilidade e indexação ............................................................... 37 1.3.3 Movimentos pelo acesso aberto e a Licença Creative Commons ......................... 41 1.4 O produto editorial científico ................................................................................... 43 1.5 O advento das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação.......................... 47 1.6 Tendências atuais: quatro pilares para a comunicação científica contemporânea .... 48 2 PERSPECTIVAS TEÓRICAS ADOTADAS ............................................................. 52 2.1 Introdução ................................................................................................................. 52 2.2 Eixo teórico I: Multimodalidade ou Discurso Multimodal ...................................... 52 2.2.1 Discurso ................................................................................................................. 54 2.2.2 Design .................................................................................................................... 55 2.2.3 Produção ................................................................................................................ 57 2.2.4 Distribuição ........................................................................................................... 59 2.3 Eixo teórico II: Teoria Sociorretórica dos Gêneros .................................................. 61 3 PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................... 65 3.1 Tipo de pesquisa ....................................................................................................... 65 3.2 Técnica de pesquisa e coleta de dados...................................................................... 65 3.2 Seleção do corpus ..................................................................................................... 66 3.3 Análises .................................................................................................................... 67 4 APRESENTAÇÃO DOS CASOS ............................................................................... 69 4.1 Caso 1: MediaCommons Press (MCP) ..................................................................... 69 4.1.1 O MediaCommons Press ....................................................................................... 73 4.2 Caso 2: F1000Research ............................................................................................ 75 4.2.1 O F1000Research .................................................................................................. 76 4.3 Caso 3: The Journal of Visualized Experiments (JoVE) .......................................... 79 5 RESULTADOS, ANÁLISES E DISCUSSÃO ........................................................... 83 5.1 O processo editorial .................................................................................................. 83 5.1.1 Fluxo editorial ....................................................................................................... 83 5.1.1.1 Caso 1: MediaCommons Press ........................................................................... 83 5.1.1.2 Caso 2: F1000Research ...................................................................................... 85 5.1.1.3 Caso 3: JoVE ...................................................................................................... 86 5.1.2. Autoria e revisão por pares ................................................................................... 89 5.1.2.1 Caso 1: MediaCommons Press ........................................................................... 89 5.1.2.2 Caso 2: F1000Research ...................................................................................... 90 5.1.2.3 Caso 3: JoVE ...................................................................................................... 93 5.1.3 Acessibilidade........................................................................................................ 94 5.1.3.1 Caso 1: MediaCommons Press ........................................................................... 94 5.1.3.2 Caso 2: F1000Research ...................................................................................... 94 5.1.3.3 Caso 3: JoVE ...................................................................................................... 95 5.1.4 Visibilidade e indexação das publicações ............................................................. 96 5.1.4.1 Caso 1: MediaCommons Press ........................................................................... 96 5.1.4.2 Caso 2: F1000Research ...................................................................................... 97 5.1.4.3 Caso 3: JoVE ...................................................................................................... 98 5.1.5 Análise do processo editorial sob a perspectiva do discurso multimodal ............. 99 5.2 O produto editorial ................................................................................................. 103 5.2.1 Caso 1: MediaCommons Press ............................................................................ 103 5.2.2 Caso 2: F1000 Research ...................................................................................... 109 5.2.3 Caso 3: JoVE ....................................................................................................... 116 5.2.4 Análise do produto editorial sob a perspectiva do discurso multimodal ............. 119 5.2.5 Análise do produto editorial sob a perspectiva da teoria sociorretórica dos gêneros ...................................................................................................................................... 122 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 125 REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 128 APÊNDICE A – Entrevista com Kathleen Fitzpatrick (MediaCommons Press) ......... 137 APÊNDICE B – Entrevista com Rebecca Lawrence (F1000Research) ...................... 141 APÊNDICE C – Entrevista com Moshe Pritsker (JoVE) ............................................. 146 (...) a proliferação das tecnologias de informação está facilitando a vida de alguns, dificultando a de outros, mas, com certeza, alterando a vida de todos. (HOFFMAN, 1994, p. 232) 15 INTRODUÇÃO O cenário atual da comunicação científica tem preocupado vários pesquisadores. Carência de verba para publicações (sobretudo impressas), avaliações por pares tendenciosas, marginalização das Ciências Humanas, questões envolvendo acessibilidade e uma concorrência desleal diante de publicações de países desenvolvidos são alguns dos desafios enfrentados pela comunidade científica (FERREIRA; TARGINO, 2005; 2008). A despeito desses entraves, cresce a pressão para que os pesquisadores mantenham uma produtividade acadêmica quase desumana e permanece a tendência para uma maior valorização da publicação impressa e da autoria individual, sobretudo na área das Ciências Humanas e Sociais. Segundo Fitzpatrick (2011), diante desses desafios, é preciso repensar a forma como a academia faz comunicação científica hoje, considerando principalmente a tendência mundial para o uso cada vez mais constante do ambiente online e das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs). Segundo Garvey e Griffith (1979), a comunicação científica é a troca de informações entre os membros da comunidade científica (incluindo atividades associadas à produção, à disseminação e ao uso da informação) desde o momento em que o cientista/pesquisador concebe uma ideia para pesquisar até que os resultados sejam aceitos pelos pares como constituintes do estoque universal de conhecimentos. Para Targino (2000), a ideia de troca perpassa todo o fluxo da comunicação científica: o pesquisador repassa à comunidade as informações que obteve em seus estudos e recebe em troca sua confirmação como cientista, dada pelos pares, e a progressão ou manutenção de seu status institucional, alimentando a produção intensa de publicações originais atualmente exigida pelas instituições. Do ponto de vista da produção editorial, as publicações mais comuns de comunicação científica são os periódicos (ou revistas científicas), os livros e os anais, além das monografias, dissertações e teses. Tradicionalmente, a publicação científica se fez em suporte impresso. No entanto, nota-se cada vez mais a existência de publicações e iniciativas digitais. No Brasil, as publicações costumam ser produzidas por instituições de ensino e institutos de pesquisa. Em geral, essas entidades se deparam com diversos desafios para manter a regularidade e a qualidade de suas publicações (RIBEIRO, 2012). Dentre essas dificuldades, existe a carência de recursos financeiros, especialmente para os títulos impressos, que têm volumosas despesas com impressão e distribuição (DIAS; GARCIA, 2008). Diante dessa realidade, a tendência para os próximos anos é de que existam cada vez mais publicações eletrônicas e menos impressas, uma vez que, em termos de aumento da acessibilidade e 16 visibilidade e de redução de custos, o suporte eletrônico parece apresentar inúmeras vantagens sobre o de papel (MEADOWS, 1999; 2001; LEMOS, 2005; FERREIRA; TARGINO, 2010). Essa tendência induz à necessidade de estudos que analisem em que medida as publicações e iniciativas online estão sendo repensadas de modo a explorar satisfatoriamente as potencialidades do ambiente digital. Pelo menos uma questão se levanta sobre as reais vantagens dessa transição: a garantia de que as publicações e iniciativas online não sejam eternamente uma mera transposição do que já existe no formato impresso. Segundo Ribeiro (2010, p. 20), a melhor explicação para o termo “transposição”, nesse contexto de mudança de suportes, é “tirar algo de seu lugar „normal‟ e implantar em outro, em geral, gerando um incômodo de alguma natureza”. Minhas1 primeiras inquietações diante dessa transição de suportes surgiram enquanto preparava meu Trabalho de Conclusão de Curso para uma especialização em revisão de textos no Instituto de Educação Continuada da PUC Minas. Meu objetivo de pesquisa era investigar quais eram os principais desafios na publicação de periódicos científicos produzidos por instituições públicas brasileiras2. Para tanto, conduzi um estudo de caso sobre a Revista Educação & Tecnologia, periódico quadrimestral mantido há 19 anos pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), instituição onde trabalho. Meu corpus de pesquisa eram as 26 edições do periódico publicadas entre 1995 e 2010. Uma vez que não consegui acesso a todas as edições da revista no formato impresso, utilizei a versão digital, ainda no prelo, que estava sendo preparada para que o periódico passasse a ser disponibilizado na plataforma SEER (Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas). Minha decepção foi grande quando descobri que a versão digital era composta por arquivos em formato PDF (Portable Document Format) dos artigos escaneados a partir da versão impressa (algumas vezes com resultados ilegíveis). Aos poucos, fui percebendo que essa realidade da Revista Educação & Tecnologia era a regra e não uma exceção. Segundo Gruszynski e Golin (2006), há uma disseminação de artigos científicos online em formato PDF publicados com a mesma tradição de apresentação linear de elementos dos textos impressos. Embora a tecnologia dos tablets e de celulares com telas cada vez maiores tenha facilitado bastante a leitura de documentos na tela, muitos leitores, para ler 1 Utilizo a primeira pessoa do singular nesta seção porque trato de motivações pessoais em relação ao impulso inicial para a realização desta pesquisa. No entanto, da seção seguinte em diante, optei por usar a primeira pessoa do plural, implicando, com o uso do termo “nós”, a parceria entre mim e minha orientadora no desenvolvimento do estudo. 2 Ver Vecchio (2012). 17 com mais comodidade, ainda imprimem os estudos que vêm em formato PDF, perpetuando práticas de leitura herdadas da tradição impressa. No caso do periódico científico especificamente, Gruszynski e Golin (2006) afirmam que ele deverá manter vários parâmetros já consolidados pelas revistas impressas. Há a necessidade, por exemplo, de uma política interna, de conselhos editoriais e de uma rigorosa avaliação por pares. Também é preciso que o periódico eletrônico siga um escopo temático, mantenha edições regulares e apresente um número de registro (International Standard Serial Number – ISSN), entre outros critérios. As autoras afirmam que “a disponibilidade da produção científica na internet é cada vez mais comum e não pode ficar restrita aos recursos de mera transposição da produção gráfica impressa” (GRUSZYNSKI; GOLIN, 2006, p. 5). Com o tempo, esse incômodo inicial com a inadequação do suporte ao propósito foi se agravando durante meu trabalho como revisora e tradutora. Ao revisar ou traduzir teses, dissertações ou artigos de áreas bastante visuais (como o cinema, a mídia televisiva e a biologia), muitas vezes ficava frustrada ao ler descrições de cenas de filmes, de trechos de telejornais ou de experimentos laboratoriais ilustrados somente com a exposição de figuras em quadrantes. Imaginava que um dia seria possível que o pesquisador pudesse usar a internet e seu caráter essencialmente multimídia para potencializar a forma como se faz e como se visualiza a comunicação científica nos dias de hoje. Além disso, idealizava que não só o formato dos textos poderia usufruir mais das tecnologias digitais, mas também o processo editorial científico poderia ser mais beneficiado com uma mudança nas formas tradicionais de submissão, autoria, revisão por pares, acesso e visibilidade. O que tem acontecido é que poucas publicações ou iniciativas digitais de comunicação científica formal oferecem ao leitor as comodidades tecnológicas próprias do hipertexto e da hipermídia. Poucos apresentam interfaces mais adequadas ao modo de assimilação da informação em um suporte que se caracteriza essencialmente pela facilidade de utilização de recursos multimídia. Segundo Marcuschi (2001): [...] o hipertexto, aliado às vantagens da hipermídia, consegue integrar notas, citações, bibliografia, referências, imagens, fotos ou outros elementos encontrados na obra impressa, de modo eficaz e sem a sensação de que sejam notas, citações etc. Em suma, subverte os movimentos e redefine as funções dos constituintes textuais básicos. (p. 94) Considerando o contexto exposto até aqui, a hipótese para a condução desta pesquisa foi de que a simples transposição do suporte impresso para o digital não leva o pesquisador a 18 usufruir dos benefícios de um tipo de comunicação científica somente possível com o advento das NTICs. Meus incômodos e inquietações iniciais se transformaram num desafio pessoal de tentar descobrir alguém ou alguma instituição que estivessem fazendo comunicação científica online de forma intrinsecamente ligada ao espaço virtual. Assim, esta dissertação trata da existência e do funcionamento de iniciativas digitais cujo processo e/ou produto editorial usufruem de forma inovadora do ambiente digital, transgredindo paradigmas tradicionalmente estabelecidos até o momento. Se as publicações científicas em ambiente digital disponibilizassem mais recursos do hipertexto, da hipermídia e da interatividade, por exemplo, a internet possibilitaria que um artigo levasse o leitor ao corpus original pesquisado, a cenas de filmes ou a outros arquivos audiovisuais, a projetos arquitetônicos com imagens em 3D e a tantos outros recursos e fontes de pesquisa somente possíveis de se acessar em um ambiente multimídia. Seria possível, inclusive, iniciar um percurso rumo a uma espécie de convergência de mídias3 (JENKINS, 2008), caminho que o jornalismo há algum tempo já vem trilhando e que já foi explorado por pesquisas como a de Gonzaga-Pontes (2012) e Gonçalves (2013). O próprio Prêmio Nobel de Química de 2013 refletiu o reconhecimento da comunidade científica sobre o uso das novas tecnologias em práticas dificilmente alcançáveis por métodos não virtuais. Os premiados foram os pesquisadores Martin Karplus, da Universidade Harvard, Michael Levitt, da Universidade Stanford, e Arieh Warshel, da Universidade do Sul da Califórnia, pela criação de um programa de computador que faz simulações de reações químicas e prevê a forma como acontecem as mudanças na estrutura das moléculas4. Estudos sobre a transição do suporte impresso para o digital não são novidade, especialmente para as áreas da Linguística e do Jornalismo. Em Ribeiro e outros (2009), por exemplo, encontram-se os resultados de uma pesquisa sobre a interação de usuários com versões digitais simuladoras de jornais impressos. Tavares (2011), por sua vez, abordou a multimodalidade de textos jornalísticos ao comparar reportagens de capa de três revistas semanais brasileiras de grande circulação nas suas versões em suporte impresso, internet e 3 A noção de cultura da convergência e de convergência de mídias tem como principal defensor o pesquisador norte-americano Henry Jenkins e, em termos gerais, consiste na ideia do fluxo de conteúdo por meio de múltiplas plataformas midiáticas, da cooperação entre os vários setores da mídia e do comportamento migratório da audiência, que hoje percorre vários tipos de mídia (TV, internet, rádio) em busca do tipo de entretenimento que proporciona a experiência desejada (JENKINS, 2008). 4 Fonte: Site Oficial do Prêmio Nobel. Disponível em: <http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/chemistry/ laureates/2013/>. Acesso em: 11 out. 2013. 19 mobile. Gruszynski e Castedo (2008) abordaram a eficácia comunicacional na transição do impresso para o digital em periódicos científicos especificamente, com enfoque para questões relativas à área do Design. Uma característica comum de estudos direcionados ao fenômeno da transição de suportes é o caráter comparativo entre um mesmo objeto em sua versão impressa e em versão digital. Nesse sentido, há uma certa lacuna de pesquisas que se voltem especificamente para o objeto próprio da era digital, para um objeto que use as novas tecnologias de forma a subverter práticas tradicionais arraigadas em séculos de cultura do papel. Uma tentativa brasileira de preencher essa lacuna encontra-se nos estudos de Castedo (2007), cujo objetivo de pesquisa é bastante similar ao que se fez aqui. Em seu artigo Periódicos científicos on-line: novas interfaces, novos usos, novas práticas, a autora reflete sobre duas iniciativas digitais de comunicação científica que também procuram explorar características específicas da web. Seu objeto de estudo são as práticas editoriais inovadoras de revisão por pares propostas pela editora BIOMED Central e o uso de links em periódicos publicados no Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas ou Open Journal Systems (SEER/OJS). Abordando a questão do multiletramento acadêmico, Florek e Hendges (2013) também fazem um estudo interessante sobre as características de resumos acadêmicos gráficos5 disponíveis online em relação ao grau de especialização visual das informações. As autoras concluem que o grau de especialização da linguagem visual no corpus pesquisado é bastante alto, evidenciando o reflexo, nas figuras, da padronização do gênero acadêmico científico já estabelecida pela cultura verbal escrita. Os estudos de Castedo (2007) e Florek e Hendges (2013) abrem caminhos para pesquisas futuras mais aprofundadas sobre o assunto. Para tanto, nesta dissertação, estudamos o caso de três iniciativas online que apresentam uma nova forma de comunicação científica subsidiada pelo uso das NTICs. Como um passo à frente ao que foi feito por Castedo, não só buscamos outras iniciativas ainda mais recentes, mas, sobretudo, nós as abordamos sob a perspectiva da multimodalidade, além de desenvolver uma reflexão a respeito de algumas mudanças ocorridas no gênero “artigo científico” em decorrência das tecnologias digitais. 5 Um resumo acadêmico gráfico (graphical abstract) é um resumo simples, conciso, pictórico e visual das principais conclusões de um artigo. Trata-se de uma “figura-chave”, ou seja, uma espécie de infográfico que permite que os leitores obtenham rapidamente uma compreensão geral do trabalho descrito no artigo. Fonte: Editora Elsevier (Instruções para autores). Disponível em: < http://www.elsevier.com/journal-authors/graphicalabstract>. Acesso em: 06 fev. 2014. 20 Além disso, uma vez que dois dos casos que foram tratados nesta pesquisa são iniciativas bem-sucedidas de comunicação científica sob um modelo de publicação com acesso aberto, ou seja, gratuito, uma das justificativas para a condução deste estudo é de que esses projetos podem servir como incentivo e modelo para iniciativas locais. A pesquisa teve dois focos de interesse: o processo e o produto editorial das iniciativas elencadas para estudo. Ou seja, focamos em entender como (processo) e o que (produto) essas iniciativas de comunicação científica estão produzindo na web de forma a transgredir paradigmas estabilizados durante séculos de cultura impressa. Diante desse contexto, o estudo foi desenvolvido com vistas a responder à seguinte pergunta: como são o processo e o produto editorial de iniciativas de comunicação científica em ambiente digital que utilizam as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação de forma a subverter práticas próprias da tradição impressa e quais mudanças podem ser percebidas no gênero “artigo científico” em função do uso dessas novas tecnologias? Nosso objetivo geral de pesquisa foi desdobrado em dois tópicos, quais sejam: (1) analisar a maneira como elementos próprios da comunicação científica são constituídos em três iniciativas em ambiente digital consideradas inovadoras, a fim de verificar se as modificações apresentadas nesses projetos estão ajudando a engendrar um novo paradigma de comunicação científica e (2) investigar, no âmbito do gênero discursivo científico, o que está acontecendo com o gênero artigo científico em função do uso das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação. Entendemos como gênero discursivo aquilo que Bakhtin (2003, p. 262) chama de “tipos relativamente estáveis de enunciados” e consideramos o artigo científico (paper) como o gênero textual mais representativo da comunicação formal entre a comunidade científica na atualidade (CASTRO, 2006; MOTTA-ROTH; HENGDES, 2010). Para conduzir a pesquisa, utilizamos como suportes a Teoria dos Gêneros Textuais, com destaque para a corrente sociorretórica, baseando-nos especificamente nas ideias de Bazerman (2005; 2007; 2011) a respeito do gênero acadêmico, e a perspectiva do Discurso Multimodal (KRESS; VAN LEEUWEN, 2001). Como objetivos específicos, focamos em: i) discutir questões atuais relacionadas ao impacto das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação sobre as formas tradicionais de comunicação científica no mundo; ii) descrever a história, o contexto e o funcionamento de cada um dos casos de edição científica eleitos para estudo, com ênfase para as características que os particularizam como iniciativas inovadoras; iii) analisar a forma como se constituem, em cada um dos casos, os seguintes elementos do processo editorial: 1) fluxo editorial, 2) autoria, 3) revisão por pares, 4) acessibilidade, 5) 21 visibilidade/indexação das publicações; e, por fim, iv) analisar o produto editorial dessas iniciativas. Os casos eleitos para estudo são: (1) o MediaCommons Press (MCP), um espaço virtual para revisão aberta de textos científicos desenvolvido em um formato inovador de blog; (2) o F1000Research, um editor científico online que publica artigos com base nos seguintes princípios: publicação imediata, publicação concomitante dos dados originais de pesquisa, revisão por pares pós-publicação, publicação das considerações e da identidade dos pareceristas e acesso aberto e, por fim, (3) o The Journal of Visualized Experiments (JoVE), um periódico científico eletrônico na área da Medicina, Biologia, Química e Física que se baseia no formato tradicional de periódicos indexados e revisados por pares, mas cujos artigos são apresentados em formato de vídeos com a filmagem profissional dos procedimentos experimentais e protocolos, acompanhados de descrições textuais. Dos três casos, um foi descoberto por indicação pessoal (MCP), outro por pesquisa pela internet (JoVe) e outro (F1000Research) durante as várias leituras que fizemos para estabelecer o estado da arte da dissertação. A definição dessas iniciativas como “inovadoras” foi feita primeiramente porque elas mesmas se definem como tal e, para constatação, valemonos do conhecimento que adquirimos ao estabelecer o estado da arte desta dissertação e verificarmos que as mudanças propostas pelas três iniciativas realmente apresentam inovações nas práticas tradicionais de comunicação em ciência. Além da introdução e das considerações finais, este trabalho se apresenta em cinco capítulos. No Capítulo 1, temos uma revisão da literatura a respeito da comunicação científica, incluindo a discussão de alguns conceitos fundamentais relacionados ao processo e ao produto editorial científico, a contextualização histórica e um panorama geral sobre as principais questões atuais envolvendo o tema e o impacto das novas tecnologias. No Capítulo 2, apresenta-se o eixo teórico adotado, ou seja, a Teoria dos Gêneros Textuais e a perspectiva da Multimodalidade, mais especificamente os pontos de interesse para a análise que se empreendeu nesta pesquisa. No Capítulo 3, relatamos como se deu o nosso percurso metodológico, incluindo o método de pesquisa utilizado, os critérios para a composição da amostra, as categorias elencadas para estudo e as etapas de coleta e sistematização dos dados. No Capítulo 4, são apresentados os três casos de estudo. Por fim, no Capítulo 5, comparamos e analisamos os dados obtidos em cada um dos três casos sob a luz da Multimodalidade e da Teoria Sociorretórica dos Gêneros Textuais, de Bazerman. 22 1 COMUNICAÇÃO CIENTÍFICA: ESTADO DA ARTE E QUESTÕES EM DEBATE 1.1 Introdução Meadows (1999) afirma que a comunicação é “tão vital quanto a própria pesquisa, pois a esta não cabe reivindicar com legitimidade este nome enquanto não houver sido analisada e aceita pelos pares. Isto exige necessariamente que seja comunicada” (p. vii). Essa visão é corroborada por Kuhn (1990), pois o autor argumenta que a ciência funciona por meio de uma mudança constante de paradigmas: novas ideias põem em crise um paradigma até então estabelecido. Assim, quando nasce um paradigma, ele traz consigo uma nova visão da prática científica vigente e incorpora novos temas prioritários, novas técnicas e métodos, novas hipóteses e teorias, num ciclo constante e ilimitado. Le Coadic (1996) também ressalta a importância da circulação da informação para a existência da ciência quando sustenta que: A informação é o sangue da ciência. Sem informação, a ciência não pode se desenvolver e viver. Sem informação a pesquisa seria inútil e não existiria o conhecimento. Fluido precioso, continuamente produzido e renovado, a informação só interessa se circula, e, sobretudo, se circula livremente. (LE COADIC, 1996, p. 27) Além disso, segundo Griffith (1989), “a comunicação é o único comportamento comum a todos os cientistas, pois os demais são específicos de cada área, ou [são] técnicos” (p. 600). É a essa ideia de troca e circulação, contida nas citações anteriores, que se dá o nome de comunicação científica. Expandindo o conceito, interessa-nos ainda a diferença e complementaridade das noções de comunicação científica formal e informal. A comunicação formal se apresenta prioritariamente em linguagem escrita e é veiculada por meio de inúmeros canais formais como periódicos, anais, coletâneas, livros, teses, dissertações etc. Meadows (1999) sustenta que a comunicação formal é direcionada a um público potencialmente grande, porém proporciona pouca interação entre o público e o pesquisador. Na comunicação formal, a informação normalmente é menos instantânea, mas pode ser permanentemente armazenada e recuperada. A comunicação informal consiste na troca de ideias entre os pesquisadores por meio de canais que, em geral, não são registrados oficialmente, nem podem ser resgatados com a mesma facilidade que os veículos formais. Trata-se de discussões travadas em reuniões, 23 simpósios, seminários, debates, conversas particulares, telefonemas, cartas e, mais recentemente, por meios eletrônicos como mensagens de e-mail, diretórios, blogs, wikis, redes sociais etc. Segundo Meadows (1999), a comunicação informal apresenta um público mais restrito, porém com maior capacidade de feedback para o pesquisador. Ela é mais atual, mais redundante, mas, em geral, não pode ser facilmente armazenada ou recuperada. Em suma, conforme já definido por estudiosos do tema, como Garvey e Griffith (1979), Meadows (1999) e Müeller (1994), o processo de comunicação científica consiste na interação formal e informal entre pesquisadores que procuram atender seus interesses individuais ou coletivos de pesquisa, mediante influência e diálogo recíprocos e permanentes. Müeller (1994) afirma que uma das mais fortes motivações que levam os cientistas a se comunicarem é a obtenção de opiniões de outros cientistas a respeito de suas próprias pesquisas e o estabelecimento da propriedade intelectual. Segundo Oliveira e Noronha (2005), esses fatores costumam ser mais importantes para o pesquisador do que a própria busca por informações. Para finalizar esta seção, advertimos sobre a ambiguidade criada entre os conceitos de comunicação científica e de divulgação científica. Diferentemente do primeiro, a divulgação científica (também conhecida como vulgarização da ciência e popularização da ciência) se refere à comunicação de cientistas para a sociedade em geral. Essa divulgação é feita pela grande mídia (em jornais, revistas, programas televisivos como telejornais e documentários), ou pelas TVs universitárias e por material de divulgação de agências de fomento, entre outros. Segundo Pinheiro (2003), embora os dois termos não se equivalham, é inegável aceitar que um dos primeiros fenômenos decorrentes da internet foi a aproximação entre comunicação científica (de cientistas para cientistas) e divulgação científica (de cientistas para a sociedade). 1.2 Breve contextualização histórica Um mapeamento histórico plausível da comunicação científica no mundo é bastante difícil de ser feito, uma vez que, como vimos na seção anterior, a comunicação informal não costuma ser registrada, embora seja parte substancial dessa história. Podemos, no entanto, mapear alguns acontecimentos relevantes na história do periódico científico, veículo mais expressivo da comunicação científica formal (GUÉDON, 2001; PATALANO, 2005), e das sociedades científicas, entidades inicialmente responsáveis pela manutenção do fluxo editorial científico. Fjällbrant (1997) nos oferece um panorama dessa trajetória. 24 Segundo a autora, em meados do século XVII, houve um movimento para proporcionar um fórum de cooperação entre cientistas e outras pessoas interessadas em ciência. Nesse período, foram organizadas algumas sociedades científicas, como a Royal Society, fundada em Londres em 1660, e a Académie des Sciences, fundada em Paris em 1666. Essas sociedades científicas representavam um movimento em direção a uma organização cooperativa entre cientistas, independentemente de opiniões políticas ou de associação profissional. Nessa época, surge o Journal des Sçavans, considerado o primeiro periódico literário e científico de todos os tempos. Foi publicado pela primeira vez em Paris, em 05 de janeiro de 1665, como resultado de um empreendimento privado do editor Denis de Sallo (FJÄLLBRANT, 1997). Segundo Mckie (1948), o Journal des Sçavans continha textos dos mais variados gêneros: dados de experimentos em física e química, descobertas nas artes e na ciência, observações astronômicas e anatômicas, julgamentos legais e eclesiásticos de vários países, além de resenhas e obituários. A princípio publicado semanalmente, o Journal des Sçavans teve de ser suprimido em março 1665. A publicação, entretanto, foi retomada a partir de janeiro de 1666 e uma série de cento e onze volumes foi publicada entre 1665 e 1792, quando a revista foi extinta durante a Revolução Francesa (FJÄLLBRANT, 1997). Em 1797, retornou com nova ortografia para nome: Journal des Savants. A revista foi de grande importância na medida em que forneceu um modelo e um estímulo para a criação de outras. Segundo Fjällbrant (1997), um dos objetivos da Royal Society de Londres era informar sobre seu trabalho científico. Seus membros tinham visto e discutido um exemplar do Journal des Sçavans e quiseram fazer algo parecido, mas mais filosófico. Assim, o primeiro volume da revista Philosophical Transactions, da Royal Society, foi publicado em 06 de março de 1665, em Londres. Foi a primeira publicação em série produzida por uma sociedade científica. A Philosophical Transactions era uma publicação mensal que reunia material científico, juntamente com resenhas de livros e com um espaço para discussões entre pessoas que possuíssem opiniões científicas divergentes. Essa revista forneceu um modelo para publicações posteriores de academias científicas em toda a Europa. As revistas das sociedades científicas continham não só material científico original – que consistia, na verdade, em correspondência entre cientistas e trabalhos lidos em reuniões das entidades –, mas também comentários de trabalhos científicos em áreas específicas. Além disso, havia reproduções de material publicado em outros lugares, principalmente traduções. 25 Segundo Fjällbrant (1997), naquela época, os cientistas frequentemente publicaram seus trabalhos em mais de uma revista, uma vez que as sociedades estavam preocupadas com a propagação e difusão cada vez maior do conhecimento científico. Paralelamente às publicações das sociedades científicas, foram publicadas revistas por grupos comerciais privados, como o periódico Giornale Letterati, que foi publicado em Roma entre 1668 e 1681 e era baseado no Journal des Sçavans. Segundo Fjällbrant (1997), houve um crescimento lento na publicação de revistas científicas no século XVIII, com cerca de cinco novos títulos publicados entre 1700 e 1750, seguido de um crescimento mais rápido na segunda metade do século, com cerca de setenta novos títulos, incluindo alguns bem conhecidos, como Annales de Chimie (et de Physique), de 1790, e Annalen der Physik, de 1799. Vale ressaltar que os periódicos não eram a única forma de comunicação formal entre os cientistas. Nessa época, havia outras formas de comunicação impressa, como os livros e os jornais, além, é claro, dos vários meios de comunicação informal. O livro também foi uma forma estabelecida de comunicação em ciência (assim como em outras áreas) antes do século XVII. Segundo Fjällbrant (1997), a Royal Society e outras sociedades científicas publicaram livros, juntamente com as revistas, no entanto, a publicação de um livro era um processo lento e dispendioso. O mercado de livros científicos não era grande, por isso a editora teria de assumir um risco financeiro considerável. Um livro era muitas vezes o meio para relatar o trabalho de uma vida inteira de um cientista. Seus trabalhos “menores” eram divulgados, de fato, pelos periódicos. Na Europa do século XVII, houve um grande aumento da população e isso pode ter sido um fator que contribui para que a procura por informações aumentasse. A revista científica e o jornal diário ou semanal, assim, surgiram mais ou menos na mesma época. Os jornais frequentemente continham informações sobre agricultura e pecuária. Meadows (1999) menciona que outra fonte de notícias de natureza semicientífica eram os almanaques populares e os calendários desse período. Em 1731, ainda na Europa, é lançado, pela Royal Society of Edinburgh, o Medical Essays and Observations, o primeiro periódico totalmente revisado por pares. Nos Estados Unidos, também houve o surgimento de sociedades científicas (e, posteriormente, de suas respectivas publicações) desde meados do século XVIII. Criada em 1743, a Sociedade Filosófica Americana (American Philosophical Society) foi a primeira sociedade acadêmica das Américas, criada antes mesmo de os EUA terem conseguido sua independência. 26 Do século XIX em diante, os EUA foram se tornando cada vez mais o centro científico mundial e é lá que surgem as principais novidades no setor. Em 1848, surge a Associação Americana para o Avanço da Ciência (American Association for the Advancement of Science – AAAS), que ainda hoje é a maior sociedade de ciências gerais do mundo e é responsável pela publicação da renomada revista Science, fundada em 1880. Em 1869, a revista Nature é publicada pela primeira vez. Em 1947, a Elsevier, uma megaeditora comercial bastante tradicional em outras modalidades, lança sua primeira revista científica internacional, a Biochimica et Biophysica Acta. Em 1978, surge o primeiro periódico científico eletrônico, financiado pela National Science Foundation e desenvolvido no New Jersey Institute of Technology, nos Estados Unidos (TARGINO, 1999). Em 1990, o Postmodern Culture torna-se o primeiro periódico publicado exclusivamente online, sem versão impressa disponível. Em 1991, é lançado o arXiv, a primeira plataforma online de pré-impressão científica6. Em 2000, chega ao cenário da comunicação científica o BIOMED Central (BMC), um editor científico com base no Reino Unido que fornece acesso gratuito a pesquisas científicas7. Suas publicações concentram-se nas áreas da Ciência, Biologia e Medicina e atualmente disponibiliza 257 periódicos revisados e de acesso aberto. Todos os artigos são originais e permitem acesso aberto online imediatamente após a publicação. Os autores que publicam no BIOMED Central mantêm os direitos autorais de seu trabalho por meio da Licença Creative Commons, que permite que os artigos sejam reutilizados e redistribuídos sem restrição, desde que a obra original seja corretamente citada. Um dos grandes diferenciais do BIOMED Central é que, embora muitas de suas revistas ainda trabalhem com a revisão por pares tradicional, outras passaram a trabalhar com um sistema de revisão aberta em que os pareceristas são convidados a assinar e publicar seus comentários. Assim, a trajetória de pré-publicação de cada artigo (incluindo todas as versões apresentadas, os pareceres dos revisores e as respostas dos autores) fica disponível junto ao artigo publicado. Segundo Castedo (2007): A prática de publicar também o processo de avaliação dos artigos leva a comunicação científica a um outro estágio. Desse modo, como apresentado pela BIOMED Central, os interessados nesse tipo de informação têm a possibilidade de 6 Na comunicação científica, a pré-impressão (conhecida como preprint) surgiu como uma forma de disponibilizar artigos científicos antes da avaliação por pares e da publicação formal, uma vez que esta muitas vezes demora meses ou mesmo anos para se efetivar. A distribuição imediata de preprints permite aos autores receber feedback inicial de seus pares, o que pode ser útil na preparação de artigos para submissão. 7 Dados obtidos no website oficial do BIOMED Central. Disponível em: <http://www.biomedcentral.com/about>. Acesso em: 27 set. 2013. 27 acompanhar as discussões sobre os assuntos em questão, bem como entender o contexto da avaliação, sabendo quem são os pareceristas e podendo inferir sobre seus critérios de revisão. Isso modifica o processo de produção do conhecimento, uma vez que altera a prática editorial de avaliação de periódicos científicos. Assim, reconfigura-se também a relação entre autores – na situação de pesquisadores que submetem artigos e de pareceristas que têm seus pareceres publicados – e leitores, uma vez que o acesso aberto ao procedimento de avaliação os aproxima de uma forma nunca vista no processo de edição de revistas impressas. (CASTEDO, 2007, p. 5) Em 2002, como uma das consequências da Iniciativa de Acesso Aberto, é lançado o Open Journal System (OJS), um software gratuito desenvolvido por pesquisadores da Universidade British Columbia, no Canadá, para a construção e gestão de publicações periódicas eletrônicas. No Brasil, o OJS foi adaptado pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) e passou a se chamar Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER). Segundo Graham (2009), o OJS/SEER auxilia em todas as fases do processo de publicação revisado por pares, desde a etapa de submissões até a publicação final online e indexação. Suas principais características são: 1) é instalado e controlado localmente e 2) após treinamento, os próprios editores (e não a equipe técnica) conseguem configurar os requisitos, as seções e o processo de revisão. Com o OJS/SEER, o fluxo e os procedimentos editoriais ficam mais transparentes e mais rápidos. Além disso, ao utilizar o protocolo OAI-PMH8, o sistema permite o intercâmbio de metadados (ou seja, de dados que descrevem informações sobre cada publicação), o uso de ferramentas de apoio à pesquisa, assim como mecanismos para preservação dos conteúdos. No OJS/SEER, a apresentação e gestão de todo o conteúdo é online. Além disso, o sistema inclui ferramentas de leitura de conteúdo com base no campo assunto e na escolha dos editores. Os usuários (editores, autores, pareceristas, tradutores, revisores linguísticos e leitores) se comunicam via e-mail de notificação. Sobre as ferramentas de leitura e os hiperlinks acrescentados aos artigos, Castedo (2007) afirma que: Esses exemplos de utilização de links, que remetem a conteúdos adicionais aos artigos, podem ser considerados um avanço considerável no uso da possibilidade hipertextual da Internet, pensando na publicação de periódicos científicos eletrônicos. Os leitores, se ativadas as opções pelos editores que se utilizam do SEER, têm à sua disposição indicações do que ler de forma suplementar e onde procurar outras referências sobre os assuntos abordados. (p. 7) 8 O protocolo Open Archives Initiative Protocol for Metadata Harvesting (OAI-PMH) é um mecanismo para a interoperabilidade entre repositórios e intercâmbio de metadados. Os provedores de dados servem como repositórios que expõem metadados estruturados via OAI-PMH. Os provedores, então, fazem solicitações de serviços OAI-PMH para a coleta desses metadados. Fonte: Open Archives Initiative. Disponível em: <http://www.openarchives.org/pmh/>. Acesso em: 28 set. 2013. 28 Segundo a autora, o sistema oferece ainda outro avanço na forma de hiperlinks ainda subutilizada por vários periódicos disponíveis no SEER: a inserção de links pelo autor ao longo do artigo. Segundo Castedo (2007): A inserção de links pelo autor, durante o processo de redação do artigo, agilizaria o acesso ao documento de referências, em relação à busca pelas “Ferramentas de Leitura”. Entretanto, tendo em vista a falta de hábito da parte dos autores de redigir artigos que contenham links ativos, a iniciativa do sistema faz, na prática, com que partam dos editores as opções de busca de conteúdo adicional aos leitores. (p. 7) Em 2003, é fundada a Public Library of Science (PLOS), que também é um projeto sem fins lucrativos que tem como objetivo ser uma biblioteca para o acesso aberto a publicações científicas. Em 2006, é lançado o PLOS One, um enorme periódico revisado de acesso aberto. Em dezembro de 2011, o PLOS ONE já estava publicando 70 artigos por dia. Em 2010, é escrito o Manifesto Altmetrics, documento que descreve as novas formas potenciais de medir o impacto da pesquisa além de citações e índices de fator de impacto 9. Em 2012, são lançadas várias revistas inovadoras, incluindo o F1000Research, o PeerJ e o eLife, que são periódicos online revisados e de acesso aberto. Esses novos periódicos estão experimentando novas formas de revisão por pares, novos modelos de negócios e novas fontes de financiamento. O primeiro deles, o F1000Research, é um de nossos casos de estudo. A seguir, podemos visualizar uma cronologia10 dos eventos descritos até aqui. 9 O “fator de impacto”, comumente abreviado como FI, é uma medida que reflete o número médio de citações de artigos científicos publicados em determinado periódico. É empregado frequentemente para avaliar a importância de um dado periódico em sua área, sendo que aqueles com um maior FI são considerados mais importantes do que aqueles com um menor FI. É calculado pela empresa Thomson Reuters e foi originalmente criado como uma ferramenta para ajudar bibliotecários a identificar os periódicos mais indicados para aquisição. Atualmente, no entanto, funciona como uma medida da qualidade científica da pesquisa em um artigo e é bastante criticado por alguns membros da comunidade científica, uma vez que não estratifica os artigos individualmente, mas somente o periódico como um todo. 10 Embora tenhamos almejado apresentar uma cronologia de eventos, a Figura 1 é meramente ilustrativa, por isso não há uma proporção correspondente entre o espaço entre as datas e o período de tempo transcorrido. 29 FIGURA 1 – Comunicação científica no mundo – cronologia Fonte: Elaborada pela autora. 1.2.1 Comunicação científica na América Latina Embora também seja difícil traçar uma história precisa da comunicação científica na América Latina, uma vez que parece não haver muitos registros a esse respeito, exporemos aqui alguns acontecimentos relevantes ocorridos nessa parte do mundo nas últimas décadas. Admitimos que nossa abordagem terá como enfoque a área das ciências da saúde e atribuímos tal incompletude à escassez de material bibliográfico que relate dados históricos sobre a comunicação científica em outras áreas (como as humanidades) na América Latina. Em 1967, em São Paulo/Brasil, foi fundada a plataforma BIREME, um Centro Especializado da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) para cooperação técnica em informação e comunicação científica em saúde na Região das Américas. A sigla tem origem no antigo nome, Biblioteca Regional de 30 Medicina (BIREME), mas atualmente é denominado Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde, mantendo, no entanto, a mesma sigla BIREME 11. No início (de 1967 ao final da década de 1970), sua função se baseava na formação de recursos humanos em gestão e operação de bibliotecas e centros de documentação, desenvolvimento de coleções locais, uso compartilhado de coleções entre bibliotecas, serviços de atenção aos usuários, pesquisas bibliográficas na base de dados MEDLINE12 e fotocópias de documentos. Na década seguinte, passa a fazer também o controle bibliográfico e indexação da literatura publicada nas revistas científicas de saúde da América Latina e Caribe. Lança, em 1979, o Index Medicus Latino-Americano (IMLA), indexando cerca de 150 revistas. No final dos anos 1980, a plataforma BIREME expande sua atuação, passando a manter sedes em outros países da região. Nesse mesmo período, promoveu o uso de computadores nas bibliotecas, tanto para a produção descentralizada de sua base de dados quanto para a pesquisa bibliográfica em CD-ROM e posteriormente online. O LILACS13 CD-ROM, produzido pela plataforma BIREME e lançado em 1988, foi um dos primeiros CD-ROMs de informação científica produzido no mundo. Mais adiante, voltaremos a falar da plataforma BIREME. Segundo Gamboa e Islas (2005), outro registro de um dos primeiros periódicos científicos eletrônicos feitos na América Latina ocorreu no México, em 1992, com a publicação do CD-ROM denominado Artemisa (Articulos Editados en Mexico sobre Información en Salud). A publicação reunia artigos publicados em 12 revistas mexicanas e disponibilizava buscas automáticas. Ainda segundo Gamboa e Islas (2005), em 1995, em Cuba, foi lançada a primeira versão eletrônica da Revista Cubana de Plantas Medicinales. Nessa época, a ilha estava sofrendo uma grave crise econômica em função da derrocada da União Soviética. Por isso, as 700 revistas cubanas impressas publicadas anteriormente à crise foram reduzidas a 262, em 11 Disponível em: <http://www.paho.org/bireme/index.php?option=com_content&view=article&id=33&Itemid= 43&lang=pt>. Acesso em: 27 set. 2013. 12 O MEDLINE é uma base de dados da literatura internacional na área médica e biomédica, produzida pela NLM (National Library of Medicine, USA) e que contém referências bibliográficas e resumos de mais de 6.000 títulos de revistas publicadas nos Estados Unidos e em outros 70 países. Contém referências de artigos publicados desde 1966, que cobrem as áreas de: medicina, biomedicina, enfermagem, odontologia, veterinária e ciências afins. A atualização da base de dados é mensal. Fonte: Biblioteca Virtual em Saúde. Disponível em: <http://www.bireme.br/php/level.php?component=107&item=107>. Acesso em: 27 set. 2013. 13 O LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) é um índice bibliográfico da literatura relativa às ciências da saúde publicada nos países da América Latina e Caribe a partir de 1982. É um produto cooperativo da Rede BVS. Possui mais de 600.000 registros bibliográficos de artigos publicados em cerca de 1.500 periódicos em ciência da saúde, das quais aproximadamente 800 são atualmente indexadas. A LILACS também indexa outros tipos de literatura científica e técnica como teses, monografias, livros e capítulos de livros, trabalhos apresentados em congressos ou conferências, relatórios, publicações governamentais e de organismos internacionais regionais. Pode ser acessada no Portal de Pesquisa da BVS, no seu próprio portal ou no Google. Fonte: Biblioteca Virtual em Saúde. Disponível em: <http://www.bireme.br/php/level.php? component=107&item=107>. Acesso em: 27 set. 2013. 31 1991. O panorama da falta de recursos alertou os editores, que viram no meio eletrônico uma forma de evitar que as revistas fossem extintas. Assim, graças à doação do software Adobe Acrobat por parte da Organização Pan-Americana da Saúde, o INFOMED (uma divisão do Centro Nacional de Informações em Ciências Médicas de Cuba) iniciou um trabalho experimental de criação de revistas eletrônicas em formato PDF. De 1995 a 1998, já havia 26 revistas médicas cubanas eletrônicas em formato HTML e PDF (GAMBOA; ISLAS, 2005). Desde então, segundo Alperin, Fischman e Willinsky (2008), alguns avanços foram feitos na América Latina a fim de oferecer canais de difusão de revistas locais. Segundo os autores, isso foi conseguido principalmente através da criação de sistemas de indexação regionais capazes de proporcionar o acesso a uma grande parte da produção científica local. O mais antigo exemplo em larga escala desse tipo é o Latindex, criado em 1994 no México. Trata-se de um sistema de informação dedicado ao registro e difusão de revistas acadêmicas editadas nos países ibero-americanos. Atua na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, Espanha, Guatemala, México, Nicarágua, Panamá, Peru, Portugal, Porto Rico, República Dominicana, Uruguai e Venezuela e tem fornecido acesso gratuito a um diretório de revistas latino-americanas desde 1997. Atualmente, a plataforma BIREME também concentra esforços para a adoção plena da internet como o meio de produção das fontes e fluxos de informação científica e técnica. A cooperação técnica se realiza por meio da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), que foi lançada em março de 1998, com a Declaração de San José Rumo à Biblioteca Virtual em Saúde, aprovada durante o 4º Congresso Regional de Informação em Ciências da Saúde. Os signatários dessa declaração apelam para a necessidade do acesso à informação para que haja equidade em saúde na América Latina. Também reconhecem que as NTICs oferecem riscos, mas principalmente oportunidades para se melhorar o desenvolvimento humano na região. Assim, para eles, o Sistema Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde, sob a liderança da plataforma BIREME, teria a capacidade de controlar o uso dessas tecnologias, adaptando-as à realidade local. Na mesma época, a plataforma BIREME se junta à Agência de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) para a criação da Scientific Electronic Library Online – SciELO (Biblioteca Científica Eletrônica On-line). Lançada em 1998, a plataforma SciELO é um agregador eletrônico não comercial de periódicos que funciona como um modelo cooperativo para publicação de revistas científicas online e com acesso aberto. Sua coleção abrange periódicos brasileiros e estrangeiros, 32 selecionados a partir de critérios internacionais de qualidade. Possui um sistema de metadados e links para outras fontes de informação. Também fornece estatísticas de uso, citações e fator de impacto. Atualmente está presente nos seguintes países: Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Espanha, México, Paraguai, Peru, Portugal, África do Sul, Uruguai e Venezuela (FERREIRA; TARGINO, 2008). Em 2002, foi criada no México a Red de Revistas Científicas de America Latina y el Caribe (RedALyC). Segundo Alperin, Fischman e Willinsky (2008), a RedALyC ultrapassa o Latindex e a plataforma SciELO juntos em tamanho, representação e importância. Ao contrário do Latindex, que fornece apenas metadados e links para alguns artigos de texto completo, tanto a plataforma SciELO quanto a RedALyC disponibilizam cópias dos artigos completos. Duas características principais distinguem SciELO e RedALyC de grandes portais de periódicos que podem ser encontrados na Europa e nos EUA. A primeira é que essas iniciativas são estritamente regionais e nasceram como resultado de uma necessidade comum de aumentar a disponibilidade e visibilidade de conteúdo regional para uso local e global. A segunda é que ambos estão operando totalmente sob um modelo de publicação em acesso aberto (Open Access). Para Alperin, Fischman e Willinsky (2008), a falta de uma forte indústria editorial na América Latina permitiu o maior florescimento de iniciativas de publicação online de acesso aberto. Por outro lado, na Europa e nos EUA, o ramo de negócios que abrange a publicação científica é muitas vezes lucrativo demais para que os envolvidos venham a abrir mão de seus benefícios de um dia para o outro. Nesse ponto, vale discutir a importância do acesso aberto para o contexto latinoamericano. Para Rodrigues e Oliveira (2012), “o conceito de Acesso Aberto na América Latina tem uma abordagem própria, uma vez que a questão principal é atender à falta de periódicos e não apenas reagir ao custo elevado das publicações” (p. 78). Terra-Figari (2008) aponta que os países da “periferia científica” são prejudicados por desvantagens como tamanho, incentivos, financiamento, língua e parâmetros de edição. Assim, para Alperin, Fischman e Willinsky (2008), o acesso aberto seria uma das formas de fazer com que o impacto acadêmico da região seja sentido tanto regional como globalmente. Ou seja, para garantir que a presença da América Latina em redes científicas seja substancial em tamanho, visibilidade e, sobretudo, qualidade, é preciso haver um esforço científico e político para o fortalecimento da publicação acadêmica no sentido mais amplo. 33 1.3 O processo editorial científico Segundo Castro (2006), o processo editorial na comunicação científica clássica (de um periódico, por exemplo) pode ser descrito esquematicamente pelas suas cinco etapas elementares, quais sejam: redação, revisão, publicação, indexação e disseminação. Na tradição impressa, essas etapas costumam ser sequenciais e dependentes da transferência constante de material impresso entre os diferentes profissionais e setores envolvidos no fluxo editorial, como autor, editor, avaliador, copidesque, revisor de linguagem, diagramador, entre outros. A primeira etapa do fluxo é a submissão de originais. Os autores redigem seu trabalho resultante de pesquisa ou de reflexão teórica e o submetem a uma editora ou revista científica para publicação. Em seguida, o editor prepara a revisão por pares, também conhecida como peer review, blind peer review, revisão cega, avaliação cega ou revisão duplo-cega. O termo “pares”, nesse contexto, não se limita à ideia de dupla. Os pares, nesse caso, são pesquisadores academicamente qualificados para avaliar trabalhos que pertencem à área de atuação do autor, pois produzem estudos sobre temas semelhantes. Assim, nessa etapa, um ou dois membros da comunidade científica que, em geral, fazem parte do conselho editorial da revista leem o original sem saber quem o escreveu e, por fim, redigem um parecer dizendo se o texto deve ser aceito ou rejeitado para publicação. O processo de revisão costuma ser moroso, pois o fluxo entre autor/editor/revisor pode ter várias idas e vindas. Em alguns casos, o trabalho pode retornar ao autor quantas vezes forem necessárias antes da publicação. Em seguida, os textos passam ainda por revisão de linguagem e adequação aos padrões de publicação. Depois da impressão, há ainda a revisão de provas. Depois que a publicação é impressa, há ainda o trabalho de distribuição, que em geral é feito via serviço de correios. Como se pode observar, esse processo pode levar meses até que o trabalho seja publicado, envolvendo vários membros da comunidade científica, problema bem relatado por Ribeiro (2012). No caso dos periódicos eletrônicos ou daqueles que apresentam versão impressa e digital, mais uma etapa é acrescentada: a indexação. Nessa etapa, cada número da publicação é processado e registrado em bases de dados de instituições intermediárias no fluxo da comunicação científica, como as bibliotecas e os centros de informação. Essas dificuldades foram significativamente atenuadas com o advento do espaço virtual. Nele, segundo Castro (2006), o fluxo segue “sem imposições temporais e de espaço 34 físico. A dinâmica de transmissão de informação e de publicação na internet permite que as ações se sucedam concomitantemente, e não mais em intervalos regulares” (p. 58). Ainda segundo a autora: [...] o novo fluxo permite a convergência entre autores, revisores e editores (produtores da informação), bibliotecas e centros de informação (intermediários) e usuários (leitores e pesquisadores) e estimula o compartilhamento de ideias e experiências. A comunicação se dá por meio de mensagens e arquivos digitais transferidos automaticamente de uma etapa a outra, que podem estar visíveis e acessíveis a vários desses atores simultaneamente, independentemente de distâncias físicas. (CASTRO, 2006, p.60) Nesse novo contexto, o artigo científico (ou paper) torna-se o gênero textual mais representativo da comunicação formal entre os pesquisadores. Ele passa a ser uma “unidade informacional independente, embora reunido posteriormente em fascículos” (CASTRO, 2006, p. 60). Por meio da edição eletrônica, é possível agregar valor ao periódico com informações complementares apresentadas em hiperlinks e com versões em outros idiomas. E isso pode ser feito sem a inconveniência de se tornar uma publicação muito grande, pesada e pouco ergonômica, como seria se todos os dados agregados fossem publicados na versão impressa. Isso sem falar na economia de papel e na consonância com o apelo mundial à sustentabilidade. Além disso, a interação passou a ser facilitada pela possibilidade de criar espaços de comunicação entre os cientistas, por meio de fóruns de discussão e comunidades virtuais, utilizados desde o início das pesquisas até a redação dos trabalhos. Muitos editores abriram, nos sites das revistas, espaços para discussão dos artigos pela comunidade científica. Os comentários agregados ao final de cada artigo, como em um blog, contribuem para o desenvolvimento da ciência e constituem nova modalidade de validação de resultados. Essa nova modalidade de avaliação (a revisão por pares aberta e pós-publicação) é a essência de dois dos nossos casos de estudo: o MediaCommons Press e o F1000Research. Esses comentários pós-publicação também contribuem significativamente para a diminuição da diferença entre a comunicação formal e a informal, extraindo vantagens de ambas: de um lado o registro escrito oficializado da primeira e, de outro, a celeridade de interação da segunda. A esse respeito, tanto Crawford (1996) quanto Meadows (2001) corroboram a ideia de que os limites entre comunicação formal e informal acabam ficando menos claros em função do uso da tecnologia informática. 35 Algumas iniciativas maiores buscam profissionalizar o processo de edição de periódicos científicos em geral, tornando-o mais ágil, automatizado e transparente, como o Open Journal Systems – OJS ou SEER, já descrito em seção anterior. Para finalizar, ressaltamos que, embora as vantagens do meio digital sejam bastante significativas, nem todas as etapas da produção editorial chegaram a mudar de fato na transição do impresso para o eletrônico, ou mudaram muito pouco. O pesquisador Andrew Odlyzko (2012, p. 3) alega que “há inúmeras inadequações do sistema tradicional de edição e revisão por pares. Eles são um legado da tecnologia impressa, que era tudo o que tínhamos nos últimos séculos”14. Do ponto de vista do design, a transição do impresso para o digital parece manter esse legado mencionado por Odlyzko (2012). Gruszynski e Golin (2007), por exemplo, investigaram a eficácia comunicacional gráfica e editorial de periódicos científicos eletrônicos editados no Brasil entre 2003 e 2004 e perceberam que, no conjunto de 23 títulos, houve uma inevitável migração do suporte tradicional impresso para o eletrônico, sinalizando impasses e lacunas nessa transição. Ainda do ponto de vista do design, Castedo (2009) afirma que “especialmente a imagem, utilizada há milhares de anos na ciência, se mantém ainda como mero adereço descartável na maior parte dos textos encontrados em revistas científicas on-line” (p. 40). Para Cauduro (1998, citado por CASTEDO, 2009), os logocentristas, ao conceberem a fala como a forma de expressão mais perto da consciência, defendem um entendimento equivocado de que a linguagem verbal seja a forma mais pura de representação. Mais adiante, quando falarmos do eixo teórico desta pesquisa, mostraremos que essa afirmação de Cauduro está fortemente corroborada e fundamentada pela perspectiva da multimodalidade, de Kress e Van Leeuwen (2001). Além disso, um dos nossos casos de estudo, o Journal of Visualized Experiments (JoVE), mostra-se como uma iniciativa vanguardista de comunicação científica online ao combinar texto verbal, som e imagem em movimento para criar um periódico de videoartigos produzidos profissionalmente. 1.3.1 Autoria e revisão por pares Para Fitzpatrick (2011), o grande problema do processo tradicional de edição científica é que o sistema de revisão por pares atual costuma funcionar como um canal de comunicação 14 Tradução nossa para: “There are numerous inadequacies of the traditional editorial and peer review system. They are a legacy of the print technology, which was all that we have had for the last few centuries”. 36 exclusivo entre o editor e o revisor e, muitas vezes, o revisor sabe quem submeteu o trabalho. Para a autora, falhas como essas impedem que o autor goze dos benefícios que uma revisão por pares deveria oferecer, ou seja, exatamente do diálogo científico, além de muitas vezes impedir (em vez de auxiliar) a circulação de ideias. A autora afirma que, de modo geral, a publicação acadêmica é bastante específica e direcionada a um nicho relativamente pequeno de leitores afins. Por isso, as tecnologias proporcionadas pela internet lhe parecem particularmente adequadas para possibilitar a comunicação entre esses leitores e para estabelecer padrões de avaliação baseados em redes eletrônicas de trabalho. Diante dessa realidade, Fitzpatrick (2011) propõe utilizar ferramentas da web (como os blogs) para realizar uma revisão por pares aberta. Segundo a autora: [...] a revisão baseada em blogs não só traz mais vozes (que podem identificar mais problemas potenciais), e não apenas fornece alguns “comentários de comentários” (com revisores pesando sobre questões levantadas por outros revisores), mas é também, fundamentalmente, uma conversa. (FITZPATRICK, 2011, p. 34) 15 Crawford (1996) também ressalta a importância de se fazer com que pareceristas dialoguem com editores, autores e outros pareceristas. A esse respeito, a autora cita o entusiasmo de LaPorte e outros (1995), citado por Crawford (1996), ao tratar dessa nova forma de validação científica. [...] um sistema genuinamente democrático de revisão: leitores de artigos eletrônicos serviriam de pareceristas; cada leitor teria a oportunidade de adicionar uma ficha de comentário; a cada artigo seria dada uma pontuação de prioridade; e a relevância relativa de um artigo seria determinada pelo número de vezes em que o mesmo fosse reparado. (LAPORTE et al., 1995 apud CRAWFORD, 1996, p.102) Uma famosa frase do pesquisador norte-americano Clay Shirky se aplica bem a essa nova forma de revisão por pares: “publique, depois filtre” (SHIRKY, 2008 apud D‟ANDRÉA, 2011, p. 18). Nesse mesmo sentido, D‟Andréa (2011), em sua tese a respeito de edição colaborativa na web, cita o projeto do software aberto GNU/Linux, idealizado pelo programador finlandês Linus Torvalds e executado com a ajuda de voluntários do mundo todo. Segundo D‟Andréa (2011), Linus considerava que quanto mais pessoas pudessem participar do processo de desenvolvimento do software, mais fácil é rápido seria detectar seus 15 Tradução nossa para: “[...] the blog-based review form not only brings in more voices (which may identify more potential issues), and not only provides some „review of the reviews‟ (with reviewers weighting in on issues raised by others), but is also, crucially, a conversation”. 37 erros, solucioná-los e aperfeiçoar o produto continuamente. Daí a ideia de se publicar primeiro e filtrar depois. As ideias de Fitzpatrick mostram que a fronteira entre a comunicação científica formal e a informal tem se tornado cada vez mais tênue. A autora alerta, no entanto, que uma mudança tão radical no processo de publicação científica exige alterações também na estrutura de autoria. Fitzpatrick (2011) afirma que o ambiente digital permite que a escrita seja uma questão mais de processo do que de produto. A autora adverte os colegas: “Precisamos pensar menos em produtos acabados e mais em textos em desenvolvimento; menos em autoria individual e mais em colaboração; menos na originalidade e mais no remix; menos na posse e mais na partilha” (FITZPATRICK, 2011, p. 83)16. Vale ressaltar que, segundo Castedo (2007), o desejo se publicar os bastidores do fluxo editorial não é recente. Segundo a autora: Em uma escala menos interativa, já em 1978, Stevan Harnad editou Behavioral and Brain Sciences (BBS), um periódico que oferecia avaliações abertas de pareceristas aos pesquisadores (HARNAD, 1995a, apud CRAWFORD,1996). Mas enquanto BBS provia um tipo de cartas ao editor, publicando comentários ao final de cada artigo, isto não trazia nenhuma alternativa ao processo de avaliação tradicional. (CASTEDO, 2007, p. 5) Segundo Fitzpatrick (2011), na comunidade científica, há uma perigosa tendência de pesquisadores que se iludem com a ideia de que seus trabalhos sejam fruto exclusivo de sua própria genialidade e experiência e não de um trabalho colaborativo. Em sua obra Planned Obsolescence (Obsolescência Programada), de 2011, a autora promove tanto uma provocação para se pensar de forma mais ampla sobre o futuro da academia quanto um argumento a favor de uma prática editorial mais orientada por atitudes colaborativas e em rede. A grande bandeira levantada pela autora é de que a própria academia deve rever seus conceitos sobre comunicação científica e deixar para trás algumas práticas obsoletas. 1.3.2 Acessibilidade, visibilidade e indexação Na comunicação científica, três temas importantes são a acessibilidade, a visibilidade e a indexação, elementos imbricados entre si e diretamente vinculados à obtenção, compartilhamento, preservação e recuperação do conhecimento. 16 Tradução nossa para: “we need to think less about completed products and more about texts-in-process; less about individual authorship and more about collaboration; less about originality and more about remix; less about ownership and more about sharing.” 38 A acessibilidade, segundo Ferreira e Targino (2010), diz respeito à “condição de acesso aos serviços de informação, documentação e comunicação por parte não apenas de portadores de necessidades especiais, mas de todo e qualquer cidadão” (p. 16). Já a visibilidade, conceituada por Packer e Menegheni (2006), “representa a capacidade de exposição que uma fonte ou fluxo de informação possui de, por um lado, influenciar seu público alvo e, por outro, ser acessada em resposta a uma demanda de informação” (p. 237). A visibilidade de uma publicação científica depende da capacidade de ser acessada em bases de dados e índices. Nesse sentido, a ideia de uma rede mundial de computadores passa a ser determinante na localização das informações, por meio de mecanismos de busca e indexação. Para aumentar a visibilidade, a associação de metadados aos documentos facilita a recuperação de informações eletrônicas, fornecendo meios de identificação e organização. Por isso, é essencial que o profissional que trabalhe com comunicação científica leve em consideração não apenas a facilidade com que os seres humanos acessam e interpretam as informações disponíveis em seu periódico, mas também a facilidade com que as máquinas deveriam fazê-lo. Com o advento das NTICs, houve algumas mudanças em relação à acessibilidade, visibilidade e indexação na comunicação científica. Oliveira e Noronha (2005) defendem que a maior influência para essas transformações veio da internet, uma vez que a informação passou a ser produzida e armazenada em diferentes locais. Além disso, o trabalho cooperativo passou a ser facilitado pela rede. A esse respeito, Mandel, Simon e Delyra (1997, p. 18) sustentam que a internet “revelou-se um catalisador e mesmo um instrumento insuperável para a cooperação entre pessoas e grupos trabalhando em um objetivo comum, bem definido, a ponto de surpreender até mesmo os maiores especialistas da área”. Ainda assim, mesmo na era da velocidade dos meios de comunicação e do (suposto) amplo acesso à informação, muito há que ser feito para que se aumente a acessibilidade à produção científica no mundo. Ao que parece, ainda estamos longe do dia em que, efetivamente, o leitor/pesquisador terá acesso eficaz e gratuito aos mais recentes, seguros e relevantes estudos, seja qual for a sua área de atuação. Lemos (2005) aborda a acessibilidade como uma das questões mais latentes para a comunicação científica hoje. Segundo o autor, em geral os custos de assinatura de periódicos não diminuíram com a era digital. Vários títulos passaram a vender assinaturas de suas versões impressas somente acompanhadas da assinatura da versão digital e vice-versa, como numa “venda casada”, aumentando, assim, o preço da versão impressa. 39 Outro problema em relação aos custos é que, de 1991 a 2001, houve um número significativo de fusões entre editoras científicas comerciais, como a gigante holandesa Elsevier, que comprou 57 títulos de ciências biomédicas nesse período. Essas fusões criaram uma “forte tendência ao monopólio e a cartelização” da indústria editorial científica (LEMOS, 2005, s.p.), ou seja, o controle dos preços pelas assinaturas ficou nas mãos de poucas empresas. Paralelamente a isso, começou a haver também um aumento nos preços para o acesso a títulos com maior fator de impacto, uma “técnica mercadológica há muito tempo usada no setor de hotelaria e gastronomia: quanto mais estrelas tiver o hotel ou restaurante, mais caro ele será”, pontua Lemos (2005, s.p.). Há, no entanto, casos de periódicos de acesso aberto cujo plano de negócios pressupõe que o autor (ou seus financiadores) pague uma taxa para que seu trabalho seja publicado. Segundo Leite (2003), trata-se de uma estratégia de autossuficiência financeira para fomentar as iniciativas de acesso aberto. Nesse caso, a contribuição do autor é uma maneira de arrecadação de verba para a manutenção do periódico. Um levantamento feito por Hooker em 2007 mostrou que 18% das revistas de acesso aberto disponíveis no DOAJ (Directory of Open Access Journals) adotavam esse modelo. O próprio F1000Research, nosso segundo caso de estudo, adota esse tipo de financiamento, mas, em contrapartida, não exige avaliação por pares pré-publicação e oferece acesso gratuito e irrestrito aos artigos publicados. O problema é que, com passar do tempo, o modelo passou a ser usado também como estratégia capitalista de obtenção de lucro em algumas editoras comerciais com periódicos com acesso baseado em assinaturas pagas. Em alguns casos, para ter seu trabalho publicado em uma revista com fator de impacto elevado, além de ter que submeter previamente o texto a uma rigorosa avaliação por pares anônima, o autor precisa pagar para publicar. Existem também modelos híbridos. O BIOMED Central, por exemplo, só exige pagamento de autores cujas instituições de origem não sejam patrocinadoras da base. A iniciativa PLoS (Public Library of Science) também exige pagamento ao autor, mas diminui as tarifas para autores de instituições patrocinadoras. A TAB. 1, a seguir, traz os valores cobrados, em 2013, em dólares, para a publicação de um artigo em alguns periódicos. A ordem vai do mais caro ao mais acessível. 40 TABELA 1 Taxas de publicação em periódicos científicos Periódico Tarifa em Comentário Dólares Nature Communications 3570 PNAS 2900 PLoS Biology PLoS Medicine PLoS Pathogens NAR Nucleic Acid Research 2850 2850 2850 2670 PLoS Computational Biology PLoS Genetics PLoS Neglected Tropical Diseases Genome Biology (BIOMED Central) BMC Biology (BIOMED Central) BMC Medicine (BIOMED Central) PNAS BMC Biochemistry (BIOMED Central) PLoS ONE Nature Communications 2220 2220 2200 2065 1775 1775 1700 1485 1300 0 opção de acesso aberto; opção de assinatura grátis acesso aberto, mais barato se a instituição tem assinatura PNAS acesso aberto acesso aberto acesso aberto acesso aberto, mais barato para os membros acesso aberto acesso aberto acesso aberto acesso aberto acesso aberto acesso aberto custo médio, acesso pago acesso aberto acesso aberto somente para assinantes; custos extras para acesso aberto Fonte: OPEN WETWARE, 2013 (texto traduzido)17. Como resultado dessa estratificação, hoje em dia, para acessar um periódico de renome pela internet, o leitor deve assiná-lo ou se dirigir a uma biblioteca que tenha assinatura. Como seria impossível para um mesmo leitor ter assinatura de vários títulos, a solução foi que as bibliotecas públicas (principalmente as universitárias) obtivessem assinaturas com dinheiro público. Há ainda outro problema. Segundo Lemos (2005, s.p.): O fornecimento de periódicos eletrônicos baseia-se não na compra de um produto, mas no aluguel ou licenciamento de uso de um serviço por um prazo delimitado. A interrupção do serviço implica a perda do direito de acesso. [...] Em síntese, ao contrário do que acontece com a publicação impressa, o usuário não conserva uma coleção mesmo depois de cancelada sua assinatura. Vê-se, portanto, que há um paradoxo entre as facilidades advindas com a publicação de periódicos eletrônicos e a crise que tem se agravado nesse setor. Em relação à visibilidade e indexação, Miranda e Pereira (1996) afirmam que “um grave problema é a tendência que têm as instituições acadêmicas de estabelecer seus próprios 17 Disponível em: <http://openwetware.org/wiki/Publication_fees>. Acesso em: 21 set. 2013. 41 periódicos, trazendo como consequência baixa afluência de artigos e circulação reduzida” (p. 379). Merton (1973) propôs diretrizes para se fazer comunicação científica e definiu o compartilhamento como uma delas. Ziman (1984) afirma que a ideia compartilhamento defendida por Merton (1973) pressupõe que os resultados de uma pesquisa não pertencem ao cientista, mas à humanidade. Storer (1966) também afirma que o conhecimento científico que não é público não é científico. Segundo Chan e Costa (2005), há iniciativas governamentais norte-americanas e britânicas que questionam a eficiência do sistema de publicação científica atual (dominado por interesses comerciais de grandes empreendimentos editoriais), e estão começando a demandar que a pesquisa financiada com recursos públicos seja mais acessível. No caso norte-americano, as autoras destacam a decisão da House of Representatives de que uma das maiores instituições de financiamento para pesquisa do país, a National Institute of Health, desenvolva políticas para que seus bolsistas depositem seus artigos em uma base de acesso aberto (o PubMedCentral) quando aceitos para publicação em um periódico. Em termos de iniciativas mundiais, várias medidas têm sido tomadas com o intuito de mudar essa realidade. Destaca-se, por exemplo, o movimento Acesso Aberto (Open Access – OA) e a Licença Creative Commons, assuntos da próxima seção. É sob essa prerrogativa de aumento da acessibilidade que foi criado o MediaCommons Press e o F1000Research, dois dos nossos objetos de estudo. 1.3.3 Movimentos pelo acesso aberto e a Licença Creative Commons Como já dissemos em tópico anterior, mediante o contexto de um mercado editorial científico cada vez mais capitalista, vários esforços internacionais têm sido feitos com o objetivo de defender a livre disseminação dos resultados de pesquisas financiadas com recursos públicos. Dois movimentos têm se destacado: a Open Archives Iniciative (OAI) 18, fruto da Convenção de Santa Fé (1999), e o Open Access (AO)19, pronunciado por meio das recomendações da Declaração de Budapeste (CHAN et al, 2002). Esses dois movimentos visam ao acesso livre e gratuito à informação científica. Segundo Gruszynski (2007): 18 19 Disponível em: <http://www.openarchives.org>. Acesso em: 28 set. 2013. Disponível em: <http://www.soros.org/openaccess/>. Acesso em: 28 set. 2013. 42 Entre os princípios do Acesso Aberto, destacam-se: sistema de armazenamento a longo prazo, autopublicação, política de gestão com normas de preservação de objetos digitais, acesso livre – também para coleta e replicação de metadados, uso de padrões e protocolos que visam a troca de informações entre bibliotecas eletrônicas, e o uso de softwares de fonte aberta (open source). (p. 7) A Open Archives Initiative (OAI) é uma organização que desenvolve e promove padrões de interoperabilidade (isto é, intercâmbio de dados e de operações) que visam facilitar a disseminação eficiente de conteúdo científico via web. Começou com esse propósito, mas, atualmente, sua estrutura tecnológica e suas normas podem ser utilizadas na abertura de acesso a uma série de outros conteúdos digitais (OAI, 2013). A iniciativa foi fundada e é mantida pelas seguintes instituições: Fundação Andrew W. Mellon, Coligação pela Informação em Rede, Federação de Bibliotecas Digitais e Fundação Nacional da Ciência. Também conhecida como Iniciativa de Acesso Aberto de Budapeste, o Open Access (OA) ganhou força depois da publicação de um documento20 homônimo redigido e assinado por alguns cientistas durante um encontro, em 2002, em Budapeste/Hungria. O documento trazia recomendações que poderiam dar início a grandes avanços na comunicação científica. Dentre os signatários do documento, há representantes das universidades de Londres e de Montreal, das fundações Next Page e Open Society, além das editoras BIOMED Central e Bioline International (OA, 2013). As recomendações incluem o desenvolvimento de políticas de acesso aberto em instituições de ensino superior e de agências de fomento, o licenciamento aberto de trabalhos acadêmicos, o desenvolvimento de infraestrutura, tais como repositórios de acesso aberto, e a criação de normas de conduta profissional para publicação de acesso aberto. As recomendações também estabelecem uma nova meta para que, dentro de um prazo de dez anos, o Acesso Aberto seja estabelecido como método padrão para a distribuição de pesquisas originais revisadas por pares em todos os campos e em todos os países. Outra resposta a iniciativas como as mencionadas surge em 2002, com a licença Creative Commons (CC)21, idealizada pela Creative Commons, uma organização norteamericana sem fins lucrativos fundada em 2001. A licença é uma das várias licenças de direitos autorais públicas que permitem a livre distribuição de trabalhos com o consentimento do autor. É usada quando um autor quer dar ao público o direito de compartilhar, utilizar e até mesmo valer-se de seu trabalho como base para outros. A CC oferece certa flexibilidade ao 20 O documento pode ser lido na íntegra no website da iniciativa pelo link http://www.budapestopen accessinitiative.org/read. Acesso em: 28 set. 2013. 21 Disponível em: <http://creativecommons.org.br/>. Acesso em: 28 set. 2013. 43 autor, pois ele pode, por exemplo, optar por permitir apenas usos não comerciais de seu próprio trabalho e proteger as pessoas que usam ou redistribuem sua obra para fins didáticos, por exemplo. Um exemplo simples sobre as vantagens do CC é que, quanto mais autores a utilizarem, mais perto estaríamos da solução para o grande impasse criado pela “cultura da fotocópia ilegal” tão presente no ambiente acadêmico brasileiro. 1.4 O produto editorial científico No âmbito acadêmico, há várias espécies de textos que compõem aquilo que chamamos de discursivo científico. As monografias, dissertações, teses, resenhas e artigos são alguns desses textos. Do ponto de vista da produção editorial, os artigos científicos têm se destacado como o gênero mais representativo da comunicação formal entre a comunidade científica na atualidade (CASTRO, 2006). Em seu livro intitulado Produção textual na universidade, de 2010, Désirée MottaRoth e Graciela Rabuske Hendges afirmam que “o artigo acadêmico é o gênero textual mais conceituado na divulgação do saber especializado acadêmico” (p. 66) e o definem como “um texto, de aproximadamente 10 mil palavras, produzido com o objetivo de publicar, em periódicos especializados, os resultados de uma pesquisa desenvolvida sobre um tema específico” (MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010, p. 65). Segundo Costa (2011), o caráter sintético é um dos principais diferenciais do artigo científico em relação aos demais textos que compõem o discurso científico. Motta-Roth e Hendges afirmam que “a título de generalização, um artigo pode ser visto como um documento escrito por um ou mais pesquisadores para relatar os resultados de uma atividade de investigação” (MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010, p. 66). Nas expressões “10 mil palavras” e “documento escrito”, retiradas do texto das autoras, vemos a presença da tradição verbal e escrita. Segundo Bazerman (2005), o primeiro artigo científico surgiu do gênero carta, quando, em meados do século XVII, uma correspondência ativa se desenvolveu entre filósofos com o propósito de trocar informações sobre suas investigações. O periódico Philosophical Transactions se desenvolveu dessa correspondência. Com o tempo, o editor começou a fazer longas citações de seus correspondentes e os artigos passaram a assumir uma forma diferente. Nesse processo de transição, “uma tensão se desenvolveu entre as características comuns ao argumento público (a asserção, a didática e a disputa) e as comuns à 44 correspondência pessoal entre cavalheiros (a etiqueta, a polidez e a boa vontade)” (BAZERMAN, 2005, p. 96). Costa (2011) traça um panorama sobre algumas mudanças estruturais observadas no gênero artigo científico das áreas de Física, Química, Matemática e Biologia desde o século XIX até os dias atuais, são elas: Extensão: De 1893 para 1900, a extensão média dos artigos caiu de 7.000 para 5.000 palavras. Com poucas flutuações, eles continuaram com aproximadamente 5.000 palavras até 1940. Em 1980, a extensão cresceu para aproximadamente 10.000 palavras. Atualmente, os artigos científicos se tornaram mais compactos; Referências: Entre 1890-1980, as referências eram de aproximadamente 10 por artigo científico, mas raramente se relacionavam com descobertas específicas ou com os tópicos específicos investigados pelos autores. Em 1910, o número de referências tinha se tornado rigorosamente reduzido, mas as poucas que permaneceram eram todas recentes, tinham datas e relevância direta com a pesquisa em foco. Daí em diante, o número de referências tem se multiplicado; Características sintáticas e lexicais: Não houve muita variação no tamanho das frases, que tinham em média 25 palavras. As sentenças relativas diminuíram em frequência, enquanto que as sentenças nominais e as subordinadas temporal e causal se tomaram mais frequentes. No nível lexical, os conteúdos das sentenças principais se tornaram mais abstratos. Mudanças significantes na função do verbo principal também ocorreram – a voz passiva deu lugar à voz ativa; Material não verbal: Durante o período, houve uma diminuição no número de figuras e no número e tamanho das tabelas. Por outro lado, houve um crescimento no número e na complexidade de gráficos e equações; Organização: Antes de 1950, apenas 50% dos artigos eram formalmente divididos em seções tituladas; depois de 1950, os títulos das seções se tornaram uma característica regular. Desde então, as seções de discussão e conclusão se tornaram mais comuns e cresceram em tamanho e complexidade. Já as seções de método e aparato geralmente diminuíram. (COSTA, 2011, p. 3) Com uma opinião diferente da de Costa (2011), o pesquisador Moshe Pritsker (2012) afirma que, do ponto de vista estrutural, pouca coisa mudou no formato dos textos científicos desde as primeiras publicações da Philosophical Transactions até bem recentemente, principalmente porque eles continuam sendo textos verbais escritos. Segundo o pesquisador, a estrutura atual dos textos científicos não é mais suficiente para o nível de desenvolvimento alcançado pela pesquisa científica. Para ele, é preciso usufruir das novas tecnologias para a publicação, por exemplo, de artigos em vídeo com a filmagem profissional dos experimentos descritos verbalmente em periódicos de áreas como a Biologia e Medicina. Pritsker compara os textos publicados na edição inaugural do periódico Philosophical Transactions, de 1665, com publicações eletrônicas na mesma área publicadas até o ano de 2011 e chega à conclusão de que os princípios estruturais mais elementares do gênero foram mantidos. O pesquisador admite que houve melhorias, como a presença de figuras coloridas, a possibilidade de buscas e pesquisas online, o compartilhamento e a possibilidade de baixar 45 arquivos em formato PDF. No entanto, enfatiza que o cerne estrutural do gênero está presente: cabeçalho com título, nomes dos autores e resumo, seguidos da introdução, metodologia etc., e tudo isso feito em linguagem verbal escrita. Para exemplificar o que foi afirmado por Pritsker, podemos observar a semelhança estrutural entre as FIG. 2 e 3, a seguir. A FIG. 2 apresenta um fac-símile da primeira página da primeira edição do periódico Philosophical Transactions da Royal Society, publicado em 6 de março de 1665. Nela é apresentado o sumário com o título dos textos que compõem a edição e o primeiro parágrafo da introdução. Nota-se que alguns dos textos tratam da área de astronomia e astrofísica. FIGURA 2 – Primeira edição do periódico Philosophical Transactions Fonte: The Occasional Pamphlet on Scholarly Communication, 2013. 46 A FIG. 3, a seguir, traz como exemplo a página inicial de um artigo publicado em janeiro de 2014 pela revista Astronomy & Astrophysics, um grande periódico eletrônico internacional que publica resultados de pesquisa em astronomia e astrofísica, ou seja, na mesma grande área dos artigos publicados pela Philosophical Transactions. FIGURA 3 – Artigo publicado em 2014 pela revista Astronomy & Astrophysics Fonte: Astronomy & Astrophysics, 2014. 47 1.5 O advento das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação O advento das novas tecnologias de comunicação e informação, em especial a internet, tem modificado o processo de comunicação científica (tanto a informal quanto a formal), estabelecendo uma nova categoria: a comunicação científica eletrônica. Em 2005, quando as conexões de internet banda larga para uso doméstico ainda eram restritas, Oliveira e Noronha (2005) afirmaram: “apesar de ter se tornado lugar comum a utilização da rede para a comunicação informal, não há ainda consenso de sua aceitação plena como canal para a comunicação formal” (p. 76). De lá para cá, o recurso eletrônico continua sendo mais utilizado nos estágios informais do processo da pesquisa, que envolvem as discussões e troca de informações com os colegas. No entanto, tem causado impacto relevante nos meios formais com o número crescente de periódicos científicos publicados em formato eletrônico. Para alguns membros da comunidade científica, dois grandes desafios para a aceitação do meio eletrônico como comunicação formal são a premissa da informação volátil e pouco recuperável e os problemas de definição de autoria e direitos autorais. Ainda assim, os recursos eletrônicos ganham cada vez mais força nesse meio. Barreto (1998) afirma que a comunicação eletrônica modifica estruturalmente o fluxo da informação e do conhecimento através dos seguintes pontos, assim estruturados por Oliveira e Noronha (2005): interação do receptor com a informação: o receptor passa a participar do fluxo da comunicação, sendo sua interação com a informação direta, conversacional e sem intermediários; tempo de interação: o receptor conectado on-line interage com o fluxo da informação em tempo real, passando a ser o julgador da relevância da informação; estrutura da mensagem: o receptor pode utilizar diversas linguagens (texto, imagem, som) para elaborar a informação; não está mais preso à estrutura linear da informação, podendo criar seu próprio documento de acordo com a sua decisão; facilidade de ir e vir: a conexão em rede amplia a percepção da dimensão do espaço da comunicação, e o receptor pode acessar diferentes estoques de informação no momento em que desejar. (OLIVEIRA; NORONHA, 2005, p. 76, grifos nossos) A coexistência de publicações impressas e eletrônicas ainda é latente e a proporção maior ou menor dessa relação varia conforme a área do conhecimento e o país de origem. Podemos perceber que algumas etapas da produção editorial já estão migrando definitivamente para o meio eletrônico. É o caso, por exemplo, do fluxo editorial dos periódicos, em que os autores submetem seus originais em meio digital e o processo de avaliação e revisão é realizado pela internet. Mas o produto editorial ainda é disponibilizado, em muitos casos, nos dois formatos (impresso e eletrônico). 48 Com o advento da rede, ocorreu uma revolução decorrente da confluência e coexistência de texto, velocidade e interatividade. Assim, a comunicação eletrônica recupera e potencializa, de certa forma, a interatividade da comunicação direta entre os pesquisadores. 1.6 Tendências atuais: quatro pilares para a comunicação científica contemporânea Um texto recente sobre a emergência de mudanças na comunicação científica diante das novas tecnologias é The four pillars of scholarly publishing: the future and a foundation [Os quatro pilares da publicação acadêmica: o futuro e uma fundação], de 2013, de Byrnes e outros. Nele oito pesquisadores que atuam nas áreas da Biologia, Ecologia, Mídia e Ciências da Informação propõem mudanças nas publicações acadêmicas das áreas de Biologia Evolutiva e Ecologia. Trata-se de uma versão pré-impressão de um artigo (quase um manifesto) publicado no PeerJ Preprints, que é um servidor de acesso aberto a textos em fase anterior à publicação revisada por pares. Os oito autores pertencem a instituições renomadas de ensino, quais sejam: as universidades de Massachusetts Boston, do Michigan, do Tennessee e da Califórnia, nos EUA, e do Queen‟s College e Your University, no Canadá, além do Instituto de Pesquisa em Novas Mídias e da Public Library of Science (PLOS). O próprio fato de os autores terem publicado seu texto em uma plataforma de acesso aberto e cuja essência é publicar preprints (ou seja, uma plataforma com a prerrogativa de agilizar o acesso às novidades científicas) já nos faz vislumbrar uma forte adesão às novas formas de comunicação científica que serão defendidas no artigo. Os autores afirmam que, com o surgimento das publicações eletrônicas e com as mudanças de paradigma em função de tantos empreendimentos científicos existentes na atualidade, é preciso considerar uma mudança nas práticas de publicação acadêmica nas áreas da Ecologia e da Biologia Evolutiva. Embora deixem bem claro qual é a área do conhecimento a que se referem, as ideias defendidas nesse artigo reverberam e resumem as questões discutidas até aqui. Para os autores, se os pesquisadores querem facilitar a velocidade e a qualidade da ciência, o futuro da comunicação científica terá que se basear em quatro pilares: 1) um ecossistema de produtos acadêmicos; 2) acesso imediato e aberto; 3) revisão por pares aberta; e 4) pleno reconhecimento pela participação no processo. Segundo os autores, esses quatro pilares permitirão construir ferramentas melhores para auxiliar cientistas individuais a desenvolverem trabalhos inéditos e relevantes, uma vez que um dos maiores desafios do 49 nosso tempo é saber lidar com o dilúvio atual de informação científica. Expliquemos melhor o que seria cada um desses pilares: Pilar 1 – Um ecossistema de produtos acadêmicos: os autores afirmam que a publicação acadêmica na área de Ecologia e Biologia Evolutiva costuma ser restrita a uma única espécie de produto editorial: o artigo narrativo. Alegam que esse gênero textual é um produto da tradição impressa e que é cada vez mais visto como o único capaz de veicular o conhecimento científico em ambiente digital22. Os autores afirmam que a publicação de dados de pesquisa, por exemplo, tem se tornado cada vez mais comum, com revistas inteiras dedicadas e esse tipo de serviço23. Além disso, apontam que os blogs vêm se tornando terreno fértil para a apresentação de observações curtas ou de ricos produtos midiáticos que permitem aos usuários visualizar e interagir com dados e experimentos de maneiras que não são possíveis em artigos de revistas tradicionais24. Assim, a essência do primeiro pilar é fazer com que a comunidade científica e as universidades passem a reconhecer esse ecossistema de novos produtos como publicações genuinamente científicas e que essas contribuições passem a “somar pontos” no currículo para fins de contratação, promoção ou efetivação de cargos na carreira de pesquisadores e docentes universitários. Essa ideia também é veementemente defendida por Fitzpatrick (2011). Pilar 2 – Acesso imediato e aberto: a emergência do acesso aberto já foi discutida nesta dissertação. Mas o acesso imediato reivindicado pelos proponentes destes quatro pilares é digno de nota. Os autores afirmam que a comunidade científica costuma rejeitar a ideia do acesso imediato a publicações acadêmicas inéditas antes de passarem por um processo de revisão por pares porque isso prejudicaria seriamente a credibilidade da ciência. Em contraposição, os autores alegam que enxergam o acesso imediato como um pilar fundamental do futuro da publicação acadêmica. Afirmam que sua proposta não se restringe à publicação de preprints, mas inclui o acesso aberto e imediato aos dados utilizados, além do uso de código aberto e compartilhável, como é exigido por algumas revistas. Essas 22 O teórico Charles Bazerman (nossa principal referência sobre a questão dos gêneros, que será apresentada mais adiante) afirma que “certas profissões, situações e organizações sociais podem estar associadas a um número limitado de tipos de textos” (BAZERMAN, 2005, p. 19). 23 Fazem isso, por exemplo, as revistas Dataset Papers in Ecology e Ecological Archives. 24 É o que acontece, por exemplo, com os videoartigos do JoVE, nosso terceiro caso de estudo. 50 características (acesso aberto, imediato e extensivo aos dados de pesquisa) são a essência do F1000Research, nosso segundo caso de estudo. Pilar 3 – Revisão por pares aberta: essa reivindicação também já foi discutida nesta dissertação. Cumpre acrescentar que, embora reconheçam o grande avanço alcançado pela ciência ao longo dos séculos em função das avaliações por pares anônimas, os autores afirmam que, atualmente, a ideia de anonimato do processo vem ficando cada vez mais ultrapassada. Para eles, da mesma forma que o anonimato pode permitir que um revisor seja mais crítico, também pode permitir que ele seja guiado por uma conduta pessoal (consciente ou não) em vez de uma conduta científica. Diferentemente, a revisão assinada seria uma maneira de trazer transparência para o processo, reduzindo vieses e potencializando a função da revisão. Os autores admitem que os pesquisadores costumam se apegar à necessidade de revisão por pares anônima usando o pressuposto simples e aparentemente óbvio de que os revisores estariam mais dispostos a ser abertamente críticos a uma obra se tivessem garantias de que não sofreriam qualquer retaliação por parte dos autores. Afirmam também que o anonimato permite uma grande variedade de abusos dentro do processo de revisão por pares, incluindo a supressão de trabalhos semelhantes ao do próprio revisor, a influência nepotista, sexista ou bairrista, entre outros. Por fim, os autores afirmam que a revelação das identidades dos revisores demonstrou que não tem nenhum impacto na qualidade da avaliação e que, na verdade, beneficia o produto final. A revisão por pares aberta é a essência do MediaCommons Press, nosso primeiro caso de estudo, e do F1000Research, nosso segundo caso. Pilar 4 – Pleno reconhecimento pela participação no processo: o quarto pilar está bastante ligado ao anterior. Para os autores, trabalhos como o de revisão e edição de manuscritos de publicações científicas também são contribuições intelectuais para o desenvolvimento da ciência. Muitos revisores contribuem com ricos pensamentos e comentários e ajudam o autor a moldar o desenvolvimento de um determinado campo da ciência. Uma vez que esses comentários nunca são vistos pelo público, essa contribuição é pouco reconhecida. Com a publicação dos comentários e a atribuição de crédito para os revisores, seria mais fácil distinguir entre pareceristas que fazem contribuições singulares para a literatura pela força e rigor dos seus comentários daqueles que se restringem a acrescentar o conceito “Recomendado” ao final da leitura. Assim, o quarto pilar reivindica a atribuição de 51 crédito para os todos colaboradores envolvidos em uma publicação, incluindo revisores e editores. O artigo foi publicado no dia 25 de abril de 2013 e recebeu onze comentários. Alguns foram deixados por leitores que, embora tenham apreciado o texto, tinham algumas críticas. Outros comentários eram respostas de autores e quatro deles eram um diálogo entre dois leitores, prática que nos parece bastante inovadora e profícua. 52 2 PERSPECTIVAS TEÓRICAS ADOTADAS 2.1 Introdução Nesta pesquisa, são adotados dois suportes teóricos: primeiro, para a análise tanto do produto quanto do processo editorial das iniciativas, será utilizada a perspectiva da multimodalidade ou do discurso multimodal, termos cunhados por membros do New London Group, destacando-se Kress e Van Leeuwen (1996; 2001). Segundo, para a análise específica do produto editorial das três iniciativas, ou seja, o gênero artigo científico, será utilizada a Teoria dos Gêneros, passando por Bakhtin (2000) e focando mais especificamente nas ideias de Bazerman (2005; 2007; 2011) sobre o discurso científico, dentro da corrente sociorretórica dos estudos sobre gêneros textuais. Vejamos em partes cada uma dessas perspectivas teóricas. 2.2 Eixo teórico I: Multimodalidade ou Discurso Multimodal Kress e Van Leeuwen (1996; 2001) têm argumentado que, na contemporaneidade, a comunicação humana não se limita a um único modo semiótico (como a linguagem verbal) e não é realizada por meio de um único meio (como a página impressa). Inserida na perspectiva da Semiótica Social, a multimodalidade consiste na ideia de que a produção de sentido se realiza pela combinação de mais de um código semiótico (modalidade) e de que todos os modos semióticos utilizados em um determinado objeto multimodal contribuem para a construção de sentido. Assim, cada modalidade teria suas potencialidades de representação e de comunicação que são construídas culturalmente pelos seres humanos no processo de construção de signos. Em Multimodal Discourse (Discurso Multimodal), de 2001, Kress e Van Leeuwen ampliam o conceito de multimodalidade defendido em sua obra Reading Images, de 1996, ao explorarem os princípios comuns de comunicação multimodal presentes em diferentes modos semióticos. Os autores afirmam que, dentro de um determinado domínio sociocultural, um “mesmo” sentido pode frequentemente ser expresso por meio de diferentes modos semióticos. Por exemplo, uma informação publicada em um jornal impresso pode aparecer na forma de um texto verbal, de uma fotografia com legenda ou de um infográfico. Se essa mesma informação fosse publicada em um jornal online, ainda poderia ser expressa por um infográfico interativo ou por um vídeo. 53 Em termos gerais, a ideia central do discurso multimodal é de que, na comunicação humana, há sempre um modo mais apropriado de representação de uma ideia conforme o propósito e a audiência em questão. Contudo, para se chegar a esse modo, há alguns fatores que interferem na produção de sentido. O produtor, por exemplo, deverá possuir as habilidades necessárias tanto para planejar (design) quanto para executar (produção) os procedimentos necessários para expressar uma determinada ideia por meio de um determinado modo, ou por uma combinação de modos. Na comunicação científica, por exemplo, é comum se deparar com reclamações de leitores e autores quanto à impossibilidade de se acrescentar, nas publicações online, arquivos audiovisuais de um experimento juntamente com o artigo científico que o descreve verbalmente. Um biólogo, por exemplo, pode não conseguir reproduzir um experimento usando como fonte de informações somente o artigo que o descreve. Um pesquisador da área do Cinema também pode achar incompleto ler um artigo que expõe uma cena em quadrantes em vez de assisti-la em movimento. Esses exemplos nos mostram que pode haver certo desconforto, por parte do leitor/receptor, quando uma determinada ideia não é apresentada por meio do sistema sígnico que melhor a represente. Kress e Van Leeuwen (2001) também afirmam que a multimodalidade não se resume à junção de várias semioses, como ocorre no processo de edição no cinema, em que a imagem representa a ação, os efeitos sonoros representam o realismo e a música adiciona emoção à cena. Mais do que isso, os autores afirmam que, na visão da multimodalidade, princípios semióticos comuns operam por meio de diferentes modos e seria possível, por exemplo, que uma determinada trilha sonora expressasse uma ação ou que uma imagem expressasse um sentimento e assim por diante. Os autores afirmam que, na era digital, os diferentes modos têm se tornado tecnicamente iguais em algum nível de representação e podem ser operados por uma só pessoa multitarefa usando uma única interface (o software) em um único aparelho de manipulação física (o computador). Assim, esse produtor multitarefa poderia chegar ao ponto de se perguntar, em determinado ponto: “Seria melhor representar essa ideia com um efeito sonoro ou com uma música de fundo?”, “Seria melhor dizer isso visualmente ou verbalmente?”. Corroborando essa ideia, Lunenfeld (1999, p. xix) afirma que “o computador, quando ligado a uma rede, é único na história das mídias tecnológicas: é o primeiro sistema amplamente disseminado que oferece ao usuário a oportunidade de criar, distribuir, receber, e consumir conteúdo audiovisual no mesmo local”. Manovich (2003) também se manifesta a 54 esse respeito quando afirma que a revolução causada pelo computador “afeta todos os estágios da comunicação, incluindo aquisição, manipulação, arquivamento, e distribuição; afeta também todos os tipos de mídia – textos, imagens, imagens em movimento, som, e construções espaciais” (p. 19). Por fim, ainda dentro do conceito de multimodalidade, os autores afirmam que a linguagem se constitui a partir de múltiplas articulações que ocorrem entre quatro estratos (ou camadas) diferentes: o discurso, o design, a produção e a distribuição. Cada um desses estratos produz suas próprias camadas de significado. Nas seções seguintes, descreveremos melhor cada um desses estratos. 2.2.1 Discurso Kress e Van Leeuwen (2001) corroboram teorias consolidadas de análise do discurso que o definem como um conjunto de saberes socialmente construídos sobre a realidade (ou de alguns aspectos dela). No entanto, vão além ao relacionarem o discurso não somente à linguagem, mas também à forma como ele se realiza materialmente. Os autores focam a interrelação absoluta entre o discurso e o modo como ele se apresenta e argumentam que a materialidade do modo semiótico contribui para o sentido. Para eles, todos os modos semióticos disponíveis como meios de realização comunicacional em uma determinada cultura são elaborados naquela cultura como meios de articulação de discursos. Para os autores, é bastante cara a ideia de que os discursos podem ser articulados em modos semióticos não linguísticos, como as cores, o som, a textura e até mesmo os elementos ligados ao suporte. A própria diferença de sensações derivada das diferenças de leitura em suporte impresso e digital já seriam maneiras de atribuir sentido a um objeto de comunicação, como se tem afirmado em vários trechos desta dissertação. Kress e Van Leeuwen (2001) afirmam que há certa especificidade sensorial para cada modo semiótico e que, por conseguinte, há certa perda dessa especificidade quando há uma transposição de um modo para outro. Segundo os autores: [...] duvidamos que a língua seja o modo mais articulado em todas as circunstâncias, tanto porque a cor como modo – para dar um exemplo – pode ser capaz de realizar sentidos discursivos que a língua falada ou escrita não podem, quanto porque alguns sentidos são “recebidos” mais facilmente em um modo do que em outro. Em outras palavras, a prática discursiva em um ambiente multimodal consiste na habilidade de 55 selecionar os discursos que devem estar “em jogo” em uma ocasião específica, em um “texto” em particular. (KRESS; VAN LEEUWEN, 2001, p. 29-30)25 Assim, usar o modo cor para se referir às cores seria mais articulado discursivamente (mais eficiente) que usar palavras para se referir às cores. Por exemplo, para representar um sofá azul em uma revista de decoração, o recurso semiótico mais adequado seria uma imagem colorida de um sofá azul e não somente um texto verbal que o descrevesse ou uma imagem em preto e branco. Nesse sentido, uma tradução de um modo não linguístico para o modo linguístico perde várias especificidades essenciais. No caso da descrição do sofá, o leitor poderá não saber qual é a tonalidade específica de azul, além de perder a possibilidade de associação visual com outros aspectos visualmente representados, como formato, textura, material etc. Segundo os autores, “as associações de sentido capazes de ser estabelecidas visualmente simplesmente não são as mesmas que podem ser estabelecidas verbalmente” (KRESS; VAN LEEUWEN, 2001, p. 27)26. Para finalizar esta seção, retomamos a premissa inicial da multimodalidade, que consiste na ideia de que, na comunicação humana, há sempre um modo mais apropriado de representação de um discurso. Da mesma forma que acontece com as cores, usar imagens em movimento para se referir a imagens em movimento é mais articulado (eficiente) do que representá-las verbalmente ou em quadrantes. Nesse sentido, as imagens em movimento se apresentam como um modo bem articulado para expressão de sentidos discursivos. No entanto, em geral, a comunicação científica online ainda carece bastante dessa potencialidade, embora seja feita em um ambiente multimídia por essência. 2.2.2 Design Conforme vimos na seção anterior, na concepção multimodal, a prática comunicacional consiste em escolher, entre os modos semióticos culturalmente disponíveis, aqueles que são mais adequados para finalidades, audiências e ocasiões de produção textual 25 Tradução nossa para: “we doubt that language is the most effective mode in all circumstances, both because color as a mode – to take an example – may be able to realise discursive meanings which writing could not, and because some meanings may be more readily „received‟ in one mode rather than another. In other words, discursive practice in a multimodal environment consists in the ability to select the discourses which are to be „in play‟ on a particular occasion, in a particular „text‟”. 26 Tradução nossa para: “The meaning-associations capable of being set up visually are simply not those which can be set up verbally”. 56 específicas. É a partir desse princípio que Kress e Van Leeuwen vão elaborar seu conceito de design. Segundo os autores, para alcançar essa harmonia entre o que se pretende comunicar e como é comunicado, é necessário escolher materiais e modos que – por razões históricoculturais, por proveniência ou pela história do indivíduo – são os mais capazes de articular os discursos utilizados em um momento em particular. Isto é, não é simplesmente uma questão de organizar o discurso considerado de forma abstrata, mas também de organizar os modos realizacionais para os discursos. Isso envolve selecionar as formas materiais de realização a partir do repertório existente em uma determinada cultura, além de selecionar os modos que o produtor do texto julgue serem os mais eficientes em relação aos seus propósitos, às expectativas em relação à audiência e aos tipos de discurso que serão articulados. Além disso, os autores afirmam que uma das limitações para as possibilidades de escolha de modos semióticos está no fato de o produtor saber quais são os recursos que estão disponíveis. Para os autores, há uma fronteira entre recurso e design. Nessa fronteira, há uma restrição bastante específica: somente os recursos oficialmente reconhecidos como modos comunicativos e representacionais (sejam abstratos como os discursos ou concretos como o material para desenhar) podem se transformar em sujeitos de um design consciente. Os modos semióticos que não fazem parte do inventário oficial e público de uma determinada cultura (ou de um domínio de práticas) não podem ser usados no processo de design. Da mesma forma, apenas as estruturas e os sintagmas reconhecidos pelo falante (em termos linguísticos) estão disponíveis para o processo de elaboração de uma sentença. Para os autores, isso sugere que, dentre os modos semióticos existentes em uma cultura, alguns são oficialmente reconhecidos (como a linguagem verbal) e, portanto, ficam disponíveis para o processo de comunicação e representação. Esses modos, em geral, são altamente desenvolvidos, chegando a existir membros da cultura que descrevem sua organização como se fosse uma gramática. Outros modos não são reconhecidos ou o são somente em relação a determinados domínios, ou podem ainda ser semirreconhecidos. No caso da comunicação científica, em termos de fluxo editorial, o modo reconhecido disponível é o seguinte: submissão revisão por pares cega aceite ou rejeição; em termos de recursos de design, o modo reconhecido disponível é a linguagem verbal escrita e as figuras, seja em suporte impresso ou eletrônico; e, em termos de distribuição, o modo reconhecido disponível é a indexação em bases de dados que utilizam mecanismos mediadores da qualidade dos veículos ali indexados. 57 Kress e Van Leeuwen defendem que a comunicação depende da articulação desses estratos e também da interpretação. Para esta última, os autores falam em comunidade interpretativa, que é a instância responsável por fornecer esse reconhecimento. No nosso caso, a comunidade interpretativa é a comunidade científica. De outra maneira, dentre os outros modos, estariam aqueles que carregam consigo a novidade de utilizar algum tipo de tecnologia ainda não totalmente explorada (ou reconhecida) pela comunidade científica. Por exemplo, as imagens em movimento são um modo semiótico reconhecido como recurso na edição de documentários televisivos. No entanto, elas são menos reconhecidas como modo semiótico para a composição de um artigo científico. Nesse sentido, um dos nossos casos de estudo, o JoVE, seria inovador ao apresentar videoartigos com a filmagem profissional de procedimentos e protocolos médicos e laboratoriais, utilizando, assim, a imagem em movimento como um modo representacional em uma prática discursiva (a comunicação científica formal) que parece ainda não reconhecer este como um modo semiótico legítimo. 2.2.3 Produção A produção está associada ao meio através do qual o design pode ser expresso. Está relacionada à organização de uma expressão, à articulação material real do evento semiótico. A produção é a organização da expressão ou do meio de execução do que foi elaborado na camada do design. Para os autores, diferentemente do que ocorre com o design, há outra série de habilidades relacionada à produção: habilidades técnicas, habilidades manuais e visuais, habilidades relacionadas não aos modos semióticos, mas aos meios semióticos, ou seja, ao tipo mídia ou suporte que será utilizado. Para Kress e Van Leeuwen (2001, p. 66), “a produção pode estabelecer correspondências entre a qualidade material percebida por diferentes órgãos sensoriais” 27. A forma como um material é produzido para ser distribuído interfere na interpretação do leitor, ou seja, na leitura para produção de significado, pois não só a produção, mas a interpretação também pode ser considerada um trabalho físico que se materializa através dos órgãos sensoriais. Algumas vezes, o design e a produção são executados pela mesma pessoa. Por exemplo, isso acontece quando um professor desenvolve um método e ministra suas aulas 27 Tradução nossa para: “production can also set up correspondences between the material qualities perceived by different sense organs”. 58 utilizando esse método. Mas também pode ser separado, quando, por exemplo, um professor ministra suas aulas utilizando método alheio ou quando um compositor compõe uma canção e um intérprete faz somente a parte performática de cantá-la. Para os autores, o significado reside na produção e não apenas no discurso e design. O que é comummente aceito é que a produção não acrescenta significado, já para os autores: “a produção desempenha um papel semiótico variável independente na comunicação e não „simplesmente‟ realiza o que temos chamado de „design‟” (KRESS; VAN LEEUWEN, 2001, p. 66)28. Um exemplo claro para demonstrar essa ideia é o jazz, estilo musical em que a essência do improviso coloca design, discurso e produção como instâncias simultâneas de realização de sentido. Os autores também discutem dois princípios básicos de produção: a provenance (proveniência ou lugar de origem) e o potencial significativo experiencial. O primeiro se relaciona à origem dos signos e aos potenciais de significados que esses podem veicular; o segundo se relaciona ao seu potencial de significar algo diferente do que ordinariamente significa, através de um processo metafórico, por exemplo. Segundo Kress e Van Leeuwen (2001), a ideia de proveniência pressupõe que os seres humanos constantemente importam signos de outros contextos (de outra época, grupo social ou cultura) para o contexto no qual se está construindo um novo signo. Para os autores, a ideia de proveniência inclui os seguintes aspectos (p. 73): 1. Na ausência de um modo semiótico, isto é, de uma “léxico-gramática” explicitamente elaborada, uma forma de significar um discurso é por proveniência, anexando um discurso a um significante importado de outro lugar, outro tempo, outra cultura, ou de outro grupo social, em que esse outro “lugar” está, de uma forma ou de outra, relacionado ou associado a valores ou temaschave daquele discurso. 2. Um signo que produz significado por proveniência evoca um discurso completo, mas sem fazer com que esse discurso fique explícito, de modo que, subjetivamente, apenas um complexo vago e confuso de ideias e valores seja comunicado. No entanto, essas ideias e valores geralmente são importantes para o “lugar” que criou o signo de proveniência, e estão associados com sentimentos fortes. Como resultado, em geral, a imprecisão não é conscientemente percebida. 3. A comunicação por proveniência é geralmente assistemática e ad hoc, uma invenção do momento, ou parte de um catálogo de invenções do passado que nunca foi sistematizado e, portanto, só pode ser comunicada como uma “lista”. Do mesmo modo, não haverá regras gerais para interpretação, de modo que cada um dos casos é visto como único e os exemplos só podem ser interpretado um de cada vez. (KRESS; VAN LEEUWEN, 2001, p. 73)29 28 Tradução nossa para: “ […] production plays an independent variable semiotic role in communication and does not „merely‟ realise what we have called „designs‟”. 29 Tradução nossa para: “1- In the absence of a semiotic mode, that is, of an explicitly worked out „lexicogrammar‟, one mode of signifying a discourse is through provenance, through attaching a discourse to a signifier imported from another place, another time, another culture, or another social group, where this other 59 Isso acontece, por exemplo, quando a comunicação científica na web é feita de maneira bastante similar à comunicação científica tradicional impressa. Roger Chartier (1999), ao tratar da transição de suportes, afirma que “a obra não é jamais a mesma quando inscrita em formas distintas, ela carrega, a cada vez, um outro significado” (p. 71), uma vez que sempre que há a um novo suporte, há também um novo hábito de leitura que, em geral, vai se impondo vagarosamente. O professor e designer italiano Ezio Manzini afirma que, em termos de técnica, inovações materiais chegariam ao sistema de objetos em duas etapas: na primeira, “se empregam os novos materiais como imitações, ou seja, como meros substitutos de materiais anteriormente utilizados” (MANZINI, 1993, p. 53). Já na segunda fase, todo o sistema seria redefinido em função do grau de inovação possibilitado pela nova tecnologia. É nesse ponto que esta pesquisa se baseia: na busca por iniciativas online que estariam nessa segunda fase descrita por Manzini (1993). 2.2.4 Distribuição A distribuição se refere à “recodificação” técnica de produtos ou eventos semióticos, com o propósito de gravação (exemplo: gravação em fita cassete ou gravação digital) e/ou distribuição (exemplo: transmissão por rádio ou TV, internet etc.). Também tende a ser vista como um elemento não semiótico, como se não acrescentasse nenhum significado e somente facilitasse as funções pragmáticas de preservação e distribuição. Se assim o fosse, ouvir uma orquestra em um aparelho MP3 produziria o mesmo efeito de sentido de se ouvir a mesma orquestra tocando ao vivo em um teatro com tratamento acústico. Assim, os autores afirmam que a distribuição também acrescenta algo a (ou muda) o sentido e que, com o passar do tempo, os meios de distribuição podem, em parte ou como um todo, se tornar meios de produção. Focando no caso da comunicação científica, se um „place‟ is, in one way or another, related to or associated with key values or these from that discourse. 2 - A sign that signifies through provenance evokes a complete discourse, but without making that discourse explicit, so that, subjectively, only a vague and confused complex of ideas and values is communicated. Nevertheless, these ideas and values are usually important to the „place‟ which has created the provenance sign, and they are associated with strong feelings. As a result the vagueness is not usually consciously realized. 3 - Communication by means of provenance is usually unsystematic and ad hoc, an invention of the moment, or part of a catalogue of past inventions which has never been systematized, and can therefore only be communicated as a „list‟. In the same way there will be no general rules for interpretation, so that each case is seen as unique, and examples can only be interpreted one at a time.” 60 periódico está indexado em uma base de dados como a plataforma SciELO, a própria essência da base dá ao periódico o status de ser balizado, de ter passado por uma rigorosa avaliação por pares. Uma ideia bastante importante relacionada à distribuição é de que os modos e as mídias que lhe servem de suporte são interdependentes, o que significa que embora as mídias e os modos sejam diferentes uns dos outros, a mídia que usamos afeta as maneiras pelas quais podemos perceber o significado através de um modo ou de uma combinação de modos. Por exemplo, o modo escrita é afetado de forma diferente pelas possibilidades e limitações proporcionadas pela página de um livro em comparação às possibilidades e limitações proporcionadas pela tela do computador ou de outro dispositivo eletrônico. A ideia de um autor único e solitário que se comunica com o leitor por meio do produto final livro foi transformada à medida que as tecnologias digitais abriram as possibilidades de produção textual não linear, interativa, hipertextual, continuamente passível de revisão. Conforme a escrita vem se tornando uma atividade cada vez mais baseada na tela, as maneiras pelas quais escrevemos (desde a gramática que usamos até o estilo, tom, aparência e estrutura de nossas palavras, frases, parágrafos e páginas) faz com que o papel ocupado pelo autor se torne necessariamente mais fluido e transitório. Essa mudança na relação entre autor e texto, e, portanto, na maneira como o significado pode ser comunicado por meio de texto, foi facilitada pelo avanço tecnológico, que permitiu uma mudança do meio estático da página para o meio mais fluido da tela. Por fim, vale ressaltar que a camada do discurso perpassa todas as categorias devido à sua estreita ligação com a noção de ideologia. Vejamos: a prática comunicacional consiste em escolher o modo de realização que está mais apto a um propósito específico, a um público e à ocasião da produção do objeto, que será interpretado por uma comunidade interpretativa. Essa comunidade é quem vai reconhecer e aceitar o discurso. Kress e Van Leeuwen (2001) também afirmam que a prática discursiva é sempre produtiva e transformativa: a cada nova configuração do discurso e de seus modos, um formato novo é produzido e transformado. Essas transformações produzem efeitos. Para os autores, trata-se de ideologia. Por trás dessas mudanças, há motivações. Como toda ação social é semiótica e vice-versa, a ação social muda o ator e o ato. Nesse sentido, as iniciativas aqui pesquisadas apresentam certas mudanças ideológicas, mas, obviamente, há outras ideologias (a lógica do impresso ou de sua transposição literal para o ambiente digital) que tentam se manter. 61 2.3 Eixo teórico II: Teoria Sociorretórica dos Gêneros Há séculos, a definição de “gênero”, desde o literário até o discursivo, tem ocupado a agenda de vários filósofos e pesquisadores em todo o mundo. Uma tentativa atual de definição foi cunhada por Mikhail Bakhtin, com seu texto Os gêneros do discurso (2000), escrito em 1952. Para o teórico, a diversidade das produções de linguagem é infinita, mas não chega a ser caótica, pois a competência linguística dos sujeitos vai além da construção e reconhecimento da frase ou da oração. Essa competência se estende para os gêneros do discurso, que são, segundo o autor, “tipos relativamente estáveis de enunciados” aos quais os falantes são sensíveis desde o início até o fim de suas atividades de linguagem (BAKHTIN, 2000, p. 279). Numa visão ainda mais contemporânea, Bazerman (2005, p. 31) defende os gêneros “como fenômenos de reconhecimento psicossocial que são parte de processos de atividades socialmente organizadas”. Afirma que há formas textuais típicas de cada atividade social e que mais do que um estudo do gênero em si, é preciso estudar a circulação de discursos e da inovação dos formatos dessa circulação, em termos de meios, canais, modos retóricos e tipificação. Para o autor, devemos ver os gêneros como uma “ação tipificada pela qual podemos tornar nossas intenções e sentidos inteligíveis para outros. Como resultado, gênero dá forma a nossas ações e intenções. É um meio de agência” (BAZERMAN, 2011, p. 11). O autor afirma que, historicamente, “desde o advento da escrita há cinco mil anos, poderosas funções da sociedade (incluindo o direito, o governo e a economia) têm sido de modo crescente mediadas através de textos escritos” (BAZERMAN, 2005, p. 15). Não é diferente com a ciência, como temos visto nesta dissertação. Para Bazerman, há gêneros que são fundadores de outros, como a carta, que deu origem aos artigos científicos, às patentes, às folhas de cheques, às reportagens e, mais recentemente (com o advento das NTICs), aos emails, entre outros. Nesse sentido, Bazerman defende que os gêneros são formas típicas de usos discursivos da língua originadas de formas anteriores. Para ele, os gêneros nunca surgem do nada, mas num processo histórico, cultural e interativo dentro de instituições e atividades já conhecidas pelo falante. O autor afirma que os gêneros têm origem sociointerativa e não são meras cristalizações formais. Para ele, a definição de gêneros como apenas um conjunto de traços textuais ignora o papel dos indivíduos no uso e na construção de sentidos. Para Bazermam, a noção do gênero como algo cristalizado no tempo e espaço deixa de considerar as diferenças de percepção entre pessoas, épocas e regiões diferentes (por exemplo), além de ignorar o uso criativo da comunicação para satisfazer novas necessidades originadas em novas 62 circunstâncias de uso de um determinado gênero (no nosso caso, o artigo científico). Segundo o autor: Assim como as ações, intenções e situações humanas, uma teoria de gênero precisa ser dinâmica e estar sempre mudando. Essa teoria precisa incorporar a criatividade improvisatória das pessoas na interpretação de suas situações, na identificação de suas metas, no uso de novos recursos para alcançá-las e na transformação das situações através de seus atos criativos. Esse caráter dinâmico, interativo e agentivo do uso dos gêneros escritos significa que no centro de nossa teoria devem estar pessoas que querem realizar coisas através da escrita em um mundo em mudança. (BAZERMAN, 2011, p. 11, grifos nossos) Os seres humanos podem apresentar uma forte resistência às mudanças ocorridas em um determinado gênero. Segundo Bazerman (2005, p. 19), “certas profissões, situações e organizações sociais podem estar associadas a um número limitado de tipos de textos”. Essa resistência se manifesta porque o próprio surgimento (ou reforço) de um gênero se dá porque uma maneira de coordenar melhor nossos atos de fala uns com os outros é agir de modo típico. Quando percebe que um determinado enunciado ou texto funcionam bem numa determinada situação, a tendência é de que, ao se deparar com uma situação semelhante, o ser humano repita o procedimento bem-sucedido da vez anterior. Além disso, “no discurso há sempre uma tensão dialética entre o que veio antes e os novos participantes do embate, constantemente manobrando para conseguir uma voz em qualquer empreendimento vital comum” (BAZERMAN, 2011, p. 107). Para Bazerman: Se começamos a seguir padrões comunicativos com os quais as outras pessoas estão familiarizadas, elas podem reconhecer mais facilmente o que estamos dizendo e o que pretendemos realizar. Assim, podemos antecipar melhor quais serão as reações das pessoas se seguimos essas formas padronizadas e reconhecíveis. Tais padrões se reforçam mutuamente. (BAZERMAN, 2005, p. 29) É isso o que vem acontecendo com o gênero artigo científico (paper). Reconhecemos que a padronização de um gênero na comunicação científica trouxe diversas vantagens para que pesquisadores diferentes (inclusive quanto à nacionalidade) pudessem se compreender mutuamente. Bazerman afirma que refletir sobre o gênero é bastante produtivo para se “compreender as práticas discursivas acadêmicas e profissionais, em que enunciados altamente individuais e estratégicos são produzidos em formas bastante distintivas e reconhecíveis” (BAZERMAN, 2005, p. 59). Para o autor, essas formas padronizadas vêm se moldando ao longo de trajetórias extensas e conscientes. Assim, “escritores novos em um domínio precisam dedicar algum tempo para aprendê-las, independentemente das habilidades 63 de escrita que o escritor traz consigo de outros domínios” (BAZERMAN, 2005, p. 59). Em seus estudos de 2011, Bazerman corrobora essa importância da padronização afirmando que: Algumas ferramentas e truques provaram ser tão úteis e poderosos que se tornaram regularizados, constituindo até elementos obrigatórios e institucionalizados (formais e processuais) de tipos particulares de comunicação científica. O que nós reconhecemos como o gênero artigo experimental incorpora muitos desses elementos regularizados, formais e processuais. Gênero, então, não é simplesmente uma categoria linguística definida pelo arranjo estruturado de traços textuais. Gênero é uma categoria sociopsicológica que usamos para reconhecer e construir ações tipificadas dentro de situações tipificadas. É uma maneira de criar ordem num mundo simbólico sempre fluido. (BAZERMAN, 2011, p. 60) O autor também afirma que a maioria dos gêneros tem características de fácil reconhecimento que sinalizam a espécie de texto que é. No entanto, lembra que a essência dos gêneros não está nessas características mais formais. Adverte que é equivocada a visão de gênero que simplesmente o concebe como uma coleção de elementos característicos, pois ela “encobre como esses elementos são flexíveis em qualquer instância, ou até como a compreensão geral do gênero pode mudar com o passar do tempo, à medida que as pessoas passam a orientar-se por padrões em evolução” (p. 40). Para o autor: Os traços textuais que podemos associar a qualquer gênero particular não têm uma definição necessariamente fixa. Mesmo as tentativas de manter firmes os traços através de processos sociais da institucionalização levam apenas a uma estabilidade temporária; apesar da grande influência do Manual de Publicação da APA, uma breve revisão das revistas de psicologia em 1987 revela uma ampla gama de inovação retórica, quase ultrapassando as fronteiras do modelo idealizado. Tampouco, são da mesma ordem todos os traços textuais que associamos a um gênero. Alguns são traços macro-oganizacionais, tais como a apresentação do método após a introdução e antes dos resultados em muitas versões do artigo experimental. Outros são associados às práticas de citação (em termos do formato de citação e da quantidade, bem como do papel da citação dentro do argumento). Outros são questões de quantidade e de localização de detalhes. Outros, ainda, têm a ver com o nível, função e lugar da generalização. [...] Mais importante, os traços que podemos associar ao gênero quase não se restringem às aparências formais na página. Os traços formais são apenas as maneiras pelas quais as relações e as interações mais fundamentais são realizadas no ato de comunicação. (BAZERMAN, 2011, p. 60) Segundo Bazerman, para se definir um gênero, “podemos usar uma variedade de conceitos analíticos linguísticos, retóricos, ou organizacionais menos óbvios para examinar uma coleção de textos de um mesmo gênero”, ou seja, devemos ir além dos aspectos físicos e diagramáticos. Além disso, para o autor, uma vez que o gênero é uma categoria tão multifacetada e em constante mudança, a sua redução “a alguns poucos itens formais que devem ser seguidos por razões de propriedade (o decoro no seu sentido mais restrito) deixa 64 escapar a vida que está incorporada no momento genericamente formado” (BAZERMAN, 2011, p. 61). Para Bazerman, a compreensão do gênero muda quando um campo e o contexto histórico mudam. Citando Luckmann (1992), Bazermam afirma que “os gêneros comunicativos de uma época podem se dissolver em processos comunicativos mais „espontâneos‟, enquanto outros gêneros até então pouco definidos podem se congelar em novos gêneros” (LUCKMANN, 1992 apud BAZERMAM, 2005, p. 56). Mais de um século depois, os artigos perderam os vestígios do formato de carta e adotaram o tom e o foco argumentativo e abstrato da atualidade. Isso foi possível porque, ao longo do tempo, como postula a Teoria-Ator-Rede (actor-network)30, entrou em jogo a agência individual, a explicação histórica dos arranjos correntes e a resposta criativa dos indivíduos à necessidade de criar novos arranjos (BAZERMAN, 2005). Nesse sentido, afirmamos que há uma nova onda de mudanças ocorrendo nos artigos científicos. Não o fazemos pensando que o gênero mudará como um todo, mas que coexistirão formas mais tradicionais de comunicação científica (com os artigos padronizados impressos ou em formato PDF) e formas inovadoras como as que são propostas pelas iniciativas que apresentaremos no Capítulo 4 desta dissertação. 30 Em termos gerais, a Teoria-Ator-Rede enfatiza a ideia de que os atores (humanos e não humanos) estão constantemente ligados a uma rede social de elementos, que podem ser materiais e imateriais. 65 3 PERCURSO METODOLÓGICO 3.1 Tipo de pesquisa Esta pesquisa insere-se no paradigma qualitativo e é um estudo comparativo de casos. Expliquemos melhor cada um desses conceitos. Segundo Neves (1996), a pesquisa dentro do método qualitativo detecta a presença ou não de algum fenômeno sem se importar com sua magnitude ou intensidade. É denominada qualitativa, em contraposição à pesquisa quantitativa, em função da maneira como os dados são tratados e da forma de apreensão de uma realidade. No caso da pesquisa qualitativa, o mundo é conhecido por meio de experiência e senso comum (conhecimento intuitivo), em oposição às abstrações (modelos) da pesquisa quantitativa. Os métodos qualitativos e quantitativos não são excludentes, embora difiram quanto à forma e à ênfase (NEVES, 1996, p. 1). Em relação ao estudo comparativo de casos, Bogdan e Biklen (1997) e Yin (1994) distinguem-no do estudo de caso único porque, no estudo comparativo ou coletivo, o investigador estuda dois ou mais casos com o intuito de posteriormente compará-los ou contrastá-los a fim de compreender melhor a realidade específica na qual se inserem. Mais especificamente, além de ser um estudo comparativo, este projeto se voltará para três casos atípicos ou de interesse intrínseco. Segundo Stake (2005), o estudo de caso de interesse intrínseco, ou caso atípico, ocorre quando o investigador pretende estudar uma situação específica na sua particularidade e complexidade para compreender melhor suas características e seu funcionamento peculiar. Em suma, este projeto propõe como metodologia um estudo comparativo de três casos de edição científica com o uso das NTICs que fogem ao padrão convencional, ou seja, que provocam no pesquisador um interesse intrínseco de entender o funcionamento e a peculiaridade de um caso atípico. 3.2 Técnica de pesquisa e coleta de dados Como metodologia de trabalho, propomos utilizar uma tríade de técnicas de pesquisa dentro do método qualitativo, quais sejam: análise documental, pesquisa bibliográfica e entrevistas. Na análise documental, consideramos como corpus de análise o website oficial de cada um dos projetos, ou seja, trata-se de documentos digitais. Pesquisamos cada um dos 66 websites à procura de textos como editoriais, recomendações aos autores e descrições de funcionamento, além de arquivos de áudio ou vídeo ou ainda figuras como infográficos ou fluxogramas que falavam sobre o projeto em si, sua história, seu funcionamento e as razões para a sua proposta inovadora. Concomitantemente à análise documental, foi feita uma pesquisa bibliográfica por meio de artigos, livros, dissertações e teses que abordem essas iniciativas. Como complementação à análise documental e à pesquisa bibliográfica, entrevistamos os idealizadores (ou representantes) de cada um dos projetos em análise. A análise do processo e parte da análise do produto editorial terá como suporte teórico a perspectiva da Multimodalidade e a análise dos artigos terá como suporte a Teoria dos Gêneros do Discurso, ambas já delineadas na seção anterior. 3.2 Seleção do corpus Como primeiro passo para o desenvolvimento desta pesquisa, intentávamos descobrir iniciativas digitais que subvertessem alguma prática tradicional do meio impresso, ou seja, iniciativas que não fossem simplesmente uma transição do artigo impresso para o formato PDF ou para um HTML simples, sem sequer apresentar hipertextos. Procedemos então a uma investigação inicial para fazer um levantamento de ações no mínimo “diferentes” de comunicação científica em ambiente digital. Nossos critérios iniciais exigiam que a iniciativa fosse brasileira. No entanto, como não encontramos nenhum caso que se destacasse, eliminamos esse pré-requisito. Com isso, por meio de indicações pessoais, pesquisas pela internet e leitura de referências sobre o tema, identificamos algumas iniciativas inovadoras e elegemos três projetos (um no Reino Unido e dois nos EUA) que, de certa maneira, revolucionam algumas noções tradicionais de comunicação científica. A seguir, descrevemos brevemente esses três iniciativas, na ordem em que serão apresentadas no capítulo seguinte. a) MediaCommons Press (MCP): trata-se de um espaço virtual para revisão aberta de textos científicos desenvolvido em um formato inovador de blog (na plataforma CommentPress, do WordPress). b) F1000Research: trata-se de um editor científico online que publica artigos com base nos seguintes princípios: 1) publicação imediata; 2) publicação concomitante dos 67 dados originais de pesquisa; 3) revisão por pares pós-publicação; 4) publicação das considerações e da identidade dos pareceristas; e 5) acesso aberto. c) The Journal of Visualized Experiments (JoVE): trata-se de um periódico científico eletrônico na área da Medicina, Biologia, Química e Física que se baseia no formato tradicional de periódicos indexados e revisados por pares, mas cujos artigos são apresentados em formato de vídeos com a filmagem profissional dos procedimentos experimentais e protocolos, acompanhados de descrições textuais. 3.3 Análises Conforme já mencionamos em tópico anterior, o objetivo da pesquisa foi comparar três iniciativas inovadoras de comunicação científica. No entanto, a comparação não foi feita somente entre as três iniciativas, mas também, e principalmente, entre o que cada uma traz de inovador e as formas de comunicação científica já consolidadas pela academia. Para analisar o processo editorial em cada uma das iniciativas consideradas inovadoras, pesquisamos a maneira (tradicional ou inovadora) como elementos próprios da comunicação científica são constituídos nas três iniciativas. Assim, estabelecemos como categorias de análise a forma como se dão, em cada um dos casos: 1) o fluxo editorial; 2) a autoria; 3) a revisão por pares; 4) a acessibilidade; 5) a visibilidade/indexação das publicações; e 6) o produto editorial. Para analisar o produto editorial, escolhemos um artigo representativo de cada uma das iniciativas e analisamos seu conteúdo e seu formato, a fim de verificar se as mudanças ocorridas no gênero artigo científico. A seguir, apresentamos, esquematicamente, qual foi o projeto metodológico que guiou esta pesquisa. 68 Estudo Comparativo de Casos Caso 1 MediaCommons Press (MCP) Caso 2 F1000Research (F1000) Caso 3 The Journal of Visualized Experiments (JoVE) Técnicas de Coleta de dados Análise Documental (no website oficial de cada iniciativa) Pesquisa Bibliográfica (em publicações sobre as iniciativas) Entrevistas (com os idealizadores de cada uma das iniciativas) Análise do PROCESSO EDITORIAL sob o prisma da Multimodalidade Estrato 1: Design Fluxo editorial Estrato 2: Produção Revisão por pares Autoria Artigo do caso 1 Produto Editorial Artigo do caso 2 Estrato 3: Distribuição Acessibilidade Artigo do caso 3 Análise do PRODUTO EDITORIAL sob o prisma da teoria sociorretórica dos gêneros e da Multimodalidade FIGURA 4 – Esquematização da metodologia proposta Fonte: Elaborada pela autora. Visibilidade /indexação 69 4 APRESENTAÇÃO DOS CASOS Do extremo da realização individual, temos as grandes obras da literatura, da filosofia, das ciências sociais e da política, de cujas páginas as grandes vozes da história ainda nos falam. Cervantes, Shakespeare, Borges e Machado de Assis; Platão, Confúcio, Ortega y Gasset; Darwin, Freud, Maturana; Jefferson, Marx, Freire – cada um desses autores, enquanto usam as ferramentas familiares da linguagem e da organização textual, excedem os limites do ordinário e esperado para encontrar novas coisas para dizer e novos meios de expressão. (BAZERMAN, 2011, p. 12) Na epígrafe acima, Bazerman enumera algumas pessoas que se destacaram porque, com uma visão vanguardista, fizeram algo inovador na área em que atuavam usando como base aquilo que já existia. De nossa parte, acrescentaríamos três outros nomes contemporâneos que buscaram responder a demandas existentes na comunicação científica de maneira inovadora e inteligente. Essas novas pessoas que se destacam são os pesquisadores que idealizaram (juntamente com colaboradores) as iniciativas que vamos estudar neste capítulo. São eles: Kathleen Fitzpatrick, fundadora do MediaCommons Press; Vitek Tracz, fundador do F1000Research, e Moshe Pritsker, fundador do The Journal of Visualized Experiments (JoVE). Neste capítulo, apresentaremos cada uma dessas iniciativas, começando por sua história, seu funcionamento básico e algumas de suas características peculiares. Posteriormente, no capítulo de análises e discussão, retomaremos cada iniciativa mostrando os resultados obtidos na investigação das categorias elencadas para estudo. 4.1 Caso 1: MediaCommons Press (MCP) Para se entender melhor a história e o funcionamento do MediaCommons Press (MCP), é preciso abordar a trajetória e a importância da rede eletrônica que lhe deu origem e que agrega pessoas em torno do projeto. Trata-se do MediaCommons, uma espécie de rede social entre docentes, pesquisadores, estudantes e profissionais da mídia que promove a exploração de novas formas de publicação científica via web. Seus fundadores são Avi Santo, professor assistente do Departamento de Comunicação, Teatro e Dança da Old Dominion University, na Virgínia/EUA, e Kathleen Fitzpatrick, professora associada em Estudos da Mídia no Pamona College, na Califórnia/EUA. A professora Fitzpatrick foi quem nos 70 concedeu entrevista sobre o projeto MCP para a elaboração desta dissertação (APÊNDICE A). Embora seja moderada pelos editores, os projetos sediados pelo MediaCommons são conduzidos pelos membros da comunidade. Os usuários são livres para postar comentários, desenvolver perfis sofisticados, incluindo um portfólio com links para seu trabalho acadêmico, e para discutir com os pares os projetos publicados. Os membros também podem propor novos projetos para o conselho editorial. Na entrevista, a professora Fitzpatrick nos relatou que o primeiro projeto da rede foi o In Media Res, um fórum em ambiente multimodal e colaborativo no qual, a cada semana, um membro propõe e administra uma discussão em torno de um vídeo curto ou um slideshow de imagens sobre um objeto midiático recente acompanhado por um texto de 300 a 350 palavras analisando o material. A FIG. 5, a seguir, mostra a página inicial do MediaCommons e a FIG. 6 traz a página de discussão de um episódio do reality show e documentário 30 Days, postado dentro do projeto In Media Res. FIGURA 5 – Página inicial da rede MediaCommons Fonte: http://mediacommons.futureofthebook.org/ 71 FIGURA 6 – Discussão sobre o reality show 30 Days Fonte: http://mediacommons.futureofthebook.org/imr/2013/02/01/affect-location-and-identification-30-days Fitzpatrick nos conta sobre suas principais inquietações diante da comunicação científica contemporânea antes de chegar à ideia inicial para o projeto da comunidade MediaCommons. Afirma reconhecer que, na área das Ciências Humanas, ao menos nos EUA, a forma mais importante de comunicação científica tem sido o livro, publicação mais prestigiada para admissão e promoção na carreira na maioria das instituições de ensino superior. Sobre sua própria trajetória, Fitzpatrick nos relata o seguinte: Quando era professora assistente, passei vários anos trabalhando no manuscrito do meu primeiro livro, preparando-o para revisão por várias editoras que tinham dito que estavam interessadas em vê-lo. No entanto, a crise econômica após o estouro da bolha das empresas ponto.com, em 2000, teve efeitos terríveis sobre os orçamentos de muitas editoras universitárias e, quando terminei o manuscrito, em 2002, senti que nenhuma das editoras que haviam declarado anteriormente interesse em publicálo poderiam se dar ao luxo de fazê-lo. Os orçamentos das bibliotecas universitárias tinham sido cortados durante a crise financeira e o orçamento restante era esmagadoramente desviado para a compra de monografias e para cobrir o custo exponencialmente crescente com assinaturas de periódicos, especialmente na área das ciências. (FITZPATRICK, 2013, n.p.) A autora nos relata que, em seguida, procurou diversas outras editoras universitárias que pudessem publicar seu livro e finalmente uma delas demonstrou interesse. No entanto, mesmo depois da avaliação bastante positiva dos revisores externos, a publicação foi rejeitada no conselho editorial pelos responsáveis pelo Departamento de Marketing, os quais alegaram 72 que o livro representaria um grande risco financeiro. Isso queria dizer que, apesar da qualidade da obra, suas vendas poderiam ser demasiadamente baixas para que pudessem recuperar seus custos e se transformar em lucro. Concomitantemente a esse contexto desolador, em que a manutenção e promoção de sua carreira dependiam da publicação daquele livro aparentemente “impublicável”, a autora narra ter iniciado um blog. Afirma que o blog não lhe custava praticamente nada, a não ser a hospedagem no provedor e o tempo gasto para mantê-lo e que, mesmo assim, tinha mais leitores do que suas publicações acadêmicas formais. Além disso, a ferramenta tinha lhe permitido desenvolver uma comunidade de colegas que também mantinham blogs. Esse grupo passou, então, a ler e comentar os trabalhos uns dos outros, ajudando a melhorar a pesquisa de todos os envolvidos. Nas palavras da própria autora: “Então eu comecei a pensar: e se começássemos algum tipo de „editora‟ científica completamente eletrônica que pudesse aprender com os blogs acadêmicos e se concentrar na criação de uma comunidade de estudiosos que trabalham com e para o outro?” (FITZPATRICK, 2013, n.p.). Foi então que surgiu a ideia para a comunidade virtual MediaCommons e, mais tarde, para o MediaCommons Press, um dos cinco projetos atualmente sediados pela rede. Segundo a autora, o projeto concreto para a comunidade MediaCommons teve início de 2005, quando o pesquisador Bob Stein, do Instituto para o Futuro do Livro31, entrou em contato com ela depois de ter lido uma postagem no seu blog sobre as possibilidades de criação de uma editora completamente eletrônica. Stein disse que estava interessado em apresentar a ideia para a equipe do Instituto. Em reunião com Fitzpatrick, o grupo do Instituto para o Futuro do Livro decidiu agregar pessoas que trabalham com mídias digitais para ajudar a pensar na infraestrutura eletrônica para a ideia. Desse encontro, surgiram os primeiros contornos para a criação do MediaCommons e foi também quando Fitzpatrick foi apresentada ao pesquisador Avi Santo, o qual se tornou cofundador da iniciativa. A comunidade foi lançada no outono de 2006, juntamente com seu primeiro projeto, o In Media Res. Fitzpatrick nos relata que a rede MediaCommons levou algum tempo para ganhar força. O projeto havia sido destinado principalmente a pesquisadores de estudos da mídia, os quais teciam críticas bastante positivas sobre a iniciativa. No entanto, havia problemas de 31 O Institute for the Future of the Book é um projeto do Centro Annenberg de Comunicação da Universidade do Sul da Califórnia e tem sede em Nova York. Trata-se, segundo a definição encontrada no próprio website da entidade, de um pequeno grupo “pense-e-faça” que considera que a página impressa está dando lugar à tela em rede e procura narrar essa mudança e canalizá-la em uma direção positiva. Disponível em: <http:// www.futureofthebook.org/mission.html>. Acesso em: 16 mar. 2013. 73 engajamento dos pares para que a rede fosse realmente produtiva. Segundo Fitzpatrick, é difícil construir: [...] uma comunidade comprometida com um objetivo comum cujos resultados são desconhecidos e cuja percepção dentro da comunidade acadêmica é incerta. Os acadêmicos continuam a colocar sua ênfase principal na publicação de forma tradicional [em livros e periódicos], porque sabem que essas formas de publicação serão reconhecidas pelos colegas e pelas instituições quando eles vão para mercado de trabalho ou são avaliados. (FITZPATRICK, 2013, n.p.) No entanto, a autora relata que, aos poucos, ela e sua equipe conseguiram construir a comunidade que almejavam. Atualmente, a rede conta com um conselho editorial dinâmico que é responsável por cinco grandes projetos (In Media Res, The New Everyday32, #altacademy33, MediaCommons Press e o site geral do MediaCommons), além de novos projetos em desenvolvimento. 4.1.1 O MediaCommons Press O MediaCommons Press é um blog que proporciona um processo aberto de revisão por pares. A plataforma que fornece a tecnologia necessária para o funcionamento do projeto é o CommentPress, um software gratuito que surgiu como resultado de uma demanda do Instituto para o Futuro do Livro para os gerenciadores da plataforma de blogs WordPress34. Criado em 2007 e tendo passado por diversas modificações até chegar ao formato atual, o CommentPress é um plugin35 do WordPress cujo template facilita a publicação online de documentos longos (como livros inteiros) e permite que os usuários/leitores comentem e 32 O projeto The New Everyday é uma plataforma que publica trabalhos em um estado intermediário entre um blog e um diário. Seu diferencial é que, ao invés de aderir a uma estrutura mais tradicional em que a publicação é feita após a leitura e seleção entre um grande número de submissões dos participantes, o projeto publica primeiro e depois os editores filtram as informações. Qualquer usuário do MediaCommons pode publicar um trabalho. A plataforma publica tanto obras baseadas em texto (ensaios, rascunhos, capítulos de livros, etc.) quanto obras em formato multimídia (vídeos do YouTube e Vimeo, apresentações Slideshare e Scribd, etc.). O tema das publicações foca na reflexão sobre os papéis que a mídia e a tecnologia desempenham na construção do mundano, do cotidiano, do habitual e da rotina. Disponível em: <http://mediacommons.futureofthebook.org/tne/ how-it-works>. Acesso em: 18 nov. 2013. 33 O projeto #Alt-Academy (em que “alt” significa “alternativa” e “academy” significa “academia”, “universidade”) funciona da mesma forma que o projeto The New Everyday. A diferença é que, no #AltAcademy, os usuários publicam e comentam trabalhos em torno do tema da existência e do funcionamento de carreiras profissionais não convencionais ou alternativas para pessoas com formação acadêmica. Disponível em: <http://mediacommons.futureofthebook.org/tne/how-it-works>. Acesso em: 18 nov. 2013. 34 Disponível em: <www.wordpress.com>. Acesso em: 16 mar. 2013. 35 Um plugin ou plug-in é uma extensão que adiciona novos recursos a um programa maior. Os plugins mais famosos são os para browsers, como o flash, mas existem plugins para jogos e vários outros tipos de programas. Ele promove alguma funcionalidade especial ou muito específica. Geralmente é pequeno e leve, usado somente sob demanda. Disponível em: <www.lifehost.com.br/portal/faq/dicas_e_termos.htm>. Acesso em: 10 mar. 2013. 74 discutam o texto em escala gradual, variando desde o nível do parágrafo até a extensão do documento completo. Os blogs tradicionais apresentam cada postagem como um texto corrido único em formato HTML. A leitura nesse tipo de ambiente exige que o leitor use constantemente a barra de rolagem, disponibiliza o espaço para comentários somente ao final do texto e impede que o leitor publique comentários laterais conectados a trechos específicos do texto. De forma inovadora e atendendo à demanda específica de uma ferramenta para revisão por pares online, o CommentPress estrutura a obra completa em seções cujos títulos ficam dispostos em hiperlinks em um menu de conteúdos sempre visível na parte superior da tela. O leitor, então, lê o texto por seções, semelhantemente à maneira como se lê um e-book em um aplicativo para leitura compatível com a tecnologia dos smatphones e tablets. Diante da tela, o leitor pode clicar no título de uma seção, ler o texto e adicionar comentários laterais à direita conectados a um parágrafo específico ou ao texto como um todo, conforme podemos verificar pelas indicações das setas na FIG. 7, a seguir. FIGURA 7 – Template da plataforma CommentPress para revisão por pares aberta Fonte: http://mcpress.media-commons.org/complextelevision/ 75 4.2 Caso 2: F1000Research Para entendermos melhor a iniciativa F1000Research, é importante apresentarmos alguns fatos relevantes na trajetória profissional de seu fundador, o pesquisador Vitek Tracz, considerado um visionário pela comunidade científica. Para tanto, valemo-nos do trabalho intitulado The seer of science publishing [O vidente da publicação científica], um artigo baseado na entrevista concedida por Vitek Tracz à pesquisadora Tania Rabesandratana e publicado pela revista Science, em outubro de 2013. Vitek Tracz nasceu na Polônia, em 1940. Cursou Matemática em Israel e depois estudou Cinema em Londres nos anos 1960, onde se estabeleceu desde então. Já naquela época, propôs sua primeira experiência de inovação em ciência ao fundar a companhia cinematográfica Medi-Cine, que produzia filmes educativos para estudantes de medicina. Mais tarde, Tracz vendeu a Medi-Cine e fundou a Gower Medical Publishing, uma editora que publicava atlas médicos com figuras coloridas (numa época em que a maioria dos livros eram em preto e branco) e coleções de apresentações em slides para palestrantes. Segundo Rabesandratana (2013), nos anos 1990, Tracz entendeu rapidamente que a ascensão da internet poderia transformar a comunicação científica. Então, em 1996, lançou o BioMedNet, uma rede online que agregava pesquisadores biomédicos e incluía uma biblioteca de artigos científicos e um serviço de notícias. Nos anos 2000, Tracz abraçou o movimento de acesso aberto que floresceu no final da década de 1990 e fundou seu projeto mais reconhecido até o momento: o BIOMED Central, já mencionado na seção 1.2 desta dissertação. Concomitantemente, além do problema do acesso restrito, outra prática da comunicação científica incomodava Vitek Tracz: o índice de fator de impacto. Segundo o pesquisador, um dos grandes problemas do fator de impacto é que ele estratifica os periódicos e não os artigos. Para Tracz: “Ninguém lê periódicos. As pessoas leem artigos” (TRACZ, 2013 apud RABESANDRATANA, 2013). Segundo o pesquisador, dentro dos próximos 10 anos, a revista impressa revisada por pares vai deixar de existir. Como uma métrica alternativa, Tracz fundou, em 2002, a iniciativa Faculty of 1000, que fornece acesso a trabalhos de biologia avaliados e comentados por um grupo de mais de 5.000 especialistas selecionados criteriosamente. Mais recentemente, outra praxe da publicação científica se tornou alvo do ímpeto inovador de Vitek Tracz: a revisão por pares anônima. Segundo o pesquisador, a revisão anônima é a principal razão dos atrasos entre a submissão e a publicação de uma pesquisa, uma vez que, entre outras coisas, fomenta práticas antiéticas de roubo de ideias e de dados. 76 Assim, como uma forma de combater os problemas criados pela revisão por pares anônima, e por outros vieses que serão relatados no tópico a seguir, Tracz fundou, em 2012, o F1000Research, um de seus projetos mais recentes. Para obtermos mais informações a respeito do F1000Research, entramos em contato com Vitek Tracz. Infelizmente, não conseguimos entrevistá-lo diretamente, mas ele nos encaminhou para a pesquisadora Rebecca Lawrence, atual diretora geral da iniciativa, que gentilmente nos concedeu a entrevista (APÊNDICE B). 4.2.1 O F1000Research Assim como o MediaCommons Press, o F1000Research também faz parte de um projeto maior. Esse projeto se chama Science Navigation Group e consiste em um grupo de editoras científicas que têm mudado a maneira como a ciência é comunicada. Seus produtos incluem a comunidade BioMedNet (uma das primeiras com base na web), o banco de dados Investigational Drugs, o indexador europeu de acesso aberto BIOMED Central e a editora Faculty of 1000, um conjunto de quatro periódicos eletrônicos que oferece revisão por pares aberta e pós-publicação. O F1000Research é um dos periódicos publicados pelo Faculty of 1000, que engloba também: 1) o F1000Prime, um diretório aprofundado que publica os artigos mais populares em biologia e medicina segundo a avaliação feita por um conselho formado por mais de 5.000 cientistas especialistas e pesquisadores clínicos; 2) o F1000Trials (ainda em versão beta36), uma lista detalhada de ensaios clínicos publicados com recomendações e comentários; e 3) o F1000Posters, um repositório de acesso aberto a pôsteres e apresentações de slides sobre biologia e medicina. A FIG. 8, a seguir, traz a página inicial do website da iniciativa Faculty of 1000. 36 Versão beta é o nome dado a um produto que ainda se encontra em fase de desenvolvimento e testes e é disponibilizado para que os usuários possam testar e, eventualmente, reportar problemas para os desenvolvedores. 77 FIGURA 8 – Página inicial do website da iniciativa Faculty of 1000 Fonte: http://f1000.com/ Na entrevista, Rebecca Lawrence nos relata que várias inquietações instigaram a criação do projeto F1000Research. Muitas delas coincidem com o que também foi narrado por Kathleen Fitzpatrick, em nossa entrevista, e na trajetória de Vitek Tracz, como os atrasos bastante significativos entre o momento em que a pesquisa está pronta para ser compartilhada com a comunidade e o momento em que o trabalho é finalmente publicado e os vários vieses da revisão por pares anônima. Além dessas inquietações, Lawrence também lamenta sobre o fato de não haver tradição de se publicar os dados originais de pesquisa e os detalhes relativos aos protocolos utilizados, sendo, portanto, praticamente impossível que outros pesquisadores possam replicar os achados de um determinado artigo. Ela também menciona a dificuldade enfrentada por pesquisadores que desejam publicar pesquisas com resultados negativos ou nulos, levando à criação de um viés na literatura científica, na qual predominam os relatos de resultados esperados e bem-sucedidos. Por fim, a diretora relata que muitos cientistas produzem vários tipos de pequenas descobertas, mas que, como o processo de publicação tradicional é tão demorado e oneroso, consideram que não vale a pena o esforço de publicá-las. Assim, diante desses desafios, Vitek Tracz, juntamente com seus colaboradores, decide criar em 2012 uma versão beta para projeto o F1000Research e uma versão definitiva 78 em 2013. Como uma forma de responder a algumas das inquietações mencionadas, o projeto é um periódico científico eletrônico que publica trabalhos adotando os seguintes princípios: 1) todos os artigos são publicados imediatamente (após uma rápida verificação interna para evitar inadequações óbvias) a fim de agilizar o fluxo do diálogo entre os pares; 2) os artigos são sempre acompanhados do conjunto de dados originais de pesquisa, fornecidos em um formulário que permite a confirmação ou reutilização dos dados por outros pesquisadores; 3) a revisão por pares é realizada após a publicação para evitar atrasos; 4) a identidade e afiliação dos pareceristas, assim como suas considerações em relação ao artigo, são publicadas juntamente com o artigo; e 5) todos os artigos são publicados sem qualquer restrição de acesso. A FIG. 9, a seguir, traz a página inicial da iniciativa F1000Research. Nela podemos observar a ênfase dada aos cinco pilares que sustentam o projeto. FIGURA 9 – Página inicial da iniciativa F1000Research. Fonte: http://f1000research.com/ Sobre a aceitação da iniciativa por parte da comunidade científica, Lawrence nos relata que, pela experiência de Vitek Tracz com os primeiros anos do BIOMED Central, ele esperava ter as mesmas dificuldades em persuadir outros pesquisadores a aderirem a esse novo modelo de publicação. No entanto, diz ter se surpreendido com a resposta altamente positiva ao modelo. Prova disso, segundo Lawrence, foi a aceitação imediata e massiva do 79 convite feito a pesquisadores para fazerem parte do conselho consultivo do periódico (atualmente com 230 membros) e do conselho editorial (atualmente com 1.100 membros). A diretora também relata que algumas críticas iniciais estão sendo aos poucos amenizadas conforme as pessoas observam como a iniciativa funciona. Por exemplo, no início, havia preocupações de que os pareceristas não seriam críticos o suficiente tendo seus nomes e considerações divulgados. Lawrence relata que o novo modelo tem se mostrado eficaz, uma vez que continuam existindo revisões altamente críticas sobre os artigos publicados. A única diferença é que elas passaram a ser escritas de uma forma muito mais construtiva do que na revisão por pares anônima tradicional. Isso prova que a publicidade das revisões faz com que os revisores pensem mais cuidadosamente sobre o que escrevem. Segundo Lawrence, outra crítica inicial da comunidade científica (e também uma preocupação prévia dos editores) era de que os autores se recusassem a fornecer os dados originais de pesquisa. Segundo a diretora, a prática demonstrou que, na realidade, a grande maioria dos autores não tem nenhum problema em fornecer seus dados originais para publicação. Afirma também que alguns outros que inicialmente tinham preocupações também se dispuseram a fornecer seus dados uma vez que perceberam que teriam prioridade sobre eles e por entenderem as razões pelas quais os dados são exigidos, ou seja, para aumentar a credibilidade dos resultados. 4.3 Caso 3: The Journal of Visualized Experiments (JoVE) Segundo informações colhidas no site oficial da iniciativa, o JoVE é o primeiro periódico científico especializado em publicar videoartigos. Com sede em Massachusetts/EUA, já publicou quase 3.000 artigos com filmagem profissional feita em laboratórios científicos de instituições de pesquisa e sua lista de assinantes inclui mais de 550 universidades, faculdades e empresas de biotecnologia. Seu principal fundador é o pesquisador Moshe Pritsker, atual editor-chefe e presidente do empreendimento. Pritsker é doutor em Biologia Molecular pela Universidade de Princeton/EUA, possui mestrado em Química pelo Instituto de Ciência Weizmann, em Israel, e licenciatura em Química pela Universidade Hebraica de Jerusalém. Nasceu na Rússia, mas viveu por muito tempo em Israel e nos EUA. Atualmente, reside em Medford, Massachusetts. Moshe Pritsker foi quem nos concedeu a entrevista para a condução desta pesquisa (APÊNDICE C). 80 Pritsker nos fala sobre as primeiras inquietações que o levaram à criação de um periódico de videoartigos. A ideia surgiu durante seus estudos de doutorado, quando, segundo o editor, como qualquer outro biólogo experimental, sofria com as dificuldades de reproduzir experimentos a partir de descrições escritas disponíveis na literatura científica. Ele afirma que esse fenômeno se deve a várias razões, incluindo descrições incompletas de procedimentos complexos feitas pelos autores, interpretações erradas de detalhes técnicos por parte dos leitores, variações na terminologia, ausência de padronização, entre outros fatores. Ainda segundo o editor, para lidar com esse problema, os cientistas muitas vezes recorrem a colegas que já estão habituados com determinadas abordagens experimentais e pedem a eles para mostrar como fazer o experimento. O problema, segundo Pritsker, é que muitas vezes esse tipo de ajuda não está disponível e os cientistas ficam estagnados em um processo contínuo de “reinventar a roda”, passando anos tentando reproduzir experiências anteriormente feitas e publicadas por outros. Nas suas próprias palavras: “no nível pessoal, isso é muito frustrante. No nível global, é um „buraco negro‟ sistêmico que consome mais de 50% do tempo e dinheiro que são destinados para a pesquisa biológica e biomédica” (PRITSKER, 2013, n.p.). O editor afirma que o impacto das novas tecnologias na comunicação científica tem sido significativo, mas limitado à melhoria nos mecanismos de transferência, busca, navegação e catalogação. Por outro lado, para ele, as novas tecnologias não alteraram significativamente a estrutura principal da publicação científica, que permanece a mesma nos últimos 400 anos: descrições longas e complicadas, cheias de jargões técnicos de difícil compreensão, mesmo por peritos em domínios específicos. Para Pritsker, a mudança lenta na publicação científica é incompatível com a rápida evolução da própria ciência nos últimos 50 anos. Para ele, uma grave consequência disso é a baixa reprodutibilidade dos experimentos devido ao nível insuficiente de eficácia na transferência de conhecimento fornecido pelo formato tradicional dos artigos baseados somente em texto e figuras. O editor afirma que pesquisas recentes mostram que mais de 70% dos estudos publicados não são reprodutíveis. Como uma possível resposta a essa demanda, Pritsker começou a vislumbrar um grande repositório online de vídeos de experimentos em laboratório. Sua ideia inicial era de que os vídeos pudessem substituir o processo tradicional de pedir a outro cientista para “mostrar” como o processo funciona, aumentando, portanto, a reprodutibilidade, eficiência e padronização em ciências biológicas. Na sequência, o editor percebeu que esse repositório 81 deveria ser desenvolvido como um periódico científico, incentivando pesquisadores a submeterem seus trabalhos para publicação. Depois de filmar o próprio experimento, Pritsker percebeu que seria muito difícil que os cientistas produzissem vídeos de alta qualidade de suas próprias experiências. Segundo o pesquisador, um experimento médio requer entre 3 e 4 horas de filmagem e edição extensa e os cientistas normalmente não têm câmeras profissionais e softwares de edição e, sobretudo, não têm tempo para aprender as habilidades necessárias para fazer filmagem e edição de boa qualidade. Portanto, o projeto para o JoVE começou a ganhar forma em 2006, quando Pritsker e seus colaboradores estabeleceram uma rede multilocal de produtores de vídeo profissionais que passaram a produzir vídeo-protocolos em laboratórios de pesquisa espalhados pelo mundo. Hoje essa rede abrange cerca de 15 países, onde são filmados experimentos em laboratórios de universidades dos EUA, Reino Unido, Canadá, Alemanha, Suécia, Israel, Austrália e outros. Na entrevista, Pritsker relata que inicialmente a ideia recebeu uma recepção muito boa por parte de cientistas e estudantes no que diz respeito ao uso das publicações em vídeo e que ainda hoje o acesso aos vídeos é muito requisitado. No entanto, embora os cientistas aprovassem o uso dos videoartigos, muitos demonstravam certa resistência em publicar seus trabalhos no JoVE. Segundo Pritsker, nas Ciências Biológicas, um periódico leva décadas para acumular um prestígio comparável ao das revistas de maior prestígio, como a Nature e a Science. Além disso, dentro do processo editorial científico (já apresentado em seções anteriores desta dissertação), a etapa de produção de vídeo ainda não era familiar para os cientistas e os editores do JoVE precisavam se esforçar para explicar isso detalhadamente aos candidatos à submissão de trabalhos. Segundo Pritsker, a equipe do JoVE tem trabalhado bastante para aumentar a credibilidade e o reconhecimento do periódico entre autores potenciais. E a iniciativa tem se tornados mais conhecida a cada ano, publicando atualmente, segundo o editor, uma média de 60 videoartigos por mês. A FIG. 10, a seguir, traz a página inicial do website do periódico JoVE. 82 FIGURA 10 – Página inicial do website do periódico JoVE Fonte: http://www.jove.com/ 83 5 RESULTADOS, ANÁLISES E DISCUSSÃO No capítulo anterior, apresentamos as características básicas e o contexto histórico de criação das iniciativas eleitas para estudo. Neste capítulo, apresentaremos os resultados e a análise dos dados obtidos na investigação dos elementos constitutivos do processo e do produto editorial dessas iniciativas. Este capítulo será, portanto, uma fusão entre os resultados e a análise das informações colhidas no corpus. Em primeiro lugar, apresentaremos os dados obtidos na análise do processo editorial de cada um dos casos e discutiremos como a perspectiva do discurso multimodal pode ser vista nas inovações trazidas por essas ações de edição científica em ambiente digital. Em seguida, faremos a análise do formato e do conteúdo de um artigo de cada um dos casos, servindo-nos como uma amostra do seu produto editorial. Também discutiremos como a perspectiva do discurso multimodal pode ser vista nas inovações trazidas pelo produto editorial dessas iniciativas e, por fim, discutiremos, sob o prisma da Teoria dos Gêneros, de Bazerman, as questões relativas às mudanças que vêm ocorrendo no gênero artigo científico em decorrência do advento das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação. 5.1 O processo editorial 5.1.1 Fluxo editorial 5.1.1.1 Caso 1: MediaCommons Press O processo de avaliação de projetos a serem disponibilizados no MCP não está informado no blog da iniciativa, tampouco seu fluxo editorial. Há, no entanto, uma chamada para submissões permanentes em que se recomenda que os interessados enviem um email com a proposta de revisão aberta para os editores do projeto. Também não há informações sobre a existência de um conselho editorial específico para o MCP, mas sim para o projeto MediaCommons como um todo. Esse conselho inclui seis professores-pesquisadores pertencentes a seis universidades norte-americanas diferentes. Há também um conselho consultivo composto por nove professores-pesquisadores pertencentes a nove universidades norte-americanas diferentes. Como suporte técnico, a iniciativa conta com o apoio do Serviço de Tecnologia para Bibliotecas da Universidade de Nova York (NYU). 84 Na entrevista, perguntamos à professora Fitzpatrick como acontece o processo de seleção dos textos antes de serem disponibilizados para o processo de revisão aberta no MCP. Ela nos respondeu que, de forma geral, os critérios de seleção estão focados principalmente em garantir que o projeto apresentado esteja dentro dos interesses da área de pesquisa e atuação dos pesquisadores agregados pela comunidade. Além disso, afirma que é preciso que os autores ou editores envolvidos tenham uma noção clara de como o projeto apresentado pretende se beneficiar do processo de revisão aberta. O MCP conta hoje com dezesseis obras já submetidas à revisão aberta. São textos que variam desde artigos científicos individuais até livros completos. O Quadro 2, a seguir, nos mostra, cronologicamente, o fluxo de textos postados na plataforma desde sua criação até 2013. Alguns projetos ainda estão em andamento e outros já foram publicados por editoras universitárias tradicionais, como é o caso de Planned Obsolescence (2011), obra que serviu, inclusive, como referencial teórico para esta dissertação. As informações utilizadas para a construção do Quadro 2 foram retiradas do próprio blog, o qual mantém um histórico com os comentários postados em cada seção de cada obra. É possível visualizar os comentários divididos por comentarista, em cada obra, ou um resumo da quantidade total de comentários de cada seção. Somente um dos projetos, denominado The Transmedia Adventures of Sherlock, não foi considerado neste estudo. Embora apareça como um dos projetos, nem o texto nem os comentários estão mais disponíveis na plataforma. A referência completa dos projetos que se tornaram publicações efetivas constará na seção de “Referências”, ao final desta dissertação. 85 QUADRO 2 – Projetos postados na plataforma MediaCommons Press (Base: 2007 a 2013) Fonte: Elaborado pela autora. 5.1.1.2 Caso 2: F1000Research No F1000Research, o processo de submissão e publicação é contínuo, não havendo organização dos artigos em volumes, fascículos ou outro tipo de publicação seriada semelhante. Depois de publicados, os artigos são indexados em categorias segundo a área ou 86 o tipo de pesquisa (ex: revisão sistemática, caso clínico, etc.). Também é possível fazer buscas por palavras-chave. O fluxo funciona da seguinte maneira: os autores submetem seu artigo e, em seguida, o texto passa por uma verificação interna pré-publicação. Nessa etapa, segundo Rebecca Lawrence, a equipe editorial verifica uma série de aspectos, procurando principalmente respostas para as seguintes perguntas: 1) O trabalho descrito no artigo é considerado científico? 2) O tema se encaixa no âmbito das ciências da vida (escopo da iniciativa)? 3) O artigo é legível e escrito em linguagem adequada? 4) Alguma parte do artigo foi plagiada? 5) O artigo e as pesquisas realizadas para produzi-lo atendem às exigências éticas padrão (que incluem uma série de detalhes descritos nas diretrizes para autores)? 6) Os dados originais estão disponibilizados para publicação? 7) Estão inclusas no artigo informações sobre o protocolo adequado para permitir que outra pessoa possa replicar os dados? Depois que os artigos passam por essa verificação, eles entram na fase de produção e são gerados arquivos XML, HTML e PDF, com os dados originais hospedados em arquivos independentes em formato de planilha. Uma versão de prova é, então, enviada para o autor e pode retornar até que este fique satisfeito. Em seguida, o artigo é publicado com um DOI37 e os dados são publicados simultaneamente com outro DOI independente. Segundo a diretora, esse fluxo dura em média seis dias. 5.1.1.3 Caso 3: JoVE Segundo Moshe Pritsker, o fluxo editorial do JoVE é igual ao de qualquer outro periódico revisado por pares, acrescido, naturalmente, da etapa de produção do material audiovisual. Segundo o editor, um fluxo editorial típico no JoVE pressupõe as seguintes etapas: 1) os autores submetem um artigo em formato de texto; 2) o artigo passa por uma revisão interna pelos editores do JoVE (um dos critérios avaliados nessa etapa é se o protocolo é filmável); 3) o texto original é enviado a dois ou três revisores externos anônimos, especialistas na área do artigo, os quais fornecem suas opiniões; 4) se for aprovado pelos pares, o artigo é convertido em roteiro fílmico pela equipe do JoVE; 5) um cinegrafista da 37 O Digital Object Identifier (DOI) é uma sequência de caracteres usada para identificar um objeto como sendo um documento eletrônico. Os metadados sobre o objeto são armazenados juntamente com o nome do DOI e podem incluir um local, tal como uma URL, onde o objeto pode ser encontrado online. Quando alguém se refere a um documento online pelo seu DOI, fornece uma ligação mais estável do que a URL, porque, se houver mudanças de URL, o editor só precisa atualizar os metadados no DOI. O sistema é implementado pela Fundação Internacional DOI. Fonte: Wikipédia em Inglês. Acesso em 16 dez. 2013. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Digital_object_identifier>. Acesso em 19 dez. 2013. 87 rede JoVE em um local específico visita o laboratório e filma o experimento com o auxílio dos autores, os quais participam das filmagens demonstrando cada etapa do procedimento a ser adotado; 6) o vídeo é editado pela equipe do JoVE; 7) o vídeo e o texto são publicados simultaneamente pelo periódico como um artigo único. A FIG. 11 apresenta um exemplo de um videoartigo publicado pelo periódico JoVE. FIGURA 11 – Exemplo de um videoartigo publicado pelo periódico JoVE Fonte: http://www.jove.com/video/1366/an-vitro-skin-irritation-test-sit-using-epiderm-reconstructed-human Depois de publicados, os videoartigos são indexados em seções segundo a área do conhecimento, sendo nove áreas ao todo: Geral, Neurociência, Imunologia e Infecção, 88 Medicina Clínica e Translacional, Bioengenharia, Física Aplicada, Química, Meio Ambiente e Comportamento. Também é possível fazer buscas por palavras-chave. A periodicidade das edições foi irregular somente no primeiro ano. De 2007 em diante, o periódico passou a ser mensal, com submissão contínua. Na nossa pesquisa, identificamos um total de 83 edições do JoVE publicadas de 2006 a 2014, com um total de 2.926 videoartigos publicados. Cada edição apresenta um editorial em vídeo em que são apresentadas prévias dos artigos que compõem o mês. Abaixo desse vídeo, há um texto verbal com a transcrição do que é dito no editorial. A FIG. 12 apresenta a página da web com um exemplo de editorial em vídeo. Trata-se de um vídeo de 3‟54‟‟, da edição 75, de maio de 2013, destacando um artigo sobre reprodução humana que começa fazendo uma alusão à enigmática questão de quem veio primeiro, o ovo ou a galinha. FIGURA 12 – Exemplo de um editorial em vídeo Fonte: http://www.jove.com/video/5080/may-2013-this-month-in-jove. 89 5.1.2. Autoria e revisão por pares 5.1.2.1 Caso 1: MediaCommons Press A questão da revisão por pares aberta é a essência da iniciativa MCP e está estreitamente ligada à questão da autoria. Vale ressaltar que o MCP não é um tipo de plataforma para escrita colaborativa aos moldes do que é proporcionado pelo ambiente wiki ou por editores de texto em nuvem como o Google Docs. Todos os textos postados apresentam um autor ou um grupo específico de autores, que é a pessoa ou grupo que propõe o texto, escreve-o por completo e depois o submete à revisão aberta. No MCP, os textos podem ser publicados em período pré ou pós-publicação e muitos deles ficam disponíveis para leitura na tela mesmo depois da publicação da versão impressa. A FIG. 13 mostra, como exemplo, um resumo de todos os comentários postados no projeto “Born Digital”. FIGURA 13 – Resumo de comentários postados no projeto “Born Digital” Fonte: http://mcpress.media-commons.org/borndigital/all-comments/ 90 Para postar um comentário, não é preciso ser membro da comunidade. Basta preencher um formulário com nome e email. Na seção “Como isso funciona”, explica-se que o primeiro comentário de um comentarista não registrado é mediado pelos editores, a fim de evitar spams. Também se informa que os comentários não são filtrados pelo conteúdo, embora os editores afirmem se reservar o direito de remover comentários com tom de maldade e que não se aproximem do objetivo de fornecer conselhos úteis, construtivos e amistosos. Afirmam que opiniões discordantes a respeito de pontos específicos são muito bem-vindas, uma vez que o trabalho pode prosperar do dissenso, mas advertem que isso deve ser sempre feito com respeito pelo trabalho alheio. 5.1.2.2 Caso 2: F1000Research A princípio, as práticas de autoria individual observadas no F1000Research não se mostraram diferentes do que se faz na tradição impressa. Nos casos de coautoria, no entanto, há um diferencial na iniciativa. Ainda na fase pré-publicação, exige-se que os autores preencham um formulário relatando qual foi a contribuição individual de cada um. A partir dessa informação, os editores verificam se os indivíduos que estão listados como autores contribuíram o suficiente para a composição do artigo a fim de atender às diretrizes do ICMJE38 relativas à autoria. Segundo Rebecca Lawrence, também se verifica se as pessoas que estão listadas na seção de agradecimentos deveriam, na verdade, receber crédito de autoria com base nas informações que fornecem. Ao final do artigo, são publicadas essas informações a respeito da coautoria, conforme podemos observar na indicação da seta da FIG. 14. 38 International Committee of Medical Journal Editors. Trata-se de um comitê formado por um grupo de editores de periódicos médicos responsáveis pela elaboração do documento “Recomendações para a Condução, Relato, Editoração e Publicação de Trabalhos Acadêmicos em Periódicos Médicos”. Disponível em: <http://www.icmje. org/about.html>. Acesso em: 19 dez. 2013. 91 FIGURA 14 – Contribuição individual dos autores de um artigo em coautoria Fonte: http://f1000research.com/articles/2-155/v2 Outra característica importante sobre a autoria é que, sendo a revisão aberta, os autores têm o direito tanto de responder publicamente aos pareceristas quanto de enviar versões atualizadas em atendimento às revisões sugeridas. Assim como no MediaCommons Press, essa característica do F1000Research materializa e torna mais rápido, dinâmico e explícito o dialogismo inerente a todo processo de comunicação verbal. O F1000Research disponibiliza todas as versões já publicadas e informa ao leitor se ele está lendo a versão mais atual, conforme podemos observar nas indicações das setas na FIG. 15. 92 FIGURA 15 – Disponibilização de diferentes versões de um mesmo artigo Fonte: http://f1000research.com/articles/2-144/v2 Como já vimos até então, a questão da revisão aberta e pós-publicação é um dos pilares que sustentam o F1000Research. Ela funciona da seguinte maneira, segundo Rebecca Lawrence: quando o autor submete seu artigo, ele também sugere pareceristas, que podem pertencer ao conselho editorial ou serem convocados ad hoc. Na etapa de revisão interna prépublicação, as sugestões de pareceristas também são cuidadosamente apuradas a fim de conferir a existência de conflitos óbvios de interesse, coautoria anterior entre o parecerista sugerido e os autores do próprio artigo a ser avaliado, adequação do tema, etc. Depois que o artigo é publicado, os pareceristas são formalmente convidados a arbitrá-lo e a fornecer um entre os três status a seguir, que aparecem na tela com o respectivo símbolo: “aprovado” (), “aprovado com ressalvas” (?), ou “não aprovado” (X). Além disso, os pareceristas são orientados a fornecer um relatório sobre a revisão, o qual deve se 93 concentrar exclusivamente no mérito científico do artigo e não no seu interesse ou impacto em potencial. Ainda segundo Rebecca Lawrence, depois que o artigo recebe dois ou três relatórios de pareceristas, os autores são encorajados a revisar o orifinal. Todas as novas versões, então, passam pelo mesmo processo anterior e os pareceristas (sobretudo aqueles cujos comentários foram abordados pela nova versão) são convidados a relatar se estão satisfeitos e se suas preocupações foram adequadamente resolvidas na nova versão. Depois disso, os pareceristas podem fornecer um novo relatório e alterar ou manter o status para a nova versão do artigo. Outros usuários cadastrados no F1000Research também podem comentar o artigo, mas suas considerações não afetam a decisão dos editores pela indexação ou não do artigo em bases de dados, conforme veremos mais adiante. 5.1.2.3 Caso 3: JoVE Moshe Pritsker nos informou na entrevista que, no JoVE, assim como em outros periódicos científicos, os próprios autores decidem sobre a autoria, sem nenhuma intervenção dos editores. Da mesma maneira, em relação às práticas de avaliação adotadas pelo periódico, afirma que se segue a tradição, ou seja, o artigo é enviado a revisores externos e estes decidem, anonimamente, sobre o aceite ou a rejeição do artigo para publicação. É possível postar comentários ou enviar perguntas para os autores, mas isso é feito posteriormente à publicação e não altera a situação do artigo. Na seção de diretrizes para autores, os editores solicitam que o autor sugira o nome de pelo menos seis avaliadores academicamente qualificados para revisar o trabalho. No entanto, afirmam não poder garantir que os revisores sugeridos sejam selecionados. Os editores também permitem que o autor forneça até três nomes e informações de pesquisadores que ele não gostaria que revisassem seu trabalho, desde que forneça uma breve justificativa para isso. Além disso, exige-se que o autor forneça, junto ao original, uma carta de apresentação descrevendo por que motivo o trabalho deve ser publicado no formato multimídia exclusivo do JoVE. 94 5.1.3 Acessibilidade 5.1.3.1 Caso 1: MediaCommons Press Durante o processo de revisão, o MCP permite acesso aberto aos textos publicados, assim como aos comentários. No entanto, nem todos os textos ficam disponíveis após o processo de revisão. Para encontrá-los, o leitor deve se dirigir ao site do periódico que publicou ou então comprar o livro. Em relação aos textos que foram publicados em fase préimpressão (como é o caso da obra Planned Obsolescence), um empecilho que encontramos é que a plataforma não dá acesso à versão definitiva. Para obtê-la, tivemos que adquirir o livro por meio convencional, o que, no nosso caso, implicou a compra de um e-book na rede Amazon, única versão disponível para consumidores não residentes nos EUA e Canadá. Em nossa entrevista, a professora Fitzpatrick afirmou que o projeto MediaCommons como um todo é absolutamente empenhado em relação à disseminação do acesso aberto. Afirma que esse comprometimento está relacionado principalmente à convicção de que existe um público muito maior com potencial de interesse no trabalho que estão fazendo do que a maioria dos outros estudiosos faz pensar. Segundo a autora: Num momento em que o apoio federal e estadual para o ensino superior parece em perigo, é crucial que os estudiosos encontrem novas formas de comunicar a importância do nosso trabalho para um público muito mais amplo e de se envolver com eles para discutir as questões vitais que afetam nossa cultura hoje. (FITZPATRICK, 2013, n.p.) 5.1.3.2 Caso 2: F1000Research A própria trajetória do fundador do F1000Research já nos informa sobre sua posição de vanguarda em relação ao acesso aberto. Na verdade, o editor Jan Velterop, representante do BIOMED Central na época, foi um dos signatários da “Iniciativa de Acesso Aberto de Budapeste”, documento referido na seção 1.6.1 desta dissertação. Todos os trabalhos publicados no F1000Research são de acesso livre. Na nossa experiência, verificamos que qualquer usuário de internet pode acessar o site e ler os textos completos online ou fazer download em formato PDF ou XML, sem sequer precisar se cadastrar no site do periódico. Os dados originais das pesquisas também ficam disponíveis em planilhas (muitas vezes bastante longas) para visualização online ou para download, que pode 95 ser feito de duas maneiras: um arquivo EXCEL individual para cada planilha ou uma pasta compactada com todas as planilhas de dados referentes ao artigo. 5.1.3.3 Caso 3: JoVE Segundo o editor Moshe Pritsker, a assinatura paga é a base do modelo de negócios adotado no JoVE. Na entrevista, o editor afirma que um modelo de negócios baseado no acesso aberto não funcionaria para o periódico, porque as despesas para se produzir um videoartigo são muito mais elevadas do que para artigos de texto normais. Essas despesas, segundo o editor, incluem pagamento para as equipes de produtores e editores, além das despesas para manter a tecnologia de informação adequada para dar suporte ao periódico. O periódico fornece, no entanto, alguns vídeos com acesso gratuito. Segundo o editor, trata-se de uma porcentagem muito pequena de artigos patrocinados que servem para ajudar a cobrir os custos de produção de vídeo. Na seção “Processo de produção”, há uma seção que aborda a prática da cobrança de taxas para autores. Em uma consulta feita no dia 13 de janeiro de 2013, o site informava que todas as submissões ao JoVE incluem uma taxa para ajudar a cobrir os custos de publicação e que essa taxa depende do tipo de produção e do tipo de acesso. Segundo os editores, a taxa cobre parcialmente o custo de roteirizarão, videografia, locução, edição e outras despesas de publicação. Os autores podem optar por publicar com acesso padrão, o que significa que é preciso ter uma assinatura para assistir e/ou ler o artigo completo, ou de acesso aberto, o que significa que qualquer usuário de internet pode ler o artigo e/ou assistir ao vídeo. As taxas informadas no dia em que acessamos o site eram de 2.400 dólares para acesso restrito e 4.200 para acesso aberto. Os artigos de acesso aberto formam uma categoria à parte chamada “Artigos Patrocinados” e, em geral, trazem a logomarca da instituição financiadora, conforme podemos perceber na indicação da seta da FIG. 16. Até janeiro de 2014, havia 173 videoartigos de acesso aberto publicados pelo JoVE, o que corresponde a 5,9% do total de artigos publicados até essa data. A empresa BIO-RAD, patrocinadora do artigo na FIG. 16, é uma rede de laboratórios fundada em 1952, na Califórnia, que fomenta pesquisas em ciências biológicas, saúde, química analítica e em outros mercados, e depois fabrica produtos resultantes dessas pesquisas39. 39 Fonte: Wikipédia em inglês. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Bio-Rad_Laboratories>. Acesso em: 13 jan. 2014. 96 FIGURA 16 – Exemplo de artigo de acesso aberto publicado no JoVE Fonte: http://www.jove.com/video/675/preparation-gene-gun-bullets-biolistic-transfection-neurons-slice. 5.1.4 Visibilidade e indexação das publicações 5.1.4.1 Caso 1: MediaCommons Press Com exceção dos artigos publicados simultânea ou posteriormente em periódicos eletrônicos convencionais e dos livros publicados posteriormente em papel e/ou e-book por editoras, não identificamos nenhuma informação sobre a existência de indexação dos textos postados na plataforma MCP em bases de dados externas. A única forma que nos pareceu possível de se chegar a um texto do MCP é visitando diretamente o site do MediaCommons. Também não encontramos nenhuma forma de medição da visibilidade da iniciativa ou dos textos individualmente, muito menos informações a respeito do seu fator de impacto. A esse respeito, Fitzpatrick nos relata que, embora o MediaCommons tenha interesse no impacto que tem sobre a comunidade acadêmica e o público envolvido em geral, não há, por parte dos idealizadores, nenhum interesse no índice de fator de impacto fornecido pela empresa Thomson Reuters. Ela esclarece que: O fator de impacto pretende medir a importância de uma revista em seu campo, o que então confere grande prestígio a artigos publicados em periódicos com fator de impacto elevado e muito menor prestígio a artigos publicados em revistas com fator de impacto mais baixo. O problema é que os estudos têm mostrado que não há correlação alguma entre o fator de impacto de uma revista e a importância dos 97 artigos publicados nessa revista. Na verdade, recentemente cientistas começaram a rejeitar o fator de impacto como um meio de medir a importância das publicações em favor de uma gama de alternativas, com métricas em nível de artigo que se concentram em como a pesquisa tem circulado dentro de sua comunidade. (FITZPATRICK, 2013, n.p.) De fato, um dos pontos reivindicados pelo documento denominado Manifesto DORA (The San Francisco Declaration on Research Assessment – DORA) é de que a produção científica seja avaliada com mais precisão e sabedoria. Segundo o manifesto, há um equívoco em se usar o índice de fator de impacto como parâmetro primário para se estratificar a produção científica de indivíduos e instituições. Ainda segundo o manifesto, o fator de impacto de periódicos, calculado pela empresa Thomson Reuters, foi originalmente criado como uma ferramenta para ajudar bibliotecários a identificarem as revistas recomendadas para compra e não como uma medida da qualidade científica da pesquisa em um artigo. Na entrevista, Fitzpatrick afirma que o MediaCommons tem adquirido uma visibilidade grande dentro da comunidade acadêmica ao longo dos últimos sete anos, e que os idealizadores têm interesse em ajudar os autores a avaliarem o impacto que o seu trabalho tem tido. Segundo a autora, esse tipo de medição de impacto é mais interessante que os índices mais tradicionais. 5.1.4.2 Caso 2: F1000Research Segundo Rebecca Lawrence, todas as versões de um trabalho publicado no F1000Research podem ser citadas independentemente. Depois que um artigo passa pela revisão dos pareceristas oficialmente convidados, se receber dois status de “aprovado” ou um status “aprovado” e mais dois “aprovado com ressalvas”, ele é indexado em bases de dados reconhecidas internacionalmente, como PubMed Central, PubMed, Scopus e outras, o que o tornará visível em poucos dias. Segundo Lawrence, os trabalhos também são indexados pelo Google Acadêmico. Em relação ao fator de impacto, como o F1000Research tem apenas um ano e meio de existência, ainda não pôde obter esse dado, uma vez que ele é calculado com base no número de citações válidas feitas nos últimos dois anos da publicação. A diretora não se mostrou relutante à atribuição de um índice de fator de impacto. No entanto, como já discutimos em tópicos anteriores, essa é uma das principais críticas da iniciativa. Portanto, provavelmente não deve haver uma preocupação tão grande em obtê-lo. 98 Na nossa pesquisa, identificamos um total de 354 artigos publicados pelo F1000Research entre 13 de julho de 2012 e 23 de dezembro de 2013. Desse total, 228 artigos, ou seja, 64%, já estavam indexados em alguma base de dados, provando a alta produtividade da iniciativa em apenas um ano e meio de atividade. As setas das FIG. 17 e 18 indicam, respectivamente, o número total de artigos publicados pelo F1000Research entre 13 de julho de 2012 e 23 de dezembro de 2013 e o número total de artigos indexados posteriormente durante o mesmo período, segundo dados disponíveis no site da própria iniciativa. FIGURA 17 – Número total de artigos publicados pela iniciativa (Base: 2012-2013) FIGURA 18 – Número de total artigos indexados depois (Base: 2012-2013) Fonte: http://f1000research.com/articles?/tab. Fonte: f1000research.com/articles?tab=indexed 5.1.4.3 Caso 3: JoVE Em relação à visibilidade e indexação, Pritsker afirma que o JoVE é conhecido por milhões de cientistas e estudantes e que mais de três milhões de pessoas visitaram o site em 2012. Além disso, afirma que a iniciativa recebeu muitos pedidos de acesso aos videoartigos. Em relação ao fator de impacto, o editor nos informa que o periódico fez recentemente um pedido de inclusão na base de dados Web Of Science, de propriedade da empresa Thomson Reuters (responsável pela medida do fator de impacto) e que aguarda decisão da empresa. O periódico conta com um mecanismo próprio de cálculo de visualizações. Embora não tenhamos conseguido dados sobre o número de acesso do periódico como um todo, observamos que é possível saber quantas visualizações foram feitas de cada videoartigo. 99 5.1.5 Análise do processo editorial sob a perspectiva do discurso multimodal É importante destacarmos três princípios que nos serão úteis nesta análise. O primeiro deles é a essência da perspectiva multimodal, ou seja, a ideia de que há maneiras mais eficientes de se utilizarem os vários modos semióticos disponíveis em uma cultura para produzir um mesmo significado conforme o propósito desejado, a audiência esperada e os recursos disponíveis. Em outras palavras, o cerne da perspectiva da multimodalidade é de que é possível usar os recursos representacionais disponíveis em uma cultura para otimizar a eficiência na produção de sentido. A segunda ideia, intimamente ligada à primeira, é a noção de “affordance”, especialmente a sua adaptação para a área do Design, desenvolvida por Donald Norman em seu artigo Affordance, conventions and design, de 1999. Em termos gerais, a affordance é a qualidade própria de um objeto (ou, no nosso caso, de um ambiente) que permite que um indivíduo realize uma ação de forma mais intuitiva. Para o autor, o cerne do conceito é de que “a aparência de um dispositivo poderia proporcionar as pistas essencialmente necessárias para o seu funcionamento correto” (NORMAN, 1999, p. 38). Por exemplo, uma maçaneta redonda em uma porta convida o usuário a girá-la, assim como uma alça convida para ser puxada e uma tecla convida para ser pressionada, etc. Problemas de affordance podem causar danos irreversíveis, como no famoso caso de usuários que tiveram parte do dedo decepado por uma argola metálica presa a uma alça destinada a reclinar o banco traseiro de um determinado modelo de automóvel. Ao se depararem com a argola, os usuários intuitivamente inseriam o dedo dentro dela para puxá-la. O problema é que, enquanto o usuário ajustava o dedo na argola, acionava-se um mecanismo e uma mola puxava a argola abruptamente para dentro do banco, prendendo (ou até decepando) o dedo do usuário40. O correto, segundo o fabricante, era que o usuário puxasse a alça sem tocar na argola. Trata-se, nesse caso, de um claro problema de affordance. Nesse sentido, a transição de um objeto de um suporte para outro altera também sua capacidade de affordance, pois uma mudança de modalidade implica mudança na produção de sentido e, consequentemente, na interpretação. Assim, a mudança do suporte impresso para o digital na comunicação científica implica mudança nos processos de produção das publicações e no seu produto editorial e, por conseguinte, no seu processo de significação. 40 Para mais detalhes, conferir a reportagem completa do jornalista Flávio Machado <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG81441-6014-507,00.html>. Acesso em 03 fev. 2014. em 100 Por fim, a terceira ideia (já bastante discutida nesta dissertação) é de que, segundo Kress e Van Leeuwen (2001), a linguagem se constitui a partir de múltiplas articulações entre quatro camadas diferentes pertencentes aos sistemas sígnicos (o discurso, o design, a produção e a distribuição) e cada uma dessas camadas produz suas próprias nuances de significado. Entendidos esses três princípios, passemos às análises. Em relação ao processo editorial do nosso caso 1 (MCP), na camada do discurso, percebemos que os idealizadores da iniciativa defendem uma atitude transgressora em relação às práticas tradicionais de revisão por pares e autoria. Assim, na camada do design, projetaram um modelo de disposição de textos científicos em que todo o processo de revisão pode ser visualizado pelos usuários. Nesse caso, as novas tecnologias permitiram que os produtores de sentido (no caso os editores) passassem a construir o significado de uma forma que seria bastante difícil de ser feita em suporte impresso. É uma demonstração de que, conforme afirmam Kress e Van Leeuwen (2001), o discurso está relacionado não somente à linguagem, mas também à forma como ele se realiza materialmente, uma vez que há uma inter-relação absoluta entre o discurso e o modo como ele se apresenta e a materialidade do modo semiótico contribui para o sentido. Mesmo sendo possível publicar em papel (ou em PDF) o artigo e os comentários referentes a ele, a dinamicidade do processo se perderia, pois não seria possível postar novos comentários na versão impressa. Portanto, concluímos que, na camada do design, houve um melhor aproveitamento das características próprias do ambiente para os propósitos desejados na camada do discurso, legitimando a essência do discurso multimodal. Além disso, a disposição do texto em seções acessíveis por hiperlinks, ao contrário de disponibilizá-lo como texto corrido com os comentários ao final, aumenta a affordance da plataforma, uma vez que o usuário já está acostumado com esse tipo de layout no ambiente digital. Em termos da produção, o fato de os editores permitirem que qualquer usuário cadastrado comente sobre os textos altera as relações de quem atua nessa camada de significação. Nesse caso, o leitor-comentarista passa a um ser também uma espécie de coautor, uma vez que produz sentido não só para o seu próprio entendimento, mas também para a interpretação alheia. Assim, podem-se obter comentários de comentários e a camada de produção vai acrescentando cada vez mais nuances à significação. Também nesse caso, houve um melhor aproveitamento das características próprias do ambiente para os propósitos desejados. Por fim, vemos que, no processo editorial do MCP, os editores utilizam o suporte eletrônico do blog como um modo semiótico de produção de sentido. Nesse caso, as novas 101 tecnologias utilizadas pelos editores acrescentam, por meio da camada da distribuição, uma nuance para a produção de sentido. Embora seja bastante difundido para veiculação de conteúdo jornalístico, para divulgação de interesses pessoais e outras funções, os blogs ainda não fazem parte do inventário oficial e público do domínio de práticas da comunidade científica como uma instância legítima de distribuição de conteúdo científico formal. Nesse caso, os editores do MCP estariam utilizando uma forma proveniência (KRESS; VAN LEEUWEN, 2001) ao importarem signos de outros contextos (de outra época, grupo social ou cultura) para o contexto no qual se está construindo um novo signo. Além disso, na camada da distribuição, vemos que o discurso do acesso aberto se materializa na forma como os textos são disponibilizados no blog, ou seja, de forma transparente e sem restrições de acesso. Em relação ao fluxo editorial e à visibilidade, não percebemos características inovadoras nas práticas editoriais exercidas pelo MCP. No caso 2 (F1000Research), na camada do discurso, podemos perceber que cada um dos cinco pilares defendidos pela iniciativa aponta para um discurso de defesa de mudanças nas formas tradicionais de comunicação científica formal. Daí, nas camadas do design, produção e distribuição, os editores utilizam características próprias do ambiente digital para realizarem o que se propõem na camada do discurso, provando, mais uma vez, que o modo como o discurso se apresenta materialmente contribui para o sentido. Por exemplo, na camada do design, vemos que a iniciativa projetou um fluxo editorial bastante rápido (cerca de seis dias), para que discurso da publicação imediata pudesse ser atendido. Além disso, assim como no MCP, a defesa da revisão por pares pós-publicação e da publicação das considerações e da identidade dos pareceristas, pertencentes à camada do discurso, materializam-se na camada do design quando os editores disponibilizam no ambiente digital o acesso a todo o processo de avaliação do artigo na forma de um quadro de resumo na página inicial com hiperlinks para os textos de comentários e para o perfil dos pareceristas. Além disso, o periódico também reforça a camada do discurso com o design ao disponibilizar todas as versões disponíveis do artigo, mantendo, inclusive, sua atualização constante. Esses serviços dificilmente poderiam ser oferecidos em versões impressas, principalmente por causa do dinamismo do processo. Na camada da produção, a publicação dos comentários dos pareceristas, a possibilidade de publicação de atualização por parte dos autores e os comentários de leitores fazem com que, assim como no MCP, outros produtores de sentido (e não somente os editores 102 e autores) passem a fazer parte da camada de produção, alterando constantemente as nuances de significação proporcionadas por essa camada. Em relação à distribuição, o discurso do acesso aberto (um dos pilares da iniciativa) é corroborado por uma forma de distribuição online que permite a qualquer usuário ter livre acesso a todos os textos. Além disso, a camada da distribuição está relacionada a uma grande inovação do periódico: a publicação concomitante dos dados originais de pesquisa. Podemos perceber que os editores utilizam adequadamente as potencialidades do ambiente digital para disponibilizar planilhas bastante longas que, se fossem impressas, inviabilizariam a publicação do periódico ou então o tornariam demasiadamente redundante e pouco ergonômico, como se fosse um longo catálogo e não um periódico científico. Além disso, os dados são adequadamente alocados em arquivos editáveis de planilha, facilitando sua reutilização por outros usuários, conforme se projeta na camada do design e se defende na camada do discurso. É mais um caso de affordance adequada e de utilização do espaço virtual em práticas dificilmente alcançáveis no universo impresso. Obviamente, a publicação imediata e a revisão pós-publicação levantam, na comunidade científica, certa dúvida quanto à confiabilidade do periódico, o que também está ligado às camadas do discurso e da distribuição. No caso do webjornalismo, por exemplo, a publicação imediata e a verificação posterior da validade dos dados tem se tornado uma praxe, conforme nos apontam os estudos de Gonzaga-Pontes (2012). Portanto, tal como no MCP, podemos dizer que, nesse quesito, os editores do F1000Reserarch também utilizam uma forma de proveniência (KRESS; VAN LEEUWEN, 2001), importando signos de outros contextos (o webjornalismo) para o contexto no qual se está construindo um novo signo (a comunicação científica). No caso do F1000Research, a camada de distribuição também está relacionada a um melhor aproveitamento das formas de indexação, que é feita tão logo o artigo preenche os requisitos necessários de avaliação positiva para ser indexado em várias bases de dados. Portanto, concluímos que, no processo editorial do F1000Research, também houve um melhor aproveitamento de características próprias do ambiente para os propósitos desejados, legitimando a essência do fenômeno da multimodalidade. No nosso Caso 3, o JoVE, percebemos que não se combate tão veemente o processo, mas sim o produto editorial científico. Assim, como um reflexo desse discurso, percebemos que as práticas de revisão por pares, autoria, acessibilidade e visibilidade do periódico não apresentam tantas inovações quanto o seu produto editorial, ou seja, os videoartigos. 103 No entanto, há que se ressaltar as inovações no fluxo editorial. Na entrevista, o editor Moshe Pristker admitiu ter tido dificuldades em filmar e editar a filmagem do próprio experimento. Assim, vislumbrando que outros cientistas também teriam dificuldade em fazêlo, acrescentou as etapas de roteirização, filmagem e edição dos vídeos ao seu fluxo editorial e designou outros profissionais para fazê-las de maneira mais adequada. Nesse caso, vemos que o design e a produção não são mais executados pelo mesmo produtor de sentido. Trata-se de um caso em que o produtor de sentido não possui as habilidades necessárias tanto para planejar (design) quanto para executar (produção) os procedimentos necessários para expressar uma determinada ideia por meio de um determinado modo, ou por uma combinação de modos. Assim, para chegar a esse modo desejado, novos produtores de sentido entram em cena. Nessa nova “esteira” de produção, o autor ficará encarregado de produzir o artigo utilizando a linguagem verbal escrita, além de recursos visuais estáticos, como figuras, gráficos e tabela. A equipe de produtores de vídeo do JoVE criará o roteiro fílmico baseado no artigo. Um cinegrafista visitará o laboratório para executar as filmagens com a ajuda dos autores. Em seguida, a equipe de produtores de vídeo do JoVE editará as imagens e acrescentará elementos como animação, legendas, narração, etc. No final de tudo, desde a camada do discurso até a camada de produção, o videoartigo terá passado por várias mãos antes de ser publicado e, em cada uma delas, poderá ter ganhado novas nuances de significado. As camadas de design e produção ganham nova roupagem, uma vez que o artigo originalmente produzido pelo autor no modo semiótico da linguagem verbal é representado por meio de um novo objeto semiótico: o videoartigo, que combina linguagem verbal, imagem em movimento e som e é distribuído em um ambiente que comporta esse tipo de texto multimodal. Assim, também concluímos que, no JoVE, as potencialidades do ambiente digital são empregadas em práticas dificilmente alcançáveis no universo impresso, ou mesmo em iniciativas mais tradicionais de comunicação científica em ambiente digital. 5.2 O produto editorial 5.2.1 Caso 1: MediaCommons Press Escolhemos como amostra do produto editorial da iniciativa MCP o primeiro artigo publicado na plataforma, intitulado CommentPress: New (Social) Structures for New 104 (Networked) Texts [CommentPress: Novas Estruturas (Sociais) para Novos Textos (Em rede)], de autoria de Kathleen Fitzpatrick. Foi publicado simultaneamente, em 2007, pelo n. 10, v. 3 do periódico eletrônico JEP – Journal of Electronic Publishing – e no MCP, sob o consentimento da autora e do conselho editorial do periódico, conforme se explica no próprio texto. Em termos estruturais, o artigo é dividido em nove seções, somando um total de 10.194 palavras. A versão impressa tem 18 páginas. O texto fala sobre a plataforma CommentPress e é uma espécie de projeto-piloto autorreferente em que, ao mesmo tempo, a autora discute e utiliza a plataforma. Nesse artigo, Fitizpatrick trata das novas formas de publicação em ambiente digital e das diferenças entre o códice e o e-book, passa pela discussão sobre o hipertexto e do que considera como suas vantagens e deficiências e finaliza descrevendo a plataforma CommentPress e advogando sobre a possibilidade de se criar nela um ambiente profícuo para o diálogo entre os pares. A FIG. 19 traz a página de introdução do artigo. Nota-se um menu lateral à direita em que o leitor pode clicar nos hiperlinks e acessar cada uma das seções do artigo separadamente. Nota-se também a indicação de dois comentários relacionados ao terceiro parágrafo. É possível visualizá-los clicando no link agregado ao ícone de balão de diálogo. FIGURA 19 – Seção introdutória do artigo “CommentPress” Fonte: http://mcpress.media-commons.org/cpfinal/introduction/ 105 Em relação à dinâmica do processo de revisão por pares aberta, o artigo recebeu 26 comentários postados por seis comentaristas diferentes, incluindo a própria autora. Uma pesquisa pela internet pelo nome completo de cada um dos comentaristas nos levou a seus currículos online ou a sua página profissional no website da instituição a que pertencem. Esse levantamento revelou que todos os comentaristas são pessoas com carreiras acadêmicas bastante produtivas. Além da autora, comentaram o artigo os seguintes membros da comunidade: Terje Hillesund: professor assistente na Universidade de Stavanger Center, na Noruega, onde lidera um programa nacional de pesquisa sobre os impactos dos ebooks na indústria norueguesa. Noah Wardrip-Fruin: professor associado de Ciências da Computação da Universidade da Califórnia em Santa Cruz/EUA. Atua nas áreas de mídia digital, jogos eletrônicos, literatura eletrônica e estudos de software. Sherman Dorn: professor de Educação da Universidade do Sul da Flórida/EUA. É Bacharel em História, mestre em Demografia e ph.D em História. Atua na área de políticas educacionais e da história da Educação. Chuck Tryon: professor assistente no Departamento de Inglês da Universidade Estadual de Fayetteville, na Carolina do Norte/EUA. Escreve sobre cinema, televisão e novas mídias e sua pesquisa atual se concentra em como as mídias digitais estão mudando a indústria cinematográfica. Timothy Murray: professor de Literatura Comparada e Inglês e diretor da Sociedade de Ciências Humanas da Cornell University, em Nova York. Atua na área do ensino e sua interface com as novas mídias, também no campo do cinema e vídeo, com forte interesse por filosofia e psicanálise. Os 26 comentários foram postados entre 17 e 24 de outubro de 2007. Terje Hillesund postou nove comentários; Noah Wardrip-Fruin postou três; Sherman Dorn, três; Chuck Tryon, dois; Timothy Murray, um; e a autora postou oito comentários. A extensão média dos comentários foi de 76 palavras, sendo o comentário mais curto com apenas uma palavra e o mais longo com 348 palavras. Em relação ao conteúdo dos comentários, oito eram considerações críticas a respeito das ideias apresentadas no artigo; dois eram perguntas; nove eram réplicas (da autora ou dos 106 demais membros) às críticas ou perguntas postadas; quatro comentários se referiam a problemas técnicos no funcionamento da plataforma; dois eram elogios ao artigo e um comentário indicava uma revisão pontual que deveria ser feita no texto. Alguns comentários críticos nos parecem dignos de nota, o que faremos a seguir. Na seção “Introdução”, Terje Hillesubynd elogia a iniciativa do artigo, mas diz esperar que a autora tenha consciência da profundidade do assunto com o qual estará lidando. Também critica o uso da palavra “press” (prensa, imprensa, editora), no nome do aplicativo CommentPress, argumentando que a palavra retorna ao “mundo do papel” ao invés de dar um passo à frente para o mundo das publicações digitais. Em seguida, Sherman Dorn replica dizendo que a metáfora com o mundo impresso não é totalmente ruim, pois é preciso começar por algum lugar. Nesse ponto, podemos notar um diálogo entre revisores e não somente entre o autor e revisor ou, pior ainda, entre revisor e editor, como comumente acontece nas revisões cegas tradicionais. A FIG. 20, a seguir, traz os comentários de Terje Hillesubynd e Sherman Dorn na seção de introdução, disponibilizados após clicarmos o ícone de balão de diálogo. FIGURA 20 – Comentários de Terje Hillesubynd e Sherman Dorn Fonte: http://mcpress.media-commons.org/cpfinal/introduction/ 107 Mais adiante, na seção “Codex, not print” [Códice, não impresso], Terje Hillesubynd admite que sempre teve o desejo de ter mais feedback sobre seus próprios textos e que o CommentPress é uma boa iniciativa para se fazer isso. No entanto, critica um certo “exagero” da autora quando ela defende supostas vantagens de leitura que a ferramenta poderia proporcionar. Também reclama por não haver uma versão completa do artigo para impressão no próprio blog e admite ter precisado imprimir o artigo publicado no periódico JEP e fazer seus comentários a partir dele e não da versão fracionada postada no CommentPress41. Na seção “Hypertext”, Sherman Dorn questiona se a autora tem certeza de que as pessoas de hoje são tão “presas ao códice” quanto ela alega. Argumenta que muitos profissionais leem intensamente documentos na tela, como e-mails, memorandos, rascunhos de impressão e arquivos de PowerPoint. Nos dois comentários postados por Chuck Tryon, ele se mostra elogioso ao artigo. No primeiro, postado na seção “Scholarly discourse networks” [Redes de discurso acadêmico], afirma que sua própria pesquisa sobre culturas cinematográfica na internet tem sido grandemente beneficiada pela sua interação com blogueiros não acadêmicos em seu blog pessoal, que mantém há vários anos. No segundo, na parte de “Notas”, corrobora a ideia de que as publicações e interações digitais não impedem a publicação de livros. Afirma que, na verdade, na era digital, o livro pode nascer como um fruto do trabalho coletivo de uma rede de pensadores. Terje Hillesubynd, no entanto, segue criticando as ideias propostas pelo artigo. Afirma que os modos de circulação online de ideias propostos por Fitzpatrick são mais adequados para ajudar a divulgar e distribuir obras já prontas, ou seja, livros e periódicos completos e que isso, aliás, já existe. Admite que processos de revisão e escrita aberta em ambiente online exigirão uma mudança em toda a concepção tradicional de comunicação científica e que essas mudanças demandarão muitos e muitos anos. Na última seção do artigo, denominada “Toward the future” [Em direção ao futuro], Hillesund protesta: Durante mais de cinco dias tenho deixado vários comentários e poucas outras pessoas escreveram alguma coisa aqui. Acho que isso indica que, para se obter a “vivacidade de diálogo e interação” exigida, é preciso que haja algum tipo de comunidade. Pode ser na forma de um website criado por docentes, um portal de periódicos, ou um blog em que o artigo seja publicado no CommentPress (HILLESUBYND, 2007, n.p., tradução nossa). 41 Ainda hoje a iniciativa não disponibiliza a versão integral dos textos em PDF para download. 108 Na sequência, Sherman Dorn posta um sonoro “Concordo!”. Na FIG. 21, podemos visualizar esse diálogo na língua e formato originais. FIGURA 21 – Diálogo final entre Terje Hillesubynd e Sherman Dorn Fonte: http://mcpress.media-commons.org/cpfinal/toward-the-future/ Os comentários da autora praticamente se restringem a respostas às perguntas objetivas ou às reclamações sobre o funcionamento do programa. Ela responde a somente um dos comentários críticos de Terje Hillesubynd, membro mais ativo no processo de revisão. Das duas outras réplicas que posta, a autora somente esclarece posições suas que talvez tenham sido mal entendidas pela pessoa que a criticou. A FIG. 22 exemplifica um dos comentários feitos pela autora. 109 A FIGURA 22 – Comentário feito pela autora Fonte: http://mcpress.media-commons.org/cpfinal/codex-not-print/ Depois desse artigo, os outros trabalhos que foram (e estão sendo) revisados no MCP tiveram participação bastante significativa de membros. O projeto de revisão do número 62, volume 03, do periódico Shakespeare Quarterly, por exemplo, recebeu 214 comentários postados por 28 membros diferentes. A editora da revista assim se expressou no editorial do volume: Somos extremamente gratos a Kathleen Fitzpatrick e ao projeto MediaCommons por terem sido nossos parceiros nessa empreitada. Agradecemos também aos autores que aceitaram participar da revisão aberta, os quais podem ter se sentido, algumas vezes, um tanto quanto excessivamente expostos. Finalmente, queremos reconhecer os leitores que dedicaram seu tempo para participar e comentar nesta avaliação. O trabalho dos revisores é muitas vezes invisível, mas, neste caso, a natureza aberta da revisão faz com que possamos agradecer-lhes pelo nome (WERNER, 2011, p. 307). 5.2.2 Caso 2: F1000 Research Escolhemos como amostra do produto editorial da iniciativa F1000Research o artigo intitulado Prevalence of antibiotic-resistant E. coli in retail chicken: comparing conventional, organic, kosher, and raised without antibiotics [Prevalência de E. coli resistente a antibióticos em frango de varejo: comparando frango convencional, orgânico, kosher e criado sem antibióticos], produzido em 2013 pelos pesquisadores Jack M. Millman e Ann R. Marks, do Horace Mann Bronx Campus; Kara Waits e Heidi Grande; do Translational Genomics 110 Research Institute; Jane C. Marks e Bruce A. Hungate, da Northern Arizona University; e Lance B. Price, da George Washington University. Em termos estruturais, o artigo é dividido em quatro seções, somando um total de 5.144 palavras. Se somarmos os comentários dos pareceristas e as réplicas e notas de atualização dos autores, a versão atualizada passa a ter 7.560 palavras. A versão em PDF, disponível para download, passa de oito para quatorze páginas, com os comentários e réplicas organizados em um histórico ao final do artigo. Além disso, há duas planilhas para download com os dados originais de pesquisa. A FIG. 23 traz a página do artigo na sua versão online disponibilizada pelo F1000Research. FIGURA 23 – Artigo Prevalence of antibiotic-resistant... na sua versão online Fonte: http://f1000research.com/articles/2-155/v2 No layout da página, podemos perceber algumas inovações estruturais apresentadas pelo formato de artigos publicados pelo F1000Reserach. No alto da tela, à esquerda, por exemplo, vemos que se trata de uma versão atualizada, o que é demonstrado pelo termo 111 “UPDATED”. Isso também pode ser observado na lateral direita, onde o leitor é informado que se trata da segunda versão de um total de duas versões (Version 2 of 2). O quadro lateral direito traz um resumo do processo de revisão ao qual o artigo está sendo submetido, informação impossível de ser encontrada em uma versão impressa, devido à atualização constante. Os números 1, 2 e 3 representam os pareceristas convidados para avaliar o artigo, cujos nomes e afiliações estão apresentados abaixo, no mesmo quadro. Por meio da leitura do quadro, podemos entender que o fluxo foi o seguinte: a primeira versão do artigo (v1) foi publicada em 13 de julho de 2013, tendo recebido, posteriormente, um status de “aprovado” () dado pela primeira parecerista, e um status de “aprovado com ressalvas” (?), dado pela segunda parecerista. Em seguida, observa-se que foi publicada uma versão atualizada (v2) em 02 de setembro de 2013, a qual foi “aprovada” () pela segunda parecerista e “aprovada com ressalvas” (?) pela terceira. Outra característica importante em relação à utilização das potencialidades do ambiente digital pode ser vistas nas várias opções de compartilhamento do artigo, por meio dos hiperlinks listados na parte inferior da tela. Em termos de conteúdo, o artigo trata do uso de antibióticos na produção avícola e dos possíveis efeitos nocivos disso na saúde humana. É feito um experimento a fim de estabelecer um estudo comparativo, na região da cidade de Nova York, entre quatro tipos de frango resfriado disponíveis no mercado que foram criados em fazenda com os seguintes métodos, conforme informado na embalagem: convencional, orgânico, kosher42 e sem antibióticos. O objetivo de pesquisa é investigar a prevalência da bactéria Escherichia Coli resistente a antibióticos nas quatro categorias examinadas. Para entendermos melhor a abrangência do assunto tratado pelo estudo, vale-nos o alerta dado pela jornalista Sabrina Tavernise, do jornal The New York Times, e reeditado pelo caderno “Saúde” do portal jornalístico UOL Notícias: Há um amplo consenso quanto ao uso excessivo de antibióticos ter causado uma crescente resistência aos medicamentos. Muitos cientistas dizem existir evidências de que o uso intensivo de antibióticos para promover o crescimento mais rápido em animais criados em fazenda é um dos grandes culpados por isso, criando um reservatório de bacilos resistentes aos medicamentos que estão chegando até as comunidades. Mais de 70% de todos os antibióticos usados nos Estados Unidos são dados para animais. (TAVERNISE, 201343) 42 Os alimentos kosher são aqueles cuja preparação obedece à tradição judaica. No caso das carnes, essa tradição inclui rituais específicos de abate dos animais. 43 UOL NOTÍCIAS, Caderno de Saúde, publicado em 03/08/2013 Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ saude/ultimas-noticias/redacao/2013/08/03/cientista-quer-saber-se-consumo-de-carne-contribui-para-resistenciaa-antibioticos.htm>. Acesso em: 24 dez. 2013. 112 Os resultados indicaram que houve incidência de E. coli resistente a antibióticos em todas as categorias e que o método de produção influencia a frequência desse patógeno em produtos aviários. No frango kosher, houve a maior frequência dessa bactéria resistente a antibióticos. Nos frangos criados sem antibióticos, a frequência tendeu a ser ligeiramente mais baixa e a diferença entre a frequência nos frangos criados com método convencional e nos orgânicos foi estatisticamente indistinguível, embora o rótulo americano para produtos orgânicos indique a restrição à utilização de antibióticos. Os autores sugerem que sejam feitas pesquisas futuras para identificar as práticas específicas relacionadas à alta frequência de E. coli resistente a antibióticos em frango kosher, a fim de promover esforços para reduzir a exposição dos consumidores a esse patógeno em potencial. Em relação ao processo de revisão aberta, uma pesquisa pela internet pelo nome completo de cada uma das comentaristas convidadas a avaliar o artigo nos levou a seus perfis na plataforma Faculty of 1000 ou a sua página profissional no website da instituição a que pertencem. Esse levantamento revelou um perfil adequado dos nomes escolhidos para a arbitragem do artigo. São eles: Marilyn Roberts, Ph.D – membro do conselho editorial do Faculty of 1000 desde 2001; professora adjunta de Ciências da Saúde, Saúde Global e Odontopediatria da Escola de Saúde Pública da Universidade de Washington, em Seattle/EUA. Entre seus principais interesses de pesquisa, inclui-se a resistência antibiótica. Irene Hanning, Ph.D – professora assistente do Departamento de Ciência e Tecnologia Alimentar do Instituto de Agricultura da Universidade do Tennessee/EUA. Atua na área de segurança alimentar microbiológica. Katharina Stärk, Ph.D – professora do Departamento de Produção e Saúde Populacional da Escola Real de Veterinária da Universidade de Londres/Inglaterra. Atua na área de saúde pública, ecossistemas de saúde, alimentação segura e sustentável, epidemiologia veterinária e economia. A primeira revisão foi postada em 23 de julho de 2013 (doze dias após a publicação) pela parecerista Marilyn Roberts, a qual atribuiu ao artigo o status de aprovado. O texto de comentário soma um total de 222 palavras. A pesquisadora ressalta que a constatação de que os frangos orgânicos e os criados de forma convencional tiveram resultados estatisticamente indistinguíveis, e de que nos frangos criados sem antibióticos a incidência foi só ligeiramente menor, levanta mais uma vez a dúvida se há ou não vantagens reais para a saúde do 113 consumidor que escolhe comer produtos orgânicos ou criados sem antibióticos. Em relação à alta frequência de E. coli resistente nos produtos kosher, a parecerista afirma que é uma nova descoberta e certamente precisa de um estudo mais aprofundado. A pesquisadora também afirma que não ficou claro se as diferenças estatísticas nos animais criados sem antibióticos teriam sido encontradas se o experimento fosse feito com uma amostra maior. No entanto, admite que o estudo ajuda a fomentar o debate sobre os possíveis danos à saúde humana causados pelo uso de antibióticos como promotores de crescimento. Em 16 de agosto de 2013 (35 dias após a publicação), a parecerista Irene Hanning postou sua revisão do artigo e atribui o status de “aprovado com ressalvas”. O texto com seus comentários é um pouco maior que o anterior (285 palavras) e está dividido em tópicos, conforme pode ser visto na FIG. 24. FIGURA 24 – Comentários da parecerista Irene Hanning Fonte: http://f1000research.com/articles/2-155/v2 Irene Hanning elogia o artigo ressaltando sua importância para se entender melhor o uso de antibióticos na produção animal, além de afirmar que está bem escrito e é de fácil compreensão. No entanto, assinala alguns pontos que precisam ser completados, como dar 114 mais especificações quanto à composição da amostra e quanto ao número total de E. coli isolados coletados por tipo ou marca de frango examinado. Ela também sugere a reformulação ou exclusão de duas frases da seção de discussão, pois seu conteúdo seria exagerado e não seria absolutamente verdadeiro. Por fim, a parecerista aponta dois possíveis vieses: afirma que uma variável não abordada no estudo foi a possibilidade de que frangos produzidos por uma mesma marca sejam criados em fazendas diferentes, o que faria com que a amostra tivesse que ser aumentada, uma vez que o ambiente agrícola exerce impacto sobre a qualidade do alimento. Além disso, afirma que, em alguns casos, as aves podem ser processadas dentro da própria fazenda e isso também pode afetar a qualidade microbiológica da carne, devido à contaminação cruzada. Em 02 de setembro de 2013, um dos autores, Bruce Hungate, respondeu às pareceristas. Em relação a Marilyn Roberts, ele apenas agradeceu-lhe pelos comentários. Em relação a Irene Hanning, o autor agradeceu os comentários e afirmou que a primeira versão foi revisada a fim de atender a cada uma das sugestões dadas. Ele então esclarece quais modificações foram feitas. Esse texto de réplica tem um total de 297 palavras e seu teor é equivalente à nota de atualização, escrita pelos autores, que passou a introduzir a segunda versão do artigo, publicada em 02 de setembro de 2013, ou seja, 53 dias após a publicação da primeira versão. A FIG. 25 traz a nota de atualização. Trata-se de um texto de 304 palavras em que os autores explicam ter atendido a cada um dos pontos levantados por Hanning. Em relação ao primeiro viés em potencial, agradecem à Dra. Hanning pela abordagem e afirmam ter adicionado uma frase reconhecendo isso explicitamente. Sobre o segundo viés em potencial, afirmam que pesquisas futuras mais exaustivas poderiam tentar quantificar a influência dos fatores levantados, mas isso estaria além do escopo do estudo. 115 FIGURA 25 – Nota de atualização para a segunda versão do artigo Fonte: http://f1000research.com/articles/2-155/v2 Em 09 de setembro de 2013 (60 dias após a publicação da primeira versão e 07 dias após a publicação de segunda), a terceira parecerista comentou a segunda versão do artigo e atribuiu o status “aprovado com ressalvas”. Em um texto de 277 palavras, Katharina Stärk faz elogios ao artigo, mas aponta algumas incompletudes. Sugere, por exemplo, que seria útil fornecer mais detalhes sobre práticas específicas utilizadas no frango kosher, uma vez que os leitores podem não estar familiarizados com isso. Também aponta algumas dúvidas quanto ao método estatístico utilizado e afirma que a descrição da análise estatística é muito superficial para concluir sobre a validade dos resultados, além de o número de amostras ter sido baixo. Em 17 de setembro, é novamente o autor Bruce Hungate quem responde à parecerista, dessa vez com um texto de 626 palavras. O autor esclarece cada uma das dúvidas de Katharina Stärk. No entanto, não é feita outra versão do artigo, uma vez que, tendo recebido um status “aprovado” e dois status “aprovado com ressalvas”, o trabalho preencheu os requisitos para indexação em base de dados e isso foi feito no mesmo dia em que a terceira parecerista postou seu relatório, ou seja, no dia 09 de setembro de 2013, conforme pode ser visto na indicação da seta da FIG. 26, na ficha catalográfica da segunda versão do artigo, a qual nos parece ter passado a ser a versão definitiva. 116 FIGURA 26 – Ficha catalográfica da segunda versão do artigo Fonte: http://f1000research.com/articles/2-155/v2 A última postagem feita no artigo ocorreu em 17 de setembro de 2013, quando, diante da segunda versão, a parecerista Irene Hanning se disse satisfeita com as alterações efetuadas e mudou o status do trabalho para “aprovado”. 5.2.3 Caso 3: JoVE Escolhemos como amostra do produto editorial da iniciativa JoVE o artigo intitulado Live-cell Video Microscopy of Fungal Pathogen Phagocytosis [Vídeo microscopia de célula viva de fagocitose de patógenos fúngicos], publicado, em janeiro de 2013, pelos pesquisadores Leanne E. Lewis, Judith M. Bain e Blessing Okai, da Divisão de Medicina Aplicada da Universidade de Aberdeen/Escócia, Neil A. R. Gow, do Grupo Fúngico de Aberdeen, e Lars Peter Erwig, do Grupo Fúngico de Aberdeen e da Universidade de Aberdeen/Escócia. Trata-se de um artigo de acesso aberto, mas não há logomarca de uma instituição financiadora. Em termos estruturais, o videoartigo tem a extensão total de 8‟52‟‟, divididos em sete seções. O título de cada seção aparece em um menu lateral direito em forma de hiperlink em 117 que o usuário pode clicar e assistir diretamente àquela seção, conforme pode ser visto na indicação da seta da FIG. 27. O artigo em formato de texto não é uma transcrição do que é dito no videoartigo. Ele obedece às estruturas convencionais do gênero artigo científico na área de ciências biológicas e tem 2.835 palavras. Além das seções apresentados no vídeo, traz também resumo, discussão, referências e uma seção de agradecimentos. É possível fazer download da versão em PDF, assim como da lista de materiais utilizados no experimento, separadamente. FIGURA 27 – Página do videoartigo Live-cell Video ... Phagocytosis Fonte: http://www.jove.com/video/50196/live-cell-video-microscopy-of-fungal-pathogen-phagocytosis Em termos de conteúdo, o tema geral do artigo é a fagocitose, nome dado ao processo realizado por células que, ao encontrarem partículas sólidas estranhas no organismo, envolvem-nas e as absorvem para protegê-lo. As bactérias, células de tecido morto e pequenas partículas minerais são exemplos de materiais que podem ser fagocitados. O artigo descreve um método de videomicroscopia de células vivas do fungo Candida albicans sendo fagocitado. Os autores afirmam que determinados estudos desse tipo de fagocitose, apesar de informativos, são limitados por normalmente não dividirem o processo em suas fases 118 específicas, que podem afetar o processo de formas diferenciadas. Isso se deve ao fato de que a análise costuma ser feita a partir de imagens capturadas de um único momento do processo, sem levar em consideração seu caráter dinâmico e contínuo. Segundo os autores, o método demonstrado no videoartigo é inovador por revelar novos aspectos e fases da fagocitose, uma vez que são feitas imagens em um intervalo muito pequeno de tempo (uma a cada minuto durante 6 horas). Assim, ao contrário da captura de imagens de um único momento, a microscopia em vídeo de células vivas permite que uma ampla variedade de células e de organismos patógenos sejam estudados como sequências contínuas em períodos de tempo prolongado, proporcionando informação espacial e temporal em uma ampla gama de processos dinâmicos. Segundo os autores, essa técnica pode fornecer uma diretriz para futuros estudiosos que queiram utilizar o método de microscopia em vídeo para a análise de atividades fagocitárias e de outros microrganismos. O vídeo começa com uma vinheta do JoVE, seguida por uma tela com o título, o nome dos autores e suas afiliações, acompanhada por narração. Em seguida, há uma animação explicando resumidamente como o experimento deve ser feito e suas vantagens em relação aos métodos já existentes, incluem-se também imagens microscópicas das células em movimento. Funciona como uma introdução ou um resumo do artigo. Em seguida, em 1‟15‟‟, a autora Judith M. Bain aparece falando sobre as vantagens do método em relação às técnicas existentes. Em seguida, em 1‟32‟, a autora Blessing Okai fala sobre a aplicabilidade do método em outros tipos de experimentos. Na cultura impressa, essa seção seria a junção da revisão da literatura e da justificativa. Em 1‟44‟‟, inicia-se o experimento, que é dividido em cinco seções correspondes às cinco etapas de sua execução. Nessa fase do vídeo, as imagens apresentam uma das duas autoras executando os procedimentos no laboratório enquanto a narração descreve como eles devem ser feitos. Uma das etapas demonstradas é a coloração da amostra do fungo Candida albicans para melhor visualização no microscópio. Também há algumas legendas indicando quais procedimentos estão sendo feitos e algumas medidas, como se fosse o vídeo de uma receita culinária. Na etapa que envolve a visualização do processo de fagocitose no microscópio, em 6‟22‟‟, a autora Judith M. Bain volta-se para a câmera para alertar que se trata da fase mais crítica do experimento, por isso o pesquisador deve ser cuidadoso em configurar o microscópio corretamente, uma vez que, se o material ficar exposto além ou aquém do necessário ou se estiver fora do foco, o experimento deverá ser refeito. 119 Na sequência, em 6‟40‟‟, inicia-se a seção de análise e o vídeo apresenta as imagens microscópicas coloridas das células em atividade e depois uma figura com setas indicando aspectos importantes da análise e um gráfico que resume o número total de Candida albicans fagocitado por cada célula fagocitária. Por fim, na seção de conclusão, em 8‟10‟‟, a autora Judith M. Bain retorna afirmando que, após assistir ao vídeo, é esperado que o usuário tenha tido uma boa compreensão de como executar o experimento seguindo especificamente as instruções dadas. O vídeo termina aos 8‟52‟‟ com a repetição da tela de título, autoria e afiliação, seguida da ficha de créditos, que inclui o nome do produtor, roteirista, cinegrafista, narrador e editores do vídeo. O artigo foi visualizado 5.855 vezes entre o período de 09 de janeiro de 2013 a 13 de janeiro de 2014, conforme pode ser observado no GRÁFICO 1. Também foram feito oito compartilhamentos. Não foi postado nenhum comentário ou pergunta para os autores. GRÁFICO 1 – Total de visualizações do artigo Live-cell Video ... Phagocytosis Fonte: JoVE, 2013-2014. 5.2.4 Análise do produto editorial sob a perspectiva do discurso multimodal Segundo Santaella (2004), a leitura não está restrita à decifração de letras. Para a autora, ler significa também relacionar palavra e imagens, desenho e tamanho de tipos, elementos gráficos e diagramação. Além disso, os hábitos de leitura mudam de acordo com evoluções técnicas, formais e culturais, as quais podem alterar o modo de pensar a ciência e seus resultados de pesquisa. A própria diferença de sensações derivada das diferenças de leitura em suporte impresso e digital já seriam maneiras de atribuir sentido a um objeto de comunicação. 120 No caso do artigo publicado pelo MCP, o formato de apresentação nessa plataforma inovadora de blog revela-se como um tipo de design bastante pertinente para os propósitos da iniciativa elaborados na camada do discurso e do design, ou seja, transparecer o processo de revisão por pares e deixá-la mais dinâmica e dialogada. Em vez de expor todo o texto em uma só tela, a possibilidade de visualizar seus componentes em hiperlinks dá liberdade ao leitor para trilhar um caminho pessoal e facilita sua navegação pelo fluxo de revisão. Assim, a leitura não precisa mais ser linear e, ao se valer da tecnologia dos hiperlinks, o periódico otimiza a utilização do suporte digital. Além disso, os comentários passam a ser ligados aos trechos específicos a que se referem. Esse é um caso em que podemos notar que características próprias do ambiente digital são utilizadas a fim de alterar a forma como se faz comunicação científica. Na camada da produção, os comentários e o diálogo entre os próprios comentaristas (como vimos acontecer entre Terje Hillesund e Sherman Dorn) acrescentam novas interpretações para as ideias que estão sendo discutidas no texto, provando que o leitorcomentarista passa a ser uma espécie de coautor do texto. Na nossa experiência pessoal, a leitura do artigo e dos comentários deixou a leitura mais significativa uma vez que, ao dialogarmos mentalmente com a autora durante nosso processo de leitura do artigo, algumas das indagações que tivemos coincidiram com o que foi dito nos comentários. Obviamente, algum pesquisador mais cético pode argumentar que os comentários influenciaram nossa leitura e tiraram de nós a oportunidade de entendê-la de forma autônoma, como acontece quando se lê um poema juntamente com a sua interpretação dada por outrem. Mas não foi essa a sensação. A sensação de ver o processo de revisão de um texto científico foi de transparência quanto à validação das ideias e resultados. Ao contrário da leitura solitária, em que, com o artigo impresso em mãos, o leitor dialoga mentalmente com o autor e jamais recebe respostas, nossa sensação é de que estávamos participando ao vivo de um seminário em que o texto foi apresentado pelo autor e debatido por outros pesquisadores presentes, como num simpósio ou congresso. A sensação foi de que, com a utilização dessas novas tecnologias, a vivacidade e o imediatismo proporcionados pela comunicação científica informal foram transportados para a comunicação formal, extraindo as vantagens exclusivas de ambas. No artigo publicado pelo F1000Research, embora a plataforma de exposição dos textos não seja tão inovadora como o blog do MCP, também é possível acrescentar nuances ao sentido a partir do acompanhamento do fluxo constante de publicação, revisão e 121 atualização dos artigos. Ou seja, trata-se de um caso em que se nota que mudanças na camada de distribuição (ou seja, no suporte) acrescentam mudanças na interpretação dos textos. Nossa experiência pessoal de leitura do artigo publicado no F1000Research foi ainda mais significativa do que com o MCP, uma vez que não pertencemos à área de discussão do artigo e somos, portanto, leitores ainda mais ingênuos nesse caso. A leitura da primeira versão do artigo, depois dos comentários das pareceristas, da nota de atualização e, por fim, da versão atualizada do artigo potencializaram bastante nosso entendimento sobre o texto. No formato tradicional, a leitura de um artigo em sua versão definitiva pode fazer com que o leitor inexperiente (como no nosso caso) interprete como verdades incontestáveis aquilo que é defendido no texto. Por outro lado, nesse formato inovador, o acompanhamento do fluxo de revisão faz com que o leitor tenha uma interpretação mais madura, menos inocente sobre falhas que, devido a sua inexperiência quanto ao assunto, não poderia detectar sozinho. Trata-se, portanto, de mais uma prova de que as práticas proporcionadas pela iniciativa utilizam as potencialidades do ambiente digital de forma a transgredir o que já é considerado praxe na comunicação científica e de que as características dos modos semióticos com os quais o discurso se materializa alteram a produção de sentido e, por conseguinte, a interpretação. Sobre o artigo publicado pelo JoVE, cumpre admitirmos que escolhemos esse estudo em particular porque, embora não sejamos da área das ciências biológicas, conseguimos perceber que a reprodução do experimento baseada somente na sua descrição verbal seria difícil de ser feita. O grande diferencial do artigo é a inovação da visualização e categorização de uma atividade celular, ou seja, de algo dinâmico, em movimento. Nesse momento, sentimos empatia pelas primeiras inquietações do editor Moshe Pristker e pudemos entender como os videoartigos podem ser úteis para a comunidade científica. Além disso, com uma análise atenta dos elementos dispostos na página do artigo online e após assistir ao vídeo, podemos observar que não se trata de uma transposição do material verbal para o material audiovisual. O artigo em formato de texto apresenta seções de introdução e discussão bem mais longas e aprofundadas, enquanto que a seção do protocolo é apenas uma lista em formato “passo a passo” dos procedimentos a serem executados. De forma complementar e oposta, as seções de introdução e conclusão do vídeo são bastante sucintas, enquanto que as etapas de condução do experimento, ou seja, o protocolo, são bastante explícitas. Nesse caso, percebemos que os editores comprovam as afirmações de Kress e Van Leeuwen (2001) de que a produção de sentido se realiza pela combinação de mais de um 122 código semiótico e de que todos os modos semióticos utilizados em um determinado objeto multimodal contribuem para a construção de sentido. Assim, nesse caso, as potencialidades específicas de representação e de comunicação de cada modalidade (no caso, a linguagem verbal escrita e as imagens em vídeo) foram utilizadas de forma a complementar uma à outra. 5.2.5 Análise do produto editorial sob a perspectiva da teoria sociorretórica dos gêneros Conforme já apontamos em tópico anterior, o teórico Charles Bazermam conceituou o gênero como uma categoria sociopsicológica usada para reconhecer e construir ações tipificadas dentro de situações tipificadas. Para o autor, trata-se de “uma maneira de criar ordem num mundo simbólico sempre fluido” (BAZERMAN, 2011, p. 60). O autor também afirma que a maioria dos gêneros tem características de fácil reconhecimento que sinalizam a espécie de texto que são. No entanto, lembra que a essência dos gêneros não está nessas características mais formais. Alguns membros mais céticos da comunidade científica (como, por exemplo, se mostrou ser um dos comentaristas do artigo postado no MCP) podem negar que um texto postado na plataforma de blog do MCP ou um videoartigo do JoVE sejam, genuinamente, um artigo científico no sentido estrito. Nós, ao contrário, chegamos à conclusão de que esses novos objetos comprovam a teoria de Bazerman de que a noção do gênero como algo cristalizado no tempo e espaço ignora o uso criativo da comunicação para satisfazer novas necessidades originadas em novas circunstâncias de uso de um determinado gênero (no nosso caso, o artigo científico). Além disso, essas inovações no gênero artigo científico comprovam que a “criatividade improvisatória” (BAZERMAN, 2011, p. 11) dos seres humanos entra em jogo no uso de novos recursos para alcançar novas metas e na transformação de novas situações através de seus atos criativos, comprovando o caráter essencialmente dinâmico, interativo e agentivo do uso dos gêneros. Isso significa que, no centro da teoria sociorretórica dos gêneros, há a ideia de que as pessoas estão constantemente realizando coisas novas para adequar os gêneros a um mundo em constante mudança. Sendo assim, a conclusão a que se chega com esta dissertação é de que os produtos editoriais das três iniciativas estudadas pertencem ao gênero “artigo acadêmico-científico”, embora não apresentem todos os traços formais mais facilmente reconhecíveis desse gênero. Se ponderarmos sobre as mudanças propostas pelas iniciativas aqui estudadas na forma tradicional do artigo científico, veremos que estão surgindo formas mais “adequadas” 123 ao ambiente digital, ou seja, mais espontâneas, confirmando a ideia de Luckmann de que “os gêneros comunicativos de uma época podem se dissolver em processos comunicativos mais „espontâneos‟, enquanto outros gêneros até então pouco definidos podem se congelar em novos gêneros” (LUCKMANN, 1992 apud BAZERMAN, 2005, p. 56). Para fazer uma comparação, no início da era da internet, os primeiros emails provavelmente eram mais semelhantes às cartas ou mensagens telegráficas que lhes deram origem. Já na atualidade, o email foi se adaptando e ganhando contorno próprio bastante diferente do formato e do decoro relacionados aos gêneros dos quais derivou. Assim, podemos afirmar que, conforme sinalizou Bazerman (2011), há gêneros que são fundadores de outros, ou seja, são formas típicas de usos discursivos da língua originadas de formas anteriores, que nunca surgem do nada, mas num processo histórico, cultural e interativo dentro de instituições e atividades já conhecidas pelo falante. As cartas trocadas entre os membros da Royal Society de Londres deram origem aos artigos científicos tal como os conhecemos hoje, consideradas, obviamente, as pequenas alterações que foram sendo feitas ao longo dos séculos e que já foram abordadas nesta dissertação. Da mesma forma, podemos afirmar que, nos artigos estudados, outros tipos de gêneros próprios de um ambiente essencialmente multimodal, que é a tela do computador, influenciaram a criação desses novos formatos. No caso do MCP, características próprias da web como o dinamismo de postagem dos blogs, aliado à possibilidade de diálogo nas laterais vista em editores de textos como o Microsoft Word ou mesmo em redes sociais como o Facebook foram adequadamente utilizadas para dar mais vivacidade ao diálogo entre os pares, atendendo ao propósito mais caro ao discurso da iniciativa. No caso do F1000Research, embora o artigo seja mais tradicional em termos de formato, o acréscimo das planilhas editáveis com os dados originais de pesquisa, do fluxo de avaliações dos pareceristas e das versões atualizadas também agregam valor ao texto, fazendo com que o gênero artigo deixe de ser exposto como o único produto de uma pesquisa. O que sabemos é que, para se realizar uma pesquisa, utilizamos um conjunto de textos de diversos gêneros, como questionários, planilhas, fichas, roteiros, resenhas e outros. Assim, o que o F1000Research faz é entender a comunicação científica não mais como a publicação de um produto editorial único, mas como a publicação do conjunto de textos que originaram aquela pesquisa. No caso do JoVE, assim como no MCP, traços de outros gêneros multimídia (como programas de TV em que se ensina o passo a passo para se fazer alguma coisa) influenciaram a criação desse novo formato de artigo científico. O JoVE criou o videoartigo como uma nova 124 categoria dentro do gênero acadêmico. Além disso, há outros recursos disponibilizados na página que são reflexos da utilização das NTIC de forma a potencializar a comunicação científica em ambiente digital. É possível, por exemplo, fazer download, em PDF, do artigo escrito e da lista de materiais utilizados no experimento. Há também versões completas de alguns artigos escritos em outros idiomas diferentes do inglês e um espaço para postar comentários e perguntas para os autores, além de links para o compartilhamento automático do artigo por email ou por várias redes sociais. Assim, depois de confirmarmos que o texto escrito do artigo e do videoartigo não são uma transcrição um do outro, mas sim complementares, concluímos que o JoVE trouxe práticas de publicação em formato não só multimodal, ou seja, utilizando mais de um recurso semiótico para representar uma ideia, mas também o fez em formato convergente, ou seja, otimizando a maneira como diferentes recursos multimídia disponíveis em uma página da web trabalham complementariamente para aumentar as fontes de informação e interação disponíveis para o leitor. Nesse sentido, os resultados desta pesquisa nos permitem afirmar que há uma nova onda de mudanças ocorrendo no gênero artigo científico. Não o fazemos pensando que o gênero mudará como um todo, mas que coexistirão formas mais tradicionais de comunicação científica (com os artigos padronizados impressos ou em formato PDF) e formas inovadoras como as que são propostas pelas iniciativas investigadas nesta dissertação. 125 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao iniciar esta pesquisa, nossa principal inquietação era descobrir se havia pessoas ou instituições propondo novas maneiras de se fazer comunicação científica na internet. Podemos dizer que fomos bem-sucedidas nesse propósito. Lamentamos que não tenhamos descoberto casos brasileiros ou, ao menos, latino-americanos até o momento de fechamento desta dissertação, mas ficamos satisfeitas em saber que os casos que abordamos podem servir de incentivo e modelo para ações locais. Nossas perguntas iniciais de pesquisa eram: (1) como são o processo e o produto editorial de iniciativas de comunicação científica em ambiente digital que utilizam as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação de forma a subverter práticas próprias da tradição impressa? E (2), no caso do produto editorial, quais mudanças podem ser percebidas no gênero “artigo científico” em função do uso dessas novas tecnologias? Em relação à primeira pergunta, descrevemos e analisamos o processo e o produto dos casos eleitos para estudo e chegamos à conclusão de que, das três iniciativas, duas tendem a transgredir mais os paradigmas do processo (MCP e F1000Research, com a revisão por pares aberta, por exemplo); outra tende a transgredir mais os paradigmas do produto (JoVE, como os videoartigos, por exemplo). Além disso, podem coexistir práticas bastante inovadoras do processo e práticas bastante tradicionais do produto ou vice-versa. O MCP, por exemplo, transgride o processo (com a revisão aberta) e o produto (com os artigos publicados em uma plataforma de blog), favorecendo-se do caráter essencialmente multimodal da web. O F1000Research transgride mais o processo (com a publicação imediata, a revisão aberta pós-publicação e o acesso aberto) do que o produto, que ainda é um artigo mais tradicional em termos de formato. Mas o fato de publicar os dados de pesquisa e de disponibilizar várias versões de um artigo e as suas atualizações já é uma inovação do produto. No caso do JoVE, encontramos um paradoxo em que se observa um tipo de comunicação científica extremamente revolucionária quanto ao produto (videoartigo), mas bastante conservadora em relação ao processo, com a revisão por pares ainda anônima e o bloqueio ao acesso aberto, por exemplo. Do ponto de vista da multimodalidade, a distribuição foi a camada que mais se destacou como aquela que passa a atribuir novas nuances de sentido para o objeto, principalmente porque ela está intimamente ligada ao suporte. No MCP, por exemplo, a distribuição se relaciona às novas formas de autoria e reescrita e às barreiras de ver os blogs como formas legítimas de comunicação científica séria, evidenciando uma etapa de 126 proveniência em que um sistema sígnico busca recursos de outro sistema. No F1000Research, além da revisão aberta, o suporte está relacionado à maior acessibilidade aos periódicos e ao acesso conjugado ao corpus utilizado. Mas, por outro lado, a publicação imediata e a revisão pós-publicação levam a comunidade científica a levantar certa dúvida quanto à confiabilidade dada pela própria forma de distribuição. No JoVE, distribuição e produção estão imbricadas uma vez que o artigo originalmente produzido pelo autor no modo semiótico da linguagem verbal escrita é representado por meio de um novo objeto semiótico: o videoartigo. Em relação à segunda pergunta de pesquisa, podemos afirmar que os resultados desta dissertação corroboram a teoria de Bazerman de que os gêneros não são meras cristalizações formais estagnadas no tempo e no espaço. Corroboram também a ideia do teórico de que, para se definir um gênero, não devemos nos ater somente aos traços textuais mais característicos, mas sim às relações e às interações mais fundamentais que são realizadas no ato de comunicação por meio dos gêneros. Assim, afirmamos que os três objetos analisados como artigos científicos o são não porque apresentam um conjunto de traços formais esperados para compor tal gênero, mas porque pertencem a uma categoria sociopsicológica usada para reconhecer e construir a ação tipificada de troca de informação e discussão de ideias entre cientistas e pesquisadores dentro da situação tipificada da comunicação científica. Desse modo, esses novos tipos de publicação científica pertencem ao gênero discursivo científico tanto quanto o mais tradicional dos artigos impresso (ou em PDF) indexado e revisado previamente por pares. A novidade é que esses novos produtos incorporam a criatividade improvisatória dos seres humanos na interpretação de novas situações, na identificação de novas metas, no uso de novos recursos para alcançar essas metas e na transformação das situações através de seus atos criativos, provando o caráter dinâmico, interativo e agentivo do uso da linguagem por meio dos gêneros. No final, admitimos que a tendência é de que coexistirão formas mais tradicionais de comunicação científica (com os artigos padronizados impressos ou em formato PDF) e formas inovadoras como as que são propostas pelas iniciativas aqui estudadas. Obviamente, muita coisa precisa mudar nas práticas de comunicação científica no mundo e, principalmente, na forma como os membros da comunidade científica validam e valorizam a publicação científica para que haja um novo paradigma verdadeiramente conectado às novas formas de produção e disseminação do conhecimento em um ambiente virtual, interativo, multimídia, gratuito e ilimitado, que é a web. 127 No universo editorial baseado na impressão e distribuição física dos produtos, a revisão por pares precede a publicação até mesmo como um mecanismo de controle econômico diante da escassez cada vez maior de recursos para se investir em publicações de caráter científico. No entanto, essa lógica perde bastante o sentido no ambiente virtual. Na nossa entrevista, Kathleen Fitzpatrick defende que a comunidade científica não precisa de um meio de criar uma escassez artificial de recursos, mas sim um meio de lidar com a abundância, desenvolvendo um conjunto eficaz de mecanismos de avaliação póspublicação que ajude a filtrar os inúmeros trabalhos que estão sendo publicados online, de forma a melhorar constantemente a pesquisa que está sendo feita pelo mundo afora. Embora o ponto de vista da educação não tenha sido o foco deste trabalho, vale também mencionar os estudos da pesquisadora norte-americana Elizabeth Daley (2010) sobre o letramento multimidiático. A autora afirma que, na concepção tradicional sobre o que é letramento, há um pressuposto subjacente de que a linguagem só possa se articular por meio de palavras. Contraponto essa ideia, Daley se propõe a expandir o conceito argumentando, entre outros pontos, que a linguagem multimidiática da tela permite modos de pensamentos, formas de comunicar e produzir pesquisa, além de métodos de publicação e ensino que são essencialmente diferentes daqueles relacionados ao texto escrito. A autora também relata que já existem institutos de ensino que oferecem cursos para “empoderar professores e alunos para escolherem a melhor linguagem para suas tarefas” (p. 489). Esses dados abrem caminhos para pesquisas que envolvam a relação entre multimodalidade e ensino, em especial a questão do letramento multimidiático defendido pela autora. No final deste estudo, idealizamos que, talvez num momento futuro, haja uma publicação científica online em que o processo editorial seja tão inovador quanto o que vimos acontecer no F1000Rersearch, em que o produto editorial seja publicado em plataformas tão interativas quanto no MCP e que, quando o teor do artigo assim o exigir, sejam filmados videoartigos tão eficientes quanto os do JoVE. Sabemos que esse sonho está um pouco distante de se tornar realidade, sobretudo em circunstâncias como a nossa, brasileira. Esperamos, no entanto, que tenhamos contribuído para a discussão sobre o impacto das novas tecnologias na forma como se faz comunicação científica no mundo atualmente. Também esperamos que esta pesquisa possa inspirar projetos institucionais ou talvez uma pesquisa-ação de mestrado ou doutorado que tente colocar em prática ao menos alguma das inovações propostas pelas iniciativas aqui apresentadas. Certamente será um grande desafio, mas com grandes perspectivas de sucesso. 128 REFERÊNCIAS ALPERIN, Juan Pablo; FISCHMAN, Gustavo E; WILLINSKY, John. Open access and scholarly publishing in Latin America: ten flavours and a few reflections. Liinc in Revista, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, set, 2008, p. 172-185. ASSOCIATION of American University Presses. Sustaining scholarly publishing: new business models for universities presses. Disponível em: <http://www.uvasci.org/wpcontent/uploads/2011/03/aaupbusinessmodels2011.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2013. BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 277-306. (texto original de 19521953, publicado em edição póstuma em 1979). BARRETO, Aldo de Albuquerque. Mudança estrutural no fluxo do conhecimento: a comunicação eletrônica. Ciência da Informação, v. 27, n. 2, p. 122-127, maio/ago. 1998. BAZERMAN, Charles. Gêneros textuais, tipificação e interação. 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However, the economic downturn after the bursting of the dot-com bubble in 2000 had terrible effects on the budgets of many university presses, and by the time I was done with the manuscript, in 2002, none of the presses that had earlier declared interest in publishing the book felt that they could afford to do so. University library budgets had been cut during the financial crisis, and what budget remained was overwhelmingly being diverted away from monograph purchases and toward covering the exponentially rising cost of journal subscriptions, especially in the sciences. After querying many, many more scholarly presses, I finally found one that was interested in publishing the manuscript, but after sending it to external reviewers (who gave it very positive reviews), the editor was overruled on the editorial board by the folks from the marketing department, who declared that the book “posed too much financial risk… in the current economy.” The press was concerned, in other words, that despite the book‟s quality, sales might be too low for it to recoup its costs and turn a profit. That my ability to publish this book – on which my ability to get tenure and keep my job was largely reliant – was being hindered on economic grounds was profoundly frustrating, not least because, at the same time I‟d been working on the last stages of the manuscript, I‟d started a blog. That blog cost me next to nothing to operate – just hosting costs and the investment of my own time – and yet it had garnered a readership that was far larger than any of my formal scholarly publications. Even more, it allowed me to develop a community of colleagues who were likewise blogging; we read and commented on one another‟s work, and in engaging in that way, we made all of our work better. So I started wondering: what if we were to start some kind of all-electronic scholarly “press” that could learn from academic blogging and focus on the creation of a community of scholars working with and for one another? That‟s where MediaCommons was born. MediaCommons Press followed a bit later, as a project focused specifically on publishing long-form texts for open discussion. 2) When did the initiative start and how were the early years? MediaCommons got its start in early 2005 when I was contacted by Bob Stein of the Institute for the Future of the Book. He‟d seen a blog post I‟d written about the possibilities of creating that all-electronic press and wrote to say that he was interested in having me come talk about it with the team at the Institute, which included Bob, Ben Vershbow, Jesse Wilbur, and Dan 138 Visel. We decided to bring together a group of folks working in digital media to help us think through the idea. And out of that meeting came both the rough outlines of the MediaCommons idea and my co-founder, Avi Santo. Avi and I worked with the Institute to launch the network and its first major project, In Media Res, in fall 2006. 3) Was there rejection or criticism by scientific community? Does it still exist? MediaCommons took a while to gain traction. The project was primarily aimed at scholars in media studies, who largely saw the value of working in new digital ways, so the issue wasn‟t really rejection or criticism. It was more the difficulties inherent in building a community that‟s committed to a common goal whose outcomes are unknown and whose perception within the scholarly community is uncertain. Scholars continue to place their primary emphasis on publishing in traditional ways (in books and journals) because they know that those forms of publication will count with their colleagues and their administrations when they go on the job market or come up for review. Would publishing with an experimental network like MediaCommons count in the same way? Gradually, however, we built the community we were looking for. Seven years in now, we have a dynamic editorial board leading five major projects within the network (In Media Res, The New Everyday, #alt-academy, MediaCommons Press, and the core MediaCommons site) with new projects in development. 4) In your opinion, what is the impact of New Technologies of Information and Communication in scientific communication, specially the internet? The impact of the Internet on scholarly communication has been enormous. There‟s the obvious fact that the vast majority of academic research is now distributed and consumed online, of course. But I think that the Internet is beginning to reshape the nature of that research, as well as its primary emphasis. More and more, scholars are beginning to recognize the importance of communicating the process of scholarly work, and not just the products that are its end result. They‟re also recognizing that, on some level, scholarly communication has always been about conducting a conversation with one‟s peers (if a conversation that has generally taken place at a protractedly slow pace). The Internet highlights that conversation, both by allowing individual pieces of scholarship to connect with one another, as well as by allowing readers to respond directly to them. Moreover, the Internet has the ability to broaden the audience for scholarly work quite dramatically, facilitating greater transdisciplinary communication, as well as the potential for greater connection between the academy and its surrounding publics. 5) In your opinion, what needs to change in today’s scholarly publishing culture in order to establish a new paradigm for scientific communication? The primary things that I believe need to change in order for a truly networked scholarly communication paradigm to become established are the ways that we value and evaluate research. In the print-based publishing world, peer review precedes publication in part as a gatekeeping mechanism, one that manages the scarcities of publishing‟s economics by determining whether a piece of scholarship is worthy of being published. Transferring that same mechanism to online publishing makes very little sense, not just because the Internet is not subject to those same economic scarcities, but also because so many new venues for publishing are popping up all the time, including scholars simply posting their own work 139 directly online. What we need is not a means of creating artificial scarcity, but instead a means of coping with abundance; we need to develop a robust set of post-publication evaluative mechanisms that help to filter the work being published online, bringing attention to the best research out there. In other words, instead of a means of excluding the bad, we need a means of highlighting the good. Beyond this change in the function of peer review, however, we need a corresponding change in the ways that we evaluate scholarship for hiring, tenure, and promotion. Far too much emphasis is currently placed on the imprimatur that comes from a book‟s publisher, or an article‟s journal. That work – and even more, work that‟s been published online, that often doesn‟t have a publisher per se – needs to be evaluated on its own merits, considering the responses of the community of scholars that interact with it and the impact that it has on its field and the surrounding intellectual landscape. 6) How are texts chosen before they are available to the open peer review process in MCP? Our selection criteria are primarily focused on ensuring that a project submitted for open peer review at MediaCommons Press falls within our field interests, very broadly construed, and that the authors or editors involved have a clear sense of how the project intends to benefit from the process. 7) How do you define the role played by the digital community Media Commons to the success of MCP? The existence of MediaCommons and its community was absolutely crucial to our ability to establish MediaCommons Press. MediaCommons had a kind of credibility and name recognition by the time the first MCPress projects went up, and it had a strong community of followers. As a result, when we launched those first projects, a wide range of readers were ready to come explore what we were doing, and they helped us spread the word. 8) What is your standpoint on the question of accessibility to scientific publications? MediaCommons is absolutely committed to open access, not least because of our conviction that there is a far larger audience with potential interest in the work we‟re doing than most scholars have been led to think. At a moment when federal and state support for higher education seems in threat, it‟s crucial that scholars find new ways to communicate the importance of our work to a much broader public, to engage with them in discussing the vital matters affecting our culture today. 9) How is the issue of the visibility (impact factor) of the text published in MCP? MediaCommons is interested in the impact it has on the scholarly community and the generally engaged public, to be sure, but we are utterly uninterested in “impact factor.” Impact factor purports to measure the importance of a journal in its field, which then confers great prestige on articles published in journals with high impact factors, and much lesser prestige on articles published in journals with lower impact factors. The problem is that studies have shown that there is no correlation whatsoever between the impact factor of a journal and the importance of the articles published in that journal. Recently, in fact, scientists have begun rejecting impact factor as a means of measuring the importance of publications 140 (you might see the DORA manifesto on this) in favor of a range of alternative, article-level metrics that focus on how any given piece of research has circulated within its community. MediaCommons has become very highly visible within the scholarly community over the last seven years, and we are interested in helping our authors evaluate the impact that their work is having. Moving toward this more considered sense of impact is, we believe, in everyone‟s interest. 10) How do you see the MCP’s future? That‟s a very good question! I hope that MediaCommons Press continues to publish really exciting work for open discussion and review, and that more and more authors find the idea of working on our platform energizing. But more than that, I hope that MediaCommons in general continues to innovate, developing new projects of a kind that I cannot even imagine today. If you had told me ten years ago that I was going to put my second book through an open peer review process, I‟d have been shocked. I hope that the MediaCommons of ten years from now would shock me today in the same kinds of way. 141 APÊNDICE B – Entrevista com Rebecca Lawrence (F1000Research) Forma de entrevista: Questionário escrito enviado por email em 16/09/2013. Data da resposta: 03 de dezembro de 2013 1) As a researcher, what bothered you most in traditional scientific communication that made you (or your team) to come up with the idea for the creation of F1000 Research? There were a whole host of things that triggered the concept of F1000Research: • Very significant time delays experienced by most researchers when publishing in traditional journals between when the research is ready to share with others and when the work finally gets published. • The wasted effort (often repeatedly so) of different sets of referees for each journal an article is sent following the usual repeated rejection, in reassessing the article before it is finally published. • The fact that peer review has not been doing what it needs to do: if an author tries hard enough to get published, most articles will ultimately be published in a „peer reviewed journal‟ somewhere and so it is not acting as a proper filter for bad science. • The bias that an anonymous peer review process brings – referees are by their very nature researchers working in a very similar area and the publish or perish culture brings great incentives to hold up a competitors‟ work or provide an overly negative review to try and get the competing paper rejected whilst trying to get your own work published. There is also no accountability for what referees say in this system. • The fact that we allow researchers to make claims in their results section but do not require them to provide any evidence of them in the form of raw data. • The fact that it is almost impossible to try and replicate a paper if the raw data and the detailed protocol information is not published alongside it. • The fact that negative and null results are usually very hard to publish leading to a positive publication bias in the literature. • The fact that many researchers produce all sorts of small findings but because the traditional publishing process is so time-consuming and onerous, it is not worth the effort of publishing these small findings. This means that the same work is often being repeated by different labs not realizing it has already been done, or that scientific progress is slowed due to the missing information that could have been gleaned from these small findings. 2) When did the initiative start and how were the early years? F1000Research beta-launched in July 2012 so we could test out the new publishing model and the various assumptions we had made and refine the process before we formal launched in January 2013. Our founder originally founded the first Open Access journal, BIOMED Central and we expected to have just as hard a time persuading people of this new publishing model as we did with persuading people about Open Access back in 2000. However, we were amazed at just how positive everyone has been about the model. When we invited the Advisory Panel (now 230 members) and Editorial Board (now 1100 members) right at the beginning, we had an overwhelmingly supportive response and built both Boards in a week. 3) Was there rejection or criticism by scientific community? Does it still exist? 142 The main concerns have been: • Will referees be openly critical about others‟ work? Most of those concerned about this are largely happy once they see that we have numerous highly critical referee reports on articles we have published. However, like others who have conducted open peer review before us (e.g. BMJ Open, BMC medical series journals), we have found that these reports are written in a much more constructive manner than in the traditional anonymous peer review. It also makes referees think more carefully about what they say as they have to publicly stand by it. • Will referee reports be as rigorous? We have made significant changes to the way we ask for referee reports since our launch which means that our referee reports are just as detailed and rigorous as those that journals receive that use the anonymous process. • Will we find it difficult to get referees to agree to do open refereeing when we invite them? To even our surprise, we have not found it any harder to get referees in our open postpublication peer review model compared with pre-publication and closed review. There has been a lot of discussion for a long time now about how the refereeing system needs to change, and it seems that many researchers are now very ready for just such a change and are therefore very keen to support our approach and model. It does on occasion also encourage referees to respond quickly – we have many articles that received 2 referee reports within 24 hours of publication. We do of course also have a few that have taken quite some time to get refereed (just like on any journal) but our average time from publication to 2 referee reports is 14 days. • Will authors provide their raw data for publication? We have found that in fact, the vast majority of authors have no problem supplying their supporting data for publication. Many others who initially had concerns have also been willing to supply their data once they realize that they will get priority on that data and understand the reasons why we ask for the data. 4) In your opinion, what is the impact of New Technologies of Information and Communication in scientific communication, specially the internet? The Internet obviously has had a significant impact on publishing by bringing about digital publishing and online-only journals. It has also had a big impact on forms of self-publishing such as blogs, social media, etc. However, it hasn‟t yet really transformed the publishing industry to the extent that the Internet has transformed most other sectors. I believe this transformation is starting to happen. One of the main challenges seems to be that many are still thinking in the print way of publishing and trying to work out how to change it. What I would argue is really needed is to start with a clean slate, i.e. if you were to start publishing today with the tools we have now, how would you do it? Most of the large publishers will find this difficult as they have their legacy systems and processes. However, this is what we are trying to achieve with F1000Research. One example of this is that with our articles, in reality, there is no final endpoint. This would not be possible in the print world but makes complete sense in the digital world where things can be updated in real-time. So articles can potentially receive additional referee reports at any time in the future. Authors can also update their articles as many times as they wish (for free), either as revisions (i.e. addressing comments from referees or users) or as an update to the work they presented in the initial paper (e.g. with software papers, you might want to update your paper as you make updates to the software). You can even „thread‟ papers together that cover similar themes or topics, or that are the publication of different stages of a research project from the same research group. Another example is that as a reader, you can play with the authors‟ data in real-time within the article itself – we just launched a pilot dataplotting tool to do this (see http://blog.f1000research.com/2013/11/11/data-plotting/). These 143 are just a couple of examples and there are many more things we can do to take it forward in this direction. 5) In your opinion, what needs to change in today’s scholarly publishing culture in order to establish a new paradigm for scientific communication? • We need much better credit and recognition for the time researchers spend doing invaluable tasks for scientific progression (that exclude conducting research and writing papers) such as refereeing. • We also need much better credit and agreed measures of impact for the production of data itself. This is needed to encourage a change in culture where the expectation is to share your raw data and researchers no longer feel that the data is solely theirs but rather that it belongs to the scientific community (and often to the public, for publicly funded research). It should become the norm that to not share your data is strongly discouraged and frowned upon by the scientific community. • We need to move the main measure of scientific impact away from the almost sole reliance on the Impact Factor and it‟s use as the basis of decisions on grant funding, institutional funding (e.g. REF in the UK) and career/tenure decisions away. The Impact Factor is increasingly becoming well recognized as being highly flawed but despite this, there is little real movement away from using it. • We need to move away from trying to measure impact of an article at the time of publication (PLOS One was the first journal to start this move but we need others to follow) so the focus is not on the journal the article is in, but instead on quality of the science in the actual article itself. • As part of the point above, this would then help make it much easier to provide the incentives necessary to encourage the publication of negative and null findings and small findings that are usually far too time-consuming to publish currently (and most journals won‟t take these studies; F1000Research however does encourage the publication of such studies). 6) Currently, how is the editorial flow of a paper in F1000 research? Authors submit their article and it then undergoes a pre-publication check (more detail in point 8 below). Once articles pass this check, they go into Production where the XML, HTML and PDF files are generated and as part of that, any data is hosted in an appropriate location. The authors proof the article and data, and once they are happy, the article is published with a DOI, and the data is simultaneously released with its own DOI. The process from final submission of the article to publication is on average 6 days. When the author submits their article, they also suggest referees, from our Referee Panel and/or additional referees. While the article is being checked prior to publication, the referee suggestions are also carefully checked to look for obvious conflicts of interest, co-authorships with the authors of this paper, topic suitability, seniority etc. Once the article is published, these referees are then formally invited by us to referee. Referees are asked to provide a status for the article („Approved‟, „Approved with Reservations‟ or „Not Approved‟) as well as a referee report and are asked to focus purely on the scientific merit of the article and not on potential interest or impact. Once the article receives 2/3 referee reports, we encourage the authors to revise their manuscript. Any new versions then go through the same process as above, and referees (especially those whose comments have been addressed by the new version) are asked to confirm if they are happy that their concerns have been adequately addressed in the new version and can provide a new referee report and status for the new version of the article. 144 All article versions are individually citable. Once an article passes peer review (i.e. receives two „Approved‟ statuses or one „Approved‟ status plus two „Approved with Reservations‟ statuses, it is indexed in PubMed and other major indexers (our articles will become visible there very shortly). Registered users (i.e. scientists who provide their full name and affiliation) can also comment on the article but they do not affect whether an article becomes indexed. More information is available at http://f1000research.com/about. 7) How is the usual practice for authorship and credits? Authors decide on authorship order and who is/are the corresponding author(s) themselves, as with other journals. We also require a section on Author Contribution where they have to state clearly which authors contributed what input to the manuscript and from this information, we do check that individuals that are listed as authors have done enough towards the manuscript to meet the ICMJE guidelines for authorship. We equally check whether individuals that are listed in the acknowledgements section should actually be credited with authorship based on the information they provide. We also require any medical writers used to write papers on behalf of the authors to be fully disclosed. 8) How is the “quick internal check for obvious inappropriateness” mentioned on the website? We check for a whole range of things, the main ones being: • Is the work described in the paper „science‟? • Does the topic of the paper fit into our scope of life sciences? • Is the article readable and is the English of good quality? • Has any part of the article been plagiarised? • Does the article and the research conducted to produce it meet standard ethical requirements? (we include a lot of details of this in our author guidelines) • Do we have the raw data for publication? • Is there adequate protocol information included in the article to enable someone else to attempt to replicate the data? 9) How is the issue of the visibility? Is it possible to know the articles’ impact factor? Those articles that pass peer review will be indexed by major bibliographic databases such as PubMed Central, PubMed, Scopus and others (they will become visible on there in the next few days). We are also indexed by Google Scholar. Like all new journals though, we cannot obtain an impact factor until we have been publishing for 3 years as it is a calculation of 2 years‟ worth of citations on your first years‟ worth of papers so we will have to wait for that. 10) How is your perspective on the issue of accessibility, especially before the Open Access Initiative? Accessibility of research to a large proportion of the research community, as well as to the broader public, was very limited before the advent of Open Access. Our founder, Vitek Tracz (see this interview with him in a recent issue of Science magazine: http://www.sciencemag.org/content/342/6154/66.full) founded the first Open Access journal, BIOMED Central. Since then, and after a very long process, Open Access is finally become 145 very well accepted and most publishers now have some form of Open Access program, although these are still quite limited in places. There is a still a lot of work to do to increase awareness of Open Access within the researcher community, especially on the more medical/clinical side, and also in chemistry, where awareness is low and is also often incorrectly associated with poor quality papers despite the many studies that have proved that this is not the case. The increasing support for Open Access by major governments around the world, especially in the western world, is though helping to really move this forward and ensure that discussions about open access are now happening in all corners of science. 146 APÊNDICE C – Entrevista com Moshe Pritsker (JoVE) Forma de entrevista: Questionário escrito enviado por email em 27 de agosto de 2013 Data da resposta: 06 de setembro de 2013 1) As a researcher, what bothered you most in traditional scientific communication that made you (or your team) to come up with the idea for the creation of JoVE? First time, I came with the idea of a video-publication for biological research in the middle of my Ph.D. studies at Princeton. As any other experimental biologist, I was suffering from the low reproducibility of experiments described in the scientific literature. This phenomenon is due to many reasons including poor descriptions of complex experimental procedures by authors, wrong interpretations of technical details by readers, variations in terminology, lack of standardization, and other factors. To deal with this problem, scientists often look for colleagues who are experienced with particular experimental approaches and can show them how to do the experiment. However, often such help is not available, and the scientists find themselves in the never ending process of reinventing the wheel, when they spend years of their life trying to repeat experiments previously done and published by others. On the personal level, this is very frustrating. On the global level, this is a systemic “black hole” that consumes more than 50% of time and money that are given to biological and biomedical research (to remind, only the NIH year budget is $29 billion dollars). As a possible solution, I began to think about a large online repository of videos on experimental procedures. Video can mimic the traditional “show me” process adopted in the biological labs, and therefore would increase reproducibility, efficiency and standardization in biological sciences. I also realized that this repository should be developed as a science journal because it would give an incentive to academic scientists to publish there. This is how the JoVE was born. 2) When did the initiative start and how were the early years? Very early, after filming my own experiment, I realized that it would be very difficult for scientists to make high-quality videos on their own experiments. An average experiment requires 3-4 hours of filming and extensive editing. Scientists typically do not have professional cameras and editing software, and, more importantly, do not have time to learn the necessary skills for good quality filming and editing. Therefore, to enable production of video-protocols at research labs, we have established a distributed network of professional film-makers, which covers about 15 countries in the world where we film experiments in university labs, including US, UK, Canada, Germany, Sweden, Israel, Australia and others. 3) Was there rejection or criticism by scientific community? Does it still exist? The JoVE idea received a very good reception from academic scientists and students, with respect to the usage of the video publication. A typical reaction was “Wow! Why nobody thought about this idea before? It would be really helpful to watch experiments”. We continue to receive numerous requests for our content from scientists and students every day. 147 It was more difficult to convince scientists to publish in JoVE. Scientists are used to rank their publications by the “prestige” of the journal. In biological sciences, it takes decades to accumulate a prestige comparable to the most prestigious journals such as Nature, Science and Cell. In addition, the video production part of the publication process is not familiar to scientists and a lot of effort is made by us to explain this. We work hard to increase the awareness about JoVE and increase its reputation among potential authors. JoVE becomes more known each year. At this time, we publish 60 video articles per month. 4) In your opinion, what is the impact of New Technologies of Information and Communication in scientific communication, specially the internet? So far, the impact of new technologies on scientific communication was significant, but limited. Specifically, transferring the text of science articles online enabled more efficient consumption of the information through better searching, browsing and cataloging. At the same time, the new Internet technologies have not changed the principal structure of the science publication. It remains as it was for the last 400 years: long convoluted descriptions full of technical jargons barely understandable by experts in specific fields. The slow change in scientific publishing is incomparable with the fast developments of the last 50 years in science itself. One big consequence of this is the low reproducibility of published science experiments due to the insufficient level of knowledge transfer provided by the traditional text-only format. Recent studies show that more than 70% of published studies are not reproducible. JoVE is trying to solve this problem using the new video-based approach to scientific publishing. Summary: http://blog.jove.com/2012/05/03/studies-show-only-10-of-published-science-articles-arereproducible-what-is-happening http://blog.jove.com/2012/05/15/1343 5) In your opinion, what needs to change in today’s scholarly publishing culture in order to establish a new paradigm for scientific communication? We need changes that will make the scientific article more a productivity tool than just an article. Then the article will become a new tool that will help scientists to increase the productivity of their work, pace the scientific discovery and development of new medical therapies. JoVE is one example of the change in this direction. 6) Currently, how is the editorial flow of a paper in JoVE? A typical flow is: Authors submits a text article The text article undergoes a review by JoVE editors and independent academic peer review The article is converted to filming script by JoVE staff A JoVE videographer at a specific location (e.g. Boston, London or Berlin) comes to the laboratory to film the experiment demonstrated by the authors Video undergoes editing by JoVE staff Video and text are published as one article 148 7) How is the usual practice for authorship and credits? Submitting authors decide on the authorship, as in other scientific journals. 8) How does peer review happen? Similar to other journals: the manuscript is sent to 2-3 anonymous academics, experts in the article field, who provide their opions. 9) How is the issue of accessibility, especially before the Open Access Initiative? Do you have any concern about this matter? JoVE uses the subscription business model. The Open Access business model would not work for JoVE because our expenses for video article are much higher than for regular text articles. This is because video production (filming and editing) is expensive since we have to pay to our staff and contractors who do the video work. Typical fees charged by Open Access journals are in the range $1,000 - $3,000 per article. Our expenses per article are much higher than this, so we have to use the subscription model. Subscription is the main business model for JoVE. Publication fees are sponsored for a very small percentage of articles to help to cover the costs of the video production. We had it for long time. 10) How is the issue of the visibility (impact factor)? Visibility and impact factors are different things. JoVE is known to millions of scientists and students. More than 3,000,000 people visited our website in 2012. We receive a lot of requests for access to JoVE video articles, so it is visible. The impact factor, first of all, requires inclusion in the Web of Science database, owned by the company Thomson Reuters. We submitted our application for the inclusion of JoVE and now are waiting for their decision.