A Multifuncionalidade da Agroecologia: Estudo de caso no Assentamento Americana em
Grão Mogol/MG*
Silva, Lilian Damares de Almeida1
[email protected]
Leonardo Ferreira Gomes2
[email protected]
Érico Fabiano Rocha Reis3
[email protected]
Ferreira, Maykon Fredson Freitas4
[email protected]
Fonseca, Ana Ivânia Alves5
[email protected]
Resumo
Dentre as diversas formas de (re) produção da Agricultura familiar no espaço rural, a Agroecologia
desponta como uma ciência que propõe a implantação e o desenvolvimento de uma forma sustentável de
produzir. A agroecologia vai além da questão econômica visando a inclusão social e a utilização dos
recursos naturais de maneira coordenada com menor agressão ao meio ambiente. Nesse sentido, a
agroecologia proporciona a multifuncionalidade da agricultura familiar. Neste trabalho buscamos mostrar
a relação entre agroecologia e multifuncionalidade no Assentamento Americana, município de Grão
Mogol – MG a partir dos Sistemas Agroflorestais, os SAF’s. Para tanto foi feita uma revisão de literatura
sobre a temática abordada, pesquisa exploratória de campo e entrevistas semi-estruturadas para coleta de
dados.
Palavras-chave: Agroecologia, Multifuncionalidade, Agricultura Familiar
*Trabalho de Pesquisa, encontra-se em andamento.
1
Pós-Graduanda em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional. Graduada em Geografia da Universidade
Estadual de Montes Claros – Unimontes. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Geografia Rural – NEPGeR.
Bolsista CNPq.
2
Pós-Graduanda em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional. Graduado em Geografia da Universidade
Estadual de Montes Claros – Unimontes. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Geografia Rural – NEPGeR.
Bolsista CNPq.
3
Pós-Graduanda em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional. Graduado em Geografia da Universidade
Estadual de Montes Claros – Unimontes. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Geografia Rural – NEPGeR.
Bolsista CNPq.
4
Pós-Graduanda em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional. Graduado em Geografia pela Universidade
Estadual de Montes Claros – Unimontes. Membro do Laboratório de Geoprocessamento Prof. Antônio Jorge.
5
Professora Mestre do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes.
Doutoranda pela Universidade Estadual Paulista – UNESP. Bolsista da Fapemig. Coordenadora do Núcleo de
Estudos e Pesquisa em Geografia Rural – NEPGeR. Membro do Núcleo de Pesquisa Agrária – NEA/Unesp Rio
Claro.
Introdução
Novas formas de reprodução da agricultura familiar na atualidade têm projetado diversas
transformações que podem ser percebidas na paisagem rural, no território e na dinâmica social.
Assim, a agroecologia propõe práticas agrícolas com o propósito de permitir a implantação e o
desenvolvimento de uma forma sustentável de produzir. Conforme Altieri (2002) “a agroecologia
proporciona então as bases científicas para apoiar o processo de transição para uma agricultura
“sustentável” nas suas diversas manifestações e/ou denominações”. A agricultura familiar ao
lançar mão dos princípios agroecológicos caminha para o desenvolvimento rural sustentável, que
segundo Assis (2006, p.02)
tem como eixo central a melhoria da qualidade de vida humana dentro dos limites da
capacidade de suporte dos ecossistemas e, na sua consecução, as pessoas, ao mesmo
tempo que são beneficiários, são instrumentos do processo, sendo seu envolvimento
fundamental para o alcance do sucesso desejado. Isto se verifica especialmente no que se
refere à questão ambiental, na medida em que as populações mais pobres, ao mesmo
tempo que são as mais atingidas pela degradação ambiental, em razão do desprovimento
de recursos e da falta de informação, são também agentes da degradação.
Assim também a agroecologia vai além da questão econômica visando a inclusão social e a
utilização dos recursos naturais de maneira coordenada com menor agressão ao meio ambiente. O
termo agroecologia começa a ser mais explorado a partir de 1970, mas sua prática é antiga e
significa cuidar do ambiente e das pessoas que se ocupam da agricultura. A agroecologia também
agrega conhecimentos e saberes populares e tradicionais provenientes das experiências de
agricultores familiares de comunidades indígenas e camponesas.
Assim como a agroecologia, os princípios da multifuncionalidade vão de encontro ao conceito de
desenvolvimento rural sustentável, visto que a multifuncionalidade possui quatro funções chave
que são: a função econômica, função social, função ambiental e a contribuição à segurança
alimentar. Todas estas funções estão relacionadas à sustentabilidade no meio rural, que visa a
produção agrícola de forma que atenda as necessidades humanas e comprometa o mínimo
possível os recursos naturais disponíveis. Assim, este trabalho procura entender a relação entre
multifuncionalidade e agroecologia dentro do Assentamento Americana no município de Grão
Mogol/MG a partir do modelo dos SAF´s.
Assim, para execução deste trabalho foi feita uma revisão de literatura sobre a agroecologia e a
multifuncionalidade, pesquisa exploratória de campo para conhecer a realidade pesquisada, coleta
de dados através de entrevistas não estruturadas, levantamento fotográfico,
Agricultura Familiar e Agroecologia
Os múltiplos olhares sobre o meio rural tem gerado um intenso campo de reflexão sobre conceito
de agricultura familiar, dessa forma diversas interpretações a esse respeito permeiam a discussão
teórica dessa temática (WANDERLEY, 2004). Pelo caráter familiar da mão de obra empregada,
esta atividade foi contemplada por algumas políticas públicas implantadas por órgãos
governamentais a fim de fomentar a agricultura familiar e viabilizar a permanência da população
rural no campo.
Uma das dificuldades em relação à definição conceitual da agricultura familiar pode ser
observada na forma como foi colocada no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar – Pronaf. O Pronaf é um programa de crédito rural criado em 1995 para financiar
projetos que gerem renda para os agricultores familiares e assentados da Reforma Agrária. O
programa oferece várias linhas de crédito para serem aplicadas em custeio da safra ou atividade
semelhante e investimento em equipamentos, máquinas ou infraestrutura de produção e serviços
agropecuários ou não agropecuários na propriedade familiar.
A primeira grande discussão sobre a regulamentação e pretensão social do uso da terra no Brasil,
foi o Estatuto da Terra, Lei 4.504/64, esta lei foi criada para regulamentar a distribuição fundiária
no Brasil e racionalizar o uso da terra para que se desse de forma a conservar os recursos naturais,
promover o bem-estar social e econômico da população do campo e da sociedade em geral. O
Estatuto funciona como uma base para o enquadramento das categorias agrícolas no Brasil.
Assim, conforme a Lei 4.504/64, no Art. 4 inciso II, a propriedade familiar é definida pelo
[...] imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes
absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e
econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e
eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros.
Para Lamarche (1993), os agricultores familiares são portadores de uma tradição fundamentada
na família como um elemento central, nas formas de produção e também no seu modo de vida, no
entanto, devem adequar-se às condições modernas de produzir uma vez que, todos de alguma
forma, estão inseridos no mercado moderno e são influenciados por ele.
A categoria “agricultor familiar” atualmente é amparada no país por um marco legal próprio, a
Lei 11.326 de julho de 2006, que estabelece os parâmetros da Política Nacional da Agricultura
Familiar. A cada dois anos são implementados Planos Safra6 específicos, que disponibilizam
recursos e outras medidas para o plantio daquele período. Além disso, foram sendo criadas, desde
o âmbito municipal até a esfera federal, instâncias de participação social e de decisão
(conferências e conselhos de desenvolvimento rural) bem como procedimentos técnicos e
administrativos que ampliaram a gestão social das políticas públicas para além das fronteiras da
ação dos órgãos governamentais. Assim, abriram-se espaços para que os agricultores e suas
representações passassem a ter vez e voz na formulação, implementação e avaliação das políticas
destinadas a promover o fortalecimento da agricultura familiar. Nesse sentido, Wanderley (2004,
p. 43,44) afirma que
para uns, o conceito de agricultura familiar se confunde com a definição operacional
adotada pelo Pronaf que propõe uma tipologia de beneficiários em função de sua
capacidade de atendimento. Para outros, agricultura familiar corresponde a uma certa
camada de agricultores, capazes de se adaptar às modernas exigências do mercado em
oposição aos demais “pequenos produtores” incapazes de assimilar tais modificações.
São os chamados agricultores “consolidados” ou os que têm condições, em curto prazo,
de se consolidar.
Percebe-se assim que não há um consenso a respeito do conceito de agricultura familiar, os
pesquisadores dessa temática têm posições variadas a esse respeito, até mesmo pelas dimensões
da propriedade, o tipo de trabalho desenvolvido, o enquadramento do agricultor ou não no
Pronaf, entre outras questões que permeiam esta discussão. Entretanto, todos os autores, assim
como a legislação vigente concordam que a base desta atividade é o trabalho familiar.
6
O Plano Safra foi implantado em 2002, é um programa planejado para agricultura familiar para cada dois anos e
libera recursos financeiros através do Pronaf para custeio e investimento nas propriedades rurais, este plano oferece
uma taxa de juros reduzida para possibilitar o acesso de um número maior de agricultores.
No que tange à agroecologia, esta pode ser vista como uma abordagem da agricultura familiar,
como afirma Altieri (2002, p.23)
A agroecologia fornece uma estrutura metodológica de trabalho para a compreensão
mais profunda tanto da natureza dos agroecossistemas como dos princípios segundo os
quais eles funcionam. Trata-se de uma nova abordagem que integra os princípios
agronômicos, ecológicos e socioeconômicos à compreensão e avaliação do efeito das
tecnologias sobre os sistemas agrícolas e a sociedade como um todo.
Dessa forma as práticas agroecológicas se baseiam nas dinâmicas da natureza, nas quais aconteça
uma sucessão natural, permitindo assim, que seja mantida a fertilidade do solo sem o uso de
fertilizantes químicos e que se cultive os produtos sem o uso de agrotóxicos. Na atualidade, tem
crescido a procura por alimentos saudáveis, nesse sentido, a agroecologia se insere no mercado
moderno ao oferecer produtos de alta qualidade e livre de agrotóxicos, o que agrega valor a
produção e possibilita um retorno financeiro satisfatório aos agricultores. Após a Revolução
Verde na década de 1960, o debate agroecológico ganhou visibilidade tanto no meio acadêmico
quanto nos órgãos governamentais, conforme Alves (2010, p. 249):
Foram incluídas novas alternativas para o desenvolvimento agrário, opondo-se ao
sistema moderno implantado na década de 1960 para o crescimento agrícola,
denominado Revolução Verde. Para muitos geógrafos, este modo de produção está
ultrapassado, no que diz respeito a preservação do meio ambiente, sendo urgente a
aplicação de medidas inovadoras e sustentáveis para o espaço agrário, neste caso a
agroecologia é um modelo ideal para o pretenso desenvolvimento rural sustentável.
Dessa forma, atualmente percebe-se a preocupação em difundir os conhecimentos e práticas da
agroecologia no meio rural brasileiro e buscar políticas públicas que possam dar suporte aos
agricultores que utilizam este modo de produção. Nesse sentido, a agroecologia proporciona a
multifuncionalidade da agricultura familiar.
Práticas agroecológicas no Assentamento Americana
O Assentamento Americana está localizado no município de Grão Mogol/MG e surgiu da luta
pela terra em 1997, quando a empresa Florestas Rio Doce, subsidiária da Companhia Vale do Rio
Doce começa a se desfazer de suas terras na região. Assim, depois de vários conflitos, com a
ajuda do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Grão Mogol - STR, e outras entidades como
ONG’s e universidades, um grupo de trabalhadores rurais ocupou e conseguiu a expropriação das
terras e a implantação do Assentamento Americana. O assentamento é constituído por uma área
de 18.802.72 hectares organizados em lotes familiares, áreas de Reserva Legal, áreas
Comunitárias, áreas de Manejo Extrativista e Área de Preservação Permanente. Existem 76 lotes
e 56 famílias assentadas, estas famílias estão organizadas em associação de moradores e também
são filiados ao STR de Grão Mogol.
Figura IV: Mapa de localização do Assentamento Americana
Org: FERREIRA, M. F. F. 2012
A agroecologia é praticada em 12 unidades familiares, essas famílias que optaram pela produção
agroecológica formaram uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP com
o intuito de organizar suas práticas e receber assistência técnica voltada para agroecologia, assim,
a partir do ano de 2012 o apoio técnico para estas famílias tem sido feito pelo Centro de
Agricultura Alternativa do Norte de Minas – CAA/NM.
O sistema de cultivo agrícola nas unidades familiares é no modelo de Sistemas Agroflorestais. Os
Sistemas Agroflorestais – SAF’s são sistemas de cultivo agrícolas integrados a vegetação natural,
estes sistemas tem em vista a produção consorciada às árvores, como define Dubois (1996) os
SAF’s “são formas de uso e manejo da terra, nas quais árvores ou arbusto são utilizados em
associação com cultivos agrícolas e/ou com animais, numa mesma área, de maneira simultânea
ou numa mesma sequência temporal”. Nesse sentido, a produção em doze dos cinquenta e seis
lotes no Assentamento Americana, se faz no modelo de sistemas agroflorestais como ilustra a
figura I. O conhecimento desta forma de cultivo agroecológica chegou aos agricultores através do
CAA/NM, e é praticada dentro dos estabelecimentos, por assegurar a segurança alimentar e
nutricional tanto dos agricultores quanto dos consumidores, e proporcionar uma produção de
alimentos diversificada e sem aditivos químicos. Outro fator é a geração de renda através da
produção agrícola e do extrativismo, utilizando os frutos do Cerrado para obter uma produção
sustentável e economicamente viável, o que caracteriza a função econômica dentro da
multifuncionalidade, além da preservação ambiental, outra função que destacamos na
multifuncionalidade e que é também uma proposta da agroecologia. A grande preocupação dentro
assentamento é manter o cerrado preservado, pois a preservação do bioma garante a qualidade de
vida dos agricultores e comprova que é possível obter a produção agrícola sem agredir o meio
ambiente.
Figura I: Sistema Agroflorestal no Assentamento Americana
Fonte: Silva, L.D.A. 2011
A produção é destinada para os mercados e feiras da região, e alguns produtos advindos do
extrativismo são direcionados para a Cooperativa Rede Cerrado que beneficia e comercializa os
frutos do cerrado. Nesse sentido, percebe-se a eficácia da difusão dos conhecimentos
agroecológicos no assentamento, visto que, todas as atividades desenvolvidas nas propriedades,
desde a agroecologia até o extrativismo tem possibilitado a multifuncionalidade. Isso pode ser
comprovado através do retorno financeiro através da comercialização dos produtos, da segurança
alimentar promovida pelos consumo de alimentos livres de agrotóxicos e as práticas que
garantem a preservação do meio ambiente, cumprindo assim sua função ambiental.
Considerações Finais
O Norte de Minas é uma região de uma singularidade e riqueza cultural inquestionáveis. Assim,
as práticas agroecológicas contribuem para a manutenção dos saberes construídos e preservados
pela população rural e o conhecimento agregado por outras instituições. Dessa forma, a partir dos
estudos feitos, inicialmente, foi possível concluir que as formas de cultivo e manejo
agroecológicos praticados pelos agricultores do Assentamento Americana tem garantido a sua
permanência no meio rural e a manutenção das práticas agroecológicas. Constatamos também
que os conceitos levados pela academia, as ONG’s e os órgãos governamentais chegam para
incentivar e capacitar os agricultores a respeito da importância dessas práticas difundindo o
conhecimento produzido nestes setores e associando-o aos saberes dos agricultores. Outro ponto
percebido foi a inclusão social que a expansão deste modo sustentável de produzir é capaz de
proporcionar e, assim, a multifuncionalidade se faz presente nas unidades familiares que praticam
a agroecologia em todas as suas esferas desde as funções social e econômica através da inclusão
social e o retorno financeiro propiciado pelo trabalho com a terra, até a função ambiental pela
preservação e convivência com o cerrado, utilizando os frutos do cerrado para diversos fins como
alimento, remédios, e também como cobertura orgânica para o solo, entre outros.
Nota de Agradecimento
Agradecimento a Fapemig, a Unimontes e ao CNPq/MDA. Agradecimento ao Assentamento
Americana.
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preparado para a Aula Inaugural do primeiro semestre de 2004 a ser ministrada no
CPDA/UFRRJ. Disponível em: http://r1.ufrrj.br/esa/art/200310-042-061.pdf. Acesso em 23 de
fevereiro de 2012.
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