Vol. 40, n.º 5 Setembro / Outubro 2009 EDITORIAL João Manuel Videira Amaral LXXVII OPINIÃO PEDIATRÓIA Henrique Carmona da Mota LXXIX INFECÇÃO URINÁRIA NA CRIANÇA OU SOBRE O CONHECIMENTO TÁCITO E A MEDICINA BASEADA NA EVIDÊNCIA Ana Teixeira, Helena Jardim ARTIGO DE INFORMAÇÃO RELATÓRIO DE ACTIVIDADES DA COMISSÃO NACIONAL DE SAÚDE DA CRIANÇA E ADOLESCENTE 2004-2008 Maria do Céu Machado LXXXI LXXXV ARTIGO ORIGINAL ABORDAGEM DO TRAUMATISMO CRANIANO LIGEIRO NA IDADE PEDIÁTRICA: NEURO IMAGEM OU ATITUDE CONSERVADORA? Isabel Esteves, João Crispim, João Farela Neves, Florbela Cunha 197 CASUÍSTICA CASUÍSTICA DA UNIDADE DE PEDIATRIA DO HOSPITAL CUF-DESCOBERTAS Sílvia Pereira, César Alagoa, Ana Boto, Ana Serrão Neto 203 CASOS CLÍNICOS PÚRPURA FULMINANTE PÓS VARICELA Ana Teixeira, Carla Costa, Rute Sampaio, A. Bessa Monteiro, Manuela Fraga, Susana Pissara 208 SÍNDROME DE MEGABEXIGA MICROCÓLON E HIPOPERISTALTISMO INTESTINAL Maria João Borges, Filipa Freitas, Carmo Camacho, Carla Pilar, Fátima Alves, Amélia Cavaco 211 DOENÇA DE LYME Ana Mariano, Márcio de Moura, Mª Filipe Barros, Mª João Virtuoso, Sandra Caetano 214 MIASTENIA GRAVIS NA ADOLESCÊNCIA Susana Soares, Maria do Céu Espinheira, Micaela Guardiano, Ana Maria Maia, Maria Manuel Campos, Mª Júlia Eça-Guimarães 217 PIODERMA GANGRENOSUM IDIOPÁTICO NUM ADOLESCENTE Paula Nunes, Marta Contreiras, Conceição Santos, Arlindo Aidos, Margarida Rafael, José Guimarães 220 ARTIGOS DE ACTUALIZAÇÃO MECANISMOS PREVENTIVOS DO FLÚOR E CÁRIE DENTÁRIA Paulo Rompante CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE (CIF): CONCEITOS, PRECONCEITOS E PARADIGMAS Maria do Carmo Vale EDUCAÇÃO MÉDICA A RELAÇÃO MÉDICO PACIENTE ENQUANTO FENÓMENO DE COMUNICAÇÃO Fernando Barone CARTA AO DIRECTOR A INVESTIGAÇÃO EM PEDIATRIA: A PERSPECTIVA DO INTERNO David Lito NOTÍCIAS NORMAS DE PUBLICAÇÃO 223 229 237 242 LXXXVII XC ISSN 0873-9781 ACTA PEDIÁTRICA PORTUGUESA Vol 40 Nº 5 Setembro – Outubro 2009 (Orgão Oficial da Sociedade Portuguesa de Pediatria) www.spp.pt [email protected] Fundador Carlos Salazar de Sousa CONSELHO EDITORIAL Director João M. Videira Amaral - Lisboa Editores Associados Daniel Virella - Lisboa Luís Pereira-da-Silva - Lisboa Jorge Amil Dias - Porto Guiomar Oliveira - Coimbra Coordenadores de Edição António Gomes - Almada Secretariado Maria Júlia Brito - SPP Conselho Científico Aguinaldo Cabral Alexandra Seabra Diniz Ana Cadete Ana Medeira Ana Xavier Caldas Afonso Carlos Figueiredo Guiomar Oliveira José A. Oliveira Santos José Cabral José Luís Fonseca João Gomes-Pedro José Frias Bulhosa Laura Marques Libério Ribeiro Lucília Norton Manuel Fontoura Maria José Vieira Miguel Coutinho Olavo Gonçalves Óscar Tellechea Paolo Casella Rui Anjos Teresa Tomé (Sociedade Portuguesa de D. Metabólicas) (Secção de Cuidados Intensivos) (Secção de Reabilitação Pediátrica da SPMFR) (Sociedade Portuguesa de Genética Humana) (Grupo Port. de Oftalmologia Ped. e Estrabismo) (Secção de Nefrologia) (Secção de Medicina do Adolescente) (Secção de Pediatria do Desenvolvimento) (Secção de Pneumologia) (Secção de Gastrenterologia e Nutrição) (Secção de Pediatria Ambulatória) (Secção de Educação Médica) (Ordem dos Médicos Dentistas) (Secção de Infecciologia) (Secção de Imuno-Alergologia) (Secção de Hematologia e Oncologia) (Secção de Endocrinologia) (Secção de Reumatologia) (Subcomissão de ORL Pediátrica da SPORL) (Sociedade Portuguesa de Neuropediatria) (Sociedade Port. de Dermatologia e Venereologia) (Sociedade Portuguesa de Cirurgia Pediátrica) (Secção de Cardiologia Pediátrica) (Secção de Neonatologia) Editores Correspondentes (Países de Língua Oficial Portuguesa) Luís Bernardino - Angola Paula Vaz - Moçambique Renato Procianoy - Brasil Directores ex-officio (Revista Portuguesa de Pediatria e Puericultura, Revista Portuguesa de Pediatria e Acta Pediátrica Portuguesa) Carlos Salazar de Sousa Jaime Salazar de Sousa Mário Cordeiro António Marques Valido Maria de Lourdes Levy João Gomes-Pedro Presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria Luís Januário Missão da APP: A APP, sucessora da Revista Portuguesa de Pediatria, é uma revista científica funcionando na modalidade de revisão prévia dos textos submetidos ao corpo editorial por colegas peritos em anonimato mútuo (peer review). É dirigida essencialmente a pediatras (vertentes médico-cirúrgica) e a médicos em formação pós-graduada para obtenção das respectivas especialidades no pressuposto de que os conteúdos interessam a outros médicos e profissionais interessados na saúde da criança e adolescente inseridos no respectivo meio familiar e social. A APP pretende abarcar um vasto leque de questões sobre investigação, educação médica, pediatria social, prática clínica, temas controversos, debate de opiniões, normas de actuação, actualização de temas, etc. São adoptadas diversas modalidades de divulgação: editoriais, espaços de discussão, artigos originais, artigos sobre avanços em pediatria, resumos de estudos divulgados em eventos científicos, notícias sobre eventos científicos e organismos estatais e não estatais devotados à criança e adolescente. A revista científica Acta Pediátrica Portuguesa (APP) (ISSN 0873-9781) é propriedade da Sociedade Portuguesa de Pediatria, com responsabilidade administrativa da respectiva Direcção. A publicação é bimestral com todos os direitos reservados. A coordenação dos conteúdos científicos é da responsabilidade do corpo editorial da APP (Director e Director Adjunto, Editores Associados, Coordenador de Edição e Conselho Editorial). A responsabilidade dos textos científicos publicados pertence aos respectivos autores, não reflectindo necessariamente a política da SPP. 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LXXVII OPINIÃO Pediatróia Henrique Carmona da Mota . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Infecção urinária na criança ou sobre o conhecimento tácito e a medicina baseada na evidência Ana Teixeira, Helena Jardim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . LXXIX LXXXI ARTIGO DE INFORMAÇÃO Relatório de Actividades da Comissão Nacional de Saúde da Criança e Adolescente 2004-2008 Maria do Céu Machado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . LXXXV ARTIGO ORIGINAL Abordagem do traumatismo craniano ligeiro na idade pediátrica: neuro imagem ou atitude conservadora? Isabel Esteves, João Crispim, João Farela Neves, Florbela Cunha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197 CASUÍSTICA Casuística da Unidade de Pediatria do Hospital Cuf-Descobertas Sílvia Pereira, César Alagoa, Ana Boto, Ana Serrão Neto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203 CASOS CLÍNICOS Púrpura fulminante pós varicela Ana Teixeira, Carla Costa, Rute Sampaio, A. Bessa Monteiro, Manuela Fraga, Susana Pissara . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Síndrome de megabexiga microcólon e hipoperistaltismo intestinal Maria João Borges, Filipa Freitas, Carmo Camacho, Carla Pilar, Fátima Alves, Amélia Cavaco. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Doença de Lyme Ana Mariano, Márcio de Moura, Mª Filipe Barros, Mª João Virtuoso, Sandra Caetano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Miastenia gravis na adolescência Susana Soares, Maria do Céu Espinheira, Micaela Guardiano, Ana Maria Maia, Maria Manuel Campos, Mª Júlia Eça-Guimarães . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Pioderma gangrenosum idiopático num adolescente Paula Nunes, Marta Contreiras, Conceição Santos, Arlindo Aidos, Margarida Rafael, José Guimarães. . . . . . . . . . . . . . . . . . ARTIGOS DE ACTUALIZAÇÃO Mecanismos preventivos do flúor e cárie dentária Paulo Rompante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF): conceitos, preconceitos e paradigmas Maria do Carmo Vale. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 208 211 214 217 220 223 229 EDUCAÇÃO MÉDICA A relação médico paciente enquanto fenómeno de comunicação Fernando Barone . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 237 CARTA AO DIRECTOR A investigação em Pediatria: a perspectiva do interno David Lito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 242 NOTÍCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . LXXXVII NORMAS DE PUBLICAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XC LXXV CONTENTS ACTA PEDIÁTRICA PORTUGUESA EDITORIAL João Manuel Videira Amaral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . LXXVII OPINION Pediatróia Henrique Carmona da Mota . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Childhood urinary tract infection or on tacit knowledge and evidence based medicine Ana Teixeira, Helena Jardim . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . LXXIX LXXXI INFORMATION ARTICLE Comissão Nacional de Saúde da Criança e Adolescente 2004-2008 Activities Report Maria do Céu Machado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . LXXXV ORIGINAL ARTICLE Management of minor head trauma in childhood: brain imaging or conservative follow-up? Isabel Esteves, João Crispim, João Farela Neves, Florbela Cunha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197 CASE SERIES The Paediatric Department of the Hospital Cuf-Descobertas casuistic report Sílvia Pereira, César Alagoa, Ana Boto, Ana Serrão Neto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203 CASES REPORTS Postvaricella purpura fulminans Ana Teixeira, Carla Costa, Rute Sampaio, A. Bessa Monteiro, Manuela Fraga, Susana Pissara . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Megacystic-microcolon-intestinal-hypoperistalsis syndrome Maria João Borges, Filipa Freitas, Carmo Camacho, Carla Pilar, Fátima Alves, Amélia Cavaco. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Lyme disease Ana Mariano, Márcio de Moura, Mª Filipe Barros, Mª João Virtuoso, Sandra Caetano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Myastenia gravis in adolescence Susana Soares, Maria do Céu Espinheira, Micaela Guardiano, Ana Maria Maia, Maria Manuel Campos, Mª Júlia Eça-Guimarães . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Idiopathic pyoderma gangrenosum in an adolescent Paula Nunes, Marta Contreiras, Conceição Santos, Arlindo Aidos, Margarida Rafael, José Guimarães. . . . . . . . . . . . . . . . . . REVIEW ARTICLES Fluoride preventive mechanisms and dental caries Paulo Rompante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . International Classification of Functioning (ICF): Concepts, prejudices and paradigms Maria do Carmo Vale. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 208 211 214 217 220 223 229 MEDICAL EDUCATION Doctor-patient relationship as a phenomenon of communication Fernando Barone . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 237 LETTER TO THE DIRECTOR Research in Pediatrics: the perspective of a resident David Lito. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 242 NEWS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . LXXXVII GUIDELINES FOR THE AUTHORS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . LXXVI XC 0873-9781/09/40-5/LXXVII Acta Pediátrica Portuguesa Sociedade Portuguesa de Pediatria Numa primeira leitura rápida do nº 5 de 2009 da Acta Pediátrica Portuguesa (APP), três artigos me chamaram desde logo a atenção: um, Pediatróia, pelo título sugestivo; outro, preenchendo uma rubrica que tem tido escassa colaboração - Educação Médica; e um terceiro, proveniente duma instituição hospitalar não estatal, o que não tem sido habitual. Inicio a leitura mais aprofundada da revista com o interessante escrito de H. Carmona da Mota (HCM) em estilo metafórico cujo título é um neologismo da sua lavra (Pediatróia) alusivo ao desenrolar do último Congresso Nacional de Pediatria (2009) realizado em Tróia, não a da Ásia Menor, a 30 km do Bósforo, com restos arqueológicos de diferentes momentos históricos da sua ocupação, mas na actual designada Península de Setúbal (ex-ilha de Achale no séc. VI A.C.), na margem Sul do Sado e a cerca de 30 Km de Lisboa, a qual possui vestígios paleolíticos, árabes e romanos. Estou certo de que os leitores, motivados pela grande cultura de HCM fiquem motivados para rever a história da guerra de Tróia opondo gregos e troianos (há mais coisas, também importantes, para além da Pediatria…). Como na obra de arte o seu obreiro considera que quem observa o produto final pode fazer as “leituras” que a sua mente sugerir, tomarei a liberdade de me referir à inclusão de duas fotos (arte do autor): - uma, tirada do interior do hotel (traves rectangulares entrecruzadas, luz e sombras, podendo simbolizar a visão que os gregos tinham no interior do cavalo oco de madeira imaginado por Ulisses para iludir troianos e conquistar a cidade; - e a frase (independentemente do contexto político-social em que foi gravada numa parede) que poderia servir de lema aos jovens pediatras que abundaram com múltiplas apresentações científicas, tipificando a ideia de determinação e força de vontade para vencer...na vida. De facto, muitos jovens pediatras foram contemplados pela sua determinação, o que foi testemunhado por todos na Gala de Internos. Os laureados resistiram às “adversidades”, sendo que, segundo reza a história da guerra de Tróia, poucos troianos conseguiram escapar, mas entre eles, contava-se Eneias. Apraz-me registar também outro escrito assinado por A. Teixeira e H. Jardim sobre um tópico sempre actual, a infecção urinária da criança. Com o desenvolvimento de meios imagiológicos e novos armas antimicrobianas, a actuação ao longo dos anos tem variado. A frase com que terminam o texto é elucidativa sobre a noção de que os fenómenos biológicos não são matemática, alertando para a necessidade de bom senso e de avaliar os resultados de práticas, nem sempre EDITORIAL coincidentes, em diversos centros. Como leitor deduzo que ao analisar resultados de estudos se torna imperioso basear as atitudes, não só na experiência, mas também em estudos metanalíticos. Considero imprescindível a leitura da publicação em que se baseia o Relatório de Actividades da Comissão Nacional da Criança e Adolescente (2004-2008), sintetizado nesta edição por Maria do Céu Machado, sua Presidente. Fundamental para elucidar médicos em geral e, sobretudo pediatras. Pelo cunho pedagógico e noções que integra, aconselho a consulta especialmente a internos de medicina familiar e de pediatria. O artigo original sobre Traumatismos cranianos na criança por I. Esteves e colaboradores, envolvendo duas instituições constitui um bom exemplo de “estudos em rede”. Tratando-se de responder a uma pergunta quanto a gestos clínicos a adoptar na perspectiva de resolução de determinado problema, o estudo pode considerar-se de investigação. Como comentário desejo realçar uma das mensagens práticas, aliás, de acordo com experiências doutros grupos: o estudo imagiológico é fundamental para identificar lesão intracraniana, mas a observação clínica seriada é fundamental, idealmente de forma estruturada (protocolos de actuação) de modo a poder comparar resultados em diversos centros e a melhorar a eficácia, eficiência e efectividade do desempenho clínico. A rubrica Casuística é preenchida por um estudo estatístico interessante e elucidativo, coordenado por Ana Serrão Neto (proveniente dum hospital privado de Lisboa possuindo uma unidade de Pediatria), assinado por Sílvia Pereira e colaboradores. Não tendo sido habitual até à data a publicação de textos provenientes de instituições não estatais, entendo que é de grande utilidade conhecer o trabalho realizado nas mesmas. De facto, a tendência actual é a de criação de novas unidades assistenciais na Grande Lisboa e Grande Porto com recursos humanos e técnicos equiparáveis (por vezes até mais sofisticados) aos ditos oficiais, onde se pratica medicina de qualidade (a “massa humana” é obviamente importada do Estado), onde se realizam cursos pós-graduação, e até colaboração no ensino pré-graduado segundo protocolos com universidades. Torna-se claro que este status quo, com tendência para ser incrementado considerando os novos paradigmas da governação clínica, impõe determinadas responsabilidades às ditas instituições privadas; refiro-me ao que costumo designar por “obrigação ética” no âmbito da investigação. Esperemos, pois, conquanto as instituições estatais nem sempre sirvam de exemplo face a constrangimentos diversos. Correspondência: João Manuel Videira Amaral Director da Acta Pediátrica Portuguesa [email protected] LXXVII Acta Pediatr Port 2009:40(5):LXXVII-VIII O relato de Casos clínicos constitui uma oportunidade para exercitar o raciocínio clínico quando metodicamente apresentados, sendo pertinente a sua divulgação quando se trata de situações de rara prevalência.Com efeito, é desejável que contribuam com alguma mensagem, e que tragam algo de novo com implicações na prática clínica corrente. - Na descrição do primeiro, os autores pretendem chamar a atenção para uma situação rara, púrpura fulminante pós-varicela relacionável com défice transitório de proteína C. Valerá a pena, a propósito, consultar a edição anterior da APP e rever as recomendações sobre vacina antivaricela. - O segundo caso refere-se à síndroma MMHI (megabexiga, microcólon, hipoperistaltismo intestinal) cujo achado pós-natal mais chamativo foi distensão abdominal no contexto de gravidez não vigiada. - A propósito do caso de doença de Lyme, apurei através de dados da Direcção Geral da Saúde que entre 2003 e 2007 (5 anos) foram diagnosticados em Portugal somente 20 casos (a que corresponderam apenas 2 casos ente os 5 e 14 anos). - Relativamente a miastenia gravis, com forma atípica de apresentação haverá a reter que os sintomas iniciais podem simular inicialmente patologia psiquiátrica. - Por fim, da leitura do caso de pioderma gangrenosum fica a noção de que tal patologia deve ser admitida em situações de lesão ulcerosa cutânea com tendência para a cronicidade, refractária ao tratamento, sendo que poderá ser um epifenómeno doutras entidades clínicas, designadamente de natureza auto-imune. Relativamente à ausência de referências bibliográficas nacionais no contexto dos casos clínicos apresentados – tem sido um reparo de muitos leitores transmitido de modo informal ao director da APP – o facto pode explicar-se pela escassez de registos electrónicos na net. Deduzo que a era de consultar documentos em papel nas bibliotecas está ultrapassada. No respeitante a temas de actualização, uma referência aos dois artigos que integram esta rubrica: - mais um de grande utilidade sobre Saúde Oral, abordando, desta vez, os mecanismos preventivos do flúor e cárie dentária; LXXVIII Amaral JMV – Editorial - e outro que se enquadra no âmbito do Desenvolvimento intitulado Classificação Internacional de Funcionalidade, da autoria de Maria do Carmo vale; considero o conteúdo inovador e de grande alcance pelas implicações clínicas no que respeita à possibilidade de potenciação de áreas ditas fracas na criança com deficiência. Trata-se dum instrumento de trabalho com grande impacte positivo na abordagem da incapacidade; permite, por outro lado, uniformizar conceitos e terminologias, facilitando a comunicação entre diversos intervenientes, designadamente profissionais, investigadores e as próprias pessoas com incapacidades. A presente edição é contemplada com um texto sobre Educação Médica - “Relação médico-paciente”, tópico fundamental no desempenho clínico. O seu autor, F. Barone, é docente não médico e perito em Comunicação. Trata-se dum texto de cariz conceptual, implicando, por isso, muita reflexão; do mesmo se podem retirar ilações práticas de extrema pertinência ligadas ao humanismo e profissionalismo. Felicito vivamente o colega interno David Lito pela carta enviada ao director a propósito de vários aspectos relacionados com investigação no âmbito do internato. Na minha função no âmbito da APP, lanço o desafio a outros internos que representam a nova pediatria e a pediatria do futuro no sentido de intervirem com ideias e opiniões neste fórum que é a APP. Concordo com as suas reflexões sendo que os constrangimentos são multifactoriais. Felizmente o panorama está a mudar e, neste aspecto, é justo salientar as novas oportunidades conferidas pelas direcções sucessivas da SPP com incentivos e bolsas para internos (atente-se, designadamente, para o último Congresso Nacional e para a Gala de Internos). Costumo dizer: o interno tem direito à assistência pedagógica por parte dos seniores orientadores e tutores, mas o mesmo, como adulto que é, deverá ter uma atitude pró-activa e indutora, ou seja, andragógica. Desejos sinceros de boas leituras! João Manuel Videira Amaral (Director da Acta Pediátrica Portuguesa) 0873-9781/09/40-4/LXXIX Acta Pediátrica Portuguesa Sociedade Portuguesa de Pediatria OPINIÃO Pediatróia Henrique Carmona da Mota Os pediatras deram-se conta que tinham perdido o seu “ponto da situação”, o seu “estado da arte”, a sua rainha, a estrela polar por que se guiavam. Na lufa-lufa do trabalho diário não lhe tinham dado a atenção indispensável e ela teria ido para o outro lado do mar Egeu. Agamemnon procurava organizar a estratégia. A guerra desenrolava-se em sucessivos torneios onde ninguém sabia se o adversário era real ou o seu fantasma, grego ou troiano; uns esgrimiam argumentos esplêndidos que os adversários procuravam contrariar couraçados de crenças ardentes. Decidiram ir lá buscá-la; todos colaboraram na organização da empresa e, tendo sacrificado aos deuses e escolhido o dia fasto, rumaram a Tróia. Nem todos que alguns espartanos teriam que ficar para assegurar a defesa das suas cidades; outros, poucos, consideraram que o objectivo era uma ilusão - Eurípedes afirmara que a verdadeira Helena não estava lá, pelo que a viagem não valeria a pena. A frota era heteróclita: uns poucos anciãos, muitos jovens guerreiros e amazonas, alguns heróis e até semi-deuses nas suas artes. Invisíveis mas influentes, muitos deuses e deusas que, com seus caprichos, ora ajudavam ora estorvavam à imagem dos humanos humores que reflectiam. A chegada foi uma tremenda decepção; da Tróia do mito nada restava e, em seu lugar, viam uma outra, de cores negras e paredes de vidro que desorientavam e levavam ao engano. Não era fácil chegar ao campo de batalha; havia que atravessar a primeira linha de defesa sob a forma de engodos, filtros mágicos, bazares de cheiros sedutores, tentações estupefacientes, ópios e cantos de sereias ao serviço de Hermes (que antecedera o futuro banido Mercúrio) que não olhava a meios para conseguir os seus inconfessados desígnios. Aos que resistiam ainda os esperavam novas artimanhas – lengalengas intermináveis, sermões soporíferos, enganos, tentações demagógicas de cíclopes, fanatismo suicida. E sempre presente a tentação da desistência que o Sol e o mar acalentavam. Mas a grande maioria mantinha-se firme no desejo de participar na epopeia; quase todos salvo Aquiles que, despeitados por qualquer desfeita menor, não saíam da sua tenda e assim não arriscavam expor os seus pontos fracos. “Com a transferência da concessão da Zona de Jogo de Tróia para a Amorim Entertainment e Gaiming International SGPS, esta sociedade ficará responsável pela construção e exploração de um casino, de um centro de congressos e pela recuperação de um hotel para classificação de cinco estrelas.” Naquele ambiente os gregos não se distinguiam dos troianos; os deuses ensinavam-lhes a arte da dissimulação - o que parecia não era e vice-versa. Mestra Cassandra bem avisava mas ninguém lhe dava ouvidos, entretidos nas suas justas pessoais. Só a astúcia, o cuidado e o senso poderiam ter sucesso. Sagaz, Ulisses conseguiu tomar Tróia mas a façanha não se repetiria aqui; os pontos da situação continuaram ilusórios. Alguns distinguiram-se e foram laureados no banquete final, outros não. Aqueles orgulhosos, estes desalentados; o pomo da discórdia germinando. A causa da guerra de Tróia terá sido LXXIX Acta Pediatr Port 2009:40(5):LXXIX-LXXX a disputa por um pomo de oiro que a deusa da desavença, furiosa por não ter sido convidada, enviou para ser ali atribuído “à mais bela”; os resultados eram previsíveis e são conhecidos. Aqui, as deusas foram as multinacionais Mecenas que não só ofereceram os prémios e os louros respectivos como o banquete. No dia seguinte todos regressaram a casa sem os contratempos de Ulisses, se arribar a Lisboa não for considerado contratempo. Alguns rumaram a Sul via Cós onde se dizia que abundavam muitos genros dúplices de Hipócrates que diziam venerar Hygia mas não resistiam aos favores de Panaceia. Os que não foram laureados regressaram na nau Sísifo mas não desanimaram: LXXX Mota HC – Pediatróia ... Que a fama só por prémio pretendiam. Os dias na esperança de um só dia Passavam, contentando-se com antevê-la: Porém o júri usando de cautela, Em lugar de prémio lhe dava a menção. Vendo o triste pediatra que com enganos Assim lhe era negado o prémio Como se o não tivera merecido, Começou a tentar outros doze meses, Dizendo: Mais tentara, se não fora Para tamanha ambição tão curta a vida. 0873-9781/09/40-4/LXXXI Acta Pediátrica Portuguesa Sociedade Portuguesa de Pediatria OPINIÃO Infecção urinária na criança ou sobre o conhecimento tácito e a medicina baseada na evidência Ana Teixeira, Helena Jardim Unidade de Nefrologia Pediátrica, Serviço de Pediatria Unidade Autónoma de Gestão da Mulher e da Criança do Hospital de São João, E.P.E. Há séculos que o rim cicatricial observado na pielonefrite crónica é encarado como uma das causas mais frequentes de insuficiência renal terminal na criança e no adulto jovem. Um facto, o rim atrófico, um dado, uma observação, comum a outras formas de falência renal, informação acrescida sobre uma realidade em que, durante muito tempo, se possuiu conhecimento muito limitado. A partir das descrições de Hodson e Edwards1 da associação entre refluxo vesico-ureteral (RVU) e pielonefrite crónica, mais tarde designada nefropatia de refluxo, foram acrescentados novos dados e mais informação que, complementados com os trabalhos experimentais de Ransley e Risdon2,3 no leitão, pareciam ter conduzido ao pleno do conhecimento da etiopatogénese e, como tal, da prevenção, das formas de falência renal associadas a refluxo, infecção e atrofia renal. Estabeleceu-se então o dogma. O RVU como o vilão da pielonefrite crónica, assim apresentada como doença adquirida e prevenível. Dogma que fez explodir o recurso às técnicas de correcção cirúrgica do RVU que adquiriram um enorme impacto e a que se ficou a dever, em boa verdade, o nascimento da Urologia Pediátrica. Dogma e impacto que, ao introduzir a alternativa da profilaxia antibiótica nas crianças com RVU, os trabalhos de Jean Smellie4 vêm abalar por aportarem novos dados, nova informação, a um conhecimento que se presumia já sedimentado. Ao longo das últimas décadas do séc. XX, o entendimento instalado da associação entre infecção e RVU na génese da cicatriz renal5 generalizou na prática pediátrica a necessidade de se proceder a investigação exaustiva do tracto urinário perante o diagnóstico de pielonefrite aguda, no sentido da prevenção. São disso exemplos, entre muitas outras, as “Guidelines for the management of acute urinary tract infection in childhood” do Real College of Physicians (Reino Unido)6 que recomendavam esta atitude e que foram amplamente adoptadas por inúmeros autores, nós inclusos. Recebido: Aceite: 14.12.2009 27.12.2009 Foram décadas em que a rigidez da aplicação indiscriminada dos protocolos e o receio pelas lesões do RVU só poupavam da cistouretrografia miccional a menina com uma primeira cistite. Muito se fez, muito se aprendeu, muitos dados e muita informação foram reunidos. Na busca de cimentar o conhecimento oriundo de tanta, tão rápida e tão contraditória informação, os cientistas dividiram em dois grupos o estudo dos resultados do tratamento médico e cirúrgico do RVU, em trabalhos prospectivos, tão longos que muitos dos autores inicialmente envolvidos não sobreviveram para ver os resultados. Homenageando estes pioneiros, lamentamos hoje que não tenham incluído nos seus trabalhos um terceiro grupo de doentes sem qualquer intervenção, provavelmente o único que nos permitiria ter uma melhor informação sobre a evolução natural da doença. Esta consciencialização conduziu a assimetrias na evolução das estimativas da prevalência de insuficiência renal associada a infecção urinária com redução drástica nos países nórdicos7, a par de outros países como o Brasil e a Austrália8,9 onde os valores se mantêm elevados mercê de uma menor capacidade de intervenção eficaz a nível dos cuidados primários de saúde à criança. Não se duvida que nos últimos 20, 30 anos, a história natural das infecções do tracto urinário da criança sofreu alterações. Desde logo, pelo alerta progressivo para a elevada frequência, depois pelo acesso generalizado a antibióticos eficazes, igualmente pela prática instituída da investigação exaustiva de anomalias do rim e árvore excretora, mas muito particularmente pela disponibilidade do diagnóstico ecográfico pré-natal. É hoje aceite que, na esmagadora maioria das crianças, as infecções do tracto urinário, só por si, não se acompanham de morbilidade significativa a longo prazo. Num pequeno número de casos, por coexistência de anomalias congénitas significativas ou por susceptibilidade individual e infecções recorrentes, estabelecem-se lesões de pielonefrite crónica com risco posterior de hipertensão arterial, insuficiência renal ou complicações na gravidez10. Esta constatação, é preciso Correspondência: Ana Teixeira Serviço de Pediatria Unidade Autónoma de Gestão da Mulher e da Criança Hospital de São João, E.P.E. Alameda Professor Hernâni Monteiro – 4200 Porto [email protected] LXXXI Acta Pediatr Port 2009:40(5):LXXXI-IV admiti-lo, decorre do muito que se aprendeu no estudo de crianças submetidas a múltiplos procedimentos invasivos, com custos significativos de toda a ordem para os doentes e para as suas famílias e ainda com encargos consideráveis para os sistemas de saúde. Em paralelo, é legitimo afirmar que a histórica assertividade incutida na recomendação das atitudes preconizadas foi determinante no realce que a infecção urinária na criança granjeou na prática pediátrica, com os benefícios inerentes. Foi nesta fase de vasto conhecimento consolidado que se instalou a esperança da prevenção da insuficiência renal por pielonefrite crónica e que foi um facto, em alguns países9. A partir da generalização da ultrasonografia fetal, começam a surgir dados e informação novos que vêm perturbar a tranquilidade do entendimento da infecção urinária da criança e das anomalias associadas e questionar a solidez dos dogmas instalados, designadamente os relacionados com a abordagem do refluxo vesico-ureteral. A existência de casos de rins aparentemente cicatriciais com defeitos de captação na cintigrafia renal com ácido dimercaptosuccínico, por vezes com diagnóstico pré-natal de anomalia do tracto urinário, acompanhados de refluxo vesico-ureteral maciço e sem história de infecção do tracto urinário, permitiu, em estudos de peças de nefrectomia, concluir da natureza displásica destas lesões. Em poucos anos foi possível concluir, com base em estudos de refluxos sindromáticos, que este tipo de lesão displásica, associada a refluxo, constituía uma dupla manifestação de um mesmo defeito genético e não uma associação causa efeito e ainda menos, uma associação/sequela de infecção urinária5,11. Foi o ponto de partida para uma reflexão profunda sobre a natureza exclusivamente adquirida e potencialmente prevenível que sempre se assumira subjacente às lesões cicatriciais do rim, antes da emergência do diagnóstico pré-natal. Da mesma forma, o uso generalizado da cintigrafia renal permitiu identificar defeitos de captação em fase de infecção aguda sem evolução para lesão permanente e ainda lesão definitiva em crianças sem diagnóstico cistográfico de refluxo12. Foram as fases de “ provável catalisador” e de “presumível inocente” do RVU como agente patogénico preponderante da nefropatia de refluxo, designação que, ela própria, tem vindo a ser questionada na sua legitimidade… O caminho percorrido nesta marcha do conhecimento da infecção urinária da criança ensinou também que a maioria dos doentes tem apenas um único episódio e que o tracto urinário é ecograficamente normal10. Muitos cálculos se fizeram para estimar o número de cistografias necessárias para identificar uma criança com refluxo e os respectivos custos/benefícios13 … Por outro lado, as dúvidas instaladas com o diagnóstico pré-natal e com os dados e informação da resolução espontânea questionaram a necessidade de qualquer tipo de intervenção terapêutica, ao que, de imediato, outros contrapuseram com a inutilidade de se fazer então, sequer, o diagnóstico14. Ainda conturbada com a perturbação induzida pela informação aportada pelo diagnóstico pré-natal, a comunidade científica divide-se neste momento, com muitos autores a assumirem a necessidade de reduzir a investigação exaustiva LXXXII Teixeira A et al – Infecção urinária na criança e sistemática da infecção urinária da criança10, a par de outros que se mantêm fiéis ao conceito de que o diagnóstico da anomalia é a base da prevenção6. É neste contexto que surgem em Agosto de 2007, as “Guidelines for the diagnosis, treatment and long-term management of urinary tract infection in children” do National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE), do Reino Unido15 e que preconizam o que poderemos classificar como uma atitude minimalista na abordagem deste problema. E que, no mesmo País, outros se apressaram a apelidar de irresponsável tendo em conta a natureza dos cuidados de saúde primários instalados16,17. Se não for preciso investigar a criança com infecção urinária, nem o diagnóstico bacteriológico se fará, receiam. O tema volta assim à actualidade e a controvérsia renova-se. Estamos então a regressar ao passado aos anos 60, 70 em que infecção urinária era igual a antibiótico e mais nada? De certo modo, sim….mas por razões opostas! Na altura porque tínhamos muitos dados, alguma informação e pouco conhecimento. Actualmente porque os muitos dados, a pletora de informação e a segurança da experiência conseguida neste percurso, nos dá a confiança de poder tratar de modo idêntico, com um mínimo de incómodo, e sem risco de, por essa prática, incorrermos em risco de sequelas acrescidas para a criança. Estamos mesmo seguros? Estamos mesmo preparados para tratar pielonefrites em ambulatório, na maioria das crianças prescindir da profilaxia e da maior parte dos exames que antes eram ou achávamos essenciais? Não estaremos por cá dentro de 20, 30 anos para comprovar se, por assim proceder, demos origem a um recrudescer do que conseguimos diminuir nas últimas décadas. Adversos nesta, como em tantas circunstâncias da vida, a mudanças radicais, na ausência de evidência científica em contrário, optamos pelo equilíbrio entre as velhas práticas que nos conferiram o conhecimento da nossa realidade e a presente opção por novas atitudes que passam pela individualização dos doentes e das técnicas a aplicar em cada circunstância. Assim, mantemos inalterada a nossa prática no que se refere a indicação da profilaxia pós pielonefrite aguda até investigação ulterior ou pelo menos durante seis meses pós episódio inicial. Nas crianças com diagnóstico pré-natal positivo, pelo menos durante o primeiro ano de vida, a manter ou cessar de acordo com o diagnóstico efectuado. De particular importância reveste-se, como sempre, a correcta recolha da história clínica e realização completa do exame objectivo, a suspeita clínica de infecção e a imprescindível confirmação por exame cultural. A colheita de urina de crianças sem continência de esfíncteres pode ser difícil, pelo que deve ser efectuada de forma cuidadosa. Uma vez que o diagnóstico de infecção do tracto urinário implica a necessidade de tratamento e afecta a investigação posterior, a decisão acerca da técnica de colheita deve ser partilhada, discutida e realizada com o consentimento dos pais. A realização de tirateste para identificação de leucócitos (esterase leucocitária) e nitritos é amplamente utilizada, no entanto, todos os resultados quer positivos quer negativos, devem ser interpretados no contexto clínico. Acta Pediatr Port 2009:40(5):LXXXI-IV O exame microscópico da urina fresca com identificação de leucócitos e bactérias é francamente indicador de infecção do tracto urinário, no entanto não é amplamente acessível e é sabido que em urinas diluídas como a do lactente, pode haver falsos negativos18. Quando a criança está febril e existe suspeita de pielonefrite aguda, recomenda-se a realização de antibioticoterapia durante dez dias. Internamento ou não dependerá de cada situação clínica. Há conhecimentos consolidados sobre a relação entre a duração do período pré tratamento e a incidência de sequelas, ninguém duvida que o pequeno lactente é o mais susceptível, com maior inespecificidade clínica, maior imaturidade renal, maior incidência de uropatia, maior risco de urossepsis, maior risco de desidratação e intolerância ao tratamento por via oral19. Do saber e da observação de cada quadro clínico resultarão o senso e a decisão mais apropriada. Montini et al20 advogam que nas crianças com mais de três meses de idade, pode ser efectuada por via oral, excepto nos casos de intolerância alimentar, em que deve ser preferida a via endovenosa. Esta abordagem resultou de um estudo multicêntrico em que foram incluídas 502 crianças com um primeiro episódio de pielonefrite aguda. Após randomização, um grupo recebeu tratamento oral com amoxicilina e ácido clavulânico durante dez dias e o outro, terapêutica parentérica com ceftriaxone durante três dias seguido de mais sete dias de amoxicilina e ácido clavulânico por via oral. De acordo com estes autores, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos relativamente à existência de cicatrizes renais nas cintigrafias com ácido dimercaptosuccínico realizadas doze meses após o episódio agudo, bem como no intervalo até obtenção de apirexia e na normalização de parâmetros analíticos de infecção da urina. De relevante, 10% das crianças inicialmente incluídas no primeiro grupo necessitaram de alteração para terapêutica endovenosa por aparecimento de vómitos ou diarreia relacionados com o antibiótico ou gastroenterite a rotavírus intercorrente. A prescrição sistemática de profilaxia antimicrobiana também foi envolvida nas controvérsias. Existe evidência crescente na literatura de que esta prática não se acompanha de diminuição significativa de recorrência de infecções do tracto urinário e que, pelo contrário, pode estar associada ao aumento do risco de aparecimento de estirpes resistentes21. Também neste ponto é difícil preconizar procedimentos padronizados com base em estudos pontuais ou meta-análises tão do gosto da chamada medicina baseada na evidência e abandonar, de vez, o conhecimento factual incrustado em nós e na escola que nos rodeia. Em trabalho apresentado na última reunião da Sociedade Europeia de Nefrologia Pediátrica, os autores suecos22, pioneiros no estudo da pielonefrite da criança e suas sequelas, mostraram que em três grupos de crianças com refluxo de grau elevado randomizadas para observação sem tratamento, profilaxia ou correcção endoscópica, o seguimento ao fim de dois anos mostrou claramente que o grupo observacional apresentou um número significativamente mais elevado de pielonefrite. O que permite concluir do benefício de adoptar uma das outras duas atitudes terapêuticas. Como sempre das suas recomendações ressalta o valor atribuído à experiencia e às práticas locais de cada instituição. Teixeira A et al – Infecção urinária na criança Por fim, também a estratégia de investigação imagiológica destas crianças tem sido amplamente debatida. A recolha da história da infecção urinária em cada criança começa hoje antes do nascimento, com a informação sobre as ecografias pré-natais. Nesta base, alguns trabalhos mais recentes aconselham em exclusivo a realização de ecografia para estudo morfológico do tracto urinário. De acordo com estes autores, nas crianças que se apresentam clinicamente bem, com normalidade ecografia pré-natal, apenas as de idade inferior a seis meses ou com infecções recorrentes devem efectuar ecografia pós natal. O estudo imagiológico para identificação de refluxo vesico-ureteral também deixou de ser recomendado por rotina. Apenas as crianças que se apresentam com doença grave ou atípica ou com infecções recorrentes devem ser submetidas a cistouretrografia retrógrada10,19. Em cada caso deve ser ponderado o tipo de informação que se deseja obter e, sobretudo, reflectir se desse resultado decorrem decisões terapêuticas bem definidas para a criança ou um mero satisfazer de curiosidade científica, legítima, mas irrelevante para aquele propósito. A realização de cintigrafia renal com ácido dimercaptosuccínico seis meses após o episódio agudo é também recomendada apenas nas crianças que se apresentam de forma grave ou atípica ou com episódios recorrentes de infecção do tracto urinário10,19. E mesmo aqui, deve salientar-se que os resultados são na maior parte dos casos meramente informativos ou de comparação com dados prévios. A publicação das NICE guidelines provocou o debate entre várias correntes de opinião. De um lado os autores que consideram estas medidas minimalistas, talvez marcados por um passado sem recursos, receosos da menor atenção à importância desta patologia na idade pediátrica. Do outro, aqueles que se consideram na vanguarda da investigação, preocupados com a gestão dos recursos da saúde, que ponderam em cada caso a avaliação do custo-benefício e defendem a individualização de atitudes. Apesar das opiniões vigorosamente defendidas por alguns clínicos acerca do papel da investigação imagiológica intensiva e profilaxia antimicrobiana na prevenção da insuficiência renal após infecção do tracto urinário, a evidência actual não parece corroborar tal benefício. A estratégia mais útil para reduzir a morbilidade resultante de infecções do tracto urinário e prevenir cicatrizes renais subsequentes parece ser o diagnóstico e início de tratamento atempados da infecção19,23. Assim, é cada vez mais importante o índice de suspeição de infecção em crianças com febre de origem desconhecida, de forma a aumentar a taxa de detecção de crianças vulneráveis, tanto a nível dos cuidados de saúde primários como secundários. Os pais destas crianças devem ainda ser adequadamente educados e informados de forma a procurarem de forma atempada os cuidados de saúde no caso de suspeita de infecção e colaborarem na colheita de urina de forma correcta, particularmente na ausência de profilaxia e presença de forma aparentemente grave ou atípica. Antes de concluir, cabe aqui salientar que a maior causa de insuficiência renal crónica terminal na criança e no adulto jovem é constituída, ainda, pelo grupo das anomalias nefrourológicas congénitas associadas, ou não, a infecção urinária LXXXIII Acta Pediatr Port 2009:40(5):LXXXI-IV comprovada, embora as glomerulopatias, sobretudo as hereditárias, estejam perto de o suplantar24. Ao preconizar uma nova atitude na abordagem da criança e do jovem com este tipo de patologia é importante que não se transmita a noção do aligeirar da importância da infecção urinária da criança na prática clínica ou no conteúdo dos planos pedagógicos. Pelo contrário, deve transmitir-se um conhecimento profundo e induzir a motivação adequada à correcta compreensão do significado subjacente ao quadro clínico de cada criança em que este diagnóstico seja suspeito ou confirmado. Em todos os casos o saber, e o senso que sempre a ele se associa, devem inspirar confiança e tranquilidade nos pais ganhando-os como parceiros na monitorização da evolução e prevenção de complicações. A informação é hoje tão acessível às famílias como a nós próprios, mas a informação só por si não resolve problemas, só o conhecimento o consegue. Conhecimento é informação digerida e integrada com a experiência na resolução de situações concretas. É nisto que os pais confiam e sabem que é onde reside a melhor solução para o seu filho. Temos consciência que só o tempo nos concedeu a riqueza do conhecimento factual, tácito, acumulado e nos permitiu viver o privilégio da contemporaneidade com a evolução científica. Este é também o tempo do surgimento de todas as evidências e das boas práticas da medicina que se pretende nelas baseada, mas de modo nenhum incompatível com o respeito pelo valor do conhecimento tácito, factual, que a experiência nos confere e que nos dá a legitimidade da opinião e da redefinição de atitudes aqui expressa. Mas também, do exposto, nos vem a certeza de que estamos longe da sabedoria. Teixeira A et al – Infecção urinária na criança 8. Silva JM, Santos Diniz JS, Marino VS, Lima EM, Cardoso LS, Vasconcelos MA et al. Clinical course of 735 children and adolescents with primary vesicoureteral reflux. Pediatr Nephrol 2006; 21:981-8. 9. Hensle TW, Hyun G, Grogg AL, Eaddy M. 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Na I Parte, Orientações para uma Carta Hospitalar de Pediatria define as condições mínimas, sob o ponto de vista de espaços, recursos humanos, tecnologias e apoios, de um Serviço de Pediatria Médica ou de Cirurgia Pediátrica e caracteriza dois níveis de Serviços, Geral e Especializado. Hospital de Dia Pediátrico define regras para o funcionamento e financiamento destas unidades. Para a renovação dos mecanismos de Articulação entre os Cuidados Primários e Hospitalares, cria-se a figura de Pediatra Consultor e estimula-se o reforço e dinamização das Unidades Coordenadoras Funcionais. O enfermeiro e os cuidados de saúde à criança e adolescente indica os princípios na determinação de dotação e rácios e o Cálculo das vagas para o Internato de Pediatria, 2006-2015 pretende colmatar a situação sistemática de excesso ou défice regular de pediatras. Medicamentos - Formulações infantis é uma falha do sistema por falta de interesse da indústria farmacêutica. Resta a possibilidade de importação directa através de oficina e por prescrição individual Estadia hospitalar e encaminhamento das crianças em serviços de Pediatria sobre as crianças identificadas como de risco social e retidas no hospital. Proposta de protocolo para o diagnóstico de maus tratos. Como dois exemplos de boas práticas, os Relatórios da Comissão Regional de Saúde Materna e Infantil do Norte e da Unidade Coordenadora Funcional de Almada. Na II Parte, divulga-se o Plano Nacional de Saúde 2004-2010, nas áreas dedicadas à Criança e Adolescente, Nascer com Saúde e Crescer com Segurança. A finalizar a evolução dos indicadores de 2001 a 2008, as metas estabelecidas e a comparação com valores de países europeus. LXXXV 0873-9781/09/40-4/197 Acta Pediátrica Portuguesa Sociedade Portuguesa de Pediatria ARTIGO ORIGINAL Abordagem do traumatismo craniano ligeiro na idade pediátrica: neuro imagem ou atitude conservadora? Isabel Esteves1, João Crispim2, João Farela Neves1, Florbela Cunha1 1 - Serviço de Pediatria do Hospital de Reynaldo dos Santos – Vila Franca de Xira 2 - Serviço de Pediatria do Hospital de Santa Maria – Lisboa Resumo Introdução: A abordagem dos traumatismos crânio encefálicos (TCE) exige avaliação do risco de lesão intra craniana (LIC). Não são consensuais as indicações para tomografia computorizada crânio encefálica (TC-CE). Objectivo: Rever a incidência de LIC no TCE ligeiro, identificar variáveis clínicas associadas e avaliar a efectividade de uma abordagem conservadora no pedido de TC-CE. Métodos: Estudo prospectivo histórico incluindo os doentes observados na urgência pediátrica por TCE e transferidos para realização de TC-CE, ao longo de um ano (n=104). Caracterização de dados demográficos, clínicos, orientação diagnóstica e evolução. Análise estatística (testes não paramétricos) de associação de variáveis clínicas com LIC (α=5%). Comparação da abordagem aplicando dois protocolos internacionais de actuação no TCE minor. Resultados: A incidência de LIC nos casos com avaliação neuro imagiológica foi de 3,5%. Segundo os protocolos utilizados para comparação, 91% (idade <2 anos) e 94% (idade ≥2 anos) das crianças transferidas apresentavam risco intermédio ou alto para LIC. A ocorrência de LIC associou-se significativamente a idade ≤12 meses e a TCE parietal (p<0,05 para ambos), sendo que o achado de fractura na radiografia apresentou um baixo valor preditivo positivo de 14,3% na presunção de LIC. Uma actuação conservadora adaptada dos protocolos referidos resultaria na realização de menos 54% das tomografias computorizadas crânio encefálicas, com identificação de todos os casos de LIC. Conclusões: As avaliações clínica e da radiografia de crânio têm baixa sensibilidade na presunção de LIC. É essencial a valorização da idade e características do traumatismo. A reobservação clínica seriada é fundamental na limitação do pedido de avaliação neuro imagiológica. Management of minor head trauma in childhood: brain imaging or conservative follow-up? Abstract Background. Head trauma is a frequent cause of admission to pediatric emergency departments and demands intracranial lesion risk assessment. The criteria for head computed tomography (CT) are not well established. Aim. To review the incidence of intracranial lesion in minor head trauma, to identify clinical features associated with intracranial lesion and to evaluate the effectiveness of a conservative approach in the assessment by head-CT. Methods. Retrospective study including patients observed for head trauma in the emergency department and transferred to perform head-CT during one year (n=104). Clinical chart review for demographic, clinical, diagnostic and follow-up data analysis. Statistical analysis (non-parametric tests) of association between clinical features and intracranial lesion (α=5%). Comparison of management with two international protocols. Results. The incidence of intracranial lesion in children with neuro-imaging was 3,5%. Using the protocols, 91% (age <2 years) and 94% (age ≥2 years) of children had an intermediate or high risk for intracranial lesion. There was a significant association between intracranial lesion and age ≤12 months and parietal trauma (p<0,05 for both). The finding of skull fracture in radiographs had a low positive predictive value of 14,3% in intracranial lesion prediction. Using a conservative management of the mentioned protocols would have lead to 54% less head CT assessments with equal intracranial lesion detection. Conclusion. Clinical evaluation and skull radiograph have a low sensitivity in the prediction of intracranial lesion. Age and trauma characteristics are important factors to value. Serial clinical evaluation is important to reduce the need for neuro-imaging. Palavras-chave: traumatismo crânio encefálico, tomografia computorizada crânio encefálica, hematoma, lesão intracraniana. Key-words: head trauma, head computed tomography, hematoma, intracranial lesion. Acta Pediatr Port 2009;40(5):197-202 Acta Pediatr Port 2009;40(5):197-202 Recebido: Aceite: Correspondência: Isabel Cristina Castro Esteves Serviço de Pediatria do H. de Reynaldo dos Santos Rua Dr. Luís César Pereira 2600-178 Vila Franca de Xira [email protected] 02.07.2008 11.11.2009 197 Acta Pediatr Port 2009:40(5):197-202 Introdução Os traumatismos crânio encefálicos (TCE) são um motivo frequente de recurso ao serviço de urgência pediátrica (SUP) e exigem a avaliação do risco de lesão intra craniana (LIC)1,2. Apresentam morbilidade variável sendo uma das causas mais importantes de mortalidade por traumatismo acidental na infância3. A existência de LIC vai condicionar internamento hospitalar e eventual intervenção neurocirúrgica, podendo determinar disfunção neurológica ou cognitiva a longo prazo4,5. A definição de TCE ligeiro inclui os casos que na observação clínica após traumatismo craniano fechado apresentam estado de consciência normal ou com alterações ligeiras (valores de 13 a 15 na escala de coma de Glasgow)1. Diversos estudos mostram uma incidência de LIC neste grupo que varia entre 1 e 8%6-8, sendo ainda controversas as indicações para realização de tomografia computorizada crânio encefálica (TC-CE). Na decisão de efectuar TC-CE há que ponderar os custos, a exposição à radiação e eventual necessidade de sedação9-10. Com o objectivo de limitar o pedido de exames de neuro imagem, vários autores procuraram critérios clínicos preditivos de LIC8,11-15. No entanto, as manifestações clínicas e a radiografia do crânio apresentam baixa sensibilidade para a ponderação desse risco8,11-22. Particularmente difícil e influenciada por diferentes reacções ao trauma/stress, é a avaliação de crianças de idade inferior a 2 anos, nas quais mais de metade dos casos de LIC podem ser assintomáticos6, 22, 23. Nos últimos anos têm surgido vários protocolos de actuação no TCE ligeiro na idade pediátrica,6,7,24-28 procurando a adequação do pedido de TC-CE aos sinais e sintomas com melhor sensibilidade e valor preditivo negativo para LIC. Dois protocolos conhecidos são o de Schutzman et al (Pediatrics, 2001)6 para crianças de idade inferior a 2 anos e o da Academia Americana de Pediatria (Recomendações da AAP, Pediatrics, 1999)7 para crianças de idade igual ou superior a 2 anos. Tendo em conta a importância e a variabilidade na abordagem dos TCE ligeiros na urgência pediátrica, os autores revêem os casos observados no SUP de um hospital de nível II e que motivaram transferência para o centro de referência de neurotrauma. Os objectivos foram analisar a incidência de LIC no TCE ligeiro, identificar variáveis clínicas associadas a LIC, avaliar a efectividade da radiografia de crânio na suspeita de LIC e a eficácia teórica da aplicação de protocolos internacionais, com uma abordagem conservadora no pedido de TC-CE. Métodos Estudo prospectivo histórico que incluiu as crianças com idade inferior a 15 anos, observadas após TCE ligeiro no SUP de um hospital de nível II da Sub-Região de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, no período de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2006 e transferidas para o centro de neurotrauma de referência por suspeita de LIC (critérios de transferência decididos pelo clínico que observou a criança – vide Quadro I com 198 Esteves I et al – Traumatismos cranianos na idade pediátrica caracterização clínica da amostra). Reviram-se os processos clínicos dos dois hospitais e registaram-se a idade, o sexo, o tempo decorrido entre o TCE e o recurso ao SUP, os mecanismos de trauma, as áreas cranianas de impacto, os sintomas e sinais, os resultados da radiografia de crânio e da TC-CE, a evolução clínica e as complicações. Fez-se uma análise (com ocultação para os resultados da TC-CE) com estratificação do risco das crianças transferidas segundo adaptação de dois protocolos de abordagem (Quadro II), de acordo com a idade das crianças: inferior a 24 meses6 e superior ou igual a 24 meses7. Os protocolos referidos estabelecem estratificação de risco de LIC em baixo, intermédio e elevado, sugerindo realização de TC-CE nos indivíduos de risco elevado e atitude conservadora (vigilância clínica) nos de baixo risco. Nas crianças de risco intermédio deixam ao critério do médico a opção entre uma de duas atitudes: ou realizar TC-CE, ou uma abordagem conservadora de vigilância clínica em ambiente hospitalar durante 4 a 6 horas, reavaliando-se no final a necessidade de neuro imagem. Fez-se um cálculo hipotético do número de TC-CE que se realizariam, caso se tivesse decidido manter em vigilância clínica por 4-6h o grupo de risco intermédio. Analisou-se o tempo total de permanência no centro de neurotrauma, estado clínico na altura da alta e o registo de novas recorrências ao SUP e centro de neurotrauma. Tendo em conta o estado clínico na altura da alta (período médio de permanência na urgência de 7,6 horas), reclassificou-se de novo o risco para LIC desses doentes que inicialmente estavam no grupo intermédio. Avaliou-se a indicação para efectuar TC-CE, de acordo com os protocolos internacionais referidos6,7. Registou-se o número de TC-CE que se teriam evitado, caso se optasse por aguardar em vigilância o número médio de horas até à alta ou seja, a abordagem conservadora dos protocolos. Utilizou-se o programa SPSS 14.0® (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos) para Windows® na análise estatística. Foi calculada a mediana de idades, incidência de LIC, valor preditivo positivo e negativo da radiografia de crânio e fez-se comparação de variáveis clínicas nos grupos com e sem LIC (teste exacto de Fisher e teste do qui-quadrado com opção pelo nível de significância estatística p<0,05). Resultados Ao longo do ano foram transferidas 104 crianças com TCE e suspeita de LIC (Figura 1), que corresponderam a 0,3% do total de admissões na urgência pediátrica. As principais características demográficas e clínicas estão resumidas no Quadro I, de acordo com o grupo etário e existência de LIC. A maioria das crianças (64%) eram do sexo masculino, 32% tinham idade inferior a 24 meses (mediana: 11 meses) e 68% idade igual ou superior a 24 meses (mediana: 8 anos). Os principais mecanismos de TCE referidos foram as quedas da própria altura e até 1 metro, sendo os acidentes de viação responsáveis por 4,8% dos casos. Acta Pediatr Port 2009:40(5):197-202 Esteves I et al – Traumatismos cranianos na idade pediátrica Quadro I – Dados clínicos dos doentes com traumatismo craniano. N total casos Idade (meses)/ Sexo masculino Principais mecanismos TCE Queda da própria altura Queda ≤0,5-1 metro Principais áreas TCE Frontal Parietal Desconhecido Sintomatologia Vómitos Sonolência transitória Cefaleias Perda de consciência Amnésia para o TCE Tonturas Alterações visuais Desorientação transitória Assintomático Observação Hematoma epicraniano Depressão do crânio Escoriação local Sinais neurológicos focais Sem alterações registadas Radiografia crânio Sem alterações Suspeita de fractura craniana Risco de LIC‡ Elevado Intermédio Baixo TC-CE Sem alterações Fractura craniana LIC- hematoma extra-axial Tempo para alta- domicílio Sem LIC - N (%) 30 <24M :16 (53) 71 ≥ 24M :49 (69) Com LIC - N 3 1M; 9M; 12M*; :3 (100) 5 (17) 12 (40) 21 (30) 4 (6) 3 12 (40) 6 (20) 8 (26) 17 (23) 9 (13) 27 (38) 3 - 14 (47) 6 (20) 3 (10) 13 (43) 42 (59) 39 (55) 20 (28) 12 (17) 13 (18) 6 (8) 2 (3) 3 (4) 3 (4) 2 1 14 (47) 1 (3) 2 (7) 13 (43) (N=28)† 18 (60) 10 (33) 14 (20) 3 (4) 1 (1) 48 (68) (N=69)† 64 (90) 5 (7) 2 1 (N=3)† 1 2 17 (57) 10 (30) 3 (13) (N=24)† 19 (63) 5 (17) µ= 5,9 horas 18 (25) 49 (69) 4 (6) (N=58)† 56 (79) 2 (2,8) µ= 5,3 horas 2 1 (N=3)† 2 3 µ= 70 horas * -Valores de idade em meses descriminados para o subgrupo com LIC; †- total de casos que realizaram o exame especificado; ‡- Risco avaliado pela interpretação de protocolos de Schultzman et al6 e da Academia Americana de Pediatria7. LIC- lesão intracraniana; M- meses; TCE- traumatismo crânio encefálico; TC-CE – tomografia computorizada crânio encefálica; µh - valor médio de horas. As áreas cranianas de impacto mais envolvidas foram a região frontal (28%), seguida da occipital e parietal (17% cada) e área temporal (4%). As principais queixas que motivaram a vinda à urgência foram sintomas inespecíficos como vómitos, sonolência transitória e cefaleias. A mediana do tempo decorrido até à chegada ao SUP (para n=55) foi de 12 horas após TCE (P25-75 : 2-24 horas). Os 15 casos com perda de consciência (duração média de 1,5 minutos) ocorreram todos no grupo sem LIC. Na observação no SUP não foram descritas alterações relevantes do estado de consciência e quando referida a escala de coma de Glasgow (n=23), foram registados valores superiores a 13, considerando-se todos os TCE ligeiros. Em mais de metade dos casos não se registaram alterações à observação clínica. Figura – Diagrama da abordagem efectuada às crianças transferidas com TCE: exames complementares e resultado. LIC- lesão intracraniana; TCE – traumatismo crânio encefálico; TC-CE – tomografia computorizada crânio encefálica. Do total de 104 crianças, foi realizada radiografia de crânio em 100 e TC-CE em 85 (82 crianças com os 2 exames - figura 1). O clínico no SUP suspeitou de fractura na radiografia de crânio em 17 casos – no centro de neurotrauma apenas 14 destas crianças realizaram TC-CE, pois em 3 casos foi excluída a fractura por observação do neuroradiologista. O achado de 199 Acta Pediatr Port 2009:40(5):197-202 Esteves I et al – Traumatismos cranianos na idade pediátrica Quadro II– Classificação utilizada para o risco de LIC, adaptada dos protocolos de actuação6,7 no TCE. Risco LIC Baixo (cumpre todas as condições) Intermédio (pelo menos 1 factor presente) Crianças de idade <2 anos* Sem sintomas ou sinais >2 horas após traumatismo Queda ≤1 metro Impacto baixa velocidade >3 meses de idade (menor risco se >12 meses) Fractura do crânio >24h Perda de conhecimento <1min 3-4 vómitos Alteração comportamental ou irritabilidade transitórias Crianças de idade ≥2 anos† Sem antecedentes de relevo Escala de Coma de Glasgow=15 Exame neurológico normal Sem evidência de fractura Sem sintomas - Sinais ou sintomas não incluídos no risco elevado: vómitos, cefaleias, letargia; - Perda de conhecimento <1min - Mecanismo de trauma de alto impacto - E exame neurológico normal Elevado (pelo menos 1 factor presente) Factores de risco adicionais (≤1; se ≥2 factores → risco elevado) - Hematoma epicraniano não-frontal - Causa de TCE desconhecida - Queda >1metro ou impacto de alta velocidade - Queda em superfície dura Escala de Coma de Glasgow<15 Perda de conhecimento ≥1min Alterações neurológicas focais Sinais de fractura do crânio<24h Convulsão Irritabilidade mantida Fontanela hipertensa Vómitos: ≥5 ou durante >6h Antecedentes que ↑ risco de LIC ≤3 meses de idade ≥2 factores de risco adicionais Escala de Coma de Glasgow<15 Perda de conhecimento ≥1min Alterações neurológicas focais Sinais de fractura do crânio Convulsão *– Segundo protocolo de actuação em TCE: Schultzman et al6; †Segundo protocolo de actuação em TCE: Academia Americana de Pediatria7; LIC – lesão intracraniana; TCE- traumatismo crânio encefálico; min- minuto; h-horas; fractura foi visualizado na TC-CE em 42,9% das crianças (6/14) e correspondeu à existência de LIC em 14,3% (2/14). Desta forma, para a amostra considerada (n=82), a radiografia do crânio teve um valor preditivo positivo de 14,3% e um valor preditivo negativo de 98,5% na suspeita de LIC. doentes com LIC, que manteve vómitos repetidos. Assim, realizar-se-iam um total de 39 TC-CE: 37 referentes ao grupo de risco elevado e apenas 2 do grupo de risco intermédio. Neste cenário teria sido possível identificar todos os casos de LIC realizando menos 54% dos exames de neuro imagem. Após avaliação pelos clínicos do centro de referência, foi considerado necessário realizar TC-CE em 85 casos. Este exame revelou LIC em 3 crianças, todas com hematoma epidural de dimensão reduzida. Todas as crianças transferidas tiveram alta para o domicílio e não regressaram ao centro de neurotrauma nem ao SUP nas duas semanas seguintes por motivo relacionado com o TCE. No subgrupo de crianças com LIC (Quadro I), um estava assintomático e a observação revelou hematoma epicraniano parietal em dois casos, sem alterações ao exame neurológico em qualquer deles. Foram factores com associação significativa a LIC na amostra: idade inferior ou igual a 12 meses e TCE de localização parietal (teste exacto de Fisher, p=0,03 e p=0,004 respectivamente). Os três doentes com LIC tiveram evolução favorável durante a vigilância em internamento, que durou em média 70 horas. Não houve necessidade de intervenção neurocirúrgica. Num caso, a persistência de vómitos durante 48 horas motivou a repetição da TC-CE, que excluiu agravamento da LIC. A estratificação aproximada do risco de LIC segundo os protocolos6,7 (Quadros I e II), mostrou que 91% das crianças com menos de 24 meses e 94% das crianças de idade igual ou superior a 24 meses apresentavam risco intermédio ou elevado de LIC. Seguindo esses protocolos, mas utilizando a abordagem conservadora definida nos métodos, apenas 2 doentes do risco intermédio manteriam a necessidade de realizar TC-CE após o período médio de vigilância de 7,6h, por apresentarem sintomatologia persistente nessa altura – um deles era um dos 200 Discussão Os TCE são uma patologia importante no serviço de urgência pediátrica, pela sua frequência e possível indicação para avaliação diagnóstica complementar6,16. A incidência aproximada de LIC na amostra foi de 3,5% (3/85 do total avaliado por TC-CE6,7), ligeiramente inferior à que é referida em alguns estudos6-8, apesar de se tratar de um grupo de indivíduos referenciados e por isso com situações previsivelmente mais graves. Este aspecto poderá relacionar-se com o facto de a maioria das crianças transferidas pertencer ao grupo etário de menor risco (≥2 anos) e os acidentes de viação terem sido pouco frequentes (4,8%). Na maioria das crianças foi registada sintomatologia inespecífica como sonolência ou vómitos. A sonolência foi referida em muitos casos mas verificou-se ser uma queixa transitória. Este aspecto sublinha a difícil valorização de uma alteração subtil do estado de consciência ou comportamento, numa situação de reacção ao stress/traumatismo no contexto familiar. A radiografia do crânio levou à suspeita de fractura em 17 casos, sendo visualizada por TC-CE em 6. Em 3 doentes a observação por neurorradiologista excluiu a fractura, o que Acta Pediatr Port 2009:40(5):197-202 demonstra a reconhecida dificuldade na interpretação dos achados das radiografias de crânio30. A análise posterior comprovou que este exame trouxe poucos benefícios na avaliação e estratificação do risco inicial, uma vez que o achado de fractura revelou um baixo valor preditivo positivo na presunção de LIC na amostra, à semelhança do que outros autores encontraram20-22. Por outro lado, 1 das 3 LIC encontradas não teria sido identificada com base na radiografia. Estes dados desfavorecem a utilização sistemática da radiografia de crânio na abordagem da criança com TCE. Poderá no entanto ser útil nos centros sem possibilidade de TC-CE, nomeadamente em crianças assintomáticas com menos de 2 anos e com hematoma epicraniano, ou na suspeita de eventual traumatismo não acidental6,7,23,29. Todavia este exame deve ser pedido criteriosamente, havendo na amostra um total de 100 radiografias em 104 TCE ligeiros, o que foi provavelmente excessivo. Na coorte avaliada todas as crianças com LIC apresentavam uma idade igual ou inferior a 1 ano e sofreram TCE parietal, variáveis que foram as únicas com associação estatisticamente significativa a LIC, como sublinhado também por outros estudos1,6,8. Não se encontrou qualquer relação entre a LIC e a história de perda de consciência, a amnésia para o acontecimento, a desorientação transitória, as cefaleias ou a sonolência, apesar da reconhecida importância de alguns destes sintomas e da sua valorização como critérios para realização de TC-CE15,17-18. Este resultado realça a sensibilidade variável que a clínica assume na presunção de LIC, à semelhança dos dados obtidos em séries de maiores dimensões8,11-19,21 . Poder-se-á argumentar que a análise da sintomatologia e observação não revelou factores preditivos de LIC porque as lesões encontradas não foram suficientemente graves (fracturas lineares com hematomas epidurais de dimensões reduzidas). No entanto também estas são valorizáveis, clinicamente importantes e podem associar-se a complicações neurológicas evolutivas4-5. Todavia é de realçar que, em carácter de urgência, o objectivo primordial da neuro imagem deve ser a identificação dos casos de LIC significativos, ou seja, hematomas epidurais em expansão que conduzam a hipertensão intracraniana, herniação do sistema nervoso central e morte. Para melhor caracterizar a amostra fez-se uma avaliação aproximada do risco de LIC de acordo com dois protocolos de abordagem do TCE na infância6,7. Verificou-se que mais de 90% das crianças transferidas apresentavam risco adaptado intermédio ou alto. Se se optasse por uma abordagem conservadora com ênfase na vigilância clínica no risco intermédio, teríamos igual efectividade na identificação dos casos de LIC, diminuindo para metade o número de TC-CE. Apesar da avaliação neuro imagiológica ser o único método seguro para a exclusão de LIC, a observação clínica seriada é indispensável e pode ser eficaz nos casos de risco intermédio em que se decida não realizar TC-CE inicialmente. Esta avaliação dinâmica da evolução clínica permite desvalorizar alterações transitórias e pode ser a melhor forma de limitar o número de TC-CE na prática diária. A clínica e a radiografia nos TCE ligeiros revelam-se em grande número de casos frustre, dificultada pelas especifici- Esteves I et al – Traumatismos cranianos na idade pediátrica dades dos doentes pediátricos e pouco sensível para a LIC. Os aspectos discutidos sublinham de forma consistente a necessidade de se utilizarem protocolos de actuação com ponderação de factores de risco na abordagem das crianças com TCE ligeiro, principalmente nos casos assintomáticos. Não havendo ainda regras de decisão totalmente eficazes, é aconselhável que a alta clínica seja sempre acompanhada de recomendações de vigilância no domicílio. Conclusões Os resultados desta revisão mostram que a clínica e a radiografia de crânio têm uma baixa sensibilidade na identificação de LIC, o que contribui para o elevado número de TC-CE realizadas em TCE ligeiros. Na avaliação de crianças com TCE é determinante que o clínico valorize a presença de factores de risco como a idade inferior a 1 ano ou o hematoma epicraniano não frontal, principalmente nos casos assintomáticos. Não obstante, a vigilância clínica por algumas horas com observação seriada em meio hospitalar é fundamental quando não se realiza um exame de neuro imagem. Dada a importância do problema e as controvérsias existentes, tornam-se necessários mais estudos nesta área. Agradecimentos Os autores agradecem a colaboração dos responsáveis pelos serviços administrativos e pelo arquivo do Serviço de Urgência do Hospital de Reynaldo dos Santos pelo apoio prestado na identificação e agrupamento dos processos clínicos revistos. Referências 1. Atabaki SM. Pediatric head injury. 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Ann Emerg Med 2004; 43(6):718-22. 0873-9781/09/40-4/203 Acta Pediátrica Portuguesa Sociedade Portuguesa de Pediatria CASUÍSTICA Casuística da Unidade de Pediatria do Hospital Cuf-Descobertas Sílvia Pereira, César Alagoa, Ana Boto, Ana Serrão Neto Unidade Funcional de Pediatria e Neonatologia - Hospital Cuf-Descobertas, Lisboa Resumo Introdução: A Unidade Funcional de Pediatria do Hospital Cuf-Descobertas foi o primeiro Serviço de Pediatria de um hospital privado, pelo que entendemos ser importante publicar o seu movimento assistencial, sete anos passados sobre a sua entrada em funcionamento. Métodos: Revisão casuística de 2005 a 2007 do movimento assistencial da Unidade Funcional de Pediatria do Hospital Cuf Descobertas, nos sectores de Atendimento Permanente (AP), Unidade de Internamento de Curta Duração (UICD) e Internamento. Resultados:. Entre 2005 e 2007, foram observadas no AP 136.832 crianças. O grupo etário entre o mês e os 2 anos de idade foi o mais numeroso (49,2%) e o período entre as 9 e 17 horas o que registou maior afluência diária (52,2%). Foram admitidos na UICD 1.857 (1,35%) doentes, sendo as doenças do aparelho digestivo a causa mais frequente (60,7%), seguidas das do foro respiratório. A duração destes internamentos foi inferior a 24 h em 92,7% dos casos. Foram transferidos para outro Hospital 1% dos doentes. Foram hospitalizados em quarto individual 1.532 doentes, tendo a média de dias de internamento sido de 3,76 dias. As doenças respiratórias foram responsáveis por 684 (44,6%) hospitalizações, seguidas das dos aparelhos digestivo e genito-urinário. De salientar, 77 (5%) internamentos por patologias menos comuns. Conclusão: A casuística de doentes do HCD, em comparação com a publicada por outros Serviços de Pediatria de hospitais públicos, evidencia fortes semelhanças, quer em volume de doentes quer em características nosológicas. Palavras-chave: pediatria, cuf-descobertas, hospital privado, casuística Acta Pediatr Port 2009;40(5):203-7 The Paediatric Department of the Hospital Cuf-Descobertas casuistic report Abstract Introduction: The Paediatric Department of the Hospital Cuf-Descobertas was the first one in a private hospital in Recebido: Aceite: 06.03.2009 14.12.2009 Portugal, therefore we believe it’s important to publish its casuistic, seven years after the clinical activity began. Methods: Retrospective analysis of the children’s clinical files admitted at the Paediatric Emergency Room (PER), Short Stay Unit (SSU) and in-patient room between January 1st 2005 and December 31st 2007. Results: During this period, 136.832 children were admitted at the PER. Most children were aged between 1 month and 2 years old (49, 2%) and the number of admissions were higher between 9 am and 5 pm (52, 2%). 1851 (1, 35%) children were hospitalized at the SSU. The most prevalent pathology belonged to the gastrointestinal tract (60,7%), followed by respiratory tract. 92,7% of the children stayed less than 25 hours. Only 1% of these children were referred to another hospital. During the same period, 1.532 children were hospitalized in private rooms, for a mean duration stay of 3.76 days. Respiratory infections were the most prevalent pathology (44,6% of hospitalized children) followed by gastrointestinal and genito-urinary tract disorders. We point out 77 (5%) children admitted for less common pathology. Conclusion: The clinical characteristics of these patients are similar to those described in other national studies at public hospitals. Key-words: paediatrics, cuf-descobertas, private hospital, case series Acta Pediatr Port 2009;40(5):203-7 Introdução Passados sete anos sobre a entrada em funcionamento do Hospital CUF-Descobertas (HCD), a Unidade Funcional de Pediatria publica o seu movimento assistencial. Esta Unidade foi a primeira que se organizou em moldes semelhantes aos Serviços de Pediatria dos hospitais públicos e, por isso, é importante objectivar diferenças e semelhanças entre volume de doentes, patologia das crianças e assistência clínica entre estes dois tipos de serviços. Correspondência: Sílvia Pereira Unidade funcional de Pediatria e Neonatologia Hospital Cuf-Descobertas, Lisboa 203 Acta Pediatr Port 2009:40(5):203-7 Pereira S et al – Casuística do Hospital Cuf-Descobertas Tradicionalmente, os hospitais privados, vulgarmente denominados de clínicas, estavam associados ao tratamento de doentes cirúrgicos seleccionados. Todavia, este conceito foi alvo de profunda mudança com o incremento do número de famílias com seguros de saúde. Actualmente, os maiores hospitais privados têm o seu corpo clínico e casuísticas que se crêem serem semelhantes à de hospitais públicos com o mesmo nível de diferenciação. A Pediatria do HCD é constituída por Maternidade com Unidade de Cuidados Especiais ao Recém-Nascido (UCERN), na qual há 3 postos de ventilação, 15 quartos individuais para internamento com cama para acompanhante e casa de banho, Atendimento Permanente (AP) com Unidade de Internamento de Curta Duração (UICD), dispondo de 4 camas, e consulta externa de pediatria geral e sub-especialidades. Após o reconhecimento pela Ordem dos Médicos da capacidade formativa parcial do Serviço para a formação de internos de pediatria médica, cremos ser relevante divulgar a casuística pediátrica do HCD. Material e Métodos Foi feita a revisão casuística do movimento assistencial da Unidade Funcional de Pediatria e Neonatologia do HCD, nos sectores de Atendimento Permanente (AP), Unidade de Internamento de Curta Duração (UICD) e Internamento. Trata-se de um estudo retrospectivo baseado na consulta dos processos clínicos dos doentes internados na UICD e no Internamento. Os dados referentes aos doentes admitidos no AP foram fornecidos pelo Departamento de Produção do Hospital. O período analisado foi de 3 anos, de Janeiro de 2005 até Dezembro de 2007 para os doentes internados na UICD e no Internamento. Para os doentes atendidos no AP apenas se analisou o ano de 2005, embora se tenha obtido o movimento global do triénio. Em relação a estes últimos doentes foram analisados os seguintes itens: sexo, idade (‹ 1 mês, 1m-2A, 3-5A, 6-11A,12-15A), mês do ano e período do dia da inscrição (9-17h, 18-23h, 24-8h). Para os doentes internados na UICD, foram estudados os itens: sexo, idade, mês de internamento, duração do internamento em horas (‹12h,13-24h, 25-35h, ›35h), diagnóstico segundo ICD10 e destino do doente (alta, internamento, transferência para outro hospital). Para os doentes do Internamento foram analisados: sexo, idade, mês de internamento, duração de internamento em dias, diagnóstico segundo ICD10, necessidade de observação por outras especialidades e destino do doente (alta ou transferência). Os dados foram registados e analisados nos Programa Access e Excel. Resultados I – DOENTES OBSERVADOS NO AP Desde Janeiro de 2005 a Dezembro de 2007 inscreveram-se no AP Pediátrico um total de 136.832 doentes, com a distribuição anual que se mostra na Figura 1, e onde se constata o aumento gradual do número de doentes observados. 204 Figura 1 – Nº de doentes/ano inscritos no Atendimento Permanente Pediátrico Durante o ano de 2005, caracterizou-se em detalhe o movimento de doentes (n=41.781), verificando-se a seguinte afluência mensal: Janeiro 5.046 crianças, Fevereiro 4.008, Março 3.619, Abril 2.649, Maio 3.339, Junho 2.775, Julho 2.616, Agosto 2.273, Setembro 2.679, Outubro 3.934, Novembro 3.655 e Dezembro 4.691. A distribuição por sexos revelou maioria de doentes (23.816 = 57%) do sexo feminino versus 17.965 (43%) do sexo masculino. No que respeita à idade, verificou-se a seguinte distribuição: recém-nascidos 418 ( 1 %), entre um mês e dois anos 20.538 crianças (49,2%), dos 3 aos 5 anos 11.194 ( 26,7 %), dos 6 aos 11 anos 7.321( 17,5%) e entre 12 e 15 anos 2.340 adolescentes ( 5,6 %). A afluência ao longo do dia foi maior no período das 9h às 17h, com 21.841 (52,2%) doentes e menor no período nocturno, entre as 24h-8h, com 4.378 (10,5%) doentes; entre as 18h e 23h inscreveram-se 14.579 (34,9%) doentes. II – INTERNAMENTOS NA UICD Durante o período estudado foram internados na UICD 1.857 doentes, o que corresponde a 1,35% dos doentes observados no AP. Constatou-se um predomínio de doentes do sexo masculino 1009 (54%). Quanto ao grupo etário dos doentes, verificou-se a seguinte frequência: 36(1,9 %) recém-nascidos, 636 (34,2%) crianças entre um mês e dois anos de idade, 677 (36.4%) entre três e cinco anos, 374 (20,1 %) entre seis e 11 anos e 133 (7,1 %) acima dos 11 anos. A distribuição mensal das crianças internadas foi a seguinte: Janeiro 186 crianças, Fevereiro 209, Março 154, Abril 167, Maio 122, Junho 122, Julho 122, Agosto 80, Setembro 116, Outubro 173, Novembro 187 e Dezembro 217. A duração do internamento, avaliada em horas, mostrou que a grande maioria dos doentes (1.722, 92,7%) permaneceu internado na UICD menos de 24h; 801 (43,1 %) ficaram internados menos de 13 horas, 96 (5,1 %) entre 25 e 36 horas e apenas 38 (2%) dos doentes permaneceram mais do que 36 horas. Os diagnósticos dos doentes admitidos estão discriminados na Figura 2. As doenças do aparelho digestivo foram as mais numerosas neste tipo de hospitalização com 1.128 (60,7%) Acta Pediatr Port 2009:40(5):203-7 Pereira S et al – Casuística do Hospital Cuf-Descobertas Figura 2 – Unidade de Internamento de Curta Duração - Diagnósticos dos doentes internados Figura 3 – Internamento em quartos: diagnósticos dos doentes casos, sendo na sua maioria situações de vómitos incoercíveis (n=608) e gastroenterite aguda (n=461). Neste grupo, também estão incluídos os doentes com patologia cirúrgica, nomeadamente apendicite aguda (n=56). Seguiram-se as doenças do aparelho respiratório, na sua maioria bronquiolite aguda (n=186) e crise de asma (n=45). Estes dois grupos nosológicos representaram 80,5% do total dos diagnósticos. As doenças infecciosas, nomeadamente febre sem foco identificável/sindroma febril de causa a esclarecer, constituíram o 3º grupo de doentes, enquanto os acidentes, traumatismos e intoxicações, ocuparam o 4º lugar. Na sua maioria foram traumatismos cranianos (n=44) e 17 doentes foram hospitalizados por intoxicações medicamentosas acidentais. 44,6% do total dos internamentos. Na sua maioria foram bronquiolites agudas (n=272), seguida por pneumonias (n=233), salientando-se um número significativo de pneumonias com derrame pleural (39 casos). Seguem-se as doenças do aparelho digestivo (n=347), sobretudo gastroenterite aguda (n=270), as doenças infecciosas (n=190), sobretudo celulite periorbitária e otomastoidite e as doenças do aparelho genito-urinário, na grande maioria pielonefrite aguda (n=138). Estes quatro grupos de diagnóstico constituíram 79,4% dos diagnósticos. A evolução das crianças internadas na UICD foi para alta em 1.322 (71%) doentes, transferência para o internamento em 518 (28%) casos, sendo apenas 16 (1%) doentes transferidos para outro Hospital. Dos doentes transferidos, cinco foram para Unidades de Cuidados Intensivos, cinco para ensino e acompanhamento em consulta de diabetes, após estabilização de diabetes inaugural, dois doentes para cirurgia em Centro especializado e quatro doentes a pedido dos pais por razão financeira. Neste período não se registou nenhum óbito. III- INTERNAMENTO EM QUARTOS Durante o triénio estudado, foram hospitalizados em quarto individual 1.532 doentes (1,1%), tendo a média de dias de internamento sido de 3,76 dias. Houve equilíbrio entre doentes do sexo masculino 51% (729) vs 49% (703) sexo feminino. Relativamente ao grupo etário, verificou-se a seguinte distribuição: 57 (3,7%) recém-nascidos, 780 (50,9%) crianças tinham entre um mês e dois anos, 411 (26,8 %) entre três e cinco anos, 235 (15,3 %) entre seis e onze anos e 54 (3,5%) tinham mais de 11 anos. A distribuição anual dos doentes internados foi a seguinte: Janeiro 192 doentes, Fevereiro 178, Março 186, Abril 110, Maio 127, Junho 89, Julho 69, Agosto 70, Setembro 54, Outubro 103, Novembro 137 e Dezembro 215. Os diagnósticos no internamento estão discriminados na Figura 3. As doenças do aparelho respiratório foram a causa mais frequente de hospitalização (n=684), representando Dos grupos nosológicos menos frequentes, salientam-se 77 (5%) casos: mastoidite aguda (25), Miosite aguda (11), Púrpura de Henoch-Schonlein (9), Púrpura Trombocitopénica Idiopática (6), Doença de Kawasaki (4), síndrome nefrótico (4), Neoplasias (3), Neutropénia febril (2), Neuromielite óptica (2), Drepanocitose (2), Pancreatite aguda (2), Doença Inflamatória Intestinal (2), Poliartrite juvenil (1), Pênfigo (1), Febre escaro-nodular (1), Malária (1), Quisto do coledoco (1). Para a terapêutica dos doentes internados, houve necessidade do apoio de outras especialidades em 211 crianças (13,7%), sendo a ORL a especialidade mais envolvida (72 doentes), seguida da Cirurgia Pediátrica (53 doentes) e Cardiologia Pediátrica (32 doentes). Quanto à evolução dos doentes, 1.521 doentes (99,2%) tiveram alta para o domicílio melhorados e 10 foram transferidos: 3 para o IPO de Lisboa por patologia neoplásica, 2 para Cuidados Intensivos por agravamento de patologia respiratória, 2 para Serviço de Hematologia e 3 a pedido dos pais por causa financeira. Não se verificou nenhum óbito. Discussão e conclusão Pela análise global da casuística de doentes pediátricos do HCD, constata-se a sua semelhança, em movimento e características nosológicas, com a publicada por outros hospitais públicos com serviços de pediatria (1,2,3). Particularmente, no que respeita ao número de crianças atendidas no AP do HCD durante o ano de 2007, ele é semelhante ao nº de crianças atendidas na Urgência Pediátrica de um hospital da Grande Lisboa (Hospital de Sta. Maria) (4). Admitimos que este volume de 205 Acta Pediatr Port 2009:40(5):203-7 doentes esteja relacionado com o facto de cada vez mais famílias disporem de Seguro de Saúde, do HCD não ter área geográfica definida e do serviço ter granjeado confiança clínica. Durante os três anos do estudo, o número de internamentos na UICD foi de 1,35% do total de doentes observados, enquanto que 2,47% foram hospitalizados no Serviço em quarto individual. Esta percentagem de hospitalizações é inferior à de outras séries nacionais com número de urgências semelhante (1,2,3). Interpretamos este facto em função do AP do HCD ser um Serviço sem restrição de acesso, não recebendo apenas doentes referenciados pelos cuidados primários de saúde ou pediatra assistente. Por esta razão, misturam-se patologia hospitalar e doenças agudas do ambulatório. A variação mensal do movimento do AP está de acordo com a sazonalidade da patologia em Pediatria, maior número de doentes nos meses de Inverno, tal como é descrito noutras séries nacionais (1,2). Foi aliás durante estes meses que se verificou maior número de internamentos, tanto na UICD como no Internamento, de acordo com a referida sazonalidade. No entanto, a diferença mensal não é tão acentuada na UICD, dado o maior número de doentes internados ter patologia do foro gastrointestinal, a qual é frequente durante todo o ano. Quanto ao movimento do AP ao longo das horas do dia, verificou-se maior número de inscrições entre as 9h e as 17h (52,2%), com diminuição no período nocturno (10,4% dos doentes entre as 24h e as 8h). Estes dados são concordantes com os descritos por Mário Coelho e col (2) acerca do movimento do Hospital de Dona Estefânia, mas diferentes em relação aos descritos no Centro de Vila Nova de Gaia (5), em que se registou maior afluência entre as 19h e 23h. Pereira S et al – Casuística do Hospital Cuf-Descobertas dias de internamento nos quartos foi de 3,76 dias. Este valor baixo é conseguido pela celeridade do apoio dos meios complementares de diagnóstico, mas também pela inexistência de doentes crónicos ou de casos sociais. A patologia do foro gastrointestinal (vómitos e GEA) ocupou o primeiro lugar nos diagnósticos dos doentes internados na UICD, seguida pela patologia aguda do foro respiratório. Estes dados são sobreponíveis aos descritos por Guedes e colaboradores (3) e inversos aos de Pereira e colaboradores (1) , em que a patologia respiratória é ligeiramente superior à gastrointestinal. Já para os doentes do Internamento, a patologia do foro respiratório ocupa o 1º lugar, o que é justificado pela melhoria mais lenta destas situações, passando os doentes da UICD para o internamento. Destacamos 39 doentes internados por pneumonia com derrame pleural (17,3% do total das pneumonias), bem como os 25 doentes internados por mastoidite aguda. À semelhança do comunicado e/ou publicado por outros hospitais, estas patologias tem tido um recrudescimento preocupante sem causa bem definida (7,8). Apesar dos internamentos na UICD por acidentes, traumatismos e intoxicações ocuparem o 4º lugar, não se verificaram casos graves e as intoxicações foram apenas 17 casos, número menor do que publicado noutras séries (9), provavelmente devido à maior divulgação de medidas preventivas junto da comunidade. É importante realçar a grande diversidade de grupos nosológicos, incluindo diagnósticos raros, numa proporção semelhante (5%) ao referido noutros trabalhos (1,2,3). Em 211 doentes (13,7%) do internamento, houve necessidade do apoio de outras especialidades, ou subespecialidades pediátricas. O facto do HCD ser um hospital multidisciplinar, permite o acesso fácil e célere às diversas especialidades com evidente benefício para os doentes. O grupo etário predominante foi o das crianças com idade compreendida entre um mês e dois anos, à semelhança do referido por outras séries (1,2). É reconhecido que nesta idade a generalidade das crianças é afectada por maior número de doenças agudas devido ao início da frequência de infantários. Por outro lado, é neste grupo etário que a patologia mais comum é habitualmente mais grave implicando tratamento sob hospitalização. Os grupos etários com menor expressão de internamentos foram os recém-nascidos (RN) e os adolescentes (6), tal como referido no estudo do Hospital Distrital de Faro (1). Houve necessidade de transferir apenas 16 doentes (1%), número semelhante ao descrito noutras séries nacionais de hospitais sem cuidados intensivos pediátricos (1,3). A baixa percentagem de doentes transferidos, quer da UICD, quer do Internamento, é expressão de que se cumprem os objectivos a que a Unidade de Pediatria do HCD se propôs, ou seja, satisfazer as necessidades de saúde das crianças que a ele recorrem. A baixa hospitalização de RN é provavelmente devida ao menor risco infeccioso das crianças que recorrem ao HCD e também ao facto destas crianças serem preferencialmente hospitalizadas na Unidade de Cuidados Especiais ao Recém-Nascido (UCERN), desde que sem risco infeccioso para a Unidade. De salientar a escassa percentagem de recém-nascidos que recorrem ao AP, podendo tal facto ser devido à acessibilidade destas crianças ao seu médico assistente. Agradecimentos Relativamente à duração dos internamentos, na UICD, a maioria dos doentes (92,7%) ficou internada menos de 24h, quer pela resolução rápida da patologia quer pela sua transferência para o Internamento. Apenas situações clínicas de maior gravidade, com necessidade de vigilância contínua, permaneceram nesta Unidade mais de 36h (n=39). No HCD a UICD é utilizada para monitorizar doentes mais instáveis, à semelhança do que acontece noutros hospitais (1). A média de 206 Em conclusão, a revisão do movimento assistencial pediátrico do HCD realça que a afluência de doentes e as patologias não difere entre hospitais públicos e privados. Agradece-se à restante equipa de Pediatras da Unidade Funcional de Pediatria e Neonatologia do HCD, a recolha dos elementos clínicos necessários para a elaboração desta casuística. Referências 1. Pereira A, Gama G, Calado C, Maio J. Análise dos internamentos na unidade de internamento de curta duração (UICD) do Serviço de Pediatria do Hospital Distrital de Faro. Saúde Infantil 2007; 29 (2): 41-50 2. Coelho M et al; Urgências Pediátricas e Casuística do Hospital de Dona Estefânia; 1ª edição; Laboratórios Bial; 1997. Acta Pediatr Port 2009:40(5):203-7 Pereira S et al – Casuística do Hospital Cuf-Descobertas 3. Guedes R, Lopes A, Martins C, Vilarinho A. Unidade de Internamento de Curta Duração do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia: sua utilidade junto de um Serviço de Urgência, Saúde Infantil 2006; 28(2):25-32 7. Ghaffar F A, Wordemann M, McCracken G H Jr. Acute mastoiditis in children: a seventeen-year experience in Dallas, Texas. Pediatr Infect Dis J 2001; 20: 376-80. 4. Centro Hospitalar Lisboa Norte. Indicadores de actividade: evolução anual da actividade assistencial na urgência por serviços. Acessível em: www.chln.min-saude.pt 8. Katz A, Leibovitz E, Greenberg D, Raiz S, Greenwald-Maimon M, Leiberman A, et al. Acute mastoiditis in Southern Israel: a twelve year retrospective study (1990 through 2001). Pediatr Infect Dis J 2003; 22: 878-82. 5. Caldeira T, Santos G, Pontes E, Dourado R, Rodrigues L. O dia-a-dia de uma Urgência Pediátrica. Acta Pediatr Port 2006; 37:1-4. 6. Freira S, Caturra L. Adolescentes entre os 10 e os 14 anos no serviço de urgência pediátrica de um hospital distrital. Saúde Infantil 2007; 29: 53-60. 9. Gomes S, Diamantino C, Pinheiro A, Amaral L, Ferreira A, Gonçalves H. Internamentos por intoxicações agudas em Pediatria. Saúde Infantil 2006; 28:31-7. 207 0873-9781/09/40-5/208 Acta Pediátrica Portuguesa Sociedade Portuguesa de Pediatria CASO CLÍNICO Púrpura fulminante pós varicela Ana Teixeira1, Carla Costa1, Rute Sampaio1, A. Bessa Monteiro2, Manuela Fraga3, Susana Pissarra1 1 - Serviço de Pediatria, Hospital de São João, Porto 2 - Serviço de Cirurgia Pediátrica, Hospital de São João, Porto 3 - Serviço de Imuno Hemoterapia, Hospital de São João, Porto Introdução Resumo A púrpura fulminante é uma doença trombótica rara que pode ocorrer durante ou após uma infecção ou no contexto de deficiência congénita ou adquirida de proteína C ou S. Caracteriza-se pelo envolvimento cutâneo extenso, particularmente ao nível das extremidades distais, por vezes com atingimento concomitante de outros órgãos por coagulação intravascular disseminada. Apresenta-se o caso de uma criança do sexo masculino com quatro anos de idade internada por púrpura fulminante associada a deficiência transitória de proteína C, como complicação de varicela. Apesar da varicela ser geralmente uma doença benigna e autolimitada, é fundamental o diagnóstico e terapêutica precoces das complicações graves que podem ocorrer. Palavras-chave: púrpura fulminante, varicela, deficiência de proteína C Acta Pediatr Port 2009;40(5):208-10 Postvaricella purpura fulminans Abstract Purpura fulminans is a rare thrombotic disease that can occur during or after an infection or due to congenital or acquired protein C or S deficiency. It is characterized by extensive involvement of the skin, mainly the extremities and sometimes concurrent involvement of visceral organs due to disseminated intravascular coagulation. A case of a four year old male child admitted with purpura fulminans due to a transient protein C deficiency, as a complication of varicella infection, is reported. Although varicella is usually a benign and self restricted disease, it is essential a prompt diagnosis and treatment of the severe complications that can occur. Key words: purpura fulminans, varicella, protein C deficiency Acta Pediatr Port 2009;40(5):208-10 Recebido: Aceite: 208 27.09.2006 30.06.2008 A púrpura fulminante (PF), descrita por Guelliot em 1884, é uma doença trombótica rara que ocorre geralmente no contexto de uma infecção1. Caracteriza-se pelo aparecimento de lesões purpúricas rapidamente progressivas com posterior desenvolvimento de extensas áreas de necrose cutânea e gangrena periférica. O envolvimento visceral, menos frequente, pode condicionar o aparecimento de hematúria e hemorragia gastrointestinal2. Laboratorialmente, apresenta alterações compatíveis com coagulopatia de consumo. A análise histológica das lesões revela trombose generalizada dos capilares e vénulas ao nível da derme e enfartes hemorrágicos dos tecidos circundantes. Frequentemente, apresenta desfecho fatal. Entre os sobreviventes, a morbilidade relaciona-se com a necessidade de amputação de membros e perda de extensas áreas de pele3. A PF pode ser observada em várias situações. A que mais frequentemente se associa a esta entidade é a septicemia decorrente de infecções por Staphylococcus aureus, Streptococcus beta hemolíticos dos grupos A e B, Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Neisseria meningitidis. Menos frequentes são as situações de PF relacionadas com deficiência congénita das proteínas C ou S da coagulação geralmente com manifestações no período neonatal ou durante a primeira infância. Em situações mais raras, há doentes que desenvolvem PF alguns dias ou semanas após o início de uma doença febril, associada a deficiência transitória das proteínas C ou S ou outros factores da coagulação. As infecções que mais frequentemente precedem estas situações são as estreptocócicas e a varicela1,3. O início da PF durante o período de convalescença da infecção precedente sugere a possibilidade da existência de um mecanismo imunológico subjacente3,4. A apresentação deste caso de PF secundária a deficiência transitória de proteína C na sequência de varicela tem o objectivo de alertar para a necessidade de um elevado índice de suspeição para o precoce diagnóstico desta entidade clínica rara. Correspondência: Ana Teixeira Serviço de Pediatria do Hospital de São João Alameda Professor Hernâni Monteiro 4202-451 Porto [email protected] Acta Pediatr Port 2009:40(5):208-10 Teixeira A et al – Púrpura fulminante pós varicela Relato de Caso Criança do sexo masculino com quatro anos de idade previamente saudável, sem antecedentes pessoais ou familiares conhecidos de doenças tromboembólicas ou hemorrágicas. Na história clínica de salientar varicela com início cerca de 10 dias antes do internamento com evolução clínica aparentemente favorável. Dois dias antes da admissão, verificou-se o aparecimento de queixas álgicas nos membros inferiores, e posteriormente, lesões petequiais ao nível do tronco e membros, que rapidamente progrediram para lesões purpúricas e placas necróticas extensas ao nível dos membros inferiores e região dorsal. Na admissão, apresentava-se consciente e colaborante, muito queixoso, apirético, hemodinamicamente estável, sem sinais de dificuldade respiratória. Ao nível dos membros inferiores e região dorsal, com distribuição simétrica, eram visíveis lesões purpúricas e equimóticas e algumas placas cutâneas com aspecto necrótico com forma irregular e limites bem definidos circundadas por um halo eritematoso (figura 1). O estudo analítico efectuado revelou hemograma e estudo bioquímico sérico sem alterações, à excepção de discreta elevação da proteína C reactiva. Sem evidência analítica de citólise hepática ou disfunção renal. O estudo da coagulação revelou tempos de Quick e de tromboplastina parcial activada prolongados, D-dímeros aumentados, níveis de fibrinogénio sérico e proteína C funcional diminuídos e doseamento de anti-trombina III sem alterações (Quadro). Os exames culturais (sangue e urina), efectuados na admissão, não revelaram crescimento de qualquer agente infeccioso. O estudo da imunidade celular, humoral e autoimunidade não mostrou alterações, com excepção de níveis elevados de anticorpos IgM anti-cardiolipinas e beta 2 glicoproteína 1. Foi iniciada antibioticoterapia sistémica empírica com ceftriaxone (100 mg kg-1, endovenoso, mantido durante 10 dias) e efectuadas múltiplas transfusões de plasma fresco (15 mL kg-1 por transfusão, num total de 90 mL kg-1) e imunoglobulina humana (500 mg kg-1 por perfusão, foram efectuadas cinco administrações), concomitantemente com anticoagulação com heparina (50 UI kg-1, endovenoso/subcutâneo, durante 7 dias), corticoterapia com prednisolona (2 mg kg-1, endovenoso, durante 5 dias) e analgesia com morfina (0,1 mg kg-1, endovenoso, em SOS). Durante o internamento verificou-se progressão inicial das lesões cutâneas, situação que estabilizou após algumas Figura 1 – Lesões cutâneas características de púrpura fulminante horas de perfusão de plasma fresco. Posteriormente, apresentou evolução clínica lentamente favorável registando-se total involução das lesões mais recentes e escarificação com posterior re-epitelização das mais antigas algumas das quais vieram a necessitar de plastia. Analiticamente ocorreu normalização progressiva das alterações da coagulação observadas na admissão, nomeadamente dos níveis da proteína C funcional. Quatro meses após a alta hospitalar, em seguimento em Consulta de Pediatria, foi verificada cicatrização das lesões cutâneas, bem como manutenção de estudo da coagulação e níveis de proteína C funcional normais (Quadro). O estudo da autoimunidade foi normal e o estudo serológico revelou a presença de anticorpos IgG para o vírus da varicela. Discussão O diagnóstico de púrpura fulminante neste doente foi evocado pela existência de história pregressa de varicela e posterior aparecimento de lesões cutâneas características, na ausência de sinais clínicos de septicemia. Os achados laboratoriais compatíveis com coagulopatia de consumo e o baixo nível de proteína C funcional inicial, sua normalização após terapêutica e posterior manutenção permitiram o diagnóstico definitivo de púrpura fulminante pós varicela associado a deficiência transitória de proteína C. Apesar de na grande maioria dos casos a varicela apresentar evolução clínica e prognóstico favoráveis pode, por vezes cursar com complicações graves, de que é exemplo o caso descrito, ocasionalmente fatais, particularmente se não diagnosticadas e tratadas atempadamente 5. Quadro – Resultados laboratoriais Admissão Alta Seguimento V. R. aPTT 40,8 27,2 28,3 24,5-36,5 seg Tempo de Quick 16,2 11 11,8 10,9-13 seg 50 184 284 190-400 mg/mL Fibrinogénio D-Dímero 132 2,94 NE 0-0,5 microg/mL Proteína C funcional 0,27 1,74 0,86 0,75-1,25 U/mL Anti-trombina III 0,96 1,83 NE 0,7-1,35 U/mL Anticorpos anti-cardiolipinas IgG 6,6 NE 2,6 <20 GPL Anticorpos anti-cardiolipinas IgM 45,8 NE 4,4 <20 MPL Beta 2 glicoproteína 1 IgG 2,5 NE 0,5 <20 SGU Beta 2 glicoproteína 1 IgM 92,5 NE 8,6 <20 SMU V. R.: Valores de referência; aPTT: Tempo de tromboplastina parcial activado; NE: Não efectuado; GPL: Unidades padrão anti-cardiolipina IgG; MPL: Unidades padrão anti-cardiolipina IgM; SGU: Unidades padrão anti-Beta 2 glicoproteína 1 IgG; SMU: Unidades padrão anti-Beta 2 glicoproteína 1 IgM 209 Acta Pediatr Port 2009:40(5):208-10 O principal mecanismo responsável pelo baixo nível de proteína C nos casos de PF pós varicela, verificado no caso relatado, permanece desconhecido. Esta situação pode ser justificada tanto pelo gasto excessivo de factores de coagulação próprio da coagulopatia de consumo observada, como por uma resposta autoimunitária generalizada desencadeada pela varicela, verificada neste caso pela presença de níveis elevados de anticorpos IgM anti-cardiolipina e beta 2-glicoproteína 13,4. A terapêutica desta situação tem como objectivos principais a reposição dos factores da coagulação deficitários (através da administração de plasma fresco ou concentrado de proteína C, se disponível, com o objectivo de normalizar as alterações observadas no estudo da coagulação e obter níveis de proteínas C e S e anti-trombina III acima do seu valor normal) e a terapêutica antitrombótica com heparina1,4. A possibilidade de alteração imunológica subjacente, a gravidade da apresentação clínica e a rapidez da sua evolução, justificaram, neste caso, a terapêutica com imunoglobulina humana e prednisolona. A transfusão de concentrado de proteína C, não efectuada neste doente, foi já utilizada com sucesso no tratamento de outras situações de púrpura fulminante associada a coagulação intravascular disseminada e deficiência adquirida severa de proteína C3,6. 210 Teixeira A et al – Púrpura fulminante pós varicela Este caso pretende alertar para uma das complicações graves, embora raras, da varicela que é geralmente uma doença benigna e autolimitada particularmente quando ocorre em crianças previamente saudáveis e imunocompetentes. Referências 1. Nolan J, Sinclair R. Review of management of purpura fulminans and two case reports. Brit J Anaesthesiol 2001;86:581-6. 2. Woods CR, Johnson CA. Varicella purpura fulminans associated with heterozygosity for factor V Leiden and transient protein S deficiency. Pediatrics 1998;102:1208-10. 3. Canpolat C, Bakir M. A case of purpura fulminans secondary to transient protein C deficiency as a complication of chickenpox infection. Turkish J Pediatr 2002;44:148-51. 4. Lara LAM, Sert SZ, Oliveras AP, Costa TT, Garcia JJC, Cubells CL. Purpura fulminante posvaricelosa. An Pediatr (Barc) 2004;60:585-8. 5. English R. Varicella. Pediatrics in Review 2003;24:372-9. 6. Martinez CF, Mata AI, Perez-Yarza EG, Fuentes MCA, Arroniz RS, Andrade YA. Púrpura fulminante idiopática con déficit transitorio de proteína S. An Pediatr 2001;55:369-373. 0873-9781/09/40-4/211 Acta Pediátrica Portuguesa Sociedade Portuguesa de Pediatria CASO CLÍNICO Síndrome de megabexiga microcólon e hipoperistaltismo intestinal Maria João Borges1; Filipa Freitas2; Carmo Camacho1; Carla Pilar2; Fátima Alves2, Amélia Cavaco1 1 - Serviço de Pediatria do Hospital Central do Funchal 2 - Unidade de Cirurgia Pediátrica do Serviço de Pediatria do Hospital Central do Funchal Resumo A síndrome megabexiga microcólon hipoperistaltismo intestinal (MMHI) constitui uma associação malformativa rara, com elevada taxa de letalidade. Descreve-se o caso de um recém-nascido do sexo feminino, que apresentou ao nascimento uma distensão abdominal exuberante. A ecografia abdominal revelou uretero-hidronefrose bilateral. A laparatomia mostrou bexiga distendida, microcólon e intestino curto com má rotação. A criança faleceu ao 37º dia de vida, com um quadro de sépsis. Destaca-se a importância do diagnóstico pré-natal. Palavras-chave: megabexiga; microcólon; hipoperistaltismo intestinal; MMHI; recém-nascido;diagnóstico pré-natal Acta Pediatr Port 2009;40(5):211-3 Megacystis-microcolon-intestinal-hypoperis talsis syndrome Abstract The megacystic-microcolon-intestinal-hypoperistalsis syndrome (MMIH) is a rare congenital disorder, with a high lethality rate. A female infant, presenting with a huge abdominal distension at birth, is reported. Abdominal ultrassound revealed bilateral ureterohydronephrosis. Laparotomy showed a distended urinary bladder, microcolon and a short bowel with malrotation. The child died on the 37th day of life with an ongoing sepsis. This case highlights the importance of the antenatal diagnosis. Key-Words: megacystis; microcolon; intestinal hypoperistaltism; MMIH; newborn; antenatal diagnosis Acta Pediatr Port 2009;40(5):211-3 Introdução A síndrome megabexiga microcólon hipoperistaltismo intestinal(MMHI) é muito rara. Desde que Berdon e colaboradores identificaram cinco casos de MMHI em 1976 1, foram descri- Recebido: Aceite: 07.07.2007 27.11.2008 tos na literatura médica cerca de uma centena de casos. Embora possa apresentar um padrão de transmissão autossómica recessiva, a maioria dos casos ocorre esporadicamente. A etiologia e patogénese da doença não estão esclarecidas, embora muitas hipóteses tenham sido propostas2,3, nomeadamente genética, neurogénica, miogénica e hormonal. O quadro clínico é semelhante ao de outras obstruções intestinais do período neonatal. Caracteriza-se por distensão abdominal, vómitos biliares e hipoperistaltismo intestinal. Está habitualmente associada a rotação intestinal incompleta1,3. Algumas das anomalias congénitas podem ser identificadas nas ecografias de rotina pré-natais9. Os principais diagnósticos diferenciais a considerar são a síndrome de Prune Belly, a síndrome da megabexiga, as válvulas da uretra posterior, a atrésia ou volvo intestinal, a aganglionose cólica total e a síndrome da pseudoobstrução crónica intestinal2,4,5. As medidas terapêuticas visam o suporte nutricional, sendo o prognóstico reservado1 ,5. Relato do caso Recém-nascido do sexo feminino, caucasiano. Primeiro filho de pais jovens não consanguíneos, aparentemente saudáveis, sem história familiar de anomalias congénitas. Gestação não vigiada. O parto foi eutócico e ocorreu às 35 semanas. O recém-nascido apresentou um Índice de Apgar sete (primeiro minuto), nove (quinto minuto) e somatometria adequada à idade gestacional: peso 2345 g (P50), comprimento 45 cm (P25) e perímetro cefálico 32 cm (P50). O exame objectivo evidenciava uma distensão abdominal exuberante. Não eram evidentes outros dismorfismos. A radiografia simples do abdómen não evidenciou a presença de ar intra-intestinal (com excepção da câmara gástrica). O clister cpaco mostrou a existência de microcólon (Figura 1). A ecografia abdominal revelou uma uretero-hidronefrose bilateral; fígado, vesícula, sistema biliar e baço sem alterações; sem ascite. Correspondência: Maria João Borges Serviço de Pediatria, Hospital Central do Funchal Avenida Luís de Camões 9000 Funchal [email protected] 211 Acta Pediatr Port 2009:40(5):211-3 Borges MJ et al – Sindrome Megabexiga Figura 1 – Clister opaco: microcólon A distensão abdominal reduziu-se de imediato com o cateterismo vesical, que permitiu a drenagem de cerca de 280 ml de urina. Ao 3º dia de vida foi realizada uma laparotomia exploradora, tendo sido confirmado a existência de megabexiga, microcólon e má rotação intestinal (Figura 2). Foi realizada ileostomia e foram colhidas biopsias do apêndice ileo cecal, ileon, recto, sigmóide e bexiga. O exame anátomo patológico não revelou alterações significativas: os gânglios nervosos eram normais e a camada muscular lisa apresentava uma espessura irregular. O lactente foi submetido a suporte nutricional parentérico total. O óbito ocorreu ao 37º dia de vida, na sequência de um quadro de sépsis. Discussão e comentários O caso apresentado ilustra uma doença congénita rara, predominante no sexo feminino. Algumas manifestações da síndrome MMHI podem ser identificadas antes do nascimento através das ecografias pré natais de rotina. A ausência de uma gravidez vigiada no caso apresentado, não permitiu detectar o achado ultrassonográfico mais importante: presença de uma bexiga distendida na ausência de oligohidrâmnios, alterações que podem ser evidenciadas a partir das 16-20 semanas6. As alterações anátomo patológicas gastrintestinais são diversas. Contudo o achado mais importante é a presença normal ou aumentada de células ganglionares 2,3, característica distinta da aganglionose cólica total, diagnóstico diferencial desta síndrome. O suporte nutricional, mediante nutrição parentérica total (NPT), constitui a pedra angular do tratamento. Diferentes 212 Figura 2 – Imagens intra-operatórias: megabexiga, microcólon e márotação intestinal intervenções cirúrgicas podem ser realizadas, nomeadamente, gastrostomia, jejunostomia, ileostomia, entre outras2,5. Contudo, a intervenção cirúrgica tem sido ineficaz na maioria dos doentes, sendo necessária NPT. No caso apresentado não foi realizada terapêutica cirúrgica, tendo em conta o insucesso desta abordagem. A utilização de fármacos procinéticos, no sentido de promover a motilidade intestinal, tem sido ineficaz 2,3,4. O prognóstico desta síndrome é reservado, com taxas de mortalidade de 87% no 1º ano de vida. Estão descritos alguns casos de doentes que sobreviveram até os 4 e 11 anos de idade 4,5. A necessidade de NPT constitui um factor de risco importante de infecção, a qual contribuiu neste caso para a evolução fatal precoce. Embora a maioria dos casos ocorra de forma espontânea, a probabilidade de recorrência em gravidezes posteriores é de 25%5, sendo importante o aconselhamento genético. Destaca-se, desta forma, a importância do diagnóstico pré-natal na detecção de patologias raras, apesar de, no contexto actual a terapêutica desta síndrome, ser apenas paliativa. Acta Pediatr Port 2009:40(5):211-3 Referências 1. Verbruggen SC, Wijnen RM, Van den Berg P. Megacystis-microcolon-intestinal hypoperistalsis syndrome: a case report. J Matern Fetal Neonatal Med 2004; 16:140-1 2. Puri P, Shinkai M. Megacystis-microcolon-intestinal hypoperistalsis syndrome. Semin Pediatr Surg 2005; 14:58-63. 3. Rolhe M, O’Brien S, Pearl RH, Puri P. Megacystis-microcolon-intestinal hypoperistalsis syndrome: evidence of intestinal miopathy. Pediatr Surg Int 2002; 18:2-5. Borges MJ et al – Sindrome Megabexiga 4. Manop J, Chamnanyanakji S, Wattanasarn C. Megacystis microcolon intestinal hypoperistalsis syndrome (MMIHS): a case report in Thailand. J Med Assoc Thai 2004; 87(11):1385-8. 5. Kohler M, Pease PW, Upadhyay V. Megacystis-microcolon-intestinal hypoperistalsis syndrome (MMIHS) in siblings: case report and review of the literature. Eur J Pediatr Surg 2004; 14:362-7. 6. Carlsson SA, Hokegard KH, Mattson LA. Megacystis-microcolonintestinal hypoperistalsis syndrome. Antenatal appearance in two cases. Acta Obstet Gynecol Scan 1992; 71:645-8. 213 0873-9781/09/40-5/214 Acta Pediátrica Portuguesa Sociedade Portuguesa de Pediatria CASO CLÍNICO Doença de Lyme Ana Mariano, Márcio de Moura, Mª Filipe Barros, Mª João Virtuoso, Sandra Caetano Serviço de Pediatria, Hospital Distrital de Faro E.P.E. Resumo A doença de Lyme é uma infecção multissistémica causada pela espiroqueta Borrelia burgdorferi, sendo actualmente a mais comum doença transmitida por carraças na América do Norte, Europa e Ásia. Apresenta-se o caso de uma criança de oito anos de idade, sexo masculino, que após uma estadia na Holanda, onde teve contacto com carraças, desenvolveu quadro de cefaleia, cervicalgia e paralisia facial periférica à direita, e cuja investigação clínica determinou o diagnóstico de neuroborreliose de Lyme. Em virtude das variadas e inespecíficas manifestações clínicas, com frequência o diagnóstico de doença de Lyme somente é possível com um elevado índice de suspeição. Palavras-chave: Doença de Lyme, carraça, cefaleia, cervicalgia, paralisia facial periférica Acta Pediatr Port 2009;40(5):214-6 Ixodes1, principalmente a Ixodes ricinus na Europa. Neste continente, os países com maior incidência são a Eslovénia, a Áustria e a Holanda2. A doença foi descrita pela primeira vez em 1977 nos Estados Unidos da América 1,3 e em Portugal, o primeiro caso a ser diagnosticado ocorreu na região de Évora em 19894. A DL é uma doença multissistémica que inclui envolvimento dermatológico (eritema migrante), cardíaco (bloqueios, cardite), neurológico (paralisia facial, meningite, meningoencefalite) e reumatológico (artrite)1. Pode ocorrer em qualquer idade, mas com uma maior incidência em dois grupos etários: 2-15 anos e 30-55 anos5-6. Na fase inicial da doença, o diagnóstico baseia-se essencialmente na clínica (presença de eritema migrante) e no elevado índice de suspeição3. Pode ser confirmado pela evidência serológica de infecção (por Western Blot)6, embora na doença precoce, somente um terço dos pacientes tenham títulos positivos, passando à totalidade na doença tardia7. O interesse deste relato advém da baixa incidência desta doença em Portugal. Lyme disease Abstract Relato de Caso Lyme disease is a multisystemic infection caused by the spirochete Borrelia burgdorferi and the most common tick-borne illness in North America, Europe and Asia. The authors describe the clinical case of an eight years old boy, after a stay in Nederland, where had contact with ticks, developed occipital headache, cervical pain and peripheral face paralysis on the right. The clinical inquiry determined the diagnosis of Lyme neuroborreliosis. Due to the varied and non specific clinical manifestations, a high index of suspicion is frequently needed to diagnose Lyme disease. Rapaz, caucasiano, oito anos de idade, com antecedentes pessoais e familiares irrelevantes, recorreu ao Serviço de Urgência Pediátrica no mês de Agosto, por quadro clínico de cefaleia e cervicalgia com treze dias de evolução, associado na véspera a paralisia facial periférica à direita. De salientar a estadia da criança na Holanda cerca de um mês antes da admissão hospitalar, onde foram detectadas e retiradas duas carraças do couro cabeludo. Introdução À admissão encontrava-se queixoso, prostrado, com adenomegalia palpável na região retroauricular direita, rigidez terminal da nuca e sinais clínicos de paralisia facial periférica à direita, nomeadamente, sinal de Bell e apagamento do sulco nasogeniano à direita, e desvio da comissura labial para a esquerda. Inicialmente foram colocadas as hipóteses diagnósticas de neuroborreliose de Lyme (NL), meningite e lesão expansiva do sistema nervoso central (SNC). A doença de Lyme (DL) é causada pela espiroqueta Borrelia burgdorferi (Bb), transmitida através de carraças do género Dos exames complementares de diagnóstico iniciais salienta-se: hemograma e bioquímica normais; proteína C reactiva (PCR): Recebido: Aceite: Correspondência: Ana Mariano Hospital Distrital de Faro E.P.E. - Serviço de Pediatria Rua Leão Penedo 8000-386 Faro [email protected] Key-words: Lyme disease, tick, headache, cervical pain, peripheral face paralysis Acta Pediatr Port 2009;40(5):214-6 214 21.10.2007 28.02.2008 Acta Pediatr Port 2009:40(5):214-6 1,2ug/mL; velocidade de sedimentação: 7mm/h; líquido cefalorraquídeo (LCR): pleocitose (110 células/mm³), com predomínio de células mononucleadas, sem outras alterações; Tomografia axial computorizada cranioencefálica: sem alterações. Foi considerado como diagnóstico provável neuroborreliose de Lyme, e iniciada terapêutica com ceftriaxone 100mg/Kg/dia endovenoso. A ressonância magnética cranioencefálica (D15) não revelou alterações. Os estudos imunológicos, disponíveis em D16 mostraram a presença no sangue e LCR de anticorpos IgM e IgG anti-Bb por técnica de Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay (ELISA) e Western Blot e a detecção de ADN de Bb por PCR no LCR, confirmando o diagnóstico de NL. Durante o internamento ocorreu uma melhoria progressiva, com recuperação parcial da paralisia facial periférica. Teve alta para hospital de dia ao décimo sexto dia de internamento, completando 28 dias de antibioticoterapia endovenosa. Cinco meses após a alta foi observado em consulta, sem evidência de paralisia facial periférica e com referência a artralgia do joelho esquerdo, auto-limitada e com resolução após terapêutica com anti-inflamatórios não esteróides. Sete meses após a alta foi reobservado em consulta, apresentando-se clinicamente bem. Discussão A DL é uma infecção multissistémica, cujos sintomas inespecíficos podem mimetizar outras infecções, tornando o diagnóstico dependente do grau de suspeita2-3. Perante uma criança com uma estadia recente na Holanda, um país onde a incidência de DL é elevada (103/100000 habitantes em 2005)2, e atendendo à clínica sugestiva, nomeadamente paralisia facial periférica, rigidez da nuca e cefaleia, não seria de excluir a possibilidade de estarmos perante esta doença. Da mesma forma, a identificação e remoção prévia de duas carraças do couro cabeludo, reforçam esta possibilidade, já que estas são o vector da doença em causa1. A apresentação clínica da DL divide-se em três estadios: infecção localizada, infecção disseminada precoce e infecção disseminada tardia1,3,7. Em dois terços dos doentes, sete a catorze dias após a picada da carraça, desenvolve-se o eritema migrante, caracterizado por exantema eritematoso que se estende em redor do local da picada2,7, o qual não ocorreu no caso em questão. A NL ocorre no estadio de infecção disseminada precoce, cerca de três a dez semanas após a inoculação, caracterizando-se pelo envolvimento do SNC e/ou periférico7, enquadrando-se no caso apresentado pela ocorrência de paralisia facial periférica à direita, cefaleias e meningite asséptica. A distinção entre a meningite de Lyme (ML) e a meningite viral, torna-se difícil3,6, pois ambas ocorrem preferencialmente nos meses de Verão, e se traduzem por pleocitose com predomínio de células mononucleadas no LCR. A distinção entre ambas, faz-se pela ocorrência da ML em indivíduos de, ou provenientes de área endémica da DL, associando pleocitose no LCR a eritema migrante e/ou serologia positiva para a Bb, como ocorre no Mariano A et al – Doença de Lyme caso apresentado. Testes específicos para a ML, consistem na detecção de anticorpos anti Bb e de ADN de Bb por PCR no LCR8, permitindo confirmar o diagnóstico. Todavia, os testes serológicos podem ser negativos nas fases precoces da doença, mesmo com envolvimento do sistema nervoso8. Apesar da ocorrência de paralisia do nervo facial não ser patognomónica de DL6, esta corresponde na criança à manifestação neurológica isolada mais comum1. Em crianças que estiveram em áreas endémicas, a DL deverá ser considerada como causa de paralisia do nervo facial, mesmo na ausência de outras manifestações clínicas6,9. A antibioticoterapia é necessária em todos os estadios clínicos da doença. Apesar da paralisia do nervo facial resolver sem terapêutica, a mesma é necessária para evitar a evolução para a doença tardia, nomeadamente as manifestações reumatológicas (artrites envolvendo as grandes articulações) 7. Quando não existe envolvimento neurológico, os antibióticos utilizados são a amoxicilina, a doxiciclina (não recomendada antes dos oito anos de idade) e o cefuroxime axetil. Nas situações em que ocorre envolvimento neurológico, como no caso apresentado, a terapêutica é feita com ceftriaxone endovenoso na dose de 50 – 75 mg/Kg/dia durante 14 a 28 dias7,10. O prognóstico de NL nas crianças frequentemente é favorável, com regimes terapêuticos precoces e adequados7, sendo melhor do que nos adultos8. De salientar que os anticorpos desenvolvidos após a infecção, não são protectores perante uma nova exposição à Bb7. Apesar de Portugal ser um país onde a incidência de DL é inferior a 1/100 000 habitantes2, não nos podemos esquecer que as viagens para outros países são cada vez mais frequentes, com exposição das pessoas às suas doenças endémicas. A melhor forma de prevenir a infecção por Bb, é evitar a exposição às carraças. Se tal não for possível, recomenda-se a redução do risco de picada, através da utilização de roupas protectoras e repelentes, revistando diariamente o corpo e retirando eventuais carraças detectadas5,7,10. Para que ocorra transmissão da Bb e consequentemente infecção são necessárias mais de 48 horas de contacto com a carraça5,10. É importante relembrar que a DL apesar de rara, é uma realidade em Portugal, tratando-se de uma doença de notificação obrigatória11, e que somente notificando é possível um conhecimento mais exacto da sua verdadeira amplitude na população portuguesa4. Referências 1. 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Acessível em: http://www.dgs.pt/ 0873-9781/09/40-4/217 Acta Pediátrica Portuguesa Sociedade Portuguesa de Pediatria CASO CLÍNICO Miastenia gravis na adolescência Susana Soares1, Maria do Céu Espinheira1, Micaela Guardiano1, Ana Maria Maia1, Maria Manuel Campos2, Mª Júlia Eça-Guimarães1, 3 1 - Serviço de Pediatria Médica - Unidade Autónoma de Gestão da Mulher e da Criança, Hospital de S. João, Porto 2 - Unidade de Neurologia Pediátrica - Unidade Autónoma de Gestão da Mulher e da Criança, Hospital de S. João, Porto 3 - Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Resumo A miastenia gravis é uma patologia auto-imune rara que constitui um desafio diagnóstico pelo carácter flutuante da sintomatologia e pela variedade de manifestações. A terapêutica é eficaz pelo que o diagnóstico precoce é crucial. Adolescente de 12 anos que iniciou diminuição da actividade, humor depressivo e fadiga fácil. Um mês depois desenvolveu um quadro de insuficiência respiratória aguda que motivou internamento em Unidade de Cuidados Intensivos. Após a fase aguda, foi constatada diminuição global da força muscular com evidência de disfunção pós-sináptica grave no estudo electrofisiológico muscular. Foi iniciado tratamento com prednisolona e piridostigmina e foi realizada timectomia, com melhoria lenta mas progressiva. Com este caso clínico, os autores pretendem salientar as dificuldades diagnósticas da miastenia gravis na adolescência. Nesta idade, a apresentação clínica pode simular quadros psiquiátricos ou comportamentais, pelo que a necessidade de rever estes diagnósticos é fundamental. Palavras-chave: miastenia gravis, doença neuromuscular, auto-anticorpos, timectomia Acta Pediatr Port 2009;40(5):217-9 Myastenia gravis in adolescence Abstract Myasthenia gravis is a rare auto-immune disorder that represents a diagnostic challenge due to the fluctuant nature of its symptoms and the variety of its manifestations. The treatment is usually successful. Therefore, early diagnosis is crucial. A 12 year old teenager initiated decreased activity and depressive mood, along with fatigue. One month after, she developed acute respiratory failure which motivated her admission to the Intensive Care Unit. After this acute episode, global muscular weakness was detected with evidence of severe post-synaptic dysfunction on muscular electrophysiologic studies. Prednisone Recebido: Aceite: 09.11.2007 27.11.2009 and pyridostigmin were started and thymectomy was performed, with slow but progressive recovery. With this case report, the authors wish to highlight the diagnostic challenge of myasthenia gravis in adolescence. In this age, clinical presentation may mimic psychiatric or behavioural manifestations and therefore, their diagnosis has to be constantly reconsidered. Keywords: myasthenia gravis, neuromuscular disease, autoantibodies, thymectomy Acta Pediatr Port 2009;40(5):217-9 Introdução A miastenia gravis é uma patologia auto-imune rara (três casos/100 000 habitantes/ano)1 de incidência bimodal, com picos na terceira década (em mulheres) e na sexta e sétima décadas (maior incidência no sexo masculino). Caracteriza-se classicamente por fadiga fácil de carácter flutuante.2,3 A apresentação em idade pediátrica é infrequente, ocorrendo apenas em dez a vinte por cento dos casos.4,5 É causada por auto-anticorpos contra os receptores nicotínicos da acetilcolina da placa motora (anti-AChR) detectados por radioimunoensaio. A anomalia reside na membrana póssináptica e resulta da destruição auto-imune pelos anticorpos anti-AChR que levam à ligação cruzada de receptores e aceleração da sua endocitose, bloqueio dos locais de ligação ou destruição mediada pelo complemento.2 A classificação de Osserman (Quadro 1)6 baseia-se no atingimento clínico e permite distinguir formas generalizadas e ocular. A miastenia gravis pode também ser classificada de acordo com a etiologia (auto-imune adquirida, neonatal transitória, induzida por fármacos e síndromes miasténicos congénitos)3. Oitenta e cinco por cento dos casos de miastenia gravis generalizada são seropositivos, ao contrário de apenas 50 a 60% da forma ocular. Recentemente têm sido detectados outros auto-anticorpos, como os anti-MuSK (muscle specific protein kinase), com diferentes implicações no diagnóstico.8 Correspondência: Susana Sara Teixeira Soares Av. Com. Ferreira de Matos 465, hab. 303 4450-125 Matosinhos [email protected] 217 Acta Pediatr Port 2009:40(5):217-9 Quadro 1 Classificação de Osserman baseada na gravidade da doença em adultos6 (1) Miastenia ocular (doença confinada a músculos oculares) (2) Miastenia Gravis generalizada de intensidade ligeira (a) ou moderada (b) (3) Miastenia Gravis generalizada grave (4) Crise miasténica com insuficiência respiratória O papel do timo na etiopatogénese da doença tem sido amplamente discutido e permanece controverso. Contudo, a associação com timoma encerra um prognóstico menos favorável. 3, 7, 8 Na sua apresentação clínica típica, a miastenia gravis manifesta-se por fraqueza e fatigabilidade musculares em actividades sustentadas ou repetitivas que melhoram após o repouso. O carácter flutuante destas manifestações dificulta o diagnóstico, pelo que só a suspeita clínica, orientando os testes complementares, particularmente o doseamento de anticorpos anti-AChR e os testes neurofisiológicos, leva ao diagnóstico correcto.3 O tratamento da miastenia gravis é eficaz. Os inibidores das acetilcolinesterases são usados inicialmente, mas proporcionam remissão parcial dos sintomas e os seus efeitos tendem a diminuir com o tratamento continuado. A associação de corticóide é frequentemente necessária nos casos moderados a graves. Pelos efeitos laterais da terapêutica prolongada com estes fármacos, têm vindo a ser utilizados imunossupressores. A plasmaferese e a imunoglobulina intravenosa reservam-se para situações específicas como a crise miasténica2,3. A timectomia está indicada nas formas com aumento dos anticorpos e presença de timoma ou em doentes com miastenia generalizada entre a adolescência e os 60 anos nos quais foi observada melhoria em 80-85% dos doentes3. Na ausência de tratamento a miastenia gravis apresenta uma letalidade de 20 a 30% em dez anos3. Com o tratamento actual, o prognóstico é excelente. Neste artigo, relata-se a história de uma adolescente com forma generalizada grave desta doença, sua apresentação, processo diagnóstico e terapêutico e evolução. Relato do caso Adolescente de 12 anos, sexo feminino, raça negra, nacionalidade cabo-verdiana, residente em Vila Nova de Gaia há 4 meses. Sem antecedentes patológicos relevantes. Filha de pais jovens, não consanguíneos; irmãos de 18 e 11 anos, saudáveis; sem doenças heredofamiliares conhecidas. A adolescente e a família reportavam o início das manifestações cerca de um mês após a chegada a Portugal com dores matinais nos membros inferiores, astenia e humor depressivo. Nesta altura, a doente apresentou um episódio de perda súbita da força muscular nos membros inferiores que motivou o recurso ao Serviço de Urgência e referenciação a Pedopsiquiatria por suspeita de quadro depressivo. Foi prescrita terapêutica com sertralina e alprazolam que não foi cumprida. 218 Soares S et al – Miastenia gravis na adolescência No mês seguinte, as queixas iniciaram-se com odinofagia, tosse, dispneia e novo episódio de perda súbita da força muscular. Nessa altura foi admitida na Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos por insuficiência respiratória aguda com necessidade de ventilação assistida durante 5 dias em contexto de pneumonia com atelectasia do lobo inferior esquerdo e traqueobronquite por metapneumovírus. Após a alta, assistiu-se a um agravamento progressivo com astenia marcada e mialgias difusas. Foi reobservada no Serviço de Urgência um mês após a alta hospitalar. Na admissão, apresentava-se consciente e orientada, com facies inexpressiva e mímica facial pobre, sem rugas de expressão, incapacidade de oclusão forçada dos olhos e ptose palpebral intermitente. Apresentava baixo tom de voz, sem disfonia; deglutição preservada, sem sialorreia. Sem sinais de dificuldade respiratória. Não conseguia efectuar a manobra de Gowers ou elevar sustentadamente os membros superiores, mas apresentava movimentos distais preservados embora com fatigabilidade fácil. Foi internada no Serviço de Pediatria por suspeita de doença neuromuscular. Do estudo complementar realizado destaca-se a normalidade do doseamento de enzimas musculares, cálcio e fósforo e função tiroideia, bem como o aumento das IgG para 1730mg/dL (N: 700-1550) com elevação da IgG1 para 1349mg/dL (N: 370-1280) e níveis de anticorpos anti-receptores da acetilcolina de 0,31mmol/L (N: 0-0,25). A electromiografia com estudos de estimulação repetitiva revelou alterações compatíveis com disfunção pós-sináptica grave da placa motora. Foi ainda realizada tomografia axial computorizada torácica que não revelou alterações mediastínicas, designadamente do timo, ou do parênquima pulmonar. Mediante o diagnóstico de miastenia gravis auto-imune generalizada (grau 3 na classificação de Osserman) foi iniciada terapêutica com prednisolona (0,4mg/Kg/dia) e piridostigmina (1mg/Kg/dia) com ajustes sucessivos de dose (à data de alta, 2,5mg/Kg/dia). Assistiu-se a uma melhoria clínica lenta e progressiva durante os 30 dias em que se encontrou internada, após o que teve alta orientada para a consulta de Neurologia Pediátrica. Dois meses depois foi reinternada por incapacidade súbita de manter o ortostatismo e dificuldade respiratória interpretados como uma crise miasténica. Foi reajustada a terapêutica com piridostigmina para 4,5mg/Kg/dia, com melhoria clínica, e programada timectomia que foi efectuada um mês depois, sem intercorrências. O exame histológico não revelou alterações. Após um período de diminuição progressiva da medicação encontra-se actualmente sob terapêutica com piridostigmina a 1mg/Kg/dia distribuída segundo a rotina diária. Assistiu-se a uma franca melhoria global com recuperação da força muscular, o que lhe permitiu autonomia total nas suas actividades diárias e regresso às actividades escolares e lúdicas. Discussão O diagnóstico de miastenia gravis, mesmo com uma apresentação clínica clássica numa mulher jovem, ocorre frequente- Acta Pediatr Port 2009:40(5):217-9 mente com algum atraso, sendo os sintomas iniciais muitas vezes considerados como resultantes de patologia psiquiátrica. As manifestações subtis ou invulgares e a flutuação das mesmas, particularmente em idade pediátrica, motivam compreensíveis erros e atrasos no diagnóstico desta entidade rara.10 Na adolescente cujo caso se relata, o quadro somático inicial, de carácter inespecífico, foi valorizado como adaptação ou reacção depressiva à vinda para outro país, sem merecer outra orientação durante 3 meses. O quadro de insuficiência respiratória aguda motivou um estudo complementar com investigação de outras patologias, nomeadamente infecciosas e desmielinizantes, parecendo à data suficientemente justificado. Contudo, a manutenção da sintomatologia após a alta motivaram a pesquisa de outra causa. O diagnóstico, sugerido pela observação clínica cuidadosa, foi apoiado pela detecção de anticorpos anti-AchR e pelo estudo electrofisiológico com estimulação repetitiva, ambos testes sensíveis e específicos. A terapêutica inicial consistiu na associação de um inibidor das acetilcolinesterases e corticóide dada a gravidade da apresentação clínica. A realização de timectomia, não incluída no plano inicial, baseou-se no benefício demonstrado em adolescentes com miastenia generalizada.3 Após um período inicial de ajuste do esquema terapêutico, a resposta foi favorável pelo que a doente se encontra, após 24 meses, sob terapêutica mínima, autónoma nas suas actividades e com manifesta melhoria da sua qualidade de vida. A apresentação precoce, o sexo feminino e a realização de timectomia constituem factores de bom prognóstico nesta doente.8 A associação com outras doenças auto-imunes, sobretudo tiroideias, é frequente, pelo que foram excluídas e mantêm-se sob vigilância.3,10,11 Com o relato deste caso, que constituiu um desafio pela sua gravidade e forma atípica de apresentação, pretende-se salien- Soares S et al – Miastenia gravis na adolescência tar que, durante a adolescência, a apresentação inicial desta patologia pode simular manifestações comportamentais ou psiquiátricas, pelo que a necessidade de rever e reformular estes diagnósticos é fundamental. Referências 1. MacDonald BK, Cockerell OC, Sander JWAS, Shorvon SD. The incidence and lifetime prevalence of neurological disorders in a prospective community-based study in the UK. Brain. 2000; 123: 665-76 2. Conti-Fine BM, Milani M, Kaminski HJ. Myasthenia Gravis: past, present, and future. J Clin Invest. 2006; 116: 2843-54 3. Thanvi BR, Lo TCN. 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O diagnóstico foi feito com base nas características clínicas, na exclusão de outras causas de lesões ulcerativas, na anatomia patológica e na resposta à terapêutica. Na investigação etiológica não foram encontradas patologias sistémicas associadas. Foi efectuada corticoterapia sistémica isolada durante quatro meses com cicatrização incompleta, o que levou à associação da ciclosporina. Destacase a necessidade de efectuar o diagnóstico diferencial com outras lesões ulcerativas e a importância da exclusão de entidades sistémicas que lhe estão geralmente associadas. Palavras-chave: Pioderma gangrenosum, adolescente, ciclosporina Acta Pediatr Port 2009;40(5):220-2 Idiopathic pyoderma gangrenosum in an adolescent Abstract Pyoderma gangrenosum (PG) is an ulcerative illness of the skin that may appear in all age groups. It is rare in children and young adults. We report a case of a 15-year-old adolescent who had a recurrent ulcerative lesion in the right ankle. The diagnosis was made by clinical characteristics, exclusion of other causes of ulceratives lesions, histological findings and response to the therapy. Associated systemic illnesses were not found in this patient. Systemic corticotherapy was used during four months with incomplete healing, which led to the association of cyclosporine. The differential diagnosis with other ulcerative lesions should be made and it is important to rule out systemic illnesses that are generally associated with this disease. Key-words: Pyoderma gangrenosum, adolescent, cyclosporina Acta Pediatr Port 2009;40(5):220-2 Recebido: Aceite: 220 08.01.2009 28.10.2009 O Pioderma gangrenosum (PG) é uma doença cutânea rara, caracterizada por lesões ulcerativas necrotizantes, dolorosas e estéreis, de etiologia desconhecida1. O diagnóstico é muitas vezes tardio e apenas realizado após exclusão de outras causas de lesões ulcerativas2. A morfologia da lesão inicial pode ser uma pápula, pústula ou ter o aspecto de dermatite, o que dificulta e atrasa o diagnóstico2. A distribuição das lesões nas crianças é diferente do adulto, podendo ocorrer mais frequentemente na região genital, perianal, cabeça e face, o que é raro no adulto. Pode constituir uma manifestação dermatológica de uma doença sistémica, mas em cerca de 20 a 30% dos casos não se identifica outra patologia associada1,3,4. Está frequentemente associado à colite ulcerosa, leucemia, doença de Crohn e artrite, podendo também associar-se à infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH), doença de Takayasu, imunodeficiências, doença granulomatosa crónica, doenças hepáticas, entre outras1,3,5. Uma vez que o PG pode estar associado a várias doenças autoimunes e responde favoravelmente à terapêutica imunosupressora, pensa-se que a sua patogénese possa ser imunomediada3. Em crianças susceptíveis, o traumatismo mínimo pode provocar lesões de PG, fenómeno denominado “ Patergia” 5. O caso que se apresenta pretende demonstrar a necessidade de pensar nesta entidade quando existem lesões ulcerativas crónicas. Relato de caso Adolescente de 15 anos do sexo masculino, raça negra, previamente saudável com antecedentes pessoais e familiares irrelevantes. Em Fevereiro de 2006 refere o aparecimento espontâneo de pústula, que evoluiu para uma ulceração pruriginosa e dolorosa junto ao maleolo externo da perna direita com 8 x 5 cm, com bordos escavados e eritematosos, fundo necrótico e exsudação amarelo-esverdeada no centro da lesão, que motivou o internamento. Destaca-se também hiperpigmentação da Correspondência: Paula Nunes Rua Dr. Bastos Gonçalves nº1-D 4ºB 1600-898 Lisboa [email protected] Acta Pediatr Port 2009:40(5):220-2 região maleolar interna. Nega outra sintomatologia associada, assim como estadia em África, e o restante exame objectivo foi normal. No exame cultural do exsudado do centro da úlcera, foi isolado Pseudomonas Aeruginosa, pelo que o doente foi medicado com ceftazidima e gentamicina endovenosos, sem regressão da lesão. Durante o internamento, apesar das medidas terapêuticas locais instituídas não se observou melhoria. Por persistência da lesão ulcerada, foi feita biópsia que revelou um “ infiltrado inflamatório neutrofílico, acompanhado de fibrose da derme e paraqueratose. Não foram evidenciadas formas fúngicas ou outros microrganismos na peça histológica”. Teve alta referenciado à consulta de Dermatologia, Pediatria e Cirurgia Geral para seguimento clínico e investigação etiológica, onde não compareceu de modo regular. Cerca de 2 meses depois foi novamente internado por agravamento da ulceração, com aumento de dimensões (10 x 8 cm), e aparecimento de uma placa de necrose. Foi submetida a desbridamento cirúrgico, o que revelou úlcera com áreas necróticas, granulosas e com bordos sangrantes. Realizou-se enxerto cutâneo, que após 6 semanas, na sequência de um traumatismo minor, ulcerou e necrosou. Foi efectuada nova biópsia cutânea que revelou: “ infiltrado neutrofílico perivascular superficial e profundo, com proliferação vascular e tecido de granulação, pigmento de hemossiderina, fendas, congestão vascular e hemorragia. A pesquisa de microrganismos foi negativa”. Os exames complementares realizados para o diagnóstico diferencial da úlcera foram os seguintes: hemograma, PCR, doseamento de antitrombina III, proteína C e S, anticorpos anti-cardiolipina e pesquisa de anticoagulante lúpico, todos dentro dos valores de referência, os últimos para exclusão de trombofilias. A velocidade de sedimentação era de 30 mm/hora e a electroforese das hemoglobinas excluiu hemoglobinas anormais. O estudo complementar para vasculites e doenças do colagéneo foi o seguinte: ANAS, Anti-DNA ds, ANCAS, Anticorpos: anti – SSA, SSB, n RNP, Sm, Scl 70, Jo 1, PR3 e MPO negativos. O ecodoppler arterial e venoso dos membros inferiores excluiu insuficiência vascular. A radiografia do membro inferior direito e a tomografia computorizada do membro inferior direito não demonstraram alterações sugestivas de artrite ou osteomielite. Para investigação de patologias sistémicas associadas ao PG foram realizadas: endoscopia digestiva alta, colonoscopia total que excluíram doenças inflamatórias intestinais. Não apresentava alterações hematológicas sugestivas de leucemia. As serologias para hepatites B e C, VIH 1 e 2 foram negativas. A pesquisa do Factor Reumatóide foi negativa. A avaliação do sistema imunitário demonstrou hipergamaglobulinémia policlonal, excluiu imunodeficiências, incluindo défices dos factores de complemento. Foi reobservado pela Dermatologia, que considerou o diagnóstico de Pioderma gangrenosum. Iniciou corticoterapia sistémica oral (prednisolona 1 mg/Kg/dia). Após 4 meses de Nunes P et al – Pioderma gangrenosum idiopático terapêutica com corticoterapia verificou-se cicatrização incompleta da lesão, o levou à introdução de um novo imunossupressor, a ciclosporina (10 mg/Kg/dia), com resolução significativa da lesão. Discussão Pioderma gangrenosum foi pela 1ª vez descrito em 1916 por Brocq 5,6,7, mas foi em 1930 que Brunsting et al o designaram como tal 5,8. O diagnóstico de PG é clínico e requer a exclusão de outras causas de lesões ulcerativas cutâneas e é obrigatória a avaliação do doente para excluir a existência de patologias sistémicas associadas 5. As doenças sistémicas podem ser diagnosticadas prévia, concomitantemente ou até meses ou anos após o diagnóstico de PG 8.A colite ulcerosa é a doença sistémica mais frequentemente associada nas crianças, seguida pela leucemia, pela doença de Crohn e artrite 2,9. Neste doente foram excluídas quaisquer destas patologias. Não existe nenhum indicador patognomónico, a histologia não é diagnóstica, mas sugestiva quando se observa infiltração neutrofílica, focos hemorrágicos e necrose fibrinóide 7,10. Nas crianças e jovens entre os um e 18 anos, na maior parte das vezes as ulcerações têm origem em pústulas, ao contrário dos adultos em que geralmente se iniciam por máculas, pápulas ou nódulos 2,3,7,8. A lesão é dolorosa, com bordos irregulares, violáceos e com halo eritematoso, tal como se observou neste caso. Se não for tratada, pode persistir por meses ou anos apresentando por vezes carácter recidivante 7,8 como sucedeu com este adolescente. Existem casos relatados em lactentes e alguns em agrupamentos de famílias 11. As lesões podem ocorrer em qualquer parte do corpo, porém as localizações mais frequentes são as extremidades inferiores, em especial nas superfícies extensoras, região glútea e face. As lesões podem desenvolver-se em cicatrizes, feridas cirúrgicas ou locais de enxerto cutâneo, tal como aconteceu com este doente em particular1-3,8. O diagnóstico diferencial de PG inclui insuficiência arterial/venosa, infecções bacterianas, fúngicas ou por micobactérias, vasculites, doenças do colagéneo, síndrome de anticorpos antifosfolípidicos, 3,8,12. O diagnóstico precoce é importante, pela necessidade de iniciar o tratamento correcto. Neste caso o diagnóstico não foi tão precoce quanto desejável mas após a instituição da corticoterapia houve resposta da lesão, com evolução muito favorável após a introdução da ciclosporina. O diagnóstico neste doente foi estabelecido com base nas características clínicas, na localização da lesão; na recidiva após um traumatismo minor (patergia); no reaparecimento após enxerto cutâneo; na compatibilidade dos achados histológicos; na exclusão de outras causas de lesões ulcerativas e na resposta à imunosupressão. A realização de um enxerto cutâneo numa área cutânea patológica com recidiva da lesão também apoia este diagnóstico. Os exames culturais da úlcera inicialmente foram positivos, o que se considerou tratar de uma sobreinfecção bacteriana, uma vez que a Pseudomonas 221 Acta Pediatr Port 2009:40(5):220-2 aeruginosa é um habitual contaminante das úlceras de perna, em que o tratamento local costuma ser suficiente para eliminar a bactéria. Foi realizada antibioterapia sistémica e os exames culturais repetidos foram negativos, no entanto a ulceração continuou a progredir e recorreu mesmo após esterilização da lesão. O tratamento mais frequentemente prescrito em crianças é a corticoterapia sistémica, que é eficaz em cerca de 60% dos doentes 2,3. Nos restantes doentes, pode ser necessário recorrer à ciclosporina, ou agentes quimioterápicos; ciclofosfamida, metotrexato, clorambucil, com boa resposta mesmo em crianças sem história de leucemia, ou até a fármacos como a dapsona, rifampicina, azatioprina, minociclina ou colchicina 1-3. Neste adolescente a cicatrização da lesão, não foi completa com a terapêutica isolada de prednisolona, à qual foi necessário associar a ciclosporina. Este último fármaco tem demonstrado ser eficaz em vários casos, sendo considerado de 1ª linha por alguns autores 8. A antibioterapia local ou sistémica, apenas tem interesse em casos de sobreinfecção bacteriana. Existem referências da eficácia do tacrolimus tópico no tratamento do PG 1. Como as lesões de PG são dolorosas, há necessidade de efectuar analgesia, e o controlo da dor é fundamental para o bem-estar do doente. Em virtude de não existirem ensaios terapêuticos comparativos publicados, o tratamento deve ser seleccionado em função da extensão, duração e gravidade da doença. O PG pode preceder o aparecimento da Colite ulcerosa, doença de Crohn, leucemia ou artrite, pelo que, o doente deve ser acompanhado pelo menos por um período de 2 anos 1,2. 222 Nunes P et al – Pioderma gangrenosum idiopático Referências 1. Torrelo A, Colmenero I, Serrano C, Vilanova A, Naranjo R, Zambrano A: Pyoderma Gangrenosum in an Infant. Pediatr Dermatol 2006; 23: 338-41. 2. Graham JÁ, Hansen KK, Rabinowitz LG, Esterly NB: Pyoderma Gangrenosum in Infants and Children. Pediatr Dermatol 1994; 11: 10-17. 3. East-Innis A, Desnoes R, Thame K, Shirley S, Gilbert D: Pyoderma Gangrenosum associated with osteomyelitis in a Paediatric patient: a case report. West Indian Med J 2005; 54: 207- 9. 4. Sandhu K: Idiopathic Pyoderma Gangrenosum in a child. Pediatr Dermatol 2004; 21: 276-7. 5. 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J Am Acad Dermatol 1996; 34: 395-409. 0873-9781/09/40-4/223 Acta Pediátrica Portuguesa Sociedade Portuguesa de Pediatria ARTIGO DE ACTUALIZAÇÃO Mecanismos preventivos do flúor e cárie dentária Paulo Rompante Instituto Superior de Ciências da Saúde Norte Resumo A relação entre cárie dentária e os efeitos benéficos dos fluoretos são reconhecidos pela comunidade científica desde o início do século XX. As primeiras interpretações acerca dos efeitos preventivos dos fluoretos da cárie dentária fizeram-se com base em dados obtidos em comunidades nas quais foi implementada fluoretação artificial das águas de abastecimento público. Uma primeira interpretação da comunidade científica, baseada na informação disponível acerca de fluoretos e cárie dentária, fez crer que o efeito dos fluoretos em medicina dentária estava directa, e estritamente, relacionado com um mecanismo de acção preventivo da cárie dentária pré-eruptivo através do efeito sistémico do flúor incorporado na fase de maturação dentária. Actualmente a comunidade científica, baseada na evidência científica, reconhece que os mecanismos de acção preventivos dos fluoretos relativamente à cárie dentária se processam através da inibição da desmineralização dos tecidos dentários, do aumento da remineralização dos tecidos dentários e da inibição da actividade bacteriana da placa bacteriana e que esses mecanismos de acção são pós-eruptivos através do efeito tópico, quer para as crianças, quer para os adultos. Palavras chave: flúor, mecanismos de acção, prevenção, cárie dentária Acta Pediatr Port 2009;40(5):223-8 Fluoride preventive mechanisms and dental caries Abstract The relationship between dental caries and the beneficial effects of fluorides are recognized by the scientific community since the beginning of the twentieth century. The first interpretations of the preventive effects of fluorides in dental caries were made based on data from the commu- nities in which it was implemented artificial fluoridation of public water supply. A first interpretation of the scientific community, based on available information about fluoride and dental caries, did believe that the effect of fluorides in dentistry was directly and strictly linked to a mechanism of action of preventive dental pre-eruptive effect through of systemic fluoride incorporated during tooth maturation. Currently the scientific community, based on scientific evidence, acknowledges that the mechanisms of action of fluorides for prevention of dental caries is effected by inhibiting demineralization of tooth tissues, increasing the remineralization of dental tissue and the inhibition of bacterial plaque activity and that these mechanisms of action are post-eruptive topical effect by or for children or for adults. Key words: fluoride, mechanisms of action, prevention, dental caries Acta Pediatr Port 2009;40(5):223-8 Introdução Durante longos anos, a interpretação da informação científica disponível parecia suportar que o maior efeito dos fluoretos na prevenção da cárie dentária era devido à sua incorporação na porção mineral do dente durante o seu desenvolvimento, na fase de maturação das coroas dentárias, período pré-eruptivo. Este suposto mecanismo de acção preventivo, foi usado através de um grande esforço dos cuidados públicos de saúde e dos regimes individuais de prevenção de cárie dentária, através da fluoretação das águas de distribuição pública e, nas situações em que tal não era possível, através do uso de suplementos de flúor prescritos a crianças em regimes colectivos ou individuais, para aumentar a resistência dos dentes durante o desenvolvimento. A maior parte da informação e evidências que foram recolhidas para suportar os benefícios pré-eruptivos de fluoretos, foram apoiados por dados epidemiológicos acerca da incidência de cárie nas comunidades fluoretadas, ou através de Correspondência: Paulo Rompante Instituto Superior de Ciências da Saúde Norte Departamento Medicina Dentária Saúde Oral Comunitária Rua Central de Gandra, 1317 – 4585-116 Gandra PRD [email protected] 223 Acta Pediatr Port 2009:40(5):223-8 ensaios clínicos com suplementos de fluoretos. Praticamente todos os estudos humanos envolvendo a água fluoretada, ou os suplementos de fluoretos, não foram capazes de isolar a influência sistémica dos fluoretos sobre os dentes, da influência tópica desses mesmos fluoretos durante a sua ingestão. Este artigo de revisão narrativa propõe-se, com base na evidência científica, identificar e clarificar os mecanismos de acção preventivos dos fluoretos pela comunidade científica da doença cárie e das suas sequelas, as lesões de cárie dentária. Os mecanismos de acção dos fluoretos e a cárie dentária As primeiras publicações a advogarem efeitos preventivos da cárie dentária são as que se referem à efectividade da fluoretação das águas de abastecimento público. Murray realizou um estudo comparativo, publicado no final dos anos setenta, apresentando resultados sobre a acção carioprofiláctica da fluoretação da água de bebida de abastecimento público em 21 países, realizados de acordo com critérios fixados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Federação Dentária Internacional (FDI), para levantamentos epidemiológicos internacionais. Os resultados de 97 estudos mostravam que a fluoretação artificial, nos valores óptimos, era altamente eficaz. Em 57 desses estudos, a redução mais frequente na prevalência da cárie dos dentes decíduos oscilava entre 40 e 50% e nos 72 estudos que mediram a acção protectora nos dentes permanentes a redução mais frequente na prevalência da cárie oscilava entre 50 e 60 % 1. As recomendações da OMS 2, 3 e de entidades como a FDI. 4,5 e Associação Dentária Americana (ADA) 6, com base em estudos de observação e laboratório, estabeleceram então que o melhor método de administração de suplementos de flúor, era através da água de bebida e que o conteúdo óptimo de flúor, deveria estar ao redor de uma parte por milhão (ppm), para exercer um efeito preventivo sobre a cárie dentária. As indicações posteriores relativamente à eficácia da fluoretação da água de abastecimento público, com base em novos estudos, ou em períodos mais amplos de profilaxia eram concordantes com os resultados apresentados 6-8. Foram estabelecidas relações concordantes entre a redução das cáries nas dentições temporária e permanente, com o menor ritmo de progressão das lesões causadas por esta afecção, com a diminuição da frequência com que era afectada a polpa dentária e com o número crescente de indivíduos cuja dentição estava isenta de cárie. À data, e de acordo com a comunidade científica, esses efeitos observaram-se em todas as populações que beneficiaram de água fluoretada artificialmente, independentemente das diferenças sociais 9,10. O fornecimento de água potável com a adição de quantidades adequadas de fluoretos, não só atrasava o aparecimento da cárie nas crianças, como também as protegia consideravelmente durante toda a vida 2,11,12. A máxima protecção dos dentes, decíduos ou permanentes, obtinha-se através do consumo de água de bebida fluoretada desde o nascimento 13. Os resultados e conclusões dos estudos apontavam no sentido de que o consumo durante toda a vida de água fluoretada tam224 Rompante P – Flúor e cárie dentária bém reduzia consideravelmente a prevalência de cárie da superfície radicular nos indivíduos de idade mais avançada e que era da maior importância assegurar de modo permanente o aporte óptimo de fluoretos através da água de bebida, uma vez que de acordo com os estudos a longo prazo, o efeito anticárie podia diminuir ou desaparecer por completo se a fluoretação da água fosse interrompida 14,15. A ADA e a FDI, bem como outras associações internacionais, estavam de acordo em arbitrar medidas para conseguir níveis óptimos de flúor na ingestão diária5. A efectividade da fluoretação foi avaliada por Newbrun 16 e Murray 1, que fizeram um levantamento detalhado de 113 publicações, correspondentes a outros tantos estudos, realizados em 23 países. Os estudos realizados apresentavam reduções de cárie de 50 a 60% e os realizados a partir dos anos oitenta reduções de 20 a 35% 16. Como afirmou Cuenca e col.”os primeiros e clássicos estudos da fluoretação realizados ao longo dos anos quarenta e cinquenta, não eram na realidade estudos longitudinais, eram uma sequência de estudos transversais.” 17. A interpretação dos resultados assumiu-se como uma das reconhecidas dificuldades em consequência das diferentes metodologias utilizadas, do desenho dos estudos, dos novos conhecimentos em bioestatística e do aparecimento de um índice patrocionado pela OMS, para medir a cárie dentária. Uma análise detalhada e cuidada da literatura científica permitiu, e permite, afirmar que o desenho do estudo de Tiel-Culemborg, um estudo longitudinal de quinze anos, foi diferente da maioria dos restantes, o que fez com que fosse, e seja, considerado como um dos estudos melhores desenhados em relação à efectividade da fluoretação das águas de abastecimento público. Dele se concluiu que a água fluoretada produziu uma redução de cárie de 86% nas zonas gengivais das superfícies vestibulo-linguais e 73% nas superfícies proximais. Nas depressões e fissuras observou-se 37% menos lesões de cárie 18. Não menos importante foi a análise realizada, após mais de 15 anos da suspensão da fluoretação das águas de abastecimento público em Tiel, que mostrou que os resultados da prevalência de cárie entre as duas cidades, Tiel e Culemborg, se foi aproximando, igualou-se, tendo chegado a valores ligeiramente inferiores em Culemborg, cidade controle 18. Tal como a efectividade e a eficácia, a inocuidade do consumo de água fluoretada é uma questão da maior importância. A questão relativa aos efeitos secundários da ingestão de fluoretos durante toda a vida em concentração óptima mereceram a devida atenção, tendo sido objecto de pesquisas. Estudos longitudinais comparativos, entre crianças que viviam em zonas ricas e pobres em flúor na água de bebida, puseram de parte qualquer hipótese de efeito anormal provocado no desenvolvimento, no crescimento e na saúde, assim como, na incidência de anomalias congénitas, patologias cardiovasculares, alérgicas, ou de outro tipo. Nos estudos em adultos também não foram observadas diferenças, relativamente à incidência de cancro ou da taxa de mortalidade em idosos. A única diferença registada, foi na menor prevalência de cárie nas zonas com água de bebida com aproximadamente uma ppm de flúor 19-23. Acta Pediatr Port 2009:40(5):223-8 A incorporação do flúor durante o período de maturação dentária, produzia-se em duas fases, uma pré-eruptiva e outra pós-eruptiva. Na fase pré-eruptiva a incorporação do flúor na estrutura mineral do dente realizava-se por dois mecanismos, a saber, por precipitação de fluorapatite sobre a matriz dentária, substituindo a hidroxiapatite, sendo a referida incorporação de fluorapatite responsável pela sua presença no esmalte dentário, ou por reacção da hidroxiapatite do esmalte já formado com iões de flúor presentes em líquidos internos que banhavam a superfície dentária formando uma camada superficial de fluorhidroxiapatite 24. Depois da erupção dentária, o dente recém erupcionado não apresentava o seu esmalte completamente calcificado e sofria um processo de maturação pós-eruptiva de um a dois anos de duração, durante o qual havia uma contínua acumulação de fluoretos e outros elementos na superfície do esmalte. Esses fluoretos procediam tanto da saliva, como da exposição do esmalte a produtos com flúor procedentes da dieta ou da água de bebida. Dois anos depois da erupção do último dente, estava finalizada a maturação e a incorporação dos fluoretos procedentes do exterior era mínima. Em presença do flúor formava-se uma apatite mais perfeita, fluorhidroxiapatite, menos solúvel que a hidroxiapatite, conferindo-lhe maior resistência ao ataque ácido. A resistência ao ataque ácido conseguia-se, favorecendo a mineralização do esmalte dentário, como estrutura mais externa e mais exposta, melhorando a sua qualidade, na fase pré-eruptiva essencialmente 25,26. O processo de maturação do esmalte variava com a exposição individual ao flúor. Os indivíduos que residiam em zonas onde a água tinha valores inferiores a uma ppm de flúor requeriam mais tempo após a erupção dentária para alcançar a concentração que se considerava óptima de fluorapatite na superfície do esmalte, tornando-o mais resistente ao ataque ácido. Nas zonas com uma ppm de flúor na água de bebida, durante a fase de mineralização, o dente atingia níveis adequados de resistência ao ataque ácido, pouco depois da erupção 27. Nas lesões incipientes com a incorporação de flúor, após administração prolongada de fluoretos de elevadas quantidades, depositava-se uma grande quantidade de flúor cálcico, que se libertava lentamente e formava hidroxiapatite, processo esse, desmineralização e remineralização, que era contínuo durante toda a vida 9. Como em todos os tecidos mineralizados em formação, o flúor podia-se acumular no esmalte no decurso da amelogénese, ligando-se principalmente à fracção mineral, podendo mesmo incorporar-se à malha cristalina, para fazer parte integrante do cristal. Após a amelogénese, no período pós-eruptivo o flúor podia acumular-se na camada externa do esmalte, enquanto esta zona fosse porosa. As concentrações de flúor nos tecidos mineralizados eram muito variáveis e dependiam de numerosos factores como, a quantidade de flúor durante a sua formação, o período de tempo durante o qual o indivíduo ingeriu flúor, a etapa de desenvolvimento no momento da ingestão de flúor, a sua taxa de crescimento, a sua vascularização, a interface do tecido mineralizado em formação, a Rompante P – Flúor e cárie dentária porosidade do tecido em mineralização, o seu grau de mineralização da zona e do tipo de tecidos examinados 28. Quer se trate da dentição temporária ou permanente, a distribuição de flúor não é homogénea. A sua concentração é sempre maior ao nível da camada externa do esmalte que ao nível da região interna 28,29. O consumo de flúor durante a amelogénese, complementado com um aporte tópico nas superfícies dentárias, não aumenta significativamente a taxa de flúor na região interna do esmalte. Pelo contrário, ela aumenta significativamente na camada externa 30. As opiniões não eram unânimes relativamente à forma como se processava a acção carioprofiláctica do flúor e haviam opiniões que fortes concentrações de flúor no esmalte não eram sinónimo de protecção contra a cárie e não eram directamente responsáveis pelo papel cariostático do flúor 31,32. Pela análise da informação disponível, a diminuição da prevalência de cárie na maioria dos países que estudavam a evolução da situação era uma realidade. Verificou-se, curiosamente, que a diminuição da prevalência de cárie tinha sido praticamente a mesma nas comunidades que tinham água fluoretada e nas que não tinham, o que levava a pensar que existiam outras medidas, sobretudo nos países industrializados, que tinham assistido a uma redução drástica da prevalência de cárie e a um aumento de crianças sem doença. Pensava-se, que para além desse facto estar relacionado a programas específicos de controle de placa bacteriana e diminuição do consumo de alimentos cariogénicos, estaria sobretudo relacionado com a utilização de outras fontes de flúor, como os dentífricos, soluções de bochecho, geles de auto-aplicação e de aplicação profissional de fluoretos. De acordo com Thylstrup e Feserskov33 existiam duas formas de poder entender o efeito cariopreventivo do flúor. Por um lado, nas comunidades com água fluoretada, a transformação da hidroxiapatite em fluorhidroxiapatite, por uma substituição parcial dos hidroxilos por iões flúor, conferia ao esmalte dentário uma maior resistência a dissolução dos ácidos, por outro lado, a presença de flúor na fase líquida que envolve o dente é importante para que se possa verificar uma acção cariostática. Estes mecanismos tentavam explicar os mecanismos de acção cariostática do flúor e não excluíam um ao outro 33. A ajudar a este facto, e pese embora os estudos sobre a solubilidade do esmalte dentário intacto, realizados em dentes provenientes de áreas fluoretadas, permitissem concluir que o esmalte dos dentes de áreas fluoretadas, apresentavam uma menor solubilidade e que a diminuição da prevalência de cárie naqueles que desde o nascimento ingeriam água fluoretada a nível óptimo de 1ppm variavam de 30 a 70%, a persistência dos efeitos cariostáticos na idade adulta só se mantinham quando o consumo não era interrompido34 e diminuíam progressivamente nas crianças que, tendo vivido numa área fluoretada a 1ppm, se tinham mudado para áreas de 0,2ppm de flúor na água de bebida 33,35,36. Estas verificações, não excluindo uma possível acção sistémica do flúor, davam indicações, cada vez com maior insistência, de outros prováveis mecanismos de acção cariostáticos do flúor, talvez com maior importância. 225 Acta Pediatr Port 2009:40(5):223-8 Uma revisão sistemática das publicações acerca de fluoretação da água e dos seus benefícios e riscos em 25 bases de dados da especialidade, incluindo Medline, Embase, Toxline e Current Contents (Science Citation Index) desde o seu início até Fevereiro de 2000, para além de uma pesquisa manual no Index Medicus (1945-63), na Excerpta Médica (1955-73), World Wibe Web e bibliografias dos estudos incluídos, referências adicionais de indivíduos e organizações através de um website dedicado a estas investigações, membros específicos que foram designados como experts e estudos publicados e não publicados em qualquer outra língua que não o inglês, após triagem, segundo os critérios definidos nesta revisão crítica, que se traduziu na avaliação de 214 estudos onde se reporta que o mais sério defeito dos estudos acerca dos possíveis benefícios do flúor na água de bebida, foram os seus desenhos e as análises desapropriadas. Muitos dos estudos não conseguiram apresentar nenhuma análise, enquanto que outros não tinham em atenção potenciais factores de confusão, tal como, a idade, o sexo, a classe social, a etnia, o país, o tipo de dentição, o uso de flúor, o consumo total de flúor e o treino dos examinadores 36. Ao papel essencial que, durante muitos anos, foi atribuído ao flúor pré-eruptivo, incorporado no esmalte no decurso da amelogénese, começaram a atribuir-lhe um papel mínimo em carioprofilaxia 37. O papel cariostático do flúor da água de bebida resultava verdadeiramente e acima de tudo da sua acção tópica 32,37. Demonstrou-se que os mecanismos de prevenção da cárie através da acção dos fluoretos são pós-eruptivos através do efeito tópico, quer para as crianças, quer para os adultos, incluindo, a inibição da desmineralização, aumento da remineralização e inibição da actividade bacteriana da placa 30,34,38,39. Os efeitos tópicos da água fluoretada, explicam porque existe um declínio nas cáries radiculares nos adultos que vivem em áreas fluoretadas, porque é que a cárie aumenta em adultos que se afastam de áreas fluoretadas e porque é que os dentes decíduos são protegidos pela água fluoretada, mesmo pensando que a incorporação pré-natal nos dentes decíduos não erupcionados é insignificante. Quanto mais tempo o dente estiver exposto à água fluoretada maior é a sua resistência 18,40,41. Os efeitos tópicos da fluoretação têm sido mostrados como cumulativos. Quanto mais tempo o dente estiver exposto desde a erupção aos fluoretos, mais resistente se tornará ao ataque dos ácidos. No entanto, falta uma estratégia para tentar medir os benefícios do flúor pré-eruptivo, para comparar os valores de CPO (Cariados, Perdidos e Obturados) de todas as dentições da mesma idade, quando um grupo foi exposto ao flúor desde o nascimento e outro que foi exposto algum tempo depois 42. A resistência à cárie dentária desenvolve-se na presença de fluoretos pós-eruptivo durante a dinâmica desmineralização/remineralização que ocorre nos estadios iniciais da lesão incipiente de cárie 43. Muitos investigadores mostraram que o flúor na solução à volta dos cristais da apatite carbonada é muito mais efectiva na inibição da desmineralização, do que o flúor incorporado nos cristais aos níveis encontrados no esmalte 44. 226 Rompante P – Flúor e cárie dentária Os fluoretos incorporados durante o desenvolvimento do esmalte dentário, mesmo em zonas com fluoretação de água ou onde são administrados suplementos de flúor, não alteram a solubilidade do esmalte. O esmalte não apresenta benefício mensurável contra a dissolução induzida pelos ácidos. Por outro lado, o flúor presente na solução em baixos níveis pode inibir notoriamente a dissolução do esmalte dentário, pelo ácido 38. Este flúor é proveniente de fontes tópicas, como a água de bebida e os produtos fluoretados de aplicação tópica. O flúor sistémico incorporado no esmalte dentário na fase de maturação dentária, é insuficiente para ter um efeito mensurável na solubilidade ácida 45. A saliva tem numerosas funções, incluindo a neutralização dos ácidos e o aporte de minerais que podem substituir os que foram dissolvidos durante o processo de desmineralização. A presença de fluoretos na saliva em baixas concentrações diminui a taxa de desmineralização de esmalte e aumenta a taxa de remineralização. Por outro lado o processo de desmineralização contínua cada vez que os carbohidratos são ingeridos e metabolizados pelas bactérias. A saliva tem numerosas funções, incluindo a neutralização dos ácidos e o aporte de minerais que podem substituir os que foram dissolvidos durante o processo de desmineralização38,45-48. Os fluoretos presentes nas soluções tópicas, aumentam a remineralização, através do aumento da velocidade de crescimento das novas superfícies e nas subsuperfícies do esmalte parcialmente desmineralizado com cárie. A nova faceta da superfície do esmalte é semelhante à fluorapatite, com muito mais baixa solubilidade que a apatite carbonada original existente no esmalte dentário. Subsequentemente as variações ácidas têm de ser muito fortes e prolongadas para dissolver o esmalte remineralizado. Um pequeno aumento do nível de flúor na saliva e na placa consegue fornecer uma importante protecção contra a cárie através do aumento da remineralização 38. Os níveis base de flúor na saliva são de aproximadamente 0,02 ppm. Os indivíduos que vivem numa comunidade fluoretada, ou que façam a ingestão do equivalente em suplementos de flúor, podem aumentar este nível para 0,04 ppm. Produtos que contêm fluoretos, tais como, dentífricos, bochechos e géis produzem uma concentração inicial alta de flúor na saliva, até ao momento em que os fluoretos são expulsos da cavidade oral. Concentrações de flúor podem ser retidas na saliva, entre 0,03 e 0,1 ppm de duas a seis horas dependendo da fonte de fluoretos e do indivíduo. Nos indivíduos com xerostomia, níveis elevados de flúor são mantidos na boca durante várias horas 48. A força que conduz à remineralização é o grau de super-saturação do fluido mineralizante, em relação à fluorapatite, hidroxiapatite, ou ambas 38,44, e a relação está também ela relacionada com a concentração de flúor nos fluidos orais 38,46. Existem, dois métodos bem aceites para a prevenção da cárie, quer para o indivíduo, quer para as comunidades, a fluoretação da água e a escovagem com dentífricos fluoretados 49. Muitos historiadores investigaram os possíveis efeitos do flúor nas bactérias orais. O flúor das fontes tópicas é absorvido pelas bactérias quando elas produzem ácido, inibindo a Acta Pediatr Port 2009:40(5):223-8 sua actividade enzimática essencial. Este é um dos mecanismos tópicos de acção do flúor contra a progressão da cárie dentária 39,49. Revisões sistemáticas com base na evidência científica confirmaram a informação disponível relativamente aos mecanismos de acção e aos efeitos preventivos da cárie dentária obtidos pela exposição à água fluoretada de forma contínua, que os benefícios dos fluoretos tópicos estão bem estabelecidos, que a escovagem com dentífricos fluoretados é eficaz na prevenção da cárie dentária, que a utilização de fluoretos tópicos em adição à utilização de dentífrico fluoretado proporciona uma efeito sinérgico modesto relativamente ao que se obtém com a utilização de dentífrico fluoretado de forma isolada e que a comparação dos efeitos na prevenção da cárie dentária das diferentes formas de apresentação dos fluoretos tópicos é inconclusiva 50-55. Rompante P – Flúor e cárie dentária 10. Carmichel CL, Rugg-Gunn AJ, French AD, Cranage JD. The effect of fluoridation upon the relationship between caries experience and social class in 5-year old children in Newcastle and Northumberland. 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Conclusões 1 - O flúor sistémico incorporado na matriz dos tecidos dentários durante a sua maturação, não é a garantia, nem é sinónimo de prevenção de cárie dentária. 2 - Os mecanismos de acção do flúor aceites actualmente pela comunidade científica são primariamente tópicos, quer para crianças, quer para adultos. 3 - O mecanismo de acção do flúor desenvolve-se na cavidade oral através da inibição da desmineralização das superfícies dos tecidos dentários, do aumento da remineralização dos tecidos dentários e da inibição da actividade bacteriana. 4 - Actualmente, existem dois métodos para a prevenção da cárie dentária, quer para o indivíduo, quer para as comunidades, a fluoretação da água e a escovagem com dentífricos fluoretados. 17. Baca P, Cuenca E. Odontología Preventiva y Comunitária, 2ª Ed., Masson, Barcelona; 1999. 18. Kalsbeek H, Kwant GW, Greneveld A, Dirks OB, Van Eck AA., Theuns HM. 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Effectiveness of fluoride in preventing caries in adults. J Dent Res 2007;86:410-5. 0873-9781/09/40-4/229 Acta Pediátrica Portuguesa Sociedade Portuguesa de Pediatria ARTIGO DE ACTUALIZAÇÃO Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF): conceitos, preconceitos e paradigmas. Contributo de um construto para o percurso real em meio natural de vida. Maria do Carmo Vale Centro de Desenvolvimento do Hospital de Dona Estefânia, Lisboa Resumo A autora aborda o historial, génese e objectivos da Classificação Internacional de Funcionalidade para crianças e jovens, implementada pela Organização Mundial de Saúde em 2007. Sublinha o papel de complementaridadade da CIF relativamente a outras classificações como a Classificação Internacional de Doenças (CID), em que a primeira visa caracterizar as capacidades e dificuldades de crianças e jovens com deficiência, ou seja, caracterizar do ponto de vista funcional cada criança e jovem, independentemente do diagnóstico etiológico médico. Trata-se da mudança de paradigma bio-médico para a do indivíduo que apresenta determinadas competências e dificuldades, em que estas últimas são definidas em função do ambiente – facilitador ou actuando como barreira. Assim, é dado enfoque ao ambiente para que este seja modificado transformando os factores que actuam como barreira em facilitadores, que anulem ou atenuem as dificuldades. Sendo a deficiência e ou doença uma experiência universal, a CIF vem colmatar uma importante lacuna na dificuldade de comunicação e articulação entre os diversos actores intervenientes no apoio socio educativo e médico destas crianças, criando uma linguagem acessível aos técnicos envolvidos – educadores, terapeutas e outros profissionais ligados à infância, por força envolvidos, dando uma maior ênfase à interacção criança/meio numa perspectiva holística de bem estar bio-psico-social. Palavras chave: Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), Classificação Internacional de Funcionalidade para Crianças e Jovens (CIF-CJ), Organização Mundial de Saúde (OMS), ambiente, barreira, facilitador, perspectiva holística. International Classification of Functioning (ICF): Concepts, prejudices and paradigms. Contribution of a construct to the actual course of life in natural environment. Abstract The author discusses the history, origins and objectives of the International Classification of Functioning for children and young people, implemented by the World Health Organization in 2007. The author also lists the various roles of the ICF in complementing other classifications such as the International Classification of Diseases (ICD), and starts by stating the role to characterize the capabilities and difficulties of children and youth with disabilities using the characterization of individually considered children, regardless of the etiological/medical diagnosis. This consists of a paradigm shift from the biomedical to the individual who has certain skills and difficulties grossly defined by the environment – which acts as a facilitator or barrier. As a result the focus is given to the environment, so that it is modified, transforming barriers into facilitators therefore reducing or eliminating difficulties. Since that disability and disease are universally experienced, the ICF will fill an important gap in the difficulty of communication and coordination between the various actors involved in supporting social, medical care and education for these children, by the creation of an acessible language destined to serve all of those involved in this project – health professional, educators, therapists and others who serve the best interest of children in childhood related professions, thus giving greater emphasis to the interaction between children and environment considering a holistic prespective of bio-psycho-social well being. Key-words: International Classification of Functioning (ICF), International Classification of Functioning for Children and Youth (ICF-CY), the World Health Organization (WHO), environmental barriers, facilitators, holistic perspective. Acta Pediatr Port 2009;40(5):229-36 Acta Pediatr Port 2009;40(5):229-36 Recebido: Aceite: Correspondência: Maria do Carmo Vale Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria Médica; Coordenadora do Centro de Desenvolvimento(CDE) do Hospital de Dona Estefânia(HDE) Rua Jacinta Marto 1169-045, Lisboa [email protected] CDE/HDE - telefone : 213596535 30.11.2009 10.12.2009 229 Acta Pediatr Port 2009:40(5):229-36 Vale MC – Classificação Internacional de Funcionalidade ‘Deficiente’ é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino. ‘Louco’ é quem não procura ser feliz com o que possui. ‘Cego’ é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria, e só tem olhos para seus míseros problemas e pequenas dores. ‘Surdo’ é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no fim do mês. ‘Mudo’ é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia. ‘Paralítico’ é quem não consegue andar na direcção daqueles que precisam de sua ajuda. em torno de dificuldades, evocando a incapacidade como paradigma. 1 Mário Quintana • A reflexão: conhecimento e intervenção, pensamento e acção, reflexão e actuação, reflexão autocrítica; Apesar de estarmos no início de um novo milénio, dos importantes avanços tecnológicos, científicos e educativos e sobretudo da massificação do ensino, há ainda um longo percurso a fazer no referente a conceitos, atitudes e aceitação da diferença. Há na literatura uma grande proliferação de conceitos e definições que traduzem a dificuldade de compreender a deficiência em geral e a forma como as diferentes disciplinas e especialidades as interpretam e aplicam. Questões básicas continuam a mistificar a sociedade e muitos paradigmas necessitam ser abandonados se queremos verdadeiramente quebrar rótulos, estigmatização e marginalização da deficiência e dos “deficientes”. Quem são os deficientes? Quais as suas necessidades? Quais as suas capacidades, dificuldades e limitações? A resposta implica um genuíno interesse na mudança de atitude face à diferença, respeitando a individualidade e insubstituibilidade de cada criança. A IX Assembleia da Organização Mundial de Saúde, em 1976, propôs um novo conceito de deficiência, a Internacional Classification of Impairtments, Disabilities, and Handicaps: a manual of classification relating to the consequences of disease (ICIDH), sendo a sua tradução - A Classificação Internacional de deficiências, incapacidades e desvantagens - um manual de classificação das consequências das doenças (CIDID), publicada em 1989. 1 De acordo com a definição do documento anteriormente referido, a deficiência é a perda ou anomalia de estrutura ou função psicológica, fisiológica e anatómica, temporária ou permanente. Inclui-se neste conceito uma anomalia, defeito ou perda de um membro, órgão, tecido ou qualquer outra estrutura do corpo, inclusive das funções mentais. É portanto a manifestação de um estado patológico, reflectindo um distúrbio orgânico, uma perturbação de órgão. Segundo a CIDID, a deficiência refere-se a problemas de linguagem, audição, visão, músculo-esquelético (físico) e psicológica (mental). A proposta inovadora desta classificação é a perspectiva da percepção do indivíduo com deficiência, com competências, capacidades e possibilidades, não centralizada 230 Para quem trabalha ou contacta diariamente com a criança com deficiência, a reflexão sobre a prática clínica diária constitui o fundamento da melhoria da mesma. Elliot (1993) define a investigação-acção como sendo: “(…) o estudo de uma situação social tendo em vista melhorar a qualidade da acção em si”2. De acordo com Pérez Serrano (1990)3, esta e muitas outras definições têm em comum algumas características que podem ser consideradas como elementos básicos da investigação acção: • A prática: partir de problemas práticos, assumir compromissos com a prática, criar uma nova prática, envolver os participantes, melhorar a prática; • A melhoria: autocrítica, fomento da mudança pessoal e social, mudança de atitudes, compreensão da situação, cooperação na investigação, acção e formação. 4 Segundo Díaz Aguado “(...) A deficiência mental e a paralisia cerebral são as situações que maiores problemas de discriminação levantam. A seguir surgem as deficiências sensoriais (auditivas e visuais), seguidas dos problemas de linguagem e a epilepsia. Os problemas que menos discriminação suscitam são, por último, as deficiências motoras”. 5 Assim sendo, partindo do princípio de que a atitude guia a acção (Elliot e Diane, 1994), pensamos que a mudança de atitudes dos profissionais para com as pessoas com deficiência mental deveria estender-se a todas as pessoas que têm uma incapacidade de um modo geral. 6 A sociedade não sabe e não conhece a deficiência: em grande parte dos casos “convive” com ela, mas não a aceita na prática e, naturalmente, pouco ou nada se interessa por ela. Numa sociedade competitiva onde a importância do ter e haver é por demais sublinhada e exacerbada à exaustão, o ser surge como a consequência do ter e haver e é necessário todo um conjunto de capacidades intelectuais, emocionais e físicas, que nem todos possuem. A sorte ou falta dela fazem a diferença, mas quando para além da citada, existe um determinismo como por exemplo a deficiência mental, também designada por incapacidade intelectual, este ser humano, muitas vezes sem capacidade de autodeterminação, fica refém das condições que a sociedade lhe “oferece”, atenta a impossibilidade ou dificuldade de afirmação e volição na estreita faixa de manobra existente para ultrapassar os determinismos intrínsecos e extrínsecos que a todos nós assiste. À luz desta conceptualização, as intervenções e programas que visam apenas mitigar as limitações das pessoas com deficiência não bastam, sendo necessário e importante criar um sistema de apoio a este grupo, tendo em conta não só as suas limitações, mas também as suas capacidades. Por exemplo, a utilização simplista de uma única definição de diagnóstico de deficiência mental/incapacidade intelectual Acta Pediatr Port 2009:40(5):229-36 baseada no Quociente de Inteligência (QI), que estabelece as categorias de ligeira, média, severa e profunda, é devidamente complementada com mais dois critérios: idade de instalação, e limitações em duas ou mais das dez áreas de comportamento adaptativo (DSM IV.TR).7 Outro aspecto fundamental é que o diagnóstico de deficiência mental deixa de ser um mero relato estigmatizante de incapacidade estratificada em ligeira, média, severa e profunda, para destacar as necessidades (áreas fracas), que cada criança com deficiência tem de ser especificamente treinada. Assim sendo, a terminologia de deficiência mental ligeira, média, severa e profunda é ultrapassada para passar a ser designada por: uma criança com deficiência mental, que necessita de determinados apoios e treino visando a aquisição de capacidades sociais e de comunicação, dando lugar à ênfase na funcionalidade individualizada, a programação de apoio específico e ou plano educativo individual, a par da planificação de objectivos de intervenção. Ressalta do exposto, claramente aplicável a qualquer forma de deficiência ou incapacidade, que as competências a serem desenvolvidas, têm como objectivo primordial a autonomia motora, intelectual, quanto a capacidade de decisão, e moral, numa perspectiva realista, visando sempre as potencialidades máximas de cada criança, a rentabilização de oportunidades, a autonomia e a convicção de que pertence e é parte da comunidade. Mas a estigmatização, preconceito e exclusão não se aplicam unicamente à definição. Como consequência desta, organizam-se sistemas de intervenção padronizados que proporcionam apoios estandardizados a todos os grupos de crianças que são incluídas na definição, mas que não necessitam desses mesmo apoios em determinadas áreas, quando individualmente consideradas. Vale MC – Classificação Internacional de Funcionalidade deve constituir-se uma rede de suporte assente nas áreas da Saúde, Educação, Segurança Social e Justiça, contemplando os princípios éticos da Beneficência, Autonomia e Justiça. Como é do conhecimento de todos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) possui várias classificações de que a mais conhecida é a Classificação Internacional de Doenças (CID), largamente utilizada entre nós e actualmente na sua versão 10. Esta baseia-se na etiologia nosológica, ou seja na relação causal entre patologia e etiologia e nada refere relativamente à constituição ou organização do ambiente como facilitador ou barreira.8 A Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) veio colmatar esta falha. Trata-se de um novo sistema de classificação inserida na Família de Classificações Internacionais da Organização Mundial de Saúde (World Health Organization Family of International Classifications – WHO-FIC), constituindo o quadro de referência universal adoptado pela OMS para descrever, avaliar e medir a saúde e a incapacidade, quer ao nível individual, quer ao nível da população. A OMS, em 1993, deu início a um longo e aprofundado processo de revisão da ICIDH que viria a dar origem à CIF, para o qual contou com uma ampla participação internacional (diferentes países e entidades, grupos de trabalho, elevado número de especialistas, organizações não governamentais, etc.). Os contributos e a participação activa de pessoas com incapacidades e das suas organizações é um aspecto que a OMS realça como particularmente significativo no desenvolvimento da CIF. A CIF resultou assim da revisão da anterior Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (International Classification of Impairments, Disabilities and Handicaps - ICIDH), versão experimental publicada em 1980 pela OMS. A sua versão portuguesa foi publicada em 1989 pelo então SNR (Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens).1 O sistema também reflecte o facto de que muitas pessoas com deficiência mental não apresentam limitações em todas as áreas das capacidades adaptativas e, portanto, não precisam de apoios nas áreas não afectadas. Esse sistema também exige uma mudança na concepção de prestação de serviços, face a uma orientação subordinada designadamente às noções de crescimento e desenvolvimento pessoal, o que implica disponibilizar alguns serviços continuados e adequados às necessidades destas crianças. Estas necessidades devem ser determinadas através de avaliações clínicas seriadas e, se possível, em contexto, e nunca em função de um diagnóstico hermético que rotula a criança. Em Maio de 2001, a 54ª Assembleia Mundial de Saúde aprovou o novo sistema de classificação com a designação de International Classification of Functioning, Disabilities and Health, conhecida abreviadamente por ICF, traduzida para a língua portuguesa como Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), visando a sua utilização em adultos nos diferentes países membros. 9-12 Estas três etapas visam proporcionar uma avaliação detalhada do indivíduo e dos apoios de que ele necessita, permitindo analisar separadamente todas as áreas potencialmente problemáticas e providenciar a intervenção adequada e individualizada. Com a adopção da CIF passamos de uma classificação assente na “consequência das doenças” (versão de 1980) para uma classificação assente em “componentes da saúde” (CIF), mais próxima da consolidação e operacionalização de um novo quadro conceptual da funcionalidade, da incapacidade humana e da saúde.9 Atento ao exposto, a programação de serviços educativos e intervenções terapêuticas deve ser efectuada em função das características da população pediátrica a que se destina, mudando e adaptando-se aos anseios e objectivos da criança e família. Centrando-se nestas e nas possibilidades que o meio social lhes pode disponibilizar de forma organizada, articulada, Ultrapassara-se, ainda, a conotação da anterior classificação (ICIDH) com o “modelo biomédico”, acompanhando a evolução conceptual, científica e social, relacionada com as questões da deficiência e da incapacidade. Com efeito, as críticas mais frequentemente apontadas à ICIDH, baseiam-se no facto de: Em 2007 é publicada a Classificação Internacional de Funcionalidade para Crianças e Jovens (CIF-CJ). 13 231 Acta Pediatr Port 2009:40(5):229-36 Vale MC – Classificação Internacional de Funcionalidade • estabelecer uma relação causal e unidireccional entre: deficiência - incapacidade - desvantagem; rente das diferentes perspectivas de saúde: biológica, individual e social, (CIF-OMS, 2001). • centrar-se nas limitações “dentro” da pessoa e apenas nos seus aspectos negativos; Define ainda a funcionalidade e incapacidade como conceitos multidimensionais e interactivos que relacionam: • não contemplar o papel determinante dos factores ambientais; 9 Com efeito, tem sido defendido e aceite que a deficiência tem consequências nefastas na família e sociedade mas, em contrapartida, tem sido menos reconhecido e discutido que os diferentes tipos de deficiência são igualmente influenciados por essa mesma família e sociedade. Tomando como exemplo a incapacidade mental ligeira a moderada, é conhecido o papel das características ambientais – família, literacia, fratria, condições de acessibilidade a cuidados de saúde e a equipamentos escolares, etc, - como factores de agravamento ou atenuadores dessa mesma incapacidade intelectual. Mas, se uma criança com limitado potencial intelectual apresenta dificuldades motoras, linguísticas, sociais ou de comportamento adaptativo, em parte explicadas por factores intrínsecos, como explicar as dificuldades de aprendizagem em crianças com potencial intelectual normal ou até mesmo acima da média? As respostas mais interessantes baseiam-se na análise de estudos longitudinais que revelaram que, mesmo em condições clínicas precocemente diagnosticadas, os principais factores causais residem em condições ambientais e contexto social – classes socio-económicas mais desfavorecidas, baixo índice de literacia materna, famílias com elevado número de crianças , factores deterministas de maior risco de insucesso escolar/dificuldades de aprendizagem - e não no diagnóstico biomédico. Atento ao exposto, as duas classificações – ICD 10 e CIF têm objectivos distintos e podem ser utilizadas de forma complementar: A Classificação Internacional de Doenças (CID-10) fornece uma estrutura de base etiológica biomédica, proporciona um diagnóstico de doenças, perturbações ou outras condições de saúde. Em contrapartida a CIF dá ênfase à funcionalidade e a incapacidade, associadas a uma condição de saúde. Diz-nos a OMS que a CIF é uma classificação com múltiplas finalidades, para ser utilizada de forma transversal em diferentes áreas disciplinares e sectores:[...] saúde, educação, segurança social, emprego, economia, politica social, desenvolvimento de politicas e de legislação em geral e alterações ambientais. Foi por isso aceite pelas Nações Unidas como uma das suas classificações sociais, considerando-a como o quadro de referência apropriado para a definição de legislações internacionais sobre os direitos humanos, bem como, de legislação nacional.9-11 • As Funções e Estruturas do Corpo; • As actividades e as tarefas efectuadas e as diferentes áreas da vida nas quais participam (Actividades e Participação); • Os factores do meio-ambiente que influenciam essas experiências (Factores Ambientais). Operacionaliza o modelo biopsicosocial da incapacidade (disability), enfatizando a identificação das experiências de vida e das necessidades reais de uma pessoa, assim como, a identificação das características (físicas, sociais e atitudinais) do seu meio circundante e das condições que precisam ser alteradas para que a funcionalidade e participação dessa pessoa possa ser optimizada. Substitui, assim, os modelos tradicionais de cariz biomédico, baseados em diagnósticos de deficiência (aspectos biológicos), que ao longo dos anos foram condicionando a definição de politicas, medidas e critérios de elegibilidade, acções de natureza estatística, programas e práticas interventivas. A funcionalidade e incapacidade de uma pessoa são expressos na interacção dinâmica entre os estados de saúde (doenças, perturbações, lesões, etc.) e os factores contextuais (factores ambientais e pessoais). A incapacidade não é um atributo da criança, mas sim um conjunto complexo de condições que resulta da sua interacção com o meio. Assim sendo, a CIF não propõe a definição universal do que constitui uma incapacidade (disability), nem quem deve ser considerado incapaz […], priorizando uma estrutura multidimensional que permite definir uma população com incapacidades em lugar de uma definição única e pretensamente clara (Guidelines and Principles for the Development of Disability Statistics – United Nations, 2001 ). 14 Decorrente do modelo biopsicossocial, a CIF tem como princípios orientadores: • a incapacidade não é especifica de um grupo minoritário, mas sim uma experiência humana universal; • a incapacidade não deve ser diferenciada em função da etiologia ou do diagnóstico. Pessoas com a mesma etiologia e diagnóstico apresentam perfis muito diferentes a nível da execução de Actividades e Participação; • os domínios de classificação na CIF são neutros, permitindo expressar tanto os aspectos positivos como negativos do perfil funcional e de participação de uma pessoa; • os Factores Ambientais assumem um papel crucial, como facilitadores ou barreiras, na funcionalidade e incapacidade das pessoas. A CIF como mudança de paradigma A CIF introduz uma mudança radical de paradigma, do modelo puramente médico para um modelo biopsicosocial integrado da funcionalidade e incapacidade humana. Sintetiza, assim, o modelo médico e o modelo social numa visão coe232 Funcionalidade, Incapacidade e Saúde Para uma correcta compreensão do quadro conceptual e do sistema de classificação e de codificação da CIF, quer das Acta Pediatr Port 2009:40(5):229-36 suas implicações politicas e sociais, importa ter bem presente qual o significado para a OMS de alguns termos e conceitos chave, a saber: • Funcionalidade - é o termo genérico para as funções e estruturas do corpo, actividades e participação. Corresponde aos aspectos positivos da interacção entre um indivíduo (com uma condição de saúde) e os seus factores contextuais (ambientais e pessoais). • Incapacidade (disability) - é o termo genérico utilizado para deficiência, limitação da actividade e restrição na participação. Corresponde aos aspectos negativos da interacção entre um indivíduo (com uma condição de saúde) e seus factores contextuais (ambientais e pessoais). O termo incapacidade introduzido pela CIF passou a ter um significado radicalmente diferente daquele que tinha na classificação anterior de 1980, reportando-se apenas às limitações no indivíduo. Enquanto que na ICIDH, incapacidade era definida como qualquer restrição ou falta de capacidade (resultante de uma deficiência) para realizar uma actividade dentro dos moldes e limites considerados normais para um ser humano, a CIF, incapacidade (disability) não a enfrenta como uma mera consequência de uma deficiência (impairment, deficiency), mas sim como o resultado da interacção da pessoa com o meio ambiente. Na CIF, o conceito de deficiência (impairment) apenas nos diz da existência ou não de uma alteração (biomédica) na estrutura ou função do corpo da pessoa, sem que daí se possa estabelecer uma relação causal para a sua funcionalidade/incapacidade. Vale MC – Classificação Internacional de Funcionalidade • um sistema de classificação multidimensional e de codificação sistemática para documentar as experiências de vida, o perfil funcional e de participação das pessoas, facilitando a comparabilidade entre países, entre várias disciplinas, entre serviços e em diferentes momentos ao longo do tempo. A CIF não é de forma alguma uma classificação de pessoas. Permite descrever as características de cada pessoa em diferentes domínios e as características do seu meio físico e social, seleccionando um conjunto de códigos que possa documentar, da melhor forma possível, o seu perfil de funcionalidade e de participação. A CIF não é um instrumento de avaliação ou de medida e não dispensa que os profissionais, dentro das suas áreas de especialidade, adoptem procedimentos e utilizem instrumentos de avaliação normalizados e fidedignos que evidenciem de forma rigorosa os diferentes domínios em estudo, tomando como referência a CIF. 11 Definição dos componentes O sistema de classificação da CIF é constituído por três componentes: • As Funções e Estruturas do Corpo • As Actividades e Participação • Os Factores Ambientais Funções do Corpo Trata-se de uma profunda mudança conceptual, que tem importantes implicações políticas e sociais e que por isso requer que mudemos o sentido como estes termos e conceitos são usados entre nós, quer no dia a dia quando falamos ou escrevemos, quer na investigação e estudos científicos, nos serviços, políticas sociais, educativas e legislação a implementar. funções fisiológicas dos sistemas orgânicos (incluindo as funções psicológicas ou da mente) Assim sendo, a CIF permite uma nova conceptualização das noções de saúde e incapacidade. problemas nas funções ou estruturas do corpo, tais como, um desvio importante ou perda. Estruturas do Corpo partes anatómicas do corpo, tais como, órgãos, membros e seus componentes. Deficiências Actividade Os objectivos da CIF A CIF tem como objectivo principal: proporcionar uma linguagem unificada e padronizada que sirva como quadro de referência para a descrição da saúde e dos estados relacionados com a saúde. É uma ferramenta a utilizar universalmente na abordagem da incapacidade e funcionalidade humana, proporcionando-nos: • um quadro conceptual de referência universal assente em bases científicas; • uma linguagem comum e padronizada para aplicação universal que uniformiza conceitos e terminologias, de molde a facilitar a comunicação entre profissionais, investigadores, pessoas com incapacidades, decisores políticos, etc. execução de uma tarefa ou acção por um indivíduo. Limitações da Actividade dificuldades que um indivíduo pode ter na execução de actividades. Participação envolvimento de um indivíduo numa situação da vida real. Restrições de Participação problemas que um indivíduo pode enfrentar quando está envolvido em situações da vida real. Factores Ambientais ambiente físico, social e atitudinal em que as pessoas vivem e conduzem sua vida. 9 233 Acta Pediatr Port 2009:40(5):229-36 Vale MC – Classificação Internacional de Funcionalidade Obedecendo a um esquema hierarquizado, a CIF integra listas de classificações para cada um destes componentes. Cada componente engloba diferentes domínios que se subdividem em categorias e subcategorias mais detalhadas, correspondendo a diferentes códigos. O sistema de codificação é completado pela utilização de qualificadores para cada código, que indica o grau de gravidade ou de extensão do problema, segundo uma escala de cinco pontos. A Figura ilustra graficamente o modelo multidimensional e interactivo de incapacidade e funcionalidade (funções e estruturas do corpo, actividades e participação, factores ambientais e pessoais), como resultante da interacção entre a condição de saúde e os factores contextuais (ambientais e pessoais), daí as setas de ligação entre os diferentes componentes da CIF serem bidireccionais. decisores políticos, de universidades e organizações cientificas, de entidades prestadoras de serviços, dos profissionais de diferentes áreas disciplinares, bem como, das próprias pessoas com incapacidades e das suas organizações representativas. Campos e áreas de aplicação Tendo em vista a sua aplicação universal de uma forma coerente e consistente, a OMS com a colaboração de outras entidades, tem desenvolvido um conjunto de estratégias e de orientações a serem adoptadas pelos diferentes estados membros, nomeadamente, no que se refere a: A CIF é uma classificação para ser utilizada de forma transversal em diferentes áreas disciplinares e sectores: • Sectores da saúde, da educação, da segurança social, do emprego • Sectores da economia e desenvolvimento • Sector das estatísticas e sistemas de informação • Definição de modelos e de diferentes estratégias de formação sobre a CIF consoante os objectivos e os públicos-alvo; • Criação de materiais de apoio para os utilizadores da CIF; • Legislação Visa não só diferentes campos de aplicação, como também, pode ter múltiplas finalidades nas actuações e intervenções relacionadas com a incapacidade: • a nível clínico/ individual (avaliação funcional do individuo, planeamento das intervenções, reabilitação, etc.); • a nível institucional (planeamento e avaliação de serviços e recursos, formação dos profissionais, investigação, etc.); • a nível social e político (planeamento, desenvolvimento e avaliação de politicas e medidas; sistemas de compensação e de atribuição de benefícios; critérios de elegibilidade; acessibilidade; indicadores e estatísticas, etc.).9-11 Implementação O processo de implementação da CIF a nível internacional tem sido liderado pela OMS, através das suas Comissões especializadas e dos seus Centros Colaboradores existentes em diversos países. Com o objectivo de que a sua aplicação e desenvolvimento se efectue de uma forma coordenada e consistente nos diversos países, este processo, sob a égide da OMS, tem envolvido uma ampla rede internacional que engloba diversas organizações internacionais, organizações científicas e profissionais, organizações representativas de pessoas com deficiência, universidades, grupos de especialistas e peritos. Não obstante a importante adesão em grande número de países, a adopção da CIF não tem sido imediata em outros e requer mudanças mais ou menos profundas a nível conceptual, a nível das políticas e a nível das práticas na abordagem das questões da incapacidade e funcionalidade por parte de 234 Na utilização da CIF têm sido identificados alguns equívocos que levam por vezes ao seu uso inapropriado, a aplicações incompletas, com simplificação e má compreensão da sua complexidade, sobretudo, quando ela é utilizada como um instrumento de avaliação e não como um sistema de caracterização da interacção criança-meio. Daí as exigências da OMS quanto à necessidade de uma formação rigorosa e adequada sobre a CIF, que contemple aspectos técnicos e éticos, como forma de evitar aplicações não compatíveis com o seu quadro conceptual, nem com as suas finalidades e que revelam a persistência do modelo médico. • Reformulação, construção e validação de instrumentos de avaliação e de medida da incapacidade, tornando-os compatíveis com o quadro conceptual da CIF; • Desenvolvimento de novos instrumentos para organização da informação e colheita de dados estatísticos (inquéritos, censos e informação administrativa) que passem a englobar questões relativas às Actividades e Participação; • Desenvolvimento de estudos científicos e da investigação; • Concepção e adaptação de formas e de procedimentos para o uso da CIF em diferentes campos de aplicação e com objectivos diversificados; • Comparabilidade da CIF com outros sistemas de classificação, a nível nacional e internacional. O apoio da OMS, o intercâmbio e a troca de experiências a nível internacional, garantem a correcta aplicação da CIF. É exemplo disso, a existência de um número já considerável de estudos e de investigações efectuados em áreas especificas e de natureza interdisciplinar,15-16 a realização de reuniões científicas temáticas (Instituto Nacional de Reabilitação, Direcção Geral de Desenvolvimento e Inovação Curricular do Ministério da Educação, Centro de Desenvolvimento do Hospital de Dona Estefânia, de workshops e cursos de formação), bem como, a publicação de elevado número de artigos, de manuais e de outra documentação relacionados com a CIF.14 Destaca-se a nível europeu o Projecto EU-MHADIE, apoiado pela UE e envolvendo 11 países europeus, cujos principais objectivos são: Acta Pediatr Port 2009:40(5):229-36 • Contribuir para o estudo e o desenvolvimento de estratégias para aplicação do modelo da CIF em inquéritos de saúde e educação nos diferentes países europeus; • Elaborar recomendações para a uniformização e adequação da sua aplicação a contextos clínicos e de reabilitação e ao sector da educação.17 A actual versão da CIF não é estática. Os contributos prestados pelos diferentes países, através do estudo, da investigação e da sua aplicação em diferentes campos são decisivos para o seu aperfeiçoamento e futuros desenvolvimentos. A CIF para Crianças e Jovens (CIF-CJ) Uma versão da CIF adaptada à especificidade da infância e adolescência foi sentida como uma necessidade, atendendo ao facto das primeiras décadas de vida se caracterizarem pelo rápido crescimento e desenvolvimento com mudanças significativas no funcionamento físico, social e psicológico;. Por esse motivo, a OMS promoveu a elaboração de uma versão da CIF para crianças e jovens – International Classification for Children and Youth (ICF-CY) - visando a utilização universal nos sectores da saúde, educação e social, sensível às mudanças inerentes ao desenvolvimento da criança e adolescente e que relectisse as características dos diferentes grupos etários e dos contextos das crianças e jovens (OMS, 2006).12 Em 2002, a OMS constituiu um grupo de trabalho, que integrou um conjunto de peritos com a coordenação de Rune Simeonsson 18, para a elaboração da versão da CIF para crianças e jovens. Esta versão, concluída recentemente em 2007, embora obedecendo à estrutura e organização da CIF original, engloba um total de 237 novos códigos que contemplam especificidades da infância e adolescência. Nesta versão adaptada foi dado especial relevo a questões do desenvolvimento e crescimento das crianças e jovens: • a criança no contexto da família; • o atraso de desenvolvimento; • a participação; • os contextos da criança. O termo e conceito de atraso de desenvolvimento é um aspecto crucial nesta nova versão, tendo sido incluído na definição de qualificador genérico (que determina a gravidade e extensão do problema) para as funções e estruturas do corpo, actividades e participação, atendendo ao carácter relevante das variações no tempo na emergência de funções ou estruturas do corpo ou na aquisição de competências associadas com diferenças individuais no crescimento e desenvolvimento da criança.12 A CIF em Portugal Em Portugal, o Conselho Superior de Estatística aprovou a utilização da CIF para fins estatísticos a iniciar de forma faseada a partir de Janeiro de 2003 19 e delegou o acompanhamento em torno da futura aplicação da CIF no Grupo de Vale MC – Classificação Internacional de Funcionalidade Trabalho Estatísticas da Deficiência e Reabilitação, coordenado pelo então Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração de Pessoas com Deficiência (SNRIPD), actualmente designado por Instituto Nacional para a Reabilitação (INR, Ministério do Trabalho e Reabilitação). Quer as Grandes Opções do Plano 2005-2009, especificamente, na 2ª Opção Mais e Melhor Reabilitação, quer o I Plano de Acção para a Integração das Pessoas com Deficiência ou Incapacidade 2006-2009 Plano de Acção para a Integração das Pessoas com Deficiências ou Incapacidade (PAIPDI), explicitam a determinação do governo português na adopção da CIF como o quadro de referência orientador das politicas e medidas relativas às deficiências e incapacidade, implicando a sua implementação progressiva […] na reformulação de politicas sectoriais, de sistemas de informação e estatística, de quadros legislativos, de procedimentos e de instrumentos de avaliação e de critérios de elegibilidade (PAIPDI, 2006).20 O Decreto Lei (DL) 3/2008 de 7 de Janeiro do Ministério da Educação que veio legislar a Educação Especial veio também acelerar a introdução deste novo paradigma ao sugerir (alínea 3 do artigo 6º ), a elaboração de relatório técnico pedagógico, preferencialmente por referenciação à CIF. 21 Este DL foi posteriormente complementado pela Lei n.º 21/2008 de 12 de Maio de 2008 do Ministério da Educação. 22 Finalmente, mais recentemente foi publicado o DL 281/2009, assinada pelos Ministério do Trabalho e da Solidariedade, Educação e Saúde, veio legislar especificamente sobre Intervenção Precoce, reforça, na sua introdução, a necessidade de utilização da CIF como instrumento de caracterização da problemática da incapacidade, numa perspectiva melhoria efectiva da eficácia e eficiência na rede de suporte a delinear a cada criança e respectiva família, colmatando uma grave lacuna nesta área. 23 Ao finalizar este artigo, propomos uma série de questões para reflexão, que poderão talvez incentivar um estudo mais profundo por parte das pessoas que desejam melhorar a qualidade de vida das pessoas e dos grupos menos favorecidos. Apresentamos, por conseguinte, uma lista de possíveis temas a aprofundar: • Determinar novas vias que permitam passar de uma abordagem baseada em grupos interdisciplinares de profissionais para uma abordagem baseada na coordenação interinstitucional para intervir e elaborar programas e serviços; • Analisar a forma como os direitos e obrigações das pessoas com deficiência são difundidos e aplicados; • Intervir na formação dos profissionais de saúde para atender às necessidades das pessoas com deficiência e respectivas famílias, participando na notificação do diagnóstico e no acompanhamento de caso, em coordenação com os restantes profissionais envolvidos no processo de desenvolvimento da criança; • Proporcionar, ao nível das ordens profissionais oficiais, cursos de formação sobre atitudes para com a criança com deficiência, destinados a todos os profissionais que estejam em posição de conseguir estruturas sociais susceptíveis de aceitar a diferença; 235 Acta Pediatr Port 2009:40(5):229-36 Vale MC – Classificação Internacional de Funcionalidade • Fomentar, junto dos empresários, a necessidade de recrutar pessoas com deficiência nas suas empresas; nóstico e Estatística das Perturbações Mentais. 4ª edição. Lisboa: Climepsi Editores;2006; 39-49. • Tentar alterar a legislação vigente no sentido de introduzir medidas que favoreçam a inserção social e profissional das pessoas com deficiência mental; 8. International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems.10th Revision . Geneva: World Health Organization; 2007. Introdução:5-18, acesível em http://apps.who.int/classifications/apps/icd/icd10online/. Acedido a 13/10/2009. • Facilitar a formação em atitudes favoráveis para as pessoas com deficiência, logo na fase da formação inicial dos profissionais; • Rever as bases em que assentam os serviços e programas destinados às pessoas com deficiência. 4 Este trabalho surge de uma longa meditação pessoal sobre a deficiência em geral e a incapacidade intelectual em particular, sobre os seus determinismos biológicos e psicossociais e incide predominantemente sobre o que a ética da responsabilidade e justiça nesta matéria podem mudar numa sociedade para autonomizar o mais vulnerável: criar ou rentabilizar os melhores meios para tornar o que é diferente, aceitável. Não nos compete julgar a sociedade, mas sim, esclarecê-la. A optimização do potencial intrínseco individual é o que nos torna mais ou menos aptos a crescer do ponto de vista intelectual e emocional, sobreviver, resistir, desenvolver resiliência e a criar: criar caminhos próprios, lutar por convicções, reinventar-se a cada momento da vida. 9. Manual da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Direcção Geral de Saúde: Lisboa; 2004 Introdução: 5-18. acessível em http://www.inr.pt/uploads/docs/cif/CIF_port_%202004.pdf. Acedido a 13/10/2009. 10. Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Modelo de Funcionalidade e Incapacidade:19-21. http://www.inr.pt/uploads/docs/cif/CIF_port_%202004.pdf. Acedido a 13/10/2009. 11. Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Utilização da CIF:22-4. http://www.inr.pt/uploads/docs/cif/CIF_port_%202004.pdf. Acedido a 13/10/2009. 12. Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Versão para Crianças e Jovens: pp 9-10. http://www.inr.pt/content/1/54/aplicacao-implementacao-cif. Acedido a 15/10/2009. 13. UNITED NATIONS. Guidelines and Principles for the Development of Disability Statistics, United Nations, New York.; 2001. http://www.inr.pt/content/1/54/aplicacao-implementacao-cif. Acedido a 15/10/2009. Desta forma, cabe a nós, pediatras, médicos de família, educadores, psicólogos, técnicos de serviço social, ou seja, a todos os profissionais ligados à infância, envolvidos com o desenvolvimento da criança, esclarecer a sociedade, sensibilizá-la nas vertentes humanista, ética e utilitarista para a disponibilização de meios adequados, em número e qualidade, visando a necessidade acrescida de reinvenção/recriação da criança com limitado potencial intelectual e suporte das respectivas famílias. 14. Aplicação e Implementação da CIF. Site do Instituto Nacional de Reabilitação. http://www.inr.pt/content/1/54/aplicacao-implementacao-cif. Acedido a 15/10/2009. 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Centro Brasileiro de Classificação de Doenças - USP [Internet]. [citado 2009 Out 15];Available from: http://hygeia.fsp.usphttp://hygeia.fsp.usp.br/~cbcd/. 0873-9781/09/40-4/237 Acta Pediátrica Portuguesa Sociedade Portuguesa de Pediatria EDUCAÇÃO MÉDICA A relação médico paciente enquanto fenómeno de comunicação Fernando Barone Escola Superior de Educadores de Infância Maria Ulrich, Lisboa. Resumo A relação médico-paciente (RMP), do ponto de vista da Teoria da Comunicação, pode ser apresentada a partir de três grandes modelos: positivista, sistémico e construtivista. Nesta pesquisa bibliográfica, tenta-se demonstrar que a representação da RMP pode ganhar qualidade se caminhar em direcção aos modelos mais complexos Palavras-chave: Relação médico-paciente; Teoria da comunicação; Pediatria, Modelos de comunicação; Educação médica. Acta Pediatr Port 2009;40(5):237-41 Doctor-patient relationship as a phenomenon of communication Abstract According to the Communication Theory the Doctor-Patient Relationship (DPR) can be more accurately described using the three most important models ie: the positivist, the systemic and the constructivist. The aim of this article is to highlight that the quality of the DPR can be improved using the complex models. Key words: Doctor, Doctor-Patient Relationship; Communication Theory; Paediatrics; Communication models; Medical education. Acta Pediatr Port 2009;40(5):237-41 Introdução É senso comum entre médicos e agentes de saúde em geral que sem atenção ao paciente não se chega a grandes resultados. A noção de atenção1, originária do campo da Filosofia, é um conceito fundamental para abordarmos inicialmente o problema da relação entre médico e paciente. A atenção ao mundo e a si próprio é tudo aquilo que confronta uma aceitação inconsciente de hábitos e atitudes tidos por naturais. Ter atenção, neste sentido, não significa apenas discernir objecti- vamente algo ou alguém alvo do nosso interesse. Estar atento significa alimentar a dúvida e a curiosidade a um só tempo. A atenção representa, por assim dizer, um atentado contínuo aos automatismos ou aos hábitos arraigados, muitas vezes, confundidos com a eficácia, outras vezes com os procedimentos científicos. Quando buscamos informações sobre o real, e o possível, da relação médico paciente na literatura especializada2 3 4, normalmente deparamo-nos com a presença interdisciplinar discreta das áreas clínica, psicológica, antropológica e sociológica. A contribuição prestada pela chamada área das Ciências da Comunicação surge com menor intensidade embora, na última década, o número de artigos com esta marca tenha crescido notavelmente. O próprio conceito de comunicação, para além da sua polissemia nata, presta-se a alguma ambiguidade quando, por um lado, assinala o sonho da compreensão mútua entre os homens e o conhecimento do mundo (comunicação). Por outro lado, designa os feixes de sinais comunicativos de qualquer natureza (comunicações) que, para além do desejo dos homens, constroem a realidade, a própria dificuldade de comunicar, sedimentam o poder, alteram contextos, reproduzem modelos mas também os tornam obsoletos. Neste pequeno texto, trazemos algumas formas de abordar a relação médico paciente baseadas no modo como a Comunicação, enquanto disciplina teórica, descreveu e interpretou a interacção humana nos ambientes onde esta se desenvolve e se transforma. Não nos movem intenções prescritivas que possam ser acatadas pelos agentes de saúde, mas sim a busca de um conjunto de elementos que lhes permita identificar os factores e a complexidade deste encontro, ao mesmo tempo fortuito e determinado, entre médico e paciente, sobretudo na sua expressão pediatra-criança/jovem e pais ou seus representantes. Nesta medida, os temas da relação médico paciente (RMP), e da especialidade pediátrica – marcados pela tríade médico/família/criança – surgirão iluminados pelos conceitos sistémicos de saúde, família, pares, media e novos media, autoconhecimento, além de conceitos específicos do campo da comunicação. Correspondência: Fernando Barone [email protected] 237 Acta Pediatr Port 2009:40(5):237-41 No plano específico da Comunicação surgem os conceitos de modelos de comunicação positivistas5, voltados para a pretensa objectividade das relações comunicativas; os modelos de comunicação sistémicos, implicando a consciência possível dos interlocutores acerca da interacção comunicativa; e, ainda, os modelos construtivistas que poderemos associar ao conceito de improbabilidade da comunicação. Neste último, consideraremos as diferenças entre os vários sentidos originados das várias lógicas em causa: a do médico como factor do sistema de saúde; a do médico como pessoa; a do paciente jovem/criança como lugar de doença; a da família como contexto e intermediário natural entre médico e paciente; a da criança e jovem como pessoa e membro de grupos em sociedade, e assim por diante. Por sua vez, estas diferenças poderão explicar os automatismos e dificuldades de comunicação no plano da RMP. Para abrir um leque de representações do nosso objecto vamos utilizar os três conceitos anteriores valendo-nos eventualmente dos exemplos enunciados a seguir: Certo dia, a mãe de uma paciente de 15 anos decide solicitar a mudança do seu médico de família e, no seu Centro de Saúde em Lisboa, alega à funcionária administrativa que, apesar de já ter falado ao médico, a filha insiste em queixar-se de que o médico a trata como se tivesse 5 anos. A encarregada diz que a mudança não é possível dado o número restrito de médicos no Centro. A mãe responde que prefere que a filha perca o direito a ter um médico de família, e uma certa rapidez de atendimento, mas ganhar o acesso, ainda que incerto, a outros médicos com os quais possa ter maior empatia e melhores cuidados. A encarregada muda o regime da jovem paciente e esta passa para o regime comum. A partir daí ela passa a ter consultas com outro médico, pelo qual espera mais tempo. A mãe considera a troca vantajosa já que o novo médico interage mais, aceita opiniões da paciente e promove um clima cordial no relacionamento. Todavia, esta mãe conhece uma paciente já idosa do primeiro médico, na sala de espera, da qual ouve que há muitos anos se sente apoiada por ele e muito contente com a sua prestação. Jamais pensaria em substituí-lo. Um segundo exemplo contempla o périplo de um paciente pré adolescente de 12 anos com um quadro clínico de doença oncológica grave. Ora está em casa, ora está no Hospital em regime de internamento, ora está na escola. As informações que recebe e fornece passam por estas instâncias além de passarem também pelo grupo de pares (colegas e amigos). Além destes últimos, o jovem convive com médicos, enfermeiros, auxiliares e, eventualmente, educadores a cumprirem papel de encarregados de ATL (Ateliê de Tempos Livres). A relação com este ou aquele médico, em especial, variará de acordo com as práticas de cada um, sobretudo se considerarmos que a atitude clínica adequada depende do investimento no plano interactivo e na mútua compreensão. Comunicação interpessoal e RMP: representações clássicas de modo de comunicar No plano dos modelos comunicativos ditos positivistas podemos compreender as razões do médico e do paciente na pers238 Barone F – A relação médico paciente pectiva de um emissor que envia mensagens a um receptor no sentido simplista de uma mensagem passada através de um código linguístico e de um canal. A mensagem pode sofrer distorções (ruídos) no processo de emissão e é descodificada pelo receptor que, quase imediatamente gera um feed back ou resposta ao emissor. Esta representação do acto comunicativo pressupõe uma certa objectividade acerca do que se fala por parte dos interlocutores. Este modelo reduz a realidade comunicativa a apenas alguns factores e deixa de lado o passado, a origem dos problemas, os afectos, a cultura e os contextos que envolvem médico, criança e família. É um modelo que reforça aparências e intenções, acabando por não focar a realidade mais profunda marcada por bloqueios, sentimentos contraditórios e dúvidas por parte dos agentes em interacção. Neste modelo, fica reforçado o tratamento da doença como se esta não dependesse das relações múltiplas de cada doente, ou mesmo do contexto de vida e trabalho do próprio médico. Nesta perspectiva, bastaria o médico estar voltado em termos clínicos para a doença, controlar os equívocos mais óbvios na RMP, informar o paciente com objectividade para “tudo estar bem encaminhado”. Se retomarmos nossos exemplos, a mãe da primeira paciente dialoga com a funcionária do Centro de Saúde e comunica a dificuldade de ela ser compreendida pelo seu médico; a funcionária envia resposta à mãe (feed back); a mãe percebe que o médico não corresponde às suas necessidades quanto aos sintomas e anseios de saúde da filha; o pré adolescente do segundo exemplo envia sinais de estado e sensações ao médico e este, através de descodificação e interpretação dos sinais do paciente (mensagem oral, exame diagnóstico, etc.) elabora um prognóstico. Apesar de esta forma de representação simplificar em demasia as condições e factores geradores do encontro RMP – hoje, boa parte da literatura especializada demonstra modelos mais complexos e correctos de descrever o fenómeno – ela acaba por ser um instrumento quotidiano de adaptação aos sistemas de saúde e à vida moderna. A propósito, lembramos que a partir dos anos 30 e 40, no século passado, com a descoberta das sulfamidas e da penicilina, têm lugar grandes transformações nas práticas e formação dos médicos6,7. As inovações nos campos da bioquímica, da farmacologia, da imunologia e da genética contribuem para o desenvolvimento de um modelo biomédico centrado na doença e fazem diminuir o interesse pela subjectividade e história de vida do paciente/família8. Este contexto corresponde também a modos de comunicação que reforçam a solidão urbana, a burocratização genérica dos serviços de saúde e enfraquecem a solidariedade colectiva dificultando laços intersubjectivos mais profundos. Metacomunicação, saúde e patologias da comunicação Na perspectiva teórica da chamada Sociologia Americana (Interaccionismo Simbólico de George Mead e Escola de Palo Alto)9, o modelo anteriormente descrito surge como insuficiente para representar os processos comunicativos em escala interpessoal e de grupos. Neste plano penetramos nos chamados modelos sistémicos de comunicação. Acta Pediatr Port 2009:40(5):237-41 Para os investigadores destas correntes o acto de comunicar não é apenas resultado de um desejo consciente em fazê-lo, mas fruto também de automatismos vários, podendo apresentar-se como pulsão inconsciente ou mecanismo sistémico de reprodução de práticas rituais ou institucionais. Para a Escola de Palo Alto10, o próprio processo comunicativo determina a realidade pois para além do que um indivíduo quer dizer ao outro, há que se considerar o que ele não quer dizer mas “acaba por fazê-lo” através de linguagem não verbal, ou mesmo dizer algo diverso, mas plausível, aos olhos do interlocutor. No caso do pré adolescente do nosso exemplo, o médico, face a um diagnóstico clínico pejorativo, poderá exibir o que os teóricos acima designaram o double bind (duplo constrangimento). O duplo constrangimento é um fenómeno de comunicação em que o interlocutor hierarquicamente privilegiado (o médico) enuncia, no plano verbal (manifesto), uma mensagem pretensamente compreensiva e positiva, e no plano não verbal (profundo), o seu contrário. É um paradoxo que pode gerar no paciente um sentimento de auto desprezo ou fragilidade dificultando o processo relacionado com o tratamento. Com efeitos menos graves, mas ainda graves, o double bind pode ser exercido sobre os pais da criança e do jovem causando incidentes ou conflitos comunicativos. Há também que considerar o que é criado no acto imediato da comunicação como informação nova e o que é gerado a partir da história de vida de cada interlocutor. No exemplo a seguir, antológico para a Escola de Palo Alto, a construção da realidade, faz-se a partir da própria comunicação e é gerada pela incapacidade do sujeito em discernir o real significado daquilo que o interlocutor transmite: – um doente próximo da morte, num hospital austríaco, é informado pela equipa clínica que o trata, de que os médicos não têm tido sucesso pelas dificuldades no diagnóstico; no entanto, um célebre professor de medicina foi convidado para determinar a natureza do seu mal; dias mais tarde o médico convidado pronuncia diante do doente, e da equipa, a expressão “moribundus”. Alguns anos mais tarde o referido paciente contacta o professor e diz-lhe: - Há tempos queria agradecer-lhe por haver identificado a minha doença; quando o senhor doutor disse “moribundus” fiquei a saber que eu tinha cura. A fonte desta história conclui pela vantagem que às vezes temos em desconhecer o latim. No plano da chamada análise transaccional, de Eric Berne11, há que considerar três níveis de mensagens onde os interlocutores assumem basicamente três modalidades de posições entrecruzadas: a orientação paternal (normativa); a orientação racional (adulta) e a orientação emotiva (infantil) independentemente de o paciente ser criança, jovem ou adulto. Potencialmente, até agora, o médico assumiria a orientação paternal na espera de que o paciente cumprisse as normas aceitando, de forma afectiva e infantil, as orientações médicas. A relação adulta ou informativa surge como factor de equilíbrio de parte a parte e implica uma abertura em que os papéis de médico e paciente recusam o padrão paternal do médico ou a “birra Barone F – A relação médico paciente infantil” do paciente. No caso do nosso exemplo do Centro de Saúde, o velho médico parece assumir tal paternalismo e a paciente opta por recusar o diálogo adulto em nome de uma nova relação onde seja tratada como adulta. Para tanto, devido, à pouca idade ou segurança, a mãe surge como intermediária e sua cúmplice na relação. Por outro lado, a paciente idosa citada no final do exemplo, presumivelmente, aceita a relação estabelecida, assumindo o eu criança na relação médico-paciente. Da mesma forma, o encontro do médico-oncologista com o jovem paciente aponta para uma relação resiliente se, ao médico, couber o convite à relação racional e adulta face ao adolescente. Destas experiências podemos retirar que o paciente infantil ou juvenil tem potencialmente as mesmas, ou até melhores, condições para o diálogo esclarecedor e potenciador do auto conhecimento para si, mas também para o médico, ao redor do processo diagnóstico. Dentre os modelos sistémicos lembra-se também a teoria de Erving Goffman12, autor de um texto denominado A apresentação do eu na vida de todos os dias, que atribui aos sujeitos em interacção uma espécie de desempenho dramatúrgico no plano do quotidiano. Para este autor, o desempenho comunicativo dos indivíduos, no dia-a-dia, pressupõe a encenação de pequenos papéis incluindo frases de efeito e desempenhos gestuais (não verbais). Trata-se, na verdade, de comportamentos semelhantes aos encenados no Teatro. É uma perspectiva que considera a existência de máscaras, enredos, pequenas artimanhas nas relações interpessoais, nomeadamente na RMP. Um exemplo seria o argumento de que alguns pacientes, que procuram os Centros de Saúde, representam ou encenam uma doença mais ou menos imaginária para poderem estar acompanhados e se sentirem menos solitários. No plano pediátrico, podemos pensar que algumas recusas e dificuldades em cumprir, ou compreender, as ordens médicas, por parte de jovens e famílias, fazem parte deste processo de representação. Estas maneiras de agir demonstram a resistência às mudanças de comportamentos sugeridas pelos médicos. Os modelos sistémicos abrem-se para a chamada metacomunicação, conceito que designa a compreensão da comunicação, não a partir dos conteúdos das mensagens entre os interlocutores mas sim a partir da forma como estas são trocadas, partilhadas ou recusadas. Nesta linha, um jovem pode estar a dar sucessivas respostas de assentimento aos conselhos e prescrições médicas apenas como forma de acatamento aparente. Os pais podem também escutar de modo selectivo o que o médico propõe como actuação global e correcta. A metacomunicação é o processo que tenta revelar como a comunicação, ou a não comunicação, se desenvolve no âmbito das interacções humanas. Na RMP ambos os interlocutores poderão ver a doença e o sofrimento do paciente como factores derivados da própria relação comunicativa. Assim, a atenção à relação de comunicação, ela mesma, poderá trazer ao médico instrumentos e energias para ultrapassar bloqueios e dificuldades de compreensão e intervenção. Por outro lado, estes modelos sistémicos tradicionais de comunicação, acima descritos, apesar de possibilitarem uma maior abertura para representar o aparente e o profundo na 239 Acta Pediatr Port 2009:40(5):237-41 relação de comunicação, pecam pela simplificação desta relação. Isto ocorre pois estes modelos não consideram, de modo complexo, os múltiplos contextos e sistemas distintos nos quais se inserem médicos e pacientes. A consciência desta dificuldade, que é a dificuldade essencial da comunicação, é o ponto de partida do tipo de modelo que veremos a seguir. A improbabilidade da comunicação como ponto de partida para a compreensão da relação médico paciente Os modelos construtivistas de comunicação evocam os sentidos latentes que transitam de sistemas para sistemas, de indivíduos para indivíduos e de indivíduos para sistemas. Rompem com os modelos sistémicos tradicionais na medida em que supõem maior complexidade inter-relacional entre estes elementos e ultrapassam a relação bipolar entre dois interlocutores ou grupos. Entre as novas teorias da comunicação, a teoria de Niklas Luhmann13, propondo-se crítica às teorias sistémicas tradicionais, introduz a noção de diferença entre sistema e ambiente e rechaça a ideia de que os indivíduos estejam no centro dos sistemas, sejam estes políticos, económicos, jurídicos, de saúde e tantos outros. Os próprios indivíduos constituem sistemas intra-psíquicos e dependerão de um jogo complexo entre o seu estado e o ambiente externo constituído por todos os outros sistemas em interacção. Um dos conceitos fundamentais no pensamento de Niklas Luhmann é a improbabilidade da comunicação tomada como sinónimo de compreensão ou entendimento. Esta improbabilidade dá-se por 3 razões principais: a) a dificuldade do entendimento profundo do outro (alter) visto o isolamento do si mesmo (ego) num contexto tendente ao complexo e ao inóspito; b) a improbabilidade de os resultados da comunicação chegarem a outros receptores não presentes no acto de troca original; c) o conteúdo selectivo da comunicação dificilmente ser incorporado pelo receptor. No caso específico da relação entre o pediatra e o paciente criança/jovem/pais estas dificuldades exprimem-se muito através das distâncias que a modernidade ocidental opera entre o mundo da infância, o mundo jovem e o mundo adulto, numa lógica discriminatória que enuncia positivamente a diferença entre o nós e os outros. Numa representação bastante redutora pode dizer-se que o sistema médico nesta teoria se compõe de um código binário com os conceitos doente e saudável; de um programa, constituído pelo juramento hipocrático; de um “médium” representado pelo tratamento e cura e de uma função, a assistência à saúde. Esta estrutura tende a reduzir a complexidade dos ambientes (elementos que constituem o que está fora do sistema em causa). É também um processo que reduz a pretensa humanidade natural do acto de tratar um doente já que a sua eficácia segue uma lógica que prescinde propriamente da compreensão comunicativa. Por outras palavras, o sistema despoleta comunicações (forças e orientações) sob a forma de pressões que ganham autonomia diante do “sofrimento do outro”. 240 Barone F – A relação médico paciente A consciência destas dinâmicas pelos agentes de saúde, mas também pelos pacientes, parece auxiliar na produção de observações (reflexões) e contradições (irritações) que poderão elevar o grau de consciência do agente de saúde em geral. Diante destes dados podemos assinalar um conjunto de factores activos envolvidos directa ou indirectamente, na constituição do fenómeno RMP: o sistema de Saúde, suas possibilidades e limitações; o sistema intra-psíquico dos pacientes, suas aspirações gerais e específicas quanto ao que entendem por “seu estado de saúde”; o sistema intra-psíquico do médico; o sistema de ensino - aprendizagem em que se formou o médico em questão; o sistema de ensino que incutiu, mais ou menos, práticas de cidadania entre aqueles que são, hoje, médicos e pacientes; o sistema de pares que envolve médico e colegas; o sistema de pares que envolve o paciente e seus amigos ou confidentes; o sistema de família e étnico que repassa valores e hábitos culturais específicos entre os seus membros; e vários outros. Muito importante se torna neste processo, e no nosso caso, o grupo identitário dos pares crianças e jovens, entre si, e o jogo complexo entre o sistema de saúde e a exterioridade deste: entre outros, o sistema de pares (principalmente para os jovens) e o sistema família (principalmente para crianças), que acabam por constituir uma independência efectiva (diferença sistema -meio) em relação aos outros sistemas, sobretudo o da saúde. Note-se também que o sistema público e privado de informações (internet e comunicação social) gera conhecimentos que podem elevar o estatuto do paciente a quase especialista do seu mal. Neste ponto, lembramos um caso de uma criança com uma síndrome rara englobando defeito congénito da caixa craniana, o qual foi precocemente acompanhada pelo médico a partir de consultas diferenciadas ou conjuntas envolvendo pais, paciente criança. Os pais, e mais tarde, a própria paciente, puderam, com mais ou menos intensidade, participar de grupos e sites específicos na internet voltados para os planos do diagnóstico, do prognóstico e do conforto psicológico dos doentes e família. Estas diferenças entre os sistemas e os ambientes apontam novas maneiras de representar a RMP e abrem perspectivas inéditas de revisão dos processos de educação médico neste quesito, as quais não poderão, no entanto, ser desligadas das implicações éticas. Conclusão Durante esta pequena exposição tivemos, desde o início, a preocupação de não reduzir a RMP a um jogo comunicativo unicamente determinado por duas partes em relação. Desta forma, a complexidade foi apresentada como factor essencial para a compreensão do fenómeno. Quando terminávamos este artigo e o comentávamos num grupo de amigos, alguém relatou o caso de uma professora, de uma conhecida universidade portuguesa, que aguardava exames do foro oncológico da filha préadolescente, que foi informada, através de telefone, em tom seco e burocrático, que os resultados apontavam para prognóstico reservado. Soubemos também que, imediatamente, solicitou o apoio de uma amiga enfermeira no sentido de atenuar Acta Pediatr Port 2009:40(5):237-41 afectivamente o choque da revelação sem mascarar o real estado de saúde da jovem. Independentemente de o exemplo representar um acto isolado ou um procedimento de rotina, poderá sempre ser lido de forma simples ou complexa. Defendemos a forma complexa. Seja como for, a realidade da qual falamos nunca ultrapassará o sentido do sofrimento humano como o mais concreto objecto da acção médica e da saúde. Os indicadores de produtividade atrelados aos serviços hospitalares determinam o tempo dedicado a cada paciente e, nalgumas instituições de saúde, não oferecem um mínimo de condições para que a análise mais completa da criança e do jovem possa superar a ideologia de que o doente é o lugar da doença e não uma pessoa em sofrimento. Tal facto, todavia, não justifica este comportamento do agente de saúde no plano mais amplo da sua tarefa. Por outro lado, não podemos ignorar que a RMP é esse campo de diálogo que é, ao mesmo tempo, o campo do diagnóstico14. Chegamos a um ponto em que devemos pensar a possibilidade de o médico, sem perder sua função de realizar o diagnóstico da forma mais correcta e humana possível, possa fazê-lo iluminado pela ideia de que os contextos que envolvem a sua acção, e as acções do paciente e intermediários, devem sofrer a sua análise criteriosa e constante como profissional e cidadão. Referências 1. Bergson H. La pensée et le mouvant. 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Oliveira do último número1, inquietei-me quanto ao futuro da investigação clínica em Pediatria, em particular no que me diz respeito. Recordou-me o artigo de L. Pereira-da-Silva a propósito da recusa de indexação desta revista, onde foram enfatizadas as lacunas científicas da comunidade pediátrica portuguesa e a frustração de quem luta pelo amadurecimento da ciência na medicina2. Durante o internato complementar abrem-se horizontes e exigências no âmbito das competências clínicas e científicas e a formação de qualidade pode estar ao nosso alcance. Do meu ponto de vista, a rotina diária do interno assenta, na prática, em três pilares: os “bancos”, a “enfermaria/consulta” e a actividade científica, quase sempre através do vulgo “trabalhos”. Se os dois primeiros, pelas necessidades assistenciais não podem ser adiados ou descurados, já o terceiro fica à mercê das horas vagas. Geralmente, estas são consumidas entre pastas e arquivos repletos de processos incompletos, utilizados nas múltiplas casuísticas retrospectivas descritivas, casos clínicos… Entre as inúmeras alíneas do Programa de Formação do Internato Complementar de Pediatria3, a investigação está francamente subestimada. Não é pois de estranhar que esse “terceiro pilar” esteja relegado para um plano tão secundário. Venho dos congressos, reuniões e cursos com uma enorme vontade de ir mais além na actividade científica. Pelos locais onde tenho passado, apercebo-me que o estímulo à boa produção científica fica a cargo de uma pequena minoria dos assistentes com boa vontade, mas limitados pelo conhecimento em metodologia científica, epidemiológica e bioestatística e pela pouca familiarização com programas de estatística aplicados à medicina (exº, o SPSS®). Considero que há falta de estímulos e ferramentas para o crescimento do interno nesta área, corroborado por outros que responderam ao inquérito de J.M. Videira Amaral4,5. Neste contexto, não posso fugir à responsabilidade de adiantar sugestões as quais, na minha modesta perspectiva de interno, poderão constituir pistas para os que se interessam pela investigação, sobretudo para os orientadores de formação: 1. No Programa de Formação do Internado Complementar de Pediatria: A investigação consta neste Programa como meio de valorização curricular através de projectos de investigação, artigos publicados e comunicações/posters (quatro de cada no mínimo). Não acredito que seja a quantidade que valorize, mas a qualidade, sobre a qual nada vem explícito. 242 Se em alguns locais, se investiga muito e regularmente, como descreve M.T. Neto de uma unidade de neonatologia6, noutros, como em hospitais distritais com forte pressão assistencial, esse dinamismo dificilmente é conseguido. Creio que nem todos têm a oportunidade de ser formados em ambientes profícuos em investigação e que a curta passagem nestes pode não ser suficiente para aprender a realizá-la. As discrepâncias entre hospitais e serviços, como descreve L. Pereira-da-Silva num hospital central7, poderiam ser mitigadas se no Programa de Formação estivesse integrado um estágio de, por exemplo, três meses, numa unidade de investigação clínica. Esta, poderia ser identificada entre os serviços de pediatria nacionais, gozando de um corpo científico de elevado nível. Os internos ao iniciarem ou completarem um projecto de investigação, mais do que valorizar o curriculum, aprenderiam a saber fazer. Este período de formação, de cariz não assistencial, poderia substituir três dos meses passados no centro de saúde, considerado excessivo pelos internos4,5. A haver clínicos ligados à investigação no estágio de cuidados de saúde primários, os tais três meses poderiam ser realizados no próprio centro de saúde. 2. Na organização dos serviços que formam internos de pediatria: A atribuição de um tempo dedicado ao estudo/investigação é de vital importância. Não sou o primeiro interno a referi-lo5. Para tal, estes serviços deveriam contemplar um período não assistencial, obrigatório, no próprio horário semanal/mensal. Nesse tempo, o interno estaria em presença na instituição, à semelhança dos períodos assistenciais. Isto faria mais sentido se cada Serviço/Hospital fosse devidamente valorizado e recompensado por desenvolver linhas de investigação e participar em estudos multicêntricos nacionais e internacionais. 3. Na Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP) e respectivas secções: A SPP deveria ampliar a louvável iniciativa de parcerias estabelecidas com laboratórios da indústria farmacêutica para a atribuição de bolsas de investigação. Apesar da melhoria dos conteúdos disponibilizados no sítio da SPP, falta uma plataforma de amplo acesso a publicações/bibliografia, a exemplo da Associação Espanhola de Pediatria8. À semelhança do praticado pela Unidade de Vigilância Pediátrica (UVP), está ao alcance da SPP a criação de um directório mais abrangente de investigações em curso. Neste, os internos teriam a oportunidade de interagir, divulgar estudos iniciados, Acta Pediatr Port 2009:40(5):242-3 propor a outros estudos multicêntricos, prospectivos, assim como partilhar resultados e compilar casos semelhantes. Constato ainda, que na SPP, respectivas secções e UVP não existe um representante de internos. Ao serem incluídos, estes sentir-se-iam muito mais motivados a colaborar. Lito D – Carta ao Director Estou consciente que, com estas palavras, fico obrigado a procurar ao longo do internato um rigor e um nível pessoal e científico crescente. Espero ir encontrando cada vez mais pessoas interessadas pela investigação clínica – como diz M. T. Neto – movidas pela curiosidade, pelo gosto, pelo prazer intelectual e não pela recompensa que dela possa advir6. 4. Na relação da Interno/Orientador de formação: Alguns orientadores assumem uma atitude paternalista, exigindo constantemente maior empenho focado no enriquecimento científico e curricular do interno. Outros, respondem aos pedidos de apoio limitando-se ao mínimo indispensável. Defendo uma relação equilibrada, na qual ambos possam crescer sinergicamente: o interno ao captar a experiência do orientador e este por ter que dar resposta a novas questões fruto da curiosidade e dinamismo do primeiro. Não resisto a citar M. J. Neto: “... existem francas assimetrias de formação. Podemos dizer que os melhores Serviços são apercebidos pelos pares como escolas e escolhidos como tal pelos internos, pois neles são tratados com respeito profissional, sendolhes fornecido tempo para o estudo e para a investigação, existindo segurança e rigor técnico-científicos e responsabilização progressiva”9. Uma última palavra para a família. O internato complementar corresponde ao período da vida em que as famílias começam a crescer e que alguns sonhos, não profissionais, podem finalmente realizar-se. Viver o internato centrado em mais um objectivo profissional, académico, alienado da vivência em família e na sociedade é um erro a evitar. Não podemos subestimar a importância que a história que contamos aos nossos filhos antes de adormecerem e outros pedaços de atenção, têm no seu desenvolvimento pessoal e afectivo… Referências 1. Oliveira G. Investigação em Pediatria Quo Vadis. Acta Pediatr Port 2009:40: XXXIX-XL. 2. Pereira-da-Silva L. Recusa de indexação na Medline®. Acta Pediatr Port 2008:39:XXVI-VIII. 3. Portaria nº 616/96 de 30 de Outubro. Diário da República nº 252/96 — I Série. Ministério da Saúde. Lisboa. 4. Videira Amaral JM. Opiniões de internos e formadores sobre pós-graduação em pediatria. Acta Pediatr Port 2003:34:129-34. 5. Alunos do Internato Médico. Internato médico: (IV) Sendo internos, o que mudariam no Internato Complementar? Rev Cent Hosp Coimbra 2005; (7):35: 6-8 Sep. 6. Neto MT. A propósito de Actividade Científica. Acta Med Port 2005; 18: 93-4. 7. Pereira-da-Silva L, Afonso S, Marques A. Actividade científica e de investigação num hospital central: análise retrospectiva de dez anos. Acta Med Port 2004; 17: 309-16 8. Asociación Española de Pediatría. URL: www.aeped.es, acedido a 20/11/2009. 9. Neto MJ. Internato médico [Editorial]. Rev Centro Hosp Coimbra 2005:7(35):1 Sep. Esta Carta ao Director foi enviada à autora da Nota Editorial referida (Guiomar Oliveira), que considerou não ser necessária qualquer resposta. 243 0873-9781/09/40-5/LXXXVII Acta Pediátrica Portuguesa Sociedade Portuguesa de Pediatria NOTÍCIAS Calendário de Eventos Nacionais e Internacionais SETEMBRO 2009 • Pediatric Pharmacology. Webminar, 3/9/09 (NextLevel Pharma, www.nextlevelpharma.com) • PIBD 2009 International Symposium on Pediatric Inflammatory Bowel Disease. Paris, França, 9-12/9/09 (PIBD 2009, tel. +33153858268, fax +33153858283, [email protected], www.pibd2009.com/registration.html) • Golden First Hour post partum. Budapeste, Hungria, 10-12/9/09 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) • II Curso de Ventilação Não Invasiva Pediátrica e Neonatal no doente agudo. Porto, 24-25/9/09 (Dra. Milagros Garcia, tel. 933936172, [email protected]) • 3º Curso de Introdução à Bioestatistica da SPP. Porto, 24-26/9/09 (Patrícia Alves, tel. 225513622, fax 225513623, [email protected]) • Glomerular and tubular disorders of the neonate: from physiopathology to clinical practice. Dijon, França, 24-26/9/09 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) • VII Jornadas de Pediatria Ambulatória do Hospital Santa Maria Maior. Barcelos, 25/9/09 (tel. / fax 253809200 / 253817379, [email protected]) • IX Jornadas do Serviço de Pediatria do Hospital de Faro. Faro, 25-26/9/09 (Sílvia Prazeres, tel. 289001992, fax. 289001924, [email protected]) • 7º Curso de Actualização em Dermatologia Pediátrica. Funchal, 26/9/09 (Teresa Batista, tel. 214164309, www.eventos.bayer.pt) • Filhos de Mães Toxicodependentes - Período Neonatal e Follow-up. Lisboa, 28-29/9/09 (www.chln.pt) • VII Curso Básico de Doenças Hereditárias do Metabolismo. Lisboa, 28-29/9/09 (ASIC, tel. 239484464, fax 239482918, [email protected]) • 32nd Union of Middle Eastern and Mediterranean Pediatric Societies (UMEMPS) congress. Dubrovnik, Croácia, 30/9-3/10/09 (tel. +38521231977, fax +38521231397, [email protected]) OUTUBRO 2009 • I Curso de Pós-Graduação Milupa: Nutrição Pediátrica. Óbidos, 1-3/10/09 (Milupa, tel. 214246880, [email protected]) • Neonatal Neurology - ESN Courses 2009-2011. Hamburgo, Alemanha, 7/10/09 (Kenes International, +41229080488, fax +41227322850, [email protected]) • Neonatal Respiration - ESN Courses 2009-2011. Hamburgo, Alemanha, 8/10/09 (Kenes International, +41229080488, fax +41227322850, [email protected]) • Curso Básico sobre Terapêutica Farmacológica nas Perturbações do Desenvolvimento e do Comportamento nas Idades Pediátricas. Lisboa, 8-9/10/09 (www.nasturtium.com.pt) • 50th Annual Meeting of the European Society for Paediatric Research. Hamburgo, Alemanha, 9-12/10/09 (Kenes International, +41229080488, fax +41227322850, [email protected]) • X Congresso Nacional de Pediatria. Tróia, 15-17/10/09 (Muris Congressos, tel. 229476847, fax 229476846, [email protected], www.congressos.muris.pt) • Neonatal Pharmacology. Ulm, Alemanha, 15-17/10/09 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) • Cateterismo no Recém-Nascido. Lisboa, 22-23/10/09 (Centro de Formação do CHLN, www.chln.pt) • Curso Internacional de Nefrologia Pediátrica. Barcelona, 22-23/10/09 (le Lara, [email protected]) • Congresso Nacional de Cirurgia Pediátrica 2009. Coimbra, 23-24/10/09 (Margarida Domingues, ASIC, tel. 239484464, fax 239482918, [email protected]) • CADIn vai ao Norte - Pesssoa, Família e Escola: Intervenção no Desenvolvimento Atípico. Porto, 23-24/10/09 (CADIn, tel. 214858241 ou 912540412, [email protected]) • Curso de Cuidados do Recém-Nascido no 1º Mês de Vida. Lisboa, 26-30/10/09 (tel. 217805108, fax 217805603, [email protected]) • Standards for Research in Child Health (StaR Child Health) Summit. Amesterdão, Holanda, 27/10/09 (www.starchildhealth.org/) • VI Simpósio Internacional Sociedade Portuguesa Doenças Metabólicas. Curia, 29-30/10/09 (ASIC, tel. 239484464, fax 239482918, [email protected]) • 4ª Escola de Outono de Medicina do Adolescente. São Pedro de Moel, 29-31/10/09 (Elisabete Santos, tel. 232420500, [email protected]) • Cardiovascular Intensive Care in Neonates and Children. Varsóvia, Polónia, 29-31/10/09 (Ms. Oehmann, [email protected], tel. +496214106134, www.ipokrates.info) • 7º Encontro de Infecciologia Pediátrica, Sociedade Infecciologia Pediátrica. Anadia, 31/10/09 (Luis Varandas, [email protected]) • II Curso de Obesidade Pediátrica do Centro Hospitalar Lisboa Norte – HSM. Lisboa, 31/10/09 (AIDFM, tel. 210008500, fax 210008501, [email protected]) NOVEMBRO 2009 • XVI Jornadas de Pediatria do Hospital de Santa Maria. Lisboa, 11-14/11/09 (Margarida Vales, tel. 217805202, fax 217805623, [email protected]) • IV International Meeting on Neonatology e XXXVII Jornadas da Secção de Neonatologia da SPP. Braga, 12-14/11/09 (Muris Congressos, tel. 229476847, fax 229476846, [email protected]) • 2º Curso de Patologia Neurológica Pediátrica - Epilepsia. Porto, 17-18/11/09 (tel. 225512100 – ext. 1868, fax 225512273, [email protected], http://neuropediatria.no.sapo.pt) • 6th World Congress of the World Society for Pediatric Infectious Diseases. Buenos Aires, Argentina, 18-22/11/09 (Kenes International, tel. +41229080488, fax +41229069140, [email protected]) • Multideficiência: Que Desafios? - Educar, Reabilitar para Integrar. Viseu, 20-21/11/09 (APPACDM de Viseu, tel. 232483260, fax 232429521, [email protected]) • XII Reunião Anual da Secção de Ambulatório da SPP: Obesidade Infantil e Comorbilidades. Évora, 21/11/09 (Natália Prates, tel. 266740100 ext. 1357, fax 266707912, [email protected]) • Treino parental - Workshop para profissionais. Cascais, 21/11/09 (CADIn, tel. 214858241 ou 912540412, [email protected]) • XXI Reunião do Hospital de Crianças Maria Pia / CHP: Da Infância ao Jovem Adulto. Porto, 22-25/11/09 (Secretariado, tel. 226089900 ou 925542332, [email protected]; [email protected]) • XVII Jornadas de Pediatria de Leiria e Caldas da Rainha. Óbidos, 26-27/11/09 (Secretariado tel. 262830383, fax 262830396, [email protected]) LXXXVII Acta Pediatr Port 2009:40(5):LXXXVII-IX • XVII Jornadas de Pediatria dos Hospitais de Leiria e Caldas da Rainha. Óbidos, 26-27/11/09 (tel. 262830396, [email protected]) • I Congresso Ibérico e I Congresso Português de Fendas Lábio-Palatinas. Porto, 26-28/11/09 (www.congressoibericofendaslabiopalatinas.blogspot.com/) • XVIII Jornadas do Serviço de Pediatria da Unidade Local de Saúde do Alto Minho. Viana do Castelo, 27-28/11/09 (D. Agonia, tel. 258802414, [email protected]) Notícias ABRIL 2010 • Curriculum of Excellence: Neonatal Neurology. Porto, 15-17/4/10 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) • 10th European Conference on Pediatric and Neonatal Ventilation. Montreux, Suiça, 28/4-1/5/10 (Symporg SA, tel. +41228398484, fax +41228398485, [email protected], www.epnv-montreux.org) DEZEMBRO 2009 MAIO 2010 • Excellence in Paediatrics. Florença, Itália, 3-6/12/09 (tel. +302106889130, fax +302106844777, [email protected], www.excellence-in-paediatrics.org/) • II Curso de Hematologia Pediátrica – Hesmostase. Lisboa, 5/12/09 (Paula Belmonte / Pedro Mendes, [email protected]) • Curso de Aleitamento Materno. Lisboa, 16-18/12/09 (tel. 217805108, fax 217805603, [email protected], www.chln.pt) JANEIRO 2010 • V Congresso Nacional de Neuropediatria. Coimbra, 15-16/1/10 (Sandra Fonseca, www.neuropediatria.pt) • Reunião Anual da Secção de Cuidados Intensivos. Coimbra, 21-23/1/10 (ASIC, tel. 239484464, fax 239482918, [email protected]) • II Jornadas de Pediatria do Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar do Alto Ave. Guimarães, 22-23/1/10 (tel. 253540330, [email protected]) • 5º Curso de Infecciologia Pediátrica. Coimbra, 28-29/1/10 (ASIC, tel. 239484464, fax 239482918, [email protected]) FEVEREIRO 2010 • IV Reunião de Imunodeficiências Primárias. Coimbra, 5/2/10 (Drª Graça Rocha, [email protected]) • II Jornadas de Pediatria do Instituto CUF. Porto, 5-6/2/10 (Isabel Ferreira, tel. 220033500, [email protected]) • Advances and Controversies in the Management of the Very Low Birthweight Infant. Manila, Filipinas, 7-9/2/10 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) • Brain injuries and sequelae: neonatal, neuro-paediatric and orthopedic diagnosis and mangement. Koudougu, Burkina Fase, 9-10/2/10 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) • 19º Encontro de Pediatria do Hospital Pediátrico. Luso, 18-19/2/10 (ASIC, tel. 239484464, fax 239482918, [email protected]) • 4ª Reunião Pediátrica do Hospital CUF Descobertas e 1ª Reunião Saúde CUF Pediátrica. Lisboa, 25-27/2/10 (Milupa Comercial SA, tel. 214246880, fax 214175496, [email protected]) MARÇO 2010 • Estudo epidemiológico de GEA por rotavirus em Portugal. Porto, 6/3/10 (SPP, [email protected]) • Neonatal Pulmonary Critical Care. Nova Deli, Índia (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) • 2010 Neonatal Ultrasound Course. Why, how and when an ultrasound image? Florença, Itália, 15-18/3/10 (AIM Group, [email protected], www.aimgroup.eu) • XXIII Reunião Anual da Secção de Gastrenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica da SPP. Aveiro, 17-20/3/10 (Sara Cruz, tel. 229476847, fax 229476846, [email protected], www.muris.pt) LXXXVIII • Reunião Conjunta: Unidade de Neurologia, Serviço de Neonatologia e Unidade de Desenvolvimento. Risco Neonatal e Neurodesenvolvimento. Lisboa, 3-5/5/10 (Paula Belmonte e Pedro Mendes, [email protected]) • 28th Annual Meeting of the European Society for Paediatric Infectious Diseases (ESPID). Nice, França, 4-8/5/10 (Kenes, tel. +41229080488, fax +41229069140, e-mail: [email protected], www.kenes.com/espid) • 1ªs Jornadas de Pediatria de Aveiro e Viseu. Viseu, 12-14/5/10 (secretariado disponível em breve) • Pediatric Endocrinology: Puberty and Growth. Birmingahm, Reino Unido, 13-15/5/10 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) • Development and Disorders of Senses, Skin and Brain and the Emergence of Behaviour and Consciousness in the Newborn Infant. Ilha de Rodes, Grécia, 13-15/5/10 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) • Curso básico de Gastrenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica. Lisboa, 14-15/5/10 (Maria José Illharco, tel. 217995530, fax 217995538, [email protected]) • 10th European Society for Pediatric Dermatology Congress. Lausanne, Suíça, 20-22/5/10 (tel. +41223399571, fax +41223399631, [email protected], www.espd2010.com) • 5.º Congresso Nacional de Medicina do Adolescente. Óbidos, 26-28/5/10 (Muris Congressos, tel. 229476847, fax 229476846, [email protected]) • XXII European Congress of Perinatal Medicine. Granada, Espanha, 26-29/5/10 (www.ecpm2010.org) JUNHO 2010 • Follow-up of preterm and at-risk infants. Madrid, Espanha, 3-5/6/10 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) • Newborn Hearing Screening (NHS) 2010 Conference. Cernobbio, Itália, 8-10/6/10 (NHS 2010, tel. +39.02.23993345, fax +39.02.23993367, [email protected]) • 15th European - International Association for Adolescent Health (IAAH) Congress on Adolescent Health. Reiquiavique, Islândia, 14-15/6/10 ([email protected], [email protected], http://congress.is/IAAH-EAM2010/homepage.aspx) • CIPP IX – 9th International Congress on Pediatric Pulmonology. Viena, Áustria, 19-21/6/10 (Anne F. Bidart, [email protected], http://www.cipp-meeting.com) AGOSTO 2010 • The 26th International Pediatric Association Congress of Pediatrics. Johannesburg, África do Sul, 5-9/8/10 (Kenes International, tel. +41229080488, fax +41229069140, [email protected]) Acta Pediatr Port 2009:40(5):LXXXVII-IX SETEMBRO 2010 • Neonatal Neurology. Guadalajara, México, 2-4/9/2010 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) • Update in Neonatology 2010. Leuven, Bélgica, 9-11/9/2010 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) • Current Concepts in the Intensive Care of Critically Ill Neonates and Children. La Spezia, Itália, 23-25/9/10 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) • Infectious and Immunologic Diseases in Newborns and Children. Saraievo, Bosnia-Haerzgovina, 23-26/9/10 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) • XV Jornadas do Serviço de Pediatria de Évora - A Criança em Risco. Évora, 29/9-1/10/10 (Serviço de Pediatria do HESE – EPE) Notícias • Care of very-low and extremely-low birthweight infants. Nenan, China (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) Cursos de Formação Contínua em Pediatria • “O Essencial em… na Criança e no Adolescente” IV Ciclo de Cursos do Internato Médico do Hospital de Dona Estefânia, Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE. Lisboa, 19/1/09 a 14/12/09 (Carla Oliveira, tel. 213596441, fax 213596439; Lúcia Pratas, [email protected]) • Autismo da Clínica à Intervenção – Abordagem Teórico-Prática. Coimbra, 7/11/09 a 21/11/09 (Sandra Fonseca, ASIC, tel. 239484464, fax 239482918, [email protected], [email protected]) OUTUBRO 2010 • The 3rd Congress of the European Academy of Paediatric Societies (EAPS). Copenhaga, Dinamarca, 23-26/10/10 (Kenes International, tel. +41229080488, fax +41229069140, [email protected]) • IPOKRaTES Nursing “Advances and Controversies in Neonatal Nursing”. Middlesbrough, Reino Unido, 25-27/10/10 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) • Golden First hours: preventing and protecting lungs and brain from injury. Riade, Arábia Saudita, Outubro/10 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) Bolsas • Bolsa S-26 de formação/investigação em Pediatria. Parceria S.P.P. Wyeth. Data limite 15/9/2009 ([email protected], www.spp.pt) • Bolsas Pierre-Fabre. Parceria S.P.P. - Avène e Aderma. Candidaturas para o 1º semestre de 2009 ([email protected]) • Bolsa Geofar. Parceria Secção de Neonatologia da S.P.P. - Geofar. Data limite 31/5/2009 (www.lusoneonatologia.net) NOVEMBRO 2010 • Pre-Congress IPOKRaTES Seminar to UENPS Congress: Neonatal Neurology. Istambul, Turquia, 11-13/11/10 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info, www.uenps2010.org) • 2nd Union of European Neonatal and Perinatal Societies (UENPS) Congress “Global Neonatology and Perinatology”. Istambul, Turquia, 15-17/11/10 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info, www.uenps2010.org) FEVEREIRO 2011 • Hemodynamics of the newborn infant. Dubai, Emiratos Árabes Unidos, Fevereiro/11 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) • Hemodynamics of the newborn infant. Bratislava, Eslováquia, Fevereiro/11 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) • Clinical Pharmacology. Praga, República Checa, Fevereiro/11 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) JUNHO 2011 • Nutrition and Gastroenterology. Jerusalém, Israel, Junho/11 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) Eventos da Sociedade Brasileira de Pediatria ([email protected]; http://www.sbp.com.br) • 34º Congresso Brasileiro de Pediatria, 6º Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia Pediátrica, 7º Congresso Brasileiro de Reumatologia Pediátrica. Brasília, 8-12/10/09 (www.cbpediatria2009.com.br) • 11º Congresso Brasileiro de Terapia Intensiva Pediátrica. Belo Horizonte, 5-7/11/09 • 13º Congresso Brasileiro de Gastroenterologia Pediátric; 3º Congresso Brasileiro de Hepatologia Pediátrica; 2ª Jornada de Suporte Nutricional em Gastroenterologia e Hepatologia Pediátrica; 4º Endoped. Belo Horizonte, 13-17/3/10 (www.gastroped2010.com.br) • 11º Congresso Brasileiro de Alergia e Imunologia em Pediatria. Belo Horizonte, 8-11/4/10 (www.alergoped2010.com.br) • Brazil International Congress (BIC) and IPOKRaTES Seminar in parallel. 23-26/6/10 (Ipokrates, tel. +496214106134, fax +49621410680134, [email protected], www.ipokrates.info) • 10º Simpósio Brasileiro de Vacinas. Gramado, 15-17/7/10 • Curso Nestlé de Atualização em Pediatria. 11-14/8/10 • 11º Congresso Brasileiro de Adolescência. Salvador, 22-25/9/10 • 13º Congresso Brasileiro de Ensino e 7º Congresso Brasileiro de Pesquisa em Saúde da Criança e do Adolescente. Porto Alegre, 23-25/9/10 • 16º Congresso Brasileiro de Infectologia Pediátrica. Florianópolis, 3-6/11/10 • 20º Congresso Brasileiro de Perinatologia. Rio de Janeiro, 21-24/11/10 LXXXIX 0873-9781/09/40-5/XC Acta Pediátrica Portuguesa Sociedade Portuguesa de Pediatria 1. Indicações Gerais aos Autores A Acta Pediátrica Portuguesa (APP) aceita artigos sobre qualquer tema pediátrico e materno-fetal, nas múltiplas dimensões científicas, sociais e culturais relacionadas com a saúde e educação da criança e do adolescente. Aceita também estudos experimentais com animais que contribuam para o melhor conhecimento da fisiologia e fisiopatologia infantil e fetal na espécie humana. São bem-vindos artigos provenientes de todos os Países de Língua Oficial Portuguesa. Podem ser aceites, pela sua relevância, textos escritos noutras línguas, de reconhecida divulgação internacional. Os artigos propostos não podem ter sido objecto de qualquer outro tipo de publicação. Esta restrição não se aplica a notas de imprensa ou a resumos publicados no âmbito de reuniões científicas. Se houver publicações semelhantes à que é submetida ou se existirem dúvidas relativamente ao cumprimento dos critérios acima mencionados, estas devem ser enviadas em anexo ao manuscrito em submissão. Os manuscritos submetidos devem estar de acordo com os requisitos de submissão de manuscritos a revistas biomédicas, elaborados pela Comissão Internacional de Editores de Revistas Médicas (Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals – URMSBJ), elaborados pela Comissão Internacional de Editores de Revistas Médicas (International Committee of Medical Journal Editors – ICMJE), disponível em URL: www.icmje.org e em N Engl J Med 1997;336:309-15 e, em recente versão portuguesa, em Rev Port Clin Geral 2007;27:778-98 (http://www.apmcg.pt/files/54/documentos/20080304112450125029.pdf). Os manuscritos são inicialmente avaliados por membros da equipa editorial e os considerados adequados são submetidos ao parecer técnico de pelo menos dois revisores externos. A revisão é feita anonimamente, podendo os revisores propor a rejeição, aceitação sem modificações ou propor alterações de conteúdo ou de forma, condicionando a publicação do artigo às mesmas. Os pareceres da equipa editorial e dos revisores são comunicados ao(s) autor(es). A propriedade editorial dos artigos publicados é da APP. Uma vez aceites, os manuscritos não podem ser publicados textualmente ou em forma semelhante noutros locais, mesmo noutro idioma, sem o consentimento da APP. O(s) autor(es) mantêm os direitos de autor da sua obra, o que lhes permite: – publicar em parte ou na totalidade o seu artigo em livro, com a necessária referência à publicação do artigo; – utilizar figuras, tabelas e textos do seu artigo em outros trabalhos escritos pelo(s) autor(es), com a necessária referência à publicação do artigo; – incluir o seu artigo em compilações de textos para ensino, sempre que sejam distribuídos gratuitamente pelos estudantes ou disponibilizados em suporte informático de acesso livre, com intuito de ensino ou formação. Apesar dos editores e dos revisores envidarem esforços para assegurar a qualidade técnica e científica dos manuscritos, a responsabilidade final do conteúdo é dos autores, aos quais pertence a propriedade intelectual dos artigos. 2. Tipos de artigos publicados na Acta Pediátrica Portuguesa A APP prevê a publicação de vários tipos de artigos: 2.1. Artigos de investigação original. Contendo o resultado de investigação original, qualitativa ou quantitativa. O texto, organizado em introdução, métodos, resultados, discussão (e eventualmente conclusão), não deve exceder 3200 palavras, excluindo referências e ilustrações, com um máximo de seis ilustrações e até 30 referências. Devem incluir resumos estruturados, em português e em inglês, com um limite de 300 palavras. 2.2. Publicações breves. Contendo resultados preliminares ou achados novos. O texto, organizado em introdução, métodos, resultados, discussão e conclusão, XC NORMAS DE PUBLICAÇÃO não deve exceder 1500 palavras, excluindo referências e ilustrações, com um máximo de duas ilustrações e até quinze referências. Devem incluir resumos estruturados em português e em inglês, com um limite de 250 palavras. 2.3. Casos clínicos. Casos clínicos originais, devidamente estudados e discutidos. O texto deve incluir uma breve introdução, a descrição do(s) caso(s), a discussão sucinta que terminará com uma conclusão sumária. O texto não deve exceder 1200 palavras, excluindo referências e ilustrações, com um máximo de duas ilustrações e até doze referências. Os casos clínicos devem incluir resumos, em português e em inglês, com um limite de 120 palavras, estruturados em introdução, relato dos casos e discussão (eventualmente conclusão). 2.4. Séries de casos (Casuísticas). Contendo a descrição de séries de casos, numa perspectiva de reflexão sobre uma experiência particular de diagnóstico, tratamento ou prognóstico. O texto, incluindo uma breve introdução, a descrição dos casos, a discussão sucinta contendo uma conclusão, não deve exceder 2200 palavras, excluindo referências e ilustrações. O texto deve estar organizado em introdução, métodos, resultados e discussão (eventualmente conclusão), com um máximo de três ilustrações e até trinta referências. As séries de casos devem apresentar resumos estruturados, em português e em inglês, com um limite de 250 palavras. 2.5. Artigos de revisão ou actualização. Artigos de revisão sobre temas das diferentes áreas da Pediatria, com interesse prático para profissionais de saúde dedicados a crianças e adolescentes. Este tipo de artigos de revisão é geralmente solicitado pelos editores. Contudo, serão avaliados artigos de revisão submetidos sem solicitação prévia dos editores. As revisões sistemáticas ou quantitativas têm prioridade editorial sobre revisões cuja metodologia não é especificada. O texto não deve exceder 3400 palavras, excluindo referências e ilustrações, incluir um máximo de seis ilustrações e até 60 referências. As revisões sistemáticas e quantitativas (metanálises, p.ex.) devem ser organizadas em introdução, métodos, resultados e discussão (incluindo conclusões). Os artigos devem incluir resumos, em português e em inglês, com um limite de 250 palavras, devendo ser estruturados no caso de serem revisões quantitativas. 2.6. Consensos e Recomendações. A submissão de consensos e recomendações emanadas por Secções da SPP ou sociedades afins à SPP deverá ser feita pelos respectivos presidentes, ou seus representantes. A autoria será atribuída à Secção ou Sociedade em causa, devendo constar no fim do texto a data da aprovação do documento (e eventualmente a data prevista para a revisão), os nomes dos autores envolvidos na sua elaboração, respectiva filiação institucional, seguido expressamente da menção “em representação da Secção de... da SPP, ou da Sociedade Portuguesa de...”. O texto não deve exceder 3400 palavras, excluindo referências e ilustrações, e conter um máximo de 60 referências. Este tipo de manuscrito não é sujeito a processo de revisão externa, sendo apenas submetido a revisão editorial formal e publicado na rubrica “Sociedade Portuguesa de Pediatria - Consensos e Recomendações”. 2.7. Artigos sobre Educação Médica. Artigos de revisão ou opinião sobre a formação médica contínua, geral ou pediátrica, dirigidos a profissionais de saúde que se dedicam a crianças e adolescentes, particularmente a responsáveis pela formação pré e pós-graduada. Este tipo de artigo pode ser submetido sem a solicitação prévia dos editores. O texto não deve exceder 2400 palavras, excluindo referências e ilustrações, incluir um máximo de três ilustrações e até 20 referências. Os artigos devem incluir resumos, em português e em inglês, com um limite de 250 palavras, devendo ser estruturados no caso de serem estudos originais. 2.8. Artigos sobre Ética. Artigos de revisão ou de opinião sobre problemas éticos médicos, de carácter geral ou pediátrico. Este tipo de artigo pode ser subme- Acta Pediatr Port 2009:40(5):XC-V tido sem a solicitação prévia dos editores. O texto não deve exceder 2400 palavras, excluindo referências e ilustrações, incluir um máximo de três ilustrações e até 30 referências. Os artigos devem incluir resumos, em português e em inglês, com um limite de 250 palavras, devendo ser estruturados no caso de serem estudos originais. 2.9. Artigos sobre História da Medicina. Artigos de revisão sobre aspectos da História da Medicina, geral ou pediátrica. Este tipo de artigo pode ser submetido sem a solicitação prévia dos editores. O texto não deve exceder 2400 palavras, excluindo referências e ilustrações, incluir um máximo de três ilustrações e até 40 referências. Os artigos devem incluir resumos, em português e em inglês, com um limite de 250 palavras. 2.10. Críticas de livros, de publicações em versão electrónica, de sítios da Internet ou de programas informáticos. O texto não deve exceder 600 palavras, excluindo referências e ilustrações, e incluir no máximo duas ilustrações e até seis referências bibliográficas, incluindo a referência bibliográfica completa do objecto da revisão. Estes artigos não devem conter resumos. 2.11. Artigos de opinião. Incidem em comentários, ensaios filosóficos, análises críticas ou enunciados de posição, acerca de tópicos de interesse nas áreas da Pediatria e Saúde Infantil, políticas de saúde e educação médica. O texto não deve exceder 900 palavras, excluindo referências e ilustrações, e incluir no máximo uma ilustração e até cinco referências. Estes artigos não devem conter resumos. 2.12. Cartas ao Director. Comentários sucintos a artigos publicados na APP ou relatando de forma muito breve e objectiva os resultados de observação clínica ou investigação original que não justifiquem publicação mais extensa. O texto não deve exceder 400 palavras, excluindo referências e ilustrações, e incluir no máximo uma ilustração e até seis referências. As cartas ao director não devem conter resumos. 3. Submissão de Manuscritos. Os manuscritos submetidos à APP devem ser preparados de acordo com as recomendações abaixo indicadas e acompanhados de uma carta de apresentação dirigida ao Director da Acta Pediátrica Portuguesa. A carta de apresentação deve incluir a seguinte informação: 1) Título completo do manuscrito; 2) Nomes dos autores com especificação do contributo de cada um para o manuscrito; justificação de número elevado de autores (mais de seis), se tal ocorrer; 3) Especificação do tipo de artigo, de acordo com a classificação da APP; 4) Fontes de financiamento, incluindo bolsas e patrocínios comerciais; 5) Explicitação de conflitos de interesse ou da sua ausência; 6) Declaração de que o manuscrito não foi ainda publicado, na íntegra ou em parte, e de que nenhuma versão do manuscrito está a ser avaliada por outra revista; 7) Declaração de que todos os autores aprovaram a versão do manuscrito que está a ser submetida; 8) Assinatura de todos os autores. É dada preferência à submissão dos manuscritos por e-mail ([email protected]). O manuscrito e a carta de apresentação devem ser enviados em ficheiros separados. Deve ser enviada por correio ou por fax (217 577 617) uma cópia da carta de apresentação assinada por todos os autores. Normas de Publicação Acta Pediátrica Portuguesa Sociedade Portuguesa de Pediatria Rua Amílcar Cabral, 15, R/C I 1750-018 Lisboa, PORTUGAL Os manuscritos rejeitados ou o material que os acompanha não serão devolvidos, excepto quando expressamente solicitado no momento da submissão. 4. Formatação dos Manuscritos. A formatação dos artigos submetidos para publicação deve seguir os URMSBJ - ICMJE (vide “1. Indicações Gerais aos Autores”). Todo o manuscrito, incluindo referências, tabelas e legendas de Ilustrações, deve ser redigido em coluna única, a dois espaços, com letra de dimensão 12, e justificado à esquerda. Aconselha-se a utilização dos formatos de letra Times, Times New Roman, Courier, Helvética ou Arial; para caracteres especiais, aconselha-se a utilização do formato Symbol. Em todo o manuscrito as quatro margens devem ser de 2,5 cm. Todas as páginas devem ser numeradas, incluindo a página de identificação do manuscrito. Devem ser inseridas quebras de página entre cada secção do manuscrito. Não devem conter cabeçalhos nem rodapés. A publicação de citações, quadros ou ilustrações cuja origem esteja sujeita a direitos de autor, está dependente da citação completa da fonte e/ou da autorização do detentor dos direitos de autor. Unidades de medida - Devem ser utilizadas as unidades de medida do Sistema Internacional (SI), mas os editores podem solicitar a apresentação de outras unidades não pertencentes ao SI. Abreviaturas - Devem evitar-se acrónimos e abreviaturas no título e nos resumos. Quando for necessária a sua utilização, devem ser definidos na primeira vez que são mencionados no texto. O seu significado deve também ficar explícito no resumo, nos quadros e figuras, excepto no caso das unidades de medida. Quando usados mais do que seis acrónimos ou abreviaturas, recomenda-se a inclusão de um quadro com a lista completa dos mesmos. Nomes de doenças – Os nomes de doenças devem ser escritos em minúscula, exceptuando-se apenas aqueles que contêm toponímicos ou antropónimos. Nomes de medicamentos - Deve ser preferida a utilização da Designação Comum Internacional (DCI) de fármacos, escrito em minúscula, em vez de nomes comerciais de medicamentos. Quando forem utilizadas marcas registadas, pode ser mencionado o nome do medicamento, em maiúscula e seguido do símbolo ®, e o nome do fabricante e a sua sede, entre parêntesis. Nomes de instrumentos – Os instrumentos de medida, diagnóstico ou programas informáticos utilizados no estudo e mencionados no manuscrito devem ser apresentados de forma genérica e através do seu nome comercial, seguido do símbolo ®, e o nome do fabricante e a sua sede, entre parêntesis. Local do estudo – A filiação institucional dos autores deve ser referida na página do título. Não deve ficar explícita, no texto ou no resumo, a identificação da instituição onde decorreu o estudo, de modo a manter o duplo anonimato da revisão. Se essa referência for importante para a compreensão do manuscrito, deve ser feita em termos de caracterização genérica do nível de diferenciação e local geográfico da instituição (exº: “hospital universitário de nível III” ou “centro de saúde em área rural”). Secções do manuscrito - O manuscrito deve ser apresentado na seguinte ordem: 1 - Título (em português e inglês) e título abreviado, autores, instituições, agradecimentos, endereço (e autor) para correspondência; 2 - Resumos e Palavras-chave (em português e inglês); Quando estiver disponível a possibilidade de submissão on-line, através das páginas electrónicas da Sociedade Portuguesa de Pediatria (www.spp.pt), será esta a forma de submissão preferencial. 3 - Texto; Se não for possível efectuar a submissão por e-mail, esta pode ser efectuada por correio, com o envio do suporte digital, para o endereço: 5 - Legendas; 4 - Referências; XCI Acta Pediatr Port 2009:40(5):XC-V Normas de Publicação cificação dos tipos de manuscritos mas suficientemente informativo e elaborado segundo um formato estruturado contendo os seguintes itens: 6 - Ilustrações: 6.1 - Quadros; 6.2 - Figuras. 4.2.1.1. Os resumos de artigos de investigação original, publicações breves e revisões quantitativas devem ser estruturados (introdução, métodos, resultados, discussão e conclusões) e apresentar conteúdo semelhante ao do manuscrito. 4.1. Página de Identificação. Na primeira página do manuscrito devem constar: 4.1.1. O título (conciso e descritivo), na língua original do manuscrito e em inglês; 4.2.1.2. Nos casos clínicos e séries de casos, devem ser estruturados em introdução, relato do(s) caso(s), discussão (incluindo a conclusão); a conclusão deve destacar os aspectos que justificam a publicação do caso ou serie de casos. 4.1.2. Um título abreviado (com um máximo de 40 caracteres, incluindo espaços); 4.1.3. Os nomes dos autores, incluindo o primeiro nome por extenso (não devem incluir graus académicos ou profissionais ou títulos honoríficos); 4.1.4. A filiação institucional de cada autor no momento em que o trabalho foi realizado (deve figurar apenas na página do título; casos excepcionais devem ser justificados); 4.1.5. A contribuição de cada autor para o trabalho. Como referido nos URMSBJ - ICMJE, a autoria requer uma contribuição substancial em, pelo menos, uma das seguintes actividades: – Concepção e desenho do estudo, ou obtenção dos dados, ou análise e interpretação dos dados; – Redacção do manuscrito ou revisão crítica do seu conteúdo intelectual; – Aprovação final da versão submetida para publicação. A obtenção de financiamento, a recolha de dados ou a supervisão geral do grupo de trabalho, por si só, não justificam autoria. É necessário especificar a contribuição de cada autor para o trabalho. Sugere-se a seguinte discriminação: (a) Desenho do estudo. (b) Recolha de dados. (c) Análise estatística. (d) Interpretação dos dados. (e) Preparação do manuscrito. (f) Pesquisa bibliográfica. (g) Recolha de fundos. Nos manuscritos assinados por mais de seis autores (três autores no caso das cartas ao editor), tem que ser explicitada a razão de uma autoria tão alargada. É necessária a aprovação de todos os autores, por escrito, de quaisquer modificações da autoria do artigo após a sua submissão. 4.1.6. O nome e contactos do autor que deverá receber a correspondência, incluindo endereço postal e telefone, fax ou e-mail; Nos resumos não devem ser utilizadas referências e as abreviaturas devem limitar-se ao mínimo. 4.2.2. Palavras-chave - Devem ser indicadas logo a seguir ao resumo até seis palavras-chave, em português e em inglês, preferencialmente em concordância com o Medical Subject Headings (MeSH) utilizado no Index Medicus. Para a selecção correcta das palavras-chave recomenda-se a consulta das listas de palavras usadas nos motores de busca: para português em http://www.bireme.br/php/decsws.php ou em http://decs.bvs.br/ e em inglês http://www.nlm.nih.gov/mesh/meshhome.html. Nos manuscritos que não incluem resumos, as palavras-chave devem ser apresentadas no final do manuscrito. 4.3. Texto. O texto poderá ser apresentado em português ou inglês (poderá ser excepcionalmente considerada a submissão de textos noutras línguas, de reconhecida divulgação internacional). Os números de um a quinze devem ser escritos por extenso, excepto quando têm decimais ou se seguidos de unidades de medida. Números superiores a quinze são escritos em algarismos, salvo no início de uma frase. As casas decimais devem assinalar-se com vírgulas. 4.3.1. Introdução - Deve conter essencialmente os argumentos científicos que fundamentam a realização do estudo e justificam os objectivos. Pode concluir com o enunciado dos objectivos do estudo. Esta secção deve apenas conter as referências bibliográficas indispensáveis para o fundamento e os objectivos do estudo. 4.3.2. Objectivos - Os objectivos do estudo podem ser apresentados no final da Introdução ou em secção própria, devendo ser claros, explícitos e não conter elementos metodológicos no enunciado. 4.3.3. Métodos – Esta secção poderá denominar-se, consoante a natureza do estudo, “Métodos”, “Material e Métodos”, “Amostra e Métodos”, “População e Métodos”, ou simplesmente “Metodologia”. Nesta secção devem descrever-se: 4.1.7. Os Agradecimentos, mencionando colaboradores que não cumpram critérios para autoria mas que contribuíram substancialmente para o estudo ou manuscrito, especificando o seu contributo. 4.3.3.1. A amostra ou a população em estudo (especificando a sua definição e forma de identificação, recrutamento ou selecção); 4.1.8. Eventuais fontes de financiamento, como patrocínios ou bolsas. 4.3.3.3. O desenho do estudo; 4.1.9. Declaração de Conflito de Interesses entre os autores e alguma eventual instituição ou empresa comercial ligada de alguma forma ao âmbito do estudo ou manuscrito. 4.1.10. Contagem de palavras, respectivamente, para cada resumo e para o texto principal (não incluindo referências e ilustrações). 4.2. Resumo e Palavras-Chave. 4.2.1. Resumo - Deve ser redigido na língua original do manuscrito e inglês, não ultrapassando os limites indicados na espe- XCII 4.2.1.3. Os resumos de manuscritos referentes a revisões não sistemáticas e artigos de opinião não são estruturados segundo as secções referidas na alínea anterior. 4.3.3.2. A localização do estudo no tempo e no espaço; 4.3.3.4. Os métodos de recolha de dados; 4.3.3.5. Os métodos de análise dos dados: Os métodos estatísticos devem ser descritos com o detalhe suficiente de modo a possibilitar a reprodução dos resultados apresentados. Sempre que possível deve ser quantificada a imprecisão das estimativas apresentadas, designadamente através da apresentação de intervalos de confiança. Deve evitar-se uma utilização excessiva de testes de hipóteses, com o uso de valores de p, que não fornecem informação quantitativa importante. Deve ser mencionado o Acta Pediatr Port 2009:40(5):XC-V software utilizado na análise dos dados, referindo o seu fabricante e, se considerado necessário, inserindo a referência de citação. 4.3.3.6. As considerações éticas devem figurar no final desta secção. Os autores devem assegurar que todas as investigações envolvendo seres humanos foram aprovadas por comissões de ética das instituições em que a investigação foi realizada, de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial . Nesta secção deve ser mencionada esta aprovação e a obtenção de consentimento informado, se aplicável. 4.3.4. Resultados - Os resultados devem ser apresentados no texto, usando eventualmente Ilustrações (Quadros e Figuras), seguindo uma sequência lógica. Não deve ser fornecida informação redundante, aparecendo em duplicado no texto e nas ilustrações, bastando descrever a principais observações referidas nas ilustrações. (vide infra as recomendações sobre Ilustrações). 4.3.5. Discussão - Na discussão não deve ser repetida detalhadamente a informação fornecida na secção de Resultados. A discussão deve incidir nas limitações do estudo, na relação dos resultados obtidos com o observado noutras investigações, devem ser evidenciados os aspectos inovadores do estudo e as conclusões que deles resultam. Nesta secção apenas devem ser incluídas as referências indispensáveis para discutir os resultados do estudo. 4.3.6. Conclusão – Esta secção pode surgir separada da Discussão ou incluída no final da mesma. É importante que as conclusões estejam de acordo com os objectivos do estudo, devendo-se evitar afirmações e conclusões que não sejam completamente apoiadas pelos resultados da investigação realizada. 4.4. Ilustrações. As Ilustrações devem ser anexadas após as referências bibliográficas. As Figuras devem ser anexas após os Quadros. Cada Quadro ou Figura deve ser apresentada em páginas separadas, juntamente com os respectivos título e as notas explicativas. Os Quadros e Figuras devem ser numeradas separadamente (numeração romana para Quadros e numeração árabe para Figuras) de acordo com a ordem com que são apresentadas no texto. Devem ser mencionadas no texto todos os Quadros e Figuras. Cada Quadro ou Figura deve ser acompanhado de um título e notas explicativas (ex. definições de abreviaturas) de modo a serem compreendidas e interpretadas sem recurso ao texto do manuscrito. Se a ilustração possui uma tabela ou gráfico que inclua o resultado da análise estatística, devem ser referidos o teste estatístico usado e o seu nível de significância (no caso do cálculo do risco relativo ou do odds ratio, devem ser incluídos os seus intervalos de confiança). O título de cada Quadro ou Figura deve ter uma explicação sucinta do conteúdo, que chame a atenção do leitor para o seu aspecto mais importante e/ou que auxilie a sua compreensão. Nos Quadros, o título e notas explicativas encimam a tabela; nas Figuras, o título e notas explicativas colocam-se por baixo da ilustração. Para as notas explicativas dos Quadros ou Figuras devem ser utilizados os seguintes símbolos, nesta mesma sequência: *, †, ‡, §, ||, ¶, **, ††, ‡‡ . Nas tabelas devem ser utilizadas apenas linhas de limite horizontais. As Figuras, incluindo gráficos, mapas, ilustrações, fotografias ou outros materiais, devem ser formatadas em computador ou digitalizadas. Nos gráficos, as legendas dos eixos devem ser preferencialmente escritas paralelamente aos eixos das ordenadas e das abcissas, indicando as unidades de medida. Esses eixos devem ter marcas correspondentes aos valores. Normas de Publicação Quando digitalizadas, as legendas, símbolos, setas ou letras devem ser inseridas no ficheiro da imagem das fotografias ou ilustrações correspondentes. Os símbolos, setas ou letras devem contrastar suficientemente com o fundo de fotografias ou ilustrações. As ilustrações que incluam fotografias de doentes, deverão ser acompanhadas pela autorização do doente ou do seu responsável legal, permitindo a sua publicação, devendo ter os olhos tapados ou desfocados digitalmente, de modo a impedir a sua identificação, desde que isso não desvirtue a intenção da apresentação da imagem. A dimensão das ilustrações é habitualmente reduzida à largura de uma coluna, pelo que as mesmas e o texto que as acompanha devem ser facilmente legíveis após redução. A resolução de imagens a preto e branco deve ser de pelo menos 1200 dpi e a de imagens com tons de cinzento ou a cores deve ser de pelo menos 300 dpi. Uma vez que a impressão final da APP é predominantemente a preto e branco ou em tons de cinzento, os gráficos não deverão conter cores. A submissão de imagens a cores deve ser reduzida ao mínimo necessário, dado o número limitado de páginas a cores possível em cada número da APP. O excesso de imagens a cores poderá atrasar a data de publicação até haver disponibilidade editorial. Na primeira submissão do manuscrito não devem ser enviados originais de fotografias, ilustrações ou outros materiais, como películas de raios-X. As figuras criadas em computador ou convertidas em formato electrónico após digitalização devem ser preferencialmente inseridas no ficheiro do manuscrito. Em caso de aceitação do manuscrito, serão solicitadas as Ilustrações nos formatos mais adequados para a sua reprodução na revista. 4.5. Referências. As referências devem ser listadas após o texto principal, numeradas sequencialmente, pela ordem de citação no texto e com o mesmo formato de letra com que figura no texto. No texto, os números das referências devem ser apresentados em expoente, antes de vírgulas ou pontos finais (ex.: “segundo alguns autores 3,5,7”). Referências sequenciais devem ser feitas indicando apenas a primeira e a última, unidas por hífen (ex.: “segundo alguns autores 5-7”). Não deve ser utilizado software para numeração automática das referências. Deve evitar-se a citação de referências secundárias (textos que fazem referência às publicações originais), resumos e comunicações pessoais (estas serão referidas no texto como tal). Os autores devem verificar se todas as referências estão de acordo com os documentos originais. Devem ser utilizados os nomes abreviados das publicações, de acordo com o adoptado pelo Index Medicus. Os nomes abreviados devem ser escritos em itálico, sem pontuação. Em caso de dúvida sobre qual o nome abreviado correcto de publicações internacionais pode ser consultado http://www.ncbi.nlm.nih.gov/sites/entrez?cmd=search&db=journals. Uma descrição pormenorizada do formato dos diferentes tipos de referências conforme as regras de URMSBJ – ICMJE, pode ser encontrada em http://www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html ou em http://www.icmje.org. Citam-se apenas alguns tipos de referenciação: 4.5.1. Artigo de revista: Relação de todos os autores - apelido seguido das iniciais dos primeiros nomes, sem pontos (se mais de seis autores, constarão os seis primeiros, seguidos de “et al”, em itálico). Título do artigo. Nome da revista (abreviada e em itálico), ano de publicação seguido de ponto e vírgula, número do volume seguido de dois pontos, e primeira e última páginas (exemplo 1). Em muitas revistas, os artigos que não têm estrita natureza científica têm numeração romana (exemplo 2). Em casos excepcionais a paginação inicia-se em cada número do mesmo volume, nestes casos, o número deve figurar entre parêntesis logo a seguir ao volume (exemplo 3); na maioria das revistas médicas a XCIII Acta Pediatr Port 2009:40(5):XC-V paginação é contínua ao longo de todo o volume e neste caso o número deve ser omitido. Quando se trata de um suplemento deve figurar logo a seguir ao volume, com indicação da numeração do suplemento se este for o caso (exemplo 4). No caso de carta ao editor ou resumo, deve ser assinalado em parêntesis recto logo a seguir ao título do artigo (exemplo 5). Normas de Publicação Foster JA, Lutton E, Miller J, Ryan C, Tettamanzi AG, eds. Genetic programming. EuroGP 2002: Proceedings of the 5th European Conference on Genetic Programming; 2002 Apr 3-5; Kinsdale, Ireland. Berlin: Springer; 2002. p. 182-91. 4.5.6. Página web: – Cancer-Pain.org [homepage on the Internet]. New York: Association of Cancer Online Resources, Inc.; c2000-01 [updated 2002 May 16; cited 2002 Jul 9]. Acessível em: http://www.cancer-pain.org/. Exemplos: E1 - Levy ML. Adolescência e adolescentes. Acta Pediatr Port 1995;5:255-8. E2 - Chadwick R, Schuklenk U. The politics of ethical consensus finding. Bioethics 2002;16:iii-v. E3 - Diabetes Prevention Program Research Group. Hypertension, insulin, and proinsulin in participants with impaired glucose tolerance. Pediatr Nurs Rev 2002;40(2):679-86. E4 - Geraud G, Spierings EL, Keywood C. Tolerability and safety of frovatriptan with short- and long-term use for treatment of migraine and in comparison with sumatriptan. Headache 2002;42 Suppl 2:S93-9. E5 - Tor M, Turker H. International approaches to the prescription of long-term oxygen therapy [letter]. Eur Respir J 2002;20:242. 4.5.2. Artigo em publicação electrónica: Exemplos: – Yu WM, Hawley TS, Hawley RG, Qu CK. Immortalization of yolk sac-derived precursor cells. Blood 2002 Nov 15;100(10):3828-31. Epub 2002 Jul 5. – Abood S. Quality improvement initiative in nursing homes: the ANA acts in an advisory role. Am J Nurs [serial on the Internet]. 2002 Jun [cited 2002 Aug 12]; 102(6):[about 3p.]. Acessível em: http://www.nursingworld.org/AJN/2002/june/Wawatch.htm 4.5.3. Livro: Nome(s) - apelido seguido das iniciais dos primeiros nomes do(s) autor(es). Título do livro em itálico e iniciais maiúsculas. Edição. Cidade: nome da casa editora; ano de publicação. – Murray PR, Rosenthal KS, Kobayashi GS, Pfaller MA. Medical Microbiology. 4th ed. St. Louis: Mosby; 2002. 4.5.4. Capítulo de livro: Nome(s) - apelido seguido das iniciais dos primeiros nomes do(s) autor(es) do capítulo. Título do capítulo. In: Nome(s) - apelido seguido das iniciais dos primeiros nomes do(s) editor(es), eds. Título do livro em itálico e iniciais maiúsculas. Número da edição. Cidade: nome da casa editora; ano de publicação. Número da primeira e última páginas. – Arvin AN. Infection control. In: Behrman RE, Kliegman RM, Arvin AM, editors. Nelson Textbook of Pediatrics. 15th ed. Philadelphia: WB Saunders Company; 1996; 1027-8. 4.5.5. Comunicação em jornadas, congressos e similares: Nome(s) - apelido seguido das iniciais dos primeiros nomes do(s) autor(es) da comunicação. Título da comunicação. In: Nome(s) - apelido seguido das iniciais dos primeiros nomes do(s) editor(es), eds. Livro de publicação das comunicações; data e local da reunião. Cidade e nome da casa editora (se referido); ano de publicação. Número da primeira e última páginas. – Christensen S, Oppacher F. An analysis of Koza’s computational effort statistic for genetic programming. In: XCIV 5. Autorizações. Antes de submeter um manuscrito à APP, os autores devem ter em sua posse os seguintes documentos que poderão ser solicitados pelo corpo editorial: – consentimento informado de cada participante; – consentimento informado relativamente a cada indivíduo presente em fotografias, mesmo após tentativa de ocultar a respectiva identidade; – transferência de direitos de autor de imagens ou ilustrações; – autorizações para utilização de material previamente publicado; – autorização dos colaboradores mencionados na secção de agradecimentos. 6. Revisão de Manuscritos. No caso do artigo ser aceite condicionado a modificações, estas devem ser realizadas pelos autores no prazo indicado pela APP. O reenvio de nova versão do manuscrito deve acompanhar-se de uma carta onde os autores respondam às sugestões feitas pelos revisores. No momento da aceitação, os autores serão informados se devem ser enviadas as ilustrações num formato diferente àquele em que foram inicialmente enviadas. As provas tipográficas serão enviadas aos autores, contendo a indicação do prazo de revisão em função das necessidades de publicação da APP. A revisão deve ser aprovada por todos os autores. Nesta fase aceitam-se apenas modificações que decorram da correcção de erros tipográficos. A correcção deve ser efectuada em documento à parte, referindo a página, coluna, parágrafo e linha na qual se pretende que se proceda às correcções. O não respeito do prazo desobriga a APP a aceitar a revisão pelos autores, podendo a revisão ser efectuada exclusivamente pelos serviços da APP. Juntamente com a correcção das provas tipográficas, deve ser enviada uma declaração de transferência de direitos de autor para APP, assinada por todos os autores (documento fornecido pela APP). 7. Separatas. Após a publicação de cada número da APP, os artigos publicados serão enviados em formato PDF pelo Secretariado da APP ao primeiro autor. Poderá ser solicitado ao Secretariado da APP o envio em formato PDF de artigos publicados recentemente, enquanto não estiverem disponíveis na página electrónica da Sociedade Portuguesa de Pediatria (www.spp.pt). 8. Ficha de verificação para os autores. A APP recomenda aos autores que verifiquem na Ficha anexa o cumprimento dos requisitos contidos nestas Normas de Publicação, o que acelera o processo editorial. Acta Pediatr Port 2009:40(5):XC-V Normas de Publicação Ficha de verificação para os autores Título: na língua original do manuscrito, em inglês e na versão abreviada Autores: os nomes, a filiação institucional, a contribuição de cada autor Contacto: nome e contactos do autor que deve receber a correspondência Agradecimentos Fontes de financiamento Declaração de Conflito de Interesses Contagem de palavras: para cada resumo e para o texto principal Resumo e Abstract: estruturado conforme a tipologia do manuscrito Palavras-chave: em concordância com o Medical Subject Headings (MeSH) Texto: estrutura, conteúdo, acrónimos e inserção de referências Ilustrações: formatação e numeração dos Quadros e Figuras; autorizações Referências: em concordância com as regras de URMSBJ – ICMJE Carta de Apresentação à APP Autorizações: autoria, agradecimentos, utilização de imagens e material publicado Declaração de transferência de direitos de autor para APP Data: .…... / ....... / ……..... Assinatura do autor principal: ………………………………………………………....... Acta Pediátrica Portuguesa. Sociedade Portuguesa de Pediatria. Rua Amílcar Cabral, 15 r/c I, 1750-018 Lisboa. Tel.: 217547680. Fax.: 217577617. [email protected] XCV PROPOSTA DE NOVO SÓCIO ACTUALIZAÇÃO DE MORADA Sociedade Portuguesa de Pediatria Nome: Morada: Cód. Postal - Telef.: Instituição: Telef.: e-mail: @ Enviar a: Sociedade Portuguesa de Pediatria Rua Amílcar Cabral, 15 r/c I, 1750-018 Lisboa Tel.: 217 574 680 – Fax: 217 577 617 e-mail: [email protected] Notas: • Esta proposta de novo sócio deverá ser acompanhada por um cheque de € 30,00 que se destinará ao pagamento da primeira anualidade. ✄ • Em caso de pretender mudança de morada deverá indicar-nos qual a antiga para que se processe a actualização da mesma. Unidade de Vigilância Pediátrica da Sociedade Portuguesa de Pediatria - Portuguese Paediatric Surveillance Unit INSCRIÇÃO DE NOVO NOTIFICADOR OU ACTUALIZAÇÃO DE CONTACTOS Nome: Morada: - , Instituição: Especialidade: Telefone: e-mail: @ Enviar para: ✄ Unidade de Vigilância Pediátrica da Sociedade Portuguesa de Pediatria Rua Amílcar Cabral, 15 r/c I, 1750-018 Lisboa – Tel.: 217 547 680 – Fax: 217 577 617 e-mail: [email protected] Unidade de Vigilância Pediátrica / Portuguese Paediatric Surveillance Unit. Sociedade Portuguesa de Pediatria Rua Amílcar Cabral, 15 r/c I, 1750-018 Lisboa – Tel.: 217 547 680 – Fax: 217 577 617 – e-mail: [email protected]