Revista Lusófona de Educação
ISSN: 1645-7250
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Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias
Portugal
João Soares: um pedagogo republicano. Testemunho de Mário Soares. Maria do Rosário Batalha
conversa com Mário Soares
Revista Lusófona de Educação, núm. 12, 2008, pp. 167-168
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
Lisboa, Portugal
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=34918629011
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Diálogos
João Soares: um pedagogo republicano.
Testemunho de Mário Soares
Maria do Rosário Batalha conversa com Mário Soares *
Mário Soares nasceu em Lisboa, a 7 de
Dezembro de 1924. Concluiu em 1951, a
licenciatura em Ciências Histórico-Filosóficas e, em 1957, o curso de Direito. Como
advogado, defendeu, em tribunais plenários,
inúmeros opositores ao regime. Devido às
constantes perseguições que a polícia política lhe fazia, viu-se obrigado, em 1971, a
refugiar-se em Paris. Foi um dos fundadores, em 1973, do Partido Socialista, do qual
foi o primeiro secretário-geral. Regressou
a Lisboa em 1974, logo após o derrube do
regime, tendo sido chamado a desempenhar
as funções de Ministro dos Negócios Estrangeiros. Foi primeiro-ministro de 1976 a
1978 e de 1983 à 1985. Negociou, de 1977 a
1985, com pleno sucesso, a entrada de Portugal na Comunidade Europeia (actual União
Europeia). Foi presidente da República dois
mandatos sucessivos, de 1986 a 1996, tendo
iniciado as chamadas presidências abertas.
Desempenhou, posteriormente, as funções
de eurodeputado no Parlamento Europeu.
Actualmente, tem-se dedicado à escrita, à
coordenação da Fundação a que deu o seu
nome e à intervenção em inúmeros congressos e debates.
Maria do Rosário Batalha: Quer falar-me
um pouco sobre o seu pai, um importante
pedagogo republicano?
Mário Soares: O meu Pai foi, efectivamente, professor e, além disso, um pedagogo de
excepção. O que são coisas diferentes. Foi
professor dos Pupilos do Exército, desde a
sua criação em 1911 e, depois fundador - e
director - de dois colégios privados: o Bairro Escolar do Estoril e o Colégio Moderno,
que ainda hoje existe e é dirigido pela sua
neta, Isabel Soares. E além disso, publicou
livros didácticos: uma História Universal, em
três volumes, para os alunos liceais de história, publicado pela “Coimbra Editora”, então
dirigida por Salazar; e o Atlas Escolar Português, com variadíssimas edições, as últimas
da responsabilidade da “Sá da Costa”; e o
livro “Quadros da História de Portugal”, em
parceria com Chagas Franco e com a colaboração de Roque Lino e Alberto de Sousa,
que durante décadas foi usado em todas as
escolas primárias e secundárias do País; e
“Portugal Minha Terra”, em parceria com Eliseo de Campos, um livro de educação cívica
republicana.
MRB- Qual a imagem que guarda do seu Pai
enquanto republicano?
MS- Sempre adorei o meu Pai. Enquanto republicano e depois como combatente e antifascista. O meu Pai teve uma vida de conspirador, na clandestinidade, muitas vezes, na
Espanha Republicana, tendo sido amigo e admirador de Azaña. Nesse período mal o via.
A minha Mãe, que também sempre adorei
e era uma mulher de armas, ia encontrarse com meu Pai, furtivamente, nos lugares
mais estranhos e levava-me sempre com ela.
Isso deu a meus olhos uma imagem romântica do meu Pai de lutador intemerato pelas
Causas nobres e justas. Por isso fui sempre
solidário, com ele, bem como a minha Mãe
e os meus dois meios Irmãos, que viviam
connosco. Depois de uma longa deportação
nos Açores - e de um julgamento no Tribunal
Militar de Santa Clara - em 1935 meu Pai
voltou a Casa e fundou justamente o Colégio Moderno, onde passámos a viver. Sobreveio-lhe então longa doença, tendo-lhe sido
cortada uma perna. Foi um longo e difícil
período, onde seguimos pela Rádio Madrid
a derrota dos republicanos espanhóis, em
1936. Foi então, durante a convalescença
de meu Pai que ele começou a exercer uma
grande influência sobre mim. Discreta, sem
sombra de autoritarismo ou de proteccionismo, sempre pela persuasão. Nessa altura
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eu já era - com doze, treze anos - republicano dos sete costados e, orgulhosamente,
anti-fascista. Lembro-me de ter posto uma
gravata preta quando da morte de Afonso
Costa, então exilado em Paris…
MRB- Considera que esses valores ainda
estão actuais?
MS- Actualíssimos. Estamos a sair de uma
fase do mundo que agoniza: o neo-liberalismo e a economia de casino; e outra que
nasce, estribada precisamente nos velhos
valores: da paz, da solidariedade, do mercado, com regras éticas, do respeito pelas
questões sociais - valorizando o trabalho e
o empreendorismo face ao capital - pela defesa de regras ambientais, para combater as
ameaças que pesam sobre o Planeta, etc.
MRB- Qual a importância que o seu pai atribuía à educação para o progresso do país?
MS- Era, obviamente, a pedra chave para os
republicanos, que fizeram um esforço titânico para a generalizar a toda a população.
Porque os republicanos punham à frente de
tudo os valores humanos - o homem (e a
mulher, claro, em igualdade) no centro do
Mundo - e as pessoas tinham que ser educadas para se poderem realizar e progredir.
MRB- O que levou o seu pai a criar o Colégio Moderno?
MS- Com a ditadura o meu Pai perdeu tudo.
Era deputado e o Parlamento foi encerrado.
Foi demitido dias depois do 28 de Maio de
1926, de Vogal do Conselho Superior de Finanças (hoje Tribunal de Contas), perdeu o
seu lugar de deputado, por o Parlamento ter
sido encerrado, e, algum tempo depois, de
Professor dos Pupilos do Exército de que tinha sido fundador. Ponha-lhe por cima disto,
a clandestinidade, as prisões e a deportação,
etc. e perceberá que então o meu Pai, como
ele dizia, “se encontrava crivado de dívidas”.
Como era professor fundou o Colégio, que
nos fez sobreviver...
Revista Lusófona de Educação
MRB- Sabe quais eram, no campo educativo,
os autores de referência para o seu Pai?
MS- O meu Pai tinha uma boa formação em
Humanidades - hoje diz-se Ciências Sociais
- com destaque para a História, Geografia
e Literatura. Era um homem muito culto, licenciado em Teologia pela Universidade de
Coimbra e que aprendeu muito latim. Deixou aliás uma razoável biblioteca. Quanto a
referências, no campo educativo, confesso
que não sei.
MRB- O seu Pai foi, como sabe, autor de
manuais escolares. Conhece este livro didáctico da sua autoria “Portugal Nossa Terra - Educação Cívica?” Qual é a sua opinião
sobre este livro?
MS- Obviamente que conheço, como todos
os seus livros. Quanto ao “Portugal nossa
Terra”, é um livro datado, com uma visão do
nosso País tipicamente republicana. A acentuação da ideia da Pátria - como um valor
insubstituível - é típica do que lhe digo.
MRB- Qual foi a importância e o impacto
que este manual teve na época?
MS- Na altura suponho que muito. Com
a ditadura foi praticamente posto fora de
circulação. As concepções eram outras. Voltou-se ao horror à liberdade, ao integrismo
católico e a uma condição imperial (como
o Acto Colonial) das nossas “províncias ultramarinas”, como se dizia na República...
Lisboa, 28 de Outubro de 2008
* Entrevista realizada no âmbito de uma tese
de mestrado.
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