Carnaval, Bourdieu e Teoria Institucional
Autoria: Gustavo Madeiro da Silva, Flávia Lopes Pacheco
Resumo
O carnaval, tal como manifestação popular, existe desde a idade média e, no Brasil em particular,
tomou grandes proporções. Com uma origem ‘tímida’ e desorganizada, a festa brasileira é hoje
palco da ação de diversos atores organizacionais que coordenam, apóiam e participam de um
evento de massa em busca de lucro, espaço na mídia, aprovação popular etc. O presente trabalho
busca analisar as mudanças ocorridas na festa carnavalesca em uma cidade do Nordeste do Brasil,
Maceió, capital do Estado de Alagoas, desde o início do séc. XX, quando da estruturação do
campo, até os dias atuais. Neste artigo, as mudanças na festa serão discutidas através da
utilização de duas diferentes “lentes”: a teoria institucional e a teoria dos campos sociais de Pierre
Bourdieu. No entanto, mais que privilegiar uma das teorias ou defender um paradigma, esse
trabalho procura somar o poder explicativo das duas e enriquecer o entendimento do objeto de
estudo, reconhecendo que explicações alternativas aos fenômenos organizacionais podem se
completar e favorecer o avanço dos estudos.
Introdução
O carnaval, como manifestação popular, pode ser relacionado às primeiras
comemorações das sociedades antigas, em que os pedidos por boas colheitas, o culto aos deuses e
a grande permissividade destacam-se como seus principais traços. Mas a festa só ganhou esse
nome na Idade Média. Devido a sua crescente popularidade, ela atraiu o interesse da Igreja
Católica que, em um primeiro momento a combatia, mas depois incorporou-a à religião cristã,
como o período de fausto e mundanidade que se contrapunha ao jejum e penitência da quaresma.
Mesmo após essa adoção, não se pode falar do Carnaval como uma festa única, com uma data ou
um aspecto de único significado. Ele seria algo como um depositório de símbolos, ritmos e
efígies que não mais têm vida própria e refugiam-se nessa grande festa (BAKHTIN, 1999).
Mas, apesar de cada local e cada época ter um determinado tipo de comemoração,
elas guardam semelhanças entre si. Especificamente no Brasil, o carnaval chegou com o nome de
entrudo (ou festa de mela-mela), nos primórdios de seu descobrimento, trazido pelos primeiros
colonizadores. Rapidamente a festa se espalhou, tomou formas e símbolos diferentes em cada
local, mas tornou-se a “festa nacional”. Aqui, o carnaval é famoso por uma sugerida liberdade
ilimitada que perpassa o imaginário de foliões de todas as partes do mundo, uma época e um
local onde as regras sociais podem ser quebradas, e pode-se dar vazão a todos os desejos e
loucuras reprimidos.
Só que objeto difere um pouco da imagem. Desde sua origem, e acompanhando
mudanças mais gerais, as festas carnavalescas alteraram seu aspecto, afetadas por forças como a
revolução industrial e a globalização, com todos os seus desdobramentos. Se alguma vez já houve
consenso sobre esse espírito libertador do carnaval, hoje essa idéia pode ser questionada por
vários ângulos.
Realmente a festa alcançou proporções gigantescas. Com uma origem ‘tímida’ e
desorganizada, a festa brasileira é hoje palco da ação de diversos atores organizacionais que
coordenam, apóiam e participam de um evento de massa em busca de lucro, espaço na mídia,
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aprovação popular etc. O contexto é da passagem de uma festa local, desestruturada e
aparentemente desinteressada para uma festa global, organizada e regida por uma lógica de
mercado. O presente trabalho busca analisar as mudanças ocorridas na festa carnavalesca em uma
cidade do Nordeste do Brasil, Maceió, capital do Estado de Alagoas, desde o início do séc. XX,
quando da estruturação do campo, até os dias atuais.
Nesse local, o carnaval já foi famoso por seu tamanho e esplendor, e atraía foliões de
toda a região. Hoje, praticamente não há festa carnavalesca na época que antecede a quaresma.
As comemorações se resumem a pequenos desfiles espalhados e a algumas festas nas semanas
que antecedem o carnaval propriamente dito. Ao mesmo tempo, a cidade abriga um dos maiores
carnavais fora-de-época (ou micaretas) do país, que se realiza no mês de Novembro. Iniciada
como uma prévia carnavalesca, a micareta denominada Maceió-Fest em nada lembra os humildes
desfiles carnavalescos, e a empresa organizadora do evento em nada se assemelha a uma
agremiação de bairro. O evento atrai mais de trezentas mil pessoas em cada uma de suas 4 noites,
conta com a presença das maiores estrelas da música nacional, toca um ritmo massificado (o axé)
e tem o apoio (e o dinheiro) tanto do Poder Público Municipal e Estadual como das maiores
empresas brasileiras.
A pesquisa realizada constituiu-se em um estudo de caso histórico-interpretativo, com
uma abordagem qualitativa, caracterizando-se do tipo seccional com perspectiva longitudinal.
Procurou-se reconstruir a história da evolução da festa a partir de diversas técnicas de coleta de
dados (principalmente a pesquisa documental e entrevistas semi-estruturadas), desde suas origens
até o fim do ano de 2003. As considerações e explicações foram dadas a partir de uma análise
interpretativa do conteúdo das fontes pesquisadas, como um meio de tentar inferir as condições
de produção do discurso e em que elas interferem nas idéias e ações (BARDIN, 1988).
A seleção das entrevistas foi feita a partir da técnica “bola de neve” (COOPER e
SCHINDLER, 2003) que, a partir de uma amostra inicial, ajuda a localizar pessoas envolvidas
com o objeto da pesquisa, e seleciona os sujeitos à medida que avança. Os primeiros
selecionados foram indivíduos com notório saber e experiência no campo (todos foliões, diretores
de blocos e professores da Universidade Federal de Alagoas, com dissertações e/ou teses de
mestrado e doutorado sobre o assunto, em diferentes áreas de conhecimento).
A pesquisa documental se baseou nos arquivos de diversas instituições e órgãos
públicos, como a Secretaria Municipal de Turismo, o Museu Théo Brandão (museu especializado
na preservação da cultura alagoana), a Biblioteca da Universidade Federal de Alagoas e o
Arquivo Público da Cidade de Maceió. Além disso, foram examinados os jornais de maior
circulação do Estado de Alagoas (Gazeta de Alagoas, Jornal de Alagoas e O Jornal) a partir 1966
(por questões de conservação, o acesso a jornais anteriores a esse ano é restrito no Arquivo
Público). Por limitações de tempo, não foram examinadas todas as publicações desse período,
tendo sido analisada apenas uma publicação a cada ano. Foram encomendadas também pesquisas
sobre o assunto nos arquivos do jornal Folha de São Paulo e da revista Veja, ambos de circulação
nacional.
Neste artigo, as mudanças na festa serão discutidas através da utilização de duas
diferentes “lentes”: a teoria institucional, herdeira do ainda dominante paradigma positivista
sistêmico, usando especificamente as idéias de DiMaggio e Powell; e uma visão de poder.
Tomando como base, principalmente, a teoria dos campos sociais de Pierre Bourdieu, que segue
uma linha construcionista estruturalista. A primeira vem ressaltar os aspectos de estabilidade e
uniformidade no campo, caracterizados por pressões isomórficas em um ambiente
institucionalizado, de modo que a busca pela legitimidade guia as ações dos atores. A segunda
ressalta os processos de mudança através de lutas pelo poder em um ambiente de jogo, em que a
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posse de diferentes tipos de capital é a base para a possibilidade de imposição de uma
determinada interpretação da realidade.
A descrição do fenômeno do carnaval maceioense foi dividida em duas partes. Na
primeira, as mudanças na festa foram analisadas a partir da lente da teoria institucional. Na
segunda parte, exatamente os mesmos acontecimentos e forças foram explicados a partir de uma
outra lente, a do poder.
Mais que privilegiar uma das teorias ou defender um paradigma, este trabalho procura
utilizar-se dessas duas diferentes óticas para aproveitar suas forças, acrescentando-lhes valor,
fazendo uso, portanto, da idéia de "conversações paradigmáticas" para a compreensão de
fenômenos sociais complexos. As considerações sobre as complementaridades e contradições
entre as análises procura melhorar a compreensão do fenômeno Carnaval que, em suas
características principais, está presente em qualquer celebração humana.
Instituições e isomorfismo
Considerando um mercado de ações, pode-se perceber as organizações que estão
envolvidas, muita vezes se utilizam de artimanhas, que não necessariamente estão relacionadas
com uma maior eficiência da empresa ou negócio, mas o fato é que essas organizações precisam
SE MOSTRAR eficientes a fim de conseguir apoio e legitimidade perante os investidores
financeiros.
Por que a escolha de uma organização entre tantas que fazem parte do mercado de
ações? Como REALMENTE saber se ela é financeiramente viável, se o investimento foi o
correto? O mercado funciona com uma série de conjecturas, discursos e ações que passam a ser
legitimados e, portanto, acredita-se que empresas que possuam determinadas características são
aquelas que dão lucro.
A forma como a bolsa de valores funciona é a mesma por muitos anos. Os hábitos e
ações foram tipificados de tal forma que garantiram uma historicidade. Quando se fala em
mercado de ações, a idéia é de um local aonde você vai depositar seu dinheiro e sair mais rico
(claro que se sabe do risco envolvido nesse processo, afinal, isso também já foi tipificado). As
práticas das empresas mais bem sucedidas são copiadas pelas outras, que vêem aquela como um
modelo, não de qualidade ou de eficiência, mas um modelo legitimado perante os investidores.
Dessa forma, o campo organizacional do mercado de ações em todo o mundo vai se estruturando.
Da mesma forma, as ações tomadas pela sociedade vão ocorrendo. A história da vida
humana, a partir de uma visão mais determinista, é construída socialmente. Hábitos, costumes,
regras e padrões, depois de feitos sucessivas vezes acabam sendo tipificados, garantindo
legitimidade e sendo considerados a forma correta de fazer (BERGER e LUCKMANN, 1976). E
quem está fora do contexto acaba por copiar as práticas legitimadas e socialmente aceitas. Claro
que existem diferenças significativas de cultura, hábitos e costumes em vários países, mas ao se
analisar um campo específico, percebe-se que geralmente há homogeneidade nas estruturas e
ações desenvolvidas pelas organizações estabelecidas em um mesmo campo.
Essas questões podem ser respondidas, ou melhor, analisadas, a partir da Teoria
Institucional. Esta teve como precursor Philip Selznick que conceitualizou o “processo de
institucionalização” como a maneira pela qual as expressões racionais técnicas são substituídas
pelas expressões que carregam valores compartilhados no ambiente ao qual a organização
pertence (VIEIRA e MISOCZKY, 2000).
Na perspectiva institucional, percebe-se a existência de duas formas de observar os
fatores que produzem e mantêm a estrutura organizacional. A primeira diz que as estruturas
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organizacionais são criadas para lidar com as pressões ambientais e que estas pressões variam de
acordo com cada tipo de ambiente. A segunda afirma que o ambiente vai além do fluxo de
recursos e energia e, segundo essa perspectiva, o ambiente é formado de sistemas culturais que
definem e legitimam a estrutura organizacional, garantindo a sua criação e manutenção (MEYER
e SCOTT, 1983).
Em ambos os casos, as estruturas das organizações surgem a partir de um processo
que envolve valores e normas institucionalizados em que as pressões do ambiente institucional
influenciam os métodos e práticas adotados pela organização, fazendo com que elas tomem
atitudes isomórficas em relação às instituições sociais, ou seja, as organizações tomam atitudes
semelhantes às outras buscando legitimidade de acordo com as expectativas do contexto.
DiMaggio (1991) salienta a importância do conceito de campo organizacional quando
determina que, para que se entenda a institucionalização das formas organizacionais, é necessário
que sejam compreendidos os processos de institucionalização e estruturação do campo
organizacional. O conceito de campo definido por DiMaggio e Powell (1983), compreende um
conjunto de organizações que, no agregado, constituem uma área conhecida da vida institucional:
fornecedores-chave, clientes de recursos e produtos, agências reguladoras e outras organizações
que dispõem de produtos ou serviços semelhantes, pressupõe que as organizações operam em um
“espaço” no qual os efeitos das outras organizações que operam neste campo são observados de
forma mais intensa.
O Carnaval brasileiro incorporou, primeiramente, o entrudo português (tipo de
brincadeira de rua onde as pessoas jogavam, ovos, farinha de trigo, água suja, entre outros tipos
de coisas, umas nas outras). Esse era uma “farra” comum entre os escravos e a população mais
pobre, enquanto as famílias brancas divertiam-se dentro de suas casas. Assim, o entrudo foi uma
festa trazida pelos primeiros colonizadores, existindo uma pressão isomórfica coercitiva para que
ela acontecesse, o que fazia com que a “terra nova” assumisse características de seu colonizador
– Portugal.
As famílias ricas queriam participar mais ativamente da divertida festa, mas não da
mesma forma que as classes mais baixas e, por isso, com o passar do tempo, o entrudo foi se
tornando uma festa mais atraente para as diversas camadas sociais, inclusive os ricos, pois depois
de vários protestos as substâncias nitidamente grosseiras foram substituídas por outras, tais como
os limões de cheiro e, mais tarde, os lança-perfumes. Com a ida de alguns filhos de senhores de
engenho para a Europa, foi trazido de lá um novo tipo de festa, caracterizado pelos bailes de
máscaras italianas (a essa clara adoção de um modelo que já era legitimado, denominamos
isomorfismo mimético), que deram a beleza que faltava à festa. Estava assim, adotado pela
oligarquia brasileira, o Carnaval.
No estado de Alagoas, a festa se desenvolveu da mesma forma. O entrudo ficava para
as classes populares, enquanto a “nata” da sociedade se divertia, inicialmente, nos bailes de
máscaras, em suas casas e depois no corso, desfile de fantasias que acontecia na rua em
carruagens e cavalos, que começaram a ocorrer no início da urbanização da capital alagoana,
Maceió, na Rua do Comércio.
Os clubes de rua e também o desfile do corso no Carnaval maceioense eram formados
pela aristocracia da época. Afinal, eram eles que podiam comprar as fantasias, cavalos e
carruagens usadas no desfile, mas o povo acompanhava a festa indo atrás da orquestra. No
entanto, essa mesma aristocracia parou de freqüentar as ruas e começou a “brincar” o Carnaval
em clubes fechados, deixando os desfiles de rua para o povo. Assim, surgem os primeiros blocos
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e troças, que eram desfiles de rua formados por grupos que representavam bairros, associações de
classe ou a pequena burguesia.
Até então, o Carnaval em Maceió era produto das próprias festividades e
particularidades locais. Até o fim do século XIX, os principais atores envolvidos no processo de
estruturação do campo são: a aristocracia, que começou a sair nos desfiles de rua (o corso) e
depois partiram para os clubes privados; os grupos de bairros, associações de classe e a
burguesia, que adotaram práticas utilizadas pela classe dominante, fazendo desfiles também
(blocos e troças). Porém, esses eram menos luxuosos, já que não possuíam recursos suficientes.
Assim, percebemos que o Carnaval ainda estava estruturado de forma “amadora”,
sendo apenas um meio de divertimento local durante as festividades no período que antecede a
quaresma. Os atores envolvidos neste processo eram: a aristocracia, os grupos dos bairros locais,
as associações de classe, a classe média emergente, os comerciantes, o poder público e os foliões.
Cada um desses atores possuía diferentes interesses e recursos com relação à festa, o
que ocasionou disputas e jogos de poder dentro desse espaço social que acabaram por moldar o
campo. Segundo Leão Júnior (2001), a estruturação do campo organizacional é constituída dentro
de um contexto de equilíbrio dinâmico da estrutura social.
Inicialmente, os atores agem isoladamente, cada um com seus interesses próprios, não
se reconhecendo como pertencentes ao mesmo campo e, portanto, não compartilhando valores.
Esta seria a fase de pré-formação do campo organizacional do Carnaval de Maceió (VIEIRA e
CARVALHO, 2003).
Posteriormente, no governo de Getúlio Vargas, a forma de desfile estilo escola de
samba carioca passou a ser popularizada e divulgada em todo o país. A fim de garantir a sua
legitimidade, os atores passaram a incorporar o modelo do carnaval carioca. Dessa forma, podese perceber que as pressões isomórficas miméticas, juntamente com a disputa dos atores pela
obtenção de recursos, começam a dar um novo molde ao campo organizacional.
Com a popularização das escolas de samba, a mídia surge como um novo ator que faz
parte do campo e detentor de recursos necessários às organizações que desfilavam no carnaval (a
divulgação), um maior envolvimento do poder público em difundir a festa do Estado
(principalmente através de pessoas dentro de órgãos públicos que estavam interessadas no
desenvolvimento da festa), além do maior financiamento das empresas (que começavam,
efetivamente, a lucrar com a festa carnavalesca), as agremiações que, anteriormente estavam
desestruturadas, começam a tomar forma.
Com um maior financiamento, muda-se o formato da festa. Essa ganha mais
notoriedade e perde o caráter completamente lúdico. Passa a existir uma competição, as “escolas”
vão à rua não pela intenção do divertimento, motivação de outrora, mas para obter legitimidade
perante as demais organizações e outros atores envolvidos. Para isso, as agremiações deixam de
lado o modelo sem nenhuma estruturação, passam a definir novos domínios da atividade racional,
expandem suas estruturas formais e tornam-se isomórficas às demais organizações (MEYER e
ROWAN, 1983).
A partir desse momento, o Carnaval de Maceió sai da fase de pré-formação e passa a
existir um campo emergente, onde as organizações passam a perceber que fazem parte de um
campo, começando então, a surgir os primeiros enlaces interorganizacionais e concentração
(VIEIRA e CARVALHO, 2003). Percebe-se nesse momento uma maior procura dos membros
dos clubes e blocos por comerciantes que pudessem contribuir e participar do seu desfile, bem
como um grande interesse do Poder Público, que financiava praticamente todos os blocos da
época. Esta fase é considerada a de maior esplendor do Carnaval em Maceió.
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No entanto, a partir da década de 60, a festa começa a declinar por diversos motivos,
mas ainda se percebe a influência dos diversos atores no processo de estruturação e configuração
do campo organizacional. O período foi marcado por uma forte repressão e censura, o que fazia
com que o Poder Público, maior financiador da maioria dos clubes, exercesse forte pressão de
modo que não se fizessem críticas ao Governo, mas apenas desfiles que elevassem e exaltassem o
país. Assim, a razão de ser do Carnaval, o sentido irreverente e de descontração começou a perder
lugar. As organizações que não seguissem as regras sancionadas pelo Poder Público deixaram de
receber recursos, o que impossibilitou a continuidade de algumas agremiações nesse período.
Por outro lado, foi um período de crescimento econômico. A classe média ascendente
queria participar da “alta roda” e começou a seguir a classe mais rica. Primeiramente, nas praias
do litoral e, posteriormente, para Rio de Janeiro, Salvador e Recife (os grandes pólos de difusão
do Carnaval brasileiro na mídia – ainda hoje).
Percebe-se, a partir desse momento, uma tendência do Poder Público (ainda hoje
maior financiador do Carnaval), em tornar a festa uma atividade de atração turística. Mesmo na
época de auge, as organizações carnavalescas de Maceió ainda eram muito informais e amadoras,
o que foi um fator importante na decisão do Governo Federal em concentrar a maior parte dos
incentivos às festividades carnavalescas às cidades de maior estruturação, pois essa agora era
uma festa pra turista ver.
Assim, desde a década de 60, foi passado na mídia que o Carnaval de Maceió estava
morto, que não havia mais a festa na cidade. No entanto, alguns grupos continuaram a realizar os
desfiles e sair às ruas naquele período, mas sem a mesma estruturação e organização de outrora.
Sem a participação ativa de atores como o Poder Público, a mídia e os comerciantes, as
organizações estruturadas para as festas de carnaval perderam força. O campo organizacional
mais uma vez se modifica.
Com o passar dos anos, as festas carnavalescas, em todo o Brasil começam a copiar o
modelo de Carnaval baiano. As micaretas (carnaval fora de época) já eram moda em cidades
como Campina Grande e Fortaleza e, por isso, surgiu a idéia de montar, em 1993, o Maceió Fest.
A década de 90 foi um período de grande notoriedade desse tipo de ritmo e festa e, portanto, o
discurso foi o de fazer reviver o Carnaval em Maceió, mas com outro modelo, um que fosse pra
turista ver e que fizesse a camada mais rica da população voltar às festas de rua. No entanto, para
que a idéia fosse legitimada, era necessário o apoio de uma série de atores que configuram o
campo organizacional, nomeadamente o Estado, os comerciantes, as organizações relacionadas
ao turismo (como os hotéis), associações de moradores (particularmente a Associação de
Moradores da Orla de Maceió, por onde passa a festa), patrocinadores; blocos além do público
em geral. Afinal, eram eles que deveriam comprar o abadá e sair “pulando” nos blocos. A fim de
convencer esses atores, as organizações que eram as donas dos blocos organizaram-se e
formaram o Maceió Fest Produções e Eventos, que mais tarde se tornou a Liga Independente dos
Blocos Carnavalescos de Maceió.
Desde então, o Maceió Fest tem aumentado as suas proporções, o número de blocos e
as atratividades para aquisição dos abadás. O local escolhido foi a orla da praia de Pajuçara
(ponto turístico e um dos principais cartões postais da cidade), atendendo ao apelo pelo
desenvolvimento turístico da festa. A Rua do Comércio, onde acontecem os pequenos desfiles
carnavalescos, não tem a mesma beleza e esplendor do litoral alagoano. Isso, porém, causou
alguns transtornos e embates jurídicos com a associação dos moradores daquele local que, por
razões óbvias (barulho, bagunça, a sujeira deixada após a festa) não queriam que o evento
ocorresse ali. No entanto, esse era o lado mais fraco do embate. Poder Público (sendo um desejo
do então prefeito, que queria desenvolver o turismo da cidade), a Liga Independente (que
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começava a ter voz e força), os comerciantes (que viam no evento a possibilidade de aumentar
suas vendas) e as empresas turísticas (que teriam mais um período de alta temporada na belíssima
cidade de Maceió) conseguiram ganhar o embate. Concederam algumas coisas (limite de som e
horário de término), mas mantiveram o Maceió Fest na Av. Robert Kennedy, no bairro de
Pajuçara.
Na estruturação do campo do carnaval, além do Maceió Fest, existe uma resistência a
esse tipo de festa (as micaretas no estilo baiano). Hoje já se percebe as atividades de atores
isolados, associações de classe, professores universitários, médicos, pessoas que têm influência
junto à Prefeitura da cidade, que tentam fazer reviver o “autêntico” Carnaval de Maceió e estão
começando a agir por meio de prévias carnavalescas e, com isso, desde 2000, vem saindo um
bloco aberto, uma semana antes do “Sábado de Zé Pereira”, denominado “O Pinto da
Madrugada”, uma alusão e, porque não dizer cópia, do “Galo da Madrugada” pernambucano.
Além desse existem outros blocos que seguem o mesmo estilo, como o Pecinhas de Maceió,
Meninos Órfãos da Albânia e o Filhinhos da Mamãe. Assim, em busca mais uma vez da
estabilidade, de legitimidade perante a sociedade de forma geral, alguns atores que fazem parte
do campo se utilizam do isomorfismo mimético, tornando-se semelhante ao modelo de Carnaval
que mais se assemelha à tradição alagoana.
DiMaggio e Powell (1991) propõem alguns preditores de mudança isomórfica no
nível do campo organizacional de forma que podemos perceber que 1) o grau de isomorfismo
coercitivo aumenta devido às organizações que fazem parte dependerem principalmente de um
recurso único (que é do Estado); 2) o grau de isomorfismo coercitivo aumenta pela grande
interação dessas mesmas organizações e o Estado. Como essa relação foi enfraquecida, há uma
tendência à permanência dessas organizações por meio do isomorfismo normativo, pois 3) o grau
de isomorfismo normativo aumenta quando há um grande profissionalismo no campo. Isso
porém, não ocorre, pois já foi salientado anteriormente que as agremiações carnavalescas ainda
funcionavam de forma bastante informal. Assim, percebe-se no caso destas novas agremiações
apontadas anteriormente que 4) o grau de isomorfismo mimético aumenta quando as
organizações começam a adotar modelos bem sucedidos. Eles querem a manutenção do Carnaval
em Maceió e, por isso, utilizam-se do isomorfismo mimético. Essa é uma das bases da Teoria
Institucional, a adoção de práticas legitimadas a fim de promover a estabilidade.
O que se consegue perceber no processo de estruturação do Carnaval de Maceió é que
este ainda passa por um processo de institucionalização. Suas atividades e principais
organizações ainda não estão estruturadas. A cidade (nomeadamente os vários atores que
influenciam no campo) ainda não decidiu se o carnaval vai se manter na data e com as
características de antes ou se vai deixar realmente a tranqüilidade para essa época (boa pra turista
ver, visitar e gastar) e o momento de festividade para o período de micareta do Maceió Fest.
Continuam os mesmos atores exercendo pressões dentro do campo, cada um deles
buscando influenciar de alguma forma para que seus interesses não sejam modificados. Mais uma
vez aqui ressaltamos o aspecto de manutenção de práticas, mesmo quando as coisas mudam, a
verdadeira intenção é manter o padrão de antes. Mudar a festa do período antes da quaresma para
uma outra data, a fim de manter o mesmo público indo ao Carnaval, fazendo com que a
influência dos mesmos grupos continue, satisfazendo as pressões coercitivas do Estado,
PATROCINADORES dos comerciantes e das empresas de turismo, que detêm os recursos
escassos necessários para promover a festa. Quando se “briga” contra o Maceió Fest e a favor do
Carnaval de Maceió e de suas tradições, percebemos a influência de grupos que organizam os
desfiles e têm interesse particular no carnaval e não na prévia. Assim, percebe-se que o discurso é
de mudança, mas o que se vê é um desejo de mudar para que tudo continue igual.
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Dessa forma, percebe-se que o campo organizacional está em expansão, pois existe
um maior enlace e valores convergentes entre os diversos atores que formam esse campo. Mas
essa ainda é uma fase inicial, não há ainda uma institucionalização do campo, nem se percebe
uma tendência para que isso ocorra (pelo menos nos próximos anos), pois esses enlaces e valores
convergentes ainda não são tão “amarrados” ou sedimentados, o que seria necessário no processo
de institucionalização do campo. Para isso, é necessário que hábitos e tipificações garantam a
historicidade (BERGER e LUCKMAN, 1967), generalizando os significados atribuídos a estas
ações, independente do indivíduo que execute a ação (TOLBERT e ZUCKER, 1998).
Carnaval e Poder
Pensemos em um mercado de ações. Neste espaço existem diversos investidores que
movimentam os negócios. Eles procuram boas oportunidades para aplicar seu capital, e esperam
um retorno em forma de lucro. Geralmente, quanto mais arriscado o negócio, maiores as
possibilidades de ganhos (mas também de perdas). Neste mercado, os investidores são detentores
de diversos tipos de moeda ou produtos. A moeda oficial do mercado depende do país onde esse
se localiza. Geralmente, o investidor deve possuir diversas moedas, de vários países, pois todas
elas têm valor, pelo menos no seu mercado específico, e permitem diversas combinações de
investimento. Apesar da infinidade de moedas existentes, há uma moeda padrão (extraoficialmente, o dólar), que dá valor a todas as outras moedas. O poder de compra do Real, por
exemplo, é calculado de acordo com sua taxa de conversão para o dólar. Atualmente essa relação
está 3 para um (ou seja, com R$ 3,00 pode-se conseguir um dólar). Cada moeda tem um valor de
troca diferente, em relação ao dólar.
Um dos fatores que interferem no valor das moedas ou produtos é sua raridade (ou a
concorrência por ele). Um diamante só é valorizado porque é raro, em relação à sua procura. Uma
moeda se desvaloriza se todos querem vendê-la, mas pode, de um momento para outro, voltar a
se valorizar se, por qualquer razão, a procura aumenta e todos buscam comprá-la. Ou, quanto
menos pessoas estiverem dispostas a vender o produto, maior será o seu valor.
Os investidores não são seres passivos. A tendência à auto-regulação do mercado, em
direção ao equilíbrio, funciona apenas parcialmente. Nesse espaço, a especulação toma um papel
predominante. Os atores não são iguais em condições. A concorrência perfeita é muitíssimo rara,
se é que existe e, na verdade, este mercado é controlado por uns poucos investidores. Coalizões,
monopólios e oligopólios são comuns. Em geral, todos os atores concorrem entre si, mas em
assuntos específicos podem unir forças em defesa de seus interesses.
A sociedade pode ser comparada a um mercado de ações (BOURDIEU, 2000;
BOURDIEU e WACQUANT, 1992). Nela, os diversos atores sociais (indivíduos ou
organizações) são detentores de diversos tipos de capital: econômico (recursos financeiros),
cultural (estudo, educação, sotaque, etiqueta), social (rede de relacionamentos) (BONNEWITZ,
2003), que são capitais mais conhecidos, além de outros capitais válidos em espaços mais
específicos. O valor dos capitais é dado de acordo com sua taxa de conversão para o capital
simbólico (ou capital de reconhecimento, que traz status, prestígio). Cada um desses capitais é
ativo em um determinado espaço (ou campo). Esses setores são semi-autônomos, regidos por
regras específicas (que, dependendo do poder do ator, podem ser burladas ou mudadas) e
valorizam diferentes capitais.
O desenvolvimento do processo de diferenciação social (ou, em outros termos, a
divisão e a especialização do trabalho) deu origem a esses novos campos em alguns desses
setores, com regras de funcionamento próprias e valorização de capitais específicos, funcionando
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como campos semi-autônomos (BOURDIEU, 1996). Exemplos desse fenômeno são o campo da
política, das religiões, das artes e do carnaval. Esse último é o objeto de nossa análise.
Em Maceió, capital do Estado de Alagoas, a estruturação do campo do carnaval data
do início do séc. XX. No Brasil, a festa já existia desde a chegada dos primeiros colonizadores
portugueses. Eles trouxeram uma festa chamada entrudo, que consistia em uma brincadeira com
água, barro e frutas podres. Ela rapidamente se espalhou por todo o país, no entanto começou a
ser reprimida à época da independência, em 1822. Primeiramente porque estava começando a
causar confusão: assim como outras festas populares, era um dos poucos momentos em que as
camadas pobres da população (formada principalmente por escravos) podiam se divertir. Na
verdade, as festas serviam também para fortalecer os laços de união entre essas classes oprimidas,
e ensaiar levantes contra os opressores brancos. Em segundo lugar, porque as classes dirigentes
do país buscavam mudar a imagem de país bárbaro e atrasado, e buscaram implantar no Brasil os
costumes europeus, apossando-se de suas práticas e ganhando prestígio no país. No que se refere
ao carnaval, isso significou festas à fantasia em salões reservados (ARAÚJO, 1996; BRANDÃO,
1983).
As camadas dominadas da população continuavam nas ruas, que eram locais
socialmente designados para pobres, prostitutas e moleques. Só no início do séc. XX é que esses
bailes de máscaras saíram dos salões e passaram a ocorrer como desfiles nas ruas. Para tanto, teve
que haver um “reordenamento do uso social do espaço público” (ARAÚJO, 1996:187), em que a
modernização da cidade e a repressão da polícia ‘limpou’ das ruas os seus antigos ocupantes. Os
desfiles, feitos a cavalo ou em carros, tomaram o nome de ‘corso’ e deram origem às primeiras
sociedades carnavalescas. Se antes a festa era desorganizada, com diversos foliões dispersos, a
partir dessa época passou a se organizar e profissionalizar, com a confecção de símbolos,
máscaras, ritmos e fantasias próprios de certos grupos, as sociedades carnavalescas.
De todo modo, estava dado o passo inicial para o desenvolvimento de todos os tipos
de sociedades carnavalescas. As camadas pobres também fundaram as suas, copiando as práticas
dos dominantes, mas sem o mesmo luxo das originais, com fantasias improvisadas e desfiles a pé.
A exigência de registro dessas agremiações nos órgão policiais era uma maneira que permitia às
classes dirigentes controlar a comemoração, que se tornava uma festa bem menos problemática
que o entrudo, por exemplo.
O corso fez sucesso até o momento em que os cavalos e os carros eram artigos de
luxo. Quando esses se tornaram produtos massificados, já não atraíam a atenção das classes dos
dominantes, o que decretou o declínio deste tipo de festa. Uma vez que as agremiações populares
copiaram essas práticas, antes valorizadas, as classes dominantes da cidade buscaram outros
formas de diversão no carnaval, voltando aos salões fechados, só que agora nos clubes
carnavalescos, fundados especialmente para esse fim. Nesses clubes eram tocados principalmente
o samba e as marchinhas de carnaval, ritmos importados do Rio de Janeiro.
As classes populares, em suas agremiações de rua, ouviam principalmente o frevo,
um ritmo local e, portanto, desvalorizado (uma das heranças de nossa colonização foi a
admiração por tudo o que vem de fora, seja da Europa ou do Sul brasileiro). Novamente, essas
classes perseguem a ‘oportunidade de negócio’ que lhe transfere mais lucro (simbólico), e
fundam seus próprios clubes carnavalescos. Enquanto nos originais as taxas e mensalidades eram
altíssimas (o que implicava a necessidade de capital econômico), e em alguns deles era necessária
a indicação de um sócio (o que exigia a posse de capital social), os clubes populares recebiam
principalmente os moradores dos bairros periféricos, com cobrança de taxas módicas.
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Até essa época, o carnaval de Maceió era famoso em todo o Nordeste brasileiro,
abrigava inúmeras agremiações de todos os tipos e tinha um grande apoio do poder público. No
entanto, em meados do séc. XX inicia-se uma decadência geral do carnaval maceioense. Por
incrível que possa parecer, a decadência do carnaval se deve a uma melhora geral das condições
de vida da população, ao surgimento de indústrias, a uma relativa diversificação da base
econômica do Estado e ao surgimento de uma numerosa classe média. Paradoxal?
É do entendimento comum que numa situação como essa, a festa local, assim como
outros aspectos da vida cotidiana, tende a se favorecer, crescer, e prosperar, acompanhando a
prosperidade econômica geral. No entanto, essa classe média que surgia ‘ousou’ (como é de sua
natureza), invadir o espaço dos dominantes, e freqüentar os mesmos clubes e agremiações. Esses
clubes e festas quase particulares eram o espaço reservado das ‘elites’, que ganhavam ainda mais
prestígio por freqüentarem clubes da moda, pois esse era o assunto obrigatório de todos os
grandes jornais. Para os foliões, a presença em um desses clubes trazia, portanto, a possibilidade
de ser entrevistado, ou ter a foto estampada no jornal. Com a concorrência dos novos-ricos, o
prestígio trazido pelos clubes diminuiu, e os dominantes buscaram uma nova forma de distinção.
Encontraram-na nos carnavais de Salvador, Recife e Rio de Janeiro, muito maiores, e bem mais
prestigiados. Quem podia, viajava para outro Estado ou país na época do carnaval, pois isso lhe
dava status.
Como conseqüência, os principais clubes e agremiações começaram a falir. Os sócios
das maiores agremiações começaram a sumir, assim como as doações para as pequenas
agremiações. A imprensa não tinha mais interesse no carnaval local, pois seu público alvo (as
classes altas) não mais consumia esse tipo de notícia. Por isso, jornais, revistas, TVs e Rádios
passaram cobrir o carnaval dos grandes pólos, e automaticamente declararam o carnaval
maceioense morto. Já que os dominantes da cidade não se interessavam mais pelo carnaval, o
Poder Público também não precisava mais se interessar, e retirou o apoio dado às agremiações
populares, que não tinham outras fontes de renda. Assim, como em uma coluna de dominós, o
primeiro cai, e termina por derrubar todos os outros.
Uma relativa recuperação viria alguns anos depois, mais especificamente a partir do
ano de 1985. Após algumas décadas de crise do carnaval, neste ano surgiu um novo modelo de
bloco na cidade, que mostrou o caminho da sobrevivência para muitos outros. O caminho era do
bloco de massa com fins comerciais, e o bloco era o “Meninos da Albânia”. Na verdade esse
bloco surgiu a partir de um partido político, o PC do B, que queria comemorar a vitória nas
eleições municipais do ano anterior e arregimentar novos integrantes. No entanto, já em 86
transformou-se em um bloco pago, puxado por um trio elétrico que tocava música baiana. Depois
dele, surgiram diversos outros, sempre com o mesmo modelo. Esses blocos deram origem à
micareta Maceió Fest, que marcou um novo capítulo do carnaval sob diversos aspectos.
A iniciativa do evento foi do Poder Público municipal, que há muito não apoiava o
carnaval. Em 1992, assumiu um novo prefeito, que tinha como plataforma de campanha apoiar as
festas populares maceioenses. Claro, as festas realmente populares não foram apoiadas, mas as
micaretas se apresentavam como uma opção de desenvolvimento. Cidades Nordestinas como
Natal e Fortaleza estavam transformando-se em pólos turísticos nacionais, também por causa de
suas famosas micaretas. Há muito sem um setor econômico de fôlego, a opção turística parecia
viável, e não exigiria muitos investimentos.
Não foi feito nenhum tipo de licitação para a seleção da empresa responsável pela
organização do evento. Os empresários convidados eram amigos pessoais do Secretário de
Turismo do Município. Os riscos foram poucos, pois o poder público financiou e apoiou legal e
estruturalmente a festa. Deste modo, em 1992, foi criada a Maceió Fest produções e eventos (que
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no ano seguinte mudaria seu nome para Liga Independente dos Blocos Carnavalescos de Maceió,
como até os dias atuais) empresa privada com 4 sócios, responsável pela organização do Maceió
Fest.
Em janeiro de 1993 ocorria o primeiro Maceió Fest, inserido na programação de
prévias carnavalescas. Começou pequeno, com apenas 4 blocos, mas logo cresceu e alcançou os
números atuais. Mudou de datas algumas vezes, até se estabelecer em Novembro. Segundo um de
seus diretores, quando começou a crescer, os hotéis reclamaram, pois essa já era uma época de
grande lotação, e queriam que a festa se realizasse em um período de baixa estação. Transferido o
evento para Dezembro, foram os comerciantes que reclamaram da data, pois essa época já era de
grandes vendas, por causa do Natal. Todos queriam o dinheiro dos turistas, e essas interferências
são sinais do poder dos grupos econômicos locais tanto sobre o Poder Público como sobre a Liga
dos Blocos.
Tanto o Maceió Fest como outras micaretas espalhadas pelo país são eventos
direcionados para as classes médias e altas da sociedade. O desfile se realiza em um espaço
público, temporariamente privatizado, e preparado para abrigar grandes multidões. A estrutura é
gigantescas, com carretas transformadas em gigantescas caixas de som, projetos visuais e de
engenharia de última geração, estrelas da música nacional, milhares de policiais e seguranças
particulares, camarotes e arquibancadas para milhares de pessoas. Tudo para garantir o conforto,
o divertimento e a exclusividade de indivíduos capazes de pagar até R$ 400,00 em um abadá para
desfilar no chão, ou até R$ 4.000,00 para alugar um camarote.
Com essas características, as classes dominantes voltaram às ruas. Só os “iguais”
poderiam freqüentar esses espaços, garantidos por cordões de isolamento, enquanto a “plebe” tem
para si o espaço da pipoca, exterior às cordas.
Claro, poucas pessoas seriam consumidores do “produto’ sob essas condições.
Percebendo a grande demanda não atendida, os organizadores da festa criaram formas de atrair
outros compradores. Para eles, surgiram outros blocos, alternativos, também caros (de 50 reais
em diante), porém, mais acessíveis. Esses blocos alternativos não têm o mesmo ‘charme’ dos
principais, ou seja, revertem menos capital simbólico para o detentor de seu abadá. No entanto, é
uma forma para as camadas pobres da sociedade copiarem, mesmo que apenas parcialmente, uma
prática dos ricos, e assim se distinguir dentro de seu próprio grupo social.
Foram criadas diversas outras facilidades. O valor dos abadás pode ser dividido em
até 12 meses, com diversos cartões de crédito ou cheque pré-datado. Tais facilidades talvez não
façam diferença para alguns, mas são importantes para aqueles que ganham uns poucos saláriosmínimos e passam o ano inteiro economizando para pagar as prestações e desfilar em um bloco
fechado no Maceió Fest. Uma das últimas novidades é o Fest Card. Ele é distribuído a todos os
compradores dos abadás e dá direito a descontos em alguns estabelecimentos comerciais da
cidade (mais uma vez, uma inovação que busca atrair os menos abastados).
Uma das razões para o sucesso desse modelo de festa é sua grande atratividade a
grupos econômicos diversos. Patrocinadores, grupos da mídia, hotéis, comerciantes e gravadoras,
entre outros, têm interesse na existência de um evento que reúne milhões de consumidores em
potencial.
Os patrocinadores têm a possibilidade de, a um baixo custo relativo, fazer propaganda de
sua marca e, dependendo do tipo de produto anunciado, incrementar dramaticamente suas vendas
na época da festa, como no caso das empresas de bebidas. É acumulado capital simbólico, pois
sua marca é vista e divulgada, e seu nome fica associado a um evento ‘cultural’. Apesar de não
poderem contar com o benefício do abatimento do imposto de renda (as micaretas não são
favorecidas pelas leis de incentivo à cultura), outros ganhos não tangíveis devem ser
12
considerados para as empresas patrocinadoras. A melhora do clima político e fiscal em relação à
sua atuação é um benefício a ser destacado.
No início do evento, os patrocinadores eram principalmente empresas locais, com
ambições no máximo regionais. O grande crescimento do evento trouxe os maiores anunciantes
do país. Essa era a época da explosão do axé, que era o ritmo que mais vendia discos (no seu
auge, em 1997, chegou a emplacar quatro discos entre os mais vendidos do ano). Era também a
época da famosa “guerra das cervejas”, em que as marcas investiam pesadamente em
propaganda. Com o passar do tempo, o perfil dos patrocinadores mudou, e as grandes empresas
telefônicas, como TIM e Telemar, tornaram-se as maiores investidoras.
Os hotéis têm a possibilidade de aumentar a taxa de ocupação de seus leitos em um
período de baixa estação, e de fazer propaganda para o resto do ano. Com a adoção da idéia do
turismo como base para o desenvolvimento sustentável em todo o mundo (BASTOS, 1999;
HOLANDA, 2003), as organizações do setor ganharam projeção. Em Alagoas, Estado sem
alternativas econômicas, mas com grandes atrativos naturais, a aposta na indústria turística para a
promoção do desenvolvimento satisfez os interesses desse grupo. A ascensão à prefeitura de um
novo grupo político, em 1992, no poder até hoje, deu grande força de barganha para esse setor, e
transformou suas demandas em pauta obrigatória das considerações do governo.
Ao mesmo tempo em que apóia a grandiosidade do Maceió Fest, o setor turístico de
Maceió condena investimentos no carnaval propriamente dito. É de seu interesse que Maceió seja
conhecida como local para descanso na época da festa, pois atrairá indivíduos que gostariam de
fugir da agitação. Sua argumentação é de que, mesmo com grandes investimentos, a cidade não
poderia concorrer com os grandes carnavais de Recife e Salvador, e não atrairia nem o turista em
busca de descanso, nem o turista em busca de festa. Essa é uma das razões porquê o carnaval em
Maceió, uma festa teoricamente popular, não existe mais, e o apoio que lhe era concedido pelo
poder público foi transferido para a festa privada do Maceió Fest.
Enquanto isso, as agremiações do carnaval original agonizam (são escolas de samba,
bois-de-carnaval, agremiações de frevo, etc.). As poucas que ainda existem sobrevivem de
doações de seus integrantes e dos pequenos comerciantes de seus bairros. As camadas médias e
altas da sociedade, que uma vez financiaram a existência dessas agremiações, hoje não mais se
interessam pelo seu destino, ocupadas que estão em Salvador e Recife, ou nos blocos e camarotes
das Micaretas. A tradição dessas agremiações (traduzida pelo tempo de existência, número de
títulos, mas principalmente pela sua capacidade em guardar os símbolos reconhecidos pelo seu
público) consiste em seu único capital, um capital cada vez mais desvalorizado no campo. A
subvenção pública desapareceu, e sua estratégia individual de sobrevivência é buscar o
apadrinhamento de algum político local, que lhe facilite o apoio público (para o político,
apadrinhar uma delas é uma estratégia para ganhar votos). Como grupo, o conjunto dessas
agremiações procurou se unir em associações, principalmente após o início do Maceió Fest, para
melhor defender seus interesses.
Disso tudo, pode-se concluir que as lutas pelo poder são responsáveis pela mudança
no formato do carnaval. Mais especificamente, em um nível micro, a busca por distinção social
foi a força motriz das mudanças. Em todas as épocas, a busca por práticas e produtos exclusivos
fez com que as classes dominantes abandonassem certos tipos de festa e criassem outros.
Sucessivamente, o entrudo, as festas à fantasia, o corso, as agremiações de rua, os clubes, e o
Maceió Fest foram “adotados” pelos poderosos, em busca de distinção social. Após a tentativa de
imitação por parte das camadas dominadas, os dominantes mais uma vez criam uma nova festa, e
abandonam a anterior (o mesmo está acontecendo neste momento com o Maceió Fest, o que em
parte explica a decadência por que passam as micaretas do Brasil).
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Em um nível macro, a atual estruturação do campo, com o predomínio da organização
empresarial foi uma opção a essa busca por distinção. Só a grande empresa com fins de lucro
poderia arcar com a organização de um evento de tal porte, impensável para o poder público ou
para as pequenas agremiações locais, mesmo que unidas em associações. A profissionalização, a
grande estruturação administrativa e os capitais econômico, social e cultural necessários
encontravam-se na Liga Independente dos Blocos Carnavalescos de Maceió. A estrutura
administrativa empresarial tornou-se, portanto, um capital em si, com grande conversibilidade
para o capital simbólico. Esse novo capital empresarial está relacionado ao processo de
construção de uma ideologia de valorização da empresa em todo o mundo, também chamado
“empresarialização” (SOLÉ, 2003; PERROW, 1991). Ele transmite segurança, confiança,
responsabilidade, em oposição à instabilidade das agremiações amadoras. Hoje, mesmo as
pequenas organizações estão passando por um processo de estruturação, profissionalização e
mercantilização, tentando agregar esse novo capital a suas bases de poder.
Não é que a busca por distinção seja completamente racional e planejada, ou que
explique completamente as mudanças, mas pode ser considerada como seu pressuposto. A
ascensão de inovações tecnológicas que permitiram a concentração de grandes multidões em um
mesmo local (estamos nos referindo ao trio elétrico) e o momento particular do mercado
brasileiro do início da década de 90 deram as condições iniciais para o surgimento deste modelo.
Entre as opções possíveis (que não eram infinitas) a micareta com todas as suas características foi
o modelo que, adaptado às condições macro-sociais da época, pôde trazer de volta para as ruas as
camadas dominantes da sociedade. Claro, não misturada, mas em um espaço público privatizado,
em que a pequena distância de meio metro entre os integrantes de um bloco (socialmente
dominantes) e os integrantes da pipoca (socialmente dominados) mascara uma distância
simbólica muito maior entre os dois grupos, notada por bens como o abadá. Esse foi um modelo
de festa que conseguiu unir os interesses de vários atores díspares que, em sua maioria, buscam
hoje o lucro.
Considerações finais
Existe uma expressão que fala sobre coisas feitas “a 4 mãos”. Para os que não o
conhecem, significa dizer que algo foi feito desorganizadamente, sem ligação entre as partes.
Uma pessoa constrói metade do objeto e outra pessoa faz a outra metade, mas quando juntam as
partes, elas não se encaixam. Geralmente, ela tem um sentido negativo.
Tal expressão se aplica muito bem a este artigo. Espanto? Não que nós, autores,
estejamos a criticá-lo. Essa construção, mais que acaso, foi premeditada. Se alguém disser que
nosso trabalho foi feito a 4 mãos, tomaremos isso como um elogio.
O autor da primeira parte do texto (sobre poder) não leu uma palavra sequer da
segunda parte do texto (sobre teoria institucional), até poucos dias antes do envio do artigo, e
vice-versa. Durante a leitura, dizíamos a nós mesmos: “Que absurdo o que meu parceiro
escreveu! Está claro que a explicação não é essa!”. Esse tipo de desentendimento já era esperado,
e ansiosamente, por assim dizer. Quando projetamos o artigo, queríamos que as descrições se
afastassem ao máximo, que não procurassem um caminho consensual, mas que enfatizassem
unicamente a teoria que utilizavam.
Esse cuidado parece ter dado bons frutos. Não acreditamos, absolutamente, em algo
como independência do pesquisador, necessidade de não contaminar a descrição, etc,,
argumentos geralmente utilizados por um pensamento mais positivista. Nossas únicas intenções
foram ressaltar as características de cada teoria e, a partir disso, mais que julgar ou defender a
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primazia de uma delas, ou defender sua aproximação, destacar a possibilidade de um melhor
entendimento dos fenômenos se nos mantivermos abertos para explicações alternativas, ou
mesmo concorrentes.
Esse é o momento para destacarmos as particularidades das teorias utilizadas. A
teoria de Pierre Bourdieu, para começar, não é nem de longe a dominante nos estudos com visões
do poder que, por sua vez, não são dominantes nos estudos organizacionais. A vertente da teoria
institucional aqui descrita e utilizada é, por sua vez, uma busca que alguns pesquisadores do neoinstitucionalismo vêm tentando fazer a fim de acrescentar na explicação considerações sobre
poder, recuperando esse aspecto que existia no velho institucionalismo. Mas a própria teoria
institucional, como afirmam Carvalho e Vieira (2003), não está ainda institucionalizada, por não
haver um corpo teórico uniforme e homogêneo, existindo alguns gaps explicativos. Como se vê,
portanto, essa pequena explicação do fenômeno carnavalesco não pode ter pretensões de
totalidade.
Como já analisado em outros trabalhos (VIEIRA E MISOCZKY, 2000;
CARVALHO E SILVA, 2001; LEÃO JR. ET AL., 2001) as duas teorias aqui utilizadas se
contrapõem em alguns aspectos, mas dividem explicações em outros. Elas têm como motivação
original a proposta de explicar os fenômenos por fatores que não a eficiência das formas e
práticas, o que, esperamos, tenha ficado claro nas descrições.
No caso apresentado, as conclusões da teoria institucional nos levam a crer que as
mudanças acontecem porque ainda não existe um alto nível de enlaces interorganizacionais e
valores compartilhados, o que corresponderia ao estágio do campo institucionalizado (VIEIRA e
CARVALHO, 2003), que seria o ‘fim’ natural dos processos sociais. Mesmo a nova configuração
do campo, com predomínio de organizações mais estruturadas e de um campo em expansão,
ainda não corresponde a uma ordem institucionalizada.
As conclusões da análise a partir da visão de Bourdieu transmitem a idéia de
constante turbulência. A ordem é apenas provisória, e sempre conflituosa. A predominância de
um modelo empresarial atende a interesses, e é apenas momentânea. A já sinalizada decadência
deste modelo já era esperada, pois assim como os outros modelos, esse é temporal e
geograficamente situado. A constante busca por distinção movimenta o carnaval. As relações
entre os atores se referem principalmente a coalizões temporárias, que não necessariamente
pressupõem falta de conflito.
Assim, com a análise sob as duas óticas, pode-se perceber que esta pesquisa vem a
corroborar com o argumento de Vieira e Misoczky (2000) quando estes apontam que as disputas
pelo poder que acontecem entre os atores que fazem parte de um determinado campo
organizacional acabam por gerar instituições que, por sua vez, mantêm a ordem estabelecida (o
que torna as organizações que fazem parte deste campo semelhantes entre si) a partir do
compartilhamento de valores legitimados. A mudança, só irá ocorrer quando os arranjos de poder
na busca pelo capital (simbólico, econômico, social etc.) dentro deste campo se modificam,
gerando novas instituições.
Ou seja, as teorias não necessariamente se excluem, as duas reconhecem momentos
de maior estabilidade e momentos de maior instabilidade nos campos. Os conceitos são
semelhantes até certo ponto, mas dão ênfase a certos processos em detrimento de outros (por
exemplo, ‘instituição’ em uma teoria pode ser comparada a uma ‘ordem imposta’ na outra;
legitimidade poderia ser comparada à capital simbólico). Não estamos a afirmar que os conceitos
podem ser simplificados de tal modo que fiquem iguais, pois não o são, pelo contrário, alguns
pontos são epistemologicamente contraditórios. No entanto, a origem bourdieusiana da teoria de
15
campo no neo institucionalismo utilizada por DiMaggio e Powell facilita uma conversação entre
os pontos convergentes das duas teorias.
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Carnaval, Bourdieu e Teoria Institucional Autoria: Gustavo