Duarte, MRT Página i MARISA RIBEIRO TEIXEIRA DUARTE Sistemas públicos de educação básica e relações intergovernamentais: a ação da União e a autonomia dos sistemas locais de ensino JULHO 2003 Marisa Ribeiro Teixeira Duarte Sistemas públicos de educação básica e relações intergovernamentais: a ação da União e a autonomia dos sistemas locais de ensino Tese apresentada ao Curso de Doutorado da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Educação. Área de concentração: Movimentos sociais e políticas públicas Orientador: Prof. Dr. Osmar Fávero Niterói Faculdade de Educação da UFF 2003 Duarte, Marisa Ribeiro Teixeira D812 Sistemas públicos de Educação Básica e relações intergovernamentais : a ação da União e a autonomia dos sistemas locais de ensino / Marisa Ribeiro Teixeira Duarte. Niterói : UFF/ FE, 2003. 482 f. Tese – Doutorado em Educação Orientador: Prof. Dr Osmar Fávero 1. Educação e estado - Teses 2. Educação – Financiamento. 3. Federalismo - Brasil. 4. Descentralização administrativa - Brasil. 5. Escolas publicas – Administração – Avaliação. I. Título. II. Fávero, Osmar. III. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Educação. CDD – 379.1 Catalogação da Fonte : Biblioteca da FaE/UFMG Tese defendida em 21 de julho de 2003 perante a banca examinadora constituída pelos professores: Prof. Dr. Osmar Fávero / UFF – orientador Prof.ª Dr.ª Maria Ligia de Oliveira Barbosa / UFRJ Prof. Dr. Carlos Roberto Jamil Cury / CAPES Prof. Dr. Almerindo Janela Afonso / UMINHO Profª. Drª. Dalila Andrade de Oliveira / UFMG Para Gabriela e Marco Filho, amores Duarte, MRT Página i AGRADECIMENTOS O que não há somos nós, e a verdade está aí. Sou quem falhei ser. Somos todos quem nos supusemos. A nossa realidade é o que não conseguimos nunca. (PECADO ORIGINAL, Álvaro de Campos) Eles não aparecem nas referências, mas sem sua colaboração esta tese não teria sido possível. São funcionários públicos, alguns profissionais de educação e ao apontarem suas perplexidades e conhecimento dos procedimentos, que orientavam a execução dos serviços educacionais em diferentes municípios do estado, contribuíram para a formulação deste tema de investigação. Auxiliaram, também, na obtenção de dados cujo acesso constituía recurso de perpetuação de pequenos poderes. Burocratas, em um país onde a burocracia constituiu-se com patrimonialismo, resistem às tradicionais investidas tutelares e às atuais diretrizes gerenciais, com o objetivo de preservar espaços de autonomia e construir relações de trabalho, onde o controle público não se faça apenas sobre resultados, mas possa contribuir na adoção de procedimentos capazes de democratizar e republicanizar instituições estatais. Mário, Sandra, Elzira, Vera, Ricardo, Lili e tantos outros que tornaram esta tese possível, muito obrigada. Aos mestres do ofício, pela orientação e apoio no desenvolvimento desta tese, por apontar a importância política do pensamento de educadores brasileiro, por contribuírem em minha formação como professora e estudante. E, especialmente por trabalharem como servidores públicos, trazendo o Estado para o controle da cidadania. Aos colegas do Departamento de Administração da Faculdade de Educação da UFMG, pela regulamentação de um programa de qualificação docente, que priorizou uma formação comum a todos os seus professores, em um contexto onde critérios de competição e produtividade adquiriram centralidade. Em especial, à Dalila e Rosy por ser envolverem nestes temas de estudo e compartilharem etapas de trabalho conjunto. Por último e com toda a importância merecida, ao companheiro e amante que, por caminhos muito próprios, ajudou a tornar este trabalho realidade. Duarte, MRT Página ii SUMÁRIO ordem Título APRESENTAÇÃO 1 1 1.1 Formulação institucional e reforma do sistema público de EB 2 1.2 Estrutura e sistema educacional: por que estudá-los? 5 1.2.1 Sistema público de educação no Brasil e sistemas de ensino 7 Anísio Teixeira e a elaboração de um projeto de sistema público de educação básica no Brasil 10 1.3.1 1.3.2 1.4 Organização do sistema público de educação básica: descentralização e órgãos locais de gestão colegiada 13 Centralização como intervenção reguladora 19 Organização do sistema público de educação básica: etapas e modalidades de ensino 22 1.5 Verbas públicas para escolas públicas: financiamento da EB 26 1.6 A tradição desafortunada: ampliação do escopo da negociação política 29 Políticas sociais, descentralização e regime de colaboração 2.1 33 Regime de colaboração, descentralização e autonomia dos sistemas de ensino 36 Relações intergovernamentais e regime de colaboração 39 2.2.1 Sistemas municipais de ensino e autonomia política do governo local 39 2.2.2 Polifonia de vozes e hibridismo jurídico-político 41 2.2.3 Ruptura com o federalismo de integração no campo educacional 43 2.2.4 Relações predatórias à recentralização política pela União 47 2.3 A sistemática de recentralização: convênios e subvinculação 51 2.4 Gestão democrática dos sistemas de ensino e relações intergovernamentais cooperativas 55 Regime de colaboração entre os entes federados: condições para o atendimento nos sistemas públicos de Educação Básica 58 2.2 3 Xv Sistema público de educação básica no Brasil um estudo com Anísio Teixeira 1.3 2 pág. 3.1 De verbas públicas para escolas públicas ao regime de colaboração entre sistemas de ensino 60 Da atribuição de responsabilidades ao exercício de função supletiva e redistributiva 63 3.3 Sistemas municipais de ensino e uma herança centralizadora e desigual 65 3.4 Autonomia dos sistemas municipais e sistema único de EB 68 3.2 Duarte, MRT 3.5 Relações federativas e função supletiva e redistributiva da União 71 3.6 Relações federativas e assistência a estados e municípios 77 3.6.1 A sistemática operacional do FNDE 78 Federalismo, regime de colaboração e assistência técnico-financeira: diferenças na capacidade de atendimento. 81 Dispersão e redistribuição da receita pública nos municípios do estado de Minas Gerais: critérios de orientação para análise dos efeitos do FUNDEF. 85 4.1 Consolidando alguns pressupostos 85 4.2 Referenciais e procedimentos 86 4.3 O FUNDEF e políticas redistributivas em educação 87 4.4 Capacidade fiscal dos municípios mineiros ou a lenda de Robin Hood. 90 4.5 Política de financiamento da educação e justiça redistributiva 100 4.6 Mecanismos redistributivos e redução das desigualdades intermunicipais 103 3.7 4 Página iii 5 Sistemas públicos de ensino e capacidade de atendimento 105 5.1 Caracterização dos municípios selecionados 107 5.2 A demanda por educação básica: pop. residente, idade e escolarização em quatro municípios do estado de Minas Gerais 108 5.2.1 Demanda e atendimento em Educação básica 110 O atendimento ofertado: crescimento dos serviços educacionais por entidade mantenedora 116 5.3.1 O atendimento ofertado: crescimento dos serviços educacionais por entidade mantenedora 119 5.3 6 Sistemas educacionais em perspectiva comparada: relações intergovernamentais e autonomia da escola 127 6.1 Diretrizes globais de reforma educativa e relações intergovernamentais 128 6.2 A constituição de uma área de estudos em administração educacional e os contextos de autonomia das escolas 131 Brasil e Portugal: tempos de rupturas e reforma(s) da educação escolar básica 134 6. 4 Autonomia das escolas e dos governos locais 138 6. 5 Autarquias, educação escolar e ação social: governos locais e descentralização 141 6.6 Receitas autárquicas, gastos em educação escolar e ação social 143 6.7 Um mecanismo de interação entre o centro e a(s) periferia(s): acordos de cooperação técnico científica 146 6.7.1 Sistemática operacional das comparticipações (transferências voluntárias) 152 6. 3 Duarte, MRT 6.8 Página iv 6.7.2 Acordos de cooperação técnico-científica: interação entre o centro e a(s) periferia(s) 152 Gastos autárquicos na área educacional 153 6.8. 1 Gastos atomizados e com construções 154 6.8. 2 Gastos com serviços e unidades escolares 159 6.8.3 Relações entre centro(s) e periferia(s) e pagamento pelos serviços efetuados 161 7 Referências e sínteses provisórias 165 8 Referências bibliográficas 171 9 Bibliografia consultada 181 10 Legislação referida 187 Duarte, MRT Página v RELAÇÃO DE QUADROS Quadro 1 Demonstrativo das ações por níveis e modalidades de ensino 79 Quadro 2 Demonstrativo dos programas por nível ou modalidade de 79 ensino e destinatários Quadro 3 Composição do FUNDEF, segundo origem dos recursos – 1998 89 - R$ em milhões RELAÇÃO DE TABELAS Tabela 1 Brasil - Taxas de Escolarização e de Atendimento por Nível de Ensino - 1994/2000 1 Tabela 2 Percentual da População por Estágio de Proficiência - Brasil – 2001 2 Tabela 3 Evolução percentual da população residente 36 Tabela 4 Despesas com educação e receita de convênios em 04 municípios de Minas Gerais – 1997 – em reais 52 5 Convênios firmados entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e dois municípios do estado de Minas Gerais 54 Tabela 6 Média e coeficiente de variação da receita corrente per capita anual dos municípios do estado de Minas Gerais 90 Tabela 7 Municípios com receita corrente líquida per capita superior à média dos municípios do estado, mais dois desvio padrão – Minas Gerais 98 Tabela 8 Composição percentual da receita arrecadada, nos municípios com maior receita corrente líquida per capita do estado de Minas Gerais – 1999 101 Tabela Tabela 9 Minas Gerais, agrupamento de municípios segundo a pop. residente – 105 2000 Tabela 10 Pop. residente, segundo a faixa etária, em quatro municípios do estado de Minas Gerais 108 Duarte, MRT Página vi 11 Taxa de crescimento da população residente, segundo a faixa etária, em quatro municípios do estado de Minas Gerais 109 Tabela 12 Taxa de alfabetização da população residente com mais de 10 anos, em quatro municípios de Minas Gerais – 2000 113 Tabela 13 Minas Gerais, resultado final do Censo Escolar - Matrícula por etapa e modalidade da EB 116 Tabela Tabela 14 Matrícula no ensino médio, em CAA 1, MG Tabela 15 Município I - Receitas orçamentais por fonte de recursos Tabela 16 Tabela 17 Município III - Receitas orçamentais por fonte de recursos (em contos) 149 Tabela 18 Composição percentual das receitas autárquicas segundo a fonte 151 Tabela 19 Despesas correntes e de capital em Educação, Cultura e Turismo Município I - 2000 154 Tabela 20 Município I - Principais ações desenvolvidas em 2000 na área da Educação 156 Tabela 21 Município II - Despesas correntes relativas à educação escolar elementar – 2000 157 Tabela 22 Município III - Subsídios e transferências atribuídos a entidades escolares – 2000 158 Tabela 23 Relação de encargos assumidos e não pagos - referentes a educação escolar elementar – Município II – 2000 159 Tabela 24 Síntese do planejamento financeiro em projetos educativos das escola, para o ano letivo 2000/2001 160 123 147 Município II - Receitas orçamentais por fonte de recursos (em contos) 148 Duarte, MRT Página vii RELAÇÃO DE GRÁFICOS Gráfico 1 Receita corrente líquida (log.10) do municípios de MG - 1996 92 Gráfico 2 Receita corrente líquida (log.10) do municípios de MG - 2001 94 Gráfico 3 Dispersão da receita corrente líquida per capita dos municípios do estado de Minas Gerais – 1996 (em reais) 95 Dispersão da receita corrente líquida per capita dos municípios do estado de Minas Gerais – 2001 (em reais) 96 Percentual de crianças excluídas da pré-escola por município, segundo a idade 114 Gráfico 4 Gráfico 5 Gráfico 6 Percentual de inclusão na educação pré-escolar e ensino fundamental, 115 por município, segundo a idade Gráfico 7 Percentual de exclusão escolar no ensino fundamental por município, segundo a idade 116 Gráfico 8 Minas Gerais, evolução da matrícula no ensino fundamental regular 117 Gráfico 9 Minas Gerais, evolução da matrícula no ensino médio regular 118 Gráfico 10 Evolução da matrícula em EB regular por municípios (CAA 1 e CAA 2), segundo a entidade mantenedora. 120 Gráfico 11 Evolução da matrícula em EB regular por municípios (CAE 1 e CAE 2), segundo a entidade mantenedora. 121 Gráfico 12 Matrícula por etapa da educação básica, segundo a entidade mantenedora - CAA 1, MG 122 Gráfico 13 Matrícula por etapa da Educação Básica, segundo a entidade mantenedora - CAA 2 123 Gráfico 14 Matrícula por etapa da EB, segundo a entidade mantenedora - CAE 1 124 Gráfico 15 Matrícula por etapa da EB, segundo a entidade mantenedora - CAE 2 125 Duarte, MRT Página viii ANEXOI Quadro 1 Proposições de ações ou programas educacionais por sistema de ensino – Brasil – Municípios das capitais - 2000 1 Docume 1 Síntese de projetos educativos de escolas básicas do 1º ciclo nto Portugal 10 Figura 9 1 Estrutura do sistema público de educação escolar A N E X O II Quadro 2 Minas Gerais, população residente, receita corrente líquida e receita corrente líquida per capita, segundo os município - 1996 10 Quadro 3 Minas Gerais, população residente, receita corrente líquida e receita corrente líquida per capita, segundo os municípios. 2001 27 A N E X O III Quadro 4 Percentual de freqüência à escola por etapa e série, segundo a idade – CAE 1 – 1996 Quadro 5 Freqüência à escola por etapa e série, segundo a idade – CAE 1 - 1996 Quadro 6 Percentual de freqüência à escola por etapa e série, segundo a idade – CAE 2 – 1996 Quadro 7 Freqüência à escola por etapa e série, segundo a idade – CAE 2 - 1996 Quadro 8 Percentual de freqüência à escola por etapa e série, segundo a idade – CAA 1 – 1996 Quadro 9 Freqüência à escola por etapa e série, segundo a idade – CAA 1 - 1996 Quadro 10 Percentual de freqüência à escola por etapa e série, segundo a idade – CAA 2 – 1996 Quadro 11 Freqüência à escola por etapa e série, segundo a idade – CAA 2 - 1996 Quadro 12 Evolução da matrícula efetiva em quatro municípios de MG, por etapa e modalidade da Educação Básica, segundo a entidade mantenedora A N E X O IV Quadro 1 Quadro 2 Quadro Figura 46 47 48 49 50 51 52 53 54 3 Minas Gerais - Grau de Urbanização 2000 Minas Gerais – Número de municípios por região de planejamento Condições de Vida nas Regiões de Planejamento de MG - 1991 55 56 2 Minas Gerais, regiões geográfica de planejamento 57 55 Duarte, MRT Página ix Duarte, MRT Página ix Public systems for elementary education and inter-agency relations: actions from the federal government and the autonomy of local education systems. The fundamental question addressed in this study is related to the implementation of the colaborative hierarchy, established by the Federal Constitution of 1988 (caput, art 211). The objective deals with the apprehension of the concrete mechanisms of its implementation. The political-judicial autonomy established for the local elementary educational system established is analysed in view of the restrictions imposed by the higher levels of government. What is the type of autonomy of the system constructed after 1996? This analysis highlights the political nature of the relations between the educational systems with the goal to expand the coverage of basic elementary education, which, in turn would provide better access and equalize opportunities for all. The analysis of the relations between the public financing network and the capacity of local government agencies to implement educational policies has been prioritized in this study. Key words: Brasil educational policy – Local educational systems – educational administration Sistemas públicos de educação básica e relações intergovernamentais: a ação da União e a autonomia dos sistemas locais de ensino O problema geral implicado neste estudo relaciona-se com a efetivação do regime de colaboração, estabelecido na Constituição Federal de 1988 (caput, art. 211). O objetivo do estudo dirige-se para a apreensão dos mecanismos reais de seu exercício. A autonomia jurídico-política estabelecida para os sistemas municipais de Educação Básica é analisada frente às relações e restrições com os níveis superiores de governo. Qual o tipo de autonomia dos sistemas de ensino construída após 1996? Esta análise destaca a natureza essencialmente política das relações entre os sistemas de ensino como forma de expandir o atendimento em Educação Básica, capaz de efetivar a ampliação do acesso e igualdade de oportunidades. Privilegia-se a análise das relações entre as sistemáticas de financiamento público e a capacidade de decidir e implementar políticas pelos governos locais. Palavra chave: Política educacional no Brasil – Sistemas locais de educação básica – Administração educacional Duarte, MRT Página x GLOSSÁRIO1 Autarquia = em Portugal, instância administrativa de uma cidade pelos seus concidadãos. No Brasil, entidade estatal autônoma, com patrimônio e receita próprios, criada por lei para executar, de forma descentralizada, atividades típicas da administração pública. Concelho = Circunscrição governamental de administração pública. Rede particular = conjunto de escolas mantidas por entidades privadas em uma localidade ou região. Rede pública = conjunto de escolas criadas e mantidas exclusivamente pelo poder público Sistema de ensino = conjunto de órgãos e entidades estatais e/ou privadas (lucrativas ou não lucrativas) submetidas ao poder publico de um dos entes federados. Sistema público de educação básica = conjunto de órgãos e entidades estatais, particulares e/ou não governamentais submetidos ao poder normativo, de coordenação e avaliação da União para a oferta de serviços educacionais. Sistemas públicos de ensino ou sistemas públicos de educação básica = conjunto de órgãos e entidades estatais submetidos ao poder públicos de um dos entes federados, detentor de poder normativo, de coordenação e supervisão da oferta de serviços educacionais.. Transferências constitucionais obrigatórios = Dotações, independente de contraprestação direta em bens ou serviços, derivadas da Lei constitucional, entre os entes federados para repartição da receita tributária. Transferências voluntárias = Dotações feitas entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com a correspondente prestação de serviços e/ou assinatura de termo de convênio. 1 Na literatura pesquisada encontramos algumas imprecisões ou omissões quanto ao sentido dos termos utilizados. Por este motivo optamos por anexar este glossário com o objetivo de explicitar o sentido utilizado dos termos nesta tese. Duarte, MRT Página xi SIGLAS E ABREVIATURAS CAA Capacidade de atendimento ampliada CAE Capacidade de atendimento esgotada CF Constituição Federal CMA Capacidade mínima de atendimento CNE Conselho Nacional de Educação DASP Departamento de Administração do Serviços Público EB Educação básica EC n° 14/96 Emenda constitucional n° 14, promulgada em 12 de setembro de 1996 EF Ensino fundamental EI Educação infantil EM Ensino médio FUNDEF Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços LDB ou LDBEN MDE Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n° 9394, sancionada em 20 de dezembro de 1996 Manutenção e Desenvolvimento do Ensino PNE Plano Nacional de Educação Duarte, MRT Página xii APRESENTAÇÃO "A que gênero de pesquisa um sociólogo da educação dedicava-se por volta de 1970?", quando iniciava o trabalho como professora de sociologia da educação, após a greve de docentes ocorrida em 1979 no estado de Minas Gerais. O estudo da (re)produção da(s) desigualdade(s) escolar(es) constituía a categoria chave de pesquisas que, em sua maioria, encerravam-se em um método onde se renunciava à interrogação sobre as razões da desigualdade. A esta perspectiva PETITAT, dentre outros, contrapôs a necessidade de se indagar sobre as razões da desigualdade de oportunidades escolares. Para tanto retomou a história como método de apreensão do real (PETITAT, 1994: p. 5) Em perspectiva diversa, a sociologia política da educação, pré anos 70, indagava sobre as escolhas efetuadas e as possibilidades visíveis ou latentes. As razões da desigualdade eram obscurecidas, por uma razão que pretendia intervir. A indagação subjacente relacionava-se com os efeitos possíveis, com o intuito de balizar decisões e ações. O pesquisador procurava projetar seu trabalho para um futuro, fundamentando tendências. Fundia-se passado e futuro ao privilegiar possibilidades de decisão, suas causas e conseqüências. Os planos de reconstrução escolar salvo o de países novos, como os Estados Unidos, que receberam de chofre a nova civilização, e em grande parte a criaram, sem quase passar pelos estágios anteriores, eram planos de transação de acordos, de arranjos laboriosos entre as novas exigências do tempo e as tradições arraigadas de séculos.(TEIXEIRA, 1953. p.24) A (des)igualdade escolar para esta sociologia política da educação constituía um desafio de "construção institucional". Pretendia-se reformar o aparato de Estado, para promover mudanças na estrutura de relações entre Estado e Sociedade, e simultâneo ao processo de reforma do Estado, pretendia-se reconfigurar o desenho institucional de um modelo de prestação de serviços sociais. Nesta engenharia política o formato institucional herdado do passado orientava, condicionava e impulsionava diferenças entre atores, quanto às escolhas a serem efetuadas. Mas, a indagação sobre as razões da desigualdade subsumia-se a um esforço teórico-prático de engendrar arranjos institucionais, capazes de estabelecer tratamentos mais universais ou menos diferenciados, para a prestação dos serviços sociais. “o princípio da igualdade de oportunidades, abstratamente considerado, nada tem particularmente de novo: ele não passa da aplicação da regra de justiça a uma situação na qual existem várias Duarte, MRT Página xiii pessoas em competição para a obtenção de um objetivo único, ou seja, de um objetivo que só pode ser alcançado por um dos concorrentes (como o sucesso numa corrida, a vitória num jogo ou num duelo, o triunfo num concurso etc. Bobbio, 1997) . Estes temas são importantes para a correta apreensão do objeto de análise desta pesquisa. A relevância de precisar a capacidade de atendimento dos sistemas públicos de educação básica justifica-se pela efetivação do princípio liberal de igualdades de oportunidades. Mas, no contexto deste trabalho, o aplicamos a efetivação do princípio de autonomia política dos sistemas de ensino. Objetivo estratégico de políticas públicas de educação, a partir dos anos oitenta por, supostamente, ser capaz de obter maior efetividade no atendimento escolar. No entanto, mesmo as políticas que objetivam apenas promoção de maior eqüidade, pressupõem o reconhecimento de desigualdades como condição de intervenção, simultaneamente a adoção de universais capazes de produzir sínteses na diversidade. FERRARO, 1999 ao realizar diagnóstico da escolarização de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos no Brasil, com base em dados censitários reafirma repetidamente a importância da regionalização desses estudos. Mas, seu diagnóstico tem por foco a categoria da exclusão, apreendida como exclusão da escola – cuja forma extremada é o analfabetismo – e exclusão na escola – expressa pelos números de evasão e repetência presentes no sistema escolar brasileiro. A esta categoria agrega-se a categoria da desigualdade espacial intergovernos, como pré-condição de inclusão dos sujeitos pela existência de um sistema público de educação básica menos desigual. A alteração do foco da(s) exclusão(ões) escolares para a desigualdade intersistemas, modifica os termos da concepção de política subjacente. O termo exclusão, é articulado por diferentes autores (FERRARO, 1999: 22-47) aos problemas derivados da organização e funcionamento dos sistemas escolares. À primeira palavra contrapõe-se incluir, ou seja, trazer para dentro algo que está fora. Implementar programas e ações que integrem os que foram expulsos. Ao segundo termo opõe-se igualdade, com o objetivo de estabelecer arranjos políticos institucionais onde não se apresentam apenas diferenças. As mais diferentes análises que Duarte, MRT Página xiv trabalham com exclusão da escola, exclusão na escola – a la gauche – ou evasão, repetência e taxas de alfabetismo – a la droit – têm por horizonte a adoção diferenciada de medidas político-educacionais. Para os primeiros trata-se, de priorizar a implantação de novas formas institucionais de organização e funcionamento da educação capazes de incluir sujeitos sociais desiguais. A ênfase política é posta na multiplicação de organizações capazes de potencializar movimentos sócio-culturais os mais diversos. À diversidade sócio-institucional subordinam-se, entretanto, medidas capazes de assegurar padrões mais universais de gestão da res pública. Para outros, as medidas necessárias relacionam-se à otimização da eficácia e por decorrência da efetividade. Correção de desequilíbrios sócio-espaciais e intergovernamentais advém da implementação de programas e ações governamentais capazes de promover maior concorrência. Um quasi-mercado, ou seja, um mercado regulado pela coordenação do Estado. No entanto, esta perspectiva não desconhece a importância de intervenções reguladoras sobre os mercados. O horizonte de análise prioriza as desigualdades sócio-espaciais entre sistemas de ensino, a relação entre financiamento e autonomia política passa a ser priorizada. Ou, sob ângulo diverso, destacam-se medidas capazes de estabelecer condições materiais mais uniformes, como patamar comum de diferenças posteriores. A escolha destes focos é repleta de conseqüências. O reconhecimento da diversidade humana, cultural, social e política não prescinde de universais que possibilitem intercâmbios. Como também o reconhecimento da singularidade presente em indivíduos, grupos e sujeitos sociais requer mediações mais complexas que possibilitem sua inclusão pelo reconhecimento da diferença em relação ao outro. Ao ressaltar capacidade de atendimento as questões sócio culturais adquirem relevância para os atores internos participantes da condução do sistema de ensino. Supondo condições básicas comuns de financiamento distribuídas por todo o país, a maior ou menor efetividade do projeto político pedagógico articula-se com a cultura política presente na localidade ou região. Duarte, MRT Página xv O problema geral implicado neste estudo relaciona-se com a efetivação do regime de colaboração, estabelecido na Constituição brasileira de 1988 (caput, art. 211) e o objetivo a ser atingido envolve a apreensão dos mecanismos reais de seu exercício. A CF determinou, especificamente para o oferta de serviços educacionais, o regime de colaboração entre os entes federados. A autonomia jurídico-política estabelecida para os sistemas municipais de Educação Básica é analisada frente às relações e restrições com os demais níveis de governo. A perspectiva do estudo efetuado envolve o tipo de autonomia dos sistemas de ensino engendrada pós 96, destacando a natureza essencialmente política das relações entre os sistemas de ensino como forma de expandir o atendimento em Educação Básica, capaz de efetivar a ampliação do acesso e igualdade de oportunidades. Privilegiou-se a análise das relações entre as sistemáticas de financiamento público e a capacidade de decidir e implementar políticas pelos governos locais. Um dos temas recorrentes em diferentes estudos, que tratam das relações entre descentralização, democratização e reforma das políticas sociais, aborda o reconhecimento da importância relativa das análises de viés institucionalista na determinação das condições de atendimento dos diferentes sistemas de ensino. Neste estudo, optamos por analisar as modificações ocorridas nos sistemas públicos de educação básica no Brasil, tendo por referência que a reforma empreendida, especialmente após 1996, é decorrência de tensões entre fatores estruturais produzidos nos movimentos da sociedade civil e formas institucionais que operam como condicionantes das ações dos diferentes agentes envolvidos neste processo. Destacamos, como foco de estudos, as relações intergovernamentais que fundamentam o financiamento público da educação básica por possibilitar a análise da dinâmica de reformas educacionais para à constituição de um novo espaço público não estatal ou mercantil. Iniciamos com a análise de concepções de sistema público elementar (educação básica) presente no pensamento educacional brasileiro, interrogando sobre as diferentes proposições de organização da sistemática de financiamento e relações intergovernamentais sobre a estruturação de um sistema público descentralizado de educação básica no país. A herança autoritária e algumas propostas defensoras da matriz estatal do sistema público as articulavam com um papel protagonista da União. Qual a formulação institucional adequada a um sistema público de educação escolar, capaz de Duarte, MRT Página xvi assegurar descentralização e a universalização do acesso e permanência? A construção de uma resposta a esta indagação se fez pela alternativa que foi negada, pelo reconhecimento de que nossa realidade é o que não conseguimos? Em segundo momento, abordamos como as relações entre União, estado subnacionais e sistemas municipais de ensino configuram autonomia e descentralização político administrativa. Procuramos recuperar a história das relações federativas no campo da educação escolar básica, indagando sobre os procedimentos que promover cooperação entre os entes federados. O terceiro capítulo desenvolve os temas anteriores analisando posições de diferentes atores que interviram de modo recessivo ou dominante (Cury, 1997) na construção do texto da LDBEN, em especial quanto à autonomia política dos sistemas locais de ensino e suas relações com os demais entes federados. Como medidas de financiamento da educação articulam-se à promoção de maior igualdade inter-sistemas? Esta questão nos conduz ao quarto capítulo, onde se apresentam elementos para análise dos efeitos do FUNDEF, considerado nos últimos anos – governo FHC - como medida exemplar de política redistributiva. O quinto capítulo, indaga em perspectiva comparada sobre as reformas de ensino implementadas no Brasil e Portugal. Pesquisa realizada sobre a atuação das autarquias portuguesas no campo educacional, indaga sobre a superação e conseqüências da tradição administrativa centralizada/descentralizada nos dois países. As diretrizes globais de reforma da educação receberam prioridades e medidas diferenciadas nos dois países, devido às influências de institucionalidades políticas distintas. Encerramos este trabalho expondo a importância teórico-política da reflexão sobre a configuração do sistema público de educação básica no Brasil. Apropriamos da acepção habermasiana de esfera pública política para situarmos a reflexão sobre a organização do sistema educacional como espaços tempos de formação humana em sociedade plural e sobre regime político democrático. Retomamos, novamente, o tema anisiano da configuração do sistema público, porém, situando o significado deste debate no contexto das atuais reformas educacionais 1. Sistema público de Educação Básica no Brasil : um estudo com Anísio Teixeira Com Anísio Teixeira, a nossa realidade esteve marcada por outras possibilidades históricas de realização democrática em educação, certamente bem mais aceitáveis do que o padrões que hoje vigoram entre nós (ROCHA, 1996: 219) A implantação de um sistema público universal de educação básica constitui um desafio que o país, no inicio do século XXI, procura ainda realizar. Na atualidade, as formulações de políticas em torno desse desafio têm por horizonte a efetivação do direito à educação, do princípio liberal de igualdade de oportunidades educacionais, os vínculos entre descentralização e democracia e a estratégia de reforma do Estado em face da reorganização da sociedade civil. Os embates envolvem temas como as relações entre os entes federados, com os diversos segmentos do setor privado (lucrativos e não lucrativos) em atuação no campo da educação escolar e com outras entidades organizadas da sociedade civil (movimento docente, de pais, de diferentes grupos culturais, etc.). Quais as características, procedimentos e amplitudes da prestação dos serviços necessários a efetivação de um sistema público de educação básica? Autonomia, financiamento público e efetividade social são princípios gerais que requerem medidas político administrativas de operacionalização, repletas de conseqüências para o quotidiano das escolas básicas e para a organização e funcionamento de um sistema público no país. No Brasil, a prioridade política fixada, nos últimos anos, para a oferta do Ensino Fundamental obrigatório tem assegurado acesso e maior permanência de quase todas as crianças entre sete e 14 anos na escola. TABELA 1 Brasil - Taxas de Escolarização e de Atendimento por Nível de Ensino 1994/2000 Ano Taxa de Escolarização Ensino Fundamental Taxa de Atendimento Ensino Médio Bruta Líquida Bruta Líquida 7 a 14 anos 15 a 17 anos 1994 110,2 87,5 47,6 20,8 92,7 68,7 2000 126,7 94,3 76,6 33,3 96,4 83,0 Fonte: MEC/INEP No entanto, esta definição de política educacional se fez com alterações significativas nas etapas anteriores e posteriores da educação básica: redução do atendimento público em educação infantil e segmentação do ensino pós-obrigatório em médio propedêutico e Duarte, MRT Página 2 educação profissional. A ordem constitucional de erradicação do analfabetismo passou a ser cumprida por programas compensatórios de caráter voluntário e assistencial, no atendimento a jovens e adultos com escolarização insuficiente. O funcionamento das escolas públicas de modo não seriado cresceu, nas mais diferentes regiões do país, como um instrumento para ampliar anos de estudo dos muitos excluídos logo nas séries iniciais, no entanto os dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica apresentam informações preocupantes quanto à qualidade do ensino ministrado. TABELA 2 Percentual da População por Estágio de Proficiência - Brasil – 2001 Área de Conhecimento / Série Muito Crítico Língua Portuguesa - 4ª série 22,21 EF Matemática - 4º série EF 12,53 Língua Portuguesa - 8ª série 4,86 EF Matemática - 8º série EF 6,65 Crítico 36,76 Estágio Intermediário Adequado 36,18 4,42 Avançado 0,43 39,79 20,08 40,89 64,77 6,78 10,22 0,01 0,06 51,71 38,85 2,66 0,14 Fonte: MEC/INEP/DAEB A reforma empreendida no sistema educacional brasileiro, a partir da aprovação da Emenda Constitucional n. 14 de 1996, dotou a União (Ministério da Educação) de capacidade institucional para exercer atividades de coordenação político-pedagógica e administrativa dos sistemas estaduais e municipais de educação básica. Estas atividades, por sua vez, se fundamentam em um diagnóstico prévio e compreensivo da situação e dos principais problemas do sistema educacional (DURHAM, 2000: 232), mas trazem também, uma formulação acerca da estrutura de organização e funcionamento da educação escolar básica para todo o país. Este o tema a ser abordado inicialmente. 1.1 Formulação institucional e reforma do sistema público de EB Em seguida a aprovação da Emenda Constitucional nº 14 no Brasil, uma série de medidas jurídico-políticas adotadas ao longo dos anos subseqüentes – 1997- 2001 – sistematizou processo de reforma educacional no país com repercussões sobre a configuração do sistema público de educação básica. Para além da atribuição de responsabilidades compartilhadas dos entes federados, indagamos se as medidas implementadas neste período produziram novos relacionamentos políticos-administrativos para a gestão do Duarte, MRT Página 3 sistema. Ou seja, qual a contribuição de diferentes medidas adotadas, especialmente na área do financiamento público da EB para uma reestruturação sistêmica desta etapa da educação escolar? A primeira etapa da problematização efetuada envolveu indagações em torno do conceito de sistema público de educação e sua relação com a efetividade do direito à educação básica. Procuramos problematizar medidas jurídicas e políticas adotadas após a promulgação da EC 14/96 analisando suas repercussões sobre a estrutura e organização do sistema público de educação básica no país. Neste capítulo, mais especificamente, optamos por um estudo comparativo do design1 institucional de sistema público de EB formulado por Anísio Teixeira2, com o arranjo resultante da reestruturação empreendida após 1996. O pressuposto subjacente considera que fatores institucionais – no caso o design institucional – conferem incentivos e/ou circunscrevem as ações empreendidas por diferentes atores. A forma como estão organizadas as instituições sistêmicas e o conjunto de regras que orientam o seu funcionamento condicionam os resultados pretendidos. Diferenciar e avaliar as conseqüências possíveis de medidas político-administrativas no interior do pensamento de matriz liberal pressupõe conferir à gestão das políticas públicas, em 1 O que designamos por “design” de um sistema de educação básica expressa uma imagem virtual provisória da relação entre sua estrutura e a ação dos sujeitos que nela intervêm. Constitui um meio para comparações entre passado/presente, entre alternativas, para estabelecer diferenças e/ou semelhanças e desse modo dar a conhecer a complexidade do presente ao qual pertencemos. O design não é a estrutura do sistema, apenas um recurso metodológico possível, que procura visualizar algo em movimento. Neste sentido, a reflexão considera que o(s) sistema(s) de ensino, como subsistemas sociais Esta reflexão considera que o(s) sistema(s) de ensino, como subsistemas sociais são produtos/produzidos pelas ações dos sujeitos em instituições. Para Giddens a distinção entre estrutura, sistema e estruturação não põe em causa sua estreita interligação. Observar a estrutura como algo que envolve uma ordem virtual de diferenças implica reconhecer a existência de: a) conhecimento (...) b) práticas sociais organizadas através da mobilização recursiva do conhecimento e c) capacidades que a produção dessas práticas pressupõe (GIDDENS, 1989). 2 Em contraposição à Reforma Campos/Capanema, promovida no decorrer das décadas de 30 e 40, no Brasil. O estudo da literatura sobre a obra de Anísio Teixeira (ver bibliografia, especialmente Rocha, 1996 e Nunes, 2000) nos permite caracteriza-la como a de construção de um projeto institucional de organização do sistema público de educação no país alternativo às concepções autoritárias e centralizadoras predominantes nas gestões de Francisco Campos e Gustavo Capanema no Ministério da Educação Duarte, MRT Página 4 especial, das políticas sociais, um certo grau de autonomia face aos fatores econômicos estruturais. Diferenciamos para fins analíticos como determinantes de formulação e implementação das políticas sociais fatores de natureza econômica de fatores institucionais, ambos com capacidades variáveis de intervenção sobre as políticas sociais, em diferentes conjunturas. Propomos, inicialmente, analisar o design, opções, possibilidades e limites da proposta formulada por Anísio Teixeira de sistema educacional público para o Brasil e a comparar às proposições hoje formuladas. Uma questão nos interroga: como se realizaram medidas preconizadas nos anos 30 e 40 por este educador liberal? Premissa e conclusão deste trabalho é o reconhecimento, que a obra deste educador dirigente expressava um projeto liberal de educação escolar para o país3, mas com singularidades por tentar articular um papel protagonista do Estado sob a égide da sociedade civil. Destacar, na evolução do pensamento de Anísio Teixeira, a formulação institucional necessária à efetivação de princípios e concepções político educativas constitui o objetivo específico deste capítulo. Apreender a singularidade de sua proposta em relação à atualidade requer um método capaz de destacar e formalizar, isto é, estabelecer conexões entre elementos desprovidos de relações imediatas. Introduzir com Anísio Teixeira4 a discussão sobre a constituição histórica do sistema público de educação significa indagar à 3 Dentre os comentaristas de Anísio Teixeira GANDINI, 1980 o enquadra em uma tradição liberal- conservadora de base legalístico-burocrática. O identifica como representante da camada industrial e considera que o projeto de Anísio Teixeira não se consolidou devido a emergência do Estado corporativoautoritário. TEIXEIRA, 1985 por sua vez, sintetiza sua postura de intelectual orgânico de formulador de uma política congruente com interesses da burguesia industrial ascendente, setores médios e classe trabalhadora. A investigação analítica, do projeto de sistema público de educação básica, em Anísio Teixeira supõe um questionamento ao pressuposto teórico metodológico que circunscreve valores e ações políticas a interesses mais imediatos de grupos e/ou classes sociais. Assumimos que algumas teorias conseguem captar, ou refletir e revelar, uma espécie de continuidade na história, que permanece não obstante as transformações e através delas: ou, pelo menos, uma continuidade dos problemas, aos quais a cada vez são dadas diferentes soluções (BOVERO, 2000: 25) 4 NUNES, 2000 expõe os diversos embates travados pelo projeto anisiano, em especial, durante sua gestão na Diretoria de Instrução pública do Distrito Federal (1931-1935). Duarte, MRT Página 5 atualidade sobre o cumprimento de uma herança não superada. O método analítico orientado para a reconstrução conceitual e para a comparação de diferentes textos do autor, constituiu a mediação escolhida para a construção do design de sistema nacional. Sem desconhecer o condicionamento da inserção histórico social de toda uma produção intelectual, o empenho em desvelar um projeto político de educação escolar para o país tem por objetivo interrogar, até onde esta tradição permanece desafortunada5. 1.2 Estrutura e sistema educacional: por que estuda-los? A concepção de sistema nacional de educação presente neste trabalho aproxima-se da noção de estrutura como constructo lógico, porém produto não intencional e concreto de inúmeras práticas sociais. Saviani (1974; 1981) distingue os termos da seguinte forma. Sistema educacional é uma organização objetiva, concreta, e possui uma estrutura. Esta se apresenta como um sistema que o homem não fez (ou fez sem o saber), enquanto que o sistema pode ser comparado a uma estrutura que o homem faz e sabe que faz. Este estudo considerou, de modo diverso, da distinção expressa por Saviani, que o sistema nacional de educação é resultantes de múltiplas práticas e concepções sociais. O sistema se faz numa sociedade onde apesar da extrema desigualdade, não se opera, ainda, a exclusão tout court. A diferença a ser destacada entre estrutura e sistema é que a primeira subjaz latente enquanto práticas, instituições, habitus historicamente construídos. O segundo se faz presente pela incorporação de novas/outras práticas/ações, instituições e conflitos capazes de produzir modificações nas estruturas que o conformaram/conformam. A distinção entre sistema e estrutura nos permite investigar contra a imediatez do dado e a convenção do constructus, um suporte invisível, razão necessária, suficiente e escondida do dado, de sorte que o objeto real é constituído pela totalidade de suas manifestações empíricas visíveis mais sua razão invisível, teoricamente estabelecida (CHAUÍ, s/d: 175). Assim, o sistema público de educação básica, como produto de estruturações, detém certa rigidez, que o torna capaz de resistir a voluntarismos políticos mais imediatos. A estrutura 5 Título de artigo publicado por LOVISOLO, In: BORGES DE ALMEIDA, 1989 Duarte, MRT Página 6 de um sistema constitui um constructo lógico, que nos permite apreender a interdependência entre unidades autônomas e visualizar o arranjo político institucional resultante das relações entre o poder político, os interesses sociais em conflito e a força das instituições preexistentes. Autores como Lima (1998) ao analisar a autonomia relativa da organização escolar, pressupõem tensões entre o sistema, a administração e os poderes centrais, por um lado, e a escola e os atores escolares organizacionalmente ancorados por outro. Nesta perspectiva, a análise sociológica das organizações escolares tem por intuito apreender as relações entre o nível micro – a ação dos atores - e o nível macro – o sistema de ensino. Para tanto é necessário admitir no plano teórico as tensões estabelecidas entre o sistema, a administração e os poderes centrais, por um lado, e a escola e os atores escolares organizacionalmente ancorados por outro, tensões tanto mais importante quanto, no terreno da ação em contexto escolar, nenhuma das partes exerce hegemonicamente o controle total sobre a outra (Lima, 1996: 32). Este referencial, tendo por foco a estruturação político-administrativa centralizada do sistema de ensino português, permite reconhecer analiticamente uma macro-organização do tipo policêntrico – em nosso viés conceitual um sistema público educacional – sem ignorar assimetrias de poder e relações de subordinação, mas igualmente sem condenar as organizações e os atores escolares à reprodução normativa e à aquiescência passiva. O reconhecimento das assimetrias de poder e de relações de subordinação, entretanto, não fornece, a nosso ver, elementos suficientes para a apreensão da estruturação dos sistemas educacionais. Reafirmando os termos da análise de Chauí (s/d) tem-se que buscar sua razão invisível, teoricamente estabelecida. No Brasil, a autonomia política dos sistemas municipais de ensino confere existência empírica na e pela relação com os demais entes federados a um sistema público policêntrico, em permanente relação de interdependências tendo em vista o modo como esta autonomia foi relativamente estruturada. Consideramos, entretanto, que o sistema educacional brasileiro, do tipo policêntrico, dispõe como um dos eixos estruturadores – sua razão invisível – a sistemática operacional de financiamento. Duarte, MRT Página 7 Ao iniciarmos o estudo dos projetos históricos possíveis esperamos, por um lado, contribuir para que diferentes atores possam, sobre uma gramática, pactuar em sua diversidade e por outro lado, expor perspectivas de organização do sistema público de EB. Pensar este sistema como um constructo lógico, com o objetivo de comparar e avaliar a importância relativa das partes que o constituem, permite a seleção de elementos cujas modificações possam ser acordadas politicamente. A importância deste tema para o campo educacional advém das implicações que o seu reconhecimento como pré-existente tem na prática de muitos educadores. Os educadores deixarão de pressupor um [modelo paradigmático] de sistema, passando a encarar a sua construção, [diríamos, sua universalização na diversidade] como uma tarefa urgente que precisa ser realizada (Saviani, 1998b). No entanto, para esta realização é necessário configurar, reconfigurar e desfigurar alguns dos procedimentos, relações, normas ou mesmo valores constitutivos do sistema educacional pela proposição de alternativas em seus eixos estruturantes. 1.2.1 Sistema público de educação no Brasil e sistemas de ensino O livro, “Educação brasileira: estrutura e sistema” (1981), constituiu referência fundamental para análise de política educacional no Brasil, no decorrer da década de oitenta. Nesta obra, Demerval Saviani pôs à prova a hipótese da inexistência de um sistema educacional no país e convidou educadores a análise política de suas práticas e fundamentos. A repercussão das questões suscitadas foi significativa na obra de autores como WARDE, 1983, CUNHA, 1979; 1998, CURY, 1978, dentre outros, que retomaram a crítica da política educacional empreendida no período autoritário. A tese central exposta no livro parte da inexistência de um sistema educacional no Brasil: o Autor levanta, entre outras, a hipótese de que a ausência de sistema educacional está correlacionada à estrutura social de classes. Diz ele que a sociedade de classes, “gerando conflito de interesses, tornaria difícil a práxis intencional comum, sem a qual é impossível a construção do sistema” (WARDE, 1983). Simultaneamente, SAVIANI, disseca os usos e abusos do conceito de sistema na literatura a respeito das leis de diretrizes e bases. Após demonstrar sua indefinição semântica na Duarte, MRT Página 8 literatura política, ele desenvolve a análise da noção de sistema educacional e do conceito subjacente de sistema. A construção da análise de SAVIANI submete-se a um duplo procedimento: partir do fenômeno, procurando efetuar sua descrição para atingir uma visão dialético-sintética do problema [sistema educacional brasileiro] pela mediação da análise. O ponto de partida é a potencialidade da ação humana sistematizada, em face de um problema. Após esclarecer o processo humano da atividade sistematizadora passa à análise de seu produto: o sistema, como a unidade de vários elementos intencionalmente reunidos, de modo a formar um conjunto coerente e operante (grifo nosso). No entanto, esta concepção de sistema pressupõe que: se o sistema nasce da tomada de consciência da problemática de uma situação dada, ele surge como forma de superação dos problemas que o engendraram. E se ele não contribuir para essa superação ele terá sido ineficaz, inoperante, ou seja, incoerente do ponto de vista externo. E tendo faltado um dos requisitos necessários (a coerência externa), isso significa que, rigorosamente falando, ele não terá sido um sistema (...) o sistema implica uma ordem que o homem impõe a realidade (SAVIANI, 1981: 79-80) A gênese de um sistema educacional requer, ainda na síntese de SAVIANI, a formulação de uma teoria educacional capaz de indicar objetivos e meios que tornem possível a atividade comum intencional. Para SAVIANI, o sistema comporta-se como uma estrutura que o homem faz e sabe que faz. Escrito no início da década de 70, a rigorosa construção teórica de “Educação brasileira: estrutura e sistema” sustenta e projeta a política como expressão de uma intencionalidade comum. Supõe um referencial teórico/prático mais universal, decorrente da superação da desigualdade e capaz de abarcar e situar-se para além do diverso. A movia o imperativo político de formação de um bloco histórico capaz de contrapor-se àquele que sustentou o desenvolvimentismo do período militar-autoritário. Duarte, MRT Página 9 No Brasil o século XX encerrou-se, também, com um balanço das forças sociais formadas em contraposição ao desenvolvimentismo autoritário. Este balanço reconhece nessas forças uma vertente de matriz neoliberal - onde a defesa da primazia das relações mercantis procura demonizar a intervenção estatal no campo social. Se sociedade civil no Brasil significou oposição à ditadura militar encastelada no Estado6 a critica a intervenção e ação estatal de matriz neoliberal tem como um dos eixos estruturantes a primazia das relações mercantis com diretriz de fortalecimento da sociedade civil. Outra vertente desse balanço ocupa-se em delinear as múltiplas potencialidades da democracia face ao Estado e a sociedade civil. Nessa vertente, consideramos a impossibilidade de um referencial capaz de abarcar e situar-se para além da diversidade do social, o que exige da análise política um esforço capaz de explicar a sintaxe sistêmica, ou seja, o modelo resultante das várias funções que regulam a interação das partes que compõem o sistema em movimento. Mas se a primazia conferida as ações dos diversos setores da sociedade civil pressupõe o exercício do controle público sobre as ações estatais, estas, por sua vez, são regidas por normas e procedimentos capazes de efetivar direitos de cidadania, independentes das relações de mercado. Ao aproximar e diferenciar duas temporalidades este estudo procurou demonstrar como no interior do liberalismo, as relações de estruturação de partes diversas produzem diferenças sistêmicas significativas. A análise supõe acesso a elementos que caracterizam o pensamento educacional de Anísio Teixeira e seu contexto de ação político-educativa7. Com esta referência, certamente múltipla e não unívoca, a indagação, que orienta este 6 Ver COUTINHO, 1999 e Moraes, 2001 7 Ver a respeito: NUNES, C. (2000a) Anísio Teixeira: a poesia da ação; NUNES, C. 2000. Anísio Teixeira. In: FÁVERO, MLA (org.) Dicionário dos educadores no Brasil; NUNES, C. Prioridade número 1 para a educação. In: TEIXEIRA, AS. Educação não é privilégio. 5ª edição, Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 1994; GERIBELLO, WP. Anísio Teixeira. Análise e sistematização de sua obra. SP. Atlas, 1977. CHAVES, MW. A afinidade eletiva entre Anísio Teixeira e John Dewey. In: Revista brasileira de Educação. São Paulo: Anped: n.11 1999: BORGES de ALMEIDA, S. et. al. Chaves para ler Anísio Teixeira. Salvador: EGBA. 1990; TEIXEIRA, MMS. O significado pedagógico da obra de Anísio Teixeira. São Paulo: Loyola. 1985. Duarte, MRT Página 10 trabalho, refere-se aos fundamentos que aproximam e/ou diferenciam seu projeto das concepções hoje predominantes. A ação político-administrativa deste educador deixou um legado de projeto institucional, cristalizado em suas obras (NUNES, 2000: 28) e constituiu o objeto de reflexões deste estudo. A pesquisa procurou, para tanto, destacar as contribuições e posições de Anísio Teixeira relacionadas com a estrutura e funcionamento de um sistema público de educação básica no Brasil. O design do sistema em Anísio Teixeira revela, por sua vez e nos termos postos por SAVIANI (1982), projetos de construção do sistema educacional por educadores+políticos, que assumiram o liberalismo em sua práxis educativa. A hegemonia neoliberal valeu-se de uma redução do escopo de questões presentes no pensamento liberal, circunscrevendo-o às posições onde a defesa do mercado resulta num deus ex machina. Anísio Teixeira, por sua vez, expressa uma concepção mais inclusiva, onde a intervenção política no social resulta em maior intervenção do Estado sobre a competitividade presente na sociedade civil. No entanto, procuramos neste capítulo desenvolver uma reflexão sobre os eixos estruturantes de um sistema público de educação básica constituído por unidades autônomas. 1.3 Anísio Teixeira e a elaboração de um projeto de sistema público de educação básica no Brasil A partir de três obras de Anísio Teixeira - Educação para a democracia (TEIXEIRA, 1953), Educação não é privilégio (TEIXEIRA, 1957) e Educação é um direito (TEIXEIRA,1968) – procuramos sistematizar a concepção de sistema educacional público pretendido pelo educador para o país. Estes livros trazem, ainda, um rigoroso trabalho de detalhamento dos procedimentos e mecanismos necessários à consecução dos objetivos pretendidos, simultaneamente ao aprofundamento teórico-político de suas concepções. Organizados como transcrição de relatórios das atividades desenvolvidas, coletânea de intervenções efetuadas em diferentes fóruns de disputa política e como sistematização teórica das posições defendidas, fornecem um rico material que permite articular os fundamentos gerais do pensamento educacional de Anísio Teixeira com os procedimentos necessários à sua execução. Duarte, MRT Página 11 Em 1935, Anísio Teixeira apresentava Educação para a democracia: introdução à administração educacional, como um livro de registro e documentação da reforma da educação em marcha no Distrito Federal. um livro vivido dia a dia, porque fundamenta e expõe uma obra ainda mais vivida, intensa e afanosa, inacabável até por definição...(ANÍSIO, 1953. Advertência do autor para a 1.a. edição) Nesta obra, expôs ao país os fundamentos dos procedimentos adotados em suas experiências político-administrativas, especialmente na direção da instrução pública do município do Rio de Janeiro8. Sistematizar e fundamentar decisões e medidas político administrativas tinha por objetivo documentar-se frente àqueles que o combatiam, como também subsidiar outros educadores com posições correspondentes. Sua gestão no Distrito Federal (1931-1935) pode ser lida como um grande esforço para construir uma concepção e um sentimento de que a escola se situa na esfera pública e que, como tal, não pode ser transformada em mera extensão da esfera privada (NUNES, 2000a: 10), mas complementamos, pode ser lida também, como um esforço de constituição de uma esfera pública neste país, pela interação entre Estado e sociedade civil. Educação não é privilégio (maio de 1957) e, principalmente, Educação é um direito, constituem obras-sínteses de suas experiências teórico-práticas. Produzidas no intervalo democrático do pós-guerra ao início da década de sessenta, elas contêm a exposição das posições políticas defendidas pelo educador como também o registro da evolução e sistematização de suas idéias sobre a organização e funcionamento do sistema educacional brasileiro. Na primeira Anísio expõe os fundamentos de seus embates no decorrer da tramitação da LDB. Esta obra veio a lume como arma de combate, reforçando a postura da defesa da escola pública, que era assumida em outros espaços de discussão (NUNES, 1994: 213). Na segunda, elaborada num contexto onde se vislumbrava o novo ciclo político autoritário, Anísio explora com maior vigor os procedimentos adequados à sua proposta de política educacional. Orienta o país, como um educador dirigente, expondo os fundamentos e sistematizando procedimentos presentes em seu projeto. 8 ver: GERIBELLO, WP. Anísio Teixeira: análise e sistematização de sua obra. SP. Atlas, 1977. Duarte, MRT Página 12 Seu diagnóstico, quanto ao problema brasileiro de educação, trazia expresso a solução aventada: um sistema escolar integral, desde a escola primária até a superior, preparando homens para ocupações diversas. Para ele o reconhecimento das dimensões em números absolutos do sistema educacional brasileiro não deveria obscurecer os problemas decorrentes de sua estrutura e funcionamento. Dentre estes destacou: índices de evasão e repetência, centralização e rigidez político administrativa e a organização da carreira do magistério. Temas centrais no debate atual de política educacional no país. A obra de Anísio Teixeira é expressiva dos embates no interior do movimento de reforma político-administrativa, em curso no país, desde a década de trinta, no entanto, com singularidades que a distinguem do projeto capitaneado pelo DASP e da Reforma Educacional empreendida nas gestões CAMPOS e CAPANEMA. A frustração de sua experiência, de reforma da instrução pública no Distrito Federal com o advento do Estado Novo, é interpretada como a derrota de um projeto de democratização escolar por meio do Estado (NUNES, 2000: 45). O período do governo provisório (1931-1934) foi uma fase experimental de reorganização administrativa, no campo educacional a primeira grande reforma seria efetuada um pouco mais tarde, já em plena vigência da Constituição de 1934, sob a liderança de Gustavo Capanema. A política administrativa pós-revolução de 30 evoluiu no sentido de colocar o(s) chefe(s) do(s) executivo(s) como supremo coordenador dos serviços públicos e para tanto era mister dotá-lo de instrumentos capazes de habilitá-lo a exercer o poder de coordenação (WARLICH: 1987:8-24). Neste sentido, a modernização político-administrativa capitaneada pelo DASP, nas décadas de 30 e 40, reforçou a relação de dependência entre os governos locais, os governos estaduais e a União. A modernização dos serviços públicos (educacionais incluídos) se fez sob os princípios gerais do taylorismo (DUARTE, 1988), porém com a centralização da capacidade decisória nos chefes dos executivos, de forma a assegurar relações de tutela na prestação dos serviços. A reforma do ensino do Distrito Federal na gestão de Anísio constitui um processo de reinvenção do espaço escolar (e social) cuja direção se fez – dentre outros aspectos - no sentido de: empurrar a escola para fora de si mesma, ampliando sua área de influencia na cidade; atravessar o espelho da cultura européia e norte-americana para elaborar um conhecimento instrumental sobre a realidade e a Duarte, MRT Página 13 educação brasileiras; retirar o problema do governo da educação da tutela da Igreja e do Estado; construir representações sobre a escola e a sociedade, criando saberes e definindo prioridades; lutar contra os "destinos escolares", procurando quebrar as barreiras hierárquicas imposta por uma rígida divisão social (NUNES, 2000: 234). As premissas que fundamentaram a reforma proposta por Anísio Teixeira, encontram-se na sua recusa à organização de um sistema escolar decorrente de concepções apressadas e fragmentadas da questão educacional e na defesa de um sistema de educação pública, semelhante à "commun school" americana.9 Estas diretrizes são permanentes, no pensamento político de Anísio Teixeira após suas viagens aos Estados Unidos, e perduram nas obras consideradas. A regionalização da escola que, entre nós, se terá de caracterizar pela municipalização da escola, com administração local, programa local e professor local concorrerá em muito para dissipar os aspectos abstratos e irreais da escola imposta pelo centro, com programas determinados por autoridades remotas de distantes e servida por professores impacientes e estranhos ao meio, sonhando perpètuamente com redentoras remoções (TEIXEIRA, 1958: 24-25) A frase de Lobato sobre o papel da experiência americana em Anísio Teixeira indica sua inserção em um projeto político nacional presente em um amplo espectro político. A esperança na industrialização de base urbana do país por motivos diversos constitui o caldo da formação política sob o qual emergiam proposições contraditórias10. 1.3.1 Organização do sistema público de educação básica: descentralização e órgãos locais de gestão colegiada Do diagnóstico às primeiras proposições de ação política, o tema da autonomia ou melhor, da descentralização político administrativa, constitui o núcleo da construção institucional proposta por Anísio Teixeira. 9 A expressão de Lobato, "Anísio lapidado pela América", explicita a mudança de rumos empreendida pelo pensamento educacional de Anísio Teixeira, após cada viagem aos Estados Unidos. Em artigo publicado em 1924, ”À propósito da escola única”, ele faz uma defesa veemente da concepção dualista em educação. Já, em “Aspectos americanos da educação”, publicado em 1928, apresenta comentários e observações sobre a organização do sistema escolar americano, além dos fundamentos para o estudo da obra de Dewey (Geribello, 1977). Esta segunda concepção, presente a partir de suas viagens aos Estados Unidos, predomina em toda sua obra posterior. 10 Martins, 1987 caracteriza o clima intelectual do período 20 a 40 no Brasil. Duarte, MRT Página 14 O governo da educação se tem feito, através da história, por três aspectos diversos. Ou a sua direção esteve nitidamente confiada à Igreja, que detinha todo o poder de direção espiritual da sociedade (...); ou o seu governo se transferia para o Estado, que, muita vez, fazia dela o instrumento para formar e perpetuar as ideologias em que se baseava, e alimentar a lealdade às suas próprias instituições, ou, num terceiro aspecto, a educação era confiada a controle indireto da própria sociedade pelo jogo das suas fôrças em desenvolvimento. (...) Encarado o assunto do ponto de vista do regime mais consentâneo com o progresso e o desenvolvimento da educação, nas suas linhas fundamentais, não se pode hoje, recusar ou duvidar que o controle pelas forças sociais, e não somente pela Igreja ou pelo Estado seja o mais favorável à livre e plena expansão das instituições educativas. (...) Como, porém, a organização das escolas se tornou um empreendimento tão vasto, tão complexo e tão custoso, que só o Estado, com os seus recursos e os seus meios de ação, pode levá-lo a bom termo, decorre daí a necessidade de ser o Estado quem deve, por coerência com o regime democrático, abrir mão do governo da educação, para conservar, tão somente, sobre a mesma o direito de lhe defender a liberdade e a imparcialidade. Para isto, o Estado democrático organiza os serviços educativos de modo a que se governem a si mesmos, obedecendo, tão somente, às próprias influências ou às que se façam sentir na sociedade a que se destinam. (...) Ensaiar-se-á, por esse modo, no país, o governo autônomo da educação, confiando-se os seus destinos a corporações representativas da sociedade, sem eiva de partidarismos de qualquer espécie (Teixeira, 1953: 33-36 grifo nosso) Rocha (1996) ao explorar o pensamento de Anísio Teixeira em Educação é um Direito, também observa o aspecto nuclear da questão da autonomia dos sistemas educacionais frente ao Estado. As experiências em funções executivas nos sistemas estaduais (Secretário de Instrução Pública do Estado da Bahia - 1924 a 1928 - e Secretaria de Instrução Pública do DF - 1931 a 1935) colocaram para o projeto político educacional de Anísio Teixeira a tensão entre uma concepção que quer resgatar para a sociedade o papel determinante do labor educativo e uma realidade, como ele a percebe, que impõe a exigência de um Estado com função ativa na construção democrática (Rocha, 1996: 199). Educação é um direito, obra síntese da práxis educativa de Anísio Teixeira pormenoriza os arranjos institucionais para enfrentar tal tensão. Defendemos, assim, para a educação um regime especial de distribuição dos poderes públicos encarregados de ministrá-la, de modo que, em ordens sucessivas, a União, o Estado e o Município se vejam com parcelas diversas e conjugadas de poder e responsabilidade, a ser exercidos por órgãos colegiados, de Duarte, MRT Página 15 composição leiga, ou seja, Conselhos de Educação, com um alto grau de autonomia administrativa (Teixeira, 1968: 66) Desse modo, Anísio Teixeira introduz o tema da colaboração entre os entes federados – parcelas diversas e conjugadas de poder – e a reformulação do órgão gestor – os Conselhos de Educação. Compostos por representantes diretos dos pais de família e da comunidade, eleitos ou nomeados por autoridades eleitas – porém de composição leiga, visto que no período a Igreja Católica exercia posição hegemônica na defesa dos interesses privados- seriam órgãos deliberativos de política e administração educacional. competindo-lhes a nomeação das autoridades executivas11. O Conselho é o órgão deliberativo das funções de educação e cultura promovidas pelo Estado. Não obstante, ele não é o órgão gestor dessas funções. O encargo executivo é atribuído ao Diretor de Educação e Cultura. (...) O Conselho delibera, mas a partir das propostas de Educação do Diretor (Rocha, 1996: 197). A formulação de Anísio Teixeira, em 1957, sobre os Conselhos Escolares ampliava sua atuação para o âmbito dos municípios12. (...) teremos criado com o novo plano cerca de três mil unidades administrativas escolares em todo o país, que tantos são os municípios, com os seus conselhos de administração escolar, representativos da comunidade, paralelos aos conselhos municipais ou câmaras de vereadores, com poderes reais e não fictícios de gestão autônoma do fundo escolar municipal e direção das escolas locais (Teixeira, 1957: 60) Tendo por referência o modelo americano de administração educacional pública, Anísio Teixeira tensionou o poder deliberativo estabelecido para os Conselhos locais e estaduais com as competências fixadas para o órgão executivo de administração dos serviços 11 Os Conselhos nomeariam as autoridades executivas dos serviços educacionais, do magistério e todo o pessoal, constituindo-se, assim, em verdadeiras autarquias (TEIXEIRA, 1968: 81) 12 A Constituição brasileira de 1946 reconhecia os estados subnacionais como entes federados capazes de organizar sistemas autônomos de ensino. A perspectiva de Anísio Teixeira, com fundamento em uma defesa da instância local como instância de administração mais virtuosa, propugnava por maior autonomia de gestão para os municípios. Duarte, MRT Página 16 educacionais Preservando a autonomia de ação pela diferenciação de composição e competência desses órgãos, este político educador desenha espaços e momentos de aproximação dos diferentes atores responsáveis pela administração dos sistemas. Poderes locais reais e não fictícios de gestão constitui um dos desafios institucionais para a boa governança presente, ainda, no início do século XXI. Televisão e jornais têm reiterado denúncias de desvio de recursos dos Fundos de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (FUNDEF) em diversas localidades. Qual a participação dos Conselhos locais de Acompanhamento, previstos por disposição legal, na formulação e investigação dessas denúncias? Sem poder normativo - deliberativo e sem recursos para investigações mais acuradas, as ações a serem desenvolvidas subordinam-se à dedicação pessoal dos membros empossados. Formular competências correlatas e regulamentar o processo de escolha dos membros constituem medidas político-administrativas necessárias para uma atuação mais efetiva. Um tema de preocupações na formulação de Anísio Teixeira e nos debates da atualidade (ver Gohn, 2000) O design formulado por Anísio argumenta quanto a importância dos órgãos colegiados com poder deliberativo em face de recursos e projetos. Anísio Teixeira. na década de 30, distinguia e tensionava com a atuação deliberativa dos Conselhos e a ação executiva do Diretor de Instrução. Embora os primeiros constituíssem instâncias organizacionais a serem implantada de fora13, Anísio Teixeira tinha por pressuposto em sua formulação a relação político educativa dos órgãos de gestão coletiva com o poder público organizado na burocracia. a possibilidade de construção de identidade entre os atores sociais, para além de suas diferenciações, e de identidade que se constrói na sociedade, ainda que o Estado, como expressão holística da sociedade, tenha papel ativo nesta construção. [Para ele] nem os conflitos dos atores são irredutíveis, nem os atores se complementam num todo orgânico e harmônico. Eles convivem com suas diferenças e são capazes de estabelecer entre si uma sociabilidade que não se afirma fundamentalmente pela coerção, 13 Do ponto de vista da engenharia social, Esman e Uphoff constatam que as organizações locais "implantadas" de fora, apresentam elevado índice de fracasso. As organizações locais mais bem-sucedidas representam iniciativas autóctones participativas em comunidades locais relativamente coesas. (PUTNAM, 1996: 104) Duarte, MRT Página 17 mas ao contrário é um processo positivo de construção (ROCHA, 1996: 206) Liberdade para alocação de recursos próprios de acordo com suas necessidades, para estabelecer regras de funcionamento das unidades escolares, observadas as diretrizes nacionais e para definição de uma agenda de ações político-educativas aproximam o projeto de autonomia em Anísio Teixeira das concepções defendidas na atualidade. Em especial, a tensão projetada entre os Conselhos e o executivo aproxima o design político anisiano das proposições que na atualidade defendem a criação de Fóruns permanentes de educação nos sistemas municipais e estaduais14. Esses assumem a prerrogativa de deliberar quanto as prioridades locais simultaneamente com a fiscalização do poder executivo. Sua natureza é marcada pela presença de entidades cuja organização provêm de iniciativas autóctones da sociedade civil e também com maior independência frente os interesses locais. os órgãos que a vão dirigir [a democracia brasileira de 1934] são órgãos constitucionais, que retiram sua autoridade e competência da própria lei magna do país. Devem, por isto mesmo, trazer características que rasguem aos sistemas escolares brasileiros novos rumos para o seu progresso mais eficaz e mais seguro. (...) Ensaiar-se-á, por esse modo, no país, o governo autônomo da educação, confiando-se os seus destinos a corporações representativas da sociedade, sem eiva de partidarismo de qualquer espécie e capazes de conduzir com segurança e estabilidade o seu progresso e desenvolvimento. (...) Nenhuma organização satisfaz tão bem a essa nova forma de direção quanto a de Conselhos, de número reduzido de membros, com o que se consegue a moderação de medidas, sem o entorpecimento do aparelho educativo (Teixeira, 1953: 37/38). 14 Quando da revisão do texto desta tese foi realizado, em Brasília, o Seminário “Reafirmando propostas para a educação brasileira” onde se reafirmava: “O Fórum Nacional de Educação (FNE), a ser instituído, deve ser a instância máxima de deliberação do SNE, com ampla representação dos setores sociais envolvidos com a educação, responsável pela política nacional de educação e, principalmente, pela definição de diretrizes e prioridades dos planos nacionais de educação e sobre a execução orçamentária para a área. Coerente com essas diretrizes, o PNE - Proposta da Sociedade Brasileira colocou como uma de suas metas, a criação do FNE e dos Fóruns Estaduais e Municipais, com atribuições deliberativas de acompanhamento, avaliação e reorientação das políticas educacionais e de implementação do Plano Nacional de Educação, com a participação democrática da sociedade civil organizada e da sociedade política, com garantia de autonomia, orçamento e infra-estrutura” (Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, 2003). Duarte, MRT Página 18 A defesa da deliberação político educacional nos órgãos colegiados vis a vis com a presença de direção técnico executiva da educação escolar, tem duas implicações significativas em Anísio Teixeira. Em primeiro lugar, sua crítica à reforma administrativa empreendida sob a égide do DASP, em segundo lugar sua concepção para organização dos quadros de profissionais da educação básica. A formulação estabelecida para a autonomia dos sistemas de ensino pressupõe, em Anísio Teixeira, uma visão estratégica, capaz de articular a desconcentração do poder decisório e dos recursos necessários e a criação de uma nova estrutura regulatória nos órgãos centrais de execução da política educacional. Esta formulação foi-se explicitando ao longo de sua obra teórico/prática. Os conselhos como órgãos de gestão da res pública, foram propostos por Anísio Teixeira com o objetivo de impulsionar mudanças sociais no sentido da descentralização das relações de poder. Como organismos de administração municipal seriam capazes de incorporar esforços para aumentar o controle da sociedade civil [popular nos termos do autor] sobre recursos e o funcionamento das instituições escolares. Na década de 90 toma corpo na sociedade brasileira a formação de conselhos gestores, concebidos como instrumentos de participação periódica e planejada, ao longo de todo o circuito de formulação e implementação de uma política pública (Gohn, 2000). Na atualidade os conselhos gestores integram-se aos órgãos públicos vinculados ao Executivo, porém diversamente da proposta anisiana, fragmentam-se quanto as diferentes áreas de atuação no campo educacional e foram alijados de poder normativo e/ou deliberativo. A política governamental no campo educacional a partir da segunda metade da década de noventa incorpora atores organizados na gestão dos sistemas de ensino destacando apenas competências genéricas associadas à fiscalização e supervisão. A concepção de sistema em Anísio não é apenas a de um sistema burocrático estatal, a presença da noção - inicialmente difusa - de controle pelas forças sociais e seu detalhamento posterior, indica a importância de sua crítica em relação ao poder do Estado. Embora pronuncie que somente o Estado, com os seus recursos e os seus meios de ação Duarte, MRT Página 19 poderá levar a termo o empreendimento de organização das escolas, reafirma a liberdade de educação, como liberdade de oferta de serviços educacionais e gestão local autônoma. 1.3.2 Centralização como intervenção reguladora Nas décadas de 20 e 30 a heterogeneidade da rede escolar era percebida pela convivência de diferentes tipos de estabelecimentos de ensino primário, dando mostras de discriminação na sua própria organização. As modificações introduzidas para homogeneizar o diverso (Nunes, 1992: 166) podem ser sintetizadas em dois movimentos distintos. Uma ação de centralização pedagógica e administrativa voltada para a determinação de padrão(ões) mais uniforme(s) de educação escolar. Um movimento de homogeneização pela classificação das instituições e práticas escolares, com o objetivo de possibilitar a aferição comparativa de resultados. As diretrizes e medidas adotadas de reformulação dos órgãos centrais de administração expõem as características da centralização reguladora pretendida por Anísio Teixeira. O relatório apresentado em 1928, após a primeira viagem aos Estados Unidos, informava sobre suas primeiras idéias de centralização administrativa. Disperso como se achava o ensino primário, entre a administração estadual e as administrações municipaes, essas em numero superior a 140, as disposições da lei se tornariam fictícias si não se fizesse a unificação de todo o ensino. A escola publica, em paiz de organização democrática incipiente, deve ser a "escola única", mesmo em suas responsabilidades administrativas. Por outro lado, a nossa população não tem ainda a experiência social necessária para julgar as opportunidades educativas que o meio lhe oferece e, dahi a necessidade da regulamentação do próprio ensino particular (Teixeira, A. 1928) Em Educação e Democracia convivem a defesa apaixonada da autonomia do poder local e a descrição minuciosa das medidas adotadas para o reaparelhamento dos órgãos centrais de administração educacional. O argumento subjacente volta-se para a necessidade de um tratamento técnico/científico das questões educacionais, capaz de embasar decisões políticas. Seu texto, no entanto, revela uma preocupação de estabelecer nos órgãos centrais condições para a realização de estudos comparativos dos sistemas locais. Duarte, MRT Página 20 Nunes (1992) considera que todas as iniciativas de Anísio Teixeira: sinalizaram uma posição corajosamente combativa no campo de lutas pela extensão dos serviços educativos, o que remetia, mesmo contraditoriamente, para um movimento de redistribuição dos bens sociais. Porquê a contradição? Porque, ao mesmo tempo em que a gestão de Anísio Teixeira criava uma política de conjunto, centralizava os serviços educativos. Esta centralização reforçou a leitura da importância das iniciativas do Estado e, concretamente, facilitou o desmantelamento dos seus serviços com seu afastamento e o da sua equipe em 1935 (Nunes, 1992). As obras de Anísio Teixeira estudadas não apresentam um defesa ou mesmo a descrição de medidas adequadas à centralização dos serviços educacionais, nos moldes efetuados pelas concepçöes mais autoritárias. Contêm, entretanto, uma descrição pormenorizada das reformas empreendidas nos órgãos centrais capazes de dotá-los de capacidade para: orientar a política educacional do sistema, traçando, esclarecendo e consolidando os rumos e diretrizes gerais da educação pública: b) organizar e administrar o aparelho escolar, conduzindo-o, pela racionalização sistemática dos seus serviços e sua adequada instalação, ao melhor rendimento possível; c) assistir e guiar o professorado, estimulando, iniciativas, corrigindo desvios de orientação e promovendo o seu constante desenvolvimento e aperfeiçoamento (Teixeira, 1953: 112) A estrutura técnico-administrativa organizada na Bahia e no Distrito Federal é datada face às condições do período. Mas, sob a denominação genérica de serviços técnicos e administrativos, ele procede à reorganização política de toda a burocracia encarregada da administração escolar. Sua perspectiva atribui às instâncias burocráticas do órgão executivo de educação a coleta de informações para o controle público da gestão pedagógica e financeira dos sistemas de ensino, além de subsidiar o planejamento para o desenvolvimento do sistema. O tema da descentralização político administrativa, central no projeto de Anísio Teixeira, não conduz a uma fragmentação de sistemas locais díspares e isolados. Sua articulação provém, em primeiro lugar, das atribuições financeiras diferenciadas fixadas para os entes federados e do cumprimento de diretrizes gerais em todo o espaço político nacional. A escola primária seria, assim, federal, pelo cumprimento das diretrizes e bases federais, estadual, pela organização e pelo Duarte, MRT Página 21 magistério, cuja formação e licenciamento ficariam atribuídos, privativamente, aos Estados, e municipal, pela sua imediata direção e administração e, por tudo isto, nacional - brasileira. (...) A escola primária, embora uma instituição local, administrada por autoridades locais e regida por professores de nomeação local, será integrante de um sistema estadual de ensino, o qual, por sua vez, obedece a diretrizes e bases federais, e, como tal, integra um sistema nacional de educação. (TEIXEIRA, 1968: 56) Para o educador, a defesa intransigente de sistemas estaduais autônomos supõe a existência de um sistema escolar integral. A integração sistêmica é decorrência da noção de equivalência pedagógica entre etapas e modalidades de educação básica, enquanto que a diversidade decorre da influência exercida pelo espaço social local, aliada à autonomia política administrativa assegurada à unidade escolar. Estudos comparativos de sistemas autônomos de administração político pedagógica constituíram bases para intervenções reguladoras. As reformas empreendidas visavam dotar os órgãos centrais de critérios técnicos para o exercício de intervenções reguladoras, quando se fizesse necessário. O combate ao clientelismo dar-se-ia pela elaboração de um planejamento subsidiado em informações técnicas, o que não inviabiliza a negociação de pública de interesses, mas desfocava a tutela política e o trato patrimonialista. Em síntese, as concepções de Anísio quanto a descentralização político administrativa têm por contrapartida: - a distribuição de competências entre a União e os Estados, de forma a permitir a unicidade do sistema educacional fundada no princípio da equivalência pedagógica, estabelecida pela Constituição de 1946; - a existência de órgãos colegiados (Conselhos municipais, estaduais e federal) para as funções de educação e cultura promovidas pelo Estado, cujas deliberações decorrem das proposições de políticas formuladas no âmbito do poder executivo; - a ação reguladora do poder executivo encarregado de etapa ou modalidade de educação básica. - a provisão de recursos públicos de forma automática e permanente para as unidades escolares e sistemas de ensino - financiamento mediante fundos específicos - a formação comum do magistério e sua contratação pelo poder público local. Duarte, MRT Página 22 1.4 Organização do sistema público de educação básica: etapas e modalidades de ensino Ao comentar em “Educação para a Democracia”, sobre a educação pré-escolar (o termo é utilizado na acepção hoje corrente de educação infantil) o educador destacava sua importância, procedimentos adequados, condições que a produzem, porém em uma perspectiva de assistência integral a infância pré-escolar. Em decorrência afirmava: o problema da educação escolar põe tais exigências de recursos e de pessoal, que não poderemos ambicionar muito mais do que os atuais cinco anos, que em breve não chegarão para todos. Assim que os pudermos prolongar, deveremos fazê-lo cada vez mais para a frente, e não para os primeiros anos, quando a tarefa é mais difícil e de resultados menos seguros (Teixeira, 1953: 57) Educação elementar básica urbana e obrigatória, com cinco anos de duração, constituiu a base do sistema público de educação escolar para Anísio Teixeira (FIG. nº1, ANEXO I, p. 33). Uma atualidade sombria no texto anisiano ao argumentar quanto à insuficiência de recursos para expandir o atendimento público em educação infantil. Sem desconsiderar a importância de uma formação adequada à primeira infância, estabelece como prioridade de política pública a expansão e aprimoramento dos sistemas de ensino a partir da chamada, na época, educação primária elementar15. A educação infantil – hoje correspondendo a etapa de zero a seis anos – é destacada pela sua importância na formação dos indivíduos, mas a manutenção e desenvolvimento de instituições públicas adequadas é defendida como política assistencial com características de voluntariado. 15 Para Anísio Teixeira não se trata apenas da expansão quantitativa do sistema público elementar, mas de enfrentar, também, o grave problema da evasão pela adequação da escola a uma sociedade em transformação. o mal brasileiro é a falta de escolas, mas é também a própria escola existente. (Teixeira, 1953: 62). Nos textos da década de 60 a prioridade política ao ensino primário resultava em obrigação preferencial do poder público: estabelecer que os três governos da Federação ⎯ o federal, o estadual e o municipal⎯ devem dar prioridade a essa despesa compulsória com o ensino primário, e somente depois de atendido este é que podem realizar outras despesas com educação (Teixeira, 1961:3) Duarte, MRT Página 23 Seu sistema educacional compreendia da educação primária à universidade16, dele fazendo um poderoso eixo transformador no campo cultural e educacional que interfere na vida urbana e, ao mesmo tempo, produz conhecimentos sobre ela (Nunes, 1992). A defesa e o aperfeiçoamento das pré-escolas existentes, a criação de instituições experimentais de ensino constituem ações fundamentadas em um pragmatismo político, sendo seu projeto de sistema público lastreado no ensino primário de base urbana (FIG. nº1, ANEXO I, p. 33). A antinomia no projeto de sistema de ensino acha-se na proposta de desenvolvimento para as escolas rurais. O diagnóstico formulado reconhece a necessidade da universalização da educação escolar, porém "precisamos ter uma escola rural necessariamente diferenciada da escola que busca preencher essa função no meio urbano" (Teixeira, 1953: 80). O sistema integrado de educação escolar proposto por Anísio Teixeira, apresenta uma dupla base: escolas urbanas e rurais. Nestas, devido à escassez de recursos financeiros (...), à extrema ignorância da população adulta e o caráter primitivo de nossa vida (Teixeira, 1953: 82) às funções e organização das atividades escolares seriam diferenciadas.17 A defesa permanente, da expansão e desenvolvimento da educação pública elementar, inscreve o seu pensamento em contraposição a uma vertente política autoritária e elitizante18 (expressa também, pela Igreja e por setores do aparato de Estado). No entanto, a proposição de organização e funcionamento da educação rural - educação da maioria da população brasileira como ele mesmo reconhece no período - subordina o esforço de 16 Nunes 1992 inscreve a educação pré escolar no projeto de sistema nacional de ensino de Anísio Teixeira. No entanto, em sua obra verifica-se a permanência da posição defendida desde os anos trinta: de prioridade a educação primária elementar urbana e a expansão dos estudos posteriores. 17 Anísio Teixeira enumera as funções da escola rural e formas de organização para atingir os objetivos propostos. Destacamos a prioridade dada à alfabetização de crianças e adultos utilizando o espaço da escola no período noturno e às condições organizacionais estabelecidas para tanto. Embora a crítica de Anísio a uma escolarização voltada apenas para a alfabetização seja constante, em relação às escolas rurais considera: "A escola teria o objetivo imediato do ensinar a ler e a escrever, não somente às crianças, com também aos adultos. Essa leitura seria, porém, de aplicação direta a coisas da vida rural. Livros, publicações, informações úteis e práticas seriam distribuídas através da escola a toda a população” (Teixeira, 1969). 18 Rocha, 1995 contrapõe as obras de Anísio Teixeira e Francisco Campos com paradigmáticas de projetos de modernidade no campo educacional. Duarte, MRT Página 24 investimento na efetivação da igualdade de oportunidades escolares à exigüidade dos orçamentos públicos. Em segundo plano, mas não menos importante, sua proposta circunscreve o esforço político administrativo no campo da educação escolar àqueles setores ligados ao nacional-desenvolvimentismo de base urbano industrial. Rocha (1996) no posfácio a “Educação é um direito” destaca no pensamento de Anísio Teixeira um entendimento substantivo de democracia, que o leva atentar para a exigência de incorporação de todos os indivíduos em condições de igualdade, e não de forma seletiva como foi característico da cultura política de 1930 e considera ter o autor sido incansável na denúncia e na ação contra dualismo educacionais decorrentes de uma tradição de cunho elitista em nossa história, fortemente arraigada nas profundas desigualdades sociais que aqui vicejaram desde a colonização (Teixeira, 1953: 194-199) Tanto em “Educação para a democracia”, quanto nos relatórios produzidos após suas primeiras viagens, proposições sobre uma educação rural diferenciada coexistem com a defesa da importância do ensino primário comum. Os argumentos, apresentados nestas obras, pressupõem o espaço urbano como o lugar do moderno e o mundo rural como atraso19.A etapa terminal da educação básica, por sua vez, consistiria em escolas secundárias diversificadas. Um sistema de ensino secundário mais amplo e variado, no lugar de um tipo único e uniforme de escola. Além das diferenciações que proviriam da variedade de programas e cursos, defendida nas primeiras páginas deste capítulo, dever-seiam permitir, com a devida fiscalização, ensaios de seriações, de métodos, de planos de estudos, dando-se, assim, a cada escola uma autonomia que só lhe podia aumentar a vitalidade e o sentido de suas responsabilidades (Teixeira, 1953: 91). O combate à centralização efetuada pela União é manifesto nas propostas de Anísio Teixeira para o ensino secundário. Sua crítica à Constituição de 1934 retoma este tema 19 Não se trata apenas de uma concepção marcada pelas transformações das condições sociais, onde um projeto de classe ou frações é engendrado. A primazia que Anísio Teixeira atribui à educação primária urbana foi de encontro de uma posição política de autonomização do eleitorado urbano em relação à ordenação política alicerçada nas oligarquias rurais. Os resultados eleitorais do período de redemocratização do país demonstraram as conseqüências advindas desse processo. Duarte, MRT Página 25 defendendo uma função de legislação das diretrizes para a União – e de custeio e manutenção, incluídas as escolas secundárias, para os estados e municípios20. Educação escolar secundária diversificada – de acordo com as necessidades do meio – após um ensino primário comum. Esta assertiva contrapõe-se a uma formação humanista geral e a de cursos propedêuticos, predominantes no período. Pois, o atendimento às necessidades econômico-sociais, induziria as unidades de ensino secundário (atual ensino médio) a integrar a formação acadêmica com o domínio de procedimentos necessários às atividades de trabalho. Vale observar, também, que os conflitos que marcaram a organização do sistema público na Capital da República de ensino começam quando Anísio procura reformar o ensino secundário, transformando as antigas escolas profissionais em escolas técnicosecundárias, com uma organização inspirada nas “escolas compreensivas” norte-americanas. Nesse momento, ele teve de travar verdadeira batalha com as autoridades federais para que reconhecessem a validade dos cursos dessas escolas, sem a fiscalização direta do Ministério da Educação, e fosse autorizado o ingresso dos concluintes nos cursos superiores, mediante exame vestibular (Lemme, 1988: 139 apud. Fávero, 2.000). Coexistem semelhanças entre as formulações de Anísio Teixeira para o ensino secundário e as mudanças empreendidas após a EC 14/96. Se o projeto de Anísio, para a organização do ensino secundário, unificava as trajetórias de progressão no sistema publico de base urbana, simultaneamente com a diversificação da etapa final da EB, estabelecia, também, íntima conexão entre a expansão do sistema e o financiamento público. A prioridade política à universalização do ensino fundamental, explicitada após as Reforma Constitucional empreendida a partir de 1996, tem como efeito restrição ao atendimento em Educação Infantil e maior segmentação do ensino médio em profissionais e propedêutico. Este design institucional do sistema é inerente à lógica de formulação e implementação da política educacional liberal, também presente na atualidade. Tende para a universalização de um patamar básico – o ensino fundamental de oito anos hoje, o ensino primário urbano no contexto dos anos 30 – gerando seletividade meritocrática, e não 20 Ver Teixeira, 1953: 235 Duarte, MRT Página 26 exclusão tout court, nas demais etapas da EB21. O design anisiano, entretanto, ao priorizar a ampliação do financiamento estatal e controle público especialmente nos espaços urbanos, projetava a institucionalização de um sistema educacional cuja etapa terminal indicava na diversidade uma formação comum para estudos posteriores e para o trabalho. 1.5 Verbas públicas para escolas públicas: o financiamento da educação básica A concepção de Anísio Teixeira orienta-se por um projeto integrado de financiamento, onde coexistem recursos federais, estaduais e municipais22. Estes recursos destinam-se a compor fundos específicos - uma idéia presente desde a década de trinta e permanente em sua obra: A grande reforma da educação é assim, uma reforma política, permanentemente descentralizante, pela qual se criem nos municípios os órgãos próprios para gerir os fundos municipais de educação e os seus modestos mas vigorosos, no sentido de implantação local, sistemas educacionais(...)Primeiro que tudo teremos criado com o novo plano cerca de três mil unidades administrativas escolares em todo o país, que tantos são os municípios, com os seus conselhos de administração escolar, representativos da comunidade, paralelos aos conselhos municipais ou câmaras de vereadores, com poderes reais e não fictícios de gestão autônoma do fundo escolar municipal e direção das escolas locais. (Teixeira, 1957: 56-61) A gestão do fundo escolar por Conselhos locais é diretamente inspirada na experiência americana. Porém a composição deste fundo público, para Anísio Teixeira, decorre de uma percepção fruto de sua perspectiva sobre a situação do país. Esta posição fundamentou o princípio geral de financiamento da educação com base em fundos públicos originários de recursos vinculados. O Estado – União, estados e município - teria um papel a 21 Cohn (1998: 105) afirma a presença desta lógica na formulação e implementação das políticas sociais a partir dos procedimentos de Reforma do Estado implementados nos anos 90. 22 Anísio Teixeira explicita as vantagens dessa opção face as desvantagens do localismo: a escola primária, embora uma instituição local, administrada por autoridades locais e regida por professôres de nomeação local, será integrante de um sistema estadual de ensino, o qual, por sua vez, obedece a diretrizes e bases federais, e, como tal, integra um sistema nacional de educação Além isto, a escola primária será mantida com recursos municipais, estaduais e federais podendo cada um dos três poderes exercer, pelas condições do financiamento, sua influência na escola (Teixeira, 1968: 56) Duarte, MRT Página 27 desempenhar na manutenção e desenvolvimento de um sistema de educação comum no país, visto a impossibilidade das forças sociais arcarem esses cursos, devido as desigualdades sociais e regionais. Como, porém, a organização das escolas se tornou um empreendimento tão vasto, tão complexo e tão custoso, que só o Estado, com os seus recursos e os seus meios de ação, pode levá-lo a bom termo, decorre daí a necessidade de ser o Estado quem deve, por coerência com o regime democrático, abrir mão do governo da educação, para conservar, tão somente, sobre a mesma o direito de lhe defender a liberdade e a imparcialidade (TEIXEIRA, 1953). A defesa intransigente da necessidade de vinculação de recursos tributários à manutenção e desenvolvimento do ensino para todos os entes federados harmoniza-se com a postura de luta por maior autonomia local e descentralização político administrativa, pois a competência deliberativa dos conselhos municipais na aplicação dos recursos contribuiria para maior integração das escolas com a sociedade local. O financiamento da educação escolar deveria provir basicamente desses recursos, mas Anísio Teixeira não descartava o pagamento privado não compulsório pelos serviços prestados ou mesmo contribuições voluntárias. Em sua concepção estas possibilidades expressam o comprometimento dos indivíduos para com a educação primária de qualidade. Em “Educação para a democracia” e “Educação não é privilégio”, os recursos constitutivos do fundo público teriam como destino as necessidades extraordinárias do serviço escolar, enquanto que a manutenção das atividades rotineiras far-se-ia por meio da vinculação no orçamento ordinário da educação pública. O critério para definição do montante necessário foi fixado por Anísio Teixeira tendo por base uma determinada quantia por criança escolar recenseada.(Teixeira, 1957: 206). Esta proposição difere da associação efetuada entre custo e gasto por aluno na Lei nº 9424/96 (§1º art. 6º, ver, ainda Bassi, 1996). Em “Educação é um direito” as proposições anteriormente anunciadas adquirem maior precisão conceitual. O direito à educação obriga os entes federados a uma responsabilidade solidária para com o financiamento do esforço comum. Os recursos vinculados passariam a constituir fundos de educação a serem administrados localmente pelos Conselhos. As Duarte, MRT Página 28 medidas de distribuição dos recursos vinculados ao fundo escolar continham pressupostos que possibilitavam ao poder central o exercício de intervenções reguladoras. Para Anísio Teixeira (1968: 56) a distribuição dos recursos vinculados dar-se-ia com base num regime de quotas parte do custo-padrão de educação para cada aluno. Os elementos constitutivos desse custo seriam 1) vencimentos, salários e despesas com o professorado, 2) despesas de administração, compreendendo supervisão e serviços, 3) biblioteca e material de ensino 4) serviços de assistência, alimentação e saúde do aluno, e 5) equipamento e prédio escolar. (...)Para se achar o custo-padrão por aluno-ano, proceder-se-ia de acôrdo com o seguinte: A) despesas com o professorado, baseadas, em cada local, no salário mínimo vigente, e que constituiriam 55% do custopadrão; B) outras despesas, acima enumeradas, que representariam os restantes 45% do custo-padrão (Teixeira, 1968: 57-58). Diversamente da opção atual, em Anísio Teixeira a adoção do custo aluno padrão foi justificada pelo reconhecimento da existência de custos fixos, irredutíveis face as variações de caixa dos recursos. A variedade do custo-padrão era considerada face a diferenças regionais, mas sua fixação estabeleceria o patamar mínimo para aporte dos recursos suplementaraes estaduais ou federais23. Este procedimento constante na formulação anisiana reconhece por um lado a existência de desigualdades na capacidade de financiamento dos municípios e aponta para uma ação suplementar redistributiva da União e/ou dos estados subnacionais. Sua sistemática de financiamento procura contrabalançar as exigências de um custo mínimo por aluno ano com as desigualdades regionais de recursos. Neste sentido, a aposta política implícita é a da regularização e permanência de recursos públicos para a educação escolar e melhoria da eficácia através do controle efetuado por Conselhos locais. 23 Duarte & Teixeira (1999) afirmam que Anísio Teixeira concebe a ação supletiva da União pela existência de escolas modelo. Esta concepção presente nos debates da década de 50, quando da elaboração da Lei de Diretrizes e Bases, foi complementada com a sistemática de financiamento que previa aporte de recursos estaduais e federais para o âmbito local. Duarte, MRT Página 29 A obrigatoriedade do financiamento estatal associa-se com as competências deliberativas e de fiscalização dos Conselhos estaduais e /ou locais e as atribuições técnico avaliativas dos órgãos centrais de administração educacional. Aos primeiros as ações empreendidas objetivavam, nos termos de Anísio, zelar pelo bom uso do recurso desde a definição de sua alocação até o momento da prestação de contas. Em termos atuais, sua formulação institucional visava assegurar accountability e responsiveness na gestão educacional contrapondo a atuação dos Conselhos, a ação técnica dos executivos de avaliação da eficácia. Esta por sua vez, orientadora de ações supletivas e redistributivas das demais instâncias governamentais24. 1.6 A tradição desafortunada: a ampliação do escopo de negociação política Anísio Teixeira formulou, para este país, um projeto político administrativo de institucionalização do sistema público de educação básica, em contraposição à reforma administrativa implementada pelo DASP e diverso da concepção política autoritária de Capanema e Campos. Ele estabeleceu diretrizes políticas gerais e desenhou arranjos institucionais necessários para a universalização do sistema público de EB, moldado na autonomia e diversidade. Para além dos interesses imediatos de classes ou frações o pensamento político educacional de Anísio Teixeira destacou a reflexão sobre a materialidade de instituições que possam assegurar o respeito e a efetividade do direito à educação. Para a transformação deste direito proclamado em bem material comum desdobrou-se numa constelação de lutas que marcaram sua trajetória de vida. A vasta bibliografia existente a seu respeito revela os momentos, atores e processos de lutas empreendidas pelo educador. No entanto comparar os resultados historicamente alcançados e os proposições em implementação na atualidade desnuda os limites da modernização efetuada nos sistemas de ensino e nos termos de Francisco de Oliveira (1998), o atraso de nossas atuais vanguardas 24 Sobre a concepção de ação supletiva da União em Anísio Teixeira, ver Duarte & Teixeira (1999). Duarte, MRT Página 30 No contexto das décadas de 50 e 60, a obra teórico-prática de Anísio Teixeira propunha o crescimento do sistema público de EB no país, sua gestão descentralizada e procedimentos de financiamento capazes de articular as aspirações e lutas do povo, diríamos na atualidade, os movimentos da sociedade civil, com uma organização e funcionamento sistêmico. Em sua formulação as estratégias para tornar os agentes políticos sensíveis às reivindicações populares tensionam com procedimentos político-administrativos que orientam a prestação dos serviços educacionais pelo Estado. Encontramos na sua obra uma formulação institucional que contempla por um lado, a defesa da democratização do aparato estatal pela presença de atores sociais com atribuições deliberativas e, por outro lado, da autonomia relativa de organização e funcionamento do sistema público frente a grupos organizados, pela definição de relações intergovernamentais de financiamento que normatizam intervenções reguladoras. Existe um posicionamento comum entre Anísio Teixeira e Paulo Freire no início da década de 60: o reconhecimento da inadequação do quotidiano da escola primária brasileira. Verborrágica, memorizadora, domesticadora, burocrática são adjetivos, que procuram traduzir um quotidiano escolar despido de criatividade e novidade. Acresce a esta aproximação entre os dois educadores um diagnóstico que, por sua vez, legitima a exigência de reformas voltadas para o combate à repetência, evasão e melhoria da qualidade do ensino. No entanto, Freire inscrevia, no período, suas críticas a Anísio Teixeira, precisamente quanto às medidas sugeridas para sanear estes problema25. Em que pese a seriedade dos estudos feitos e a honestidade com que se trataram os problemas, não nos parecem suficientes os reparos propostos como medidas saneadoras, o “ordenamento” das matriculas nas escolas primárias e a maior flexibilidade do sistema de promoções de uma série para outra. A que juntou ainda a comissão acertadamente sugestões em torno do melhor preparo do pessoal docente (Freire, 1961: 23). 25 Ver Freire, 1961. As críticas são dirigidas às propostas da comissão encarregada de apresentar à presidência da República sugestões no campo educacional. Diferentes autores consideram que a ação dirigente de Anísio Teixeira neste período influenciou os resultados dos trabalhos desta Comissão. Duarte, MRT Página 31 A crítica de Paulo Freire fundamentava-se no que lhe parecia ser solução meramente administrativa e paliativa. ao invés de continuarmos a "plantar" escolas ou unidades pedagógicas sem vinculações sistemáticas e estreitas entre si e com sua localidade, deveríamos tentar experiências de integração da escola em sua comunidade local. (Freire, 1961:26) As condições sociais subdesenvolvidas, segundo Freire, eram impeditivas de uma escola verdadeiramente nacional - e por conseqüência de um sistema de educação popular. Sua perspectiva redireciona politicamente as reformas para uma ação do poder público no sentido de coordenar esforços diversos. Seria interessante, um trabalho deste que o poder público criasse unidades pedagógicas ajustadas às condições do meio e cuja localização, devida e previamente estudada, lhes proporcionasse a tarefa de dentro de uma cadeia de outras agências populares que funcionaria como seus satélites. Estes centros, relacionando-se sistematicamente com as demais agências de sua área - as que mantivessem ou não escolas primárias - funcionariam como testemunho de um orgânico trabalho pedagógico (Freire, 1961: 26). O contraponto que Freire procurava estabelecer consistia na articulação entre o poder público e a cultura do povo26. A critica iniciada desenvolvida por Freire em 1961, fundamentava-se numa perspectiva teórica, que enfatizava o caráter socialmente determinado dos conteúdos e processos educativos nas escolas. Apoiando-se em diferentes referencias críticos ao pensamento liberal, Freire (1961) desfocou a importância de temas ligados a institucionalidade política necessária a efetivação dos direitos. Sua ênfase achava-se posta, no período, na formulação de uma concepção de educação escolar vinculada ao desenvolvimento da cultura popular. Na obra de Anísio Teixeira, a nosso ver, a ênfase nos procedimentos político administrativos necessários à gestão dos sistemas educacionais pressupunha a crítica a modernização conservadora do aparato do Estado, como mediação para o desenvolvimento da cultura popular. 26 A polissemia do termo tem sido analisada por diferentes estudos de sociologia educacional. Destacamos dentre eles Chauí, 1979 por relacionar à noção seus vínculos com o autoritarismo. Duarte, MRT Página 32 Ao criticar a dicotomização dos termos modernização e democracia, Cury (1993:62) afirmava: estamos diante do desafio de encontrarmos formas efetivas e concretas de uma administração pública que seja eficiente, e com isto dê à educação uma qualidade diferente, e democrática, e com isso se possa otimizar os recursos repassados com transparência e controle [publico, acrescentamos]. Neste sentido, ao analisarmos a configuração do sistema público de educação básica no país buscamos suporte na historia do pensamento educacional com o objetivo de aquilatar alternativas e suas conseqüências. Anísio Teixeira projetou em sua obra um arranjo institucional para o sistema público de educação básica no país, o debate necessário que nos desafia, relaciona-se aos elementos de configuração do sistema e suas conseqüências sobre a prestação de serviços capazes de efetivar direitos, para além da situação de mercado. Duarte, MRT 2. Políticas sociais, descentralização e regime de colaboração O Brasil foi postergando essa questão e até hoje não conta com um sistema de ensino organizado em âmbito nacional. Em decorrência, o déficit foi se acumulando e neutralizando os esforços parciais que se fizeram ao longo dos últimos cem anos. (...) Com efeito, o sistema instalado e em pleno funcionamento implica a universalização não apenas do acesso, mas da permanência e da conclusão (SAVIANI, 1997: 6-7) A década de 90 e a hegemonia de uma ideologia que associa escolarização/ empregabilidade/competitividade produziram indagações quanto às bases de sustentação político institucional de propostas que defendem a educação básica como direito de todos. Como se organizam os serviços públicos que efetivam este direito? A resposta a esta questão requer o detalhamento de um conjunto de instituições, suas funções e relações que, por interdependência, moldam as possibilidades de acesso e gozo do direito à educação. A reordenação do sistema educacional, por sua vez, se fez e se faz no interior do processo de reforma das políticas sociais. Uma nova articulação veio se esboçando entre as políticas econômicas e sociais desde a última década, desenhando um novo perfil de sistema de proteção social. As políticas sociais tornam-se cada vez mais não só reféns das diretrizes macroeconômicas, mas num movimento paradoxal, elas em si vêm se constituindo como fonte potencial de poupança para o setor privado ou como um novo mercado de investimento privado1 (Cohn, 2000). Nesta perspectiva, a transferência de atribuições e responsabilidades de gestão da União para os demais entes federados envolve, além de objetivos de maior eficiência e eficácia, a articulação dos recursos disponíveis nos fundos públicos locais com empreendimentos privados diversos geradores de valor. Mas, neste mesmo contexto e, especialmente no Brasil, é requerido às políticas públicas o preenchimento de sua dupla função no tratamento da questão social: a gestão do trabalho e 1 As políticas sociais, mesmo quando propostas como universais, tendem para a universalidade de um patamar básico de acesso aos serviços sociais, gerando seletividade nos níveis mais complexos de serviços sociais nos distintos setores (Cohn, 1998: 105) Duarte, MRT Página 34 os cuidados com a pobreza. A centralidade que a Educação Básica adquire no conjunto das políticas sociais passa a ter por objetivo o preenchimento de duas funções distintas, porém complementares: formar para a empregabilidade e para a integração social (Oliveira, 2000). A reforma político administrativa do aparato estatal de prestação de serviços sociais desenvolvida na segunda metade da década de noventa, incluído o sistema educacional, orienta-se para a readequação da máquina estatal as necessidades relacionadas com a geração de poupança para o setor privado, fortalecimento de novos nichos de mercado, simultâneamente, com a certificação de habilidades e competências individuais (empregabilidade) e integração social (assistência aos pobres e/ou excluídos). Em síntese, a racionalidade política que preside os processos concretos de reorganização político administrativa do sistema educacional orienta-se para o enfrentamento dos obstáculos à compatiblização dessas funções. Como modernizar o "velho aparato burocrático" para o exercício de suas funções em decorrência das transformações econômicas e sociais? No campo administrativo, as contradições reformistas entre os velhos procedimentos e novas formas de atuar adquirem uma dimensão formativa mais aguda. Trata-se de instaurar novas relações entre sujeitos no interior de instituições forjadas em contextos diferentes. Os problemas do desenho institucional apropriado do sistema educacional público provêm do arranjo de financiamento adequado ao preenchimento dessas funções contraditórias (econômicas e sociais), simultaneamente, com a manutenção do aparato burocrático (normativo e de procedimentos) pré-existente. Descentralização político-administrativa adquire, por essas razões, uma dimensão estratégica mais aguda. Arretche (2000) ao indagar sobre a emergência de um novo desenho institucional para as políticas sociais no Brasil, que teria ultrapassado o modelo centralizado previamente existente, afirma: ...em um processo de reforma do Estado no qual se reconfigura o desenho institucional de um modelo nacional de prestação de serviços sociais, sob um Estado federativo, com marcadas diferenças regionais e dotado de uma esmagadora Duarte, MRT Página 35 maioria de municípios fracos, a capacidade fiscal e administrativa das administrações locais influi no processo de reforma; mas estas variáveis não são determinantes em si mesmas. Seu peso varia de acordo com os requisitos postos pelos atributos institucionais das políticas que se pretende descentralizar, vale dizer, dos custos operacionais implicados na sua gestão, das dificuldades à transferência de atribuições derivadas do legado das políticas prévias e das prerrogativas legais estabelecidas constitucionalmente (Arrechte, 2000: 73) No entanto, conclui a autora, políticas efetivas de reforma, que instituam estratégias duradouras de indução capazes de compensar obstáculos estruturais à descentralização, são fatores decisivos para o redesenho institucional das políticas sociais. Este viés analítico redimensiona a importância dos procedimentos de formulação e implementação das políticas sociais para a consecução dos resultados pretendidos, mas subsumiu as determinações estruturais dos procedimentos engendrados. Que medidas descentralizantes melhor respondem as exigências de exercício das funções contraditórias estabelecida para as políticas sociais? Arrechte (2000) demonstrou o papel determinante de estratégias de indução – compreendidas pela existência de programas ativos de transferência de atribuições e pela formulação de um desenho institucional capaz de produzir incentivos à assunção de novas tarefas - conduzidas por parte do nível de governo interessado na descentralização. A autora selecionou para estudo, em relação à educação escolar, a municipalização das redes de ensino fundamental e alguns dos programas conduzidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação do MEC (FNDE), para testar a importância relativa das estratégias de indução e a possibilidade de emergência de iniciativas descentralizadas na ausência de uma política ativa nesta direção (Arrechte, 2000: 23-74). Acrescentamos, no entanto, que a descentralização das políticas sociais, para além da obtenção de ganhos de efetividade, eficácia e eficiência têm por objetivo compatibilizar funções contraditórias. Alcançar este objetivo constituiu um atributo sistêmico, para a qual concorreram por ações e práticas diferenciadas suas partes constitutivas: os diferentes sistemas de ensino. Duarte, MRT Página 36 2.1 Regime de colaboração, descentralização e autonomia dos sistemas de ensino No Brasil, um duplo resultado do ciclo nacional-desenvolvimentista autoritário acha-se por um lado, na crise fiscal do Estado e por outro na urbanização da vida quotidiana. A introdução de medidas indutoras de descentralização, especialmente a partir do governo FHC, ocorreu em um contexto onde o Estado Central procurou transferir atribuições que desonerassem o custo dos serviços prestados e recompor sua capacidade de promover investimentos produtivos2. Ao mesmo tempo, os problemas derivados da gestão de serviços sociais em grandes centros urbanos potencializaram-se em face da organização da sociedade civil, das dimensões das populações a serem atendidas e da restrição/ineficácia de gestão do fundo público3. TABELA 3 Evolução percentual da população residente Ano Urbana Rural 1960 1970 1980 1991 1996 2000 Brasil 45% 56% 68% 76% 78% 81% Minas Gerais Brasil 40% 55% 53% 44% 67% 32% 75% 24% 78% 22% 82% 19% Minas Gerais 60% 47% 33% 25% 22% 18% Fonte: IBGE No mundo inteiro e no Brasil (TAB nº 3), a maioria da população vive atualmente em centros urbanos que devem oferecer os serviços básicos que ela precisa e espera receber. Dentro de um quadro de relativa escassez de recursos, partidos de esquerda ou de direita, ocupando poder decisório nas instâncias municipais, vêem-se frente à construção de alternativas para enfrentar os mais variados problemas no nível local. A revalorização dos governos locais na América Latina guarda sua origem, simultaneamente, nos processos de redemocratização impulsionados a partir do final da década de setenta e na reestruturação 2 Diferentes autores destacam que no decorrer do processo de redemocratização e com a aprovação da Constituição Federal em 1988 ocorreu significativa elevação da receita dos governos estaduais vis a via a da União, sem que ocorresse redefinição das atribuições correspondentes. Superar este desequilíbrio constituiu um dos desafios a serem enfrentados pelas políticas de reforma no decorrer dos anos 90 (Afonso, 1995; Abrucio, 1999; Arrechte, 2000). 3 Hobsbawm (1995) considera que o vertiginoso processo de urbanização ocorrido ao longo do século XX, alterou significativamente as expectativas da sociedade em relação às tarefas do Estado. No Brasil, a urbanização acelerou o seu ritmo especialmente após a segundo metade do século. Duarte, MRT produtiva por Página 37 que passa a economia capitalista desde este período. Esta revalorização/reestruturação produz, por sua vez, um duplo movimento: por um lado.a redefinição das bases de intervenção do Estado na esfera social e, por outro, as mudanças organizacionais e de gestão no setor público. Essa tendência de revalorização é acompanhada, ainda, por nova sistemática de relacionamento entre os setores público estatal, público não governamental e privado (Santos, 1999). Formas de tratamento das questões afetas ao poder local como educação, saúde, transporte público e habitação defrontam-se com questões de eficiência, eficácia, efetividade simultaneamente aos desafios do exercício da cidadania. Propor novas formas de fazer política e de administrá-las não se restringe à universalização dos serviços prestados, mas requer também avaliar o exercício do poder de decidir e sua partilha (Fachin & Chanlat, 1998: 15-19). É necessário avaliar, também, as restrições impostas à autonomia dos governos locais, que não se limitam apenas a fatores financeiros e econômicos. Este estudo tem por premissa a importância da autonomia política dos governos locais4 para o desenvolvimento da democracia, embora nem sempre concepções de descentralização político administrativas contenham em si soluções democráticas (Groisman, apud. Fachin & Chanlat, 1998: 11). Esta noção de autonomia destaca a importância da iniciativa, da capacidade decisória, institucional e técnico-administrativa presentes na esfera governamental, possibilitando a elaboração e implementação de um projeto político-pedagógico que contemple as necessidades e a cultura local. Desse modo, as possibilidades de autonomia dos sistemas municipais de ensino têm expressão na formulação de um projeto político-educacional dos governos locais em colaboração com as demais instâncias da federação. 4 Souza & Blumm (1999: 58) conceituam autonomia política dos governos locais como a capacidade de definir e implementar uma agenda política e de políticas públicas própria, mesmo que minimamente. Distinguem-no, por sua vez, do conceito de autonomia política local. Este busca investigar a capacidade das elites dirigentes de perseguir, nos territórios locais, seus objetivos sociais, econômicos, políticos e administrativos . Duarte, MRT Página 38 A perspectiva da análise deste capítulo envolve o tipo de autonomia dos sistemas de ensino engendrada pós 96. Sem uma perspectiva ingênua de sempre valorizar de forma positiva o movimento de descentralização/maior autonomia das instâncias subnacionais, pretende-se destacar a natureza essencialmente política das relações entre os sistemas de ensino como forma de expandir o atendimento em Educação Básica, capaz de efetivar a ampliação do acesso e igualdade de oportunidades. No entanto, o tipo de autonomia dos sistemas de ensino, além da efetivação de medidas de descentralização político-administrativa, acha-se circunscrito por determinações estruturais da realização do fundo público que efetivam a estrutura e funcionamento do sistema educacional no país. Inicialmente, indagamos, como as relações intergovernamentais de descentralização/recentralização respondem à efetivação de funções contraditórias postas às políticas sociais. A configuração do sistema nacional de Educação Básica, com a aprovação da Emenda Constitucional n.º 14/965, tem como referência o movimento de descentralização/recentralização ocorrido a partir dos anos 90 e as possibilidades de autonomia político-pedagógica6 dos sistemas municipais. Privilegia-se a análise das relações entre as sistemáticas de financiamento público e a capacidade de decidir e 5 Em 1995, a Câmara dos Deputados recebeu do Presidente da República a Mensagem nº 1.078/1995, contendo a Proposta de Emenda Constitucional – PEC – que recebeu o número 233. A formulação desta proposta pelo Executivo remonta ao documento intitulado “Plano de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério”, divulgado em setembro de 1995 pelo MEC, que apresenta uma proposta geral - ou o que chamou de uma “política esclarecida” - para reformar todo o sistema de ensino. A proposta envolvia três aspectos: alterações na CF/1988 e na legislação educacional a fim de dirigir os recursos de forma mais eficiente, estabelecimento de parâmetros nacionais para a carreira e a remuneração do magistério, e reorientação da ação do MEC de forma a fortalecer o papel redistributivo e supletivo da União (Oliveira, 2001:2) grifo meu. 6 A autonomia político pedagógica explicita a intencionalidade das ações educativas no âmbito do sistema de ensino. Concepções de educação, de escolaridade, da relação ensino/aprendizagem, de avaliação etc, são elaboradas e sistematizadas em uma proposta de natureza político-educativa. Este projeto expõe tanto o que o sistema já é quanto o que ela poderá vir a ser, a partir das ações dos seus atores. Constitui um instrumento específico de planejamento educacional por articular proposições de ordem pedagógica com recursos institucionais, administrativos e financeiros. Duarte, MRT Página 39 implementar políticas, com o objetivo de analisar as relações intergovernamentais e a autonomia dos governos locais. Descentralização político-administrativa constitui neste estudo um dos elementos para a análise da re-estruturação do sistema público de educação básica entre os entes federados. O termo não é indicativo de um objetivo a ser alcançado, mas aponta para um dos componentes da relação entre os entes governamentais em uma federação. À inovação política posta pela Constituição de 1988 para as municipalidades efetiva-se com capacidade fiscal, técnico-administrativa e decisória, com a elaboração de programas cujo desenho institucional favoreça o desenvolvimento de relações compartilhadas (regime de colaboração) e, ao mesmo, tempo promovam condições de enfrentamento das funções estruturais das políticas sociais no país. A reflexão sobre estas questões foi dimensionada neste capítulo à estratégia de indução (processo normativo e programas de financiamento público) que possibilitou ampliar a descentralização do atendimento (em face de atributos estruturais, Arrechte, 2000). Para tanto, procuramos inicialmente identificar como a noção de autonomia dos governos locais foi realizada, especialmente por setores e entidades da sociedade civil que promoveram/promovem a redemocratização do país, para em seguida diferenciar os espaços de autonomia dos governos locais nas atribuições fixadas para o sistema público de educação básica. 2.2 Relações intergovernamentais e regime de colaboração 2.2.1 Sistemas municipais de ensino e autonomia política do governo local A descentralização político-administrativa empreendida desde a Constituição de 1988 nas políticas sociais, – em especial nas áreas de educação e saúde –, demonstra que a Reforma do Estado têm repercussão significativa nas relações entre União, Estados e Municípios. Em muitos países os resultados gerais das reformas não apontaram para a constituição de um Estado mínimo, mas sim para a reconstrução da forma de intervenção e gestão do aparelho estatal. Cortes ocorridos no poder central foram contrabalançados pelo crescimento no nível local, especialmente, na prestação dos serviços sociais (Abrucio, 1999: 164). Duarte, MRT Página 40 A Constituição Federal de 1988 ampliou a faculdade de governar-se dos municípios no Brasil. Estes foram promovidos à condição de entes federados e dispõem, no campo educacional, de relativa soberania. Observadas as diretrizes gerais estabelecidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional7, os sistemas estaduais e municipais de ensino dispõem de autonomia normativa e político-administrativa para estabelecer prioridades, definir procedimentos e alocar recursos. Esta autonomia, no entanto, vem-se construindo sobre a herança político-administrativa do ciclo autoritário-desenvolvimentista. Trata-se de um alto grau de desigualdade material e institucional existente entre os sistemas de ensino vis a vis uma homogeneidade de organização pedagógico-curricular das unidades escolares regulares em todas as regiões do país8. O texto da atual Lei de Diretrizes e Bases opera um duplo movimento em relação à autonomia político-educativa dos sistemas de ensino: possibilita à União, aos Estados e Municípios a livre organização de seus sistemas de ensino (§ 2o., art. 8) e estabelece, apenas para os municípios, a atribuição de integração de seus órgãos e instituições oficiais às políticas e planos educacionais da União e dos Estados (inc. I, art. 11). Mas, a Lei da educação nacional assegura, ao mesmo tempo, liberdade de organização aos sistemas de ensino (§ 2º, art. 8º) desde que observadas suas disposições. Atribui, ainda, à União e aos estados subnacionais a possibilidade de elaborar políticas e planos educacionais inclusive para o âmbito local (inc. 1º, art. 9º e inc. III do art. 10), desde que seja respeitado o regime de colaboração. Aos estabelecimentos de ensino, a LDB de 1996, autorizou a elaboração de sua proposta pedagógica (inc. 1, art. 12) com a participação dos docentes (inc. II, art. 13 e inc. I do art. 7 A atual LDBEN (n°.9394/1996) foi considerada por diferentes analistas como propiciadora de maior flexibilidade político-administrativa e concisa quanto a regulação nacional do sistema educacional (Cury, 1997; Saviani, 1998a,b). 8 A este respeito comenta Arretche: (...) foi um Estado dotado destas características [com relações intergovernamentais próprias aos Estados unitários] que consolidou o sistema brasileiro de proteção social (...) e moldou uma das principais características institucionais do sistema brasileiro: sua centralização financeira e administrativa. (...) As fatias federais da oferta do ensino fundamental eram diretamente formuladas, financiadas e implementadas por agências do governo federal (Arretche, 2000: 47) Duarte, MRT Página 41 14). No entanto, é negligente quanto à existência de um plano educacional e/ou projeto pedagógico dos sistemas municipais de ensino, apesar de assegurar-lhes a possibilidade de se organizarem em sistemas autônomos. Omissa quanto à necessidade de elaboração de políticas e planos locais de educação, no entanto, a Constituição Federal e a atual LDB ressaltam a integração entre os sistemas locais, estaduais e a União mediante regime de colaboração. Esta ambigüidade dos textos legais decorre da presença de forças sociais favoráveis à autonomia político-educacional dos sistemas de ensino estaduais e municipais e outras promotoras de maior centralização e/ou subsidiariedade. 2.2.2. Polifonia de vozes e hibridismo jurídico-político A associação entre democratização e descentralização esteve fortemente presente no ideário político do período compreendido entre 1982-1992 (Kugelmas & Sola 2000: 69) e foi transposta para o texto constitucional. A centralização político-administrativa, por sua vez, constituiu um dos principais alicerces do modelo político dos períodos autoritários e a base histórica de organização do sistema público de educação no país. Martins (2001) ao comentar a descentralização como eixo das reformas do ensino destaca as ambigüidades presentes no uso do termo e sentido político da fusão do termo com a noção de autonomia da escola. Os processos de descentralização político-administrativa possuem características estruturais e institucionais distintas em cada formação social. As concepções de descentralização forjadas no países capitalistas centrais destacam a importância da autonomia da escola compreendida como uma estratégia de promoção de maior interação entre o aparato estatal de educação escolar e uma sociedade civil, cada vez mais complexa. Nesses países, via de regra, cabe ao Estado prover o sistema de escolas, estabelecendo uma regulação ex post pela via das avaliações sistêmicas. Nos países semi-periféricos, em um contexto agravado pela crise fiscal do Estado, a autonomia da escola configura a possibilidade de buscar recursos próprios, em uma relação de “quasi-mercado” pelo estabelecimento de parcerias com o setor privado (Martins, 2001) O caráter híbrido da atual LDBEN brasileira é decorrência de seu histórico de tramitação. Formulado inicialmente como projeto do Legislativo, com forte influencia de segmentos Duarte, MRT Página 42 organizados da sociedade civil, seu texto sofreu a superveniência de outra proposta delineada a partir da definição do projeto político a ser implementado pelo governo federal eleito em 1994. Aos mecanismos de descentralização presentes no texto da LDB foram, também, sobrepostos instrumentos potenciadores de recentralização (Cury, 1997 e Vieira, 1998). Há uma transferência de responsabilidades ainda que se mantenha a figura de deveres compartilhados, seja por delegação, seja por cooperação, seja por clareamento de atribuições. Neste caso podese falar em descentralização. Os municípios devem assumir responsabilidades cada vez maiores face ao ensino fundamental e os estados com o ensino médio. Ambos são reconhecidos como sujeitos de sistemas de ensino (Cury, 1997: 98). A LDB descentralizou para os governos locais a elaboração de normas complementares ao seu sistema de ensino e relativas à gestão democrática (inc. III do art. 11 e art. 14). Constituiu, também, como prerrogativa de autonomia dos sistemas, a definição de parâmetros adequados de atendimento (art. 25, LDB). Observadas as diretrizes nacionais estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação, cabe, ainda, aos sistemas de ensino estabelecer critérios para a seleção de conteúdos e experiências curriculares compondo parte diversificada das propostas curriculares nas diferentes etapas e modalidades da EB. Liberdade de organização e normatização dos procedimentos de gestão constituem competências institucionais, que conferem a estados e municípios maior autonomia política aos municípios no campo da educação escolar básica. Neste sentido, o texto polifônico (Cury, 1997) da Lei de Diretrizes e Bases de 1996 configurou diretrizes jurídico-políticas, que apontam, simultaneamente, para a ampliação da autonomia da escola, para a formulação de planos ou projetos político-educativos dos sistemas de ensino e para uma integração intersistêmica mediada pelo regime de colaboração. Este termo polissêmico, por sua vez, já previsto no texto constitucional como mecanismo de relação intergovernamental no campo da educação, é explicitado pela ação da complexidade de fatores estruturais e institucionais intervenientes no sistema público de educação básica no país. Duarte, MRT Página 43 Em síntese, a Lei complementar da educação nacional é expressão do movimento político de reestruturação das bases de intervenção do Estado. A ênfase político-ideológica nas virtudes da descentralização e a maior autonomia constitucional dos municípios como entes federados, presentes no início de sua tramitação defrontaram-se, na segunda metade da década de 90, com uma série de medidas marcadas pelo reeenquadramento dos governos locais pelo poder central (Kugelmas & Sola, 2000: 71). Devido ao seu histórico, o texto da LDB é expressão de um duplo movimento presente na sociedade brasileira: descentralizador e multiplicador de sistemas locais de ensino com maior autonomia e diversidade, impulsionado pelos processos de reconstrução democrática e recentralizador, voltado para integração dos sistemas de locais de ensino no preenchimento das funções estruturais às políticas sociais. Este último movimento, por sua vez, encontra suporte tanto numa sociabilidade político e administrativa autoritária, quanto nos movimentos em prol da redução desigualdades regionais, econômicas e sociais9. 2.2.3 Ruptura com o federalismo de integração no campo educacional Em primeiro movimento de análise destacamos a ruptura político-administrativa, no campo da educação escolar básica, com a institucionalidade centralizada e autoritária, para posteriormente analisarmos o significado do processo de recentralização. Dentre os mecanismos que cumpriram o papel de homogeneizar a vontade política da camada 9 A literatura de interpretação da Lei de Diretrizes e Bases observa em diferentes aspectos a presença deste movimento. O risco da fragmentação normativa coloca-se tanto com a instituição dos sistemas municipais de ensino quanto com a construção da autonomia da escola. Os processos de descentralização geram a necessidade de construir a unidade na diversidade... (ABREU, 1999: 141). Quando consideramos o segundo projeto Darcy Ribeiro, isto é, o substitutivo apresentado em março de 1996 (...) vamos constatar que se trata de um documento legal que está em sintonia com a orientação política dominante hoje em dia e que vem sendo adotada pelo governo atual em termos gerais e, especificamente, no campo educacional. Em suma, a política do ministério da Educação escolheu a via das alterações parciais. (...) Isto não significa que o ministério não tenha uma política global para a área de educação. Certamente ele a tem. (SAVIANI, 1997:200). Poderíamos sintetizar do seguinte modo: 1º eixo: à dominância da flexibilidade (ao invés do engessamento) se contrapõe a função complementar da normatização (não cartorial); 2º eixo: à dominância da avaliação se contrapõe a função colaborativa que estrutura a federação republicana (ao invés da subordinação) (CURY, 1997:109). Duarte, MRT Página 44 dirigente no pós-64, a nova forma da federação, com estados e municípios menos autônomos em relação à União, desempenhou o papel mais relevante. Muito mais até que o novo sistema partidário, que tem recebido atenção muito maior da pesquisa acadêmica. Dentre as questões enfrentadas pelo regime pós 64 era crucial manter o poder sem quebrar a unidades entre as várias facções, em meio a uma sociedade heterogênea e disponível aos apelos de participação (Sallum Jr., 1996: 31). Um conjunto de práticas e normas desenvolvidas no período militar vai dar forma ao chamado federalismo de integração, termo que já aparecia em documentos oficiais da época. Esses mecanismos eram compostos por um sistema de representação política que privilegiava o voto interiorano e rural, pela introdução de eleições indiretas para o preenchimento dos cargos majoritários, pelo sistema bipartidário, pelo controle da União na área de segurança e pela reforma tributária. A essas medidas acrescentava-se, ainda, o crescimento da presença direta do governo federal no âmbito regional (Sallum Jr, 1996: 32-38). Além das agências regionais dos órgãos federais atuarem com mais recursos em áreas que eram tradicionalmente de competência de estados e até de municípios, a União pautava a atuação dos governos estaduais através de convênio entre os distintos âmbitos da administração, transferindo-lhes verbas e fornecendo-lhes assistência técnica. Assim programas estaduais de educação, por exemplo, desenvolviam-se sob orientação e sob controle federais, mediante convenio entre a secretaria do estado, o ministério da Educação, a secretaria estadual do Planejamento e a Secretaria para a Articulação com Estados e Municípios do Ministério do Planejamento. Isso valia, também para as agência descentralizadas de cada estado, o que tendia a redirecionar seus vínculos de subordinação de fato para as agências federais correspondentes, enfraquecendo ainda mais os governos estaduais (Sallum Jr., 1996:41. grifo meu) Para a concepção do federalismo de integração, o município era uma instância articulada e subordinada ao poder estadual. Todo um sistema político de filtragem das divergências foi construído no período subordinando-os à direção do poder estadual (Sallum JR., 1996). Os mecanismos de financiamento da educação pública com recursos de contribuições e de outras receitas utilizadas pela União favoreciam a implementação nos sistemas estaduais de programas e projetos elaborados centralmente, valendo-se para tanto da sistemática de convênios. Esta concepção centralizadora e tecnocrática do federalismo brasileiro, onde o insulamento burocrático consistia no arranjo institucional apropriado à tomada de decisões, Duarte, MRT Página 45 não deteve as formas tradicionais de fazer política. O acesso privilegiado das elites locais, de acordo com as circunstâncias da balança de poder, em detrimento de uma dinâmica promotora da cidadania, expressou-se também pela sistemática de convênios no âmbito educacional, dentre outros, onde cada instância governamental buscava reforçar relações de dependência e subordinação com os demais entes da federação. A ruptura tem um marco importante nas eleições municipais de 1974. Nestas o MDB – Movimento Democrático Brasileiro venceu em 79 das 90 cidades com mais de 100.000 habitantes10. Revelaram-se, pela primeira vez, alternativas à integração construída pelos governos autoritários e iniciam-se debates sobre a capacidade política e econômica de administrar em oposição ao governo federal. Interesses e demandas do poder local emergem no cenário nacional. Ao assumir governos municipais como partido de oposição, o MDB descortina a viabilidade de uma estratégia política de esgarçamento do bloco no poder. O “pacote de abril11”, aprovado em 1977, permitiu a manipulação dos resultados eleitorais de 1978, mas em 1982 tem-se a vitória da oposição nos principais estados do país (Franco Montoro, em São Paulo; Pedro Simon, no Rio Grade do Sul; Tancredo Neves, em Minas Gerais. Abrucio, 1999: 170-172). Estes eventos políticos impulsionaram debates sobre a dependência dos governos estaduais e das principais cidades do país frente ao governo federal. 10 Durante o regime autoritário, os municípios das capitais e outros considerados de segurança nacional (aproximadamente 200) tinham seus prefeitos escolhidos pelas Assembléias Legislativas. A eleição direta para prefeito destes municípios passa a ocorrer a partir de 1985. 11 A vitória do MDB nas eleições anteriores comprometia a agenda de abertura política lenta e gradual do Governo Geisel. A Emenda Constitucional nº 08/77, alterou a legislação eleitoral vigente no país. As eleições para governadores estaduais voltam a ser indiretas, 1/3 das cadeiras do Senado passaram a ser ocupadas por parlamentares eleitos por voto indireto das assembléias estaduais (os chamados senadores biônicos), o mandado do presidente foi alterado de 5 para 6 anos e as decisões do Congresso passaram a ser tomadas por maioria simples. Duarte, MRT Página 46 A aprovação da Emenda Constitucional nº 24/83, designada como Emenda Calmon, e sua posterior regulamentação pela Lei nº 7348/85, se fez no bojo deste processo. Ao elevar os percentuais mínimos destinados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino, em um contexto de crescimento do percentual de participação dos estados e municípios no total dos recursos públicos, a Emenda Calmon reafirmava princípios de organização dos sistemas públicos de Educação Básica capazes de questionar os mecanismos de integração dos entes federados. Em tese, a aprovação da Lei n.º 9348/85 comprometia a União com maior dispêndio na função educação (Melchior, 1987:121), visto impedir o cômputo nos gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino, dentre outros, aqueles provenientes de recursos não oriundos de impostos. Os resultados da Emenda Calmon implicaram em aumento de recursos para o ensino, especialmente no âmbito federal e no estabelecimento de uma base de recursos menos sensível à conjuntura econômica (Gomes, 1988: 237-259). Com a Nova República e a Constituição Federal de 1988, o tema da descentralização, especialmente em relação aos aspectos fiscais, emerge no cenário político. O crescimento da participação dos estados e municípios na receita de impostos, a partir da segunda metade da década de oitenta, não tem contrapartida direta de encargos e responsabilidades. A descentralização não nasceu de uma ação de política fiscal ou econômica, mas sim de uma reação dos governos subnacionais, ou em favor destes, contra os poderes ditos excessivos do centro (Afonso, 1995:10). A vinculação de percentual da receita e a sistemática operacional estabelecida na Lei n.º 7348/85 não comprometiam estados e municípios das capitais com maior aporte de recursos. A sistemática aprovada centrava-se no aporte de recursos da União, – considerando em especial a necessidade de financiar o sistema federal de educação superior –, e no maior comprometimento de receitas municipais com a manutenção da educação básica (Melchior, 1987: 122). Esta legislação foi aprovada num contexto de forte influencia política do conjunto dos governadores de estado demonstrando sua retomada da capacidade de iniciativa política frente à União (Kugelmas & Sola, 2000: 68). Impulsionada, por reivindicações e lutas travadas na sociedade civil por mais verbas para a educação, a Emenda Calmon e sua sistemática operacional inserem-se em um conjunto de iniciativas do período de redemocratização capazes de minar a concepção de federalismo Duarte, MRT Página 47 forjada pelos governos autoritários. Ao atribuir à União um percentual de gastos com educação a aprovação da Emenda Calmon reafirmava para os demais entes federados a possibilidade de obtenção de ganhos com a transferência/repartição dos recursos tributários. Para diferentes autores, neste período a questão da governabilidade foi posta em questão, em razão dos encargos constitucionalmente estabelecidos sem uma definição precisa das responsabilidades a serem compartilhadas e recursos necessários. O descompasso entre a quantidade de demandas e a capacidade governamental de processá-las conteria um potencial desestabilizador da dinâmica democrática. Para com a educação básica a determinação constitucional de aplicação de recursos na erradicação do analfabetismo (art. 60 do ADCT) foi sistematicamente desobedecida por diferentes governos até sua modificação pela Emenda Constitucional n.º 14/96. Municípios brasileiros desconsideravam responsabilidades de oferta na educação básica e fomentaram o financiamento dos níveis superiores da educação escolar, instituíram programas de garantia de renda vinculada a educação, diversificando, desse modo, ações e prioridades no campo educacional. A aprovação da Emenda Constitucional no. 14/96 e da LDB, no Governo Fernando Henrique Cardoso, contêm a explicitação dos novos rumos da política educacional brasileira (Vieira, 1998: 7), onde se expressam as diretrizes de uma Reforma do Estado que pretende superar a herança Vargas. Neste novo contexto, as relações intergovernamentais estão em (re)construção no país, envolvendo simultaneamente descentralização e recentralização. 2.2.4 Relações predatórias e recentralização política pela União As relações intergovernamentais, após o final do regime autoritário, foram marcadas por um padrão de competição não cooperativo. As relações dos estados com a União e deles entre si caracterizam-se pelo fortalecimento dos governos estaduais frente à União e pelo comportamento individualista e atomizado dos governadores. A aprovação do programa de estabilização monetária – o Plano Real - produziu alterações significativas na administração dos recursos financeiros estaduais, possibilitando à União iniciativas Duarte, MRT Página 48 políticas no sentido do enquadramento fiscal e reforma administrativa dos governos estaduais (Abrucio, 1999: 173). A descentralização estabelecida pela Constituição Federal de 1988, por sua vez, elevou a participação relativa dos municípios no bolo tributário (Negri, 1997). No entanto, a multiplicação do número de municípios, ocorrida especialmente na primeira metade da década de 90, contribuiu para aumentar a dependência por recursos financeiros de outras esferas de governo, minimizando os ganhos financeiros obtidos. As medidas de recentralização tributária, implementadas desde a criação do Fundo Social de Emergências em 1993, associadas à expansão da prestação de serviços sociais repercutiram sobre a capacidade de financiamento dos municípios. A agenda eleitoral introduziu um terceiro fator na redefinição das relações intergovernamentais. As eleições presidenciais de 1994 ocorreram concomitantemente ao pleito estadual e à disputa para o Congresso Nacional. Nessa eleição casada em quatro importantes estados da federação, foram eleitos governadores fiéis à coalizão encabeçada por Fernando Henrique Cardoso. Para o campo educacional destaca-se neste quadro, a eleição de Eduardo Azeredo em Minas Gerais12, que possibilitou consolidar medidas de um programa de reformas na Educação Básica, posteriormente difundidas em todo o país. Ações implementadas pelo MEC como, a realização de exames únicos nacionais de verificação do desempenho dos alunos e conseqüentemente das escolas têm sido acompanhadas por um intenso programa de divulgação e implementação dos parâmetros 12 A Secretaria de Educação de Minas Gerais desenvolveu uma metodologia que estabelece uma relação entre o montante mínimo de recursos que estado e município devem aplicar em educação e a correspondente capacidade de atendimento gerada a partir destes recursos. Com isto, foi possível identificar municípios que tinham uma capacidade maior de atendimento do que a que vinham oferecendo, enquanto, em outros municípios, a situação era inversa, ou seja, municípios que estavam com um atendimento superior à sua capacidade financeira (Amaral Sobrinho, 1994: 59). Em 1993 o governo de Minas Gerais firma acordo com o Banco Interamericano (BIRD) para financiamento do ensino fundamental da rede pública estadual. Denominado de PROQUALIDADE, o acordo continha um vasto programas de intervenções políticopedagógicas e administrativas de reforma dos sistemas públicos de educação básica no país (ver a respeito: Oliveira, 1999 e Oliveira, 2000: 282-306) Duarte, MRT Página 49 curriculares nacionais. Estes, como também o conteúdo dos exames nacionais de desempenho, contêm uma proposta político-educativa de governo, que se pretende nacional. Efetua-se, desse modo, medidas de implementação de uma estratégia de indução para recentralização e maior uniformização dos processos educativos. É importante constatar que a nova LDB se afasta (em parte) desse equacionamento da educação básica conectado com o preparo da criança e do jovem para o futuro, para a vida adulta, para dar conta das demandas da sociedade. conexões ainda tão repetidas nos PCN. A nova LDB define repetidamente e com clareza que a educação básica encontra seu sentido e finalidade em colaborar com o pleno desenvolvimento dos educandos, desde que conectada com o conjunto de processos formadores que acontecem na família, no trabalho, nos movimentos sociais. Nesta direção se debateram as reflexões e publicações de matrizes pedagógicas sintonizadas com os movimentos sociais, com o trabalho, com a formação do trabalhador. Podemos dizer que a LDB está mais marcada por essas matrizes teórico-pedagógicas do que os PCN. Está mais próxima dos avanços havidos nas últimas décadas na redefinição do papel social da educação básica como direito da infância, adolescência e juventude ao pleno desenvolvimento humano. Uma concepção mais desinteressada da educação básica. Os PCN voltam para uma visão mais utilitária, aprender para, ainda que seja para aprender a ser consciente, participativo, ou empregável (Arroyo, 2000) Neste momento, não se pretende discutir o caráter mais ou menos utilitário dos PCN. O texto citado constituiu uma importância referência das disputas que se travam em torno dos instrumentos capazes de intervir na reconfiguração dos sistemas públicos de EB. Estabelecido o princípio normativo legal das finalidades previstas para a educação básica, a elaboração operacional desses princípios constitui um campo de disputa técnico-política. Os programas de incentivo ao uso dos parâmetros curriculares vêm acompanhados da transferência voluntária de recursos. Esta sistemática contrapõe-se à autonomia na elaboração de propostas pedagógicas diferenciadas pelos governos municipais, pois ela associa o repasse de recursos à realização de programas federais. Arretche (2000) demonstra que estratégias de indução eficientemente desenhadas e implementadas são capazes de promover um “design” institucional específico das políticas e programas sociais, apesar da diferença de fatores estruturais (capacidade fiscal, dimensões da população a ser atendida, etc.) presente entre os governos subnacionais e/ou locais. Mas, se a capacidade de decidir dos sistemas municipais de ensino pode ser aferida pela elaboração de sua proposta político pedagógica, a capacidade de implementar novos Duarte, MRT Página 50 projetos educativos acha-se relacionada, também, a sua capacidade de atendimento e ao estabelecimento de relações intergovernamentais cooperativas. Na última década, pesquisas têm demonstrado a tendência constante de aumento das despesas com educação nos estados e municípios das capitais (Afonso, 1995; Souza & Carvalho, 1999:46). Esta correlação entre aumento de despesas e elaboração de propostas político-pedagógicas constitui um indicador importante de descentralização com deslocamento da capacidade de implementar políticas por governos locais (Almeida 1995: 90). Mas o “design” de programas específicos desenvolvidos pela União, promovem a recentralização da coordenação na formulação de políticas educativas no país. No passado como no presente, diferentes esferas do Poder Públicas têm sido marcadas por ações que, na prática, negam o regime de colaboração (Vieira, 1998: 14). Os debates travados a este respeito centravam-se na partilha de responsabilidades para com o financiamento e gestão das unidades escolares, onde concepções diferenciadas de sistema de ensino fundamentavam as posições em disputa. Levantamento realizado sobre os programas educacionais dos municípios das capitais revela, nos últimos anos, uma dinâmica de apropriação/ressignificação de programas e propostas desenvolvidas pelo poder central. QUADRO 1 – ANEXO I Nos 25 sites sobre educação escolar básica das prefeituras de capitais pesquisados, propostas e ações relacionadas com os programas nacionais de alimentação escolar, bibliotecas na escola, livro didático e saúde do escolar foram mencionadas (ver destaques em negrito). Páginas web de quatro capitais trazem informações sobre a sistematização de projetos político-pedagógicos próprios (Escola Plural, Belo Horizonted/MG; Escola Cidadã, Porto Alegre/RS; Ação 2000 – Projeto Escola Nova, Fortaleza,/CE; Educação Século. XXI, Goiânia/GO). No entanto, também nestes projetos verifica-se a presença de ações e propostas relacionadas com os programas nacionais para o Ensino Fundamental. Duarte, MRT Página 51 As medidas jurídicas aprovadas após 1996 transferiram claramente responsabilidades para o nível local de governo, mas foram omissas quanto à autonomia e autoridade política das esferas subnacionais. Esta lacuna tem sido preenchida pela União por meio de intensa proposição de programas associados ao repasse de recursos mediante convênios. Esta sistemática tem possibilitado homogeneizar a gestão educativa e administrativa nos diferentes sistemas de ensino do país13. A principal fonte adicional de financiamento da educação no país, com a finalidade específica de complementar despesas com o ensino fundamental, é constituída dos recursos arrecadados com o salário educação. A quota federal gerenciada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é destinada a estados, municípios e organizações não governamentais, que desenvolvam ações ou metas previstas nos programas nacionais. Esta transferência voluntária ao associar assistência técnica (implementação de programas) e financeira (repasse de verbas) da União, promove a capacidade de implementar novas ações no âmbito local, sem favorecer o crescimento da capacidade de decidir sobre as propostas oferecidas. A pesquisa realizada nos sites de educação das prefeituras das capitais indica a forte influência da União na definição de projetos e ações pelos governos locais. As transferências voluntárias são atrativas por possibilitarem acréscimos de recursos a governos e entidades. Mas sua importância estratégica é fundamental para a implementação da chamada segunda geração de reformas do Estado, onde a ampliação da capacidade administrativa e institucional é prioridade (Heredia & Schneider, apud Souza, 1999:188). 2.3 A sistemática de recentralização: convênios e subvinculação 13 Em 1956-57 Anísio Teixeira já defendia os convênios como o meio mais eficaz de cooperação do MEC sem quebrar a autonomia estadual. Afinal, pelos convênios, o MEC se proporiaa a equipar escolas que pudessem oferecer seis anos de escolaridade primária, aos governos estaduais que aceitassem tal proposta (NUNES, 1994: 209). Para Anísio Teixeira o esforço (suprir as condições necessárias ao ensino) decorreria do interesse local, enquanto que a inteligência da direção, do espírito de estudo (elaboração de projetos e programas) derivam da assitência técnica promovida pela União e Estados (TEIXEIRA, 1958a:: 29). Duarte, MRT Página 52 Pesquisa efetuada em quatro municípios do Estado de Minas Gerais apresenta indicações sobre o peso relativo do repasse de recursos entre União, Estado e Municípios, no campo educacional. Os municípios selecionados diferem-se por sua capacidade de financiar a expansão do atendimento na educação escolar básica. Tabela 4 – Despesas com educação e receita de convênios em 04 municípios de Minas Gerais – 1997 – em reais Município Despesas Despesas Receitas total de declarada com declarada com EF convênios EI(creches e préregular declarada escolas) Convênios com a Convênios com Valor convênios União o Estado declarados na pesquisados pesquisados função educação CAA 1 1.377.000,00 1.422.204,64 842.385,00 842.385,00 n/d n/d CAA 2 422.159,89 2471579,09 712.271,64 286.180,03 125.533,85 149.771,15 CAE 1 210.005,42 680.674,86 1.888.448,64 1.731.449,24 156.999,40 n/d CAE 2 67.707,30 420.212,52 85.761,69 14.690,00 148.866,12 46.109,00 Fonte: Demonstrativo da receita e despesa/Prefeituras Municipais Em dois municípios pesquisados, a receita declarada obtida mediante convênios e aplicada na área de educação corresponde respectivamente a 35,5% e 68,1% do total de despesas efetuadas com educação infantil14. Eles apresentam indicações significativas sobre o escopo destas operações. A literatura relativa às fontes de receita do setor público tem destacado o crescimento das contribuições sociais (Abrucio, 1996, Negri, 1996) – no campo educacional o salário educação – e a adoção de medidas que reduzem a participação dos recursos tributários – fonte de transferências obrigatórias e dos percentuais mínimos para educação. Mesmo nos municípios mais ricos, com capacidade ampliada de atendimento (CAA), o total de recursos arrecadados mediante convênios apresenta valores consideráveis. Os 14 O levantamento efetuado dos convênios fundamentou-se na documentação apresentada pela Prefeitura Municipal. As planilhas “Demonstrativo da receita arrecadada e despesa realizada” são encaminhadas ao Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Foram pesquisados, ainda, os valores informados pela Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda e da Secretaria Estadual de Fazenda do estado de Minas Gerais Duarte, MRT Página 53 dados discriminam os recursos obtidos junto à União e ao governo estadual. Verifica-se, ao comparar os valores obtidos nas cidades pesquisadas, o reduzido peso de critérios de repasse relacionados ao tamanho da população ou mesmo a capacidade de atendimento do sistema local. Foram pesquisados, também, dois municípios com Capacidade de Atendimento Esgotada (CAE). CAE 1 e CAE 2 apresentaram população de aproximadamente 34. 000 e 10.200 em 1996 e têm as despesas públicas financiadas basicamente pelas transferências do FPM, 58,8% e 72,5% do total da receita corrente. Municípios pobres e de pequeno porte são representativos da grande maioria dos municípios mineiros. Apresentaram em 1996, receita líquida per capita de R$ 130,87 e R$167,89, índice revelador de reduzida disponibilidade para investimento público. CAA1 e CAA2 são municípios com aproximadamente 250.000 e 100.000 habitantes respectivamente. Apresentaram no ano anterior – 1996 - receita liquida per capita de R$614,00 e R$ 367,00. Índices indicativos de boa disponibilidade de investimento público por habitante em comparação com os demais municípios do estado de Minas Gerais. As maiores parcela dos recursos municipais provem das transferências da cota parte do ICMS, o que revela serem municípios com grande dinamismo econômico (FJP, 1999). Mesmo para os dois municípios com Capacidade de Atendimento Ampliada (CAA) a presença de recursos mediante convênios traduz em aporte financeiro expressivo. TABELA 5 Convênios firmados entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e dois municípios do estado de Minas Gerais Duarte, MRT Ano de início do convênio 2000 1999 Página 54 Município CAA 2 objeto de convênio Município CAE 1 concedente valor do convênio material didático pedagógico PDDE - manutenção de escola de ed. especial Equipamentos para escolas municipais Total anual FNDE R$3.964,74 FNDE R$3.800,00 FNDE R$6.100,00 R$13.864,74 formação professores FNDE R$6.000,00 programa saúde do escolar PDDE - manutenção de escola de ed. especial FNDE R$3.210,00 FNDE R$3.800,00 Total anual R$13.010,00 objeto de convênio PDDE - manutenção de escola de ed. especial Reformar e equipar escola Agrotécnica Federal* Bolsa de estudos - Ensino superior Total anual Reforma de prédios - Escola técnica Material pedagógico escola ed. especial PDDE - manutenção de escola de ed. especial Bolsa de estudos - docente 1º e 2º graus do SFE Construção de prédio - Escola técnica Total anual concedente valor do convênio FNDE R$3.200,00 SEMT/MEC R$180.463,07 CAPES R$11.593,42 R$195.256,49 SEMT/MEC R$70.000,00 FNDE R$7.233,00 FNDE R$2.400,00 CAPES SEMT/MEC R$46.680,00 R$180.000,00 R$306.313,00 Fonte: SFCI/MF. A relação de convênios firmados entre1999 e 2000 de dois municípios pesquisados (TAB 5) demonstra a presença dos mesmos programas estabelecidos pelo MEC na região sul (CAA 2) do estado com características socioeconômicas completamente distintas do Vale do Jequitinhonha (CAE 1). Estes municípios apresentam profundas diferenças nas condições financeiras políticas e administrativas. No entanto, a transferência voluntária de recursos mediante convênios constitui uma estratégia de indução eficiente para a adoção de programas e projetos definidos centralmente. Os demonstrativos de receita, despesa, folhetos e jornais locais atestam a presença dos programas nacionais de alimentação, saúde, informática, etc., incorporados como diretrizes políticas locais das administrações municipais. Os municípios passam a elaborar formalmente justificativas que nem sempre contemplam as suas reais necessidades, ou seja, prioriza-se o que deve ser priorizado para receber os recursos do MEC (Rosar & Souza, 1999:95). É essa busca de homogeneização, de estabelecimento de modelo único para o país, malgrado a defesa da tese da descentralização progressiva e da autonomia paulatina, que vem caracterizando também a ações do MEC/FNDE, para o repasse de recursos da quota federal do salárioeducação às escolas (Weber, 1998:11). A literatura sobre a reforma educacional empreendida após a EC nº 14/96 têm destacado o papel indutor do FUNDEF à municipalização do atendimento no ensino fundamental onde predominava a oferta de vagas pelos estados subnacionais. Municipalização dos encargos pode convidar à busca de maior autonomia na formulação de políticas locais de educação básica. No entanto, a precariedade de recursos financeiros, materiais e humanos dirige Duarte, MRT Página 55 ações para a captação dos recursos disponíveis junto ao FNDE. Desde modo, a sistemática de convênios possibilita recentralizar a formulação de diretrizes nacionais e assegurar sua implementação nos municípios conveniados. 2.4 Gestão democrática dos sistemas de ensino e relações intergovernamentais cooperativas O fortalecimento de marcos democráticos mais substantivos de descentralização em nível local acha-se condicionado pelo grau de congruência entre capacidade real de decidir/implementar do poder público local em cooperação com as demais instâncias de governo. Mas marcos democráticos substantivos de descentralização requerem também: ¾ relações entre os governos e os cidadãos, potenciando formas de controle público sobre as ações desenvolvidas; ¾ redução da dependência dos governos locais em relação à adoção de programas e projetos elaborados pelo governo central pela via da capacitação técnico administrativa; ¾ diversificação de formas de atendimento e operação dos serviços educacionais por introdução de procedimentos capazes de assegurar acesso as informações necessárias à tomada de decisão. A efetivação destas condições para a grande maioria dos municípios brasileiros envolve investimentos significativos nos procedimentos de gestão político-administrativa, como também mudanças culturais expressivas. Capacidade técnica e política de negociar convênios e parcerias e de formular diretrizes políticas atentas à realidade local sustentam maior autonomia em contraposição a mera implementação de programas formulados centralmente. Negociação de projetos com autonomia, por sua vez, demandam relações entre agentes políticos e os cidadãos potenciando formas mais efetivas de controle público das ações desenvolvidas. Os procedimentos de assistência técnica e financeira formulados nos últimos anos pelo FNDE estabelecem a forma do regime de colaboração e a sistemática de ação supletiva da União. No entanto, a celebração de convênios possibilita a União reiterar uma relação de subordinação político administrativa dos governos locais. Para 2001 as normas para Duarte, MRT Página 56 assistência financeira mantêm a associação entre programas e ações a serem disponibilizados recursos, como também limitam a celebração de convênios para municípios de médio porte. Estes, por sua vez, terão os projetos examinados se elaborarem propostas consorciadas com cidades circunvizinhas15. A mudança anual das regras costuma induzir a formação de grupos interessados na elaboração e intermediação de projetos. Municípios onde predomina um quadro de pessoal do magistério com baixa qualificação provavelmente encontrarão maiores dificuldades para elaborar programas e ações que possam atender suas reais necessidades. A contratação de serviços especializados de terceiros, por sua vez, reforçaria o círculo vicioso, que impede a superação da baixa qualificação inicial pela formação em serviço. Desse modo, a normas estabelecidas para a assistência financeira da União dificultam a participação da comunidade local (os profissionais de magistério pelo menos) na elaboração dos programas e ações induzindo a execução das prioridades de política educacional fixadas centralmente. O aporte de recursos efetuado pelo FNDE operacionalizou um programa exitoso de desconcentração da implementação de programas definidos centralmente. A engenharia operacional desses programas, em que pese o reduzido atendimento efetivamente prestado (Azevedo, 2002) sinaliza qual a estratégia de indução para a implantação local de programas definidos centralmente. Especialmente, nos últimos anos, o número de programas e ações financiadas pelo FNDE sofreu forte diversificação16. A ação supletiva do MEC, pela via dos programas e projetos de assistência técnica e financeira, abrange áreas relacionadas à assistência social (merenda escolar, paz na escola, saúde do escolar), com a melhoria da infra estrutura da escola (biblioteca da escola, transporte escolar, dinheiro direto na escola) e, ainda, de apoio a diferentes modalidades de educação básica (EJA, áreas remanescentes de quilombos, educação indígena). 15 Ver: FNDE, resolução nº 13 de 26/04/2001 16 Pesquisa efetuada no site www.fnde.gov.br. em novembro de 2002 registrou um total de 12 projetos e programas educacionais passíveis de financiamento pelos municípios Duarte, MRT Página 57 Ao associar programas formulados centralmente com sua implementação desconcentrada esta sistemática proporciona a deliberação central sobre as prioridades de políticas sociais e educacionais. Dessa modo, a formulação de programas e sua implementação atendem à compatibilização de funções aparentemente contraditórias. Nos programas promovidos pelo FNDE, até 2002, verificamos que assistência social (saúde, alimentação, combate à violência) e qualificação escolar (alfabetização, letramento, etc) eram áreas contempladas com o objetivo de direcionar recursos para regiões e/ou setores onde se previa a necessidade de maior/menor combate à pobreza e/ou promoção de empregabilidade. Os programas educacionais e assistenciais focavam regiões onde a prioridade estava no atendimento assistencial em locais onde o Estado se fez ausente pela insuficiência fiscal ou patrimonialismo dos governos locais e ao mesmo tempo, se faz presente pela “assistência” aos necessitados. Duarte, MRT 3. REGIME Página 58 DE COLABORAÇÃO ENTRE OS ENTES FEDERADOS: CONDIÇÕES PARA O ATENDIMENTO NOS SISTEMAS PÚBLICOS DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Ter por horizonte ganhos de maior eficiência e eficácia na prestação de serviços educacionais constitui objetivo pragmático para o qual podemos concorrer, se conseguíssemos acordar quanto às finalidades, meios e resultados educacionais pretendidos. Mas a elevação dos padrões de eficácia e eficiência requer, sobretudo no campo da gestão dos sistemas públicos, ampliar os recursos financeiros disponíveis e potencializar o uso de toda uma infraestrutura de bens e serviços dispersa de forma desigual no território. Advogar a favor da otimização do uso de recursos públicos, em contexto de retração da esfera pública não mercantil requer, na perspectiva deste estudo, combinar a avaliação das diretrizes de focalização e de aporte de novos recursos com a análise dos mecanismos de efetivação do regime de colaboração (art. 211, CF). A centralidade posta na obtenção de ganhos de eficiência e eficácia na prestação de serviços públicos, incluídos os educacionais, decorre, em última instância, da incapacidade do Estado em sustentar o ritmo de expansão de seus serviços (Martins, 2001) mas, a permanência e difusão dessas noções como valores na sociedade civil fundamenta-se em experiências de exercício da cidadania onde há convivência com múltiplas formas de desigualdade e privatização no uso e apropriação dos recursos estatais. Para além do convite à participação na busca de soluções para situações-problema, a questão da administração eficaz1 e eficiente das escolas e/ou dos sistemas de ensino envolve princípios e normas de gestão pública capazes de assegurar a institucionalidade de uma esfera pública não mercantil. 1 No início da década de 90, Mello (1994) divulga esta noção no Brasil na perspectiva dos estudos relativos à administração local das escolas (Local Management of School). O estudo de Levacic, 1998 analise as conseqüências dessas diretrizes para o sistema educativo inglês. Neste estudo, aproximamos à noção de eficácia, referida em muitos trabalhos apenas como resultados obtidos, à noção de efetividade, enquanto mudanças produzidas na ordem social e política. Ou seja, procuramos destacar que ganhos de eficiência e eficácia contribuem para alterações na qualidade dos serviços prestados, desde que observados princípios de intervenção reguladora, que assegurem medidas de políticas públicas redistributivas e focalizadas. Duarte, MRT Página 59 A efetivação do direito à educação escolar básica, seja por razões políticas seja por razões ligadas ao indivíduo (Cury, 2002: 245-262) se fez com a intervenção do Estado na prestação de um serviço, visando a resguardar cidadãos das externalidades postas pelo mercado. No entanto, se destacamos a importância da institucionalidade necessária para a efetivação de uma esfera pública não mercantil, consideramos que, para a educação escolar básica, esta requer uma sistemática de financiamento capaz de promover maior autonomia político-administrativa das unidades que constituem o sistema educacional, lado a lado com medidas de intervenção capazes de promover a redução das desigualdades intrasistêmicas. Esta referência de análise informa que o estudo efetuado considera que o ponto de chegada – a reforma do sistema público de educação básica – se compôs e se compõe de medidas político-administrativas capazes de produzir alterações complementares e superadoras da institucionalidade existente2. Ou seja, as formas usuais de distribuição dos recursos públicos vinculados a MDE requerem alterações capazes de enfrentar pontos que obstaculizam a ampliação de parâmetros de igualdade na prestação dos serviços3. Consideramos, desse modo, que a efetivação do direito à educação constituiu-se como um atributo sistêmico, dependente da existência de um conjunto de instituições políticoeducacionais capazes de assegurar graus institucionais de igualdade sobre uma sociedade civil desigual (ver: Bobbio, 1997 e 2000). 2 Santos, 1999 ao analisar a crise do reformismo destaca a importância da tarefa de refundação democrática da administração pública e nesta o papel do terceiro setor. Seu horizonte político aponta para a criação de um espaço público não estatal como resultante da imbricação progressiva, mas diferenciada, entre o Estado e o chamado Terceiro Setor. Dentre os desafios para a consecução deste objetivo indaga sobre como compatibilizar eficiência com eqüidade e democracia, descartando as proposições que defendem a substituição do Estado pelo Terceiro Setor. 3 Questão semelhante foi formulada, anteriormente, por Velloso (2001:11): i) como se distribuem as fontes de recursos públicos e a captação de verbas para a educação e como tal distribuição se afigura diante de perspectivas da equidade? ii) quais são os principais óbices a uma captação de recursos mais eficiente para a educação e qual é a sua origem? Duarte, MRT Página 60 3.1 De verbas públicas para escolas publicas ao regime de colaboração entre os sistemas de ensino A otimização dos recursos disponíveis para MDE era um valor presente nos estudos inaugurais sobre financiamento da educação e nos primeiros debates travados no contexto de elaboração da Lei de Diretrizes e Bases – primeira metade da década de noventa. Temas como, recursos disponíveis por ente federado, receita vinculada a MDE, atribuição diferenciada de responsabilidades para a oferta do ensino, mecanismos de subvenção ao setor privado e adequação de despesas relacionadas a MDE, constituíram centros da disputa no período, porém com importância e prioridades diferenciadas. No Brasil as lutas travadas em torno da redução da pobreza nas décadas de 60 e 70 e o papel dirigente do Estado na condução da industrialização e urbanização do país refletiram nos estudos sobre financiamento, que procuravam demonstrar, além da existência de recursos malversados, sua insuficiência e subordinação aos investimentos produtivos. Os estudos relacionados ao “estado da arte” da produção intelectual na área de financiamento da educação básica apresentam um grande número de temas e tópicos mais específicos considerados pela literatura a respeito, especialmente após a década de noventa. A fronteira dos estudos sobre financiamento da educação strictu sensu tem-se extravasado nos últimos anos para situar-se no campo de estudos de política educacional (Velloso, 1998). Este movimento é impulsionado, por um lado, pelas repercussões da sistemática operacional que visa efetivar princípios e valores e, por outro lado, por exigências de compatiblização dialética do direito à igualdade e do direito à diferença (Cury, 2002) em um sistema educacional desigual. Por estas razões as pesquisas e reflexões na área do financiamento da educação tendem, na atualidade, a se construírem em diálogo com os principais debates travados no campo da política e administração da educação escolar no Brasil. Ao longo da década de noventa, destacamos pelo menos, quatro grandes eixos temáticos que influenciaram as reflexões contidas neste estudo4: 4 A ANPAE (1999) arrola 11 categorias de estudos e pesquisas para o campo da Política e administração da Educação. 1.Escola, Instituições Educativas e Sociedade; 2.Direito à Educação e Legislação; 3.Políticas de Duarte, MRT Página 61 a) questões jurídico-políticas relativas à interpretação e análise das disposições legais após a aprovação da EC nº 14 e LDBEN nº 9394 em 1996. Nesta área destacamos a coletânea organizada por Fávero (1996) e os trabalhos de Cury, 1997; Abreu, 1999; Farenzena, 2001, como referenciais das análises efetuadas sobre o contexto político e a ação de diferentes atores sociais no processo legislativo.. Os estudos destacados caracterizam-se por explicitar as diferentes posições em disputa nos momentos de elaboração do texto constitucional e da atual Lei de Diretrizes e Bases, expondo como a redação no processo legislativo expressa síntese de posições entre diferentes atores. b) questões referentes à efetivação do princípio constitucional de gestão democrática do ensino público. O termo é utilizado como denominador comum para diversas subáreas de pesquisa, que envolvem temas como: estratégias de participação e gestão escolar; articulação das escolas com a comunidade; procedimentos de avaliação escolar e organização curricular, etc. Estudos e pesquisas tão diferenciados têm por pano de fundo a noção polissêmica de autonomia administrativa e financeira da escola - utilizada de forma imprecisa em grande parte dos trabalhos ou restrita à idéia de motivação dos atores para a resolução de situações-problema – onde o acesso diferenciado a recursos financeiros públicos ou privado constitui um dos pré-requisitos. A vasta bibliografia disponível tem por interlocução o campo dos estudos internacionais relativos ao New Public Management5. Destacamos, nesta área, por sua repercussão entre os profissionais de educação e por condensarem perspectivas teóricas diferenciadas, o material didático produzido pelos programas de formação à distância e em serviço do Estado de Minas Gerais (PROCAd), do Conselho Nacional de Secretário de Educação (PROGESTÃO/CONSEd) e, do Ministério da Educação (FUNDESCOLA). Estes estudos sintetizam, pressupostos e temas de análise os mais diversos. Quanto à autonomia da escola, observamos, ainda, os estudos sobre unidades escolares que adotam perspectivas de Educação; 4.Público e Privado na Educação; 5. Financiamento da Educação; 6. Muncipalização e Gestão Municipal; 7.Planejamento e Avaliação Educacionais; 8 Profissionais de Educação 9. Gestão de Sistemas Educacionais; 10 Gestão da Universidade e 11.Gestão da Escola. Optamos por destacar eixos de discussão presentes em uma ou mais das categorias assinaladas, de modo a destacar as aproximações efetuadas entre diferentes obras que contribuíram na construção dos referenciais teóricos deste estudo. 5 Ver a respeito: Barzelay, 2000 Duarte, MRT Página 62 gestão gerencial (Parente & Lück, 1999) e a coletânea organizada por Oliveira (1997), por sua análise e crítica aos pressupostos do gerencialismo, em especial no estado de Minas Gerais. c) questões referentes às determinações presentes entre reestruturação econômica/globalização, políticas públicas e os agentes sociais. Neste grande eixo de debates encontram-se análises sobre as externalidades e abrangência das reformas educacionais em curso no país. Duas linhas interpretativas acham-se presentes. Por um lado, estudos com posições diferenciadas, que focam a crise fiscal do Estado na ampliação dos serviços que efetivam direitos sociais em um contexto de complexificação dos interesses e ações presentes na sociedade civil. Por outro lado, estudos que privilegiam efeitos da introjeção na esfera pública dos valores e procedimentos inerentes á lógica capitalista e/ou a racionalidade político administrativa que preside os organismos internacionais. Expressivos desta segunda linha interpretativa os artigos das coletâneas: “O Banco Mundial e as políticas educacionais” (Tommasi, et al. 1996), Escola e trabalho: políticas de administração dos sistemas de ensino (Duarte & Oliveira, 1999), o livro Educação básica: gestão: gestão do Trabalho e da pobreza (Oliveira, 2000), como também os diversos trabalhos sobre a influência do Banco Mundial na elaboração das diretrizes nacionais de política educacional Com foco na crise fiscal do Estado brasileiro e suas repercussões para a reforma educacional no Brasil situam-se os estudos produzidos pelo Instituto de Pesquisas Aplicadas do Ministério do Planejamento (IPEA), o trabalho de Arrechte (2000), como também os diferentes trabalhos que abordam, mais especificamente, o estudo de gastos dos entes federados com políticas sociais. Destacamos, também, a coletânea organizada por Gomes & Amaral Sobrinho (1992) pela sistematização pioneira das diretrizes políticas que iriam fundamentar as medidas reformistas no decorrer da década de 90; d) questões relativas ao financiamento público e atribuição de responsabilidades para com as diferentes etapas e modalidades da educação básica. Nesta área tem-se destacado estudos relativos à municipalização do ensino fundamental (Oliveira et al. 1999; Azanha, 1995) e os impactos da implantação do FUNDEF. Teses e dissertações defendidas no programa de pós-graduação da USP (Pinto, 2000; Bassi, 2001), os estudos produzidos com o apoio da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) sobre os Duarte, MRT Página 63 efeitos do FUNDEF (Monlevade & Ferreira) como também, os estudos de Davies (2001), relacionados com a sistemática de implantação do FUNDEF no Brasil, abordam este campo temático tendo como principal referencial interpretativo a categoria de municipalização. Os debates desenvolvidos em torno dessas questões contribuíram para a problematização sobre o regime de colaboração entre os entes federados. Como eixo da interpretação efetuada, consideramos o caráter estruturante da sistemática de financiamento. O desafio analítico a ser enfrentado relaciona-se com a avaliação dos efeitos gerados por variáveis institucionais de formatação das medidas de financiamento. Como a reforma educacional liderada pela União no período de 1996-2002, alterou o design dos sistemas públicos de educação no país a partir da segunda metade da década de noventa. 3.2 Da atribuição de responsabilidades ao exercício da função supletiva e redistributiva Meses antes da aprovação da LDBEN em dezembro de 1996, a Emenda Constitucional nº 14 havia modificado o artigo 211 da CF de 1988, fixando para a União em matéria educacional o exercício de função supletiva e redistributiva. No período, os debates travados em torno do Projeto de Emenda Constitucional concentraram-se nas possíveis alterações a serem impostas à sistemática de financiamento do ensino superior e nas modificações introduzidas no art. 60 do ADCT. Mas a emenda incorporava ao texto constitucional atribuições e mecanismos para o exercício da ação supletiva e redistributiva, que estavam propostos desde as discussões iniciais da LDBEN. § 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (art. 3º,EC 14/96) Com os novos dispositivos, o texto constitucional desobrigava a União da aplicação de recursos em programas de combate ao analfabetismo, fixava o mecanismo pelo qual darse-ia o exercício de sua função redistributiva – um fundo contábil – e vinculava a assistência técnica e financeira à função supletiva (ABREU: 1999:42-45). Desse modo, a Duarte, MRT Página 64 reforma do texto constitucional incorporava princípios para a atuação da União na EB, cuja importância relativa foi, posteriormente, elucidada com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases. Eximindo o governo federal jurídica e politicamente da oferta direta de educação escolar e responsabilizando estados e municípios para com o atendimento da educação básica, a LDBEN de 1996 determinou, no entanto, a promoção de ações para correção de disparidades de acesso e garantia de um padrão mínimo de qualidade6. Art. 75. A ação supletiva e redistributiva da União e dos Estados será exercida de modo a corrigir, progressivamente, as disparidades de acesso e garantir o padrão mínimo de qualidade de ensino (LDBEN). Este dispositivo da Lei complementar da educação nacional ampliou a atribuição fixada para a União no texto constitucional reformado, que limitava a assistência técnica e financeira aos estados, distrito federal e municípios. O que é mais significativo, ainda, para o crescimento deste papel, encontra-se na autorização dada pela LDBEN, para o exercício pela União da função supletiva diretamente nas escolas(§ 3o., art. 75, LDBEN). Nas diversas fases de elaboração da nova Constituição Federal, as propostas e deliberações sobre o financiamento da educação foram marcadamente atravessadas pelo conflito em torno da exclusividade ou não-exclusividade da destinação de recursos públicos às instituições educacionais públicas (Farenzena, 2001: 350). O tema da municipalização do ensino obrigatório, nesse período embora polêmico, revestiu-se como de natureza secundária à destinação dos recursos e definição de fontes de financiamento da educação pública. A prioridade dada ao tratamento desta disputa em estudos relativos a educação no período constitucional, subsumiu o desvelamento de toda uma gama de posições em conflito, onde a reconstrução do sentido dos termos e dos enunciados continha elementos para a reordenação do sistema nacional de educação básica, efetuada nos período de 1995-2001, 6 A CF de 1988 determinava à União a prestação de assistência técnica e financeira aos estados e municípios (§1º, art. 221). A LDBEN, por sua vez, atribuiu à União funções de coordenação e normativas, não previstas no texto constitucional, além das funções redistributivas e supletivas (§1º, art. 8º, LDBEN) constantes no texto constitucional revisado. As duas últimas a serem exercidas mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e Municípios (§ 1º, art. 211, CF e inc. III do art. 9º, LDBEN) Duarte, MRT Página 65 governo FHC. As translações de sentido por que passaram termos como qualidade de ensino, universalização do atendimento, papel da União ou mesmo, sua reconstrução com a associação a outros significantes, além de expressões das posições em disputa, sinalizaream os limites e possibilidades de reconfiguração dos procedimentos operacionais das posições hegemônicas. 3.3 Sistemas municipais de ensino: uma herança centralizadora e desigual Na década de oitenta, durante a elaboração da nova Constituição Brasileira foi apresentado projeto pela Comissão de Sistematização que estabelecia no Ato das Disposições Transitórias o prazo de cinco anos para a transferência aos Municípios do ensino préescolar e fundamental (art.40, ADCT). A forte reação apresentada por parte de educadores, entidades e associações de classe foi imediata e no texto final da Constituição este artigo foi suprimido (OLIVEIRA, et al. 1999: 27). Nas diferentes versões de discussão do texto constitucional o tema da organização da oferta do ensino obrigatório e infantil (inicialmente pré-escolas e, posteriormente educação infantil, ou seja, creche + pré-escolar) sujeitou-se a duas diretrizes de política: - a transferência de encargos do atendimento educacional; - a autonomia na organização de sistemas municipais de ensino. A primeira diretriz questionava o tema da universalização do atendimento público apoiando-se na distribuição de encargos diferenciados entre os entes federados. Entre os autores de emendas ao texto constitucional abrangendo esta diretriz identificamos políticos e partidos com clara vinculação eleitoral de base clientelista e suporte patrimonialista (Farenzena, 2001: 97-162). A segunda diretriz, cuja origem encontramos nas teses municipalistas fortalecidas com o processo de redemocratização do país, provia da pressão exercida pelos executivos municipais para a redistribuição dos recursos tributários e por maior autonomia político administrativa. A critica formulada a essas diretrizes destacava a desobrigação da União e dos estados subnacionais para com o financiamento direto à educação básica como também a desconstrução do sistema nacional unitário de educação. No entanto, os temas sobre maior autonomia e responsabilização dos entes federados foram tratado, também, pelos setores considerados mais à esquerda do espectro político. Duarte, MRT Página 66 Desde 1988, na proposta de um documento básico apresentado à Comissão organizadora da V CBE em Brasília, afirmava-se: A assistência técnica e financeira da União fica condicionada à efetiva aplicação do mínimo de 25% da respectiva receita de impostos pelos Estados, DF e Municípios na manutenção e desenvolvimento do ensino, sem prejuízo de outras penalidades da Lei (CBE, 1988: 12) A obrigação para estados e municípios de aplicação de um percentual mínimo constituía a primeira condição para o ingresso de recursos suplementares da União nos sistemas ensino, desde as primeiras versões da Lei de Diretrizes formuladas no âmbito da sociedade civil. Esta exigência pode ser encontrada em artigos, relatórios e pareceres de educadores brasileiros desde as primeiras discussões sobre vinculação de recursos públicos para a educação escolar7. Por sua vez, a ação suplementar de transferência voluntária de recursos técnicos e financeiros para os entes federados – desde que cumpram a aplicação de percentuais em MDE – vinculou-se também, nas proposições de textos legais, a critérios de avaliação das condições sócio-educacionais. art. 60 – A União prestará assistência financeira para o desenvolvimento da educação nos Estados e Municípios visando corrigir as diferenças regionais de desenvolvimento sócio-econômico, tendo em vista a renda per capita, a população a ser escolarizada, o cumprimento das condições da carreira nacional do magistério e o progresso quantitativo e qualitativo dos serviços de educação (SAVIANI, 1988:7) Ao apresentar uma das primeiras proposições de diretrizes e bases da educação, após a aprovação da Constituição Federal em 1988, Demerval Saviani relacionava à prestação de assistência técnica e financeira. por parte da União, exigências quanto à renda per capita do sistema de ensino, demanda por escolarização, observância de um plano nacional de carreira e controle de resultados. A institucionalidade subjacente à proposta formulada por este educador para assistência técnica e financeira da União reconhecia implicitamente a existência de sistemas 7 Rocha (2000) localiza no Convênio Nacional de Ensino Primário, promulgado em 1934, o estabelecimento da cooperação financeira da União com os estados subnacionais, já os comprometendo com a aplicação de 15% dos recursos orçamentários para MDE. (Rocha, 2000: 100-1). Ver, ainda sobre ação supletiva (Duarte & Teixeira, 1999). Duarte, MRT Página 67 municipais de ensino autônomos, como também o exercício de função regulatória pelo Estado central. O artigo 60 do texto proposto em 1988 à sociedade brasileira estabelecia, ainda, diretrizes que determinavam para a autoridade pública os critérios a serem observados para a focalização da assistência técnica e financeira. Em 1989, um ano depois de aprovada a Constituição Federal, a assembléia geral da Anped divulgava, documento contendo propostas específicas para a Lei de Diretrizes e Bases. Neste documento afirmava-se: As transferências não constitucionais de recursos da União para os Municípios (assistência financeira em geral, sob a forma de convênios, auxílios e outras) devem ser intermediadas pelos governos estaduais, sendo vedado à União realizar repasses diretos desses recursos aos Municípios. A assistência financeira da União aos Estados, destes aos Municípios, e da União aos Municípios, para fins de manutenção e desenvolvimento das redes públicas de ensino fundamental e médio, deverão pautar-se por critérios que tomem em conta: a) correção das diferenças do desenvolvimento sócio-econômico; b) déficit da população a ser escolarizada; c) cumprimento das condições de carreira do magistério; d) indicadores de renda(ANPEd, 1989: 12). O veto às transferências voluntárias diretas de recursos da União para Municípios era afirmado em um contexto onde os governos estaduais assumiram maior protagonismo político. O documento aprovado na Assembléia da Anped impedia negociações diretas para assistência financeira entre União e Municípios, em contraposição ao dispositivo constitucional que afirmava sua autonomia (caput, art. 18, CF). No entanto, em parágrafo posterior do mesmo documento, a Assembléia Geral vinculou a critérios socioeconômicos a assistência financeira aos municípios. O documento reconhecia, embora implicitamente, a possibilidade de sistemas municipais autônomos, mas acentuava a existência de desigualdades intersistêmicas para, em seqüência, ressaltar o papel da União de articulação e coordenação na definição das políticas educacionais. Em síntese, os educadores brasileiros, por sua entidade nacional, defrontaram-se com a reconstrução das diretrizes gerais de um sistema de educação, tendo por referência a existência de sistemas municipais de ensino autônomos, mas a defesa da autonomia dos sistemas municipais foi minimizada pelo reconhecimento das desigualdades Duarte, MRT Página 68 preexistentes. No entanto, ao reafirmarem a importância de relacionar a ação de assistência financeira [ação supletiva] a critérios objetivos de correção das desigualdades, os educadores brasileiros reconheciam que a assistência técnica e financeira por parte da União consistia em mecanismo eficaz de indução de políticas capazes de correção das desigualdades inter e intra-sistêmicas. 3.4 Autonomia dos sistemas municipais e sistema único de EB O tema das relações entre os entes federados já estava presente nas discussões iniciais da LDBEN8. O documento da Anped, entretanto, é revelador de importantes concepções sobre o sistema de educação básica entre setores considerados mais à esquerda no espectro político. O texto defendia, em diferentes trechos, a fixação de parâmetros ou padrões nacionais mínimos (curriculares, de duração do ano escolar, de qualidade para o conjunto da unidade federada) como instrumentos capazes de assegurar um caráter unitário ao ensino.(p.4). Este tema, ao longo da década de noventa, foi ressignificado, quando um padrão mínimo tornou-se a medida da efetivação do direito. Se a defesa da descentralização em sistemas municipais autônomos não era consensual entre os setores considerados mais à esquerda, a matriz das diferentes posições pode ser resgata nas concepções sobre as relações entre os entes federados. art. 9º É da competência dos Estados e do Distrito Federal autorizar e supervisionar o funcionamento dos estabelecimentos municipais e particulares de educação anterior ao 1º grau, de 1º e de 2º graus (SAVIANI, 1988: p.5) Saviani reiterando termos propostos por Lourenço Filho em 1961 quando das discussões sobre o sistema nacional de educação, reafirma a centralização funcional, de uma parte das ações de política educacional e a descentralização executiva (desconcentração), de outra parte: financeira e administrativa. Nesta perspectiva, a unidade do sistema decorreria do papel normativo dirigente assegurado para a União e/ou Estados, cabendo aos Municípios prover e fiscalizar a execução dos serviços educacionais. 8 Duarte & Teixeira (1999) apresentam as diferentes proposições quanto ao papel da União para com a educação básica no decorrer da tramitação do projeto de lei de diretrizes e bases da educação, na primeira metade da década de noventa. Duarte, MRT Página 69 No esboço de sua proposta de texto para a nova LDBEN (1988) propositalmente evitou utilizar a expressão "sistemas de ensino" para resguardar o caráter de unidade, que entendia ser a marca distintiva da noção de sistema. Pela mesma razão evitou também a multiplicação das instâncias normativas, que ficaram restritas a duas (SAVIANI, 1988: 3). O tema da municipalização do ensino era tratado, em sua perspectiva, pela atribuição aos governos locais de responsabilidade para com a oferta do ensino infantil (creches e préescolas) e educação obrigatória. Em 1990, foi aprovado pela Comissão de Educação da Câmara o substitutivo do Dep. Jorge Hage. O substitutivo, amplamente debatido com a sociedade civil, reafirmava, no art. 111, as condições para prestação de assistência técnica e financeira aos municípios, sendo atribuição da União prestar assistência técnica e financeira aos sistemas de ensino, visando a superação das desigualdades sociais e regionais. O reconhecimento de sistemas municipais autônomos ficou subordinado, no substitutivo Jorge Hage, a aprovação da solicitação prévia encaminhada ao órgão normativo do sistema estadual (§ 1º, art. 14). Nos debates travados em torno deste projeto de Lei, o tema da autonomia dos sistemas municipais adquire maior visibilidade. Ao comentar os aspectos a serem revistos no texto do substitutivo, Saviani destaca: [A constituição] não estendeu aos municípios a competência para legislar em matéria de educação. Portanto, não tendo autonomia para baixar normas próprias sobre educação e ensino, os Municípios estão constitucionalmente impedidos de instituir sistemas próprios, isto é, municipais de educação ou de ensino. Não obstante, o texto constitucional deixa margem, no art. 211, para que se possa falar em sistemas de ensino dos municípios (SAVIANI, 1997: 62). As concepções de Demerval Saviani expressavam, no período, algumas das posições dos educadores brasileiros reunidos nos Fórum em Defesa da Escola Pública. Esta entidade congregava posições e grupos em defesa da educação pública, quando da elaboração da LDBEN. A noção de autonomia dos sistemas municipais de ensino, para estes setores, era conflitante com preocupações históricas voltadas para a superação das desigualdades sociais/regionais e com a constituição de um sistema unitário de educação no país. O projeto Jorge Hage sintetizou estas posições mais à esquerda do espectro político sobre o sistema nacional de ensino. Subordinou a existência de sistemas municipais autônomos à Duarte, MRT Página 70 aprovação prévia por órgão estadual. Atribuiu a estados e municípios a oferta da educação básica (inc. II e III do art. 17) e fixou para a União uma atuação prioritária na manutenção de sua rede de ensino superior e tecnológica e uma atuação supletiva, corretiva das desigualdades regionais, com relação à EB (inc. I do art.17). O substitutivo Jorge Hage, apresentava novas fontes de financiamento para educação infantil e subvinculava recursos para o combate ao analfabetismo, ampliando os termos do art. 60 do ADCT de 1988. Neste projeto, posteriormente conhecido como projeto da sociedade civil, a ação supletiva da União voltava-se para o tema da correção das desigualdades e a autonomia dos sistemas locais de ensino era parcialmente reconhecida (ver, também, Farenzena, 2001). Em um contexto político onde a iniciativa das proposições achava-se com setores organizados da sociedade civil – reunidos no Fórum em defesa da escola pública – o reconhecimento das desigualdades regionais fundamentava posições pró-maior centralização político-administrativa pela União e de restrição a sistemas municipais autônomos. Mas, no período subseqüente, o reconhecimento da diretriz de política educacional para a prioridade de tratamento as desigualdades regionais e de capacidades diferenciadas dos municípios, adquire suporte em outro enquadramento teórico: o reconhecimento da crise fiscal do estado e da capacidade fiscal diferenciada dos sistemas municipais de ensino. ... torna-se premente o estabelecimento de parâmetros para as novas modalidades de interação entre municípios e estado, bem como a indicação de prioridades para complementação de recursos por parte da esfera federal, (...) Assim sendo, se tudo indica não ser conveniente repassar para os municípios pequenos e pobres a manutenção direta das redes de ensino fundamental, não há porque continuar isentando os mais ricos da assunção de encargos maiores e mais diretos na área. Também não há razão para continuar poupando os municípios que mantêm redes próprias e bem providas, de arcarem cada vez mais com a expansão da demanda na própria localidade (Barreto, 1992: 27) Ao assumirem posições de governo no âmbito local ou estadual, setores que combateram a política educacional do período autoritário, defrontavam-se com a (in)capacidade fiscal dos estados subnacionais e governos locais para a expansão do atendimento sob as mesmas bases de financiamento estatal. A atribuição de responsabilidades diferenciadas constituirá, para estas posições, contrapartida de autonomia política em decorrência da insuficiência de recursos. Duarte, MRT Página 71 A divulgação do esboço do novo anteprojeto de lei pelo Senador Darcy Ribeiro, em 1992 explicitou as divisões entre educadores, entidades da sociedade civil e gestores que combateram a política do período militar9. As eleições de 1990 resultaram em alterações expressivas no Congresso Nacional e trouxeram para o primeiro plano do cenário político proposições relativas à redução da ação do Estado. As diferentes posições quanto à autonomia dos sistemas municipais passaram, agora, a ser demarcadas pela defesa de maior ou menor intervenção da União na oferta direta de Educação Básica. 3.5 Relações federativas e função supletiva e redistributiva da União A assistência financeira da União aos sistemas estaduais e municipais de ensino foi condicionada, no projeto conhecido como Darcy Ribeiro, à ativa colaboração desses ao sistema nacional de avaliação do rendimento escolar, num período em que o Ministério da Educação iniciava a estruturação do SAEb. Esta modificação articulava pela primeira vez nos textos de diretrizes e bases assistência financeira e avaliação sistêmica do rendimento escolar, o polêmico substitutivo de 1992 acrescentava às finalidades das ações de assistência técnica e financeira aos Estado e Municípios a promoção da avaliação sistêmica. E no lugar da redução das desigualdades sociais e regionais o texto legal passaria a indicar o desenvolvimento dos sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória. O último objetivo restringia o escopo da assistência prestada pela União e o primeiro relativizava prioridades em relação às diferenças sócio-econômicas. O substitutivo Darcy Ribeiro concedia autonomia aos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios. Estabelecia nítida definição de responsabilidades de cada ente da Federação e prioridades quanto aos níveis de ensino. Neste substitutivo, redistribuição e supletividade transformaram-se em princípios de doutrina, e o que é tão ou mais importante, da afirmação destes princípios decorrem até mecanismos operativos (USP/GT, 1995:1-2).s 9 A elaboração do substitutivo do Senador Darcy Ribeiro contou com a participação da Profª Eunice Ribeiro Durham da USP, ligada a equipe do ex Ministro José Goldemberg, dos Profs Cândido Alberto Gomes e Maria do Céu Jurema, da assessoria do Senado e do Prof. Jorge Ferreira, ligado a equipe que conduziu a implantação dos CIEPs (Ribeiro, 1992: 20) Duarte, MRT Página 72 A alocação dos recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino tem como critério básico os recursos materiais e humanos mínimos per capita necessários para que seja assegurado a cada aluno matriculado o padrão mínimo de qualidade A partir de 1992/93 os dois projetos concorrentes no Senado Federal – o substitutivo do Senador Cid Sabóia, que incorporava com modificações o projeto Jorge Hage e o proposto pelo senador Darcy Ribeiro – disputam concepções diferenciadas sobre as relações entre os entes federados no campo da educação escolar básica. Na versão que incorporou o projeto da Câmara prevalecia uma concepção de intervenção reguladora do governo central no provimento e controle ex ante dos serviços necessários à educação básica mediante assistência técnica e financeira. Na segunda versão, o papel da União na prestação direta de serviços é restringido, inclusive no que tange à Educação Superior; no entanto, sua função de regulação ex post é ampliada (ver Cury, 1997 e Abreu, 1999). Em 1996, a Emenda Constitucional nº 14/96 e a Lei de Diretrizes e Bases aprovada pelo Congresso Nacional estabeleceram o predomínio da segunda concepção. À União funções normativas de coordenação, redistritutivas e supletivas, aos estados e municípios incumbência da oferta direta de Educação Básica e o exercício de funções normativas no âmbito de seus sistemas de ensino. Esta posição é congruente com as diretrizes de Reforma do Estado que ancoradas em novas estratégias de ampliação do atendimento, com restrições de financiamento e avaliação dos resultados reestruturam o sistema público de educação. No entanto, o predomínio de uma versão na norma legal aprovada não elide as disputas anteriormente travadas e o texto constitucional reformado, como a LDBEN, carregam em muitos pontos vozes múltiplas (Cury, 1997). A leitura das competências atribuída à União e dos mecanismos de exercício da ação supletiva permite recuperar posições formuladas por outras vozes e não elididas do texto de diretrizes e bases. A fórmula final do artigo 75 da atual LDBEN introduziu e desse modo reconheceu a capacidade de atendimento diferenciada dos sistemas de ensino, como critério verificador de disparidades intersistêmicas. Pode-se diante do exposto, ter uma idéia de como o dispositivo funcionaria: o governo federal fixaria o custo mínimo da educação primária pelas Duarte, MRT Página 73 regiões; cada Município, em face de sua renda tributária, verificaria quantas crianças poderia educar; fundado nesse fato, cada Estado calcularia o número de crianças que lhe caberia educar, dentro daquele custo mínimo adequado, a fim de constatar se os 20% de sua renda tributária seriam suficientes; caso contrário, a União, nos termos da Constituição viria em socorro, concedendo auxílio para o número de crianças que faltasse (Teixeira, 1961:5) Uma proposta de ação supletiva criteriosa, contando com recursos permanentes que conjugasse esforços dos entes federados percorre a história da educação brasileira. Na tradição liberal, expressa por Anísio Teixeira, os temas dos desequilíbrios inter-regionais, das diferenças de atendimento e das desigualdades intersistêmicas acham-se presente, como também, entre aqueles que participaram dos embates em torno da Constituição de 1988. A síntese jurídica, formulada na EC 14/96 e na LDBEN, deve ser lida a luz dessa história. No entanto, estas proposições vêm sendo revistas com a implementação da reforma educacional a partir da segunda metade da década de 90 – governo FHC. A tradição liberal expressa por Anísio Teixeira, no contexto dos anos sessenta, propunha que a ação supletiva da União fosse dirigida para aqueles estados e municípios que, mesmo utilizando seus recursos vinculados não conseguissem atingir um custo-mínimo por aluno face à demanda. O “socorro” da União devido à insuficiência de recursos, no entanto, é precisado em algumas das proposições legislativas, após a aprovação do texto constitucional (Saviani, 1988). O reconhecimento implícito, neste período, do regime federativo no país promove a elaboração de normas que, por um lado reconhecem a autonomia dos sistemas locais, mas por outro, compartilham obrigações entre poderes autônomos10. Podemos afirmar que na formulação das políticas educacionais a questão federativa, além de pouco debatida, só recentemente tem sido abordada pelas posições mais críticas ao sistema educacional erigido e organizado nos períodos autoritários (1930-1945 e 1964- 10 Ver, ainda, a respeito o artigo de Mascavo (1961) Duarte, MRT Página 74 1984)11. Uma proposta de ação supletiva criteriosa, voltada para o aperfeiçoamento dos desequilíbrios políticos e sociais entre os entes federados, percorreu de modo recessivo, as proposições de política educacional voltadas para a superação das desigualdades educativas. No entanto, as críticas e denuncias produzida a este respeito, abordavam o tema pelo viés da municipalização induzida (Rosar & Souza, 1999; Oliveira et al, 1999; Pinto, 2000 e outros), da autonomia da escola (Oliveira, 2000), ou do estudo comparativo da formulação jurídico-política, silenciando-se quanto às dimensões e conseqüências de relações intergovernamentais onde as unidades constitutivas da federação detêm autoridade para deliberar em sua esfera de competência. É recorrente nos estudos sobre a defesa da participação cidadã reivindicações por maiores recursos, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, sem a problematização dos mecanismos de repasse financeiro. Embora esta perspectiva esteja presente na crítica formulada às agencias de financiamento internacionais, internamente expressam a efetivação do regime de colaboração entre os entes federados no país. Se os estudos sobre financiamento, na atualidade, tendem a abordar diferentes aspectos de política educacional deve-se, a nosso ver, ao caráter estruturante da sistemática de financiamento sobre diretrizes jurídico-políticas de educação. A centralidade da distribuição do fundo público para a reprodução das relações sociais (0liveira, 1998) exige das políticas sociais o desempenho de funções contraditórias que, por sua vez, intervêm na formulação e implementação de sua sistemática operacional. 3.5 Relações federativas e assistência aos estados e municípios No estado de Minas Gerais, desde o início da década 90, políticas governamentais de educação têm priorizado a expansão do atendimento público no ensino fundamental e critérios de maior eficiência na gestão do sistema estadual de EB. Políticas estaduais de educação básica, formuladas desde o início da década, defrontaram-se com questões relacionadas ao regime de colaboração entre a “rede estadual” e as “redes municipais”. Estudos apontando a racionalidade política que orientou a(s) reforma(s) mineira(s) da 11 Arrechte (2000) destaca que as políticas sociais, as organizações governamentais e os programas que compõem o aparato diferenciado de proteção social no Brasil, construído nos períodos autoritários estruturam-se com base na centralização de recursos e capacidade decisória e desconcentração da gestão. Duarte, MRT Página 75 década de noventa foram desenvolvidos por Oliveira, 1996 e 2002, mas medidas adotadas neste período, para redistribuição de recursos financeiros apresentam diferenças em relação a proposta adotada nacionalmente. Em 1995, o governo de Minas Gerais aprovava a L. nº 12.04012, que dispunha sobre a distribuição da parcela de receita do produto da arrecadação do ICMS. Conhecida como Lei Robin Hood por seu caráter redistributivo, esta Lei estadual operacionalizava o conceito de capacidade de atendimento dos sistemas municipais de ensino como um dos recursos para redistribuição entre estados e municípios da cota parte do ICMS. CMA é a capacidade mínima de atendimento do Município, calculada pela relação entre 25% (vinte e cinco por cento) da receita de impostos, do Município, compreendida a proveniente de transferências, e o custo por aluno estimado pela Secretaria de Estado da Educação (Anexo II, L. nº12.040/95). Com a aprovação da Lei nº 9424/96, que regulamentou o FUNDEF, estabeleceu-se nacionalmente o mecanismo de operacionalização da prioridade de atendimento no ensino fundamental - recursos públicos estaduais e municipais subvinculados a um fundo específico - e, deste modo, delimitou-se residualmente a parcela do fundo público a ser destinado à educação infantil e ensino médio. A sistemática operacional da Lei nacional e estadual tem por objetivo implementar medidas redistributivas capazes de equalizar a capacidade de atendimento dos sistemas públicos estadual e municipais, efetivando o princípio de igualdade de oportunidades. O mecanismo básico de funcionamento da Lei nacional impõe um confisco, em conta especial, de parte dos recursos vinculados a educação do Estado e Municípios, retornando ao respectivo nível de governo na proporção das matrículas no ensino fundamental (PINTO, 2000: 63). Verifica-se, desde modo, apenas a redistribuição de recursos para homogeneizar disparidades intra-estaduais de capacidade fiscal dos municípios em cada 12 Revogada, posteriormente, pela Lei estadual n° 13.803 de 2000 que a reformulou, mantendo entretanto os critérios de redistribuição dos recursos vinculados ao ICMS, com alteração dos percentuais de destinação Duarte, MRT Página 76 estado, sem possibilitar intervenções reguladoras da e na capacidade de formular e implementar políticas dos sistemas públicos de ensino. A Lei estadual, por sua vez, distribuía entre os municípios 25% (quota-parte) da arrecadação do ICMS de acordo com um índice que contemplava, dentre outros fatores, o número de alunos matriculados no ensino fundamental. Embora a maior parte dos recursos retornasse ao município de onde provinha a arrecadação, a chamada Lei Robin Hood, introduzia a redistribuição dos recursos tributários com fundamento em critérios socioculturais. Tanto a Lei nacional (FUNDEF) quanto a estadual (Robin Hood) autorizaram o poder executivo a arbitrar um custo mínimo/aluno/ano como referência básica para um padrão mínimo de qualidade. E a referência para determinar este valor em ambas as normas legais relaciona-se, apenas, às possibilidades fiscais do sistema público montante de recursos vinculados divididos pelo número de alunos matriculados no ensino fundamental (FUNDEF) na rede municipal de ensino (Robin Hood). Esta sistemática é indutora da expansão dos anos de atendimento no ensino fundamental, como mecanismos de captação de recursos e redução do gasto/por aluno. Estimula, ainda, a adoção de expedientes como a matrícula de crianças com idade inferior ou superior a faixa etária correspondente ao Ensino Fundamental, a retenção de alunos nesta etapa da EB e, também, o aumento do número de alunos por profissional de magistério de modo a compensar o baixo custo mínimo fixado. Adotadas em um período onde as diretrizes de política nacional de educação inspiravam-se em diretrizes formuladas pelo Banco Mundial13 e os recursos do Banco apoiavam programas estaduais e nacional voltados para o ensino fundamental, os mecanismos de redistribuição dos recursos subvinculados apresentam elementos e procedimentos de redistribuição voltados para a otimização da eficiência no uso dos recursos disponíveis e para reforçar a competição inter sistemas de ensino. 13 Em 1995 o Banco Mundial divulgou o documento “Priorities and strategies for education: a World Bank review”, onde medidas promotoras de eficiência e eficácia na gestão da educação eram assinaladas. Duarte, MRT Página 77 As conseqüências da implantação do FUNDEF para os municípios foram bastante exploradas na literatura sobre a atual política de financiamento educacional (Pinto, 1999; Monlevade, 1997; Castro, 1998; MEC, 2000; Oliveira, 2001; Davies, 2001). Sua função redistributiva no âmbito dos estados ainda precisa ser melhor analisada14, no entanto, esta sistemática de financiamento é complementada pela assistência financeira prestada pela União, com base nos recursos do salário educação, administrados pela Fundação Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). E a sistemática de transferências voluntárias constitui um elemento de importância na indução de uma política educativa de governo (Arrechte, 2000), como também, para efetivar o regime de colaboração entre os sistemas de ensino. A subvinculação de recursos ao Ensino Fundamental, mediante a criação de um fundo específico, operacionalizou o exercício da função redistributiva da União, apesar da definição arbitrária do custo-mínimo anual por aluno. No entanto, compete à União o exercício de função supletiva, mediante assistência técnica e financeira, operacionalizada pela transferência voluntária de recursos provenientes da contribuição social do salário educação. 3.6 Relações federativas e assistência financeira a estados e municípios Nos termos propostos pela LDBEN, a capacidade de atendimento dos sistemas de ensino acha-se associada à relação existente entre o montante de recursos constitucionalmente disponíveis para MDE e o custo anual do aluno, relativo ao padrão mínimo de qualidade. A Lei estabeleceu exigências de uma ação supletiva para com os sistemas que ofertam a Educação Básica, o que resulta na determinação da capacidade de atendimento do sistema considerando as diferentes etapas a serem ofertadas – EI e EF para os sistemas municipais e EF e EM para os estados. A razão entre recursos constitucionais vinculados à EB e custo anual do aluno estabelece a amplitude possível do atendimento. Se a matrícula apresentada pelo município superar este valor, ocorre o esgotamento da capacidade de atendimento do sistema (CAE), enquanto 14 O capítulo 4 desta tese analise a capacidade redistributiva do FUNDO no estado de Minas Gerais Duarte, MRT Página 78 que o inverso indica a possibilidade de ampliação do atendimento no sistema (CAA). Portanto, a determinação do custo anual do aluno por sistema de ensino, relativo ao padrão mínimo de oportunidades educacionais, constitui o termo a ser definido. A Lei 9424/96 (FUNDEF), que instituiu o mecanismo redistributivo a ser observado pela União, ao prever a complementação dos recursos estabelece a razão entre a previsão de receita total e a matrícula para a definição objetiva do custo mínimo por aluno no ensino fundamental. O valor resultante constitui o parâmetro mínimo que obriga a intervenção compensatória da União. Entretanto o Conselho Nacional de Educação diferencia este mecanismo do disposto no art. 75 da LDBEN. Note-se que o referido custo mínimo associado a padrões mínimos de qualidade não deve ser assimilado ao valor mínimo por aluno mencionado na Lei 9.424/96 (CNE, 1997) Esta distinção fundamenta-se na diferença entre as duas funções atribuídas à União: redistributiva e supletiva. O mecanismo redistributivo aprovado acha-se expresso na Lei 9424/96. No entanto, a função supletiva mediante assistência técnica e financeira a estados e município recebeu um tratamento na LDBEN distinto da sistemática operacional implementada a partir da EC n° 14 de 1996. Cada sistemática revela e fortalece padrões de relacionamento intergovernamentais diferenciados. 3.6.1 - A sistemática operacional do FNDE Em 1998, decreto da Presidência da República – no. 2520 de 19 de março – aprovou na estrutura regimental do FNDE as competências de seu conselho deliberativo. Composto por titulares de cargos comissionados do Ministério da Educação, a este órgão compete deliberar sobre a assistência técnica e financeira a estados, municípios e estabelecimentos particulares de ensino, dentre outras ações (item c, inc. I, art. 6o, D. 2520/98). Em janeiro do ano seguinte, o conselho deliberativo divulga as normas para assistência financeira a programas e projetos educacionais (Resolução 4, de 21/01/1999), válidas para o ano de 1999 e 2000 (Res. Nº 05 de 10/02/2000). As normas estabelecidas, em 1999, pelo Conselho Deliberativo do FNDE definiam quais as ações e programas passíveis de financiamento, quais as ações e programas destinados a Duarte, MRT Página 79 estados, municípios e/ou organizações não governamentais, como também o nível ou modalidade de ensino onde poderão ser aplicadas (Quadros n.° 1 e 2). QUADRO 1 Demonstrativo das ações por níveis e modalidades de ensino nível/modalida Destinatários de de ensino educação pré- municípios e distrito ¾ formação continuada de professores escolar federal ¾ material didático/pedagógico Ensino estados, fundamental federal e municípios ¾ manutenção física de escolas educação escolar indígena educação estados e municípios ¾ formação continuada de professores distrito Ações ¾ formação continuada de professores ¾ material didático/pedagógico de estados, jovens adultos e federal, municípios e especial ¾ formação continuada de professores ¾ material didático/pedagógico ongs estados, educação distrito distrito ¾ capacitação de professores e técnicos federal, municípios, ¾ material didático/pedagógico ongs, INES e IBC ¾ equipamentos para escolas ¾ manutenção física de escolas ¾ adaptação de escolas Fonte: Normas de assistência financeira/MEC - 1999 QUADRO 2 Demonstrativo dos programas por nível ou modalidade de ensino e destinatários Programa Aceleração nível/modalidade de ensino Destinatários a a da ensino fundamental (1 . a 4 . estados, municípios e DF aprendizagem série) apoio tecnológico ensino fundamental estados, municípios e DF transporte escolar ensino fundamental municípios educação especial municípios e ONG Fonte: Normas de assistência financeira/MEC – 1999 Duarte, MRT Página 80 Os quadros demonstram como se articulam etapa/modalidade/ações e programas passíveis de assistência financeira. Deste modo, a União pôde induzir a adoção de programas definidos centralmente e assegurar sua execução descentralizada. Pois os municípios deveriam elaborar projetos para as etapas/modalidades previstas dentre os programas estabelecidos. O primeiro contemplava diretriz de regularização do fluxo escolar. O segundo relaciona-se com a compra de kits de produtos para divulgação de conteúdos de ensino. E o terceiro com a compra de equipamentos ou pagamento de serviços de terceiros. Em 2001 o Conselho Deliberativo do FNDE altera novamente os critérios para assistência financeira aos estados, municípios e ongs. Introduz o critério de regiões de atendimento prioritário e estabelece, para cada estado da federação, uma relação de municípios-pólo, que poderão pleitear assistência financeira. Esta nova sistemática exige, ainda, que os municípios-pólo agreguem em sua proposta de execução outras cidades. Conseqüência importante, advinda destes novos critérios, para os sistemas municipais de ensino relaciona-se com a necessidade de definição de ações e programas comuns para uma região, induzindo, desse modo, políticas de colaboração intersistemas municipais. Esta sistemática operacionaliza o regime de colaboração, previsto na Constituição e LDBEN, desconcentra a execução das ações e programas educacionais nos Municípios e/ou Estados, deixando para a União a formulação e articulação entre diferentes políticas e programas. A conseqüência mais imediata advinda para os sistemas municipais relacionase com a presença de um corpo técnico de especialistas capaz de formatar as necessidades locais aos programas e ações estabelecidos centralmente. Este conjunto de procedimento é, ainda, indutor de alterações nas relações entre os entes federados e destes com diferentes segmentos de mercado. As normas de assistência técnica e financeira aprovadas pelo Conselho Deliberativo do FNDE reinterpretaram os termos da LDBEN para a função da União no que se refere à educação básica. A ação supletiva e redistributiva da União e dos Estados será exercida de modo a corrigir, progressivamente, as disparidades de acesso e garantir o padrão mínimo de qualidade de ensino. Duarte, MRT Página 81 § 1º. A ação a que se refere este artigo obedecerá a fórmula de domínio público que inclua a capacidade de atendimento e a medida do esforço fiscal do respectivo Estado, do Distrito Federal ou do Município em favor da manutenção e do desenvolvimento do ensino (art. 75, LDBEN). O objetivo a ser perseguido envolve corrigir disparidades de acesso e garantir padrão mínimo de qualidade e, para tanto, o repasse de recursos técnicos e financeiros deve observar o diferencial da capacidade de atendimento assim como o esforço fiscal dos sistemas municipais e estaduais de ensino. No entanto, a sistemática operacional adotada prioriza a execução local de programas definidos centralmente. Nos termos da LDBEN a União dispõe de poder concorrente com os sistemas estaduais e municipais cuja capacidade de atendimento frente as suas atribuições acha-se esgotada. 3.7 Federalismo, regime de colaboração e assistência técnico-financeira: diferenças na capacidade de atendimento Qual a origem desta sistemática de colaboração e assistência técnico-financeira? Ao estabelecer o regime de colaboração entre os entes federados, incluindo os municípios. a Constituição Federal de 1988, estabeleceu para o campo educacional a questão política de como articular ações entre as três esferas de governo (federal, estadual e municipal). A resposta a esta questão requer um diagnóstico prévio: a revisão do papel do Estado na formulação financiamento e implementação das políticas sociais e, mais especificamente do direito à educação básica15. A crítica aos modelos de intervenção do Estado no campo social foi corrente desde a segunda metade dos anos 80, mas a formulação de mecanismos operacionais consistentes 15 No início da década de noventa o IPEA promoveu um amplo debate sobre temas ligados direta ou indiretamente à pobreza e desigualdade de renda. Em setembro de 1990, realizou-se em Brasília o simpósio intitulado: o desafio da escola básica: qualidade e eqüidade. Em novembro do mesmo ano, no seminário sobre “Eficiência, eficácia em políticas sociais”, pesquisadores do IPEA e acadêmicos convidados apresentam análises sobre a vinculação entre gastos públicos, investimentos em educação e mudanças nos paradigmas de ação do Estado no país (Gomes, C & Amaral Sobrinho, J., 1992) O foco das análises dirigiuse para a urgência de revisão dos processos de gestão da res publica no campo educacional. Com forte fundamentação em pesquisas empíricas relacionadas ao gasto dos entes federados para com educação, estes estudos promoveram o ressurgimento no debate educacional dos pressupostos da teoria do capital humano, como também impulsionaram questões relativas à otimização do gasto com MDE. Duarte, MRT Página 82 com uma reformulação da ação do Estado foi explicitada, somente a partir da segunda metade dos anos 90 (governo FHC). A reforma político-administrativa do sistema público de educação básica, desde a aprovação da EC n° 1996, enfatizou temas como gestão autônoma e responsável dos recursos públicos, municipalização e participação dos serviços educacionais, porém sem equacionar padrões e limites do atendimento prestado. A LDBEN, por sua vez, deixou a regulação do padrão de qualidade nos aspectos infraestruturais em aberto para cada sistema de ensino (art. 25, LDBEN). Estas indefinições promovem, por sua vez, maior autonomia decisória na composição de gastos com MDE, mas também contribuem para rearticular relações entre o setor público e o privado. Neste sentido, os mecanismos, que efetivam o regime de colaboração entre os entes federados como a sistemática operacional do FNDE, cumprem um importante papel na definição de uma institucionalidade que opera simultaneamente com desconcentração executiva e centralização decisória. Para Arrechte (2000), são incentivos adequados à estratégia de indução de políticas nas esferas subnacionais e locais de governo e também de transferência de responsabilidades. A conclusão formulada representou um passo significativo no conhecimento sobre a descentralização de responsabilidades em sistemas federados, por permitir superar as concepções que questionavam a superposição de competências e atribuições entre as esferas de governo (Almeida, 2001: 26). Entretanto, o federalismo brasileiro é assimétrico, posto que a autonomia estadual [e acrescentamos, municipal] não tem, na prática, a mesma latitude para todos os membros da federação (Kugelmas, et al. 1989). A instituição da federação visou acomodar, no aparato institucional, setores sociais com graus diferenciados de participação e também pluralidades territoriais e sociais com interesses em conflito16. No caso brasileiro, a organização federativa foi, ainda, recorrentemente contraposta a longos períodos de centralismo autoritário, que, como mencionamos, organizaram e expandiram o aparato estatal de proteção social. 16 Para uma análise político institucional do sistema federal ver: Soares, 1998 Duarte, MRT Página 83 Dale, 1999 ao analisar a difusão de diretrizes globais em formações políticas específicas, considerou que estas se fazem em interação com as formas institucionais internas aos Estados, que por sua vez reproduzem relações de poder e governance17. O conceito de “governance without governement”(Dale, 1999) contribui para a apreensão do mecanismos de internacionalização da agenda educativa, introduzindo um receituário indiferenciado para vários países. Mas, permite, também, apreender a racionalidade que preside nos últimos anos as relações intergovernamentais, entre os diferentes sistemas de ensino no Brasil. A estratégia de indução expressa nos programas do FNDE, conferiram à União capacidade de governance, dispensando-a, em contrapartida, do ônus decorrente das ações e procedimentos de governo, especialmente em um contexto de expansão das reivindicações de cidadania. Considerando que o federalismo envolve a descentralização das instituições políticas, ou seja, das instâncias responsáveis pela tomada de decisões, a sistemática operacional de assistência técnica financeira do FNDE, adotada na última década do século vinte – governo FHC -, apresenta-se predominantemente como indutora de restrições à formulação de políticas e planos educacionais pelos municípios e estados com menor capacidade de atendimento, promovendo nestes governos a execução de planos e programas definidos centralmente. Os convênios firmados entre os entes federados, para o repasse de recursos financeiros e execução dos programas educacionais, caracterizam-se mais por expressarem uma estratégia de desconcentração do tipo top down (Karlsen, 2000: 530), capaz de prevenir alternativas às diretrizes centrais e/ou promove-las territorialmente. O texto da LDBEN é ambíguo quanto à autonomia dos sistemas municipais para promoverem projetos político-pedagógicos próprios (capítulo 2), mas a rigor cabe ao governo federal as funções de coordenação, supletivas e redistributivas (de equalização e/ou promoção de igualdade de oportunidades). Por este motivo a conclusão apresentada por Draibe (1998) ao analisar os primeiros resultados dos programas geridos pelo FNDE é significativa: 17 Sobre o conceito de governance ver: Draibe, 1997. Duarte, MRT Página 84 [esses programas, Merenda Escolar, Dinheiro na Escola e TV Escola) têm reproduzido nos seus resultados o mesmo padrão de heterogeneidade e desigualdade, em geral desfavorável às escolas municipais, às escolas pequenas e às escolas localizadas no Nordeste e no Norte “(Draibe, 1998) A argumentação em torno desses resultados, por autores que tratam do regime de colaboração, envolve questões como a “avalanche de programas sem um cuidado adequado em sua formulação e gerenciamento” (Garcia, 2002: 74), ou ainda, a urgência de criação de fórum institucional para o planejamento e avaliação dos programas com representação dos entes federados, dentre outros (Machado, 2002: 130). Sem desconhecer a importância dessas medidas, para promover maior racionalidade na formulação e implementação da assistência técnica e financeira entre os entes federados, considera que em uma federação desigual como a brasileira os arranjos contratuais decorrentes de convênios, devem observar diretrizes institucionais relativas à capacidade de financiamento e esforço fiscal efetuado pelos entes federados para com a educação básica. O regime de colaboração, fixado no texto constitucional brasileiro (art. 211, CF), pressupõe relações federativas com uma estruturação descentralizada. Ou seja, relações intergovernamentais cooperativas, onde a(s) sistemática(s) de financiamento promove o desenvolvimento de capacidade decisória (projetos políticos pedagógicos locais) com intervenções reguladoras de natureza redistributiva e supletiva. 4. Dispersão e redistribuição da receita pública nos municípios do estado de Minas Gerais: critérios de orientação para análise do FUNDEF. 32. No caso do ensino médio, formularemos uma política que inclua os jovens trabalhadores. Para tanto, o Fundef deve ser ampliado para todo o ensino básico e contar com recursos suplementares do governo federal, revertendo-se o atual processo de municipalização predatória da escola pública. Além disso, a exemplo da saúde, a educação tem que ser concebida como um sistema nacional articulado, integrado e gerido em regime de colaboração (União, estados e municípios) e de forma democrática, com a participação da sociedade (PT – Programa de governo, 2002) 4. 1 Consolidando alguns pressupostos A obtenção de ganhos de produtividade constituiu uma das preocupações centrais das políticas de reforma da administração educacional implementadas no estado de Minas Gerais desde o início da década de noventa e, posteriormente no país. Autores, com posições diferenciadas quanto às perspectivas e resultados do programa mineiro de reforma educacional, enfatizaram em seus estudos a maior racionalização na gestão dos recursos financeiros e administrativos (Mello & Wey, 1994, FJP, 2000) ou a introjeção na esfera pública das noções de eficiência, produtividade e racionalidade inerentes à lógica capitalista (Oliveira, 2000)1. O modus operandi de administração da educação pública constituiu o foco da reforma, tanto na percepção de seus defensores quanto de seus críticos. Essas análises têm por pressuposto que, as diferentes políticas nacionais de reforma da administração pública consistem em respostas a fatores externos à administração, como a crise fiscal decorrente da reestruturação produtiva do capitalismo e/ou a complexificação de interesses e movimentos sociais que propugnam pela ampliação e democratização dos gastos que efetivam direitos sociais. No entanto, sem desconhecer as condicionalidades imposta pelas lutas sociais e transformações econômicas, este estudo acrescenta que estas determinações (reestruturação produtiva e democratização) não contêm per si um modelo prévio e geral dos procedimentos de interação entre Estado e sociedade. Tais condicionalidades influenciaram 1 A associação desta dupla determinação das políticas de reforma do Estado acha-se presente em diferentes autores. Mozzicafredo (2001:12) ao analisar o contexto das reformas administrativas nos países europeus destaca dentre os fatores externos a evolução econômica e financeira dos países, o crescimento das expectativas dos cidadãos e das novas formas de governance. Souza (1999) ao analisar as teorias sobre as trajetórias do welfare state, também, as reúne em dois grandes grupos não mutuamente excludentes. Duarte, MRT Página 86 medidas e procedimentos, mas permeadas por um leque de opções administrativas capazes de diferenciar resultados encontrados. Os sistemas político-institucionais presentes nos contextos nacionais, subnacionais e/ou locais atuam no sentido de filtrar determinações globais de reforma, interferindo em aspectos cruciais de reordenação das políticas sociais e afetando seus resultados. Por estas razões consideramos que a variação dos procedimentos e das medidas de utilização do fundo público produz formas diversas de organização dos espaços públicos e instituições sociais, redefinindo possibilidades de interação entre diferentes atores da sociedade civil e as instituições do Estado e produzindo rumos diferenciados de Reforma. Ou seja, o modo de administrar requer o domínio de conhecimentos, procedimentos e competências adequadas ao funcionamento institucional, mas possibilita, também, a seleção de estratégias e instrumentos capazes de delimitar e interferir na organização e funcionamento das instituições prestadoras e conseqüentemente nos resultados dos serviços prestados. 4. 2 Referenciais e procedimentos Os estudos voltados para a análise das alternativas de administração do fundo público destinado ao financiamento das políticas sociais têm-se concentrado em duas linhas de reflexão: - estabelecer parâmetros de comparação e controle público dos recursos disponíveis e gastos efetuados com o objetivo de desvelar alternativas e suas conseqüências. Neste caso, tendo por referência concepções que analisam o papel dos gastos sociais como expressão das relações políticas no interior do Estado e entre grupos e classes sociais (Esping-Andersen, 1990 e 19..) - elaborar critérios norteadores de redistribuição dos recursos e focalização dos gastos públicos com vistas à redução das desigualdades sociais. O esforço desenvolvido, neste caso, fundamenta-se nas concepções que destacam o papel regulador do Estado no desenvolvimento da economia capitalista (Offe, 1984; 1991). Nas duas vertentes a centralidade adquirida pelos procedimentos de administração do fundo público requer um duplo esforço dos estudos que se proponham a pensar os efeitos de alternativas de gestão. Para atender à temática focada na segunda vertente, este estudo apoiouse na análise comparativa da receita arrecadada dos municípios mineiros, para posteriormente, examinar as relações entre a composição da receita e de gastos em educação para quatro municípios do estado de Minas Gerais, selecionados por apresentarem população e capacidade fiscal diferenciada no período de 1996 e 2000. Consideramos que estes dados podem revelar Duarte, MRT Página 87 como, o modo de composição do fundo público destinado à educação e a estruturação dos gastos, articulam interesses contraditórios de expansão da produção mercantil vis a vis com a constituição de um espaço público não mercantil. Indagamos, em um segundo momento, sobre a racionalidade que presidiu a vinculação entre critérios de descentralização político-administrativa – forma administrativa de gestão mais plural e participativa – e a formulação da política nacional de educação básica a partir da segunda metade da década de 90. Neste segundo momento, consideramos que um novo design do sistema nacional de educação básica teve por fundamento diretrizes nacionais de utilização do fundo público – recursos vinculados e subvinculados a MDE – capazes de conferir as diferentes instâncias de governo maior capacidade regulatória dos interesses locais de reprodução dos investimentos de capital. As informações referentes à evolução da receita dos municípios mineiros foram coletadas junto à Fundação João Pinheiro (FJP, 2001) e os dados referentes à despesa obtidos nas prefeituras municipais. Os valores de despesa realizada, considerados para este estudo, foram os declarados pelas administrações locais e integram o documento denominado “Demonstrativo da Despesa realizada”. Esses documentos constam, também, no Sistema Informatizado de Parecer do Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCMG) e constituem uma base inicial da análise efetuada pelo Tribunal nas contas municipais. Observamos que, as séries históricas desses documentos não têm sido preservadas pelos governos locais, de modo acessível aos cidadãos e pesquisadores, dificultando a realização dos estudos comparativos mais abrangentes e o controle público. O TCMG não disponibilizava, quando iniciamos a realização desta pesquisa, acesso ao conjunto de informações encaminhadas pelos municípios mineiros, o que exigiu todo um esforço inicial de coleta dos dados nos municípios. 4. 3 O FUNDEF e as políticas redistributivas em educação A importância da sistemática operacional do FUNDEF tem sido avaliada, quanto ao seu mérito de induzir correções das distorções entre as redes de ensino estadual e municipais, favorecendo um acréscimo na receita adicional bruta dos municípios. O FUNDEF traz, portanto, a institucionalização de um tipo de simetria dentro de cada Estado, propiciando uma das condições indispensáveis ao desenvolvimento do federalismo cooperativo. Criouse uma espécie de imposição de cooperação entre Estados e Municípios, pelo vínculo das receitas com as matrículas reais desses entes federados, de modo a assegurar um padrão Duarte, MRT Página 88 mínimo de qualidade, mediante a adoção de critérios redistributivos dos recursos (Machado, 2002: 126). Os relatórios produzidos sobre os efeitos do fundo têm destacado seus efeitos redistributivos, com um deslocamento expressivo de recursos dos estados subnacionais para os municípios, nas regiões mais pobres do país. Em 21 Estados, verificou-se em 1998, com a implantação do FUNDEF, uma transferência de recursos das redes estaduais para as municipais. Apenas em Roraima, Goiás, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo ocorreu o inverso (MEC, 1999). Estudos sobre as repercussões do FUNDEF em municípios paulistas destacam seu efeito indutor a municipalização (assunção da matrícula pelos municípios), de expansão do atendimento no ensino fundamental (promovendo sua quase universalização), bem como a insuficiência do fundo para modificar o padrão de qualidade atestado nos indicadores paulista do SAEb (Bassi, 2001: 194-203). Estas pesquisas assinalam para a importância do debate sobre os efeitos do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental, ou seja, qual a importância relativa de três dos seus objetivos estratégicos: a)promover efetiva descentralização; b) promover a melhoria da qualidade da educação; c) promover política de eqüidade. Não se trata de objetivos antagônicos, porém não são necessariamente complementares·, seus pesos relativos relacionam-se com os efeitos produzidos por estado da federação. Uma primeira resposta a esta questão advém da resistência da União em elevar o valor mínimo do gasto/por aluno/ano em um contexto de prioridade à política econômica de controle do déficit público e ajuste fiscal. Acrescenta-se a isto a pressão sobre os governos estaduais para realizarem ajustes fiscais, contenção de despesas e restrições ao endividamento. Neste contexto, a expansão do ensino fundamental por meio de municipalização representa uma estratégia de desconcentração dos encargos na prestação de serviços e de promoção de obstáculos a medidas voltadas para a melhoria da qualidade, tendo em vista a quase inexistência de recursos adicionais. O princípio de eqüidade é assegurado pela oferta pública de um padrão mínimo de prestação de serviços, para todos que não dispõem de acesso ao mercado (COHN, 2000). Duarte, MRT Página 89 Os efeitos do FUNDEF, nos estados onde ocorreu transferência de recursos para a rede estadual, devem ser melhores analisados, especialmente quando consideramos a composição tributária deste fundo (Quadro n° 3). QUADRO 3 Composição do FUNDEF segundo origem dos recursos – 1998 -R$ EM MILHÕES IMPOSTO E TRANSFERÊNCIAS TOTAL (A) FUNDEF (15% de A) PARTICIPAÇÃO % FPM 12.219,6 1.832,9 13,8 FPE 10.956,2 1.643,4 12,3 ICMS 58.392,4 8.759,0 65,8 IPI exp 1.586,6 238,0 1,8 LC 87/96 2.093,4 314,0 2,4 85.248,1 12.787,3 - 524,2 3,9 13.311,5 100,0 SUB – TOTAL COMPLEMENTAÇÃO DA UNIÃO TOTAL DO FUNDEF FONTE: STN/MF Os recursos provenientes da arrecadação de ICMS respondem por 65,8% da composição do fundo, portanto a redistribuição dos valores provenientes dessa fonte de receita detém um impacto expressivo para o aumento dos recursos subvinculados por ente federado (Castro, 2001: 18). O Estado de Minas Gerais caracteriza-se por apresentar um grande número de municípios e elevada desigualdade sócio-econômica e fiscal entre eles. As regiões sul, central e triangulo apresentam indicadores de condições de vida próximos aos dos estados da região sul e São Paulo, enquanto que as regiões Noroeste, Jequitinhonha e Rio Doce apresentam condições semelhantes aos estados do Nordeste brasileiro (ver: Anexo II) Por este motivo, a transferência de recursos, nos termos da engenharia operacional do FUNDEF, sinaliza para a redução de parcela da quota parte dos municípios na arrecadação do ICMS, em benefício da rede de ensino estadual. O FUNDEF em Minas sinaliza mais para uma crise de gestão das redes municipais de educação, do que para uma melhoria efetiva da qualidade nas mesmas. O crescimento dessas redes, acompanhado de uma provisão de recursos insuficiente, seja pela perda ou pelo repasse de recursos inferior às necessidades das mesmas, pode gerar um impasse de difícil equacionamento nas municipalidades. O mecanismo redistributivo, entretanto, tem Duarte, MRT Página 90 parecido a muitos o principal traço eqüitativo do FUNDEF. Distribuir os recursos de acordo com um custo mínimo por aluno definido nacionalmente, entretanto, não promove igualdade de oportunidades. O que este custo representa para as diferentes redes de ensino fundamental no País pode variar de acordo com as necessidades das mesmas. Assim, o que representa para umas é diferente do que representa para outras e, portanto, não é possível promover igualdade de oportunidade homogeneizando custos para o financiamento de realidades desiguais, sem contribuir para que as mesmas sejam mantidas, isto sem contar que os custos definidos têm sido irrisórios para se discutir qualquer critério de qualidade. (Oliveira, 2001). 4. 4 Capacidade fiscal dos municípios mineiros ou a lenda de Robin Hood. O Estado de Minas Gerais apresentava em 2000 um conjunto de 853 municípios (IBGE, Censo demográfico, 2000) extremamente diversificados quanto aos níveis de desenvolvimento socioeconômico e capacidade de constituição do fundo público. Esta diversidade é expressa pela grande variação da receita corrente presente desde 19962 (TAB nº 15). Para o cálculo dos valores nominais médios os dados referentes ao município de Belo Horizonte foram eliminados, por serem atípicos, com valores discrepantes em relação aos demais. TABELA 6 Média e coeficiente de variação da receita corrente e da receita corrente per capita anual dos municípios do Estado de Minas Gerais3 Receita corrente (R$) Receita corrente líquida per capita (R$) Função 1996 2001 1996 20014 x 4.601.947,11 9.333.531,41 285,98 581,00 s CV 2 ±12.821.542,68 ±25.170.482,09 ±165,00 ±311,77 278,6% 269,7% 57,7% 53,7% A receita corrente é formada por recursos próprios (tributários, patrimonial, industrial e de serviços) e oriundos de transferências (estadual e federal). Considerando que, nesta composição, a parcela mais significativa refere-se às transferências correntes e aos recursos tributários (impostos mais taxas) podemos considerar para efeito comparativo que a receita corrente aproxima-se do montante de recursos sobre os quais incides os percentuais mínimos vinculados a MDE, estabelecidos pela Constituição Federal. 3 Os valores nominais médios foram calculados excetuando-se o município de Belo Horizonte (capital), por apresentar grande discrepância em relação aos demais municípios do estado. 4 Os valores nominais e per capita referentes a 2001 foram calculados com base na relação da Receita corrente líquida do Municípios Mineiros fornecida pelo TCMG, dividida pelo número de habitantes segundo o Censo Demográfico de 2000 do IBGE. Duarte, MRT p< Página 91 0,02 0,005 Fonte: FJP/MG -1996 e TCMG, Censo 2000/IBGE para 2001 Um coeficiente de variação superior a duas e ½ vezes que a média da receita corrente nominal dos municípios, demonstra a grande desigualdade fiscal presente nas cidades mineiras no decorrer do período 1996-2001 (TAB nº 15) e, também, uma pequena redução desta desigualdade – de 278,6% em 1996 para 269,7% em 2001 – apesar do crescimento nominal da receita corrente dos municípios do estado. Mesmo excluindo a cidade de Belo Horizonte, o coeficiente de variação da receita corrente anual atesta uma diversidade de arrecadação que, à primeira vista, fundamentaria a adoção de medidas redistributivas do fundo público como forma de superar desigualdades na capacidade de prestação dos serviços sociais pelos governos locais. Para melhor apreensão dessa desigualdade fiscal elaboramos os gráficos de dispersão da receita corrente do total dos municípios de Minas Gerais, exceto Belo Horizonte, utilizando o log10 dos valores encontrados. (GRÁF. nº 1 e nº 2). Nestes gráficos os municípios, onde foi efetuado um estudo mais abrangente da receita e despesa, foram assinalados em vermelho, com o objetivo de destacar sua representatividade fiscal. 10,00 9,50 9,00 8,50 8,00 7,50 7,00 6,50 X = 6,4 6,00 5,50 Gráfico 1 - Receita corrente líquida(Log10) dos municípios de MG – 1996 Fonte: FJP/MG Com receita corrente anual superior a R$ 100 milhões (log10 ≥ 8,0), encontravam-se apenas cinco municípios em 1996: Betim, Contagem, Ipatinga, Juiz de Fora e Uberlândia. Cidades Duarte, MRT Página 92 com maior dinamismo industrial, sua superioridade fiscal em relação às demais decorre basicamente dos repasses da cota-parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS)5. Verificou-se, também, um reduzido número de cidades – 15 municípios - cuja receita corrente ultrapassava R$ 30 milhões anuais (log10 ≥ 7,48), portanto com receita superior a média do estado mais dois desvio padrão em 19966. Esta dispersão demonstrou a elevada desigualdade da receita arrecadada presente entre os municípios do estado em 1996 e constitui uma justificativa para a adoção de políticas fiscais redistributivas (GRAF. nº 1). É importante destacar, também, o elevado número de municípios - 624 - com receita corrente inferior à receita média do Estado, ou seja, R$ 4.601.947,11(log10 ≤ 6,6). Em 1996, ainda não havia encerrado o ciclo de criação de municípios no Estado. No período considerado neste estudo, o número de municípios passou de 752 (dados constantes na Contagem da População de 1996) para 853 cidades, de acordo com os dados do Censo Demográfico de 2000. Cresceu, 5 Até 1995, 94% do ICMS repassado aos municípios era proporcional ao valor adicionado fiscal (VAF) e vinculava-se, basicamente, à atividade econômica de cada município. A Lei nº 12.040 de dezembro de 1995 (Lei Robin Hood) introduziu novos critérios reduzindo a participação do VAF que, no entanto, permanece como amplamente majoritário - 88,05% em 1996, 83,46% em 1997, 79,49% em 1998, 79,55% em 1999 e de 79,62% no ano de 2000 (FJP, 1998:6). Esta Lei introduziu critérios diferenciados de redistribuição dos recursos provenientes do ICMS para os municípios, dentre eles a capacidade de atendimento em educação infantil e fundamental. 6 Municípios com receita corrente anual superior a média da receita corrente dos municípios mineiros, mais dois desvio padrão.- 1996 MUNICÍPIOS Betim Contagem Divinópolis Governador Valadares Ipatinga Itabira Juiz de Fora Montes Claros Nova Lima Poços de Caldas Sete Lagoas Timóteo Uberaba Uberlândia Varginha Receita corrente anual – 1996 151.931.898,67 153.805.884,85 35.062.592,89 41.604.557,99 97.023.079,55 54.783.873,25 157.757.496,76 37.994.122,98 30.318.629,58 46.210.431,32 36.411.769,14 33.945.319,56 69.778.989,49 148.444.968,12 42.260.063,92 Duarte, MRT Página 93 portanto, o número de municípios com reduzida tributária e dependente das transferências provenientes do FPM, para o financiamento de sua estrutura administrativa e política sociais. A permanência da situação de desigualdade fiscal, o aumento do número de municípios outliers (log10 ≥ 8,0, ou seja, receita corrente líquida superior a R$100 milhões) e o crescimento do número de cidades com receita corrente inferior a média do estado pode ser demonstrado pelo gráfico de dispersão da receita corrente líquida, relativo ao ano de 2001(GRAF nº 2). Em 2001 verificou-se variabilidade da receita corrente líquida bastante semelhante à encontrada para a receita corrente em 1996. Com um acréscimo nos valores nominais, que podemos atribuir à inflação do período e ao crescimento da arrecadação tributária, no intervalo de quatro anos ocorreu o crescimento do número de cidades com receita corrente liquida anual superior a R$ 100 milhões e portanto potencialmente aptas a contribuir para um fundo redistributivo7. 7 Municípios com receita corrente líquida anual superior a R$100 milhões - 2001 Municípios Betim Contagem Governador Valadares Ipatinga. Itabira Juiz de Fora. Montes Claros. Poços de Caldas Sete Lagoas. Uberaba. Uberlândia Receita Corrente Liquida 2001 311.964.690,06 316.869.167,00 131.833.177,11 157.083.813,88 106.228.456,69 274.794.879,41 136.879.835,88 159.154.826,04 100.669.002,09 174.417.990,24 302.483.566,82 Log10 RC Líquida 8,49 8,50 8,12 8,20 8,03 8,44 8,14 8,20 8,00 8,24 8,48 Duarte, MRT Página 94 9,0 8,5 8,0 7,5 7,0 x = 6,7 6,5 6,0 5,5 Gráfico 2 - Receita corrente líquida (Log10) dos municípios de MG - 2001 Fonte: TCMG A comparação dos dados referentes a 1996 e 2001, período de implementação de políticas fiscais redistributivas no estado de Minas Gerais, demonstrou a permanência da situação de desigualdade fiscal aliada à pequena redução do espectro dessa desigualdade e justifica a realização de estudos com o objetivo de analisar tanto os critérios norteadores de redistribuição dos recursos, que constituem os fundos públicos, como os parâmetros de comparação da composição desses recursos e estrutura de gastos, com vistas ao controle público e institucional mais efetivo. A evolução da dispersão da receita corrente dos municípios, demonstrada nos GRAF. n.º 1 e 2, sugere a necessidade, mas ao mesmo tempo a pouca efetividade, das medidas redistributivas implementadas no período. Se a dispersão da receita corrente anual revela grande desigualdade de arrecadação, temos uma informação que advoga favoravelmente à adoção de medidas redistributivas. No entanto, verificamos que a capacidade financeira dos municípios com maior arrecadação nominal observa-se bem mais reduzida ao relacionarmos a arrecadação com a população residente. A receita corrente líquida per capita (FJP: 1998) dos municípios mineiros em 1996, já apresentava um coeficiente de variação muito menor – 57,7% - ao compararmos com o coeficiente de variação da receita corrente nominal anual (TAB nº15). A receita corrente per capita constitui um indicador mais efetivo para comparação da capacidade de investimento dos governos locais em serviços públicos universais, pois permite aquilatar a disponibilidade Duarte, MRT Página 95 do fundo público por habitante. Por este motivo, o utilizamos como indicador da capacidade fiscal dos municípios acompanhando estudos anteriores já realizados para o estado (FJP: 1998) Os valores calculados pela Fundação João Pinheiro para o ano de 1996 constituíram a fonte de informação para elaboramos o gráfico de dispersão da receita corrente líquida per capita8 (GRAF. nº 3). A grande maioria dos municípios apresenta uma receita corrente líquida per capita inferior à média do estado. São poucos aqueles que possuem capacidade fiscal por habitante superior a R$ 600,00 por ano (superior à média mais dois desvio-padrão) e, portanto, capazes de contribuir com recursos para financiar despesas, que resultem na ampliação da provisão e/ou da qualidade dos bens e serviços públicos destinados a sua população residente. 1.850 1.550 1.250 950 650 350 x= 286,21 50 Gráfico nº 3 - Minas Gerais - Dispersão da receita corrente líquida per capita – 1996 (em reais) Fonte: FJP/MG Se os gráficos 1 e 2 apresentam uma dispersão semelhante, indicativa da permanência de uma situação de heterogeneidade das receitas corrente nominal e, se a receita per capita também apresentou variação significativa (GRAF. 3), a adoção de políticas redistributivas constituiria uma medida logicamente congruente com políticas de intervenção mais eqüitativas nesta realidade. Existiriam, portanto, alguns poucos municípios no estado de Minas Gerais com 8 O estudo da FJP ao analisar a capacidade fiscal dos municípios mineiros utilizou, como um dos indicadores, a receita corrente líquida (receita corrente + receita de capital - operações de crédito). Os valores de receita corrente per capita e receita líquida per capita são muito próximos, apresentando pequenas variações apenas nos poucos municípios que contraíram empréstimos no decorrer do ano. Duarte, MRT Página 96 capacidade fiscal ampliada e, portanto, em condições de financiar cidades onde a receita pública por habitante é muito reduzida. A dispersão encontrada para a receita corrente líquida per capita (GRAF. nº 3) reafirmou a importância da adoção de medidas redistributivas. Verificamos também, em relação à receita per capita, um grande número de municípios - 494 - com capacidade fiscal inferior à média do estado (R$ 273,74 anuais). No entanto, os valores do fundo público por habitante não se apresentaram tão desiguais (s = ±160,39 e cv = 58,5, TAB nº 15), como sugerem os gráficos de receita corrente nominal. A capacidade fiscal por habitante dos municípios mineiros para o financiamento dos serviços sociais, embora desigual, não apresentava em 1996, quando da introdução das primeiras medidas redistributivas, desigualdade tão grande quanto a encontrada em relação à dispersão da receita corrente anual. 5.000,00 4.000,00 3.000,00 2.000,00 1.000,00 x = 581,00 0,00 Gráfico 4 – Dispersão da receita corrente líquida per capita, em reais dos municípios de MG – 2001 Fonte: TCMG e IBGE Os primeiros efeitos das medidas redistributivas podem ser avaliados quando consideramos os dados de receita corrente líquida per capita relativos a 2001 (GRÁF. nº 4).. A dispersão observada neste ano revela, simultaneamente, maior concentração dos municípios com valores médios per capita inferiores a média dos municípios do estado e o crescimento dos valores médios nominais per capita. Cresceram os valores per capita da receita corrente líquida para Duarte, MRT Página 97 todos os municípios em comparação com 1996, mas a dispersão demonstra, também o crescimento do número de municípios com capacidade fiscal per capita inferior á média no estado (GRÁF. 3 e 4). Por outro lado, a redução do coeficiente de variação da receita corrente per capita (de cv 57,7% para 53,7%), no período de 1996 a 2001, sinaliza para uma pequena redução da desigualdade de capacidade fiscal dos municípios do estado. A criação de novos municípios neste período constitui um dos fatores que podem ter afetado esta dispersão, como também os fluxos migratórios inter-regionais no estado. No entanto, a análise estatística efetuada atesta a permanência de uma situação de desigualdade fiscal no início do século XXI, sugestiva da permanência e ampliação de medidas redistributivas. Mas, ao compararmos a receita corrente e a receita corrente per capita de quatro municípios selecionados neste estudo, verificamos que: - 03 municípios foram selecionados por serem representativos de grupo de cidade com receita corrente nominal mais elevada do Estado em 1996 e 2001, sendo um com receita corrente superior a média mais dois desvio padrão, dois municípios situados em uma faixa intermediária com receita corrente anual superior a média dos municípios do estado e, finalmente, um município com receita reduzida, inferior a média do estado ; - os mesmos municípios apresentaram, no entanto, situação diferenciada em relação à receita per capita. Apenas um município apresentou receita corrente per capita superior a média mais um desvio padrão em 1996 e permaneceu próximo a esta situação em 2001. Os demais municípios caracterizaram-se por apresentar receita per capita igual ou inferior a média da capacidade fiscal per capita dos municípios do estado. Essa diversidade de situações dos municípios mineiros em relação à receita nominal e receita per capita produz indagações sobre a sua capacidade contributiva para um fundo redistributivo. Por este motivo procuramos destacar o que há para redistribuir. Para tanto, selecionamos os municípios que apresentavam valores per capita mais elevados. A TABELA 7 identifica, para 1996 e 2001 os municípios do estado de Minas Gerais, cuja receita per capita é superior à média mais dois desvios padrão, ou seja R$594,80, portanto com Duarte, MRT Página 98 capacidade fiscal por habitante que permitisse financiar um fundo público redistributivo. Estes municípios representavam apenas 3% dos municípios mineiros em 1996 e 20019. TABELA 7 Municípios com receita corrente líquida per capita superior a média dos municípios do estado, mais dois desvio padrão – Minas Gerais 1996 Municípios Água Comprida Antônio Prado de Minas Araporã Betim Cachoeira Dourada Carneirinho Cascalho Rico Cedro do Abaeté Congonhas Consolação Doresópolis Douradoquara Grupiara Ipiaçu Onça do Pitangui Paiva Pedra Dourada Pedro Teixeira Pirajuba Rochedo de Minas Santa Vitória São Francisco de Sales São José da Varginha São Sebastião do Rio Preto Seritinga Serra da Saudade Tapira Vargem Bonita X S 9 2001/2000 Municípios RC per capita RC per capita 1.027,60 626,05 834,22 609,07 1.295,37 669,84 1.267,76 801,63 703,22 637,73 866,84 1.214,01 1.778,40 617,21 603,46 712,10 680,45 654,86 681,04 611,81 595,11 658,41 621,91 678,12 623,17 1.370,35 1.039,34 688,64 Água Comprida Araporã Belo Oriente Cachoeira Dourada Carmésia Carneirinho Cascalho Rico Cedro do Abaeté Comendador Gomes Consolação Doresópolis Douradoquara Fortaleza de Minas Fronteira Grupiara Indianópolis Ipiaçu Olímpio Noronha Paiva Passabém Pedra Dourada Pedrinópolis Pirajuba Rochedo de Minas Santa Vitória São João Batista do Glória Serra da Saudade Simão Pereira 1.928,23 3.197,61 1.245,33 4.240,06 1.260,92 2.597,65 1.532,31 1.637,14 1.207,13 1.227,15 1.796,75 1.656,40 1.329,63 1.346,87 2.388,28 1.237,07 1.673,69 1.229,44 1.298,27 1.301,19 1.270,04 1.311,38 1.358,22 1.280,02 1.289,49 1.282,20 2.541,65 1.237,59 827,42 ±301,12 Tapira Tapiraí 1.909,29 1.290,84 Ao considerar como critério de seleção os municípios que apresentam receita per capita superior a média mais dois desvio padrão, este estudo estabeleceu um parâmetro da variação para uma comparação entre os municípios do estado de Minas Gerais. Como critério comparativo de desigualdade intermunicipal a seleção dos municípios outliers, tem por objetivo estabelecer as possibilidades de um esforço redistributivo no estado, a partir das condições fiscais já presentes entre os municípios de Minas Gerais. Observa-se, ainda que os cálculos da CNTE, nos termos do art. 6º da Lei nº 9424/96, estabeleciam, para o ano de 1996 o valor de R$419,00 para o custo mínimo anual do aluno do ensino fundamental, enquanto decreto presidencial fixava em R$315,00, este valor para o mesmo ano. Neste estudo, o valor considerado como parâmetro per capita deveria financiar todos os serviços públicos municipais à população. Duarte, MRT Cv Página 99 36,40% X 1.670,06 S ±695,63 Cv 41,65% * RC líquida referente a 2001 e pop. residente referente a 2000. Em 2001, o número de municípios com capacidade contributiva per capita foi pouco acrescido, passando de 28 cidades para 30. Neste ano os valores per capita apresentaram um crescimento sensível em relação ao 1996, indicativo do crescimento da arrecadação de tributos em todos os municípios. Novamente, o coeficiente de variação da receita demonstrou a amplitude da distribuição dos recursos per capita desses municípios, no entanto com níveis de desigualdade sensivelmente inferiores aos da receita corrente nominal anual. Os valores per capita (TAB nº 16) desses municípios em relação aos demais, reafirmaram possibilidades de contribuição para um fundo redistributivo, visto disporem, em média, de recursos per capita para investimentos duas vezes superiores à média do conjunto dos municípios do estado. Se excetuarmos a cidade de Betim, com valores cinco vezes superiores a receita de Congonhas (em segundo lugar), a média aritmética das receitas anuais desses municípios reduziu-se (para R$ 3.485.132,56, cv 160,2) (TAB nº. 16 e ANEXO II). Estes municípios dispõem de capacidade fiscal per capita ampliada e, portanto, estariam em condições de contribuir para um fundo redistributivo. No entanto, ao considerarmos o montante de contribuição passível de ser arrecadada, verificamos, que estes recursos não são capazes de alterar de modo substantivo o coeficiente da desigualdade fiscal existente entre os municípios mineiros. Apenas eliminam alguns poucos pontos mais externos em um gráfico de dispersão da receita, ou seja, ”Robin Hood” não teria muito que redistribuir, face o número de cidades e dimensões da população a serem assistidas. O reduzido número de municípios com renda per capita acima de R$ 594,80 (média mais dois desvio padrão) e o baixos valores nominais de receita corrente dos municípios com receita per capita superior a R$ 800,00 (TAB nº 16) sugerem a insuficiência de políticas redistributivas sob a base de financiamento dos recursos públicos municipais para o estado de Minas Gerais, pois os valores disponíveis para a constituição de fundos redistributivos são bastante reduzidos. 4. 5 Política de financiamento da educação e justiça redistributiva A lei estadual nº 12.040, de dezembro de 1995, recebeu ampla cobertura televisiva e jornalística no estado, e ficou conhecida como “Lei Robin Hood”, por possibilitar Duarte, MRT Página 100 redistribuição dos recursos originários da arrecadação de ICMS10 como expressão da ação reguladora do Estado. Esta Lei introduziu critérios diferenciados para distribuição da quota parte dos municípios relativa à arrecadação do ICMS, com fundamento na adoção de critérios redistributivos capazes de minimizar desigualdades intermunicipais. No entanto, a engenharia operacional da Lei Robin Hood difere da Lei federal nº 9424/96, que criou o FUNDEF, quanto à definição dos mecanismos de redistribuição fiscal. Ambas adotam medidas de redistribuição, mas a Lei do FUNDEF pressupunha a existência de um número significativo de municípios com capacidade contributiva para um fundo redistributivo. Ou seja, a chamada Lei Robin Hood redireciona parcela dos recursos de municípios, que mais contribuem com a arrecadação do ICMS, para aquelas cidades com maiores investimentos na preservação do patrimônio ambiental e cultural, no atendimento à educação infantil e fundamental, etc. ou observando critérios compensatórios como população e área cultivada. Por sua vez, a Lei de FUNDEF pressupõe a existência de cidades com elevada receita fiscal (impostos + transferências) e reduzido atendimento no ensino fundamental. A efetividade redistributiva do FUNDEF no estado de Minas Gerais, pressupõe a combinação de municípios com alta arrecadação tributária e capacidade fiscal (receita corrente líquida, per capita) em níveis superiores à média do estado. Ao analisarmos a composição da receita dos municípios com elevada receita corrente per capita no período 1996-2001 - verificamos a origem das receitas que podem contribuiu para a constituição de um fundo redistributivo e sua repercussão sobre o FUNDEF (TAB. nº 16). Um reduzido número de municípios agrega recursos ao Fundo estadual do ensino fundamental, na sua grande maioria, essas cidades recebem recursos do FUNDO. A Lei nº 9424/96 equalizou recursos já disponíveis para manutenção e desenvolvimento do ensino, restringindo a capacidade de atendimento dos municípios com maior disponibilidade fiscal, sem necessariamente favorecer a expansão dos recursos em cidades com reduzida disponibilidade (inferior a média da receita corrente líquida dos municípios do estado). Seu mecanismo estabelece um efeito perverso do fundo público de ensino fundamental (FUNDEF), agravado pela interpretação estabelecida no Ministério da Educação para o artigo 6º da Lei 9424/96, pois apenas eliminou a existência de municípios com capacidade ampliada de 10 Esta Lei foi revogada em 2000 pela Lei estadual nº LEI 13.803, DE 27 DE DEZEMBRO, que, no entanto, mantêm os princípios da legislação anterior alterando, apenas, alguns dos critérios de distribuição. Duarte, MRT Página 101 atendimento, sem alterar significativamente o gasto médio disponível para o ensino fundamental. A adoção de políticas fiscais redistributivas nos moldes do FUNDEF pressupõe a existência de cidades com capacidade de atendimento ampliada (CAA) de prestação de serviços e atividades, como também de municípios com essa capacidade de atendimento esgotada (CAE), para a prestação dos serviços sob sua responsabilidade. No segundo ano de implantação do FUNDEF e quarto ano de atuação da chamada Lei Robin Hood o coeficiente de variação da receita corrente líquida per capita sofreu uma redução de 57,7 % para 50,3 %, valores pouco expressivos, porém sugestivos de redução das desigualdades intermunicipais, no período 1996 a 2001, pela restrição de outliers. Os estudos comparativos desenvolvidos por ESPING-ANDERSEN (1989 e 199..) destacam a importância de apreender as diferenças nas formas específicas de gestão dos gastos governamentais. Aplicamos esta recomendação às diferenças na adoção de medidas redistributivas. Para apreender o processo de redistribuição de recursos aliado à ampliação da qualidade na prestação dos serviços, destacamos e analisamos, em primeiro lugar, qual desigualdade queremos reduzir – in casu capacidade fiscal per capita - para, em um segundo momento, estudar a estruturação dos gastos efetuados. A seleção desta primeira variável como independente para análise dos efeitos redistributivos do FUNDEF pressupõe que o acréscimo no grau de cobertura do ensino fundamental é acompanhado de possíveis melhorias das condições infraestruturais, por aumento de receita. No entanto, verificamos que aqueles municípios que dispõe de maior capacidade fiscal, em sua maioria, também receberam recursos do FUNDO. Municípios com população reduzida e muitos com recursos provenientes basicamente do FPM não dispõem de receita anual em valores insuficientes para contribuir para um fundo redistributivo. TABELA 8 Composição percentual da receita arrecadada - Municípios com maior receita corrente líquida per capita do estado de Minas Gerais– 1999 Municípios Água Comprida1 R R Transf. União / Transf. Tributária/RC Impostos/RC RC (%) Estado/RC (%) (%) (%) 2,77 2,76 43,6 36,75 Antônio Prado de Minas1 1,59 0,65 68,8 24,26 Araporã1 2,02 1,37 16,3 68,37 13,74 11,23 12,4 59,85 Belo Oriente Duarte, MRT Betim Cachoeira Dourada Carmésia Carneirinho Cascalho Rico Cedro do Abaeté Comendador Gomes Congonhas Consolação Doresópolis Douradoquara Fortaleza de Minas Fronteira Grupiara Indianápolis Ipiaçu Olímpio Noronha Onça do Pitangui Passabém Paiva Pedra Dourada Pedrinopolis Pedro Teixeira Pirajuba Rochedo de Minas Santa Vitória São Francisco de Sales São João Batista do Glória São José da Varginha São Sebastião do Rio Preto Seritinga Serra da Saudade Simão Pereira Tapira Tapiraí Vargem Bonita Página 102 13,57 0,65 1,04 5,51 1,04 0,84 2,77 7,12 1,01 1,61 1,17 6,72 5,17 0,19 3,30 2,63 2,20 2,24 0,78 1,43 1,08 1,54 0,68 1,80 1,17 5,13 4,80 2,64 3,76 0,90 1,52 0,39 2,77 4,06 1,92 1,90 11,87 0,23 0,71 3,17 0,34 0,20 1,86 3,65 0,28 0,78 0,34 6,54 4,76 0,18 2,94 0,94 0,73 0,86 0,11 0,34 0,45 0,49 0,13 1,63 0,31 3,34 3,83 0,82 2,22 0,21 0,49 0,09 2,47 3,65 1,06 0,95 13,8 27,4 49,4 27,9 45,8 79,9 46,5 30,4 68,9 68,3 56,1 35,2 35,0 46,0 52,9 31,9 72,5 64,3 86,3 75,3 79,7 35,0 80,2 56,9 79,9 29,7 35,7 21,6 57,6 79,0 71,6 74,3 78,6 31,4 74,3 68,9 68,80 52,68 39,08 42,76 16,39 13,75 43,89 54,75 13,03 22,28 12,58 31,69 54,49 12,72 36,59 44,59 22,51 27,06 12,36 20,32 13,23 23,77 16,98 39,56 13,56 46,01 26,42 58,50 38,62 18,31 19,40 17,77 13,96 42,63 15,50 21,98 Fonte: Demonstrativo da receita arrecadada – Prefeituras Municipais 1 Os dados referem-se ao ano de 1998 A literatura sobre financiamento da educação no Brasil tem destacado o papel indutor do FUNDEF à municipalização do ensino fundamental e a engenhosidade de sua arquitetura política, que permitiu ao governo federal descompromissar-se de maiores investimentos diretos para com a educação básica (Bassi, 2001:54; Oliveira, 1999; Dourado, 1999; Bassi & Gil, 1999; Monlevade & Ferreira, 1998). Esta análise da dispersão e composição da receita per capita dos municípios do estado de Minas Gerais aponta, entretanto, que a Duarte, MRT Página 103 função redistributiva do FUNDO é pouco efetiva, para a promoção de melhorias na qualidade de prestação dos serviços, no Estado de Minas Gerais. Ao divulgar o segundo balanço do FUNDEF, abrangendo os três primeiros anos de implantação do Fundo, o então Ministro da Educação destacava: ...o volume de recursos redistribuídos pelo FUNDEF pode ser obtido comparando-o com o volume de recursos do Fundo de Participação dos Municípios, o FPM: 16% em 1998 devendo alcançar 21% em 2000. Considerando-se apenas o conjunto dos municípios que tem um ganho líquido de recursos com o FUNDEF, esse volume deve alcançar o equivalente a 32% do FPM desses municípios (MEC, 2002) No entanto, no conjunto dos municípios que informaram ganho líquido com o FUNDO no estado de Minas Gerais, encontramos também cidades com capacidade fiscal (receita corrente líquida per capita) superior a média dos municípios mineiros mais dois desvio padrão. 4.6 Mecanismos redistributivos e redução das desigualdades intermunicipais O ponto em debate refere-se à análise dos efeitos do FUNDEF , como instrumento de justiça redistributiva para redução das desigualdades intermunicipais. A justificativa da importância redistributiva do FUNDO presente no Balanço do FUNDEF, 1998-2000 (MEC, 2002:16-28) considera: a) os recursos vinculados à educação disponíveis em cada esfera de governo não guardavam qualquer correspondência com o número de alunos atendidos pela respectiva rede de ensino; b) os municípios mais ricos, situados nas regiões mais desenvolvidas do país, não aplicavam 25% das suas receitas no ensino obrigatório e na educação infantil; c) nos municípios mais pobres, para acentuar as iniqüidades, os recursos vinculados à educação não eram suficientes para assegurar a oferta de um Ensino Fundamental que obedecesse a padrões mínimos de qualidade e ampla cobertura da demanda; d) foram intensamente beneficiados os municípios maiores das regiões metropolitanas, onde também persistem elevados graus de carências educacionais, sobretudo em suas extensas periferias. No entanto, em Salvador e Belo Horizonte, no primeiro ano de implantação do Fundo, ocorreram reduções de receitas, Duarte, MRT Página 104 respectivamente, de 19% e de 17%. Essas regiões, todavia, passaram a obter ganhos financeiros já a partir do segundo ano, por força da aceleração da municipalização das escolas. Em relação ao estado de Minas Gerais verificamos que os recursos vinculados à educação (impostos e transferências) guardam relação com a capacidade fiscal dos municípios, no entanto elevada capacidade fiscal não tem correspondência com o montante da receita arrecadada. Os municípios “ricos” do estado não dispõem de capacidade contributiva suficiente para reduzir iniqüidades no atendimento presentes nos municípios mais pobres. E por último, o repasse de recursos do Fundo beneficia municípios considerados “ricos”. A estratégia política de subvincular, aproximadamente, 15% das receitas de transferências dos estados e municípios ao número de alunos matriculados no ensino fundamental produz, nos termos do discurso legitimador do FUNDEF a equalização dos gastos por aluno, reduzindo disparidades intermunicipais, mas, acrescentamos sem atacar a insuficiência desses recursos, por não alterar significativamente os valores médios per capita disponíveis para investimentos em educação no conjunto do Estado. Equalizou-se recursos disponíveis, mas “Robin Hood” não dispunha de um fundo público suficiente capaz de alterar a situação dos do grande número de municípios com capacidade fiscal inferior à média do estado. Às vertentes de análise que propugnaram por maior racionalidade administrativa como diretriz de democratização da educação, os estudos efetuados sobre dispersão e redistribuição de recursos públicos nos municípios apontam a importância de atentarmos para as escolhas políticas que efetuamos no processo de elaboração dos instrumentos de intervenção política. O modus operandi da gestão administrativa não articula “automaticamente” diretrizes, meios e resultados. Para obter um efeito redistributivo mais efetivo, pressupõe-se uma definição politicamente orientada e focalizada dos chamados “municípios ricos” vis a vis com os “municípios mais pobres”. 5. SISTEMAS PÚBLICOS DE ENSINO E CAPACIDADE DE ATENDIMENTO1 Em Minas Gerais o Censo demográfico de 2000 indicava a presença de 5 865 270 crianças e jovens com idade entre 1 a 17 anos. Faixa de escolaridade correspondente à educação básica, neste grupo etário encontra-se 32.8% do total da população residente no estado. Esta percentagem é semelhante à encontrada para o país como um todo - 34,0% do total da população brasileira.2 No entanto, e de modo semelhante ao país, esta população reside em cidades com dimensões bastante diferenciadas. Os dados do Censo 2000 reafirmam o predomínio quantitativo dos municípios com menos de 10.000 habitantes no estado3. A grande maioria dos municípios mineiros - mais de 75% - apresenta população inferior a 20.000 habitantes (TAB. nº. 9), sendo que 130 novos municípios foram desmembrados e criados na década de 904. Existem atualmente no Brasil 5.561 municípios, 1070 foram criados após a Constituição de 1988, e do total de municípios brasileiros apenas 411 são considerados urbanos de acordo com os critérios da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE (Baima, 2002). Tabela nº 9 - MINAS GERAIS, agrupamento dos municípios segundo a população residente 2000 orde grupos Média desvio padrão coeficiente de nº de m variação municípios 1 pop < x 2 pop > x e pop < 1s pop >(x+1s) e pop < (x+1s) pop > (x+2s) e pop < (x+3s) pop > (x+3s) 3 4 5 7.270 hab ±4.162 57,30% 673 26.222 hab ±6.141 23,40% 110 60.951 hab ±11.962 19.60% 40 101.237hab ±11.754 11,60% 14 268.000hab ±132.554 49,50% 15 Fonte: IBGE. 1 Em 1996, em 48,5% do total dos municípios de Minas Gerais, 365, a participação da cota-parte do FPM na receita corrente variava entre 60 e 80%, demonstrando o pouco dinamismo de suas economias (FJP: 1998. p.42) 2 IBGE/Censo 2000. 3 Um município é composto por um ou mais distritos, sendo um definido como distrito-sede. Neste estudo a população residente considerada refere-se sempre à população total do município. Os termos município e cidade são utilizados de modo indistinto neste trabalho. 4 Em 1990 o estado de Minas Gerais contava com 723 municípios criados e instalados, em 1996 eram 756 municípios instalados e mais 97 não instalados, perfazendo no censo demográfico de 2000, 853 municípios criados e instalados no estado. Duarte, MRT Página 106 Após agrupar os municípios de acordo com a população residente, verificou-se a preponderância numérica das pequenas cidades, com população inferior a 10.000 habitantes (Grupo 1, TAB. nº 9). Estes dados indicam, ainda, a subdivisão da população residente do estado em dois grandes grupos. Os habitantes das pequenas cidades, com população inferior a 10.000 habitantes, onde residiam 46,6% da população do estado no ano 2000 e aqueles que vivem em cidades de grande porte. Embora não sejam numericamente expressivos, em municípios com população superior a cinqüenta mil habitantes residem 41,5% da população do estado5. Verifica-se nesses dois grupos de municípios maior variabilidade de seus contingentes populacionais (TAB nº 9), o que traduz diferenças mais significativas quanto à demanda por educação, às transferências intergovernamentais e atendimento existente. Esta dupla situação influencia a autonomia político-educativa dos sistemas de ensino, por afetar a composição de suas receitas6 e condicionar o atendimento prestado. Para a maioria dos pequenos municípios, a receita fiscal provém basicamente de transferências intergovernamentais. Esta realidade pode ocasionar, por um lado, maior isolamento e fragmentação dos sistemas municipais com situações ainda mais precárias dos padrões de qualidade infraestruturais. Por outro lado, pode incitar à interação entre cidades, com a formação de sistemas únicos de ensino complementares. Estes efeitos decorrem de ações políticas frente a realidades de desigualdades. No entanto, essas ações no conjunto das relações intergovernamentais podem observar parâmetros de intervenção reguladora. 5 Pop. residente em MG = 17.891.494, população residente em cidades com até 10.000 habitantes = 15.652.968, ou seja, 87,5% do total da população do estado (IBGE/Censo 2000). População residente no total dos municípios pertencentes ao 5ª agrupamento, incluindo o município da capital = 7.032.473, ou seja 39,3% do total.. 6 Sem desconhecer a lógica política de proliferação dos municípios brasileiros que ocorreu após a aprovação da Constituição de 1988, a reflexão sobre capacidade de atendimento e relações intergovernamentais considera que a adoção de medidas de caráter top down para a extinção de municípios deficitários (ver Bressan, 2002) enfrentariam fortes resistências das populações locais. Duarte, MRT Página 107 5.1 Caracterização dos municípios selecionados Os municípios selecionados para pesquisa observavam as seguintes características sóciodemográficas: CAA 1 - localiza-se na região sul de Minas Gerais e nesta região habita 13% da população total do estado. Trata-se de um dos vinte municípios de estado com maior receita corrente líquida, desde 1996, no entanto sua receita corrente per capita aproxima-se da média dos municípios do estado. Cidade de porte médio, situa-se em uma região e apresenta índices de qualidade de vida superiores aos da grande maioria dos municípios do estado CAA 2 - situa-se na região central onde concentra 36% da população mineira. Este município encontra-se entre os 20 mais populosos do estado, apresenta receita corrente per capita dentre as mais elevadas dos municípios mineiros e índices de qualidade de vida superiores aos dos demais municípios da região. CAE 1 - localiza-se na região noroeste e trata-se de uma cidade de médio porte, com população superior a 20.000 habitantes. Receita corrente per capita inferior a média dos municípios do estado, situa-se em região geográfica com baixos índices de qualidade de vida e apresenta índices semelhantes ao de sua região. CAE 2 - localiza-se na região de planejamento Jequitinhonha/Mucuri. Regiões com estrutura econômica fortemente voltada para atividades agrícolas, com municípios menores que apresentam baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH). CAE 2 apresenta população inferior a 10.000 habitantes situando-se no último agrupamento dos municípios mineiros de acordo com sua população residente, e um dos mais baixos valores de receita corrente per capita dentre os municípios do estado. Em termos populacionais, CAA 1 e CAE 2 são representativos dos municípios de médio porte, sendo o primeiro localizado em uma região geográfica que dispõe de elevados padrões de qualidade de vida e o segundo em uma das regiões mais pobres do estado (ver ANEXO III). No entanto, estes municípios diferem quanto à capacidade fiscal, sendo CAA 1 superior a média do estado e CAE 2 inferior à mesma média. CAA 2 caracteriza-se por ser um município de grande porte populacional e elevada capacidade fiscal, enquanto que CAE 2 é representativo do grande número de pequenos municípios com baixa capacidade fiscal. 00000 Duarte, MRT Página 108 5.2 A demanda por educação básica: população residente, idade e escolarização em quatro municípios de Minas Gerais Como se processou o atendimento em educação básica, em quatro municípios, no período entre 1996 e 2000? A resposta a esta questão inicia-se por um diagnóstico sobre a demanda. A escolarização da população residente, especialmente das faixas etárias correspondentes à educação básica, deve ser levada em consideração na definição das prioridades e recursos governamentais para os diferentes níveis e modalidades. Se o objetivo é indagar sobre a capacidade de atendimento dos governos locais na efetivação do direito à educação básica, a identificação dos índices de cobertura existentes (inclusão/exclusão na e da escola) permite dimensionar e avaliar o esforço político e financeiro a ser empreendido. Nos termos da Lei de Diretrizes e Bases o comportamento prévio (esforço fiscal realizado e capacidade de atendimento) dos governos locais deve condicionar o aporte de recursos e programas educacionais de caráter supletivo e/ou redistributivo. Se o número de residentes influencia a captação de recursos via tributação direta ou por diferenciar percentuais das transferências obrigatórias, este fator há de ser considerado para aquilatar a capacidade de atendimento dos sistemas públicos locais de educação básica. Uma avaliação contextualizada do esforço fiscal de um município requer relacionar sua capacidade fiscal à demanda por escolarização futura. TABELA 10 População residente, segundo a faixa etária, em quatro municípios do estado de Minas Gerais Pop. de 0 a 4 Pop. de 5 a 9 Pop. de 10 a 19 Pop. Residente Município anos anos anos 1996 CAA 1 CAA 2 2000 93.166 106.776 1996 2000 1996 2000 1996 2000 8.506 9.245 8.490 9.423 18.014 20.038 249.451 306.675 27.728 32.802 28.484 32.284 56.716 65.399 CAE 1 50.139 36.720 5.108 3.325 5.773 3.561 12.422 8.402 CAE 2 10.216 10.204 1.319 952 1276 1.113 2.585 2.445 Fonte: IBGE - Contagem da população 1996 e Censo 2000, resultados preliminares Três dos municípios selecionados são representativos da diversidade populacional existente entre as cidades maiores - CAA 1, CAA 2 e CAE 1 - , enquanto que CAE 2 situa- Duarte, MRT Página 109 se no grupo das mais de 75% das cidades mineiras com população inferior a 10.000 residentes. Nas duas maiores cidades pesquisadas, ocorreram taxas positivas de crescimento da população residente (CAA 1 e CAA 2) em um período de quatro anos, enquanto que CAE 1 apresentou para o mesmo período diminuição significativa de sua população. TABELA 11 Taxa de crescimento da população residente, segundo a faixa etária em quatro municípios do estado de MG Pop. de 0 a 4 Pop. de 5 a 9 Pop. de 10 a 19 Pop. residente Município anos anos anos 1996/2000 1999/2000 1996/2000 19996/2000 CAA 1 14,6 8,7 11,0 11,2 CAA 2 22,9 18,3 13,3 15,3 CAE 1 -26,8 -34,9 -38,3 -32,4 CAE 2 -0,1 -27,8 -12,8 5,7 Fonte: IBGE/Contagem da população 1996 e Censo 2000, resultados preliminares A tendência de crescimento da população residente por idade e por faixa etária condiciona a transferência de recursos provenientes do FPM e influencia, em longo prazo, a distribuição dos recursos do FUNDEF. Para as cidades identificadas como CAE 1 e CAE 2 os dados censitários apontam uma tendência de redução de seus percentuais relativos no Fundo de Participação dos Municípios. A estruturação do regime de colaboração entre os entes federados inicia-se pelo reconhecimento da demanda existente pelo direito à educação básica7. Em relação ao estado de Minas Gerais, a demanda por educação básica localiza-se em um grande número de pequenos municípios dispersos pelo território. A evolução do crescimento da população residente, de acordo com o porte dos municípios constitui um primeiro critério capaz de fundamentar decisões quanto às obrigações e aos investimentos comuns a serem efetivados pelos entes federados. Um critério orientador do aporte de recursos técnicos e financeiros 7 A forma de colaboração entre Estados e Municípios para a oferta de ensino fundamental deve assegurar distribuição proporcional das responsabilidades, de acordo com a população a ser atendida e os recursos financeiros disponíveis em cada uma dessas esferas do Poder Público (inc. II, art. 10 LDB). Este princípio contido na LDB difere do critério estabelecido para a distribuição dos recursos dos FUNDEF, A distribuição dos recursos, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, dar-se-á, entre o Governo Estadual e os Governos Municipais, na proporção do número de alunos matriculados anualmente nas escolas cadastradas das respectivas redes de ensino, considerando-se para esse fim (§ 1º , art. 2º, L. 9424/96). Duarte, MRT Página 110 aos governos locais deve relacionar-se aos movimentos migratórios da população no(s) município(s). Direcionar recursos para cidades com forte crescimento populacional e/ou com população migrante atende ao princípio de territorialização das políticas sociais. 5.2.1 Demanda e atendimento em educação básica Outro princípio a ser observado, para a efetivação do regime de colaboração relaciona-se ao percurso de atendimento8 pelas diferentes etapas e modalidades da educação básica. Este termo explicita como os entes federados cumprem a prestação de serviços educacionais de acordo com suas competências. O regime de colaboração, como também o exercício da ação supletiva e redistributiva deverão, nos termos da Lei de Diretrizes e Bases, observar este segundo critério como um parâmetro para o esforço fiscal efetuado. A apreensão do percurso de atendimento em educação básica nos municípios pesquisados, onde se inclui a oferta regular do ensino obrigatório, observa as características apresentadas nos Quadros nº 5, 7, 9 e 11 (ANEXO III). Estas tabelas foram elaboradas, com adaptações, a partir do modelo estabelecido por Ferraro (1999). Este autor ao realizar diagnóstico da escolarização de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos no Brasil utilizou-se das categorias “exclusão da escola” e “exclusão na escola” para reunir uma série de fenômenos, que relacionam escolarização e condicionantes sociais. Entendia que a noção de exclusão, desdobrada nas categorias exclusão da escola e exclusão na escola, podia dar unidade teórica a toda uma série de fenômenos, correntemente conhecidos como não acesso à escola, evasão, reprovação e repetência, todos relacionados com o processo escolar, mas tratados com freqüência de forma estanque. A exclusão escolar na forma de exclusão da escola compreende tanto o não acesso à escola, quanto o que habitualmente se denomina evasão da escola. Já a categoria exclusão na escola dá conta da exclusão operada dentro do processo escolar, por meio dos mecanismos de reprovação e repetência. (Ferraro, 1999: 24) 8 O termo “percurso de atendimento” sintetiza como se efetiva a oferta de educação escolar básica em um município. Distinto da concepção de percurso escolar individual, o emprego deste termo refere-se à oferta efetiva para o atendimento da população residente de acordo com a idade, medida por anos de estudo. O parágrafo 2º do art. 208 da Constituição Federal importa em crime de responsabilidade da autoridade pública competente a oferta irregular do Ensino Fundamental. Este dispositivo pressupõe uma oferta contínua e estável do ensino obrigatório de acordo com as características da população de um Estado e/ou município. No entanto, a efetivação da oferta regular do Ensino Fundamental tem repercussões na educação infantil e no ensino médio. O percurso de atendimento retrata qual a oferta de ensino efetiva em um determinado sistema. Duarte, MRT Página 111 A partir dessas categorias Ferraro (1999) elaborou um modelo para diagnóstico da escolarização, tendo como fonte principal os dados censitários da Contagem da População 1996. Este modelo foi readaptado para os fins deste estudo, considerando as competências atribuídas à União, estados e municípios na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases9. Por este motivo, a categoria de exclusão escolar (excluídos da escola) compõe-se das crianças e jovens que nunca freqüentaram escolas ou com freqüência igual ou inferior a quatro anos de estudos (excluídos da escolaridade obrigatória – Quadros nº 5,7, 9 e 11, Anexo III). Modelo para diagnóstico da escolarização Ferraro, 1999: 28 Modelo adaptado para análise da capacidade de atendimento dos sistemas públicos municipais Excluídos da escola e/ou percurso até insuficiente de Nunca freqüentaram Não freqüência à escola Freqüência fortemente defasada Freqüência levemente defasada Freqüência na série Excluídos da escola Excluídos na escola Freqüência quatro anos estudos Freqüência fortemente defasada Excluídos na escola (idade/série) e/ou oferta de Freqüência entre percurso irregular cinco e oito anos de estudo Freqüência Incluídos/ integrados levemente defasada Incluídos/integrados na escola na escola Freqüência na série 9 Deve-se considerar a idade recomendada para cada série/nível de ensino, ou seja, 7 anos para a 1ª série do ensino fundamental, 8 anos para a 2ª série e assim sucessivamente. O Censo Escolar coleta o ano de nascimento do aluno, com isso durante o ano o aluno pode mudar de idade permanecendo na mesma série, por exemplo, é considerado aluno com distorção idade/série na 1ª série aquele que tem idade acima do intervalo entre oito e nove anos (nascidos antes de 1988), conforme tabela abaixo Ano de Nascimento Idade em 1996 Após 1989 Até 6 1989 6a7 1988 7a8 191987 8a9 1986 9 a 10 1985 10 a 11 1984 11 a 12 1983 12 a 13 1982 13 a 14 Antes de 1982 14 ou mais Fonte: MEC/INEP - Sinopse EB 1997. p. 131 (*) Para a 8ª série, seria adequado o ano de 1981 e não antes de 1982 Série adequada 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª Duarte, MRT Página 112 esperada esperada Freqüência antecipada na relação série/idade esperada Freqüência antecipada na relação série/idade esperada Os dados censitários de 1996 permitem precisar por município o número de crianças e jovens que nunca freqüentaram escolas ou com escolarização precária - inferior a quatro anos de estudos. Os procedimentos metodológicos adotados por Ferraro (1999) foram, também, adaptados. De modo semelhante, os dados absolutos foram organizados por tipo de freqüência, série, nível, modalidade da educação básica e segundo a idade - ver Quadros nº 5,7, 9 e 11, Anexo III. Estes dados constituíram a base para elaboração dos percentuais de atendimento por idade, para cada um dos municípios pesquisados (ver Quadros nº 4, 6, 8 e 10, Anexo III). A exclusão da escola encontra-se em todos os municípios pesquisados (Quadros nºs 4, 6, 8 e 10), com índices expressivos para a faixa etária compreendida no ensino obrigatório e alarmantes para a educação pré-escolar e ensino médio. A Lei de Diretrizes e Bases responsabiliza a autoridade pública pela garantia da oferta regular do ensino obrigatório e a constatação da existência de crianças e jovens excluídos na escola, requer a adoção de formas de superação desta condição. Neste sentido, e nos termos da LDBEN, o poder público municipal, é responsável pela adoção de programas voltados para assegurar a permanência mínima de oito anos no ensino fundamental (art. 5º, LDB). No entanto, ainda, de acordo com a LDBEN, para os municípios que apresentarem capacidade de atendimento esgotada, deve-se estabelecer a co-responsabilidade entre as instâncias estaduais e municipais, de modo a assegurar a oferta regular para todos de oito anos de escolaridade (inc. II, art.10, LDBEN). Normas orientadoras do aporte de recursos devem indicar procedimentos para assegurar o direito de permanência por este período, a partir da avaliação da capacidade fiscal do município. As informações censitárias permitiram desagregar a exclusão da escola em dois grupos. Aqueles que nunca freqüentaram e um segundo grupo com percurso insuficiente. A exclusão pela realização de percurso insuficiente - crianças e jovens que freqüentaram um período de escolaridade igual ou inferior a quatro anos ou, que nunca freqüentaram (Quadros nºs 4, 6, 8 e 10 – ANEXO III), acrescenta à responsabilidade do poder público Duarte, MRT Página 113 municipal e estadual a oferta de ensino fundamental na modalidade da educação de jovens e adultos. Em 2000, os quatro municípios pesquisados apresentavam taxas diferenciadas de alfabetização da população residente com mais de dez anos TABELA 12 Taxa de alfabetização da população residente com mais de 10 anos, em quatro municípios de Minas Gerais – 200010 Municípios Alfabetizados/pop.residente CAE 1 78,7% CAE 2 73,5% CAA 1 94,2% CAA 2 92,3% Minas Gerais Fonte: Censo demográfico 2000/IBGE 89,1% O dados obtidos no censo demográfico realizado em 2000 sugerem a permanência entre a faixa etária da escolaridade obrigatória, a sua existência entre jovens de 15 e 16 anos é indicativa de uma oferta escolar incapaz de assegurar um atendimento adequado. Tanto a exclusão por não ter acesso, quanto a exclusão por um percurso insuficiente são de responsabilidade dos poderes públicos municipal e estadual (inc. II do art. 10º e inc. V do art. 11 da LDB), estando atribuído a estas instâncias de governo a resolução desta situação. Nos termos da Lei de Diretrizes e Bases, cabe, ainda, aos municípios a oferta pública da educação infantil (inc. V, art. 11, LDB). Os dados coletados para 1996 revelam uma expressiva demanda sem atendimento para esta faixa etária11. O atendimento, em todos os municípios pesquisados, cresce apenas para a idade de 06 anos (Quadros nº 4, 6, 8 e 10, Anexo III e GRAF. nº5). Inúmeros estudos têm reafirmado o déficit de atendimento nesta 10 O acesso à base de micro dados do Censo Demográfico de 2000, não havia sido disponibilizado pelo IBGE até fevereiro de 2003. 11 A Contagem da População 1996 e os Censos Demográficos não informam sobre a permanência em escolas para a faixa etária de 0 a 4 anos. Neste estudo, considera-se apenas a demanda por educação infantil compreendida na faixa etária entre 4 e 6 anos, ou seja, por pré-escolas. Duarte, MRT Página 114 etapa12 e os dados censitários confirmam que nos quatro municípios pesquisados aproximadamente 50% das crianças com idade de 05 anos não freqüentavam pré-escolas em 1996 (Quadros nº 4, 6, 8 e 10, Anexo III). % 100,0 de ex 75,0 50,0 clu sã 25,0 0,0 4anos 5anos 6anos 4anos 5anos 6anos 4anos 5anos 6anos 4anos 5anos 6anos CAA 1 CAA 2 CAE 1 CAE 2 município e idade nunca frequentaram o 5 Gráfico 5 - Percentual de crianças excluídas da pré- escola por município, segundo a idade Fonte: IBGE –Contagem da população 1996 A educação pré-escolar pouco esteve presente na vida das crianças com quatro anos de idade no decorrer de 1996, em todos os quatro municípios pesquisados. Apenas aos seis anos um contingente mais expressivo de crianças freqüentou pré-escolas. O GRAF. nº 05 permite comparar o atendimento entre as cidades pesquisadas. Os índices para a faixa etária de 4 a 6 anos só apresentam valores superiores a 70% de atendimento do total de crianças em CAA 1, para a idade de 06 anos. Para os demais municípios verifica-se uma exclusão mais acentuada da educação pré-escolar, especialmente em CAE 2, com população residente inferior a 10.000 habitantes. Ao comparar a evolução do atendimento segundo a idade para as quatro cidades pesquisadas verifica-se que o esforço de inclusão na escola efetivava-se em 1996, para crianças com idade entre 7 e 8 anos. Correspondendo às séries iniciais do ensino 12 Ferraro (1999:32) observa que, para o Brasil no período de 1980 até 1991, a redução absoluta do número de excluídos da escola praticamente se limitou ao grupo de 7 a 14 anos. As sinopses estatísticas do Ministério da Educação demonstram o expressivo crescimento da matrícula, do número de estabelecimentos de ensino e funções docentes nesta etapa da Educação Básica (MEC/INEP, 1996). Duarte, MRT Página 115 fundamental, a permanência de elevados índices de distorção série idade (Quadros nº 4, 6, 8 e 10, Anexo III e GRAF. nº 6) e de baixo atendimento em educação pré-escolar informa % de freqúência sobre a necessidade de ampliar o atendimento em todos os municípios pesquisados. 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 idade em anos CAA 1 CAA 2 CAE 1 CAE 2 Gráfico 6 - Percentual de inclusão na educação pré escolar e ensino fundamental por município, segundo a idade Fonte: IBGE –Contagem da população 1996 CAE 2 apresentou um percentual de atendimento, nos dois primeiros anos de idade correspondentes às séries iniciais do ensino fundamental, comparável aos demais municípios. A evolução dos percentuais de inclusão na escola, apresentados no GRAF nº 6, reiteram para além das questões relacionadas à distorção série/idade, graus diferenciados de urgência no atendimento à demanda por educação pré-escolar. Constata-se que os municípios maiores apresentaram índices de atendimento mais elevados - CAA 1 e CAA 2 - enquanto que os municípios menores - apresentavam índices semelhantes apenas para as idades de 7 e 8 anos (GRAF. nº 6) em 1996. Estes dados demonstram que, desde 1996, um patamar mínimo de escolarização, restrito as quatro séries iniciais do ensino fundamental, achava-se presente em diferentes municípios. No entanto, a existência de percentuais diferenciados de atendimento por etapa e modalidade de ensino (GRAF. nº 6 e 7) acha-se relacionada com a demanda por educação e a capacidade fiscal. Ou seja, uma acepção mais abrangente do conceito de Duarte, MRT Página 116 capacidade de atendimento de um sistema local de ensino, envolve relacionar população residente, demanda por educação básica e capacidade fiscal. Os dados municipais pesquisados confirmam o acesso ao ensino fundamental, mas a permanência no ensino obrigatório acha-se em alguns municípios mais reduzida, já nas séries iniciais. Com índice de exclusão de 47,9%, a freqüência à escolaridade obrigatória em CAE 1 para crianças a partir dos 08 anos de idade caracteriza o foco prioritário de qualquer intervenção a ser realizada. Esses dados indicam, ainda, que a exclusão na educação infantil nesses municípios opera pela inexistência de atendimento, enquanto no ensino fundamental ela se faz com o acesso à escola por mecanismos intra-escolares de seletividade (FERRARO, 1999). 100,0 80,0 % 60,0 40,0 20,0 0,0 6 7 8 9 idade CAA 1 10 11 12 13 14 em CAA 2 CAE 1 CAE 2 Gráfico 7 - Percentual de exclusão escolar no ensino fundamental por município, segundo a idade Fonte: IBGE –Contagem da população 1996 5.3 O atendimento ofertado: crescimento dos serviços educacionais por entidade mantenedora Desde a aprovação da LDB (1996) e a implantação do FUNDEF (1998) verifica-se a redução do atendimento nas escolas mantidas pelo governo estadual. Duarte & Oliveira (1996) já destacavam a correlação entre o crescimento da matrícula nas escolas municipais e particulares e a retração do atendimento nas escolas estaduais para todo o estado de Minas Gerais. No entanto, a evolução do atendimento em educação básica por entidade mantenedora destaca a regressão do atendimento pelo poder público estadual em etapas da educação básica regular (TAB nº 12). Duarte, MRT Página 117 TABELA 13 Minas Gerais, resultado final do Censo Escolar - Matrícula por etapa e modalidade da EB EJA Ed. Especial EM EF préescolar EB mantene dora estadual municipal particular 1998 1999 2000 2001 2002 11.722 316.569 92.028 11666 319784 108058 12.207 324.165 112.742 16.817 347.241 124.968 33.050 339.699 128.098 estadual 2.161.575 2062693 1.916.498 1.822.179 1.810.226 municipal 1.495.983 1505666 1.508.467 1.492.677 1.487.744 particular 197.744 201780 203.657 213.405 220.027 estadual 553.172 738321 846.018 819.190 776.619 municipal 50.373 39300 30.842 27.556 27.447 particular 109.480 111356 105.448 101.976 100.586 estadual municipal particular 12.161 3.331 30.058 12606 3187 34541 10.074 2.762 31.373 10.179 2.903 36.186 10.189 2.796 39.950 estadual municipal particular 37.068 21.750 36.865 6116 9744 32764 2.839 19.263 33.063 3.814 42.135 18.967 2.767 46.822 19.392 Fonte: INEP/MEC acesso em 22/03/03 Os números referentes à matrícula em educação básica desconsideram, apenas, o atendimento prestado pelo governo federal no estado, por ser pouco significativo. R2 = 0,98 2.500.000 2.000.000 1.500.000 1.000.000 500.000 0 1998 1999 2000 2001 ensino fundamental ensino fundamental ensino fundamental 2002 Gráfico 8 – Minas Gerais, evolução da matrícula no ensino fundamental regular. Fonte: Inep/MEC – Censo escolar Duarte, MRT Página 118 A curva de tendência (GRAF 8) demonstra com precisão a redução na matricula ofertada pelo poder público estadual, especialmente após a implantação do FUNDEF. Este fenômeno é caracterizado na literatura sobre política educacional como de municipalização. No entanto, para Minas Gerais, verificamos um crescimento pouco acentuado da matrícula no ensino fundamental, após a implantação do FUNDEF, ou seja, o efeito indutor à municipalização verificou-se no estado, antes da implantação do fundo. A possível perda de recursos, a partir da vigência das medidas redistributivas, promoveu a assinatura de convênios de municipalização entre o governo estadual e os municípios. No entanto, o segundo momento de retração da matrícula na rede estadual, após 1998, pode está relacionado, também, com os programas estaduais e federal de ajustamento da distorção série idade (Oliveira, 2001a). Ao analisar os dados desagregados da matrícula no ensino fundamental, referente ao período 1990-1998, Oliveira (2001a) demonstra a tendência ao decréscimo no atendimento nas séries iniciais, estas medidas conhecidas por “correção de fluxo”, “progressão continuada” resultaram, no período de 1998-2002, em redução no número de atendimento no ensino fundamental. A retração na matrícula do ensino fundamental pela poder público estadual, nos termos da atual Lei de Diretrizes e Bases, teria por justificativa a expansão da oferta regular no Ensino Médio. No entanto, a atribuição fixada pela LDBEN e as metas definidas pelo PNE não vêm sendo cumpridas para a expansão do atendimento no ensino fundamental 1.000.000 R2 = 0,98 800.000 600.000 400.000 200.000 0 1998 1999 2000 2001 2002 estadual municipal particula Gráfico 9 – Minas Gerais, evolução da matrícula no ensino médio regular. Duarte, MRT Página 119 Fonte: Inep/MEC – Censo escolar Nos últimos anos nem a versão reformada do texto constitucional (inc. II, art.208, CF) tem sido observada. A retração na oferta regular de matrícula no ensino médio, confronta-se com a exigência de progressiva gratuidade e obrigatoriedade. Os números do atendimento no ensino médio regular registram o descumprimento pelo governo estadual de sua oferta prioritária (e, art. 10, LDBEN), mas de que forma esta redução intervém nas formas de colaboração entre estados e municípios? 5.3.1 Crescimento dos serviços educacionais em quatro municípios do estado de Minas Gerais Os dados quantitativos referentes à matrícula foram coletados no Centro de Produção e Administração de Informações da Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais, em 2001. A Secretaria de Estado dispõe de cadastro da matrícula efetiva (ou inicial)13 desagregado por município e etapa da educação básica para o Estado de Minas Gerais. Estes dados foram confrontados com as informações constantes no Censo Escolar, divulgado pelo INEP/MEC, a partir dos dados fornecidos pela Secretaria Estadual de Educação. O Censo Escolar de 1996, no entanto, não apresentava, informações desagregadas por município, por este motivo as informações deste ano referem-se apenas ao Cadastro de Escolas, matricula, e docentes da Secretaria de Estado de Minas Gerais. A evolução da matrícula nos sistemas públicos no período de 1996 - 2002 retrata a oferta de educação básica prestada em cada município selecionado para esta pesquisa. Considerase que o movimento de expansão e/ou retração do número de alunos matriculados decorre da interação entre políticas locais, estaduais e nacional. Sendo o resultado da interação de políticas, as formulações e decisões de âmbito local também intervêm na configuração dos sistemas municipais de educação básica. Para o estado de Minas Gerais como um todo (TAB nº12) e nos quatro municípios pesquisados a participação da rede particular na oferta de EB é quantitativamente pouco significativa. 13 Matrícula efetuada em 10/3. . Duarte, MRT Página 120 Os dois municípios de maior população apresentaram processos distintos (GRAF. nº 10) de evolução da matrícula na educação básica. Em CAA 1 o crescimento do atendimento pelo governo municipal ocorre de modo gradativo, equiparando-se ao atendimento prestado pela rede estadual em 2000. Verifica-se um movimento contínuo de crescimento da matrícula na rede municipal pari passu da retração na rede estadual. A matrícula na rede particular pouco se alterou neste mesmo período (GRAF. nº 10). 70.000 60.000 50.000 matrícula efetiva 40.000 30.000 20.000 10.000 0 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 CAA 1 estadual CAA 2 estadual CAA 1 municipal CAA 2 municipal CAA 1 particular CAA 2 particular Gráfico 10 - Evolução da matrícula na educação básica regular por municípios (CAA 1 e CAA 2), segundo a entidade mantenedora Fonte: Inep/MEC e SEE/MG Em CAA 1 o crescimento da matrícula no conjunto das etapas da EB regular observa uma curva constante, com a tendência de repartição da oferta entre o governo estadual e o municipal no período. A rede estadual de ensino encerra o período com praticamente o mesmo número de alunos atendidos que a rede municipal (GRAF. nº 10). Em CAA 2, no ano de implementação do FUNDEF, o governo municipal supera o atendimento em EB regular. Neste município, a atuação do governo estadual se fez de modo instável e os dados quantitativos da matrícula são indicativos da ausência de uma oferta regular. Nos dois municípios a matricula na rede particular mantêm-se estável, de 1996 a 2000, sendo que em CAA 1 por todo o período. Nos dois municípios a rede estadual era responsável pela Duarte, MRT Página 121 parcela mais significativa do atendimento, sendo substituída em CAA 2 pela ampliação da matrícula na rede municipal e, em CAA 1, no final do período estudado as duas redes apresentam números semelhantes de alunos estudados. A evolução da matrícula na educação básica como um todo ocorreu de modo diverso nos demais municípios pesquisados (GRAF. nº 11). Em CAE 1 e CAE 2 o predomínio da oferta estadual permanece por todo o período, enquanto que a matrícula em EB sofre oscilações na rede municipal de CAE 1. Entre 1996 e 1997 ocorreu a redução no número de matrículas tanto na rede estadual quanto na municipal nas duas cidades (GRAF. nº 11). Esta redução pode estar relacionada à inconsistência dos dados constantes no cadastro da SEE/MG, visto que a indisponibilidade de dados desagregados por municípios para 1996 impossibilitou aquilatar essas informações no censo escolar. 12.000 10.000 matrícula efetiva 8.000 6.000 4.000 2.000 0 1996 1997 1998 CAE 1 estadual CAE 1 municipal CAE 1 particular 1999 2000 2001 2002 CAE 2 estadual CAE 2 municipal Gráfico 11 – Evolução da matrícula na educação básica regular, por município (CAE 1 e CAE 2), segundo a entidade mantenedora Fonte: Inep/MEC e SEE/MG Duarte, MRT Página 122 A implantação do FUNDEF (1998) não interfere, do mesmo modo, no atendimento prestado nos municípios. Tendência de crescimento das redes municipais, em CAA 1 e CAA 2, pode ser demonstrada para o período. No entanto, a rede municipal de CAE 2 apresenta um atendimento em educação básica no período 96-02. Neste município, verifica-se o crescimento da matrícula na rede estadual (GRAF. nº 11). Em CAE 1, por sua vez, ocorre o crescimento mais expressivo do atendimento pela rede privada, verificandose retração da matrícula nas redes estadual e municipal no decorrer do período. Nos quatro municípios pesquisados, a matrícula em EB regular concentra-se no ensino fundamental regular (Quadro 12, ANEXO III). No entanto, o crescimento do atendimento por entidade mantenedora - estadual e municipal - articula-se de modo diferenciado com o crescimento da matrícula por etapa da educação básica. O predomínio de uma política nacional de atendimento prioritário ao ensino fundamental, no período de 1996-2000, encontrou respostas diferenciadas em cada uma das cidades pesquisadas. Em CAA 1 a redução do número de matriculas na rede estadual de ensino fundamental é progressivamente compensada pelo atendimento da rede municipal (GRAF. nº 12). No entanto, esta ampliação não resulta em expansão da matrícula em Educação Infantil (préescolar), que permanece constante por todo o período14. A municipalização do ensino fundamental ocorre a partir de 1996/97, porém sem aumento do número de matrículas em pré-escolas municipais (GRAF. nº 12). 14 Para a matrícula em educação infantil (pré-escolar) no período o cv = 3.8%, retrata uma oferta regular do atendimento prestado pelo município. Ver TAB nº , ANEXO . Duarte, MRT Página 123 12.00 10.00 8.00 6.00 4.00 2.00 0 199 199 199 199 pré-escolar municipal 200 200 EF municipal 200 EF estadual Gráfico 12 – Matrícula por etapa da educação básica regular, segundo a entidade mantenedora – CAA 1, MG Fonte: Inep/MEC e SEE/MG Como mencionado anteriormente, trata-se de um município com elevada capacidade fiscal e onde a maior demanda por educação concentra-se na faixa etária por educação infantil e ensino médio. No entanto, para esta etapa da EB não se verifica no município uma tendência constante de crescimento da matrícula. O município tem investido recursos na expansão do atendimento nesta etapa, ocorrendo inclusive retração por parte do poder público estadual na oferta (TAB nº 13). TABELA14 Matrícula no ensino médio, em CAA 1, MG ano estadual municipal particular 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 3856 3856 4132 4364 5231 4829 4436 85 85 109 156 183 270 320 1221 1221 1239 1326 1341 1496 1213 O segundo município analisado quanto à evolução do atendimento em EB, caracteriza-se por dispor de elevada população e capacidade fiscal, em termos da média do estado. Duarte, MRT Página 124 60.000 50.000 40.000 30.000 20.000 10.000 0 1996 1997 1998 1999 pré-escolar municipal 2000 2001 EF municipal 2002 EF estadual Gráfico 13 – Matrícula por etapa da educação básica regular, segundo a entidade mantenedora – CAA 2, MG Fonte: Inep/MEC e SEE/MG Em CAA 2 o município assumiu a oferta do ensino obrigatório desde 1996, com um atendimento superior aos alunos matriculados em escolas estaduais, porém quase inexistindo matrícula em pré-escolas públicas (GRAF. nº 13). Nestas duas cidades, por processos diferentes, o atendimento prestado pelo poder público local (matrícula no ensino fundamental) é superior ao estadual. No entanto, CAA 1 conjuga a expansão do atendimento no ensino fundamental com uma oferta regular da matrícula em educação infantil (pré-escolar). No segundo município - CAA 2 - o crescimento contínuo da matrícula na rede municipal de ensino fundamental é acompanhado por redução da matrícula em educação infantil (pré-escolar) pelo poder público local. As repercussões sobre a educação infantil da prioridade de financiamento ao ensino fundamental têm sido tratadas na literatura e debates educacionais da atualidade. No entanto, ao comparar dois municípios do estado com capacidade fiscal superior à média dos municípios, verifica a adoção de estratégias locais diferenciadas. Duarte, MRT Página 125 9.00 8.00 7.00 6.00 5.00 4.00 3.00 2.00 1.00 0 199 199 199 199 pré-escolar 200 200 EF 200 EF Gráfico 14 – Matrícula por etapa da educação básica regular, segundo a entidade mantenedora – CAE, 1, MG Fonte: Inep/MEC e SEE/MG Nos dois municípios o poder público estadual encerrou a matrícula para educação infantil (pré-escolar). A matrícula na rede estadual de ensino fundamental reduziu-se de modo pouco significativo em CAA 2, enquanto que CAA 1 apresentou maior variação. Estes dados questionam afirmativas que correlacionam de modo direto e linear a municipalização do ensino com a retração na oferta de educação infantil. Onde a rede estadual de ensino fundamental se manteve praticamente constante, ocorreu uma abrupta e drástica redução na oferta de educação infantil. No segundo grupo de municípios pesquisados, a matrícula da rede estadual de ensino fundamental é superior à matrícula da rede municipal. Em CAE 1 a variação da matrícula no período estudado é maior na rede municipal, ocorrendo, ainda, variação significativa da matricula na rede municipal de educação infantil (pré-escolar). Neste caso, houve pouca retração da matrícula na rede estadual de ensino fundamental e a matrícula na rede municipal, excetuando o período de 96-97, também apresentou variação pouco significativa. Trata-se de um município de médio porte, com reduzida capacidade fiscal e Duarte, MRT Página 126 situado em região geográfica com baixos índices de qualidade de vida. Neste caso, verifica-se a ausência de uma oferta regular de ensino fundamental, em conseqüência da redução progressiva do número de alunos atendidos na rede estadual e a variação ocorrida na matrícula da rede municipal. Em CAE 2, pequeno município situado na região do Vale do Jequitinhonha, a variação da matrícula é significativa nas duas redes. A oferta do ensino obrigatório foi assumida pela rede estadual neste período, no caminho inverso da tendência de municipalização (GRAF. nº 15). Trata-se de um município com reduzida capacidade fiscal e representativo do grande número de pequenos municípios existentes no estado. No entanto, os dados de evolução da matrícula indicam que a redução ocorrida no ensino fundamental não tem repercussões para a expansão da oferta do ensino médio. 2.000 1.500 1.000 500 0 1996 1997 1998 1999 2000 pré-escolar municipal 2001 EF municipal 2002 EF estadual Gráfico 15 – Matrícula por etapa da educação básica regular, segundo a entidade mantenedora – CAE 2, MG Fonte: Inep/MEC e SEE/MG Os municípios pesquisados foram agrupados, ainda, em: cidades de médio porte com crescimento positivo da população residente e cidades de pequeno e médio porte com crescimento negativo da população residente (TAB nº 10). Os municípios deste segundo grupo apresentaram em relação ao atendimento da população: - maiores índices de exclusão da educação pré-escolar para crianças com idade entre 4 e 6 anos (Quadros nº 4 e 6, ANEXO III); Duarte, MRT Página 127 - menor percentual de inclusão/ maior de exclusão de crianças na faixa etária da escolaridade obrigatória (GRAF. nº 5 e nº 6); - predomínio da matrícula na rede estadual de ensino fundamental; - maiores coeficientes de variação da matrícula para a educação infantil e ensino fundamental. Em todos os municípios pesquisados a universalização de uma educação básica - da educação infantil ao ensino médio - acha-se longe de efetivar. No entanto, o segundo grupo de cidades retrata uma situação de maior precariedade no atendimento. A variabilidade encontrada na matrícula por etapa da educação básica e entidade mantenedora, a maior participação de crianças excluídas da e na escola informam sobre o atendimento numa rede pública com oferta mais episódica, submetida a eventos que alteram trajetórias na implementação de política de longo prazo. Os dois grupos de municípios são representativos da diversidade existente nas cidades do estado de Minas Gerais e brasileiras. Um grande número de municípios de pequeno e médio porte (pop. residente até 50.000 habitantes) com baixos índices de escolarização e poucas cidades maiores (com pop. residente igual ou superior a 100.000 habitantes) e taxas de escolarização mais elevadas. Neste segundo grupo, o crescimento da matrícula na rede municipal traduz um esforço de “municipalização” do atendimento. No primeiro grupo, a forte presença da rede estadual no total da matrícula por todo o período aliado ao crescimento da rede municipal, expõe as indagações quanto aos limites da “municipalização” na efetivação do direito à edu0cação básica. Duarte, MRT 6. Sistemas Página 127 educacionais em perspectiva comparada: relações intergovernamentais e autonomia da escola Este estudo é condicionado por uma singularidade presente no sistema educacional brasileiro: a existência de autonomia política dos governos locais na gestão da educação escolar básica (educação infantil e ensino fundamental). Esta condicionalidade orienta uma perspectiva que indaga sobre os efeitos e tensões entre diretrizes globais de reforma educativa em formações políticas específicas e procedimentos de gestão da res pública no campo educacional. Duas referências orientam este estudo comparativo: a reforma políticoadministrativa dos sistemas de educação básica (financiamento e atribuição de competências) e o papel das relações intergovernamentais na expansão da educação escolar em dois países semiperiféricos. A abordagem desses temas observou os seguintes procedimentos. Estudo de literatura em Portugal – a partir da década de 90 – relativa ao tema da School based Management e a as reformas educativas, com o objetivo de comparar, assinalando contextos de identidades ou diferenças, os dois países. Levantamento e análise da bibliografia e legislação sobre a atuação das autarquias, com destaque para os mecanismos de financiamento dos gastos educacionais, com o objetivo de estabelecer o enquadramento jurídico-político desta atuação. Em seguida, a pesquisa foi dirigida para o estudo das contas de gerência, ano 2000, de três municípios da região norte e entrevista com responsáveis pela aplicação e acompanhamento dos gastos autárquicos na área (dois vereadores do Pelouro da educação, 03 técnicos de nível superior e um presidente de junta de freguesia, responsável pela criação de uma pré-escola). O ponto essencial consiste em indagar quanto à(s) ruptura(s) produzida(s) nas políticas de administração centralizada do sistema educacional disseminadas nos períodos autoritários tanto em Portugal quanto no Brasil. Se a reforma do sistema educacional é condicionada, por um lado, pelos processos de mundialização1 e, por outro, pelas especificidades 1 Giddens 1997 apoia-se no termo globalização, diferenciando-o de uma concepção centrada na expansão economia-mundo capitalista. Os debates sobre o tema, dentre outros aspectos, abordam a centralidade da expansão do capital, como força capaz de contrapor-se ao poder político expresso pelos Estados. O termo globalização correlaciona transformações sociais, políticas, culturas e econômicas a uma série de processos e Duarte, MRT Página 128 políticas internas dos países, a reflexão sobre as alterações político administrativas em curso nos sistemas de ensino pode contribuir para visualizarmos efeitos e tensões do poder de governance dos governos centrais. Ao analisar os processos de descentralização político administrativo2, dos sistemas educacionais nos dois países, procuramos averiguar como diretrizes globais de reforma político-administrativa interagem com formas próprias de relações intergovernamentais. A relação entre a gestão dos sistemas educacionais estatais e o sistema políticos é posta em causa, numa tentativa inicial de análise comparada, que pressupõe a mediação da adoção dos mecanismos de diretrizes globais de reforma por distintas tradições internas de administração pública presente nos dois países3. 6. 1 Diretrizes globais de reforma educativa e relações intergovernamentais Portugal e Brasil, com temporalidades e processos diferenciados, sofreram interveniências significativas das reformas conservadoras difundidas a partir da reforma inglesa - período Thatcher – e americana – governo Reagan (CATANI et al., 2000). Centro de irradiação de princípios e medidas político administrativas de retórica descentralizante para as periferias, é vasta a literatura que aponta seu caráter (re)centralizador. É ampla a literatura sobre a importância das alterações efetuadas na gestão do sistema educativo na Inglaterra, especialmente para a definição de políticas educativas - com a revalorização de uma base curricular nacional e a centralização da formulação sobre os resultados pretendidos pari passu com estratégias de implementação de gestão financeira transferidas para as unidades escolares (LEVACIC, 1998: 332). Estas medidas políticas de administração foram efeitos diferenciados por regiões ou países, diluindo por vezes a centralidade do empreendimento capitalista. Dale (1999) elabora uma tipologia dos principais mecanismos que distinguem os processos de globalização, contrapondo-os as posições que a reduzem à imposição de políticas semelhantes em todos os países. Neste estudo o que se quer destacar com um uso mais ambíguo do termo mundialização é a centralidade da expansão nas mais diferentes áreas (cultural, educacional e da administração pública) de um espaço-mundo regido por empreendimentos subordinados à lógica mercantil. Jameson (2000) ao examinar os planos distintos da globalização com o propósito de destacar sua coesão fundamental, aponta a centralidade da expansão da forma mercadoria via novas tecnologias e embasada no expansão dos ‘livre mercado’. 2 Neste estudo a expressão político-administrativo expressa a relação entre a tomada de decisão e seu exercício. O termo administração na teoria política clássica, relaciona e subordina os agentes, mecanismos e instrumentos de distribuição (dosagem) do poder, a quem compete a formulação da norma e tomada de decisões. Esta concepção acha-se, também, presente na analise weberiana da burocracia como instrumento de dominação de base racional-legal. Neste sentido, uma determinada política concretiza-se e é expressão da forma institucional pela qual se realiza. 3 Esta perspectiva de estudo comparativo acha-se presente em Schriewer, 1997 Duarte, MRT Página 129 difundidas globalmente e sob diferentes denominações como autonomia da escola, descentralização da política educativa, municipalização da educação, etc4. Concomitante à reforma educativa nesses países e em simbiose com ela tem-se o movimento conhecido como New Public Manegement5 (NPM). Este movimento vem estruturando toda uma discussão contemporânea sobre mudanças organizacionais e administrativas no setor estatal com influência na administração dos sistemas de ensino (Angus, 1994; Power, 1997). I define NPM abstractly as a field and policy discussion – conducted internationally – about subjects concerning public managemente, including public management policy, executive leadership. design of programmatic organizations, and government operations (Barzelay, 2000: 231.grifo meu) Os programas no campo da NPM têm por pressupostos estudos relacionados à teoria da escolha racional e a teorias organizacionais de cunho empresarial (Barzaley, 2000). Tanto as reformas educativas inglesa e americana, quanto os programas de reforma inspirados na NPM privilegiaram a livre oferta de serviços públicos (educacionais incluídos) para a “livre” escolha dos cidadãos-consumidores mediados pela introdução de formas mais competitivas de financiamento, para a consecução de objetivos de maior eficiência e eficácia. Duas idéias força orientaram essas perspectivas modernizantes de Reforma do Estado. O reconhecimento das organizações da sociedade civil como uma instância positiva de realização de democracia versus um aparato de Estado, como instrumento de dominação burocrática. Desse modo, desconcentração da prestação de serviços, especialmente na área social, a entidades privadas foi considerada como potenciador da expressão da diversidade e potencialidades existentes na sociedade civil6. Outro pressuposto relaciona-se a clivagem entre fins/objetivos e meios/procedimentos. A burocracia é questionada por sua ineficácia, 4 Afonso (1995:76) já destacava o redirecionamento político-administrativo centralizador do Educational Reform Act de 1988 com base defesa da autonomia da escola. No Brasil, Oliveira (1996) ressaltava a centralidade da escola como núcleo de gestão em programas educativos formulados centralmente e financiados pelo BIRD. Sobre a relação entre a autonomia das escolas na reforma educativa inglesa e as políticas sociais neoliberais ver ainda: Afonso, 1999 e Ball, 19 5 NPM is an administrative philosophy (…) that emerged in the 1980s. (...) H & J asserted that NPM influenced governments agend by establishing a climate of opinion in favor of its doctrines (Barzelay, 2000:235) 6 O termo, nesta perspectiva, designa uma instância positiva de realização plena e democrática das diferenças, uma suposta esfera de autenticidade e de liberdade em face de interesses e a cultura (ver: Moraes: 2001:1416). Duarte, MRT Página 130 rigidez e pouca visibilidade na formulação de alternativas. Proposições políticoadministrativas de ênfase gerencialista passam a destacar resultados, produtividade obnubilando a crítica às relações sociais que as construíram. Nesta perspectiva, a ênfase em mecanismos de controle ex post pelos poderes centrais dos resultados obtidos – avaliação sistêmica, por exemplo – é combinada com apelos à iniciativa local com o objetivo de validação conseqüencial7 No entanto, podemos afirmar que essas diretrizes contêm um componente de modernização dos sistemas educacionais construídos nos regimes autoritários no Brasil e em Portugal8. Elas apontam uma preocupação de diversificação na oferta de bens e serviços com o intuito de favorecer a expressão de necessidades sócio-culturais diferenciadas presentes na sociedade civil (Durut-Bellat, 2001). Ao advogarem maior diversidade na oferta de serviços para o atendimento a identidades e interesses plurais de cidadãos-consumidores, contrapõe-se à tendência de uniformização curricular presente nos períodos autoritários. Enfatizam, também, maior transparência na definição de metas e na alocação de recursos públicos, como pré-requisito de competitividade (Pereira, 1996). O trato patrimonialista da res publica é criticado por não favorecer a expansão competitiva dos mercados. Mas, destacamos que a implementação desses princípios se fez (e faz) pela mediação das formas institucionais presentes em cada formação social, dentre elas as relações intergovernamentais. A difusão de diretrizes globais por mecanismos de decisões acordadas, a observância de uma agenda ou de normas supranacionais (DALE, 1999) se faz em interação com as formas institucionais “internas” aos Estados, que, por sua vez, reproduzem relações de poder e governance. .Dentre essas formas institucionais internas, as relações intergovernamentais adquirem relevância por possibilitar maior pluralismo no sistemas políticos dos estados. A existência de diversos níveis de governo, dotados de autonomia relativa, pode contribuir para o desenvolvimento de alternativas locais a decisões centrais e/ou diretrizes globais. 7 Impactos da avaliação sobre os sistemas, determinando mudanças de pensamento, gerando novas atitudes e promovendo novas ações (Vianna, 2003) 8 Em relação ao Brasil esta perspectiva acha-se presente em Cury, 1993; Duarte, 1997. Duarte, MRT Página 131 Propomos, sob estas referências, o estudo comparativo de aspectos das relações intergovernamentais – central/local - nesses dois países, situados na semiperiferia do capitalismo, com o objetivo de configurar singularidades de uma matriz9 políticoadministrativa que intervém nas reformas dos sistemas de ensino no Brasil e em Portugal. Iniciamos o estudo pela discussão das formas e/ou estratégias institucionais de descentralização/recentralização entre instâncias governamentais adotadas nas reformas dos sistemas públicos de educação básica/elementar. Com este objetivo selecionamos três focos de reflexão: - a relação entre a autonomia da escola e dos governos locais; - a participação dos governos locais no financiamento da educação escolar; - a participação dos governos locais na programação escolar. No Brasil indagamos sobre a efetivação do regime de colaboração fixado no texto constitucional (caput, art. 211, CF). Em Portugal, a investigação pretende aquilatar estratégias de formulação de alternativas político-educativas pelas autarquias para o sistema de escolas elementares. 6. 2 A constituição de uma área de estudos em administração educacional e os contextos de autonomia das escolas Sob o tema da(s) autonomia(s) da escola abrigam-se experiências como a introdução de parcerias entre a escola e setores da comunidade local, ou o desenvolvimento de novas propostas educativas articuladas a referências multiculturais, ou mesmo de reordenação dos tempos e trajetórias escolares. Constituem um conjunto de intervenções distintas e com objetivos diversos, passíveis de promover maior participação de diferentes atores como, também, iniciativas voltadas para o gerenciamento desconcentrado das unidades escolares10. O desafio analítico, proposto neste estudo, consiste em pensar a(s) autonomia(s) da escola tendo por referência um novo espaço público, capaz de associar à 9 O uso do termo matriz corresponde a noção de design, indicativo que o objeto relaciona-se fundamentalmente com escolhas político-administrativas formais e que propriedades emergentes das organizações ou das intervenções organizacionais são conduzidas por poderes centrais ou individuais. Ver a respeito: Barzelay (2000:230) 10 Lima, 1995 introduz a noção de recentralização por controle remoto com o objetivo de caracterizar o apelo a autonomia e a permanência de um poder decisório centralizado. Duarte, MRT Página 132 promoção de novos formas institucionais de gestão da res pública11 com a ampliação da autonomia dos espaços e instituições públicas frente aos grupos de interesse. Uma referência recorrente em estudos de política educacional é a associação efetuada entre descentralização político administrativa e a autonomia das unidades escolares12. Os pressupostos dessas perspectivas encontram-se nos resultados de pesquisas divulgadas no final dos anos setenta (Rutter, 1979; Brookover 1979), onde se evidenciou a influência da escola na evolução dos alunos. Se as condições socioeconômicas e culturais das famílias têm influência sobre o desempenho escolar, ficou comprovada igualmente a existência do que os franceses chamam "efeito estabelecimento" (Cousin, 1998). Esse foco de pesquisa demonstrava que a qualidade das escolas tem efeitos importantes sobre o desempenho dos alunos. Ou seja, os modos de funcionamento das escolas podem ⎯ ou não ⎯ permitir que se reduzam os efeitos negativos da situação socioeconômica das famílias (Lavinas & Barbosa, 2000). Estes estudos legitimaram a centralidade política atribuída a (re)organização das unidades escolares (School-based Management - SBM), como um dos meios de promoção de sucessos individualizados. E a disposição em estabelecer maior autonomia para as escolas constituiu um dos elementos essenciais da estratégia adotada pelo governo conservador inglês, no final dos anos oitenta, para modificar a estrutura de tomada de decisões entre os níveis de governo e as escolas13. No entanto, as pesquisas sobre gestão escolar, desenvolvidas nos últimos anos apontam, também, para a importância de reavaliar as formas institucionais de gestão das escolas. A operação dos princípios centrados na SBM 11 Pazeto & Wittmann (1999) ao analisarem o conteúdo de 134 trabalhos relativos à gestão da escola, observam que essa literatura apresenta como eixo comum de abordagem a associação entre democratização e autonomia. Para esses autores, a ênfase posta na gestão da escola é decorrência de um contexto onde a escola pública já não mais se contém no limite do estatal. Para corresponder aos novos anseios e expectativas da sociedade, a escola requer a intermediação da comunidade e de suas instituições para assegurar-lhe a dimensão pública e coletiva. 12 A literatura no Brasil sobre descentralização é extensa. Destacamos 13 Autores como Harris, 1994 consideram que as diretrizes da reforma inglesa expressam um ataque a democracia local (ver, também Afonso, 1995: 76). Esta perspectiva acha-se também presente em Ball, 1994 ao analisar o caracter de empreendedorismo presente na reforma inglesa. No entanto, cabe distinguir a restrição a formas de participação-cidadã inerente às perspectivas mais gerencialista e a inexistência nas relações intergovernamentais inglesas (extensivo Grã-Bretanha) de um poder político municipal autônomo, com competências próprias e capacidade de ação independente do governo central. Duarte, MRT Página 133 acha-se presente nos mais diferentes países.14 Se há controvérsias sobre modelos organizacionais a serem adotados, foi conferido ao “efeito estabelecimento para o sucesso/fracasso escolar” importância fundamental. É variada a literatura envolvendo modelos diferenciados de School-based management (SBM), a partir da década de noventa, tanto no sentido de destacar alternativas organizacionais necessárias a um padrão de educação escolar, quanto reiterando uma postura crítica em face de obstáculos intra e extra-escolares a serem previamente superados. Nesta literatura, os debates envolvem diferentes arranjos organizacionais a que estão sujeitas as unidades escolares, ou um agrupamento de escolas ou, ainda, escolas situadas em um determinados território15. No entanto, ao encerrar a década de noventa, um outro tema acha-se mais presente em estudos de administração educacional no Brasil e em Portugal: a intervenção dos governos locais nas políticas educativas e administração do sistema de escolas de educação infantil e ensino fundamental/básico. Em 2001, o II Congresso Luso Brasileiro de Educação apresentou mais de noventa comunicações orais de pesquisadores portugueses e brasileiros. Nos trabalhos previamente remetidos ao Congresso destacaram-se, também, temas relacionados com a(s) autonomia(s) da escola16. No entanto, neste mesmo Congresso, estudos ligados à municipalização do ensino fundamental no Brasil (OLIVEIRA, C; FERNANDES, MD), a atuação dos secretários municipais de educação (CASTRO, MLS), a configuração de agrupamentos de escolas e territórios educativos (FALCÃO, MN & NOGUEIRA, C), às práticas de inspeção escolar (CASTRO, MLS), aos programas socioeducativos autárquicos (GUEDES, G et al.) ou à avaliação e monitoramento dos sistemas de ensino (DURAN, MC) - dentre outros e expostos em diferentes sessões temáticas – já apontavam questões relativas às políticas ou à administração pelos governos locais da educação escolar básica/elementar. 14 Em 1999, quando da realização do Fórum Português de Administração Educacional, gestores de diversos países europeus destacaram a centralidade das escolas como lócus privilegiado de promoção de ações educativas (Barroso, 1999). Conferencistas da Alemanha, Bélgica, Bielorussia, França, Noruega relataram a importância de reflexões e procedimentos relativos a autonomia de gestão das unidades escolares O tema da autonomia dos governos locais no campo educacional foi mencionado de modo circunstancial, sem maior centralidade. Apesar do estatuto jurídico-político atribuído aos municípios na Europa ser muito variado (Martins, 2001), são poucos os estudos comparativos sobre a atuação das cidades no campo da educação escolar básica. 15 A noção de territórios educativos é polissêmica. Ver a respeito: SARMENTO, 1998:45-46 16 Este tema foi objeto de uma mesa redonda – Autonomia(s) da escola e centralização/descentralização. Ver: Actas de resumos do II Congresso Luso Brasileiro. Braga: Uminho. 1999 Duarte, MRT Página 134 Estes estudos, com diferenças de abordagem, correlacionaram a atuação dos sistemas locais de ensino (Brasil)/das autarquias (Portugal), ao sistema de escolas de educação elementar(Portugal)/básica(Brasil) e às políticas e programas educativos formulados pelo governo central. Consideramos que, a melhor compreensão desta tríade relacional permite a apreensão do fenômeno da reforma político-administrativa dos sistemas de ensino em formações políticas específicas. As relações intergovernamentais presentes no dois países contêm formas próprias de exercício político-administrativo, que intervêm nas políticas educativas. 6. 3 Brasil e Portugal: tempos de rupturas e reforma(s) da educação escolar básica Em cerca de um mês professores e alunos de diversas escolas substituíram reitores e directores por órgãos de gestão eleitos, por diferentes processos, com diferentes denominações e composições (Lima: 1998: 235). Em Portugal, o 25 de abril de 1974 assinalou o movimento de deslocação do poder para as escolas, para uma posterior reconstrução do paradigma da centralização (Lima, 1998: 219). Os acontecimentos subseqüentes ao 25 de abril de 1974 produziram e difundiram formas de autogestão que possibilitaram algumas inovadoras recriações ou reinvenções para uma autonomia conjunturalmente conquistada, freqüentemente legitimadas em práticas de democracia direta (AFONSO, 1999:22). Ações autogestionárias desenvolvidas especialmente nas escolas secundárias difundiram práticas mais participativas de gestão das escolas, como também impulsionaram rupturas com o modelo político e administrativo do período ditatorial17. Na atualidade, uma agenda do tipo participativo e descentralizadora em Portugal tem a experiência autogestionária imediatamente posterior à Revolução de 25 de abril18 apenas por referência. Experiência presente nas formulações críticas à autonomia decretada e à política de desconcentração empreendida nas duas últimas décadas, ela apresenta, 17 Sobre formas organizacionais de gestão escolar ver Lima, 2000. Barroso, 2001 ao analisar a dicotomia reforma versus mudança nas escolas reafirma ser o período pós-25 de abril como um contexto das transformações mais significativas nos princípios, estruturas e práticas educativas 18 Duarte, MRT Página 135 entretanto, singularidades que permitem apreender a gênese do período posterior. Lima (1998), embora reconheça a ação dos movimentos populares das organizações de base durante o período revolucionário, chama a atenção para a centralidade política que caracterizou este período e para a ausência de um projeto descentralizador e democratizador da administração pública (Lima: 1998: 234). Um segundo movimento – 1985 a 1995 - teve por diretriz a normalização de um modelo de gestão das escolas capaz de contrapor-se à democracia direta (Lima, 1998; Afonso, 1998: 204-210). Um processo de modernização conservadora (Afonso, 1995:79) onde a centralidade de proposições normativas relativas à gestão democrática das escolas se fez com a recentralização político administrativa no Ministério da Educação. Esta segunda conjuntura, pós-período revolucionário, induziu à desmobilização crescente dos atores escolares utilizando-se de uma retórica de autonomia e participação (ver: Afonso, 1999: 123-124). Este contexto, é apresentado na literatura como de desconcentração, historicamente capaz de penetrar no universo específico de cada escola19 (FORMOSINHO, 1998) e fundamenta-se na transferência de tarefas de gerenciamento para as unidades escolares20. A relação entre governo central, escolas e diretrizes globais de reforma fundamenta as análises efetuadas, tanto nos programas governamentais, quanto na literatura crítica à autonomia decretada. Ao advogarem ou criticarem a introdução de medidas ligadas SBM, estes estudos minimizam a reflexão sobre a interação da administração das escolas com o sistema político-administrativo presente nas relações intergovernamentais. A participação autárquica na educação escolar, resgatada em estudos mais específicos, (Fernandes, 1998, 1999; Louro, 2000), tem por foco de discussão a consolidação de suas competências educativas. A ênfase nestes trabalhos é colocada no enquadramento legislativo que circunscreve as competências autárquicas no campo da educação escolar. 19 Formosinho (s/d) nomeia este período como: Anos 80 – retórica (des)centralizadora e prática de centralização desconcentrada. 20 A mídia impressa portuguesa, nacional e regional especialmente no início dos anos letivos, publica anúncios de escolas de educação básica e secundária para seleção de pessoal técnico administrativo e prestação de pequenos serviços. É irônico observar os prazos e procedimentos fixados, registrando a permanência do controle processual sobre a autonomia proclamada. Duarte, MRT Página 136 No Brasil, a década de oitenta foi marcada por diversos movimentos sociais, dentre estes os professores e funcionários em atuação nos sistemas públicos de Educação Básica21. Nestes movimentos, os anseios por mais democracia e participação presentes em muitas regiões do país, foram sintetizados em reivindicações por eleições diretas (o movimento pelas “diretas já” tem traduções nos mais diferentes setores, como, por exemplo, as reivindicações por eleição para a direção das escolas). Reunindo docentes, funcionários e estudantes, as greves e manifestações efetuadas ao longo dos anos oitenta, produziram reivindicações por alterações nos procedimentos de gestão de pessoal (concursos, revisão das normas de carreira), na organização das escolas (criação de conselhos de escolas e/ou administrativos) e nas associações e entidades representativas desses segmentos. A organização das escolas e do trabalho escolar foi posta em questão22 e reivindicações por maior autonomia vieram a debate. A década de noventa iniciou-se no Brasil, com um grande número de experiências de gestão em educação sendo elaboradas e desenvolvidas em estados, municípios e escolas nas diferentes regiões do país. E, embora, o tema da atuação dos municípios na educação escolar estivesse presente nos estudos de administração educacional brasileiros desde o pós-guerra23, é com a promulgação da Constituição de 1988 que este tema adquire novo protagonismo. Por outro lado e, também, a partir da década de noventa, a descentralização constituiu no Brasil uma estratégia governamental para a promoção de reformas em diferentes setores sociais, inclusive dos sistemas de educação básica. Toda uma literatura de crítica à municipalização foi produzida neste período, onde era denunciada a onda política de desconcentração no campo educacional, induzida pelas agencias internacionais de financiamento, pari passu a crise do poder central24 21 Em 1982 tem-se a eleição de governadores da oposição (MDB) nos principais estados do país (Franco Montoro, em São Paulo; Pedro Simon, no Rio Grade do Sul; Tancredo Neves, em Minas Gerais). Estes eventos políticos pressionaram o calendário de redemocratização do país e impulsionaram debates sobre a dependência dos governos estaduais e das principais cidades frente ao governo federal. 22 Arroyo (1982) destacava a concepção emergente no período com o artigo intitulado: Professores e trabalhadores se identificam. Que rumos tomará a educação brasileira?. 23 Os trabalhos de Anísio Teixeira na década de 40 e posteriormente os estudos sobre a coordenação da Fundação Carlos Chagas nos anos oitenta já abordavam o tema das competências intergovernamentais quanto à educação básica. 24 Nesta literatura, a crítica à política de indução dos municípios à assunção de maiores encargos com o ensino fundamental é expressa pelo termo municipalização (Ver Oliveira, 1999). Duarte, MRT Página 137 Em Portugal o período de 1985 a 1995 foi caracterizado pela retomada da iniciativa governamental sob inspiração neoliberal (AFONSO, 1998) e no Brasil, a eleição em 1995 de Fernando Henrique Cardoso, expressa a definição de rumos da Reforma do Estado, anunciada desde o início da década (VIEIRA, 1998). Nos dois países, em primeiro movimento, lutas sociais por democratização e afirmação de novos direitos repercutiram nas unidades escolares, vistas como espaços de decisão e participação em ações descentralizadas. Neste primeiro movimento, descentralização implicou em assunção de autoridade e poder decisório dos níveis centrais para o âmbito das unidades escolares, produzindo rupturas em formas clientelistas e patrimonialistas de gestão das organizações escolares. Em segundo ato, proposições em defesa de maior autonomia das escolas subordinavam-se a exigências de governance do poder central, por uma estratégia que associava iniciativa local e controle ex post central. Neste segundo momento, descentralizar indicava desconcentrar, com a transferência de tarefas e responsabilidades para as escolas em Portugal (1985-1995) e para os governos subnacionais no Brasil (1995 – 2000). Indicava também, o exercício de funções específicas de controle processual e de resultados pelo poder central. Com temporalidades e processos diferentes, verificaram-se, ainda, nos dois países todo um esforço jurídico, com o objetivo de regular a gestão das escolas. Período de proliferação de atos normativos do poder central a re-centralização em Portugal associou avaliação sistêmica com autonomia gerencial. No Brasil, os mecanismos de vinculação e subvinculação dos recursos financeiros25, associados à elaboração de parâmetros curriculares nacionais, promoveram a adoção de uma concepção curricular e gerencial mais homogênea pelos sistemas de ensino e escolas básicas. A existência de um continuum nas reformas empreendidas em Portugal desde a segunda metade da década de oitenta até a atualidade e no Brasil após a eleição de 1994, permite afirmar a permanência da estratégia governamental de centralismo descentralizado (Karlsen, 2000:525-538). Estratégia presente em ambos os países, após a segunda metade 25 A Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases vincularam a aplicação de 25% da receita orçamentária de estados e municípios à educação básica. A Lei nº. 9424796, que criou o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental, subvinculou 15% desses recursos governamentais à aplicação no ensino obrigatório (fundamental). Duarte, MRT Página 138 da década de noventa, sofre a interveniência de um terceiro agente: os governos locais. E a ação desses “governos” constitui um dos vetores de interação entre o sistema políticoadministrativo e o sistema de escolas. No Brasil, as eleições municipais vêm demonstrando o crescimento do número de prefeituras sob governo de partidos de esquerda, em maior número do Partido dos Trabalhadores. Essas administrações municipais têm-se caracterizado pela introdução de novas formas institucionais de gestão pública como o orçamento participativo, a elaboração de projetos político-pedagógicos para as escolas de educação básica, a promoção de fóruns setoriais de discussão e deliberação e programas sociais compensatórios inovadores como o bolsa-escola. A estratégia de desconcentração para a implantação de programas centrais confronta-se com um ator que detém legitimidade política e institucional para formular e implementar alternativas às diretrizes centrais/globais de política educacional. Em Portugal, o XII Congresso da Associação Nacional do Municípios (realizado em 2001) debateu a transferência de competências na área de educação, conforme prevista na Lei no. 159/99. Neste encontro, foram levantadas questões gerais com o objetivo de enquadrar negociações e o processo legislativo decorrente. Entrevistas efetuadas com pesquisadores e gestores em administração educacional reiteraram a ocorrência de um certo consenso entre as administrações autárquicas, no sentido de obstar a transferência de competências sem prévia avaliação das conseqüências financeiras para os municípios. 6. 4 Autonomia da escola e dos governos locais Nestes países semiperiféricos, Portugal e Brasil, medidas voltadas para a universalização e efetividade das políticas sociais – escolarização de crianças e jovens incluída – ocorreram simultâneas à reforma dos serviços estatais26. Nestes dois países, os processos de redemocratização defrontaram-se com exigências de reforma político-administrativa dos serviços públicos. Entretanto, uma diferença institucional substantiva entre a realidade 26 Em Portugal, a crise da escola de massas verificou-se no mesmo momento em que ocorreu sua expansão (Stoer & Araújo, 1992). No Brasil, a universalização do ensino fundamental (obrigatório) constitui, ainda, uma tarefa inconclusa no final do século XX, especialmente nas regiões mais pobres do norte e nordeste (MEC-INEp, 1996). Duarte, MRT Página 139 brasileira e portuguesa deve ser destacada. A Constituição Brasileira de 1988 e a LDBEN, aprovada em 1996, asseguraram aos municípios competência para se organizarem como sistemas autônomos. A Lei faculta a todos os municípios brasileiros competências de planejamento, execução e avaliação de ações próprias, desde que respeitado seus dispositivos, a Lei de Diretrizes e Bases e observadas as diretrizes curriculares nacionais. Desse modo, no Brasil a formulação e implementação (municipal) de política educacional pode observar uma lógica de governo local, com autonomia legislativa e administrativa, frente a ações dos demais atores locais. Este estatuto possibilita, ainda, aos governos locais a adoção de medidas capazes de obstar decisões do nível central27. Souza (2000), em estudo sobre o federalismo brasileiro argumenta que a redemocratização no Brasil implicou descentralização política e financeira para os governos subnacionais; elaboração de nova constituição, gerando novos pactos e compromissos políticos e sociais; mudança no papel desempenhado pelos entes federados. O federalismo é uma das instituições que foram reconstruídas após a redemocratização e a descentralização. No entanto, as mudanças ocorridas não devem ser vistas como um movimento radical da centralização para a descentralização. O federalismo brasileiro não se formou pela dicotomia entre centralização versus descentralização, mas sim por um continuum entre esses processos, o qual sempre guiou as relações de poder entre as esferas central, regionais e locais (Bovo, 2000; Souza, 2000; Abrucio & Soares, 2001). As tensões existentes no federalismo se localizam em questões que não foram enfrentadas pelos regimes políticos anteriores, tais como as nossas históricas desigualdades sociais e econômicas. No desenho institucional brasileiro as escolas públicas municipais e escolas particulares de educação infantil e ensino fundamental devem observar diretrizes de política educativa fixadas pelos governos locais28. Portanto, a autonomia política não é da escola, mas dos sistemas locais de ensino. Este desenho pode ter conseqüências importantes, pois incentiva 27 Em 1997 os partidos de oposição interpuseram Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN no. 1627-0) junto ao Supremo Tribunal Federal, questionando o art. 9º da Lei nº. 9424/96. O dispositivo legal questionado fixada prazo de elaboração pelos estados e municípios de planos de carreira do magistério. A medida liminar foi deferida quanto ao prazo fixado e encontra-se aguardando o julgamento do mérito. 28 Em um mesmo município encontram-se, ainda, escolas estaduais de educação básica e escolas particulares de ensino fundamental mais ensino médio subordinadas aos governos estaduais. O número de escolas federais de ensino fundamental e médio é muito pouco significativo. Duarte, MRT Página 140 a elaboração pelos governos locais de planos ou projetos político pedagógicos. E as propostas e medidas adotadas no campo educacional podem constituir em mais um elemento de escolha eleitoral, reforçando dimensões de uma democracia mais pluralista. Em Portugal, os governos autárquicos observam o paradigma da “administração napoleônica”, cuja lógica considera o poder público local como organização dependente, reconhecida pelo poder central. No entanto, sendo dependente e tolerada não deixará esta ‘administração local’ de afirmar a sua própria lógica.(...) Será, pois, através de formas de acesso às autoridades centrais que os actores locais poderão inserir-se no núcleo produtor de decisões, interferindo nestas e aumentando a sua esfera de influência na conformação de determinadas políticas (RUIVO, 1999: 285). Acresce, ainda, as transformações que se vem processando na natureza das demandas pelos atores locais ao poder público. O ciclo dos investimentos em infra-estrutura (construção civil especialmente) vem-se encerrando. Reivindicações por construções escolares e compra de equipamentos tem sido alteradas por questões relacionadas com a qualidade de ensino, conteúdo dos chamados tempos livres e prolongamento da escolaridade (especialmente educação infantil)29. A questão decorrente indaga a respeito de bases político-institucionais em Portugal para a implantação e generalização de formas democráticas e participativas de gestão da res pública, nestas incluídas as escolas. Ruivo (2000a) assinala, o crescimento do papel político das autarquias em Portugal como de mediação entre centros e periferias, contribuindo para tanto a ampliação da intervenção dos corpos burocráticos nessa relação; a mudança na base social de recrutamento político e as transformações na vida política local no sentido de sua complexificação em uma teia de grupos, associações e entidades organizadas. A legislação elaborada e reformada pelo poder central, nem sempre de forma negociada com as autarquias, expressa além da normalização e enquadramento das práticas sociais vivenciadas no período pós-revolucionário (Afonso, 1998) uma estratégia de desconcentração do tipo top down capaz de prevenir ameaças à legitimação do poder 29 O estudo de Vilarinho (2000) ao analisar o período de revitalização das políticas de educação pré-escolar em Portugal destaca a tensão presente entre as diferentes concepções de políticas educativas para a infância e as reais demandas das crianças. Este estudo introduz o debate sobre novas demandas em torno da educação da infância. Duarte, MRT Página 141 central e concretizar diretrizes formuladas centralmente (KARLSEN: 2000-530). A natureza das atribuições transferidas às autarquias opera no sentido de desfocar reivindicações e demandas do poder central. Situando-as no plano local, ao mesmo tempo em que mantêm o poder de decisão no centro, as atribuições conferidas induzem à elaboração de associações entre a baixa qualidade e/ou ausência dos serviços com ineficiência/ineficácia administrativa do poder público local. O modelo de poder político (SANTOS, 1993) não é posto em causa de modo direto, pois as reivindicações podem ser circunscritas à administração concelhia30. Nos dois países, porém sob bases jurídico-políticas diferenciadas, os governos locais têm adquirido maior protagonismo face às questões relativas a educação escolas básica. No entanto, o modus operandi dessa instância governamental é revelador das interações entre o sistema político-administrativo de formações sociais específicas e diretrizes centrais/globais de reforma. 6.5 Autarquias, educação escolar e ação social: governos locais e descentralização A cooperação que daqui resultar constituirá o verdadeiro alicerce de uma reforma educativa em Portugal, até porque será, talvez, a única alternativa ao paradigma da centralização (Lima, 1987: 18). Em Portugal, o crescimento da intervenção autárquica na educação escolar elementar (educação infantil e básica) pauta-se em uma dupla referência: a base normativa promulgada no contexto de uma reforma “heterogênea” do Estado31 e, simultaneamente, em uma cultura política balizada pelo poder decisório centralizado32. No entanto, a legislação portuguesa não tem facilitado o desenvolvimento de políticas educativas locais 30 31 Lauglo (1996: 172-175) expõe as principais razões para redistribuir autoridade. Santos (1993:40-4) designa como Estado heterogêneo aos contextos pós-revolucionários de governação onde a heterogeneidade e a descontinuidade da estrutura social se teriam reproduzido na matriz política e administrativa do Estado, através de diferentes modos de regulação social que foram ensaiados. Neste sentido, a concretização das reformas do aparato de Estado vem-se processando nas diferentes áreas com temporalidades e influencias diferenciada. Lima (1999) destaca nos estudos organizacionais e administrativos da educação a descontinuidade entre as práticas de organização e administração das escolas e a produção jurídica normativa. Estas referências reafirmam, para a realidade portuguesa, que a concretização de diretrizes gerais de reforma no plano local constituiu-se como síntese de múltiplas influências. 32 A inexistência do Estado-providência ampliado em Portugal fundamenta-se em um deficiente nível de penetração administrativa para a interiorização dos direitos sociais como direitos, favorecendo a construção de um modelo de poder político privatizado (ver: Santos, 1987: 57). Isto é, de um modelo de poder contemplador de uma distribuição acrescida de bens públicos a quem a esse poder tivesse acesso de forma personalizada (Ruivo, 2000: 28). Duarte, MRT Página 142 (Louro, 1999: 153), seja por responder a diretrizes globais recentralizadoras ou devido às contradições e conflitos internos ao Estado Central. Em 1977, a Lei nº. 7933 dispunha sobre a estrutura e competência dos órgãos autárquicos segundo os preceitos constitucionais. No entanto, o diploma legal que efetivamente previu a transferência de atribuições para a administração local foi o Decreto Lei nº. 77/84 (Mozzicafredo, 1988:52-54). Elaborado desde um contexto onde o Estado introduzia medidas jurídicas institucionais de enquadramento das práticas sociais (Afonso, 1998: 173178), este Decreto-lei transferia para o nível local atribuições de financiamento, execução e gestão nas áreas de educação e ensino, cultura, tempos livres, desportos e saúde34. Em 1999, nova Lei – nº. 169 de 18 de setembro - modifica o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos, dos municípios e freguesias35. Podemos sintetizar, correndo o risco de minimizar controvérsias importantes, as principais competências legais das autarquias para a educação escolar infantil e 1o. ciclo do ensino básico (art. 19o. Lei 159/99): - nas construções escolares (obras novas e reformas); - na aquisição de equipamentos (mobiliário, material elétrico-eletrônico, etc); - ação social escolar (área de desportos, alimentação, material didático, transportes etc). No entanto, a observação do enquadramento legislativo constitui parte das atividades dos agentes políticos e administrativos locais. Por um lado suas atividades consistem em dirimir conflitos em torno da aplicação de normas elaboradas centralmente, por outro lado, a busca de soluções negociadas em face de demandas e/ou reivindicações locais coloca os 33 Não tem sido pródiga nas referências à educação, domínio que parece considerar implícito em outras designações (...), exceptuando-se uma referência à rede escolar dos ensino pré-primário, básico, secundário e médio e aos respectivos equipamentos escolares (Lima, 87:16) 34 O artigo 15º. do Decreto-lei 77/84 estipulava que as transferências previstas seriam objeto de regulamentação, sendo aprovado a seguir os decretos DL 299-84, em relação aos transportes escolares e o DL 299-A/84, sobre a ação social escolar. De acordo com Fernandes (1998:34) o investimento dos municípios na educação resultou da nova situação criada pelo 25 de abril e não propriamente da definição de competências na Lei. Considera que está ainda por fazer um inventário adequado dessa situação, embora destaque a construção e reparação de edifícios para a educação pré-escolar e primária, equipamentos e materiais escolares, atividades de ocupação de tempos livres, etc. como as áreas de intervenção predominante. 35 art. 64: competências no âmbito da organização e funcionamento dos seus serviços: l) apoia ou comparticipa no apoio a ação social escolar e às atividades complementares no âmbito dos projetos educativos nos termos da lei; m) organizar e gerir os transportes escolares. No âmbito do apoio a atividades de interesse municipal: deliberar em matéria de ação social escolar, designadamente no que respeita a alimentação, alojamento e atribuição de auxílio econômico a estudantes. Duarte, MRT Página 143 governos locais frente a necessidade de acesso a canais de financiamento de suas políticas. Esta multiplicidade de funções contribui para acentuar processos relacionais entre poder central e periferias, reforçando a interação dessas instâncias pela mediação do fundo público (RUIVO, 2000). 6. 6 Centro e periferias: mediações do e com o fundo público A defesa de maior autonomia dos governos locais (das autarquias no caso português) no trato de questões relacionadas à educação e cultura encontra ressonância em diretrizes globais que identificam nesta instância governamental maior capacidade de mobilização e negociação com os agentes locais capazes de desenvolver soluções para situações problema. Encontra, também, ressonância nas estratégias de interação entre poder central e periferias. Esta simbiose entre as relações intergovernamentais internas aos Estados e diretrizes globais de modernização, possibilita a realização de reformas modernizantes com a manutenção de relações autoritárias de poder e governance. Entrevista realizada com presidente de Junta de Freguesia sobre a implantação de um jardim de infância, em uma cidade na região norte de Portugal, é reveladora da relação entre demandas locais, capacidade relacional e diretrizes centrais. E há ainda muitos pais, que ainda hoje pensam que: porque só tenho a quarta classe meu filhos não vão ter mais. E há pessoas que vêem os filhos como uma fonte de rendimento. Há pessoas que querem que o filho tenha rapidinho a quarta classe, agora já não tanto.. tiram logo no quarto ano, no sexto ano, para os por a trabalhar. Tem muita gente a pensar assim. Então, nesses meios pequenos, onde toda gente quer ter uma casa e um carro e, se possível, mais uma casa, está percebendo os filhos são uma fonte de rendimento. Daí que ninguém reivindicava, hoje ... Então o meu trabalho, ao longo destes anos porque eu digo que em conjunto podemos fazer grandes coisas, individualmente não faremos tantas. Daí que hoje a associação cultural e desportiva está de corpo e alma com a Junta de Freguesia e através da Junta de Freguesia já tem conseguido subsídios estatais, camarários, do governo civil de Braga distrital, para as suas atividades. A própria Igreja hoje já está conosco, porque eu comecei a chamar as pessoas e dizer. Ou damos as mãos e trabalhamos juntos por um único objetivo que é o desenvolvimento de nossa freguesia ou então não vamos a lado nenhum. P - Você participa de reuniões nas escolas? Quantas? Com qual freqüência? Sim, agora por exemplo, no início do ano letivo fui convidada a estar, percebe.. P - Para? Duarte, MRT Página 144 Neste caso as professoras querem sempre que a Junta esteja, porque há obras a fazer na escola, por isto ou por aquilo. Assim eu aproveito sempre e pego às vezes nas questões dos pais, para os ajudar a pensar numa forma diferente de fazer o percurso dos filhos. Por exemplo, ninguém quer fazer uma associação de pais e uma associação de pais ou uma comissão de pais faz falta numa escola. Porque se eles querem reivindicar melhores condições em termos de horários, perante a direção regional escolar, tem mais peso a Associação de Pais, do que eu, Presidente de Junta, ou a professora. Há que haver sempre, dentro da escola, um grupo de pessoas que se juntam e discutem os problemas da escola. E só tem sido possível isto, porque eu digo, é preciso. Por exemplo, voltando outra vez à instalação do pré-escolar. É, antes d’eu assumir a presidência [da Junta de Freguesia] eu disse na Câmara: Ok, vocês querem que eu seja a futura presidente da junta, eu só quero que me dêem logo no início isto, que é o pré-escolar. Ah, mas não sei, mas não sei, é um bocado difícil.. Meus amigos eu preciso do pré-escolar. É uma coisa que eu venho trabalhando há vários anos, não vem sido conseguido porque o governo que estava [nome] não tinha dinheiro para isto. Hoje, o engenheiro Guterrez [primeiro-ministro] pensa igual a mim, acha que o pré-escolar é fundamental em qualquer freguesia, eu quero um pré-escolar. Como primeira obra eu quero um pré-escolar. Pronto e eles me disseram que sim. Disseram que sim, toca logo a tratar do projeto. Quando eu assumo a presidência, logo no ano seguinte, já tínhamos o projeto da escola e depois no ano a seguir diziam. Pois D. [nome] se calhar este ano não pode ser, não está no plano orçamentário da Câmara, porque... Eu disse: Desculpe lá, eu assumi um compromisso com a freguesia da instalação de um pré-escolar e eu não quero mais demoras. Ele tem de ser agora. Mas não dá.... Meus amigos, arranjem-se por onde puder, entreguem a obra a Junta, a Junta faz e metem no próximo orçamento. Se é assim que vocês fazem com algumas situações porque é que não vão fazer agora? Portanto façam o favor. Ah, e tal, muita dificuldade. Então um dia fui falar com o vereador da área financeira. E disse: Dr. [nome] o senhor foi das pessoas que aprovou aqui a idéia há um ano atrás. Eu assumi a presidência convencida de que neste primeiro ano a obra começaria. Portanto, eu sei que não vou por o pré-escolar a funcionar neste meu primeiro ano, mas uma coisa eu lhe garanto. É que no próximo ano, fazendo a obra este ano, no próximo ano eu vou ter a escola. Diz que não pode ser, mas tem que ser Dr. [nome] senão eu vou me embora. Eu prometi às pessoas e eu não dou a minha cara de barato. Eu só tenho uma cara, não tenho duas. Então se vamos agora adiar, as pessoas vão dizer que eu os enganei (Entrevista realizada com presidente de Junta de Freguesia em 01/10.01) . Este depoimento demonstra, para além de uma atomização interventiva36 (Ruivo, 2000b), o modo como se articulam as iniciativas locais, a administração camarária e políticas 36 Toda a panóplia de iniciativas locais pode ser levada a cabo sem que se detecte uma entidade que coordene e oriente as iniciativas num mesmo objetivo comum. Apesar de existirem algumas instituições e associações formais que promovem e desenvolvem iniciativas ...Neste caso, poderá até vir a registrar-se alguma competição entre as diferentes entidades envolvidas, naquilo que será uma actividade fragmentada e atomizada, não só ao nível das instituições que intervêm, mas também relativamente a cada projecto sectorial (Ruivo, 2000b: 36-38). Duarte, MRT Página 145 estabelecidas centralmente. Revela, ainda, a modalidade de participação solicitada à população local: dar visibilidade às reivindicações. A eleição da educação pré-escolar como uma das prioridades do governo do partido socialista (1996) – hoje o Eng. Guterres pensa igual a mim - legitima uma luta de anos e as relações existentes com a administração camarária acionam decisões e medidas que concretizam a obra – se é assim que vocês fazem com algumas situações, por que é que não vão fazer agora? O acesso personalizado àqueles que detêm o controle sobre os recursos camarários, associam-se iniciativas de cumprimento de normas legais (o projeto da escola) e o fiel cumprimento de uma promessa eleitoral. Aguiar & Navarro (2000) ao analisarem o custo político marginal para os governos locais na promoção da participação, destacam que em situações de informação imperfeita somente onde existir confiança mútua entre governo e associações não haverá limitação dos processos de participação cidadã. A entrevista transcrita revela, por sua vez, a subdivisão das formas de participação dos atores: visibilidade das reivindicações pela população, superação de obstáculos (políticos, normativos e/ou sociais) pelo poder relacional e efetivação de diretrizes políticas do governo central. Desse modo, constituiu-se um mecanismo singular de promoção de reciprocidade e confiança. Daí que hoje a associação cultural e desportiva está de corpo e alma com a Junta de Freguesia e através da Junta de Freguesia já tem conseguido subsídios estatais, camarários, do governo civil. Estes acontecimentos situaram-se na mesma temporalidade com uma agenda global de reforma, que direcionava a formulação das políticas educativas para o plano central e promovia iniciativas locais de autonomia na solução de problemas. A simbiose entre a efetivação de diretrizes globais de reforma educativas e a permanência de um sistema relacional de administração produz o que foi denominado como modernização conservadora, ou seja, a interação eficaz entre um certo autoritarismo (poder relacional e centralização decisória) e restrições à capacidade de organização e participação cidadã, com apelos à iniciativa dos atores. Por articular o que consideramos como fundamentos autoritários presentes no sistema político – o poder relacional (Ruivo, 2001) - com as Duarte, MRT Página 146 diretrizes de promoção da iniciativa local formas competitivas, porém reguladas, de acesso ao fundo público tornam-se necessárias37. A tradição sociológica brasileira – Leal, 1975 – destacou os auxílios da União, destinados a suprir escassez de rendas, como o instrumento que mais eficazmente garantiam a fidelidade das oligarquias subnacionais e locais. Em sua análise sobre o fenômeno do “coronelismo” no Brasil, Nunes Leal assinalava dentre os elementos que compunham sua estrutura e processo: a desorganização do serviço público local pela utilização do dinheiro, dos bens e dos serviços públicos locais por um sistema de compromissos com o governo estadual como também, a assistência técnica e fiscalização financeira prestada pelo estado subnacional às municipalidades. Nesta tradição, as relações intergovernamentais no país estão baseadas num modelo hierárquico de submissão e cooptação, predominando um arranjo sistêmico onde o poder do “centro” decorre de promoção de reciprocidades mediadas pelo uso do fundo público. Em seus estudos sobre o poder local em Portugal, Ruivo (1993, 2000 e 2001) utilizou-se de três aspectos para medir o grau de descentralização das autarquias comparativamente à administração central: a) enquadramento financeiro das autarquias; b) enquadramento legislativo e c) recursos técnicos humanos. Em seu enquadramento analítico este autor considera que o dilema das relações entre o centro e os municípios deriva do peso e da força do poder relacional que os autarcas são suscetíveis de ativar. Para este autor, o uso hierarquicamente negociado de recursos públicos, a proliferação normativa do centro para as periferias (governos locais) e a permuta de benefícios e cargos são, também, elementos de estruturação de uma teia de relações de um Estado labiríntico. 6. 7 Receitas autárquicas e gastos em educação escolar e ação social As principais bases de financiamento disponíveis, nos municípios pesquisados, subdividem-se em duas grandes modalidades, que, por sua vez, articulam de modo diferenciado a relação entre as autarquias, o governo central e as escolas. Impostos próprios e transferências intergovernamentais apresentam-se nas contas de gerência 37 Popkewitz (1996) analisou o cenário da década de noventa, como de reconstrução de racionalidades políticas de autogoverno dos indivíduos. Esta referência nos sugere a centralidade neste mesmo período da racionalidade da formas de uso do fundo público para autocontrole do sistema político. Duarte, MRT Página 147 estudadas como as principais fontes de receitas, tanto correntes como de capital (TAB. 15, 16 e 77). As bases de financiamento da ação camarária38 - quadro de receitas – revelaram nos três municípios pesquisados o peso dos impostos diretos (52,8%, 54,4% e 38,8% respectivamente - ver TAB. nº 15, 16, 17) na receita corrente. O estudo das contas de gerência indicou que, dentre os impostos diretos, os que apresentaram maior participação foram: contribuição autárquica e a SISA.39 Incidentes sobre a transmissão onerosa de bens imobiliários, a dimensão deste imposto retrata a potencialidade do mercado imobiliário em um município. Por este motivo, promover o crescimento da receita corrente local acha-se associado a ações de promoção da construção civil. Neste sentido, a promoção de obras novas e reformas nos prédios escolares constitui simultaneamente um mecanismo suplementar de reforço aos empreendimentos de capitais locais e de atendimento a demandas relacionadas a agenda eleitoral. TABELA 15 Município I - Receitas orçamentárias por fonte de recursos (em escudos) tipo Item Valor em escudos receita corrente cobrada % Total 8.053.027.271 100 I diretos 4.249.163.160 488.027.218 52,8 6,1 Taxas, multas e outros 713.906.965 8,9 Rendimentos de propriedades 39.598.088 0,5 2.011.330.528 25,0 100 1.608.338.999 142.814.000 28.887.000 122.336.825 80.937.997 27.194.803 80,0 7,1 1,4 6,1 4,0 1,4 820.904 0,0 I. Indiretos Transferencias correntes FGM FCM Outras Jardins de infância Transportes escolares Fundos e serviços autônomos Adm. Autárquica 38 % 40 Os valores apresentados são referentes aos valores orçamentários. Informações precisas sobre a receita arrecadada e despesa realizada não se encontravam disponíveis nas administrações locais. As categorias de receita a que as autarquias podem aceder encontram-se legalmente determinadas. Destacam-se os impostos municipais, as transferências da Administração Central e da Comunidade Européia, as taxas devidas pela prestação de serviços administrativos e o produto resultante da alienação de bens. 39 ver a respeito: Baleiras, 1994: 13-15 40 Participação de outras Câmaras no Transporte Escolar Duarte, MRT Página 148 Vendas de bens e prestação de serviços Outras receitas correntes 527.473.599 6,6 23.527.713 0,3 2.153.590.159 100 Venda de bens de investimento 88.628.049 4,1 Transferencias de capital 1.967.267.913 91,3 100 FGM FCM Cooperação técnica e financeira FEDER 73.376.757 1.072.226.001 95.210.000 271.805.529 54,5 4,8 13,8 528.026.383 3,4 26,8 5.000.000 0,2 19.317.440 0,9 receita de capital cobrada Total Passivos financeiros Outras receitas de capital Reposições não abatidas pagamentos Fonte: Contas de gerência 2000 – Município 1 Os impostos direitos arrecadados pelo município são significativos e no total da receita sobressaem as transferências tanto correntes quanto de capital. Subtraído os recursos provenientes dos fundos de transferência obrigatória, os recursos transferidos via cooperação técnica e FEDER além dos recursos para jardins de infância têm participação significativa no total das transferências correntes (Quadro 1). TABELA 16 Município II - Receitas orçamentais por fonte de recursos (em contos) item valor em contos % % Total 24.284.955 100 I diretos 14.480.728 59,6 I. Indiretos 2.600.684 10,7 Taxas, multas e outros 1.164.189 4,8 205.234 0,8 3.262.986 13,4 100 2.581.459 79,1 83.961 2,6 582.788 17,9 Setor privado: empresas 1.200 0,0 Setor privado: instituições 2.185 0,1 24 0,0 Rendimentos de propriedades Transferencias correntes Receita corrente tipo FGM Fundos comunitários Outras Particulares: indenizações por prejuízos Duarte, MRT Página 149 Particulares: outras 11.359 Venda de bens não duradouros Venda de serviços 21.289 0,1 2.542.509 10,5 Outras receitas correntes 7.334 Total receitas de capital 11.592.273 100 320.487 2,8 3.845.071 33,2 100 1.720.973 44,8 308.750 8,0 1.235.418 32,1 Outros 395.429 10,3 Setor público empresarial: empresas 184.500 4,8 Venda de bens de investimento Transferencias de capital receita de capital cobrada 0,3 FGM Fundos comunitários INH Passivos financeiros 7.416.612 64,0 10.102 3,2 Outras receitas de capital Fonte: Contas de gerência 2000 – Município 2 A participaçâo dos impostos diretos no total da receita corrente é expressiva (54,4%), o que possibilitaria decisões mais autônomas na implantação de políticas no município 2. No entanto, esta possibilidade é condicionada pela expressiva participação dos passivos financeiras (64,0%) no total da receita de capital deste município (Tabela nº 16). TABELA 17 Município III - Receitas orçamentais por fonte de recursos (em contos) tipo item valor em contos Total I diretos I. Indiretos Vendas de bens e prestação de serviços Outras receitas correntes % 7.174.040 2.780.700 248.000 1.194.030 100 38,8 3,5 16,6 18.200 0,3 2.352.830 563.880 32,8 1.441.940 340.890 450.000 120.000 7,9 10.000 0,1 Rendimentos de propriedades Transferencias correntes receitas correntes Taxas, multas e outros % FGM FCM Outras Setor privado 100 61,3 14,5 19,1 5,1 Duarte, MRT Página 150 Total receitas de capital 10.194.622 100 1.785.173 17,5 5.406.099 2.350 53,0 961.294 227.260 4.217.545 0,0 3.000.000 29,4 Outras receitas de capital 1.000 0,0 Reposições não abatidas 750 0,0 Transferên cias de capital receitas de capital Venda de bens de investimento FGM FCM Adm central: outras Activos financeiros Passivos financeiros 100 17,8 4,2 78,0 Fonte: Contas de gerência 2000 – Município 3 No município 3 (TAB 17), são as tranferências de capital, especialmente as efetuadas pela administração central que mais contribuem no total da receita. Neste caso, o acesso aos níveis de decisão central constitui requisito a implementação de novas ações . As transferências via Orçamento do Estado, são consideradas imprescindíveis, porém insuficientes, para um eficaz funcionamento camarário (RUIVO, 2000: 103-114). E sua utilização condicionada às competências de ação fixadas.41. Se estes fundos abriram às autarquias perspectivas de intervenção mais vastas nos vários domínios das suas atribuições, dentre eles a educação42 (PINHAL, 1997:183), como instrumentos de transferência compulsória ou negociada de recursos contêm .mecanismos diferenciados de 41 Após promulgada a constituição portuguesa em 1976, foi aprovada a Lei n. 1, de 06 de janeiro de 1977, criando o Fundo de Equilíbrio Financeiro. Este mecanismo de transferência sofreu readaptações em 1998 – Lei no. 42/98 – que passaram a vigorar em 1999, subdividindo-se em Fundo Geral Municipal e Fundo de Coesão Social 1. FGM → visa dotar os municípios de condições financeiras adequadas ao desempenho de suas atribuições. Corresponde a 24%, da média aritmética simples da receita proveniente de impostos. de acordo com a pop. residente na razão direta do número de na razão direta da área municípios 50% 30% 20% Divisível por 3 unidades territoriais: continente, Açores e Madeira 2. FCM → visa fomentar a correção de assimetrias e é distribuído com base nos índices de carência fiscal (ICF) e de desigualdade de oportunidades (IDO). ICF de cada município = a diferença entre a captação média nacional de impostos e a respectiva do município. IDO = diferença de oportunidades positivas para as cidades de cada município. 42 É certo que a educação não constituía um domínio de intervenção prioritária das autarquias locais, atentas no período aos graves problemas infraestruturais de seus territórios (PINHAL: 1997: 183) Duarte, MRT Página 151 controle pelo poder central sobre as ações a serem desenvolvidas no âmbito local. As transferências compulsórias submetem-se a um controle processual e/ou de aplicações em setores previamente definidos (construções e reformas em prédios escolares, equipamentos, etc.). A tabela 18, por sua vez, fornece indicações do peso relativo dos recursos via transferências na composição da receita das autarquias portuguesas TABELA 18 Composição percentual das receitas autárquicas segundo a fonte Receitas correntes Ano Total 1995 1996 1997 1998 100 100 100 100 I. M sobre veículos I. M de Sisa Contribuições autárquicas FEF Outras 2,66 2,56 2,42 2,37 14,18 14,10 14,74 17,03 15,29 14,27 13,76 14,72 30,36 31,82 29,91 28,34 37,51 37,24 39,17 37,53 Receitas de capital Ano 1995 1996 1997 1998 Total Empréstimos FEF Outras 100 100 100 100 31,04 20,68 8,57 6,91 34,00 31,40 25,46 26,98 55,18 57,57 58,46 53,20 Fonte: INE. Contas de gerência das Câmaras Municipais. Outra fonte significativa de recursos relacionam-se às transferências correntes e de capital do governo central (via FGM e/ou contratações e/ou fundos comunitários43). Neste item de receita e excetuando os Fundos - FGM e FCM - os recursos não especificados e constantes como “outros” estão classificados como “transferências do setor público administrativo, administração central”44. No entanto, cabe ressaltar que a sistemática de transferência, especialmente via contratações, permite concretizar a implementação local de programas definidos centralmente45. As diferentes modalidades de cooperação técnica e financeira permitem estabelecer contratos-programas e acordos de colaboração entre o governo central e os governos autárquicos. 43 Os quadros síntese de contas da gerência Um estudo retrospectivo poderia indicar qual a tendência de crescimento nestas rubricas, para cada um dos municípios pesquisados. 45 Segundo a Lei de Finanças Locais, não é permitida a atribuição pelo Estado de quaisquer formas de subsídios ou comparticipações financeiras aos municípios e freguesias. Todavia, podem ser inscritas, no Orçamento do Estado, por ministério, verbas para financiamento de projetos, considerados de relevância para o desenvolvimento regional e local. 44 Duarte, MRT Página 152 6.7.1 Sistemática operacional das comparticipações (transferências voluntárias) A sistemática operacional utilizada46 distingue, de acordo com o montante de recursos a ser disponibilizado, a celebração de contratos-programas – montante igual ou superior a 25% das verbas atribuídas a título de receita do capital do FGM e do FCS – ou acordos de colaboração. Os contratos programas, com recursos mais significativos, caracterizam-se por estabelecer a forma institucional de execução de programas educativos definidos centralmente. As administrações autárquicas tornam-se responsáveis por adequar às especificidades e/ou realidade local prioridades definidas centralmente ou mesmo por instâncias internacionais. Mas, estes contratos, estabelecem, ainda, contrapartidas [comparticipações] camarárias. Mediante contratos-programa o governo central pode definir linhas de atuação prioritárias às administrações camarárias, como também induzir os procedimentos administrativos a serem observados. Como estes contratos estabelecem prazos pré-delimitados de duração e sua renovação não ocorre de modo automático, para a sua implementação se faz necessária a contratação precária (a termo certo) de agentes especializados. 6.7.2 Acordos de cooperação técnico científica: interação entre o centro e a(s) periferia(s) Em 2000, o Ministério de Ciência e Tecnologia firmou protocolo com a Associação Nacional dos Municípios Portugueses para a ligação das escolas de 1o. ciclo do Ensino Básico à Rede Telemática Educativa. Conhecido como um programa de investimento para ligação das escolas à rede internet, o protocolo firmado estabeleceu a exigência de um termo de adesão das Câmaras, aquiescendo quanto às obrigações fixadas. Estas ficam, também, obrigadas à contrapartida de 25% dos recursos, a disponibilizar técnico responsável pelo acompanhamento educativo e pela instalação dos equipamentos de informática47. 46 ver Decreto Lei 384/87, de 24.12.87 Constitui uma vertente dos programas operacionais do Quadro Comunitário de Apoio III: Programa Operacional Sociedade da Informação (POSI) e do PRODEP III. Ver termo de protocolo entre Ministério e ANMP. 47 Duarte, MRT Página 153 Entrevista efetuado com vereador da educação [não foi autorizada a gravação] confirma a candidatura da administração camarária ao programa mediante inscrição e aceite dos termos gerais estabelecidos. No entanto, a aprovação final do termo de co-financiamento subordinava-se à decisão do governo central. Em dois municípios pesquisados os responsáveis técnicos pelo acompanhamento educativo – entrevistados pela pesquisa sem autorização de gravação - não possuíam disponibilidade de horários ou uma proposta pedagógica para a realização desta atividade. Considerando o elevado número de escolas envolvidas no programa – 92 escolas no Município 1 e 98 no Município 3 – podemos afirmar que, nestes casos, às autarquias assumiram parcela do financiamento sem qualquer intervenção de caráter político-educativo. Observação e entrevistas efetuadas a duas escolas das autarquias comprovou a instalação dos computadores, no entanto, a administração autárquica viu-se forçada a assumir, além da comparticipação acordada, outras despesas como, por exemplo, o seguro do equipamento e mobiliário48. Nos dois casos pesquisados, as Câmaras atuaram como agentes executivos, adequando a implantação do programa elaborado pelo Ministério, às condicionalidades impostas pela realidade do município. 6 8 Gastos autárquicos na área educacional Em estudo sobre as finanças das autarquias locais, Baleiras (1994: 22-24) demonstra a forte associação estatística presente entre despesas e receitas das municipalidades. Conclui reconhecendo a eficácia do sistema de controle orçamental e indica a possibilidade de alguma dependência funcional das despesas em relação às receitas transferidas da Administração Central e da Comunidade Européia para as autarquias locais. É ampla a literatura que demonstra o crescimento das despesas sociais públicas em Portugal após o 25 de abril (ver a respeito: LOBO, 19 : 630). No entanto, permanecem 48 Não foi detectado nas entrevistas realizadas com vereadores da educação e funcionários das Câmaras Municipais a elaboração ou execução de programas sócio-educativos de iniciativa camarária no sentido de promover maior aproximação entre a administração pública e as escolas. Duarte, MRT Página 154 índices inferiores aos valores médios europeus e estes índices apontam para a necessidade de um esforço mais consistente de investimentos no setor educacional, conquanto a retórica de sua relevância para o desenvolvimento e democracia. A participação das autarquias no que respeita a educação escolar acha-se influenciada, por demandas de atores locais, pelas transferências de competências e por uma legislação que confere atribuições específicas, notadamente de natureza executiva. No entanto, nas últimas décadas têm crescido a intervenção das autarquias em matéria educativa e parece surgir uma tentativa de construção de políticas educativas próprias, procurando uma intervenção ao nível pedagógico (Candeias & Simões, 1999). Se as relações centro periferia condicionam, mediante acordos e convênios, a elaboração autônoma de políticas locais de educação, em segundo componente relacionado à importância de fundos públicos com administração descentralizada também interfere na construção da autonomia política de sistemas locais. As contas de gerência estudadas49 revelam duas formas diferenciadas de gasto das autarquias com a educação escolar básica, expressão de uma lógica decisória local que interage com diretrizes centrais e globais: 6.8.1 Gastos atomizados e com construções TABELA 19 Despesas correntes e de capital em Educação, Cultura e Turismo - Município 1 - 2000 % Item Designação da rubrica pagamento Despesas correntes Pessoal de quadro 49 246.597.395 12,75 63.131.555 3,27 37.269.188 1,93 6.008.492 0,31 pessoal em qualquer outra situação suplementos de remunerações50 prestações sociais diretas51 O instrumento de prestação de contas dos gastos efetuados apresentou variabilidade entre as autarquias. Nas contas de gerência analisadas encontramos informações agregadas quanto a função a qual era destinada os recursos em dois municípios e informações fragmentadas quanto ao destinatário final do pagamento efetuado em outra. Observamos, ainda, a inexistência de um documento de prestação de contas que se articula aos gastos efetuados, com funções e programas mais específicos. 50 subsídio de refeições = 31.983.100$, horas extraordinárias. = 2.567.098$ 51 subsídio familiar a crianças e jovens = 5.848.592$ Duarte, MRT Página 155 encargos sobre remunerações outros custos com pessoal 37.812.035 1,96 4.164.350 0,22 31.002.353 1,60 74.807.771 3,87 111.517.476 5,77 27.373.819 1,42 transferências adm privada 257.107.018 13,30 outras despesas correntes 72.731.304 3,76 aquisição de bens e serviços correntes - bens duradouros aquisição de bens e serviços correntes - bens não duradouros aquisição de serviços52 transferências adm autárquica despesas de capital aquisição de bens de investimento - instalações desportivas e recreativas mercados e instalações de fiscalização sanitária Escolas 316.646.913 16,38 35.902.293 1,86 49.137.029 2,54 Outros 175.339.780 9,07 construção de instalações desportivas maquinarias e equipamentos 355.387.674 18,38 total do órgão total do orçamento 31.580.725 1,63 1.933.517.170 100,00 10.748.100.656 17,99 Fonte: Contas de gerência - 2000 - Município I As despesas efetuadas com instalações desportivas e reformas de escolas são significativas no total de gastos efetuados na área (TAB. nº 19). Observa-se, ainda, que as despesas com transferência à administração privada (prestação de serviços) já superam os gastos com pessoal. Estes dados, por sua vez, são expressão de uma lógica política de ação do fundo público destinado ao financiamento das políticas sociais: a destinação de recursos públicos para a construção de equipamentos sociais (investimentos em infra-estruturas) e a utilização da compra de serviços no mercado para despesas correntes na área contribuem para promover investimentos locais atrelados a compromissos de reciprocidade política. No entanto, existe um terceiro vetor de despesas que se relaciona com estes: a ação social escolar. TABELA 20 Município I - Principais ações desenvolvidas em 2000 na área da Educação Valor em Observações Ações atendimento escudos 52 outros = 62.899.757, conservação de bens = 19.716.604$, transportes e comunicações = 11.403.000$ Duarte, MRT Página 156 7161 alunos53 Transportes escolares passes Auxílios econômicos 249 passes alunos carentes 1500 passes no 1º ciclo do EB 2513 alunos do 1º ciclo 102 da EBM Telescola Material didático jardins de infância 1º ciclo Subsídios Reparações Aquisição de mobiliário Conservação 10.633.320$00 as escolas encaminham a listagem dos alunos, com direito ao passe escolar 12.327.370$00 material escolar diverso (lápis,esferográficas, cadernos, esquadros, livros, etc.) 7.131.382$00 para escolas consideradas mais carenciadas 1.271.000$00 1.210.000$00 à Universidade do Minho, Universidade Católica e Escolas Secundárias 4.517.544$00 executadas em Jardins da Infância e Escolas de 1o. Ciclo pelas Juntas de Freguesia 13.178.279$00 587.744.000$00 37.991.990$00 Apoio sócio educativo Ensino recorrente Instalação de internet visita de estudos 11 jardins de infância pré-aprovados para construção, sendo 05 em execução refeição e prolongamento do horário jardins de infância à 707 alunos 2.641.936$00 material para suporte de refeição 37.440$00 Reparos 196.519$99 material didático 6.000.000$00 contrapartida da Câmara 7.200.000$00 Mobiliário 130.000$00 Seguro 5.923.100$00 construção da escola fixa de trânsito 22.474.266$00 material e equipamentos para escola de trânsito 839.364$00 admissão como membro das 130.000$00 cidades educadoras O relatório lista, ainda, 12 outras atividades educativas promovidas ou que contaram com a participação da Câmara sem especificar o custo. Fonte: Município 1 - Relatório de Atividades do Ano 2000 p.72-84 Os dados constantes na TAB.20 demonstram dispersão e fragmentação de ações assistenciais, que atende reforçam a lógica política de afirmação do poder relacional, pela mediação do repasse de recursos na ação social escolar. Auxílios econômicos, materiais didático para escolas consideradas carenciadas e transporte escolar são efetivados por 53 = 4590 alunos do 2o. E 3o. Ciclo do Ensino Básico e 2571 do Secundário Duarte, MRT Página 157 mecanismos de contatos com membros ou representantes da Câmara. Observação efetuada pela pesquisa, no início do semestre letivo, permitiu comprovar o encaminhamento de solicitações pessoais de subsídios para o transporte escolar feita por pais de alunos e/ou presidentes de juntas de freguesia à secretaria do Pelouro da Educação. A dimensão financeira deste atendimento acha-se especificada na TAB 20. As despesas efetuadas com construções (TAB 19 e 20), prestações de serviços e ação social efetivam mecanismos de intervenção político-administrativa que reforçam o poder relacional. Por um lado, a expansão do número de instalações e equipamentos educativosociais com suporte em recursos públicos autárquicos, como mecanismos suplementar de financiamento do mercado de construções, necessário a formação da receita autárquica (participação dos impostos próprios no total da receita). Por outro lado, a contratação de serviços para o gerenciamento dessas atividades e a realização pulverizada de ações educativas reforça a dependência de recursos autárquicos para a realização de atividades complementares ao ensino. TABELA 21 Município II - Despesas correntes relativas à educação escolar elementar – 2000 Unidade Designação da despesa Valor em $ % orgânica órgãos da autarquia Direcção municipal de recursos humanos Direcção municipal de habitação e desenvolvimento social transferências para administração local acordos de cooperação - pré escolar subsídio familiar a crianças e jovens outras prestações familiares outras prestações de ação social alimentação cantinas escolares ação social escolar Total da despesa corrente 1.139.545.858 5,5 105.253.980 21.113.518 220.627 214.954.171 33.987.500 0,5 0,1 0,0 1,0 0,2 20.847.309.128 100 Fonte: Conta de gerência - Município II – 2000 A desconcentração da gestão (descentralização da administração financeira) – possibilita o atendimento de demandas da população simultaneamente com o reforço de instrumentos que asseguram a tutela do poder relacional, nos termos expressos por Ruivo (2000) e constantes na tradição sociológica brasileira, como clientelismo político. O desafio político-administrativo consiste em equilibrar demandas que associam a utilização do fundo público para a promoção de assistência social – gestão da pobreza, nos termos apresentados por Oliveira (2001) – com sua destinação para a realização de investimentos que proporcionam a expansão de investimentos produtivos no âmbito dos mercados locais. Duarte, MRT Página 158 Ao analisar projetos educativos, apresentados pelas escolas às autarquias para solicitação de recursos financeiros, encontramos vários ofícios de encaminhamento com termos semelhantes a esses: Exmo. Sr. Vereador do Pelouro da Educação da Câmara Municipal do [nome da cidade] Junto envio a V. Exa. uma cópia do Projecto Educativo da nossa escola para o ano lectivo que está a decorrer. Com os melhores cumprimentos. Pelo Conselho Escolar, [segue assinatura] Os recursos autárquicos constituem fonte necessária para “as atividades que pretendemos realizar”. Independente do maior ou menor mérito dos projetos educativos propostos, a realização de atividades de formação para além do ensino e, portanto, a efetivação de maior autonomia político educativa das escolas, requer o ingresso de recursos. TABELA 22 Município III - Subsídios e transferências atribuídos a entidades escolares – 2000 Especificação Unidades atendidas Valor em $ Agrupamento de escolas 11 12.463.140 Associação de pais 7 16.587.090 Associação deantigos alunos da escola [nome] 1 100.000 Associação de país da escola EB [nome] 1 60.000 Associação para o Jardim da Infância das [nome] 1 1.504.289 Centro Infantil de [nome] 1 257.400 Diretor de escola primária de [nome] 85 24.731.150 Diretor de escola secundária de [nome] 1 210.000 Diretor de escola infantil de [nome] 1 113.100 Diretor de teleescola de [nome] 4 315.200 Escola de ensino básico mediatizado de 1 90.000 Escola EB 2 e 3 de [nome] 4 500.000 Fonte: Município III – Contas da gerência 2000 TABELA 23 Relação de encargos assumidos e não pagos - referentes a educação escolar elementar – Município II – 2000 Valor da dívida Descrição da dívida Credor em $ Ação social escolar Ação social escolar Agrupamento vertical [nome} Directora escola no. [enumera-se 2 escolas] de 1o. Ciclo 197.000 100.600 Duarte, MRT Página 159 Encargos de instalações e consumo de secretaria Directora de jardim de infância escola no. [Enumera-se duas escolas] Escolas Instalações desportivas e recretativas Escolas Escolas Creches e jardins de infância nome do credor [entidade privada] nome do credor [entidade privada] 5.758.943 210.600 nome do credor [entidade privada] nome do credor [entidade privada] nome do credor [entidade privada] 1.047.375 17.921.432 2.432.691 Total de encargos relativos a educação escolar Fonte: Contas da gerência – Município II - 2000 6.300 27.674.941 6.8.2 Gastos com serviços e unidades escolares Os projetos educativos elaborados pelas escolas no Município II (ver Anexo) evidenciam a natureza da relação escolas/governo autárquico, na formulação do projeto das escolas. O Pelouro da Educação solicitou de todas as escolas o envio dos Projetos Educativos das Escolas. A iniciativa foi interpretada como uma possibilidade de acesso a aquisição de bens e/ou pagamento de serviços. Estes projetos acham arquivados e realizamos a leitura cuidadosa de 08 deles, selecionados aleatoriamente (ver Anexo). TABELA 24 Síntese do planejamento financeiro em projetos educativos das escola, para o ano letivo 2000/2001 Projeto contêm formulário para candidatura a financiamento de projeto pelo governo central. Informa o valor dos recursos e discrimina genericamente pedagógico 1 material de consumo e livros. Projeto o projeto discrimina entidades e pessoas intervenientes (incluindo a Câmara) capazes de estabelecer apoio às escolas, sem informar quais os pedagógico 2 recursos necessários. Projeto lista as possíveis entidades intervenientes (incluindo a Câmara) potenciais fornecedoras de apoio. Não menciona recursos necessários para “novas” pedagógico 3 atividades. Projeto Discrimina recursos humanos e materiais, sem explicitar tratar-se de novos recursos ou da utilização dos disponíveis. Ênfase na avaliação com o pedagógico 4 detalhamento dos instrumentos. Projeto Informa sobre condições precárias do imóvel. Propõe a intervenção de outras entidades (incluindo a Câmara). pedagógico 5 Projeto pedagógico 6 Projeto pedagógico 7 Lista recursos humanos e materiais (4 itens) necessários. Propõe a intervenção da Câmara para apoio financeiro Declara que a gestão dos recursos existentes constituem elementos determinantes como estratégia de desenvolvimento do projeto educativo. Solicita à autarquia especificamente apoio para transporte escolar em visitas de estudo. Duarte, MRT Projeto pedagógico 8 Página 160 Informa a necessidade de apoio financeiro para transporte escolar relativo ao desenvolvimento das atividades previstas no programa O conteúdo das atividades propostas nos projetos educativos elaborados pelas escolas indicavam ações passíveis de serem realizadas com recursos disponíveis. Foram poucos os projetos que condicionaram explicitamente a realização da proposta educativa ao ingresso de novos recursos. Verificou-se, ainda, a dissociação entre o orçamento proposto (quando existe um orçamento) e as atividades. Esta separação é sugestiva do reconhecimento implícito da inadequação do instrumento formal (projeto pedagógico) para a obtenção de recursos. A análise do conteúdo dos projetos educativos de algumas escolas demonstrou, ainda, todo um esforço para elaborar novas proposições sem pedir novos meios. Estas escolas listaram os recursos humanos e/ou materiais disponíveis como estratégicos para a realização de todas as atividades propostas (TAB nº 24). A necessária relação entre uma nova proposta educativa e novos recursos humanos/financeiros é deslocada pela ênfase em princípios e diretrizes e mecanismos de organização. Operação capaz de situar a educação escolar no campo de voluntarismo, em um período de projeção do terceiro setor face ao aparato burocrático estatal, ou então como mais uma entidade a ser objeto de assistência pelo poder público. Todos os projetos analisados informavam quanto as possíveis entidades intervenientes – governo autárquico sempre incluído – potencialmente capazes de fornecer apoio financeiro. Em 1995, técnico do Pelouro da Educação do Município II, após um estudo dos projetos das escolas, sintetizou uma série de atividades a serem desenvolvidas sob financiamento camarário. Essas atividades previam, dentre outras, a realização de “Mostra de Lojas Pedagógicas”; “Exposição de trabalhos dos Alunos das escolas de 1o. ciclo”, “Atividades Lúdicas” e “Ciclo de Conferências”. Temas e atividades constantes nos projetos educativos foram incorporados ao evento promovido pelo governo autárquico e a proposta desenvolvida possibilitou a organização de um evento onde alunos e professores participavam na dupla condição de expositores dos trabalhos realizados e ouvintes. Em 2000, o Pelouro da Educação da Câmara – Município II - apresentou um projeto sócio educativo, pelo 5o. ano consecutivo. Neste ano o projeto disponibilizou meios às escolas Duarte, MRT Página 161 para ações de formação a docentes, atividades com crianças, no estabelecimento de ensino ou em locais da cidade e exposição dos trabalhos ao final do ano letivo (CMP, 2000:6). A sistemática de apoio financeiro requer que os docentes interessados e/ou a escola inscrevam-se, individualmente, em uma ou mais das atividades propostas. Estas, por sua vez, apresentam conteúdo, calendário, recursos materiais e humanos estabelecidos pelo governo autárquico. As escolas e docentes receberam, no início do ano letivo 2000/2001, formulário com a proposta, calendário e ficha de inscrição. Puderam selecionar entre 06 propostas de formação para docentes e entre 20 atividades diversas a serem realizadas com as crianças. As propostas foram executadas por entidades/pessoas privadas. O que requer a elaboração de contratos entre o governo autárquico e os prestadores de serviços de terceiros especializados. Pesquisa nos arquivos camarários permitiu o acesso a documentação que expõe a sistemática de financiamento adotada para a execução do projeto sócio-educativo. Esta documentação financeira é relativa ao primeiro ano de realização, mas contêm elementos que permitem visualizar nos procedimentos adotados a relação entre poder relacional e a oferta de serviços para livre escolha de cidadãos consumidores. 6.8.3 Relações entre centro(s) e periferia(s) e pagamento pelos serviços efetuados Em 30 de janeiro de 1996,a vereadora da educação solicitou ao Diretor Municipal de Finanças e Patrimônio a concessão de um abono transitório de 500.000$00 escudos, “destinado ao pagamento a pronto do encargo resultante de acções de formação nas várias áreas do projecto ‘Viver uma escola diferente’”. Em março do mesmo ano, esclareceu ao Diretor de Finanças que o abono transitório pedido, tem como base o pagamento a instituição sem fins lucrativos de ações desenvolvidas no âmbito do projecto, [nome do projeto], iniciado em setembro de 1995. Por tratar-se de um pedido de fundo específico, a Direção de Finanças informava a necessidade de autorização prévia. Acrescentava a informação que “o fundo permanente apenas deve ser utilizado em situação de caráter urgente. Por outro lado, desde que os serviços a adquirir sejam com ‘pessoas em......’ deverão as respectivas Duarte, MRT Página 162 despesas ser visadas previamente pelo Tribunal de Contas, independentemente do valor. Assim, solicita-se melhor explicitação quanto à urgência e utilização do fundo”. Após os esclarecimentos da Vereadora da Educação a Directora do Departamento de Finanças da Câmara despacha informando tratar-se de “encargos assumidos, e com certeza já [ilegível], no âmbito do desenvolvimento de um projeto, cuja execução das despesas deverão respeitar o enquadramento legal exigido e a tramitação normal dos processos”(4.4.96). Despacho subseqüente do Diretor Municipal de Finanças, no entanto, afirmava: “Concordo. Deve dar-se prioridade no tratamento dos processos de despesa relacionado com a iniciativa (16/4/96)”. A seguir, manuscrito em folha sem timbre ou assinatura, o procedimento com solução de pagamento adotada: - o pagamento aos formadores, não pode sair de um abono transitório, passa a sair na rubrica 04 09 06; - Procedimento: - faz-se a requisição (com caráter urgente) para que a verba pedida seja __bimentada (pode exceder os 100 contos). depois da requisição autorizada, pede-se factura (ou outro documento) a entidade - que vai receber a verba. (se a entidade estiver isenta de IVA, tem de o mencionar, na referida fatura. A fatura tem de ter data posterior à da autorização). - a entidade depois de receber a verba, envia-nos o respectivo recibo comprovativo. Após, foram encontrados dois recibos, sem data, da Associação Nacional de Professores – Secção [nome]: referente ao pagamento de uma formadora no valor de 86280$00 e 71680$00 respectivamente. Anexo, uma pequena nota sem assinatura ou data: “Sem efeito. Ass. N. de Prof. vai ter de mandar recibos, mas só depois de receber”. Segue, formulário de requisição (ajuste direto) com a designação: “compra de serviços no âmbito do projeto [nome do projeto], de ações de formação no valor de 157.960$00. No formulário consta a informação. “Autorizado com caráter de urgência nos termos do Dec. Lei no. 55/95” e despacho determinando o pagamento”. Duarte, MRT Página 163 Consta, ainda, nos arquivos, um segundo formulário para pagamento de serviços (aluguel de material) no valor de 117.000$00 escudos. Segue, folha com o carimbo e rubrica do Pelouro da Educação com minuta de orçamento para pagamento de: Prof. [nome] 26 ações de formação - 312 000$00 - Feita requisição em 96/05/14 Prof. [nome] 26 ações de formação – 157.060$00 - Feita requisição em 96/05/08 Prof. [nome] 12 ações de formação – 96.000$00 - Feita requisição em 96/06/29. Afirmamos, anteriormente, que desafio analítico, proposto neste estudo, consiste em pensar a(s) autonomia(s) da escola tendo por referência um novo espaço público, capaz de associar à promoção de novos formas institucionais de gestão da res pública54 com a ampliação da autonomia dos espaços e instituições públicas frente aos grupos de interesse. Estudos que elaboraram a crítica as concepções de matriz neoliberal de autonomia da escola em Portugal têm por referência a experiência autogestionária do período revolucionário. Nesta perspectiva, o foco da crítica dirige-se para a desmobilização dos atores pela atribuição de atividades de execução de programas formulados centralmente. A pesquisa realizada demonstra que a desconcentração político-administrativa, no sistema educativo centralizado de Portugal, produz simultaneamente: a) a mobilização de diferentes atores (escolas, autoridades locais, etc) para diagnóstico de demandas e proposição de alternativas de solução a situações-problema locais; b) a associação entre demandas locais e sua ressignificaçäo, caso necessário, com programas e projetos definidos centralmente; c) a utilização de fundos públicos locais como instrumento de negociação para o reforço da capacidade relacional e de reciprocidade política. 54 Pazeto & Wittmann (1999) ao analisarem o conteúdo de 134 trabalhos relativos à gestão da escola, observam que essa literatura apresenta como eixo comum de abordagem a associação entre democratização e autonomia. Para esses autores, a ênfase posta na gestão da escola é decorrência de um contexto onde a escola pública já não mais se contém no limite do estatal. Para corresponder aos novos anseios e expectativas da sociedade, a escola requer a intermediação da comunidade e de suas instituições para assegurar-lhe a dimensão pública e coletiva. Duarte, MRT Página 165 7. Referências e sínteses provisórias Ao apontar os elementos que promovem a gênese da esfera pública burguesa Habermas constitui como a primeira fonte do conceito a separação entre a capacidade reflexiva dos indivíduos e a esfera da realização dos interesses materiais desses mesmos indivíduos. O segundo elemento enfatizado por Habermas, para o surgimento de uma esfera pública, é a mudança de postura da burguesia em relação ao poder se comparada com a postura de outras classes dominantes. A burguesia é a primeira classe dominante cuja forma de dominação econômica é independente do controle do exercício do poder político (Avritzer, 2000: 63-64). É neste distanciamento, destacado na analise habermasiana, que situamos a tensão entre a determinação dos fatores estruturais e as formas institucionais de formulação e implementação das políticas sociais. Observando a reflexão habermasiana identificamos, na atualidade, possibilidades de tensionar entre a intensidade dos condicionantes impostos por processos de reestruturação econômica e crise fiscal – esfera da realização dos interesses materiais – e as formas institucionais decorrentes do conjunto de procedimentos e ações provenientes de posições de exercício do poder político. A universalização de serviços sociais que assegurem direitos fundamentais como saúde e educação contribuem para ampliar e diversificar uma esfera de atuação privada que, embora estruturalmente ligadas à forma burguesa de produção e dominação, propiciam o desenvolvimento de subjetividades. Pois a administração pública dos direitos sociais e coletivos, requer para sua universalização normas impessoais que tensionam com interesses e/ou particularismos. Habermas acrescenta, ainda, no contexto de surgimento da sociedade burguesa, o papel da ciência das finanças e da doutrina da administração subordinando a esfera privada aos órgãos do poder público. A economia moderna não se orienta mais pelo oikos, pois no lugar da casa colocou-se o mercado: transforma-se em “economia comercial”. Na Cameralística do século XVIII (que deriva o seu nome de camera, a câmara do tesouro do senhor feudal), esta precurssora da Economia Política se coloca, por um lado, no mesmo nível da Ciência das Finanças e, por outro, da doutrina que se destacava da técnica agrária sintomaticamente como uma parte da “policy”, a doutrina da administração propriamente dita: tão Duarte, MRT Página 166 estreitamente a esfera privada da sociedade burguesa é subordinada aos órgãos do poder público.(...) Ainda que isto seja dito por um preconceito muito espalhado, o mercantilismo não favorece de jeito nenhum a empresa estatal; a política empresarial exige, pelo contrário, ainda que por vias burocráticas, montar e desmontar empresas privadas que trabalhem capitalistamente. Por isso, a relação entre autoridades e súditos acaba redundando na peculiar ambivalência de regulamentação pública e iniciativa privada. Assim, é problematizada aquela zona em que o poder público, mediante atos administrativos contínuos, mantém ligações com as pessoas privadas. (...) Já que, por um lado, um setor privado delimita nitidamente a sociedade em relação ao poder público, mas, por outro lado, eleva a reprodução da vida acima dos limites do poder doméstico privado, fazendo dela algo de interesse público, a referida zona de contato administrativo contínuo torna-se uma zona “critica” também no sentido de que exige a crítica de um público pensante. (Habermas, 1984: 34-39). Na perspectiva harbermasiana a instituição da “ciência da administração” se fez como um instrumento político de intervenção ambígua do poder público na esfera da vida privada e constituiu-se como procedimento de uma progressiva estatização da esfera privada burguesa. Mas, para uma melhor apreensão da importância relativa da doutrina da administração, como elemento de intervenção da esfera do poder público (Estado) sobre a esfera pública política, retomamos o esquema habermasino: Setor privado Esfera do Poder Público esfera pública política Esfera pública literária (clubes, imprensa) espaço íntimo da pequena família (intelectualidade mercado de bens culturais burguesa) Corte (sociedade da aristocracia da corte) (Habermas, 1984:45) Para Habermas (1984) a esfera pública política provia da literária, como um espaço de intermediação, por meio da opinião pública entre o Estado e as necessidades da sociedade (sociedade civil burguesa em sentido estrito). O processo ao longo do qual o público constituído pelos indivíduos conscientizados se apropria da esfera pública controlada pela autoridade e a transforma numa esfera em que a crítica se exerce Duarte, MRT Página 167 contra o poder do Estado realiza-se com a refuncionalização da esfera pública literária, que já era dotada de um público possuidor de suas próprias instituições e plataformas de discussão (HABERMAS, 1984: 68). O que procuramos reter da analise habermasiana é a tensão entre a institucionalização de uma privacidade ligada ao público e sua interrelação com a administração pública. A constituição de uma esfera pública em que a crítica se exerce contra o poder do Estado se fez concomitantemente, segundo Habermas, à institucionalização de uma privacidade ligada ao público. Esta duplicidade se retroalimenta produzindo indivíduos críticos e pari passu dotando a administração do Estado de impessoabilidade capaz de intervir em assuntos privados (empreendimentos mercantis, incluído a cultura) em nome do interesse geral. No estudo habermasiano a precedência de uma esfera pública literária constituiu um exante, ou seja, um espaço da gênese da esfera pública política, visto pressupor a existência de indivíduos livres capazes do exercício da crítica. Em 1985, Habermas introduz uma substancial reformulação de seu conceito de esfera pública. Ele abandona uma concepção unitária de esfera pública em favor de uma concepção multiforme, ainda que lingüisticamente unida. Habermas fala de uma rede altamente diferenciada de esferas públicas locais e supra-regionais, literárias, científicas e políticas, interpartidárias ou específicas de associações dependentes dos media ou subculturais, em que ocorrem processos discursivos de formação de opinião cujo principal objetivo é a difusão do conhecimento e da informação (Silva, 2001:449). A reformulação apresentada por Habermas, no entanto, mantêm da concepção original de esfera pública seu poder emancipatório de proteção e recuperação do mundo da vida, que sofre os efeitos de uma colonização sistêmica que o descaracteriza. Mais concretamente, a economia e o aparelho burocrático do Estado destroem os processos comunicativos em áreas como a cultura, a educação ou a socialização.(SILVA, 2001: 443). Mas em seu primeiro movimento, ele aponta a contraditória institucionalização da esfera pública no Estado de Direito burguês. A esfera pública burguesa se rege e cai com o princípio do acesso a todos. Uma esfera pública, da qual certos grupos fossem eo ipso Duarte, MRT Página 168 excluídos, não é apenas, digamos, incompleta: muito mais, ela nem sequer é uma esfera pública. Aquele público, que pode ser sujeito do Estado de Direito burguês, entende então também a sua esfera como sendo pública neste sentido estrito: antecipa, em suas considerações, a pertença, por princípio, de todos os homens a ela. Simplesmente ser humano, ou melhor, pessoa moral, também é o homem privado individual. Designamos o local histórico e social em que se desenvolveu esta concepção de si mesmo: na esfera íntima, ligada a um público, da pequena família patriarcal é que cresce a consciência dessa, caso assim queira, humanidade sem forma precisa. (...) Sob tais pressupostos [da Economia política liberal clássica], mas só com eles, cada um teria igualmente a chance de, com esforço e “sorte” (o equivalente para a impenetrabilidade dos processos de mercado, também rigorosamente determinados), conquistar o status de proprietário e, com isso, de “homem”, as qualificações de um homem privado com acesso à esfera pública: propriedade e formação educacional (Habermas, 1984: 105-109). “Transformação estrutural da esfera pública” permite uma interpretação da constituição de espaços-tempos onde a generalização da forma mercantil produziu a superveniência da abstração dos elementos imediatos da atividade concreta de trabalho (labor) e a extensão entre os indivíduos da percepção das relações abstratas constitutivas da forma capitalista de produção. Nesta perspectiva, a obra de Habermas possibilita inferir que a generalização da forma mercadoria na produção e reprodução da vida social pela mediação do poder administrativo estatal contribuiu, contraditoriamente, para o fortalecimento da esfera pública política, ou seja, a reunião em público de indivíduos privados com o objetivo de submeter ao crivo da crítica as decisões da autoridade pública. Habermas funda a constituição da esfera pública política na existência prévia de interações não colonizadas por relações mercantis, sua obra traz indicações do fortalecimento de relações no sistema de poder (esfera estatal) que contraditoriamente também reforçariam uma esfera pública política. Destacamos, desse modo, na apreensão efetuada da análise habermasiana a mediação contraditória efetuada pelo poder administrativo estatal: de colonização do mundo da vida e fortalecimento da esfera pública política. A leitura formulada do texto habermasiano nos permite indagar sobre as implicações de um sistema público descentralizado, com autonomia de suas partes constitutivas em tensão Duarte, MRT Página 169 com linhas ou eixos estruturantes fundados na política de financiamento, de uma legislação educacional nacional e em normas orientadoras da intervenção supletiva e redistributiva do poder central. Em outras palavras, nos apropriando livremente do texto habermasiano, os sistemas locais e subnacionais ao disporem de autonomia na formulação e implementação de projetos político-pedagógicos, contribuem para a expressão de pluralidades sócioculturais sob uma base político-administrativa mais homogênea. Este o foco central do diálogo que iniciamos com a concepção de sistema exposta por Demerval Saviani, simultaneamente com a critica a aspectos da política educacional empreendida no período de 1996-2002. Pensar um sistema educacional plural envolve o reconhecimento de espaços para singularidades, porém demarcadas por estruturações capazes de obstaculizar sua fragmentação. O texto constitucional de 1988 estabeleceu a magnitude destes espaços, ao abrigar a autonomia política dos governos locais e simultaneamente, nomeou como regime de colaboração, relações intergovernamentais capazes de configurar um sistema plural. A tensão habermasiana, entre setor privado (sociedade civil) e poder público, (administrativo) como necessária para a constituição de uma esfera pública política, remete a indagações sobre o crescimento de expressões de diversidade político-educativas no país, ou seja, a efetivação de um sistema educacional capaz de compor com esta diversidade. A concepção subjacente a este estudo considera que a sistemática de financiamento público constitui o pressuposto de articulação de um sistema, que possibilite falar em educação básica comum e educações. Em outros termos, uma política de administração educacional capaz de “colonizar” rupturas provenientes de desigualdades por intermédio de intervenções reguladoras, mas também promotora de espaços de autonomia que expressem diversidades sociais e culturais. A reforma educacional, empreendida a partir de 1996, se fez na tensão entre fatores estruturais e formas institucionais. Esta tensão em um sistema público do tipo policêntrico requer o reconhecimento de medidas e procedimentos determinados por fatores estruturais: uma concepção de regime de colaboração onde programas de assistência social procuram deslocar necessidades infraestruturais ou projetos político educativos locais. Condicionalidades econômicas promovem políticas assistenciais na educação que, por sua Duarte, MRT Página 170 vez, reafirmam a importância de novos investimentos em política educacional. Pensar uma ontogenia da reforma do sistema educativo requer uma reflexão sobre a origem das tensões que o desenvolvem. A referência habermasiana é incorporada por situar um ponto de observação onde a distinção entre dois espaços não resulta em separação. Em “Transformação estrutural da esfera pública” a distinção dos espaços – neste estudo autonomia do poder local/poder central – resulta em uma esfera capaz de produzir tensões. Um regime de colaboração entre sistemas educacionais com autonomia política, porém sob estruturações decorrentes de uma sistemática de financiamento. O sistema público, sob esta perspectiva de observação, adquire maior diversidade e, simultaneamente, certa unicidade nas relações que são engendradas. No entanto, acompanhando método de análise, as relações intrasistêmicas são mediações em tensão. Analisamos, no caso brasileiro, os efeitos produzidos pelo exercício da função supletiva e redistributiva da União, onde o preenchimento de funções, requeridas às políticas sociais, contribui para a promoção de assistência social na educação e de políticas educacionais nos sistemas locais de ensino. Ou ainda, com relação à sistemática redistributiva do FUNDEF, que nos permite identificar como o modus operanti da administração intervem na “colonização” pela via da equalização das diferenças nas possibilidades de autonomia. Com o objetivo de identificar conexões entre um viés de análise institucional com fatores estruturais que condicionam deliberações de políticas, procuramos refletir sobre as tensões presentes no interior do sistema público de educação básica. O sistema, desse modo, é virtualmente (para efeitos de análise) apreendido em suas tensões, identificando espaços onde gestores/administradores possam intervir promovendo mudanças. 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