“Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA Hibridismo Cultural e Identidade Indígena na Aparelhagem Tuxaua1 Jairo da Silva e Silva2 Neusa Pressler 3 RESUMO O presente trabalho é uma pesquisa parcial do projeto de dissertação apresentado ao Programa de Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura da Universidade da Amazônia – UNAMA no ano de 2011. O objetivo é descrever e analisar à luz dos Estudos Culturais a aparelhagem Tuxaua, da cidade de Barcarena, cujos adeptos assumem uma identidade indígena. Por meio da mediação perfomática e discursiva do DJ e das letras dos tecnomelodys com esta temática a pesquisa evidenciou sociabilidade e interação nos agentes sociais que consomem este tipo de entretenimento. O estudo é interessante porque observa nessa prática cultural a questão da identidade indígena e elementos que aludem a hibridismo cultural. A pesquisa foi realizada no primeiro semestre de 2011 e esse artigo está estruturado em três tópicos, o primeiro estereótipos e identidade indígena, o segundo a Aparelhagem Tuxaua e a identidade indígena e o artigo ressalta nas considerações finais aspectos importantes discutido nas parelhagens com identidade indígena. PALAVRAS-CHAVE: identidade indígena; hibridismo cultural; aparelhagem; comunicação 1. INTRODUÇÃO A proposta desse artigo é apresentar parte da pesquisa do projeto de dissertação do curso de Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura da Universidade da Amazônia – UNAMA para mostrar essa trajetória, tomando como base a priori o resultado de pesquisa bibliográfica e entrevistas realizadas acerca do assunto como resultado preliminar. Especificamente, analisamos, embasados nos Estudos Culturais a configuração de identidade e cultura indígena da aparelhagem Tuxaua, da cidade de Barcarena4 e 1 Trabalho apresentado no I Seminário Regional da ALAIC - Bacia Amazônica. Mestrando do Programa de Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura da Universidade da Amazônia – UNAMA 2011. E-mail.: [email protected] 3 Professora titular do Curso de Comunicação Social e do Programa de Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura da Universidade da Amazônia (UNAMA), Doutora em Ciências: Desenvolvimento Socioambiental (NAEA/UFPA), e-mail: 2 [email protected] 4 Barcarena é um município do estado do Pará localizada há 40 minutos da cidade de Belém (Pa). Conforme o IBGE (2010), sua população está estimada em 92.567 habitantes. O município de Barcarena é considerado o portão de entrada do Pólo Araguaia/Tocantins. As terras de Barcarena foram habitadas inicialmente pelos índios Aruãs. Com a chegada dos jesuítas, foi instalada a fazenda Gebrié (ou Gebirié) e construída igrejas. o IBGE (2010). “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA mostraremos que, enquanto muitos vêem estes enunciados como estereótipo do homem amazônida como um índio “primitivo”, “selvagem”, evidencia-se que, os freqüentadores desta aparelhagem, assumem tal identidade. As aparelhagens surgiram na periferia de Belém (PA) com a intenção de criar um entretenimento mais acessível. Num primeiro momento foi idealizado para transformar pequenas caixas de som estruturadas para se tornar o centro de atenção das festas. Com influência no Brega e em suas melodias românticas, o movimento modificou a versão original do ritmo introduzindo batidas eletrônicas e regionais. Assim, nesse movimento emergem novas vertentes que tornaram o “Brega das aparelhagens” algo singular. As festas realizadas por essas bandas garantem um público estimado em 5 mil pessoas por apresentação nos finais de semana na cidade e conseguem atenção dos produtores musicais e profissionais ligados aos movimentos da música independente. Essas informações estão na pesquisa “Aparelhagens sociais: a criação de uma proposta de marketing social para as aparelhagens paraenses”, trabalho de pesquisa elaborado por Fabiana Aparecida Chagas Siqueira e Tricia Almeida Freitas apresentado em forma de monografia em 2006 no Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Pará. A formatação de ritmo do Brega e o do tecnobrega passou por várias fases de renovação e mudanças rítmicas em meados da década de 90, após essa fase firmou-se em nível nacional com uma nova performance: muito swing, solos de guitarras, sintetizadores e utilização de novas tecnologias disponíveis no mercado. Atualmente, este estilo de música tem coreografia singular e está presente em vários tipos de mídias (rádio, aparelhagem sonora, TV, revistas, jornais, sites, homepage e fãs-clubes) para apresentar, divulgar e interagir com o seu diferenciado público. Esse ritmo musical ganhou mais popularidade, novos intérpretes e compositores: Roberto Vilar (maior vendagem de disco), Tonny Brasil, Banda Sayonara, Banda Xeiro Verde, Banda Sabor de Açaí dentre outros. Antes da Banda Calypso, seu maior expoente - provavelmente devido ao trabalho de marketing na mídia - era o cantor Reginaldo Rossi, cuja produção e distribuição de suas músicas são feitas pela empresa multinacional Sony Music. Atuando há 40 anos no mercado, o cantor Reginaldo Rossi é considerado um sucesso entre as mais variadas faixas etárias de todo o Brasil (PRESSLER, 2007). A partir de 2001 o ritmo Tecnobrega emerge no campo cultural de Belém do Pará. É o resultado das atividades de DJs, produtores e músicos paraenses que executam seus trabalhos em estúdio. No início, a idéia era minimizar os custos com as gravações. Atualmente, é um “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA tema estudado por pesquisadores da Indústria Cultural, e discutido no âmbito social, quase sempre de forma até preconceituosa, por ser considerada uma música de periferia. O surgimento do Brega Paraense e posteriormente o tecnobrega coincide com a quebra do monopólio das indústrias hegemônicas e pela entrada de outros atores políticos e sociais no campo cultural globalizado. Contribui também a construção de consciência em diversos setores da Comunicação e os estudos culturais que apresentam estudos inovadores sobre a produção da cultura popular. Os avanços dos estudos culturais e tecnológicos contribuíram para criar um ritmo que renovou o cenário dos shows, promovidos pelas aparelhagens de som nas cidades paraense: O Tecnobrega. Essa fase mostra que o mundo passa por um processo de Globalização, em que muitas exigências tornaram-se cruciais para atender um novo modelo de sociedade. Sendo essas mudanças de todas as ordens: sociais, econômicas, políticas e culturais. Pois, em tempos de modernidade não há como não considerar os estudos culturais, considerando-se que a partir dessa nova tendência muitos movimentos foram criados como forma de manifestação da cultura local. Sendo uma delas o tecnobrega, ritmo hoje, presente na maioria das festas e comemorações realizada pelo povo paraense. Nesse contexto, é considerado uma manifestação e movimento cultural e social. Para tanto, se coloca o ritmo Tecnobrega como uma forma de representação da relação entre cultura e comunicação. (LEMOS, 2008, p.21), assim define o Tecnobrega: O Tecnobrega nasceu do brega tradicional, produzido nas décadas de 19701980, quando se formou o movimento do Gênero no Pará. Na década de 1990, incorporando novos elementos à sua tradição, os artistas do Estado começaram a produzir novos gêneros musicais, como o bregacalipso, influenciado pelo estilo caribenho. No início dos anos 2000, por volta de 2003, surgiu o Tecnobrega. Mais recentemente, vieram os Cybertecnobregas e o Bregamelody. Todos influenciados pela música eletrônica que circula mundialmente na Web. Nessa conceituação, verifica-se que o Tecnobrega surge a partir da dinâmica da estrutura cultural de uma tradição ora social, que é o entretenimento, mas que dá visibilidade ao modo de ser de um determinado grupo. Um gênero revelador de dizeres, ritmos, hábitos, sentimentos e o cotidiano que se afloram sob a forma de música. Essa é a impressão que contribuiu para artigos e estudos de Hermano Vianna (2003), sobre o tecnobrega paraense. Ainda na visão de Viana (2003), os estúdios produzem centenas de CDs independentes que, através de distribuidores informais, são reproduzidos e repassados aos vendedores de rua de Belém. Dessa maneira, o CD se populariza (junto com o artista ou “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA banda), levando público para os shows e festas de aparelhagens. Trata-se de um mercado complexo, um fenômeno que movimenta R$ 3 milhões por mês (PRESSLER, 2011). 2. Estereótipos e identidade Indígenas Na tese de doutorado, intitulada a invenção do índio e as narrativas orais Tupi (2009), Ivânia dos Santos Neves, usa o termo invenção do índio e discute sobre a origem dos estereótipos indígenas . De acordo com a autora “Podemos entender que se trata de uma falsificação forjada pelas relações de poder do sistema colonial, que instituiu um índio genérico, antropófago, sem roupa, sem conhecimento e de mentalidade primitiva.” (NEVES, 2009, p. 28) Assim, os estereótipos em relação ao índio se originaram no discurso dos colonos que qualificaram tanto as línguas, culturas e organizações indígenas inferiores a do homem branco, o europeu. Este equívoco ainda é reproduzido em muitas esferas da sociedade, pois ainda encontramos a visão estereotipada de um índio “selvagem”, “animalesco”, “primitivo”, “bicho”, etc, em livros didáticos, cinema, televisão, literatura, rede sociais, música, por que não se dizer também, na academia? Ou em entre outros segmentos que produzem ideologia e discurso, reproduzindo-os de forma que não coaduna com o real sentido do que significa ser índio. Para Bhabha (2005, p. 117), “O estereótipo não é uma simplificação por que é uma falsa representação de uma dada realidade. É uma simplificação porque é uma forma presa, fixa de representação.” No entanto, estudiosos do assunto, evidenciam que atualmente, apesar de muitas ideias pré-concebidas, esta situação, ainda que timidamente, está sendo substituida por outro aspecto, o orgulho de ser indígena. No Brasil, dentre os estudiosos que teorizam sobre a”identidade indígena e o orgulho em sê-lo”, especificamos Gersem José dos Santos Luciano (Índio Baniwa) que atualmente é doutorando em Antropologia Social pela Universidade de Brasília. Um fato curioso que observamos no currículo lattes de Gersem Luciano, seu conhecimento em idiomas, pois para demostrar sua proficiência em línguas indígenas, teve que optar pela opção outros idiomas, o que pode exemplificar a discriminação até na academia. Em 2006, Luciano publica o livro O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje, como indígena e militante da causa, apresenta a significação do que é ser índio nos dias atuais, na introdução: “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA Este livro é uma tentativa de abordar questões que envolvem autoidentificação, auto-estima, auto-representação e autoprojeção dos índios diante de si mesmos e da sociedade de uma maneira geral. As idéias estão baseadas na experiência de vida e de trabalho junto a centenas de lideranças, comunidades e povos indígenas com os quais tive a oportunidade e o privilégio de partilhar desafios e conquistas, tristezas e alegrias, derrotas e vitórias, como foram as importantes conquistas relativas aos direitos indígenas na Constituição Brasileira em vigor. (LUCIANO, 2006, p. 19) Assim, no primeiro capítulo do livro, Luciano (2006) apresenta a questão da identidade indígena, mostrando o aspecto histórico da situação, de como a sociedade brasileira idealiza a o índio, de um lado o estereótipo romântico do índio ingênuo, “bobo”, ligado à natureza, e de outro lado a visão do estereótipo “diabólico” (selvagem, cruel, malvado, bárbaro, traiçoeiro...). Na segunda parte, apresenta a orgulho de ser índio, “[..] é identidade indígena e orgulho de ser índio. É ser o que se é.” (LUCIANO, 2006, p.38), evoca a diversos fatos históricos que legitimam a a identidade indígena como identidade política simbólica que articula, visibiliza e acentua as identidades étnicas de fato. Segundo o autor: O reconhecimento da cidadania indígena brasileira e, conseqüentemente, a valorização das culturas indígenas possibilitaram uma nova consciência étnica dos povos indígenas do Brasil. Ser índio transformou- se em sinônimo de orgulho identitário. Ser índio passou de uma generalidade social para uma expressão sociocultural importante do país. Ser índio não está mais associado a um estágio de vida, mas à qualidade, à riqueza e à espiritualidade de vida. Ser tratado como sujeito de direito na sociedade é um marco na história indígena brasileira, propulsor de muitas conquistas políticas, culturais, econômicas e sociais. (LUCIANO, 2006, p. 38-39) O referido autor afirma que os índios de hoje estão vivendo um momento especial, que depois de 500 anos de muito sofrimento, opressão, perseguição, massacre, escravidão, hoje vivem em condições “melhores” de existência. Culturas e tradições estão sendo resgatadas, revalorizadas e revividas. Terras tradicionais estão sendo reivindicadas, reapropriadas ou reocupadas pelos verdadeiros donos originários. Línguas vêm sendo reaprendidas e praticadas na aldeia, na escola e nas cidades. Rituais e cerimônias tradicionais há muito tempo não praticados estão voltando a fazer parte da vida cotidiana dos povos indígenas nas aldeias ou nas grandes cidades brasileiras. (LUCIANO, 2006, p. 39) O futuro doutor em Antropologia, encerra o capítulo afirmando que: A reafirmação da identidade não é apenas um detalhe na vida dos povos indígenas, mas sim um momento profundo em suas histórias milenares e um monumento de conquista e vitória que se introduz e marca a reviravolta na história traçada pelos colonizadores europeus, isto é, uma revolução de fato na própria história do Brasil. (LUCIANO, 2006, p.43) “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA Ainda sobre esse ponto de vista, ressalta: Nossos povos nas aldeias não esperam de nós, lideranças e estudantes, que sejamos grandes intelectuais, grandes profissionais ou grandes políticos, apenas homens e mulheres que honram seus antepassados, que não traem os projetos sociais de hoje e de amanhã e que, sobretudo, não negam suas origens, histórias, culturas milenares e identidades. (LUCIANO, 2006, p. 225) A partir destes posicionamentos, percebe-se o diálogo de Luciano (2006) com autores dos Estudos Culturais, especificamente com Stuart Hall, para quem a identidade é definida “historicamente, e não biologicamente.” Ainda segundo Hall (1997), a identidade torna-se uma "celebração móvel": formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (HALL, 1997), isto é, as identidades são posicionamentos que assumimos, pois são históricas, materializadas em circunstâncias e experiências vividas. 3. A Aparelhagem Tuxaua e a identidade indigena Buscando um conceito para Aparelhagem, nos apropriamos à descrição do professor da Faculdade de História da Universidade Federal do Pará, Antônio Maurício da Costa, que em sua tese de doutorado em Antropologia, intitulada Festa na Cidade: o circuito bregueiro de Belém do Pará, afirma: A definição mais simples de aparelhagem é a que considera a sua função: um equipamento de som autônomo que faz a sonorização de diversas festas. A unidade de controle é o ponto central da aparelhagem, hoje produzida no feitio de uma “nave espacial”, um “disco voador” que simula decolagem no ponto alto das festas. Em geral, o equipamento é composto por uma mesa de som, equalizadores, televisões, computadores (para a programação das músicas), letreiros eletrônicos e/ou letreiros fixos, iluminação de discoteca para a área próxima à unidade e iluminação interna de diversos pontos do equipamento em várias cores. Num sentido amplo, as aparelhagens são empresas familiares que envolvem diversos funcionários específicos e equipamentos subsidiários. (COSTA, 2006, p. 95) Segundo Andrey Faro de Lima, na dissertação de Mestrado em Antropologia Social, intitulada É a Festa das Aparelhagens! - Performances Culturais e Discursos Sociais, sobre a quantidade de aparelhagens: “Há em todo estado do Pará aproximadamente duas mil aparelhagens que se diferenciam pelo estilo de festas a que se propõem, pelo público que atraem e por suas dimensões e feições diversas.” (LIMA, 2008, p.20) “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA Dentre deste universo várias aparelhagens tanto de grande porte, as denominadas superaparelhagens, quanto as de médio e/ou pequeno porte, possuem o nome relacionado à identidade indígena, exemplificamos com as aparelhagens Hiper Tupinambá, Guerreiro Tuxaua, Tribo Som, Guerreiro Guarani, Guerreiro Guajará, Pancadão Marajoara, Guerreirão de Icoaraci, etc... Dentre as aparelhagens que possuem o nome indígena, apesar da Hiper Tupinambá, ser a mais antiga, mais conhecida, mais expressiva, mais famosa, ser a maior, preferimos neste artigo, não analisá-la, pelo fato de que a maioria, se não, quase todos os trabalhos acadêmicos sobre o assunto aparelhagens, geralmente abordam somente o espaço capital do estado – Belém – , e as conhecidas superaparelhagens, a saber: Super Pop, Mega Princípe, Rubi, inclusive Hiper Tupinambá. Olvidando de outras aparelhagens do interior do estado, que mantém vários adeptos. É o caso da aparelhagem Guerreiro Tuxaua, da cidade de Barcarena, que a cada dia se consagra como uma das maiores do interior do estado, e consegue manter um público fiel na região nordeste do Pará. A fim de conceituarmos o termo Tuxaua, recorremos à internet, encontramos no site do Ministério da Cultura uma definição para o termo indígena Tuxaua: Tuxáua é um termo que varia de uma tribo a outra, na história, na cultura, na sociabilidade, nas relações que se constituíram e que se constroem. Tendo nos últimos anos o termo caindo em desuso em algumas aldeias, e o significado mais freqüente que lhe foi dado (em algumas aldeias) é o de capataz e está sempre associado à idéia de um preposto do patrão, quando da relação da exploração de seringueiras e dos trabalhos dos demais indígenas. Porém Tuxáua, também é sinônimo de Cacique, é autoridade máxima da tribo, é quem resolve conflitos, convoca reuniões, marca festas e rituais, orienta as atividades agrícolas, manda construir casas, hospeda visitantes. E tal liderança do Tuxáua caracteriza-se pela forma consensual como é exercida. O chefe, cacique, pajé ou tuxáua, é uma das lideranças que contribui para a ordenação e a harmonização da vida cotidiana na aldeia, especialmente no que concerne às questões ligadas à subsistência. (CARTA TUXÁUA, 2010) A edição eletrônica do Amazônia Jornal do dia 02/01/2006, traz em seu site: O guerreiro Tuxaua. A grande sensação do momento, em Barcarena é a Aparelhagem Guerreiro Tuxaua, que vem detonando todas as balas nos fins de semana animados daquele município. Amparada por diversas inovações tecnológicas, o 'Som Que Faz a Tribo Dançar', como também é conhecida, já arrebata multidões por onde se apresenta, uma opção a mais para diversão sadia da galera daquela região. (Amazônia Jornal, 02/01/2006) A aparelhagem Tuxaua tem se destacado com muita propriedade na região nordeste do Pará, apresentamos a seguir os quatro banners com os logotipos da aparelhagem barcarenense: “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA Imagem 1 (Banner do Novo Tuxaua, 2011) Imagem 3 (Banner do Tuxaua, 2010) Imagem 2 (Banner da capa dos cds do Tuxaua, 2011) Imagem 4 (Banner da capa dos cds do Tuxaua, 2010) Andrey Lima define as festas de aparelhagens como: um complexo de práticas e relações sócio-significativas, construídas, desenvolvidas e reproduzidas cotidianamente por mecanismos e recursos estético-performáticos que se direcionam e se condensam numa ordem festiva específica, a partir da relação que se estabelece entre público e aparelhagens. Como motor e conseqüência desta relação e experiência verdadeiramente estética, têm-se a dimensão pública que lhe é inerente. (LIMA, 2006, p.78) Assim, as festas de aparelhagem assumem várias categorias semânticas, como o espaço, a performance e a relação social. Em relação ao espaço, a aparelhagem Tuxaua, se apresenta tanto nos grandes ou pequenos clubes, em balneários, na região das ilhas, em festivais, entre outros. A performance e as relações sociais são dada pela mediação do DJ Daniel, o que ocasiona a indentificação indígena, o DJ faz diversas práticas gestuais coreográficas e usa adornos e adereços indígenas, inclusive, ressalta-se que o desing da aparelhagem é no formato de duas flechas, remetendo ao uso dos instrumentos de caça dos índios. Os fãs, por sua vez, fazem as mesmas coreógrafias, assumindo assim, a identidade indígena, além do mais, é comum no início da festa a distribuição de vários elementos que remetem a identidade do índio, como cocares, miniaturas de arco e flecha, adereços indígenas. Uma exibição do Tuxaua, dependendo do dia, pode ser de 04 a 06 horas de duração, iniciando com o DJ auxiliar, DJ Joãozinho, que lança vinhetas e frases que exaltam aparelhagem como um elemento da identidade indígena, anunciando que em breve entrará em ação o DJ principal, Daniel. “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA DJ Daniel inicia sua performance interagindo com o público, provocando-os a imitação, mediando a relação que se estabelece com a aparelhagem, na campo perfomático se utilizam as vinhetas pré-gravadas que ressalta a qualidade da aparelhagem: “É o Guerreiro da galera!”, “Onde ele toca eu tou lá, que faz a minha tribo dançar, no seu comando tribal, DJ Daniel é moral!”, unindo assim também, o carisma e a competência do DJ; há efeitos sonoros; chamadas ao microfone, que é o conhecido alô, neste momento o DJ interage com seu público, através, de elogios, mensagem afetivas às equipes, são tocadas as músicas das equipes, conhecidos como grito de guerra, coreografias, alaridos com os lábios. O público, se identifica assim com o índio, um bom exemplo é o caso do adepto na figura a seguir. Imagem 5 (Os mamonas no Tuxaua, 2009) Assim, a partir deste contexto, percebe-se uma significação para hibridismo cultural (CANCLINI, 2006) ao cruzar elementos das festas de aparelhagem com elementos da cultura indígena. Como hibridismo cultural, recorremos a Néstor Canclini (2006), pois é um dos teóricos fundamentais por discurtir a questão com ênfase no contexto latino-americano, em que, segundo o próprio, a questão tradição e modernidade se dá sobretudo no campo da cultura. Para Canclini, o hibridismo é um dos fenômenos que mais se consagram diante da ascensão de mídias que promovem a circulação mundial de bens diversos. Uma condição elementar de produtos, bens e fazeres culturais que se constituem a partir da interação entre práticas oriundas de diferentes contextos históricos ou sociais; a partir de processos de hibridação que põem em xeque a unidade de culturas isoladas e “resistentes” a influências externas (CANCLINI, 2006). É nítido hibridismo cultural em algumas materialidades da aparelhagem Tuxaua que evocam a identidade indígena, mas especificamos neste artigo “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA aqueles mais marcantes: a maioria dos nomes das equipes/ fãs-clubes e a letra dos gritos de guerras destas equipes. Segundo DJ Daniel, hoje a aparelhagem Tuxaua, conta com um total de 150 equipes, sendo que a maioria destas, tem seus nomes relacionados ao nome da aparelhagem, quando não levam o termo Guerreiros(as), levam o nome Tuxaua, citamos algumas: Guerreiras Apimentadas, Guerreiras Rebeldes, As Guerreiras Sem Fronteiras, Guerreiras da Curtição, Guerreiras Fugitivas, Guerreiras Legendárias, Guerreiras Sedutoras, Guerreiras Vigaristas, Guerreiros da Viração, Guerreiros Guardiões, Guerreiros Inocentes, Guerreiros Legendários, Guerreiros Sem Perdão, Guerreiros Solitários, Guerreiros Vigaristas, Guerreiros Olhos Famintos, Guerreiros Os Poderosos Perversos, Guerreiros Sem Limite, entre outras. Reproduzimos aqui alguns dos banners destas equipes: Imagem 6 (Banner equipe Guerreiras Apimentadas) Imagem 8 (Banner equipe Guerreiros da viração) Imagem 7 (Banner equipe As guerreiras sem fronteira) Imagem 9 (Banner equipe Guerreiras Fugitivas) “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA Imagem 10 (Banner equipe Guerreiros sem perdão) Imagem 11 (Banner equipe Guerreiros olhos famintos) Imagem 12 (Banner equipe Os guerreiros perversos) Imagem 13 (Banner equipe Guerreiros sem limite) partir da leitura destes banners, podemos pontuar a identidade indígena, pois percebe-se que em todos há uma referência ao nome da aparelhagem Tuxaua, em 04 há imagem de índio com arco e flecha (Banners 02,03,04 e 07). Ressalta-se também, que nos Banners 07 e 08, das equipes Os guerreiros perversos e Guerreiros sem limites, há o estereótipo do índio selvagem, sanguinário, cruel, seus próprios nomes já os descreve : perverso e sem limites. Os banners das 03 equipes femeninas (01,02 e 04) e os banners da equipes Guerreiros sem perdão (05) e Guerreiros olhos famintos (06) remetem a um processo híbrido, pois enquanto os demais exibem a imagem de um índio, estes exaltam a imagem de garotas sensuais desenhadas em mangá, desenho no estilo japonês; e de guerreiros de jogos eletrônicos, o vídeo game. As músicas das equipes, conhecidas como grito de guerra, também marcam a identidade indígena, sem desconsiderar a hibridação cultural. Analisamos algumas letras. 01 - Hino do Tuxaua – 2010, Banda Eletro Hit's. [...] Onde ele toca eu tou lá, “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA Faz minha tribo dançar, No seu comando tribal, DJ Daniel é moral, O Tuxaua, O guerreiro da galera, Com o DJ Daniel, Eu vou, amor, Guerreiro Tuxaua, Guerreiro Tuxaua, Eu vou, Guerreiro Tuxaua, Eu vou, Com o DJ Daniel. 02 - Hino do Tuxaua – 2010, Banda NP7. [...] É o índio, é o índio, é o índio, é o índio, é o índio, Toca Daniel a nossa canção, É NP7 que vai vai detonar, É o hino, é o hino, é o hino, é o hino, é o hino, Toca DJ a nossa canção, Eu quero te entregar o meu coração, E sentir a emoção de estar aqui, E ver você tocar pra mim. 03 - Xote do índio / Equipes Os Camaradas– Banda Swing Eletro. [...] Eu tou doidodinha pra me deitar na tua cama, Agora eu tou na festa sem você, E com o DJ Daniel comandar, Com a Equipe Pagação, E os Guerreiros Camaradas conquistou meu coração, É o índio, é o índio, é o índio, É o índio, é o índio, é o índio, É o índio, é o índio, é o índio, É o índio, é o índio, é o índio. Em todas as letras citadas acima, é nítido a marca da identidade indígena, elementos convencionados à cultura indígena, são exaltados em todas as canções: tribo, tribal, Tuxaua, guerreiro, guerreiras, índio, flecha, flechadas. O público assume esta identidade indígena quando interage com a performance do DJ, através dos gestos coreográficos, suas vestes também combinam com o nome da equipe, todos os elementos envolvidos na performance, alia com naturalidade, ritmos regionais tradicionais e bases estéticas do estilo musical pop e/ou eletrônico, nos moldes de um típico produto cultural híbrido. É típico também na aparelhagem Tuxaua, a presença de dançarinas (não-indígenas) adornadas como índias, se apresentarem, com adornos e instrumentos índigenas. Com seus “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA corpos pintados e adornados, remetem a identidade indígena. Para Simone Hashiguti, em sua tese de doutorado intitulada Corpo de Memória, 2008: A identificação social é um processo intimamente relacionado ao corpo, pois pressupõe a relação com o outro, cujo corpo é olhado, e que também olha, a partir de posições historicamente determinadas, mas em movimento. Sujeito e corpo não se separam em sua significação no campo do visível. Como materialidade simbólica, o corpo é atravessado por diferentes discursos, sejam eles o político, o estético, o religioso, o higienista, que se constituem de sentidos que também se movem na história em seu próprio entrelaçamento. (HASHIGUTI, 2008, p.49) Atribuir e reivindicar uma identidade indígena é o propósito de se encorporar o índio na aparelhagem, que produz discursos, sentidos. Simone Hashiguti, defende em sua tese, que na linguagem, o corpo é espessura material significante, isto é, o sujeito inscrito no/pelo discurso a partir de seu corpo, corpo que significa para si e para o outro na relação com o olhar. (HASHIGUTI, 2008, p. 71) Portanto, após essa análise descritiva, percebemos como se evidencia a produção de sentidos nas materialidades da aparelhagem Tuxaua. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse breve artigo oferece uma leitura e análise, reconhecidamente parcial e simplificada, da pesquisa do projeto de dissertação apresentado ao Programa de Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura da Universidade da Amazônia – UNAMA no ano de 2011. Nesse sentido, o ponto de partida do artigo foi descrever e analisar a Aparelhagem Tuxaua, da cidade de Barcarena. A proposta desse artigo foi apresentar parte da pesquisa relacionada ao Tecnobrega Paraense dos projetos de dissertação apresentados em 2011 no Programa de Mestrado em Linguagem e Comunicação da Universidade da Amazônia – UNAMA. Ao descrever a trajetória cultural do Tecnobrega Paraense observou-se a configuração da cultura popular na mídia regional e o impacto da globalização na utilização das novas tecnologias na periferia de Belém. Este trabalho apresentou o Tecnobrega como cultura local e sua passagem do âmbito regional para o nacional. Nesse percurso, identifica-se a relação do Brega e do Tecnobrega Paraense com as novas tecnologias, a globalização e seu impacto sobre as estratégias de comunicação das mídias regionais. Desse modo, buscou-se explicação para a adequação das novas tecnologias e a inserção da identidade indígena às novas práticas de comunicação cultural. Constamos que os “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA impactos da Globalização trouxeram as aparelhagens o uso dos novos meios de mídia digital. Com a diversidade de opções das mídias alternativas, individualmente ou em grupo, como citado por Lemos (2007) pode-se observar que esse movimento cultural das aparelhagens utilizam diferentes formas de estratégias de marketing e apelos publicitários para promover, mercantilizar e distribuir livros, CD's, revistas e produtos culturais. Para tanto, há como estratégia o uso do marketing direto, a propaganda, homepage e a disponibilidade da tecnologia digital. Assim, o movimento musical do tecnobrega ou melody paraense tem procurado estar presente em todos os segmentos da mídia. No momento há várias programações segmentadas em várias emissoras de rádio AM e FM e sites que formam um ambiente midiatizado de consumo. O artigo também identificou que, enquanto encontramos um índio esterotipado, nos livros didáticos, na televisão, na mídia, no cinema, no dia a dia, por outro lado, encontramos também, segmentos culturais que exaltam a identidade indígena, pois sob a ótica dos Estudos Culturais, analisamos neste artigo, (não de forma esgotada, pois é interesse nosso continuar com esta análise no projeto de epsquisa da dissertação de mestrado) a performance e relações sociais na aparelhagem Tuxaua, de que forma esta aparelhagem produz sentidos na identidade indígena, provocando a seu público assumir esta identidade, respondendo assim ao anseio de mestre Baniwa. Por fim, esse artigo buscou explicações para essa prática cultural de identidade indígena e elementos que aludem a hibridismo cultural por meio da sociabilidade no contexto das novas tecnologias na periferia da cidade de Barcarena. Nessa sociabilidade, observou-se á adequação das novas tecnologias e a inserção da identidade indígens na criação de novas práticas de comunicação cultural. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BANHOS,J. Carta Tuxáua, 2010. Disponível em:<http://www.culturainfancia.com.br/portal/ index.phpoption=com_content&view=article&id=1591&Itemid=262> Acesso em 10 jul 2011. BANNERS DA APARELHAGEM TUXAUA. Download dos banners da Aparelhagem Tuxaua. Disponível em <http://www.google.com.br/imagens/tuxaua>. Acesso em 08 jul 2011. BANNERS DAS EQUIPES. Download dos banners das equipes. Disponível em <http://www.4shared.com/all-images/tqwxmtZX/Banner_de_Equipes.html>. Acesso em 08 jul 2011. “Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA BHABHA, H. 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