Espaços de Uso Comunitário em Programas Habitacionais no Rio de Janeiro: entre o Discurso e a Prática Alice de Barros Horizonte Brasileiro Dissertação apresentada à Coordenação do Mestrado em Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para obtenção do Grau de Mestre em Arquitetura (M.Sc.) Aprovada por: Prof. Cristiane Rose de Siqueira Duarte, Dr. – Orientadora FAU/UFRJ Prof. Nabil Georges Bonduki , Dr. – EESC/USP Prof. Mauro César Oliveira Santos, Dr. – FAU/UFRJ iii BRASILEIRO, Alice de Barros Horizonte Espaços de Uso Comunitário em Programas Habitacionais no Rio de Janeiro: entre o Discurso e a Prática. (Rio de Janeiro) 2000. xiv, 161 p., 29,7 cm (FAU/UFRJ, M.Sc. Racionalização da Construção). Dissertação – Universidade Federal do Rio de Janeiro, FAU. 1. Política Habitacional. 2. Urbanização. comunitário. I. FAU/UFRJ. II. Título (série) 3. Espaços de uso iv A meu pai, cujas lições de vida foram fundamentais para que eu chegasse até à realização desse trabalho E à vida, que me ensinou a amar de uma maneira melhor v “A habitação não pode ser concebida como mero abrigo, pois ela representa a porta de entrada dos serviços urbanos (…)” Maria Ozanira Silva e Silva Política Habitacional Brasileira: Verso e Reverso “(…) well you’ve cracked the sky, scrapers fill the air, But will you keep on building higher ‘til there’s No more room up there (…) I know we’ve come a long way, we’re changing day to day(…) But tell me , where d’ th’ ch’ldr’n play?” Cat Stevens Where do the children play? vi AGRADECIMENTOS Numa dissertação de mestrado, tarefa normalmente longa e árdua, a seção de agradecimentos geralmente se faz necessária. No nosso caso, ela é indispensável, pelo fato de que sem a ajuda de várias pessoas este trabalho provavelmente não existiria. Assim, agradecemos a todos aqueles que de maneira direta ou indireta colaboraram com a presente pesquisa. Cristiane Rose, mais do que orientadora, há tempos é uma grande amiga e incentivadora. Neste trabalho, sua orientação sempre segura e ao mesmo tempo flexível para acompanhar minhas idéias me mostrou o caminho a ser trilhado, e me guiou por ele. Além disso, devo também à Cristiane a iniciação na pesquisa científica, ainda durante o curso de graduação. De maneira direta, os conhecimentos adquiridos ao longo dos últimos dez anos me foram muito úteis na realização da presente pesquisa. A Osvaldo Luiz, devo também a orientação científica durante a graduação, dividida com Cristiane. Sua ajuda direta na elaboração desta pesquisa foi fundamental. Acima de tudo, Osvaldo tem sido um grande amigo e incentivador, sempre disposto a compartilhar minhas dúvidas e seu equacionamento. Também devo a ele a “escolta” nas visitas a campo, o bom andamento das fotografias, ajuda na revisão final do texto e mais um grande apoio na minha carreira acadêmica, fato que facilitou o desenvolvimento deste trabalho. Aos meus amigos e colegas Adriana Muniz e Jeferson Salazar, devo a amizade e a companhia durante os créditos do mestrado, que tornou menos árdua a tarefa de cursá-los. Dividi também com eles os anseios e expectativas sobre nossas respectivas dissertações. Peter Schweizer, como professor do curso, me mostrou um novo mundo de idéias, que frutificaram neste trabalho. Peter também contribuiu com importantes conselhos e sugestões de leitura. A Nabil Bonduki, a abertura concedida para uma inspirante troca de idéias, e a paciência de receber questionamentos em e-mail’s insones. vii Aos Professores Donato Mello Júnior (in memoriam) e Olínio Coelho, por cederem precioso material ao acervo do Grupo Habitat, o qual foi de extrema utilidade na elaboração do presente trabalho. À minha amiga Francirose Soares, agradeço a possibilidade de soma de idéias nas discussões sobre política habitacional, além da cessão de originais de seus desenhos. A Luis Alberto Martins, por estar sempre alerta às informações disponíveis na internet que poderiam interessar ao meu trabalho. Adriano Paiter ajudou fornecendo material para leitura, e Rosina Trevisan colaborou respondendo minhas dúvidas sobre referências bibliográficas. Ao Grupo Pró-Acesso e à Regina Cohen, pelo providencial empréstimo de equipamento fotográfico no momento de fechamento deste trabalho. Às bolsistas do Grupo Habitat, Paula Manceira, Erika Laürsen e Patrícia Barreto, pela ajuda no fichamento e catalogação inicial das referências bibliográficas. Aos moradores de Mata Machado, por terem na equipe de profissionais da obra de sua comunidade não apenas uma arquiteta, mas uma pesquisadora curiosa, que demandou paciência e apoio. Ao Sr. Davi, vice-presidente da Associação de Moradores de Fernão Cardim, pelo fornecimento de valiosas informações. Sônia Sobroza, bibliotecária do Instituto Pereira Passos, ajudou com significativas sugestões de consulta, além acolhida sempre carinhosa em sua biblioteca. Esther Damásio e André Luis Peixoto, da Secretaria Municipal de Urbanismo, colaboraram possibilitando meu acesso ao Arquivo Geral, em Irajá, onde consegui originais dos projetos de alguns conjuntos habitacionais. Solange, Diretora do citado arquivo, sempre se posicionou em franca abertura em relação às minhas dificuldades, e fez de tudo para facilitar o andamento da pesquisa. viii A Maria da Guia, Dionísio e Luiz Alberto, funcionários do PROARQ, devo a sempre solícita colaboração em solucionar entraves administrativos e burocráticos, principalmente na finalização desta dissertação. Aos colegas do Departamento de Tecnologia da Construção da FAU/UFRJ, pelo convívio, e em especial, ao Professor Aristóteles Tarcísio, chefe do DTC, por não permitir que as minhas funções de docente se interviessem nas funções de mestranda. À Equipe 101 da 1ª fase do Favela-Bairro, pelo convite para o ingresso no projeto e na obra de Mata Machado, início de todo este trabalho. À minha mãe e à “Quininha”, além do apoio, do carinho e do estímulo, devo a paciência de conviver com uma mestranda dentro de casa. À toda minha querida família, pelo incentivo, e em especial ao “Serginho” e à Suellen, por todos os momentos de alegria proporcionados, que trouxeram paz e renovação. Ao “Da”, pelo carinho, pela atenção e pelos bons momentos compartilhados, que muito ajudaram no meu equilíbrio emocional, aliviando a ansiedade e a insegurança ao longo das etapas difíceis deste trabalho. ix ABREVIAÇÕES UTILIZADAS ACRJ AEIS Associação Comercial do Rio de Janeiro Área de Especial Interesse Social AID Agência Internacional de Desenvolvimento BID Banco Interamericano de Desenvolvimento BNH CEDAE CHISAM CODESCO COHAB CTC Banco Nacional da Habitação Companhia Estadual de Água e Esgoto Coordenação de Habitação Metropolitana do Grande Rio de Interesse Social Companhia de Habitação Popular Companhia de Transportes Coletivos Departamento Nacional de Obras e Saneamento EUCs Espaços de uso comunitário FCP FGTS FIRJAN GEAP GTR/SFH IAP’s IPLANRIO IPTU MINTER PA PCRJ Federação das Associações das Favelas do Estado da Guanabara Fundação da Casa Popular Fundo de Garantia por Tempo de Serviço Federação das Indústrias do Rio de Janeiro Grupo Executivo de Assentamentos Populares Grupo de Trabalho para Reformulação do Sistema Financeiro da Habitação Institutos de Aposentadorias e Pensões Empresa Municipal de Informática e Planejamento S.A. Imposto Predial e Territorial Urbano Ministério do Interior Projeto de Alinhamento Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro POUSO Posto de Orientação Urbanística e Social PROAP Programa de Urbanização de Assentamentos Populares PROMORAR SERFHA SERFHAU SM Programa de Erradicação de Sub-Habitação Serviço Especial de Recuperação de Favelas e Habitações AntiHigiênicas Serviço Federal de Habitação e Urbanismo Salário Mínimo SMH Secretaria Municipal de Habitação SMU Secretaria Municipal de Urbanismo SURSAN Área Companhia de Desenvolvimento das Comunidades DNOS FAFEG da Superintendência de Urbanização e Saneamento x SUMÁRIO Resumo ………………………………………………………………………….. Abstract ……………………………………………………………………….. Introdução …………………………………………………………………….. Capítulo I – CONCEITUAÇÃO ………………………………………………….. I.1 – Espaços de uso comunitário ………………………………………. I.2 – Favela …………………………………………………………….... I.3 – Urbanização ……………………………………………………..….. I.4 – Habitação ……………………………………………………..….. Capítulo II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO ATRAVÉS DA POLÍTICA HABITACIONAL BRASILEIRA …………………………………………………………… II.1 - Do final do século XIX à instauração do regime militar (1964)… II.2 - Da instauração do regime militar (1964) ao início da Nova República (1985) ……………………………………………………….… II.3 – Considerações sobre o capítulo (1ª parte)..…………………….. II.4 - Do início da Nova República (1985) ao início da política habitacional adotada pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (1993) ……………………………………………………..…. II.5 – A atual política habitacional carioca (1993 -…) …..………..…... II.5.1 – Programa Favela-Bairro ………………………………….. II.5.2 – Programa Favela-Bairro – A outra face ..……………….. II.6 – Considerações sobre o capítulo (2ª parte) ………………….…... Capítulo III - PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS…………………………………………………………….. III.1 – Promorar …………………………………………………………… III.2 – Favela-Bairro ……………………………………………………… III.3 – Considerações sobre as análises efetuadas no capítulo …….. Conclusão …………………………………………………………………….. Referências bibliográficas ………………………………………………….. xiii xiv 1 8 8 10 13 15 17 18 39 56 58 64 75 83 90 98 101 115 137 140 151 xi DESCRIÇÃO E FONTES DAS FIGURAS Nº FIG. DESCRIÇÃO E FONTE Nº PÁG. -I.1 II.1 II.2 II.3 II.4 II.5 II.6 II.7 II.8 II.9 Capa Variados espaços de uso comunitário. Fotos da autora. Capítulo I Esquema do conjunto de espaços de uso comunitário estudados no presente trabalho. Fonte: elaboração própria Capítulo II Capítulo II – Item II.1 O Conjunto Areal, em Irajá. Foto da autora. Planta Cadastral da Cidade do Rio de Janeiro, nº 261-C-IV-4, vôo de 1975. -10 22 22 O Conjunto Realengo, no bairro de mesmo nome. Fotos da autora. 23 Planta Cadastral da Cidade do Rio de Janeiro, nº 260-F-III-4, vôo de 1975. 23 Montagem sobre original de CAPELLÃO (1991), mostrando as 3 glebas de Vila Kennedy. 37 Capítulo II – Item II.4 Tabela com os dados do crescimento populacional entre 1991 e 1995. Fonte: site http://www.rio.rj.gov.br/ipp/dic/frame.htm, capturado em 16/02/00. 60 Capítulo II – Item II.5 Tabela com dados comparativos dos salários de habitantes de favelas/não favelas. Fonte: “Uma cidade e dois mundos”, Jornal do Brasil, caderno Cidade, página 31, 27/03/97. 65 Capítulo II – Item II.5.2 Divisa da favela Mata Machado com um terreno de propriedade privada. Fonte: PROSPEC S.A., para a Prefeitura do Rio de Janeiro, cedida à Equipe 101, projetista de Mata Machado para o Programa Favela-Bairro. 85 Capítulo II – Item II.6 Rio Faria Timbó antes das obras do Programa Favela-Bairro. Fonte: Programa Favela-Bairro - Integração de Favelas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. [Edição Inglês/Português]. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Secretaria Municipal de Habitação. IPLANRIO, 1996, página 24. 93 xii II.10 Rio Faria Timbó após as obras do Programa Favela-Bairro. Foto da autora. 93 95 II.11 O grande movimento de pessoas nas vésperas da inauguração da obra na favela Mata Machado. Fotos da autora e de O. Silva. Capítulo III Capítulo III – Item III.1 III.1 Palafitas da favela da Maré. Foto de J. L. Oliveira, publicada na capa da revista “Interior” (revista do MINTER) – ano VII – n.º 39 – julho/agosto 1981. 102 III.2 Ministro Mário Andreazza e Prefeito Israel Klabin, entre outros, em visita às obras do Promorar no Rio de Janeiro. Fonte: Jornal O Globo, 15/06/79, página 7. 103 III.3 Ministro Mário Andreazza e Governador Chagas Freitas na assinatura do protocolo que criou o grupo de trabalho encarregado de elaborar o Projeto Rio. Fonte: Jornal O Globo, 16/06/79, página 15. 108 III.4 Anúncio do BNH sobre o Projeto Rio, mostrando os nomes dos moradores que receberam os primeiros títulos de propriedade do Projeto Rio. Fonte: Jornal do Brasil, 11/06/81, página 5. 112 III.5 Quadro comparativo entre as metas realizada e as não realizadas no Projeto Rio. Fonte: adaptado de L. P. Valladares, 1988. 113 Capítulo III – Item III.2 III.6 Tabela com os itens do projeto urbanístico de Mata Machado. Fonte: elaboração própria. 123 III.7 O projeto urbanístico de Mata Machado. Fonte: modificado de Soares, 1999. 124 III.8 Perspectiva ilustrativa do Complexo Esportivo e de Lazer. Fonte: original de C. R. Duarte, 1996. 125 III.9 Desmonte da pedra encontrada no subsolo da praça principal em Mata Machado. Fotos da autora. III.10 Vista aérea de Mata Machado. Foto de O. Silva. III.11 Esquema da integração praça/rio, em Mata Machado. Fonte: modificado de Equipe 101, 1995. 127 130 133 xiii RESUMO presente estudo trata dos espaços de uso comunitário em programas de habitação de interesse social. Entende-se que tais espaços, enquanto elementos integradores de diferentes camadas sociais, revestem-se de extrema importância em programas da citada natureza, representando o locus onde as relações sociais se dão. O Pela análise de vários programas habitacionais brasileiros existentes desde meados do século XX, vê-se que o discurso e a prática do fornecimento de espaços de uso comunitário em políticas habitacionais se comportam de maneiras distintas. Em determinadas épocas, existe uma correspondência entre eles, mas na maioria, não. O objetivo do presente trabalho é entender como funciona essa dicotomia, e chegar às suas possíveis razões. A partir de alguns conceitos já estabelecidos de espaço de uso comunitário, favela, urbanização e habitação, chegou-se à definição daqueles que seriam utilizados nesta dissertação, como forma de embasar teoricamente a análise. Através do estudo e da análise do comportamento das diversas políticas habitacionais adotadas no Rio de Janeiro e, mais especificamente, do Promorar e do Favela-Bairro, no que tange o fornecimento de espaços de uso comunitário, chegou-se ao entendimento de que realmente há uma distância entre o discurso e a prática na produção desses espaços. Dentre os motivos para a existência desse distanciamento, temse a pouca interatividade entre as diferentes esferas do governo, prioridades, interesses políticos e razões eleitorais. Conclui-se, finalmente, que o poder público utiliza o espaço de uso comunitário no discurso de uma política habitacional como um símbolo de melhoria de qualidade de vida, nem sempre concretizado, e mesmo quando o é, não corresponde ao discurso divulgado. Dessa forma, o que é anunciado é, na realidade, um elemento abstrato, sem comprometimento com a prática. xiv ABSTRACT T he present study is about the community use space in social interest’s housing programs. It’s understood that such spaces, as elements which integrate different social layers, have extreme importance, representing the locus where the social relationships happen. By the analysis of several brazilian housing programs, existent from the middles of the century XX till now, it can be seen that the speech and the practice of the supplying of community use space in the housing policy of the governments behave in different ways. Sometimes, a correspondence exists betwen them, but in most of the situations, it doesn’t. The main objective of the present work is to understand how that gap happens, and finding its possible reasons. Starting from some concepts already established of community use space, slum, urbanization and housing, it was reached to the definition of those which would be used in this dissertation, to form the theoric bases of the analysis. Through the study and the analysis of the behavior of some housing politics adopted in Rio de Janeiro and, more specifically, the Promorar and the Favela-Bairro, in what concerns the supplying of community use space, it is understood that there is, really, a distance between the speech and the practice in the production of those spaces. Among the reasons for the existence of that distance, it can be told about the little interactivity in the government's different spheres, priorities, political interests and electoral reasons. In the conclusion, is established that the Government uses the community use space in the speech of a housing politics as a symbol of improvement of life quality, not always accomplished, and even when it is done, it doesn't correspond to the disclosed speech. In that way, what is announced, it is, in fact, an abstract element without pledge with the practice. INTRODUÇÃO A través da compreensão de que a habitação social não se resume ao “objeto casa” mas envolve uma série de outros espaços que se articulam com o ato de Morar, este trabalho procurará trazer discussões acerca do fornecimento de Espaços de Uso Comunitário (EUCs) pelo poder público. Pretendemos fazer um balanço do fornecimento desses espaços ao longo da história da política habitacional do Rio de Janeiro, e apresentar, para efeito de averiguação sobre as condições em que ocorrem uma dicotomia entre o discurso e a prática da execução dos EUCs, uma análise de dois programas habitacionais distintos: o Projeto Rio (do PROMORAR) e o FavelaBairro. Nosso interesse por essa questão já é antigo, tendo surgido ainda durante o curso de Graduação em Arquitetura. Nessa época, ao participar de uma pesquisa científica1 entre os anos de 1989 e 1991, sob a orientação dos professores Cristiane Rose Duarte e Osvaldo Silva, do Grupo de Pesquisas Habitação (atual Grupo Habitat), que versava sobre as modificações ocorridas em conjuntos habitacionais, tivemos acesso a um forte embasamento teórico sobre habitação e políticas habitacionais, bagagem essa que trazemos até hoje conosco. Desde então, passamos a compreender que o conceito de habitação não se resume somente à casa, e defendemos que as habitações de interesse social deveriam ser fornecidas juntamente com os EUCs. “Morar” não se resume ao ato de dormir, comer etc., mas traz consigo as importantes funções de conviver, se relacionar, praticar esportes, contemplar espaços mais amplos, brincar, entre muitas outras ações necessárias à manutenção de uma vida psico e fisicamente sadia. Portanto, entendemos que quando um programa habitacional se propõe a 1 Enquanto bolsista de Iniciação Científica do CNPq. INTRODUÇÃO 2 oferecer “habitação” para uma determinada camada social, ele deveria estar fornecendo também os EUCs. A leitura de diversos autores debruçados sobre a questão habitacional nos mostrou que esse conceito já está relativamente sedimentado em várias correntes da produção intelectual da área, o que serviu para que consolidássemos mais ainda o raciocínio. Corroborando essa idéia, víamos, ainda no passado, nos anúncios dos programas habitacionais, que esses espaços eram um elemento sempre presente nos ideários que embasavam várias propostas de implantação de programas de interesse social. No entanto, na prática, nos deparávamos com uma realidade diferente. Conjuntos e mais conjuntos habitacionais eram produzidos sem que houvesse EUCs para a população diretamente beneficiada. A partir dessa constatação, alguns questionamentos começaram a surgir… Qual seriam os motivos que levariam os programas habitacionais, cujos projetos anunciavam com tanta ênfase a presença de EUCs, a serem, na prática, executados apenas a partir do provimento de unidades habitacionais? Até que ponto a tão gasta “falta de verbas” era realmente responsável por uma concretização diferente do discurso proferido? Haveria falta de planejamento, de forma que os orçamentos sempre “estourassem” antes do tempo? Em caso afirmativo, porque eles sempre estourariam no momento da execução dos EUCs, e não das unidades habitacionais? Ou então, será que a visão teria se direcionado para uma consideração de que a população não estaria precisando de espaços de uso comunitário? Mas, se assim o fosse, por quê são encontrados conjuntos habitacionais que originalmente não possuíam EUCs, e anos depois, mediante solicitações e apelos da população, tais espaços foram sendo implementados paulatinamente? Tais questionamentos permaneceram em nosso pensamento, aguardando uma oportunidade para serem respondidos. INTRODUÇÃO 3 Ocasionalmente, a referida oportunidade começou a surgir no ano de 1995, quando fomos convidados por uma equipe de arquitetos a participar do projeto de urbanização da favela Mata Machado, no âmbito do Programa Favela-Bairro. Terminada a fase inicial, contrariamente ao que pensávamos, nosso envolvimento com o programa não terminou, e se prolongou por mais de quatro anos. Foram necessários vários serviços de consultoria, através de aditivos ao projeto, detalhamento do projeto, acompanhamento das obras etc.2 Já tínhamos uma noção, como dito anteriormente, que nem sempre a prática correspondia ao discurso numa política habitacional. Quando o Favela-Bairro em Mata Machado começou a se materializar, através das obras, fomos constatando que, de uma certa forma, estava acontecendo novamente o mesmo processo de “abandono” das propostas de criação de EUCs. Durante o projeto, vários espaços de uso comunitário haviam sido previstos e, no entanto, no decorrer da obra, ficamos perplexos em vê-los, um a um, sendo eliminados do projeto. Naquele tempo, como já estava sendo vislumbrada a possibilidade de complementação da obra numa fase posterior, havia a esperança de vê-los executados nessa segunda fase, o que hoje em dia, mesmo com esta ainda em curso, sabemos que não irá acontecer, dado que a Prefeitura não autorizou sequer o detalhamento do projeto daquelas áreas. Além disso, funcionários internos do município substituiriam a presença dos projetistas na obra, sobre a qual estes não possuem mais nenhum poder de decisão. Como estávamos acompanhando de perto todo o processo, entendemos então que a questão da inserção dos espaços de uso comunitário está sendo vista sob outra ótica, sem a garantia de que eles serão implementados como foram projetados. 2 Quando a equipe original de projetistas foi obrigada a se subdividir, em razão de envolvimento com outros projetos, nosso trabalho aumentou, sendo compartilhado com apenas um integrante da equipe original. INTRODUÇÃO 4 Entendíamos que o Favela-Bairro é representante de uma política habitacional que começou de maneira inovadora, baseando-se na urbanização/integração das favelas à cidade. Foram contratados escritórios de arquitetura particulares para projetarem as intervenções nas favelas, e esse aspecto, dentre outros, havia nos despertado um enorme entusiasmo. Em relação a políticas do passado, os objetivos eram diferentes, a maneira de colocá-la em prática também… Assim, nos questionamos por quais razões essa nova política habitacional, apesar de ter características bem distintas das anteriores, ainda estaria incorrendo nas mesmas atitudes dos programas do passado? Voltamos a nos perguntar, dessa vez sobre o Favela-Bairro, por quais razões os EUCs anunciados no discurso não eram concretizados na prática. Por outro lado, surgiu também um novo questionamento: haveria de fato uma ruptura, uma dicotomia entre discurso e prática, ou estaríamos lidando apenas com coincidências? Avaliando então outras comunidades do programa, começamos a perceber que o fato se repetia, e que os EUCs que eram anunciados no discurso não eram os mesmos que os executados, eram elementos diferentes. Os espaços colocados no discurso representavam ideais de liberdade, símbolos de melhoria de qualidade de vida, e os que eram executados não necessariamente transferiam esses elementos para as populações beneficiadas. Intrigados com essas questões, demos início a nossa pesquisa propriamente dita. Cabe lembrar que no ano das obras na favela Mata Machado (1996), ingressamos no corpo docente da FAU/UFRJ, e posteriormente, seguimos para o curso de Mestrado em Arquitetura, e já em mente, essas indagações a serem trabalhadas na dissertação. Dessa forma, procuramos primeiramente, verificar realmente a existência da referida dicotomia, e posteriormente, entender as razões para INTRODUÇÃO 5 o distanciamento entre discurso e prática no fornecimento de espaços de uso comunitário no âmbito das políticas habitacionais cariocas. Para a elaboração deste trabalho, foi necessário o estabelecimento de alguns conceitos, dentre eles, obviamente, o que diz respeito aos espaços de uso comunitário. Assim, no Capítulo I serão delineados quatro conceitos necessários para fundamentar o desenvolvimento da dissertação, embasados nos trabalhos BONDUKI, SILVA e SILVA, DAMATTA, KLEIMAN, SANTOS, DUARTE, LANGSTEN, CAVALLIERI, LEEDS & LEEDS, PERLMAN e VALLADARES, entre outros. São eles: espaços de uso comunitário, favela, urbanização e habitação. Além disso, fomos buscar, ao longo da política habitacional brasileira – e especificamente da carioca, o comportamento do poder público em relação ao fornecimento de EUCs. Procuraremos analisar ao longo da história, se realmente teria havido uma ruptura entre discurso e prática. Para tanto, elegemos dois programas habitacionais, por razões explicadas no corpo do trabalho, para efetuarmos uma análise e tentarmos descobrir as possíveis causas para o referido distanciamento. No Capítulo II, procederemos a uma leitura da história da política habitacional, principalmente a do município do Rio de Janeiro, onde pretendemos enfocar o fornecimento dos EUCs ao longo dos diversos programas habitacionais estudados, procurando confrontar seu discurso e sua prática. Para esta etapa, serão utilizadas, além da pesquisa bibliográfica, entrevistas (concedidas a nós ou a terceiros) com autores e pessoas relacionadas ao tema e algumas visitas a favelas e conjuntos habitacionais. Além disso, a nossa prática no projeto e nas obras de Mata Machado nos permitiu adquirir um conhecimento sobre o Programa FavelaBairro que até o presente momento, não se encontra registrado em nenhuma fonte bibliográfica. O fato de ter vivido o dia-a-dia e os problemas do programa se constituiu numa experiência extremamente enriquecedora, INTRODUÇÃO 6 que em muito contribuiu não só para a elaboração das bases que serão desenvolvidas no Capítulo II mas do trabalho como um todo. Para melhor entendimento do processo histórico, o Capítulo II será subdividido em quatro recortes temporais. A primeira parte se estende desde o início do século até a criação do BNH; a segunda se estabelece durante o regime militar, terminando na Nova República; a terceira, da Nova República ao início da atual política habitacional da cidade do Rio de Janeiro; e finalmente, a quarta, o trajeto da atual política habitacional carioca, até os dias que datam o tempo de finalização da presente dissertação, no fim de 1999. No Capítulo III, serão analisados dois programas habitacionais do Rio de Janeiro, tendo como objeto central de análise a dicotomia entre as propostas de projeto e a execução de EUCs. Os programas escolhidos foram o Projeto Rio, no âmbito do PROMORAR, e o Favela-Bairro. Alguns indicadores e elementos comuns entre esses dois programas nos permitirão efetuar uma comparação relativa entre ambos. Para a formulação desta análise, nos utilizaremos mais uma vez de um corpo teórico definido, além das entrevistas, das visitas a campo e da experiência já adquirida no Favela-Bairro, além daquela adquirida durante a pesquisa sobre a Vila Pinheiros (PROMORAR)3. Na realidade, o fato de já haver convivido mais proximamente com esses dois programas nos permitiu ter mais familiaridade com os fatos estudados, ajudando-nos a efetuar a análise. Finalmente, na Conclusão, tentaremos mostrar que, além de ter sido verificada a existência da dicotomia entre o discurso e a prática no fornecimento de espaços de uso comunitário, ela existe devido a fatores predominantemente políticos, derivados do (des)entendimento entre as várias esferas governamentais e dos interesses eleitorais. 3 Vila Pinheiros, conjunto habitacional efetuado no âmbito do Projeto Rio (PROMORAR), foi um dos bairros analisados na pesquisa efetuada durante o curso de graduação. INTRODUÇÃO 7 Será visto, ainda, ao longo do trabalho, que de uma certa forma, a história da política habitacional acompanhou a trajetória da política brasileira como um todo: a preocupação com EUCs no Estado Novo de Vargas, regime paternalista com a atenção ao homem social; a produção em massa de unidades habitacionais (espaços privados) durante o regime militar; e a adoção de práticas alternativas como a autoconstrução e a urbanização, mais flexíveis, durante a Nova República, após a anistia e a abertura política. Acreditamos que, com o presente trabalho, estaremos coletando subsídios para enriquecer o debate na criação de futuras políticas habitacionais. Tendo em vista o decrescente nível da qualidade de vida da população carente não apenas no Rio de Janeiro, mas no Brasil como um todo, acreditamos que por mais estudos que já existam nessa área, eles ainda não foram suficientes para gerar uma mentalidade mais preocupada com as condições de habitabilidade e convívio, por parte do Poder Público. Não é nossa intenção esgotar o tema, nem tão pouco fazer desta pesquisa a “definitiva” sobre a questão habitacional. Nosso intuito é poder participar e contribuir de alguma forma com parâmetros qualitativos para o equacionamento de um dos problemas mais sérios que o Brasil possui. Capítulo I CONCEITUAÇÃO N este capitulo serão conceituados quatro elementos considerados de fundamental importância para o perfeito entendimento deste trabalho. São eles espaços de uso comunitário, favelas, urbanização e habitação. Tais conceitos darão embasamento ao raciocínio estabelecido na discussão da pesquisa, sobre o quê exatamente estará sendo dito ao ser mencionado o termo espaço de uso comunitário. Além disso, o objetivo de se conceituar favela é a delimitação de um amplo universo possível de definições, e o termo urbanização, o estabelecimento de o quê, neste trabalho, será considerado oposto à remoção de favelas. I.1) ESPAÇO DE USO COMUNITÁRIO Especificamente, o objetivo de conceituarmos espaço de uso comunitário reside no fato de que será este elemento o protagonista deste trabalho. Se iremos analisar a dicotomia entre discurso e prática no fornecimento desses espaços, que são de uso público, cabe-nos aqui definir e conceituar exatamente o que está sendo dito ao mencionar espaços de uso comunitário, espaço público e mais, espaço privado também, para a elaboração do devido contraponto. De uma forma resumida, consideraremos que o espaço privado possui um proprietário, efetivamente, que faz questão de demarcar o seu território pessoal, como pode ser visto em FISCHER (1994), SANTOS (1985) e DA MATTA (1987); e espaço público, o espaço que pertence ao Estado, à coletividade, da mesma maneira já estabelecida por SANTOS (1985) e DA MATTA (1979 e 1987). CAPÍTULO I - CONCEITUAÇÃO 9 Já o termo espaço de uso comunitário será utilizado, nesta dissertação, com sentido amplo, abrangendo outros itens que não o espaço físico propriamente dito. Os equipamentos urbanos comunitários, localizados em espaços que são públicos, serão da mesma forma considerados públicos neste trabalho. O espaço de uso comunitário será compreendido como o conjunto de espaços que complementam o objeto “casa”, pois junto com ela, formam o locus que se constitui na base do ato de HABITAR (seja em pequena escala, como num conjunto habitacional, seja numa escala maior, como a própria cidade). Nesta categoria de espaço de uso comunitário são incluídos, além dos equipamentos urbanos funcionais como sinais de trânsito, caixas de correio, frades etc., as praças e todos os seus brinquedos, bancos, ciclovias, locais para jogos, espaços de lazer contemplativo etc. São os espaços de uso comunitário destinados ao LAZER. Também tem-se os destinados à EDUCAÇÃO, que são as creches e as escolas. Os de SAÚDE são basicamente os postos de saúde e os hospitais. Temse também os da categoria ACESSOS, que seriam a abertura, implantação e pavimentação de vias, além do atendimento de uma rede de transportes que beneficie a comunidade. Segundo KLEIMAN1, “para uma máquina de lavar funcionar, é necessário rede de água, rede de esgoto e rede de energia elétrica”. Além disso, acrescenta-se que é necessário também uma rua com condições de tráfego para o caminhão de entregas da máquina chegar pelo menos próximo à casa que irá recebê-la. O item acessos traz consigo os itens coleta de lixo e limpeza urbana, e serviços essenciais como bombeiros, ambulâncias e carros funerários. Assim, no presente trabalho, o termo COMUNITÁRIO ESPAÇO DE USO será então adotado para exprimir todos os espaços públicos 1 Palestra proferida por Mauro Kleiman no Seminário de Avaliação do Programa FavelaBairro, no Sindicato dos Arquitetos do Rio de Janeiro, em 25/10/97. CAPÍTULO I - CONCEITUAÇÃO 10 que complementam e se articulam com o Morar e seus equipamentos urbanos de uso comunitário, incluindo-se também os serviços que garantem a manutenção dos dois primeiros, tais como limpeza urbana e conservação, como pode ser visto no esquema abaixo: Figura I.1 – Esquema do conjunto de espaços de uso comunitário estudados no presente trabalho. Figura I.1 – Esquema do conjunto de espaços de uso comunitário estudados no presente trabalho. I.2) FAVELA A favela, da mesma maneira que os espaços de uso comunitário, também será um protagonista deste trabalho. Na verdade, ela é um dos suportes espaciais das análises apresentadas nesse trabalho. Assim, como palco das ações dos atores sociais e públicos enfocados nesta dissertação, precisa aqui ser conceituada. Vários autores e órgãos governamentais apresentam conceitos do termo favela: Entre eles, podemos citar DUARTE (2000), GRABOIS (1973), FUNDAÇÃO LEÃO XIII (1962), LANGSTEN (1973), PERLMAN (1977), PREFEITURA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO (1995), SECRETARIA DO BEM ESTAR SOCIAL (1971), SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO (1983) e VALLADARES (1978). CAPÍTULO I - CONCEITUAÇÃO 11 A Fundação Leão XIII, por exemplo, considera que favelas são “Concentrações de casebre, erguidos em terrenos geralmente de propriedade de terceiros, sem arruamento, insalubres e de tal forma emaranhados que, na maioria dos casos, não oferecem condições para que se façam melhoramentos. Caracterizam-nas a promiscuidade, a enfermidade, a falta de higiene, a desorganização familiar, a mortalidade infantil, a criminalidade, etc.”(FUNDAÇÃO LEÃO XIII, 1962:4) Duarte considera que, “numa conceituação generalizante, podese dizer que as favelas são aglomerados de casas auto-construídas em invasões ilegais de terrenos públicos ou privados, geralmente não dotados de infra-estrutura urbana.” (DUARTE, 2000:01) Já Langsten caracteriza a favela como “qualquer área que apresente uma das seguintes condições: um aglomerado de construções rústicas (i.e., casas construídas com materiais precários); desprovidas de serviços urbanos tais como luz, água, esgoto; sem arruamento regular ou numeração nas casas; e construídas em terrenos dos quais os residentes não possuem título legal. Em última instância, esse último item, o problema da posse da terra é o mais importante. Mesmo os estabelecimentos de invasores bem desenvolvidos encontram-se sob ameaça de despejo, ao passo que habitações ainda mais precárias, mas para as quais há segurança de posse do terreno, são rarissimamente perturbadas.” (LANGSTEN, 1973:38). Nos três exemplos citados acima, temos indicadores precisos do que seja uma favela. Podemos agrupá-los em dois grupos, sendo o primeiro composto unicamente pela definição da Fundação Leão XIII e o segundo pelas definições de Duarte e Langsten. Por apresentarem enfoques diferentes, tais definições podem ser agrupadas pelas semelhanças de seus significados. A definição da Fundação Leão XIII traz uma visão de certa forma depreciativa à questão. Ela considera que a favela também pode ser CAPÍTULO I - CONCEITUAÇÃO 12 caracterizada pela “promiscuidade, a enfermidade, a falta de higiene, a desorganização familiar, a mortalidade infantil, a criminalidade, etc.”. Compreendemos, contudo, que esta visão higienista estava relacionada diretamente com a sua época, 1962, cujo contexto não cabe explorar aqui. Essa noção de caos se tornou popular, e hoje podemos ouvir a expressão “isso aqui está uma favela!”, simplesmente para fazer referência a uma sala desarrumada. Já no segundo grupo, Duarte definiu de forma mais precisa do que se tratam os “casebres” ou as construções “rústicas”, encontradas nas outras definições: casas “auto-construídas”. Esse elemento, salvo raríssimas exceções, pode ser um dos responsáveis pela má qualidade projetual e construtiva das casas em favelas, considerando-se a falta de conhecimento técnico daqueles que as constróem. Langsten, ao colocar várias possibilidades para que uma área seja considerada favela, abriu o seu leque de visões. Ao mencionar “...desprovidas de serviços urbanos tais como (...) esgoto e arruamento regular...” , podemos nos lembrar das casas de classe média alta localizadas, por exemplo, no bairro Recreio dos Bandeirantes, Rio de Janeiro, onde encontramos residências de alto padrão construtivo situadas justamente numa área onde a grande maioria das ruas não possui qualquer tipo de calçamento e muito menos rede de esgotamento sanitário. Seria o Recreio dos Bandeirantes uma favela então? Acreditamos que não. Langsten fixou, contudo, um parâmetro mais importante do que os outros: o título legal da propriedade. Com efeito, esse indicador se encontra presente em todas as definições dos outros autores relacionados acima. Além disso, há de se pensar que as dúvidas de definição pelas duas políticas habitacionais estudadas nesse trabalho (remoção ou urbanização), ocorridas várias vezes em várias gestões políticas, existiram basicamente porque a população atingida não possuía o título legal da propriedade. Outrossim, seria impraticável montar uma remoção. Da mesma forma, se por acaso residências legais da cidade se encontram numa área sem serviços públicos, sem infra-estrutura urbana (sem a urbanização da qual trataremos no próximo item), não há questionamentos CAPÍTULO I - CONCEITUAÇÃO 13 sobre a necessidade e validade da urbanização. Ela pode até ser postergada por vários fatores, desde a falta de organização dos moradores à falta de verba, mas dificilmente terá a sua necessidade questionada. Dessa maneira, o que entendemos como favela no presente trabalho é um conjunto de moradias auto-construídas geralmente em local de propriedade alheia, sem oficialização da propriedade e basicamente ocupado por populações de baixa renda, cujas construções fogem muitas vezes aos padrões recomendados em normas construtivas vigentes e apresentam, em grande número, baixas condições de habitabilidade. Normalmente, esses aglomerados não possuem infra-estrutura urbana formal, sendo mais comum a infra-estrutura informal. I.3) URBANIZAÇÃO Dos diversos significados empregados para o termo urbanização, dois são mais usuais: o que se opõe ao conceito de ruralização e o que fala de dotar um local de infra-estrutura urbana, advindos respectivamente das ciências sociais e das aplicadas. Portanto, acreditamos ser necessária a delimitação conceitual do termo, para definição daquele que será utilizado ao longo deste trabalho. O termo urbanização é muitas vezes utilizado como sendo a ação oposta à remoção, no tratamento das favelas. A remoção promove a retirada da população favelada de seus barracos, a demolição destes e o deslocamento da população para moradias construídas pelo Estado, em outro local. Já a urbanização mantém a população na favela, dotando-a de alguns serviços, conforme será visto mais adiante. Acreditamos que os conceitos de urbanização que versam sobre o provimento de serviços e infra-estrutura urbana como abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem de águas pluviais, coleta regular de lixo, além de equipamentos como escolas, comércio e postos tratamento médico, estejam em maior consonância com os que adotaremos neste trabalho. Estes CAPÍTULO I - CONCEITUAÇÃO 14 conceitos podem ser comparados à definição de CAVALLIERI (1986), que trata esta urbanização como urbanização global, aquela que interfere em todos os setores da favela: “A urbanização global de uma favela pressupõe um ataque em massa a todos os seus setores, implantando os mais diversos serviços públicos, alterando a estrutura espacial existente, promovendo remanejamentos de edificações, retificações de vias, etc. A urbanização dita setorial incide primeiro nos aspectos mais críticos, considerados prioritários pela população, de modo a produzir efeitos sensíveis a curto prazo, que podem ser complementados por outros em momentos posteriores.” (CAVALLIERI in IPLANRIO, 1986: 33). A urbanização setorial a qual Cavallieri se refere é muitas vezes o princípio de uma urbanização global apenas teoricamente. Várias favelas são ditas “urbanizadas” apenas com o provimento da infra-estrutura básica (água, esgoto e drenagem), o que, de qualquer maneira, é realmente o básico de uma urbanização. No entanto, para VALLADARES, a urbanização se resume praticamente à infra-estrutura básica: “Urbanizar a favela significaria dotá-la com um infra-estrutura básica (água, luz, esgotos, viária, etc.), reformar ou reconstruir as casas por meio de financiamentos individuais, lotear e vender os terrenos para cada família, a partir de uma estrutura já existente” (VALLADARES, 1978: 112). Já outros autores se referem à urbanização como a ação de prover infra-estrutura e serviços: LEEDS & LEEDS, no sentido espanhol e português: “...fornecimento de serviços urbanos e infra-estrutura para uma área da cidade” (LEEDS e LEEDS, 1978:188). PERLMAN, no sentido latino-americano: “...prover serviços e infra-estrutura urbana – principalmente água, eletricidade, drenagem, esgotos e pavimentação, quando necessário” (PERLMAN, 1977:44). FUNDAÇÃO Leão XIII: “...saneamento físico-ambiental (zoneamento, construção ou melhoramento de vias para veículos ou pedestres, esgoto, água, etc.). Alia-se à propiciação de serviços comunais CAPÍTULO I - CONCEITUAÇÃO 15 (escola, mercado, centro de saúde, igreja, parques, etc.), caso não existam ou sejam insuficientes na área” (FUNDAÇÃO Leão XIII, 1962: 20) Temos em síntese, dois grupos de significados para urbanização: o primeiro, que coloca o fenômeno da urbanização em contraponto ao meio rural; e o segundo, que de uma maneira geral, coloca a urbanização como provimento de infra-estrutura e serviços. Este último será o adotado por nós como definição de urbanização neste trabalho. I.4) HABITAÇÃO Neste trabalho, a habitação será tratada no seu sentido mais amplo, extrapolando os limites das paredes externas da edificação tida como casa. Segundo BONDUKI (1998), os Institutos de Aposentadorias e Pensões, ainda na década de 40, já trabalhavam com esse conceito ampliado do termo habitação: “As diretrizes do IAPI seguiam de modo rigoroso a visão de que habitação não é só a moradia: (...) Elas previam a criação, junto à moradia, de escolas, creches, serviços de assistência médica, centros comerciais, espaços livres, campos de esportes, estações de tratamento de esgoto etc., além do reforço das redes de abastecimento de água.” (BONDUKI, 1998:157) Da mesma forma, SILVA e SILVA também entende que a habitação possui uma conexão direta com outros elementos que não apenas o objeto “casa”: “A habitação não pode ser concebida como mero abrigo, pois ela representa a porta de entrada dos serviços urbanos” (SILVA e SILVA, 1989:30). De acordo com os supracitados autores, sustentamos que o ato de “Habitar” transcende as funções desempenhadas no interior da casa. Portanto, em nosso entender, a habitação deve ser compreendida como o espaço que permite que o ser humano desempenhe todas as funções inerentes ao ato de morar. Dessa maneira, um grupamento de casas que não CAPÍTULO I - CONCEITUAÇÃO 16 possua espaços de uso comunitário não terá condições físicas para permitir a integração social e cultural entre seus próprios habitantes e também com os do entorno. Com efeito, poderemos imaginar que uma cidade constituída apenas de espaços privados se torna uma cidade inóspita, fechada em si mesma, sem a qualidade de vida trazida pelo encontro entre as pessoas e pelo lazer, somados ao atendimento escolar e de saúde, além de outros serviços. Nesse sentido, os espaços de uso comunitário, já conceituados anteriormente, representam um ponto fundamental na integração de diferentes camadas sociais e na melhoria da qualidade de vida. Eles são locais de troca, de relacionamento, onde a cidade se transforma numa cidade não segregadora, de inter-relacionamentos pessoais, elementos que permitem o crescimento humano e o seu bem estar psico e físico. Desta forma, ao fornecer habitações, principalmente em programas de interesse social, o Poder Público não deveria se restringir apenas a construir casas, compreendidas aqui como um teto que sirva de abrigo para as funções de dormir e comer, dentre outras. Sustentamos que, ao fornecer espaços de uso comunitário integrados ao objeto “casa”, o Poder Público estaria fornecendo a Habitação, em seu sentido pleno, sem estar, como tantos querem fazer crer, gastando mais verbas para tanto, principalmente se levarmos em conta o “ganho social” resultante do uso desses espaços. Assim, de uma forma resumida, defendemos que Habitação deva ser designada não somente como objeto “casa”, mas também como o conjunto formado por moradia e serviços urbanos necessários ao seu funcionamento como tal, somados aos espaços de uso comunitário, elementos integradores de diferentes camadas sociais e indispensáveis para a boa qualidade de vida dos habitantes de uma cidade. Capítulo II ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO ATRAVÉS DA POLÍTICA HABITACIONAL BRASILEIRA A o iniciar essa análise, nos deparamos com uma intrigante questão: É sabido, pelos registros existentes5, que desde a primeira iniciativa oficial por parte do governo em relação ao déficit habitacional (os IAP's) já havia o conceito estabelecido de que habitação não se resumia apenas ao objeto “casa” 6. Apesar da existência desse conceito, adotado pelo discurso governamental de várias e diferentes épocas, na prática ele nem sempre se concretizava. Portanto, se já havia o conceito estabelecido, o quê poderia fazer o Poder Público anunciar a produção de espaços de uso comunitário (EUCs) em habitações de cunho social e nem sempre concretizá-los? Disponibilidade de espaço físico? Disponibilidade de verba? Disposição política? Interesses eleitorais? O que se tentará mostrar, neste trabalho, é que vários fatores determinaram a implantação ou não de EUCs ao longo das diversas produções habitacionais fornecidas pelo Estado. Para tanto, será traçado aqui um histórico da política habitacional, principalmente no que diz respeito ao Rio de Janeiro, relacionando-a às posturas governamentais de fornecimento ou não de espaços de uso comunitário. O histórico será subdividido em quatro recortes temporais: 5 Como os vistos em PARISSE (1969) e BONDUKI (1998). 6 Ver, na página 15 deste trabalho, a citação de BONDUKI (1998) sobre os IAP's. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 18 • Do início do século XX à instauração do regime militar (1964); • Da instauração do regime militar (1964) ao início da Nova República (1985); • Do início da Nova República (1985) ao início da Política Habitacional adotada pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (1993); • Do início da Política Habitacional adotada pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (1993) aos dias atuais (1999). II.1) D O INÍCIO DO SÉCULO XX À INSTAURAÇÃO DO REGIME MILITAR A partir do início do século, a escassez de moradias irrompeu a cidade do Rio de Janeiro, como conseqüência de alguns fatores: • a abolição da escravatura, que transformou milhares de exescravos em milhares de desempregados que não tinham como pagar pela própria moradia; • a revolução industrial, que redirecionou a produção centrada no meio rural para as cidades, atraindo mão-de-obra para estas; • o incentivo para a construção de edifícios comerciais e industriais e as obras de reforma urbana postas em prática pelo Prefeito Pereira Passos. Para combater a escassez de moradias, ainda que numa tímida tentativa, a Prefeitura do Distrito Federal constrói e entrega, em 1906, o primeiro conjunto habitacional da cidade, o da Av. Salvador de Sá, com 105 unidades (BONDUKI, 1998). Contudo, após esse fato, durante anos não houve qualquer outra medida de caráter governamental no campo da habitação. Em 1930, o Decreto n.º 19.496 permite que sejam utilizados os fundos das Caixas de Aposentadorias e Pensões para a construção de casas para operários e funcionários da União, com a aprovação do Ministério do Trabalho Indústria e Comércio (FINEP/GAP, 1985). Em 1933, depois de uma mudança na política de seguro social, foram criados os Institutos de Aposentadoria e Pensões, futuros substitutos CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 19 das Caixas. A produção de moradias pelas Caixas e Institutos, até o ano de 1937, não havia ultrapassado o número de 118 imóveis, sendo que no Rio de Janeiro, foram construídos apenas 37 prédios (FINEP/GAP, 1985). A política habitacional a partir desse período foi inteiramente assumida pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (mais conhecidos como IAP’s), objetivando alcançar os empregados dos setores de indústria e comércio (SANTOS, 1997). Apesar de se caracterizar como a primeira responsabilidade do Estado sobre a questão habitacional, a política dos Institutos se mostrou pontual, atendendo somente dentro de um universo específico da população (os assalariados de determinadas categorias), e mesmo assim, de maneira clientelista e paternalista. Apesar disso, a produção habitacional dos IAP's foi a primeira iniciativa oficial em relação ao déficit habitacional, e segundo Bonduki, em seus conjuntos habitacionais havia a preocupação expressa pelos espaços de usos comunitários: “Os programas passaram a incluir uma gama variada de equipamentos coletivos, difundindo-se a concepção de que habitação não podia apenas ser a moradia individual” (BONDUKI, 1998:145). A arquitetura dos IAP’s foi muito influenciada pelo movimento modernista, com a divulgação das idéias contidas no conceito de “cidadesjardim” e outras do mesmo gênero: “Modificava-se a relação entre o público e o privado, rompendose as fronteiras que os separavam e criando-se a noção de que não se habita apenas a casa e sim um conjunto de equipamentos e serviços coletivos” (BONDUKI, 1998:148-149). CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 20 Esse era um pensamento adverso de cerca de uma década anterior, quando a grande produção habitacional do país vinha do setor privado, e se caracterizava basicamente de vilas para o setor rentista. Com exceção daquelas destinadas ao uso operário, as vilas de uma maneira geral não possuíam nenhum tipo de espaço de uso comunitário, já que não compensaria para o seu proprietário deixar de ocupar um determinado espaço com mais uma ou duas casas que lhe pagassem aluguel para ocupá-lo com outras finalidades. Na realidade, as vilas representavam fisicamente a proximidade máxima admitida entre casas naquele período, pré-Estado Novo, ainda muito influenciado pelo higienismo do início do século. A forma considerada ‘ideal’ de morar eram as casas isoladas, em centro de terreno, bem distantes morfologicamente dos ‘promíscuos’ cortiços. Esse pensamento ia ao encontro de posturas da Igreja, para quem a família “devia ser preservada da promiscuidade e dos contatos perigosos com a rua, ou seja, com o espaço público ou coletivo” (BONDUKI, 1998:149). A partir daí, pode ser deduzido que para a Igreja, a habitação ideal também seria aquela casa isolada, em centro de terreno. Mesmo não tendo aparentemente nenhuma ligação com a postura religiosa e apesar da produção dos IAP's ter marcado uma época pelo seu caráter predominantemente modernista, em várias cidades, principalmente nas pequenas e médias, essa produção foi basicamente de casas térreas, unifamiliares, da forma que foi convencional durante muito tempo. A inserção então do novo modelo de moradia, coletiva, e cercada de espaços de uso comunitário, deve-se à interferência do Estado (através da produção habitacional dos IAP's). Tinha início a mentalidade do governo paternalista e protetor, característico do Estado Novo de Getúlio Vargas, que deveria ‘conduzir’ a vida social dos cidadãos, não deixando-os expostos às vicissitudes das rodas de bar e da conversa entre bêbados. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 21 Havia um discurso de fornecer condições para o desenvolvimento de uma vida social regrada, onde houvesse “proteção e controle do trabalhador, com a criação de um espaço totalizador, onde o tempo livre era ocupado em atividades educacionais e recreativas controladas pelo Estado, que, ademais, era o locador das moradias. A imagem paternalista do Estado atingia o seu ápice” (BONDUKI, 1998:165166). Tal discurso veio fundamentado nos programas inovadores dos conjuntos, que dispunham dos EUCs. Os espaços eram projetados de maneira a propiciar que a classe operária vivesse de maneira moderna, coletivamente, de acordo com o modelo desenvolvimentista promovido pelo governo. Assim, segundo BONDUKI (1998), a origem da habitação social no Brasil foi uma articulação entre o propalado desenvolvimento nacional e o modelo de sociedade que o Estado almejava. A arquitetura e os espaços dos conjuntos habitacionais serviriam então para materializar essa articulação. Como exemplo da produção habitacional dos IAP's podem ser citados o conjunto residencial AREAL, no Rio de Janeiro (ver figuras II.1 e II.2), com 600 unidades (FINEP/GAP, 1985), e o conjunto residencial de Realengo, também no Rio de Janeiro (ver figuras II.3 e II.4), com 2344 unidades. Neste último, além das unidades residenciais, foram construídos também escola primária, creche, ambulatório médico, gabinete dentário, quadras para a prática de esportes, igreja e horto (BONDUKI, 1998). CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 22 Figura II.1 – O conjunto Areal, em Irajá, mais conhecido como “amarelinho”. Figura II.2 – Planta Cadastral da Cidade do Rio de Janeiro, mostrando a implantação do conjunto Areal, às margens da Avenida Brasil. Notar a presença de uma escola municipal e o grande espaço livre deixado entre os blocos, permeados por alguns caminhos CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 23 Figura II.3 – O conjunto Realengo, no bairro de mesmo nome. No alto, vê-se o bloco principal do conjunto. Acima, os fundos do mesmo bloco, visto a partir da praça. Figura II.4 – Planta Cadastral da Cidade do Rio de Janeiro, mostrando parte da implantação do conjunto Realengo. Em destaque na planta, o bloco principal, cujos fundos são voltados para uma grande praça, ao lado de uma escola municipal. Essa praça, hoje em dia, é o grande centro de lazer do conjunto, com quadra de esportes e vários equipamentos para brincadeiras infantis. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 24 Segundo BONDUKI7, o Realengo é um dos poucos exemplos de conjuntos que conseguiram implementar uma gama diversa EUCs, da forma como havia sido proposto no projeto inicial. Ainda, nesta mesma época, um outro órgão produziu habitações para os funcionários de baixa renda do Distrito Federal (Rio de Janeiro), e teve na sua produção arquitetônica exemplos de habitação muito semelhantes àqueles propostos pelos IAP’s (BONDUKI, 1998). É o Departamento de Habitação Popular do (então) Distrito Federal, que construiu os Conjuntos Residenciais Marquês de São Vicente e do Pedregulho, também com vários espaços de uso comunitário, em concretizações das mais representativas do movimento moderno e todo o conceito de “cidades-jardim” e “homem social” que nele vinha imbuído. Nesta fase, de produção de grandes conjuntos pelos IAP’s, o espaço de uso comunitário está presente não só no discurso, mas também na prática. Essa situação virá a ser praticamente única na história da política habitacional (carioca), como será visto neste trabalho, posto que na maior parte das vezes, a prática se mostrou bem diferente do discurso, em relação a estes espaços. Mas, naquela situação política, do Estado Novo de Vargas, interessava ao governo se mostrar paternalista e protetor, supervisionando inclusive as atividades sociais dos moradores. Por isso os EUCs foram colocados tão em evidência naquela época, em “núcleos habitacionais de inspiração moderna” (BONDUKI, 1998:164). Apesar desse fato, os EUCs nem sempre se concretizavam, e paralelo a isso, a preferência dos moradores recaía na maioria das vezes por casas isoladas, segundo BONDUKI (1998). Os IAP's atendiam a uma parcela específica da população, os assalariados de determinadas profissões. Quem não pertencesse a nenhum Instituto, e não tivesse condições para pagar aluguel, era obrigado 7 Entrevista concedida a autora, em dezembro de 1999. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 25 a morar nos cortiços, então escassos na cidade, ou nos morros, em favelas. Porém, no ano de 1937, é promulgado o Código de Obras do Distrito Federal, que se constitui no primeiro reconhecimento legal da existência de favelas e contém recomendações no sentido de limitar sua expansão e eliminá-las. Segundo SILVA e SILVA (1989), ele preconiza a “substituição dessas favelas por ‘núcleos de habitações do tipo mínimo”8, estimulando a construção de habitações populares ou “habitações proletárias”, a serem vendidas para pessoas reconhecidamente pobres. A favela, como forma alternativa de moradia, passa então a ser marginalizada, “percebida como mero problema habitacional e como uma doença social que precisaria ser extirpada” (SILVA e SILVA, 1989:38). Corroborando as medidas estabelecidas no Código de Obras, a prática de eliminar favelas foi adotada pela Prefeitura do Distrito Federal (RJ), com a criação dos Parques Proletários do Rio de Janeiro. A idéia era transferir a população favelada para os parques apenas provisoriamente, enquanto casas de alvenaria seriam construídas no lugar de seus barracos. No entanto, o que se pôde constatar é que de provisórios, os parques passaram a definitivos; a população nunca mais voltou ao seu local original de moradia, e os parques passaram posteriormente a ser considerados favelas (SECRETARIA MUNICIPAL DE PLANEJAMENTO, 1983). Foram criados três Parques: Gávea (1942), Caju (1942) e Leblon (1944). Ao final de 1943, os Parques Proletários abrigavam cerca de 8.000 pessoas (ABREU & BRONSTEIN, 1978). É interessante notar que nesta época, ainda não havia se estabelecido o pensamento de afastar os favelados do núcleo urbano, tanto que dois dos Parques Proletários se situavam na zona sul da cidade; e o do Caju, na zona norte, se encontrava em área adjacente ao centro da cidade. 8 Código de Obras de 1937, apud SILVA e SILVA, 1989:38. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 26 Nos Parques Proletários, também houve a preocupação com os EUCs. O da gávea (parque no1) continha, além de 700 habitações, “uma igreja, um posto médico, um centro de assistência social, um clube de malha [bocha] , uma escola de educação física, uma creche, um lactário e um posto policial” (PARISSE, 1969:71). Ou seja, mesmo em se tratando de habitações originalmente provisórias, o poder governamental dotou-as de EUCs, para que servissem de apoio aos moradores que para lá seriam transferidos. Cabe lembrar que neste período, ainda vigorava o Estado Novo de Vargas. Através do decreto-lei n.º 9.218 (SILVA e SILVA, 1989), assinado em 1º de maio de 1946 pelo General Dutra (mandato de 1946 a 1950), é criada a Fundação da Casa Popular (FCP). Inicialmente, seu objetivo era “proporcionar a brasileiros ou estrangeiros com mais de dez anos de residência no país ou com filhos brasileiros, a aquisição ou construção de moradia própria, em zona urbana ou rural” (FINEP/GAP, 1985:64). Mais tarde, porém, seus objetivos foram ampliados, se tornando bastante vastos, e seu campo de ação estendeu-se a todo território nacional9. Podemos entender a assinatura do decreto da FCP em 1º de maio, Dia do Trabalho, como uma reafirmação do caráter populista e paternalista que o governo federal passou a adotar desde o mandato de Getúlio Vargas. Em 1942, Getúlio impôs a Lei do Inquilinato e congelou o preço dos aluguéis no patamar onde se encontravam a 31 de dezembro de 1941. Na realidade, a Lei do Inquilinato teve um caráter bem menos social do que se imagina. Segundo Bonduki (1998), ela estava relacionada ao redirecionamento dos recursos internos - até então massivamente aplicados no setor rentista, que originava altos lucros - para o iniciante 9 A respeito dos objetivos ampliados da FCP, ver FINEP/GAP, 1985:65 e BONDUKI, 1998:123. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 27 parque industrial brasileiro. Além disso, ela também serviria para dar mais estabilidade ao regime, “contrapondo-se às idéias socialistas e comunistas” (BONDUKI, 1998:84), que se baseavam na não propriedade de bens materiais. Assim, o morador que quisesse viver em casas alugadas, sem adquirir um imóvel próprio, estava condenado a ser de esquerda. No Estado Novo, a “doutrina da casa própria” estava cada vez mais fortalecida, mas apesar disso, havia correntes que eram contra a FCP. Podemos aqui citar duas delas, estabelecidas por BONDUKI (1998): 1 – Com a maciça produção pública de moradias, gerou-se um demasiado temor entre os empresários de construção civil, de que houvesse falta de materiais de construção para o setor privado, prejudicando, assim, os lucros advindos das incorporações para venda de imóveis; 2 – Os escalões superiores dos IAP’s temiam o “inevitável enfraquecimento” dos Institutos, no seu poder de fornecer, além de residências, favores clientelistas exclusivos de quem detinha o poder sobre a produção de moradias. A lei do inquilinato provocou efeito contrário ao desejado. Os proprietários, não podendo aumentar os alugueres, despejavam os inquilinos para trocá-los por novos, com novos contratos também10. Foi nesse contexto, como tentativa para solucionar o déficit habitacional que o decreto que criava a FCP foi assinado. No entanto, a produção de moradias pela FCP só se tornou concreta dois anos mais tarde, com a entrega de 1.336 unidades. Nos anos que se seguiram a produção da FCP aumentou, mas em 1952 decaiu para o inexpressivo número de 28 habitações. Até o fim de suas atividades, em 1961, a FCP 10 Para saber mais sobre a Lei do Inquilinato, ver BONDUKI, 1998. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 28 ainda produziu mais cerca de 300 unidades11. Toda a produção da Fundação da Casa Popular se distribuiu por vários estados do país. Em 1947, foi criada a Fundação Leão XIII, nascida de um acordo do então Prefeito do Distrito Federal, Hildebrando de Góis, com o Cardeal D. Jaime Câmara. Na forma de entidade religiosa privada, a Fundação interveio nas favelas mais populosas, facilitando a instalação de água, luz e esgoto, além de criar os Centros de Ação Social, alguns com ambulatórios e escolas. No total, entre 1947 e 1954, a Fundação atuou em 34 favelas do Rio de Janeiro e implantou os Centros de Ação Social em oito, sendo as seis primeiras as mais desenvolvidas: Jacarezinho, Rocinha, Telégrafos, Barreira do Vasco, Morro de São Carlos, Salgueiro, Praia do Pinto e Cantagalo (LEEDS & LEEDS, 1978). Com a Fundação Leão XIII, também são encontradas várias iniciativas que demonstram preocupação com os EUCs, e neste caso, de forma mais acentuada, porque suas ações eram fundamentalmente sociais, e objetivavam urbanizar favelas, dotando-as de serviços públicos essenciais. Mas, além de tudo, a Leão XIII queria “recuperar socialmente” os favelados e frear a disseminação do comunismo já instalado entre eles, o que estava roubando significativo número de votos de outros partidos, principalmente dos de direita. De fato, nos “Pontos Básicos” do documento que apresentava sua ação, no quesito “cívicos”, pode-se ler nas entrelinhas a clara preconização da expulsão de pensamentos políticos não tradicionais, cerceando assim, a liberdade de escolha política dos favelados: “As populações em ascensão social tornar-se-ão menos sujeitas à exploração de políticos inescrupulosos e de agitadores extremistas (grifo nosso). À medida que se for acentuando a sua integração na comunidade e a sua aproximação das classes médias, elas irão adquirindo uma consciência cada vez mais clara das suas responsabilidades próprias, na orientação dos acontecimentos nacionais, e passarão a colaborar 11 Dados de FINEP/GAP, 1985. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 29 definitivamente na preservação e no aperfeiçoamento das práticas democráticas” (FUNDAÇÃO LEÃO XIII, 1962:26). Um dito muito popular da época era “É necessário subir o morro antes que os comunistas desçam” (SAGMACS, 1960 apud LEEDS & LEEDS, 1978:199). Para tanto, a Fundação teria que estar sempre presente e bem próxima das favelas, o que estaria fazendo através dos Centros. A popularidade e prosperidade do Partido Comunista lhe custou a própria ilegalidade, sentenciada no mesmo ano de 1947, após as eleições em que teve expressiva quantidade de votos. Contudo, apesar de todo cerceamento político, a Fundação atuou fundamentalmente nos espaços de uso comunitário. A Fundação Leão XIII permaneceu em atividade e em 1962 teve seu status quo modificado pelo Governador Carlos Lacerda, que com manobras políticas tornou-a parte da Secretaria de Serviços Sociais do recém-criado Estado da Guanabara (LEEDS & LEEDS, 1978). Em 1956, é criado o SERFHA – Serviço Especial de Recuperação de Favelas e Habitações Anti-Higiênicas. A atuação do SERFHA não se limitava às favelas, também abrangia vilas, cortiços, casas de cômodos e áreas decadentes em geral, o que denotava que a preocupação do órgão era muito mais do que simplesmente a estética, já que a maioria dessas outras formas de habitações de baixa renda se encontrava fora das principais vistas da cidade, freqüentadas por turistas e classes mais abastadas. O SERFHA buscava também uma coordenação de vários órgãos municipais, como forma de evitar as ações paralelas e/ou sem comunicação entre si. Com isso, vários órgãos foram unificados, tais como o Departamento de Higiene, a Fundação da Casa Popular, a Polícia de Vigilância, o Departamento Sanitário e a Fundação Leão XIII (LEEDS & LEEDS, 1978). Como filosofia básica, o SERFHA preconizava não ofender a dignidade dos favelados: “O fator básico, do nosso ponto de vista, é que os CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 30 moradores das favelas concordem em trabalhar espontaneamente [com o SERFHA] sem nenhuma imposição da parte de técnicos ou do poder político” (PERUCCI, 1962 apud LEEDS & LEEDS, 1978:211). O SERFHA só começou a receber recursos em 1958, quando então passou a atuar em favelas onde a Fundação Leão XIII não estivesse operando também. Depois da mudança da Capital Federal para Brasília e o Rio de Janeiro transformado em Estado da Guanabara, José Arthur Rios assumiu a chefia do SERFHA. Sob a administração de Rios, o SERFHA orientava a independência política dos favelados, fazendo-os a encarar a si próprios como moradores efetivos da cidade, plenos de seus direitos. Foi durante a administração de Rios também que foram criadas 75 Associações de Moradores em favelas, recebendo orientação dos técnicos do SERFHA sobre assuntos como informação legal, assistência social, assistência técnica para instalação de serviços básicos de urbanização12, e ainda, prestando ajuda financeira. Podemos notar que neste ponto da história aparece novamente delineada a idéia de que não bastava construir novas casas para a população; era necessário cuidar dos serviços básicos também, que complementassem a casa, sendo esta parte da habitação como um todo. Com efeito, a diretriz básica do SERFHA era dar dignidade aos favelados. A intenção era criar nos moradores o anseio por melhorias conjuntas, para a favela como um todo. Daí o apoio para a criação das associações de moradores e assistência técnica e financeira para a execução das obras. Segundo o Diretor da Coordenação de Serviços Sociais13, “...a 12 Somente os projetos de melhoria e urbanização atingiram o número de 80 favelas (GONDIM, 1976). 13 Gondim (1976) transcreve o trecho de uma entrevista realizada com o “Diretor da Coordenação de Serviços Sociais”, sem citar o seu nome. No entanto, pela análise dos fatos apresentados, como por exemplo o grande número de associações de moradores criadas, levanta-se a hipótese de que tal diretor não era outro senão o próprio José Arthur Rios. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 31 intenção era introduzir mudanças internas na favela, quer dizer, fazer com que a favela mudasse de dentro para fora (...) todo o processo de maturidade da favela, é no sentido de se transformar em bairro, o favelado quer que a favela seja um bairro, não quer ser favela (...). Então é só colocar certos fermentos para acelerar essa mutação14, é um processo de renovação espontâneo” (GONDIM, 1976:25). Além dos serviços de melhorias urbanas que Rios buscava para as favelas, havia outros, que atendiam aos moradores residentes em favelas e em outros lugares também. Nesta época, estavam surgindo entidades como a SURSAN (Superintendência de Urbanização e Saneamento) e a CTC (Companhia de Transportes Coletivos) (ABREU & BRONSTEIN, 1978). Tais instituições foram criadas com o objetivo de melhorar as condições existentes na cidade, e não no interior das moradias (de favelas ou não) propriamente dito. Por ocasião da atuação do SERFHA encontramos, portanto, um dos momentos mais legítimos (no sentido de não imprimir à população pressões coercitivas) de preocupação com um espaço que não era a casa propriamente dita; era um espaço público, de uso comunitário. No entanto, logo em seguida ao seu momento de pleno apogeu, o SERFHA foi desmontado. Justamente por ser legítima, sua atuação vinha prejudicando os interesses políticos e econômicos, uma vez que eliminava os intermediários nas negociações com os favelados. Na época, as favelas eram tidas como currais eleitorais de vários políticos, que em troca de promessas variadas conquistavam inúmeros votos nesses locais. A partir da idéia e da orientação de independência promovida por Rios, os celeiros de votos existentes nas favelas começaram a perder a sua força. A soma desse fato aos interesses da elite e de grupos econômicos detentores de terras ocupadas por 14 Ao ler esse trecho do discurso de Rios isoladamente, podemos ter a impressão de que está sendo feita referência à atual política habitacional carioca, como veremos mais adiante, dada a semelhança de discurso entre ambas. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 32 favelas, além de os cofres do Estado não estarem recebendo subsídios de órgãos como a Agência Internacional de Desenvolvimento (AID) ou o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para programas de construção em favelas, culminou na demissão de Rios, feita pelo Governador Lacerda. Sobre esse fato, LEEDS & LEEDS ressaltam que “em termos de continuidade do controle de elite e de classe – do qual, argumentamos, Lacerda era um agente – Rios e seu programa tinham que sair de campo, e assim o fizeram” (LEEDS & LEEDS, 1978:214). Rios foi demitido em 1962, ano eleitoral, e o SERFHA também sucumbiu no mesmo ano. Desta forma, cessa-se o pouco espaço até então existente para a população favelada, e inicia-se uma época de remoções, com a criação da COHAB-GB (Companhia de Habitação Popular do Estado da Guanabara), também em 1962. O desmonte do SERFHA representou um momento de ruptura na política habitacional, dado que durante a sua atuação, discurso e prática do fornecimento dos espaços de uso comunitário andavam em paralelo, não havia diferença de atitudes. A partir do término do SERFHA e, com a conseqüente criação da COHAB, discurso e prática passam a trilhar caminhos diferentes, como será visto mais adiante. O discurso anunciado a respeito do fornecimento dos EUCs nem sempre chegava a se concretizar, e quando o era, acontecia de uma maneira diferente da que fora anunciada. Apesar do fim do SERFHA, e mesmo sem apoio, as favelas continuaram a se organizar, e em março de 1963 é aprovado o Estatuto da FAFEG (Federação das Associações de Favelas do Estado da Guanabara). A mudança de atitude política, agora promovendo grandes remoções, ao invés de coibir, somente contribuiu para aumentar o nível de organização, e a FAFEG realizou dois congressos no Rio de Janeiro, um em 1964 e outro em 1968, “cuja palavra de ordem era a luta pela urbanização, contra a remoção” (SILVA e SILVA, 1989:48). CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 33 A COHAB, apesar de ter entre os seus objetivos a “...urbanização parcial de algumas favelas, a urbanização total de uma grande favela (grifos nossos) e a construção de 2.250 habitações de baixo custo” (LANGSTEN, 1973:06), foi na realidade o órgão de ponta na política de erradicação de favelas. A COHAB foi constituída como uma sociedade de economia mista, e como tal possuía acionistas públicos e privados. Estes últimos eram o genro do governador, Flexa Ribeiro, e o vicegovernador de Lacerda, Rafael de Almeida Magalhães. Juntos, eles possuíam cerca de 49% das ações (LEEDS & LEEDS, 1978). Esse fato fazia com que um grupo particular de pessoas, ligadas diretamente ao Governador, tivesse um substancial controle sobre a companhia. A principal fonte de provisão de fundos da COHAB era o Acordo do Fundo do Trigo Estados Unidos-Brasil. LEEDS & LEEDS (1978) sugerem que parte dos motivos para a criação da COHAB foi exatamente o acordo internacional, que traria significativa injeção de recursos ao orçamento da Guanabara, isentos de taxas. A criação da COHAB fez com que a construção em larga escala de moradias para as pessoas oriundas de favelas erradicadas passasse a ser a principal finalidade da política habitacional da Guanabara. Cabe aqui a lembrança de que na época, o Governador almejava se lançar candidato à Presidência da República e, para atingir este objetivo, assumiu uma postura de direita, claramente identificado com os interesses das elites, que queriam ver as favelas e sua população afastadas do núcleo urbano da cidade, além de, ao mesmo tempo, com o fornecimento para os ex-favelados de unidades residenciais prontas, angariar votos entre as classes menos favorecidas. Uma outra razão para tantas remoções foi que o binômio ofertademanda com relação a empregos na zona sul foi sobrepujado pelos interesses econômicos e imobiliários sobre o espaço ocupado pelas favelas. Até então, tinha sido interessante para a classe mais abastada ter CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 34 a mão-de-obra fácil e próxima de diaristas, pedreiros, e todo o tipo de serviço que os favelados prestavam. E para os favelados, havia a vantagem do fácil acesso ao farto mercado de trabalho e, praticamente, a inexistência de gastos com transporte. No entanto, a escassez de terrenos disponíveis para novas construções e obras públicas fez com não existissem mais vantagens para as classes média e alta, no que tange a proximidade das favelas. Tal desequilíbrio de vantagens culminou na instauração da “época das remoções”; no lugar das favelas, foram criados lançamentos imobiliários que correspondiam à extrema valorização dos terrenos da zona sul e atendiam aos interesses de grandes grupos econômicos (ABREU & BRONSTEIN, 1978). Além disso, a construção de grandes conjuntos habitacionais trouxe uma outra vantagem: o aquecimento do mercado de construção civil e ampla oferta de empregos no setor. De fato, essa é uma das preocupações do governo, ao criar, posteriormente, o Banco Nacional da Habitação. Na época da COHAB, então, constata-se que, por interesses políticos, a melhor opção em termos de política habitacional era a produção em massa de unidades habitacionais (entenda-se espaços privados) para a população alvo. Os EUCs fornecidos junto com as habitações eram vistos como complementos, não vinham mais imbuídos da conotação de que este tipo de espaço teria a função primordial de moldar o “homem social”; por isso eles não têm a mesma ênfase que lhes era dada na época dos IAP's. Neste caso, a preocupação com o espaço público se deu na realidade em relação às classes mais abastadas (que não necessitavam de uma política habitacional), quando puderam começar a usufruir de alguns espaços públicos que antes eram ocupados pelas favelas. Para a classe realmente necessitada, restou somente o discurso, a imagem “volátil “de uma vida melhor nos (CAPELLÃO, 1991). novos conjuntos habitacionais da COHAB CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 35 As primeiras experiências da COHAB foram formadas por conjuntos de casas isoladas (Vila Kennedy, Vila Aliança e Vila Esperança). Todos eles distavam mais de 30 quilômetros do centro da cidade, ocasionando grandes transtornos à população para lá transferida. Essa população vinha de 12 favelas removidas, a maioria delas situada na zona sul da cidade, ou seja, próximas ao mercado de trabalho. Com a remoção, as famílias começaram a não conseguirem mais arcar com os custos do transporte e ficaram desempregadas, já que nos lugares afastados do centro, onde se encontravam, a oferta de empregos era reduzida. Ao se falar sobre uma política habitacional que fornecia unidades em conjuntos habitacionais, não deve ser esquecido que a infra-estrutura básica (água, luz e esgotamento sanitário) era quase sempre entregue junto com os conjuntos habitacionais. Em alguns casos isolados (por exemplo, Cidade de Deus e Rua Crato – ambos no Rio de Janeiro) a falta d’água era constante (GONDIM, 1976), mas no geral, todos “funcionavam” nesse aspecto. O que faltava, principalmente para os conjuntos maiores eram os espaços de uso comunitário, tais como escolas, postos de saúde, creches, praças e áreas de lazer. GONDIM cita que a ausência de escolas em Cidade de Deus levou o poder público a construir duas unidades de ensino básico em caráter emergencial; e em Vila Kennedy, ainda uma das primeiras experiências, a COHAB foi obrigada a projetar e construir a maior parte do equipamento comunitário do conjunto em área adjacente [a 3ª gleba], posterior à ocupação original [1ª e 2ª glebas] (GONDIM, 1976). Segundo CAPELLÃO (1991), as duas primeiras glebas de Vila Kennedy continham no total 4 escolas municipais, uma escola particular e uma pré-escola, para um total de 3.804 unidades habitacionais. Na terceira gleba, construída posteriormente, existiam 1.250 unidades e todo o restante dos espaços de uso comunitário do conjunto: campo de futebol, mais duas CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 36 escolas municipais, jardim de infância, centro de artesanato e respectivo almoxarifado, igreja católica, lojas, mercado, cinema, centro de saúde, lavanderia e padaria cooperativas (ver figura II.5). A concepção tardia desta gleba deveu-se à consideração inicial por parte da COHAB de que os seus moradores poderiam desfrutar do equipamento comunitário existente no bairro de Bangu, que é próximo à Vila, mas que nem por isso foi capaz de atender à nova demanda.15 15 A esse propósito, cabe aqui transcrever as definições segundo a COHAB-GB, de conjuntos habitacionais pequenos, médios e grandes: “Pequenos: Conjuntos que completam o bairro constituem-se no máximo com 500 unidades e se localizam em bairros já formados, com infra-estrutura existente. Médios: Conjuntos que se integram ao bairro são conjuntos de 500 até 2000 unidades, e nos quais se prevê a continuidade da infra-estrutura do bairro em que se situam. Nos projetos urbanísticos respectivos o equipamento comunitário é localizado na periferia do conjunto com o sentido de melhor integrá-lo em sua vizinhança. Grandes: Conjuntos que formam o bairro são conjuntos com mais de 2000 unidades e que possuem todas as condições de autonomia que caracterizam o bairro” (GONDIM, 1976:46). CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 37 Figura II.5 – As 3 glebas de Vila Kennedy, sendo a terceira delas o trecho mais à direita, cuja textura da malha urbana diferencia-se das demais, justamente pela presença maior dos espaços de uso comunitário. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 38 No entanto, apesar das ações da COHAB, o déficit habitacional que ainda havia por sanar era grande. No Seminário de Habitação e de Reforma Urbana – SHRu, acontecido em Petrópolis em 1963, foi declarado pelo Ministro do Trabalho em exercício que somente no Rio de Janeiro, um terço da população vivia em habitações inadequadas, como as favelas (FINEP/GAP, 1985). No documento final do referido seminário, dentre outras coisas, foi proposta então a criação de um “Órgão Central Federal, com autonomia financeira e com competência de jurisdição sobre todo o território nacional, incorporando-se a ele a Fundação da Casa Popular e o Conselho Federal de Habitação” (FINEP/GAP, 1985:69), ou seja, um órgão como o BNH. Portanto, o período que precedeu o golpe militar de 1964 foi marcado por situações que antevêem a criação do BNH. O que vale reter, no entanto, como síntese do período compreendido entre o final do século XIX e o momento anterior ao golpe militar, é que já havia a percepção de que habitação não é constituída apenas pela casa, mas sim por vários espaços de uso comunitário que a complementam. Tal percepção foi aplicada na prática, até mesmo em situações de fornecimento de moradias provisórias, como no caso dos Parques Proletários. Ao ser criada a COHAB, instaurou-se a época das remoções e construção de grandes conjuntos habitacionais. Apesar de a preocupação com os espaços de uso comunitário ter existido nos projetos de parte deles, verifica-se que de um modo geral, eles não foram construídos (ABREU & BRONSTEIN, 1978), e que a grande preocupação era com as unidades habitacionais, com o número de unidades construídas, e com a visibilidade política que decorreria naturalmente de sua visibilidade física, de largo alcance. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 39 II.2) D A INSTAURAÇÃO DO R EPÚBLICA (1985) REGIME MILITAR (1964) AO INÍCIO DA N OVA Como mencionado anteriormente, a criação do BNH (Banco Nacional da Habitação) deveu-se, dentre os motivos relacionados ao déficit habitacional, também à necessidade do aquecimento do mercado de construção civil16 e da criação de empregos: “A nova política contemplava a necessidade de estimular um importante setor industrial – o da construção civil, e com isso absorver significativo número de empregados sem qualificação profissional, amenizando as possíveis pressões contra o desemprego que (...) a inflação ameaçava provocar” (FINEP/GAP, 1985:88). Os recursos financeiros do BNH vinham de doações e empréstimos externos e internos. Após 1967, o banco passou a gerir o capital do FGTS, que se constituiu na principal fonte de recursos do banco. Com esses recursos, o BNH não construía, mas financiava as construções de conjuntos habitacionais. A sua lista de prioridades era: “a) construção de conjuntos habitacionais com a finalidade de erradicar favelas e outros aglomerados suburbanos; (grifo nosso) b) projetos estaduais ou municipais que permitam o imediato início de construção, mediante o uso de lotes dotados das instalações básicas; c) projetos cooperativos e outras formas de associação destinadas a promover a casa própria entre seus membros; 16 BONDUKI, entrevista concedida a autora, em dezembro de 1999. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 40 d) projetos privados que possam ajudar a resolver o problema da moradia; e e) construção de residências em zonas rurais”. 17 A necessidade de encontrar terrenos baratos para a construção dos conjuntos fez com que cada vez mais estes se deslocassem para a periferia, em regiões mal ou não dotadas de infra-estrutura urbana. Logo a economia feita na aquisição dos terrenos se revertia num alto custo para os municípios, uma vez que estes tinham seu planejamento alterado para ter que corresponder às novas necessidades. Muitas vezes, a implantação de um conjunto habitacional mudava toda a direção do desenvolvimento da área urbana, e o município se via obrigado a fornecer água, luz, tratamento de esgoto, transporte, escolas e postos de saúde para centenas e até milhares de pessoas. Para corrigir essas distorções, o SERFHAU (Serviço Federal de Habitação e Urbanismo), órgão do BNH que fazia os estudos de implantação dos conjuntos da COHAB (agora incorporada ao BNH), passou a elaborar Planos de Desenvolvimento Integrado, e com recursos do FIPLAN, passou a financiá-los (FINEP/GAP, 1985). A instauração do regime militar acentuou a ênfase à produção de unidades habitacionais, ou melhor seria dizer, à produção de espaços que seriam de propriedade privada. Essa sem dúvida foi a tônica da grande maioria das iniciativas oficiais em relação à política habitacional. No entanto, em meio a essa política de remoções, o Governador Negrão de Lima, pressionado por suas próprias promessas de campanha, cria a CODESCO - Companhia de Desenvolvimento de Comunidades, em 1968 (SILVA e SILVA, 1989 e SANTOS, 1981). O seu objetivo era promover “a integração dos aglomerados subnormais na comunidade normal adjacente, 17 BANCO NACIONAL DE HABITAÇÃO. A Brazilian Solution, apud PERLMAN (1977:241242) CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 41 intervindo nos aspectos urbanísticos, habitacionais e outros necessários” (CODESCO, 1970 apud SANTOS, 1981:56). A CODESCO pretendia a urbanização, com a respectiva entrega da titularidade dos lotes, de três favelas do Rio de Janeiro: Braz de Pina, Morro União e Mata Machado. Das três, somente Braz de Pina teve seu projeto e obras concluídos, com exceção da entrega dos títulos de propriedade18 (SANTOS, 1981). Em Braz de Pina, as obras foram feitas em etapas, tendo a CODESCO adquirido terrenos adjacentes à favela para lá remanejar os primeiros barracos, de maneira que a primeira leva de moradores pudesse sair de sua localização original, liberar área para a demarcação dos lotes (foram 900 ao todo – SANTOS, 1981), pavimentação e obras de infraestrutura, até novo remanejamento de barracos. O morador remanejado para a área urbanizada não era obrigado a construir uma casa de alvenaria, mas sim fazer apenas um banheiro ligado à rede de esgotos. No entanto, a maioria optou por remontar o seu barraco nos fundos do lote, de maneira que futuramente a casa de alvenaria pudesse ser construída na frente, o que de fato aconteceu em 60% dos casos (SANTOS, 1981). Cada um desses moradores construiu sua própria casa, contando com a devida assistência técnica, e a decisão a respeito do uso dos EUCs e da localização dos serviços ficou a cargo da associação de moradores (SANTOS, 1981). Apesar de não serem obrigados a construir uma casa de alvenaria, muitos moradores viam-se constrangidos de não tê-lo feito, e de estar morando num barraco de madeira em meio a várias casas construídas com materiais mais duráveis, sendo apontados pelo restante da comunidade como 18 Apesar disso, os moradores pagam as taxas e impostos próprios de qualquer parte formal da cidade (SANTOS, 1981). CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 42 responsáveis pelo aspecto de favela que o bairro ainda poderia possuir19. Dessa forma, ou passavam-se adiante o barraco e o lote urbanizado ou construía-se uma casa de alvenaria. Cabe ressaltar que cada família participou ativamente na elaboração do projeto da sua casa, a obra era parcialmente financiada e havia a assistência técnica gratuita de estudantes de arquitetura 20. Em nosso entender, a experiência de urbanização em Braz de Pina, da maneira como foi feita, foi pioneira, e apesar de ela ter recebido apenas um espaço de uso comunitário (uma praça), foi positiva também. Efetivamente, a favela deixou de existir após a urbanização. Aquele que não conhece a história do local e passa por lá nos dias de hoje não o percebe como uma favela; ela deu lugar a um bairro, plenamente integrado aos demais que o circunvizinham. Por isso, pode-se dizer que apesar de a urbanização haver acontecido há 30 anos, ela assumiu um caráter de certa forma semelhante ao almejado hoje em dia pela Prefeitura do Rio de Janeiro, promotora da atual política habitacional carioca. Assim, percebe-se que a experiência da CODESCO, mesmo tendo sido um acontecimento isolado, sem que possa ser chamado propriamente de “política habitacional”, deixou uma semente que hoje em dia está frutificando, como será visto mais adiante. Apesar de contemporânea à CODESCO, a CHISAM – Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana (do Grande Rio), criada apenas alguns meses depois daquela, atuou de maneira completamente diferente, seguindo a linha de maior atuação da política habitacional da época. 19 Sobre esse sentimento de “morar num bairro com aspecto de favela”, iremos encontrar situações bem semelhantes por ocasião do Programa Favela-Bairro, como será visto mais adiante neste trabalho. 20 Entre eles, o saudoso Carlos Nelson Ferreira dos Santos. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 43 A CHISAM não preencheu o objetivo pretendido pelo relatório que sugeria a sua criação21, de “…agir como um órgão normativo, coordenador de diversas entidades que atuavam na área, e orientador no que toca o planejamento metropolitano” (ABREU & BRONSTEIN, 1978:288). Ao invés disso, a CHISAM passou, efetivamente, “...a realizar as operações de remoção, escolha das favelas a serem removidas, levantamentos sócioeconômicos nas favelas, classificação das famílias segundo a renda, especificação do destino das famílias...” (GRABOIS, 1973:45). Anteriormente, entre 1966 e 1967, a COHAB havia efetuado a remoção de 6.685 pessoas (VALLADARES, 1978). Já a CHISAM retirou aproximadamente 30.000 pessoas de favelas no Rio de Janeiro, de acordo com LEEDS & LEEDS22, e de acordo com PERLMAN, o total removido foi de 175.785 pessoas até o final do ano de 1973, ano de extinção da entidade (PERLMAN, 1977). Entre os fatores que contribuíram para esse expressivo número de remoções, estão a especulação imobiliária (principalmente dos terrenos da zona sul do Rio), e a necessidade do aquecimento da indústria da construção civil, já citados anteriormente. Além desses, devemos nos lembrar que a partir de 1964, com o golpe militar, a maioria das eleições foi suspensa, incluindo a de Governador. Este fato diminuiu tanto o poder de barganha dos favelados (já que eles trocavam desde bicas d’água até favores políticos por votos), como o interesse dos políticos em preservar as favelas, enquanto reduto eleitoral23. 21 Conhecido como o Plano Wagner. Para maiores detalhes, ver LEEDS & LEEDS, 1978. 22 Segundo LEEDS & LEEDS, a CHISAM removeu totalmente as seguintes favelas da zona sul do Rio de Janeiro: Jóquei Clube (≅200 pessoas); Rio Rainha (≅200 pessoas); Alto Solar (≅600 pessoas); Ilha das Dragas (≅1.800 pessoas); Babilônia-ChapéuMangueira (≅3.500 pessoas); Macedo Sobrinho (≅4.000 pessoas); Praia do Pinto (≅7.000 pessoas); Catacumba (≅12.000 pessoas); e parte do Parque Proletário N.º 1 da Gávea (LEEDS & LEEDS, 1978). 23 PERLMAN (1977) e SILVA e SILVA (1989) comentam o assunto. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 44 Com o número de pessoas removidas aumentando cada vez mais, era exigido constantemente que fossem construídos grandes conjuntos habitacionais para abrigar a população removida. Contudo, com o aumento do tamanho dos conjuntos, ficava cada vez mais difícil equipálos com os necessários EUCs. Em sua dissertação de mestrado, GRABOIS (1973) apresenta o depoimento de políticos ligados a órgãos de remoção do Poder Público que alegavam serem favoráveis à construção de conjuntos pequenos, porque “para os conjuntos grandes não há infra-estrutura montada para aguentar”. (GRABOIS, 1973:93). Mostra também a autora que existia, por parte desses políticos, a conscientização de que ao entregar o conjunto habitacional D. Jaime Câmara, por exemplo, com 7.000 unidades, o governo precisaria cuidar da comunidade lá estabelecida, “criando serviços, lojas, posto médico” (GRABOIS, 1973:95 - grifo nosso), ou seja, fornecendo EUCs. Ainda, após a criação do BNH, mudou-se a maneira de administrar os antigos conjuntos entregues pelos IAP's. As unidades existentes, que eram alugadas às famílias pelo Estado, caracterizando assim a habitação como um serviço público, foram vendidas às mesmas, dando início a um processo de individualização dos espaços, mesmo daqueles que antes possuíam uso coletivo. BONDUKI retrata bem esse período de tempo: “Em conseqüência [à venda das unidades para os moradores], ocorreu uma progressiva destruição dos espaços públicos (...), fazendo com que (...) se pareçam cada vez mais com conjuntos do período do BNH. A colocação de grades fechando as áreas livres em torno dos blocos – reconstituindo lotes urbanos no lugar da proposta de se habitar em áreas verdes públicas - , a eliminação de espaços coletivos como o teto-jardim, o fechamento dos pilotis para instalação de garagens individuais, a CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 45 desmontagem de equipamentos comunitários como lavanderias, cooperativas de consumo, áreas de recreação etc., entre várias intervenções do espaço público, mostram que, alteradas as condições históricas, os moradores não aceitaram com facilidades as inovações que os arquitetos modernos propunham para o homem novo que se queria construir” (BONDUKI, 1998:318-319). Obviamente, nesta colocação de Bonduki, deve-se levar em consideração que o aumento da violência urbana contribuiu para fatos como a colocação de grades; e também o número maior de proprietários de automóveis fez com que os moradores resolvessem seu problema de ausência de garagens, fato que não merecia tanta atenção nas décadas de 40 e 50, época de maior florescência das construções dos IAP's. Motivos contemporâneos à parte, a respeito da geração do grande desinteresse e desleixo pelas partes comuns, nos parece que por várias razões, até mesmo as de ordem financeira, dado que a construção de espaços de uso comunitário não daria tanto retorno quanto a construção massiva de unidades habitacionais, e também pelo cálculo do número máximo de unidades num mesmo terreno, onde os afastamentos diminuíam cada vez mais, os espaços de uso comunitário acabavam ficando relegados ao segundo plano. Além disso, segundo SILVA e SILVA, havia a intenção de estimular, com ênfase, a propriedade privada: “Fica clara a opção feita pelo BNH em difundir a casa própria como forma de comprometer os trabalhadores com a propriedade e com o regime (grifo nosso), opção essa peculiar aos regimes capitalistas. A ideologia da casa própria visa criar sentimento de pertinência, transformando-se em instrumento de manutenção do equilíbrio social, prestando-se a propósitos sobretudos políticos (…) Além da busca de legitimação do novo regime, a política habitacional em formulação se propunha, também, a criar um clima de ‘estabilidade social’ e de ‘ordem’ CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 46 necessário ao avanço do capitalismo internacional no país” (SILVA e SILVA, 1989:49-50). Havia então, uma relação direta entre o BNH e a propriedade privada. Em que pese o fato do comprometimento do próprio BNH com o regime, havia também um outro lado, advindo da visibilidade política que a construção de um conjunto habitacional trazia. Tanto que o BNH, enquanto Banco, não se recusava a financiar a urbanização de favelas, por exemplo. O que ocorria é que como Banco, ele não possuía meios para obrigar algum prefeito a optar pela urbanização e não pela remoção para um conjunto habitacional. A esse respeito, ARAGÃO comenta: “Se a grande maioria dos projetos era para conjuntos convencionais de habitações completas e não para urbanização de favelas ou venda de lotes urbanizados, isto decorria exclusivamente da vontade dos dirigentes locais (...) Onde e quando existiu interesse (casos de Goiás, Paraná e Rio de Janeiro, Prefeituras de São Paulo e do Recife e alguns estados do Nordeste, a partir de 1980), os projetos mereceram integral acolhida do Banco” (ARAGÃO, 1999:252). Um fator que não deve ser esquecido nesta escolha é o que pode ser chamado de “cultura da casa própria”, que dava respaldo às vontades políticas no sentido de ser “a preferência do povo”. Para MARICATO, “a casa própria representa, entre os trabalhadores brasileiros, não apenas um alívio no orçamento doméstico, mas uma garantia contra a alta rotatividade no emprego e as deprimidas aposentadorias ou mesmo ausência de seguridade social” (MARICATO apud ARAGÃO, 1999:265). Ou seja, dar a casa própria à população significava atender aos seus mais prementes anseios. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 47 Assim, cabia aos Estados e Municípios a escolha do programa que seria financiado. Quase sempre, a escolha recaía sobre a construção de conjuntos habitacionais, já que a sua visibilidade política vinha em decorrência da sua visibilidade física, muito diferente da urbanização e da implantação de infra-estrutura urbana em uma favela. ARAGÃO confirma que a produção de conjuntos habitacionais foi predominante nos financiamentos do BNH: “É inquestionável que a produção de conjuntos de habitações completas teve absoluto predomínio nos investimentos financiados pelo BNH/SFH.” (ARAGÃO, 1999:258). De fato, o próprio Relatório Geral da COHAB do biênio 19631965 também afirma que “a casa, ou melhor, o embrião de casa que se constrói e que se oferece à venda é a chave do êxito do plano da COHAB...” (COHAB-GB apud GONDIM, 1976:33). Eva Blay vai mais adiante, afirmando que o BNH ajudou a manter e ressaltar o “sistema de propriedade privada” (BLAY apud ARAGÃO, 1999:458 - grifo nosso). Paralelo a isso, temos que num sistema em que a CHISAM removia, a COHAB construía os novos conjuntos habitacionais e o BNH financiava, as remoções de favelas e posterior transferência de seus moradores para vários conjuntos habitacionais funcionavam na verdade como um firme suporte ao regime da repressão, porque desorganizava as classes populares (SILVA e SILVA, 1989). Além disso, não deve ser esquecido que nesse período, estavam suspensas as eleições para Governador de Estado, o que fazia com que os favelados não detivessem mais o antigo poder de barganha com políticos potencialmente candidatos. Assim, a política habitacional adotada então também faria o papel de estimuladora da ordem, dando a estabilidade necessária ao regime. Tal característica da política CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 48 habitacional foi muito bem ilustrada por Roberto Campos, um de seus articuladores: “A solução do problema pela casa própria tem esta particular atração de criar o estímulo de poupança que, de outra forma, não existiria, e contribui muito mais para a estabilidade social do que o imóvel de aluguel. O proprietário da casa própria pensa duas vezes antes de se meter em arruaças ou depredar propriedades alheias e torna-se um aliado da ordem” (BNH apud AZEVEDO & ANDRADE, 1982:59). Apesar dessa filosofia, de “propriedade privada”, vários espaços públicos eram previstos nos conjuntos habitacionais, mas nem sempre foram construídos. Um exemplo a esse respeito é o conjunto habitacional da Rua Capitão Teixeira (bairro de Realengo, Rio de Janeiro), de 3.280 unidades, que teve em seu projeto a previsão de escolas, unidades comerciais e áreas de lazer. Cinco anos após a sua ocupação, a população de fato, contava com três escolas no interior do conjunto, mas não podia contar com nenhuma unidade comercial e nenhuma praça, parque ou área de lazer. Aliás, um dos terrenos que havia sido destinado para o fim de lazer acabou sendo utilizado como depósito de lixo (GONDIM, 1976). Já no conjunto Guaporé, em Braz de Pina, com 2000 unidades, não havia sequer a previsão de espaços para lazer24. Apenas duas escolas e algumas unidades comerciais. As escolas foram executadas, mas não todas as unidades comerciais. 24 Dados do projeto original de construção, cujo número do processo é 07/197086/69, consultado no Arquivo Geral da SMU. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 49 Em alguns casos, percebe-se que a construção ou não de alguns equipamentos comunitários dependia exclusivamente das relações pessoais dos integrantes das Companhias de Habitação, como por exemplo um político ligado à COHAB-GB, que em entrevista a GONDIM (1976), declara que as escolas eram construídas nos conjuntos da COHAB-GB enquanto ele próprio se encontrava ligado ao órgão, por causa de sua amizade pessoal com o então Secretário de Educação. Segundo esse político, após o seu desligamento do órgão, “não fizeram mais nenhuma escola nesses conjuntos” (GONDIM, 1976:140)25. Desse modo, percebe-se que os EUCs não dispunham realmente de prioridade na política habitacional, nem de um procedimento dentro da própria política que lhes garantisse a execução. Assim, é possível identificar, através não apenas dos documentos produzidos pelo BNH como principalmente por suas obras efetivamente construídas, que o foco de maior interesse da política habitacional da época era o de FAZER CASAS, ou seja, unidades habitacionais, ficando os espaços e serviços comunitários relegados a um segundo plano, compreendidos apenas como conseqüência do ato da construção de casas. Tal constatação pode ser comprovada por uma observação de um dos presidentes26 do BNH: 25 Pode-se encontrar procedimento similar mais recentemente, na primeira fase do Programa Favela-Bairro, da PCRJ, onde devido à falta de planejamento global, os arquitetos projetistas viam-se obrigados a discutir os projetos complementares com as respectivas concessionárias ou secretarias por conta própria, já que oficialmente estas não recebiam nenhuma orientação da Prefeitura (mesmo quando fossem também da esfera municipal, como o caso da Secretaria Municipal de Educação) a respeito do programa. Neste caso, o escritório cujos arquitetos já tivessem algum conhecimento pessoal nas concessionárias poderia contar com maiores instruções e orientações a respeito do projeto. 26 José Maria Aragão. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 50 “Todas as aplicações do Sistema [SFH] teriam por objeto, fundamentalmente (grifo no texto) a aquisição da casa para residência do adquirente e seus dependentes” (ARAGÃO, 1999:77). Além do mais, apenas 5% das aplicações totais do BNH foram investidas em equipamentos comunitários27 (ARAGÃO, 1999). Assim, se por um lado, a diretriz básica dos investimentos do BNH era a aquisição da casa própria, e do outro, menos de 5% dos investimentos totais do Banco eram direcionados aos espaços de uso comunitário, temos que as duas informações trazidas por Aragão se completam, e nos remetem àqueles conjuntos citados anteriormente, onde não havia EUCs suficientes para os moradores, apesar da proposição inicial de tê-los no projeto. Dessa forma, imagina-se que a intenção de se fazer política habitacional com a produção de espaços públicos já existia, o que não existia, sempre, era a vontade política de executá-la, dentre outros possíveis motivos. Em março de 1975 é constituída a CEHAB/RJ (Companhia Estadual de Habitação Popular do Estado do Rio de Janeiro), formada pela fusão da COHAB/GB e COHAB/RJ (IBAM / BNH, 1979). No mesmo ano, é instituída uma significativa mudança no SFH: a que torna as inscrições na CEHAB abertas ao público em geral, deixando, portanto, de existir a vinculação com a remoção de favelas. Segundo ABREU & BRONSTEIN, essa medida desvirtuou totalmente a função do BNH e da CEHAB: “Ao invés de adequarem os programas às faixas carentes da população (como seria de se esperar pelo simples exame dos objetivos declarados quando da criação do Banco), criam-se 27 Na realidade, esse percentual era destinado conjuntamente à aquisição de terrenos, infra-estrutura e equipamentos comunitários dos conjuntos. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 51 medidas que viabilizem o programa, em detrimento da população a ser atendida.” (ABREU & BRONSTEIN, 1978:307). Nesse tempo, a crise econômica já havia se instalado há muito no país, e o governo tentava, plano após plano, conter as altas taxas de inflação. Convém lembrar que o regime militar já estava, a esta altura, mais do que consolidado; estava caminhando em direções diferentes daquelas que o colocaram e mantiveram-no no poder desde 1964. A sociedade civil reiniciou o processo reivindicações e de formações políticas. Paralelamente, em 1976 surge a Pastoral de Favelas, movimento da Igreja Católica que resgata as organizações nas favelas, esfaceladas desde o último congresso da FAFEG, em 1968. Num âmbito geral, o governo militar se vê obrigado a assumir uma “postura de distensão política” (SILVA e SILVA, 1989:67), mas o faz por entender que dessa maneira poderia se manter no poder. No final da década de 70, alguns fatos sinalizaram para a abertura política, como a extinção da censura à imprensa e do Ato Institucional n.º 5, que havia feito dezenas de presos políticos. Fazendo parte das tentativas de legitimação, a política habitacional brasileira também caminha para a abertura, e dessa forma, o discurso do BNH se desloca de um extremo ao outro, atendendo às solicitações populares pela não remoção e pela urbanização. O que de fato acontecia era que as favelas, graças à Pastoral e também graças à proximidade das eleições de 1982 voltaram a ter o seu peso político. Nas palavras de SILVA e SILVA: ”...além disso, as eleições diretas, estendendo-se aos governadores dos Estados, retomam seu peso no cenário político nacional. Assim, as favelas, as palafitas, os mocambos etc. passaram a representar um peso político, e o governo, que já vinha de duas derrotas eleitorais, ao se aproximar o pleito de CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 52 1982, além das pretensões políticas do ministro do Interior, Mário Andreazza, na qualidade de virtual candidato do partido do governo à Presidência da República, não poderia mais ignorar o significado político das favelas” (SILVA e SILVA, 1989:76). À abertura política, juntem-se os altos custos do Sistema Financeiro da Habitação como um todo, que por sua vez fazem parte da crise econômica, com altas taxas inflacionárias. Assim, no final do ano de 1979 foi criado o PROMORAR – Programa de Erradicação de SubHabitações, que atuava no mesmo espaço onde se localizavam as subhabitações. Dessa forma, o programa buscava a redução dos custos, através de caminhos diferentes do sistema tradicional e “atraindo fontes de recursos e soluções técnicas até então inexploradas” (FINEP/GAP,1985:95). As propostas do PROMORAR eram as seguintes: ▬ “Erradicar as sub-habitações destituídas de condições mínimas de serviços, conforto e salubridade, especialmente as que compõem aglomerados conhecidos por ‘palafitas’, ‘mocambos’ e ‘favelas’; ▬ Priorizar a erradicação de sub-habitações componentes de aglomerados que, por sua situação crônica socialmente crítica, devem merecer preferência na programação dos governos estaduais; ▬ Propiciar a permanência das populações beneficiadas nas áreas onde anteriormente se localizavam após a eliminação das subhabitações; ▬ Promover a recuperação de assentamentos de sub-moradias sujeitas a inundações, mediante a utilização de sistemas de aterro” (SILVA & SOUZA apud SILVA e SILVA, 1989:77). Assim, foi lançado no âmbito do PROMORAR, o Projeto Rio, na cidade do Rio de Janeiro, para urbanizar e remover parcialmente um conjunto de favelas conhecido como “Favela da Maré”. Para isso, criou-se um grande terreno junto à localização original da favela, pelo aterro de CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 53 parte do Canal do Cunha, da Baía de Guanabara, para a construção de novas moradias. A criação desse terreno foi possível graças a um mecanismo existente em lei28, que transfere ao DNOS (Departamento Nacional de Obras de Saneamento) todos os terrenos de marinha que tenham sido recuperados, por meio de obras, por ele. Assim, o BNH financiou as obras de recuperação e aterro daquele trecho de margem da Baía da Guanabara, que executadas pelo DNOS, fizeram com que a terra fosse a ele transferida; este, por sua vez, passou seu domínio ao BNH. Dessa maneira, o BNH passou a deter os terrenos necessários para a execução do programa e mais alguns remanescentes, que vendidos a preço de mercado, “asseguraria[m] ao processo condições de auto-financiamento”. 29 Na exposição de motivos do Projeto Rio, encontra-se a intenção do fornecimento à população de vários espaços de uso comunitário. Dentre eles, escolas, centros de saúde e núcleos de lazer tais como teatros, cinemas e quadras de esporte. Era anunciado, ainda, que seria criado um grande parque verde, com semelhanças ao do Flamengo, e também novas praias. No entanto, por motivos dentre os quais as circunstâncias políticas existentes durante o período, somente uma pequena parte desses espaços chegou a ser materializada. Tais circunstâncias residiram no fato de que, até fevereiro de 1982, o Governo do Estado estava em consonância com o Governo Federal. A partir de então, o Governo Estadual passou a apoiar o partido de oposição ao Governo Federal, disputando portanto, os votos que seriam frutos de toda ação do Projeto Rio30. 28 Lei n.º 4.089, de 13/07/62, artigo 46 (SOUZA e SILVA, 1984). 29 Exposição Interministerial de Motivos n.º 066/79 de 25/06/79, apud SOUZA e SILVA, 1984:50. 30 Observe-se que as eleições de 1982 aconteceram em novembro, 3 meses após a inauguração da “Vila do João”. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 54 Ao final dessa disputa, as agências estaduais que colaboravam com o BNH no Projeto Rio foram “marginalizadas” (VALLADARES, 1985:86). Dessa forma, “a instalação dos equipamentos coletivos, que são da alçada da administração estadual e municipal ficaram por realizar-se, notadamente na área consolidada das seis favelas” (VALLADARES, 1985:86 - grifo nosso). Como poderá ser visto mais adiante, o Projeto Rio teve duas fases distintas, antes e após a cisão política entre Governo Estadual e Governo Federal. Como a esfera estadual era a responsável pelos EUCs, após a sua saída do projeto, o Governo Federal não cumpriu os compromissos assumidos anteriormente com a população, deixando em aberto uma lacuna que ele mesmo havia provocado, quando dispensou o Governo Estadual do Projeto Rio. Mais uma vez, pode-se observar que a complementação da unidade habitacional pronta, que seriam os EUCs, deixa de existir por ficar ao sabor da vontade política de seus executores, onde a prioridade é o espaço privado, a unidade habitacional em si. Além disso, segundo SILVA e SILVA, o PROMORAR, depois de alguns anos, tornou-se extremamente autoritário, “...ao impôr-se às populações, derrubando barracos sem oferecer nenhuma indenização, e obrigando as famílias a comprarem uma casa, muitas vezes em piores condições do que a que foi demolida, ao não apresentar possibilidades de abrigar mesmo uma família pequena” (SILVA e SILVA, 1989:77). E, com as sucessivas crises financeiras pelas quais o BNH passou, o programa tornou-se extremamente lento, chegando mesmo a haver interrupções em algumas localidades. Já em 1984, continuando a conjugação escassez de recursos/abertura política, o BNH institui o Programa Nacional de Autoconstrução / Projeto João-de-Barro. Neste programa, a população construiria suas próprias casas, em regime de auto-ajuda ou de mutirão, CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 55 tendo material construtivo subsidiado e assessoria técnica gratuita de profissionais do Estado ou da Prefeitura. Os terrenos destinados às construções seriam aqueles que já pertencessem ao SFH ou os doados por Estados e Municípios, quando adequadamente localizados (BNH, 1984). Apesar de despontar como uma solução de vanguarda em relação às outras, o João-de-Barro trouxe embutido um fator que desagradou às correntes mais trabalhistas, que consideravam a autoconstrução uma super-exploração da força de trabalho, já tão castigada pela labuta diária, além de gerar conflitos nas comunidades, nas relações entre os que se encontravam desempregados e trabalhavam todos os dias no programa, e os que possuíam emprego e que só trabalhavam pela comunidade à noite e nos finais de semana. Em nosso entender, o João de Barro representa um terceiro passo na modificação da política habitacional brasileira. Da época das massivas remoções, a primeira mudança significativa, apesar de ter sido uma ação isolada, foi a experiência da CODESCO. Mesmo tendo havido posteriormente o hiato de uma década, e de não ter privilegiado exclusivamente a urbanização, o PROMORAR, no final dos anos 70, foi um programa que teve mais identidade com a CODESCO do que com a COHAB/CEHAB, porque da mesma forma que a CODESCO, ele não transferia as populações faveladas para a periferia da cidade. Nesta decisão estão implícitos alguns fatores, como proximidade do mercado de trabalho e custos com deslocamentos. Com o Projeto João de Barro, além desses fatores, tem-se também a participação direta da população na execução de sua moradia (também semelhante aos procedimentos adotados pela CODESCO), evitando assim, a produção em massa de casas e apartamentos impessoais e sem elo de identificação com o seu usuário. Mais do que isso, o João de Barro foi a institucionalização oficial da autoconstrução em âmbito nacional, o que já acontecia informal e espontaneamente nas favelas há várias décadas. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 56 Conforme será visto posteriormente, o aproveitamento da força de trabalho local continuará a ser uma prática corrente na política habitacional dos anos 90, ainda que sob outros aspectos. II.3) C ONSIDERAÇÕES SOBRE O PRESENTE CAPÍTULO (1ª PARTE ) No período de tempo analisado até aqui (início do século – início da Nova República), vimos que o discurso e a prática do fornecimento dos EUCs se comportaram, por assim dizer, como uma curva senoidal, com períodos onde o discurso e a prática estiveram conectados e períodos onde eles não o estiveram. Durante no Estado Novo de Getúlio Vargas, tem-se a política habitacional dos IAP's e também a do Departamento de Habitação Popular do Distrito Federal, que trabalharam com o discurso do homem moderno, do homem social, e a arquitetura então refletiu esses conceitos, produzindo inclusive alguns dos exemplares mais significativos do modernismo brasileiro, conjuntos habitacionais dotados de amplo espectro de espaços de uso comunitário. Com o advento do golpe militar e a criação do BNH, discurso e prática se distanciaram, sendo essa a época da política habitacional brasileira de maior número de favelas removidas, maior produção de unidades habitacionais e conseqüente passagem para segundo plano dos EUCs. A produção desses espaços ficava sujeita a todo tipo de contratempo que pudesse existir: falta de visibilidade política, falta de verba e falta de tempo, dentre outros. Com a abertura política, em 1979, a política habitacional também sofreu um processo de abertura, e a partir de então é defendida pelo poder público a urbanização de favelas, com o fornecimento de vários espaços de uso comunitário, diferentemente da época anterior. No entanto, a abertura do processo político não foi suficiente para garantir que a prática CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 57 correspondesse ao discurso. Justamente por motivos eleitorais, advindos da própria abertura, a população, na prática, ficou sem os espaços de uso comunitário que haviam sido largamente anunciados pelo discurso do programa em questão, o Promorar. Adiante, será visto como foi o comportamento governamental em relação ao fornecimento de EUCs a partir da Nova República, em 1985. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 58 II.4) D O INÍCIO DA N OVA R EPÚBLICA (1985) AO INÍCIO DA P OLÍTICA H ABITACIONAL ADOTADA PELA P REFEITURA DA C IDADE DO R IO DE J ANEIRO (1993) Essa fase será denominada como sendo a fase de “transição”, por ser um período em que as remoções praticamente inexistiram, mas por outro lado a urbanização de favelas ainda não era uma prática adotada oficialmente em grande escala. A instabilidade econômica que o Brasil viveu a partir de 1986, com o Plano Cruzado, o primeiro de muitos pacotes econômicos, fez com que o nível de financiamento para a casa própria caísse a níveis nunca antes registrados. Além disso, essa é a fase onde começa a haver, na esfera governamental, uma assimilação de algumas propostas dos movimentos sociais urbanos ocorridos no passado. No entanto, até a concretização de tal assimilação, por volta do ano de 1993, pouca ou nenhuma atitude para redução do déficit habitacional foi tomada da cidade do Rio de Janeiro. Ainda no início da Nova República, através do Decreto n.º 91.531, de 15/08/85, foi criado o GTR/SFH, com o encargo de “analisar os fundamentos, a evolução e os problemas do SFH, a fim de apresentar ao Governo Federal subsídios e sugestões para a reformulação da política habitacional, com vistas a melhor compatibilizá-la com as diretrizes governamentais no campo do desenvolvimento social e econômico” (GTR/SFH,1986:01). O GTR/SFH acabou por se apropriar de reivindicações da sociedade, tornando oficiais as tendências e reivindicações que antes existiam apenas no plano das “pressões populares”, como não-remoção, urbanização, integração entre a moradia e “a oferta de serviços básicos de transporte coletivo e saneamento, especialmente água tratada e esgoto, para os quais devem ser orientados com prioridade os investimentos públicos” (GTR/SFH,1986:10). CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 59 O BNH enfraqueceu com o Plano Cruzado em 1986, porque acabando a inflação (ou a perspectiva dela), as cadernetas de poupança não só deixaram de ter novos depósitos como também sofreram elevados saques, quase sempre destinados à elevação do consumo (SILVA e SILVA, 1989). Como o Banco dependia diretamente dessa fonte, esse foi um dos motivos que em muito contribuíram para a sua extinção, em novembro daquele ano. As mudanças na mentalidade governamental que vinham acontecendo ao longo da década de 80 deixavam claro que a política habitacional que havia se caracterizado por grandes investimentos na produção de grandes conjuntos não se daria mais da mesma forma, fosse pelo fator econômico, dada a crise financeira, fosse pelo fator social, que acabava surgindo como conseqüência do anterior. Como não havia mais a abundância de recursos para grandes investimentos, o caminho que se avizinhava seria aproveitar a mão-de-obra da população para fazê-la interagir com a construção de sua própria residência, no bairro onde ela mesma havia escolhido. Assim, estaria partindo-se do princípio que já existia um sentimento de identificação entre moradores e local de moradia, o que faz com que seja mais fácil atender a carência habitacional da população, já que ela permanecerá onde lhe agrada morar. A esse respeito, BONDUKI (1988) considera que a prática de se utilizar a mão-de-obra do próprio usuário é “inevitável”; do contrário, a população vai continuar construindo ela mesma, só que sem técnicas, sem apoio, e de uma maneira completamente informal, à margem de normas e leis urbanísticas. Já SANTOS (1988) chega à conclusão de que o “sentimento de bairro” desenvolvido pelo morador deve realmente ser considerado em programas como ‘Cada Família um Lote’, porque esse sentimento faz com que os moradores não só executem mas lutem também por melhorias em suas residências, o que não acontece nos CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 60 conjuntos habitacionais, já que “os moradores eram removidos de suas localidades orgânicas e não lhes era dado o direito de escolha” (SANTOS, 1988:87). Pela primeira vez, surge a preocupação com o sentimento de identificação, que tanto foi desprezado nos programas de remoção. Tais conclusões, ainda que antecipadas, vêm confirmar o que a própria cidade já sinalizava, com seu crescimento demasiado. Era tempo de mudança na mentalidade, porque se até o fim do regime militar havia de fato uma política habitacional, que tentava minimizar o diferencial existente entre o número de pessoas e o de moradias adequadas, desde então, nada foi feito, a despeito do crescimento da população, como pode ser visto no quadro abaixo: Figura II.6 - Crescimento Cidade / Favelas População em 1991 População em 1996 Taxa de crescimento Cidade 5.480.778 5.551.538 1,29% Favelas 882.147 952.429 7,97% Fonte : Anuário Estatístico da cidade do Rio de Janeiro, em consulta pela internet, site http://www.rio.rj.gov.br/ipp/dic/frame.htm, visitado em 16/02/00. Avalia-se pelos dados acima que o crescimento das favelas foi mais de seis vezes superior ao da cidade, e crescimento de favelas significa que a população e a oferta de moradias crescem em proporções diferentes. Em determinadas favelas, a taxa de crescimento foi mais elevada, como por exemplo: Jacarezinho: 11,02%; Complexo do Alemão: 35,7% e Complexo da Maré: 68,43%31, além de outras não mencionadas aqui. 31 Fonte: Em São Conrado, Rocinha II vai ganhando forma. O Globo, Rio de Janeiro, 15 mar. 1998, 2ª ed. Primeiro caderno, p.17. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 61 Diante de tal situação, onde a população favelada crescia em progressão geométrica, a cidade urgia por alguma solução. Tal viria no Plano Diretor Decenal e também no Plano Estratégico da Cidade. De fato, no Plano Diretor Decenal, de 14 de junho de 1992, pode ser encontrado o seguinte texto: “Art. 44: O uso e ocupação do solo urbano respeitarão os seguintes princípios e objetivos: (...) III – não remoção de favelas; IV – inserção de favelas e loteamentos irregulares no planejamento da Cidade com vista à sua transformação em bairros ou integração com os bairros em que se situam;” 32 Além disso, no mesmo documento pode ser encontrado um capítulo inteiro dedicado à política habitacional33, onde são detalhadas as suas diretrizes e objetivos. Basicamente, a partir deste momento, a proposta é a não remoção acompanhada da urbanização e integração das favelas à cidade. Da mesma forma, no Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro, existem 7 estratégias, e a de número 4, “Rio Integrado”, é onde está inserida a política habitacional. O seu objetivo número 4.2 traz o seguinte texto: “Criar condições para normalizar a situação urbanística, favorecendo a integração e a reconversão das favelas. Proporcionar acesso à moradia popular” (RIO DE JANEIRO, 1996:40). 32 Plano Diretor Decenal, Título VI [Do uso e ocupação do solo], Capítulo I, art. 44. Título VII [Das políticas setoriais], Capítulo II [Da política habitacional], arts. 138 ao 167. 33 CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 62 O Plano Estratégico é mais recente (1995) do que o Plano Diretor, mas seu embrião está bem próximo daquele, já que data de 22 de novembro de 1993 a assinatura do acordo de cooperação entre a Prefeitura, a ACRJ (Associação Comercial do Rio de Janeiro) e a FIRJAN (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) para a sua realização (RIO DE JANEIRO, 1996:57). Para o Estado de uma maneira geral, e em particular, para o Município do Rio de Janeiro, foco deste trabalho, o desafio que devia ser vencido, em termos de política habitacional, era enorme. Além de suprir as deficiências de seu próprio tempo, caberia a ele também suprir as deficiências deixadas pela ausência de qualquer política e produção habitacional desde o final do regime militar. Isto significava eliminar quase dez anos de carência, para a situação ficar equilibrada somente com as carências contemporâneas. Cabe aqui registrar uma determinada época, em particular, para o Estado do Rio de Janeiro, durante o mandato do governador Leonel Brizola, onde depois de muitos anos de repressão, as favelas se viram num momento propício para crescer, e de fato cresceram. A própria eleição de Brizola, primeira acontecida no estado após 1965, foi um reflexo do descontentamento popular com o poder público, tendo em vista que os demais candidatos ou estavam relacionados à épocas passadas da ditadura, ou então eram exclusivos do operariado, e não propriamente dos favelados (BURGOS, 1998:41). Ainda segundo Burgos (1998), a partir daí, o voto que elegeu Brizola pode ser caracterizado como o voto do descontentamento, e a concretização de sua eleição, o início de uma época de benesses concedidas à proliferação das favelas. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 63 O fato de, nesse período, as remoções de favelas terem diminuído francamente, e também, de algumas urbanizações terem começado a tomar forma (como as praticadas no Programa Cada Família Um Lote), faz com que ele não seja marcado pela expressiva prioridade à produção de espaços privados, como o período anterior. Na realidade, foi um período onde, pela escassez das iniciativas, não houve ênfase nem à produção de espaços privados nem de espaços de uso comunitário, muito menos pudemos encontrar nele dicotomia alguma entre discurso e prática, já que o discurso nem existia. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 64 II.5) A ATUAL POLÍTICA HABITACIONAL CARIOCA (1993 - ... ) Ao falar de uma política habitacional municipal, deve-se levar em consideração o fato de as prefeituras das cidades de maior porte terem tido a sua receita ampliada, em virtude da Constituição Federal de 1988. Além disso, “alguns estados criaram, inclusive, fontes de receita vinculadas à produção de habitações (adicionais do ICMS destinados à formação de um Fundo de Financiamento Habitacional)” (ARAGÃO, 1999:542). Desta forma, em termos de política habitacional, a atividade de Governos Estaduais e principalmente, Municipais, deixou de ser complementar à atividade do Governo Federal, como o foi durante anos, para assumir caráter próprio. Foi a partir desse momento que os projetos considerados “alternativos”, como urbanização de favelas e autoconstrução ganharam maior ênfase, já que é a esfera municipal que cuida do dia-a-dia da cidade, funcionando como uma espécie de “síndico”, podendo assim interpretar e, na medida do possível, atender aos anseios dos moradores. Diante das premissas estipuladas no Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro para a política habitacional, restava ao prefeito recém-empossado, César Maia, trabalhar no sentido de colocá-las em prática. Tais premissas preconizavam que o uso e a ocupação do solo deveriam ser pautados, dentre outras coisas, pela não remoção de favelas e pela integração destas à cidade. Essa “integração”, na realidade, significava permitir uma mesma leitura urbanística e social para as favelas e para a cidade, o que poderia representar, potencialmente, uma infinidade de eleitores satisfeitos ou não, dependendo de como essa prática fosse articulada. Para que ela viesse realmente a funcionar, deveria ser primeiramente muito bem elaborada. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 65 Assim, apesar da proposta da nova política habitacional (e como será visto mais adiante, do Favela-Bairro, consequentemente) ter surgido em parte pelas determinações do Plano Diretor, ela na realidade vinha muito a calhar numa cidade como o Rio de Janeiro, onde a proliferação de favelas aumentava cada vez mais34, e essa população seria então um dos elementos fundamentais para o sucesso da política em elaboração. Mesmo que não faça parte da “cidade formal”, a população residente em favelas faz parte da “cidade real”, ainda que residam em locais com escassez de infra-estrutura urbana, de normas urbanísticas e principalmente com ocupação irregular do solo. Este “segmento social” residente em favelas possui, em grande maioria, peculiaridades sociais, econômicas e espaciais. São pessoas de uma maneira geral “marginalizadas” pela sociedade, conhecidas como faveladas, que é um termo que adquire contornos pejorativos ao ser utilizado. Contudo, apesar de marginalizada, essa população contribui significativamente para a circulação monetária. Seus salários são baixos (vide quadro abaixo), porém eles são grande parte da mão-de-obra utilizada pela classe média, numa gama variada de serviços. Figura II.7 – Quadro comparativo dos salários dos chefes de família residentes na favela e no restante da cidade. Item comparativo Favela Cidade “formal” Renda média dos chefes de família (em sal. mínimos) 1,71 5,84 Chefes de família que ganham até 2 sal. mínimos 72,3% 35,5% Chefes de família que ganham mais de 2 sal. mínimos 0,61% 15,1% Fonte: “Uma cidade e dois mundos”, Jornal do Brasil, caderno Cidade, página 31, 27 de março de 1997. 34 Segundo IPLANRIO (1997), a população favelada da cidade do Rio de sofreu, em apenas 2 anos, um acréscimo de 12%, chegando mesmo estar atingindo, no início do século XXI, a marca de um milhão de pessoas. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 66 Por outro lado, eles também são consumidores da indústria movimentada pela mesma classe média. Portanto, podemos ver que ainda que seja de maneira tênue, já existe um elo de integração ao menos pelo viés econômico. Na realidade, existe não apenas um elo, mas uma dependência mútua da classe média e da população residente em favela, em termos econômicos. Assim, considerando-se todos os aspectos envolvidos, esse era um contingente da população que não poderia ser desprezado em termos de atitude política. Na realidade, desde a abertura política, na passagem dos anos 70 para os anos 80, a população favelada já estava, gradativamente, voltando a ocupar lugar de destaque no cenário político, sendo cada vez menos desprezada em termos de “votos em potencial”35. Apesar disso, esse contingente de moradores de habitações precárias sempre foi um “incômodo” para a cidade, turística por natureza, e também para seus habitantes “legais”. Sem falar na condição de vida dos próprios moradores das favelas. Dessa maneira, trazer para o cenário político um programa que “integrasse” as favelas à cidade seria positivo para os dois lados. Tanto a população favelada ganharia, deixando de morar numa favela, quanto a população formal teria a possibilidade de “se livrar” do cenário miserável e de pobreza. A qualidade da paisagem na cidade do Rio de Janeiro é um ponto sensível da opinião pública, e toca a fundo o imaginário da população. O uso de um discurso que busque a melhoria da cidade pela eliminação das favelas da paisagem funciona muito bem junto à população. Transmite a idéia de preocupação, de atenção para com a cidade e seus habitantes. Essa estratégia, de atuar no imaginário da 35 Tal fato deve-se à retomada das eleições diretas, primeiro para governador de estado, e posteriormente para prefeito da capital, advindos da abertura política no final do regime militar. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 67 população em relação à paisagem da cidade, já havia sido utilizada pelo poder público na ocasião do Promorar, no Rio de Janeiro. Como será visto mais adiante, um dos pontos mais marcantes do discurso utilizado no Promorar era que as palafitas, às margens da baía de Guanabara e ao lado do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, iriam desaparecer do cenário, deixar de existir. Quando, futuramente, compararmos o Favela-Bairro e o Promorar, neste trabalho, veremos que esta estratégia é um dos pontos em comum entre os dois programas habitacionais. No Favela-Bairro, objeto do presente item, tal estratégia, quando anunciada, se transformou possivelmente num dos maiores chamarizes de votos que o Rio de Janeiro já havia visto, o que de fato, funcionou até certo ponto, dado que o candidato do Prefeito que havia instituído o FavelaBairro foi vencedor das eleições municipais. Apesar disso, como será visto mais tarde, os problemas advindos da execução do programa contribuíram para a não reeleição do próprio prefeito, então candidato a Governador do Estado do Rio de Janeiro. Possivelmente, essa derrota já foi um reflexo da dicotomia existente entre o discurso e a prática efetiva, como voltaremos a comentar mais adiante. Obviamente, no âmbito da população formal, existe uma facção que continua sustentando a remoção das favelas. No entanto, pelas premissas já explanadas anteriormente, e até por falta de terras para acomodar quase um milhão de pessoas, essa possibilidade de remoção nunca foi cogitada pela atual política habitacional da cidade do Rio de Janeiro, que, muito pelo contrário, sempre teve no bojo de seu discurso o aproveitamento do esforço coletivo já despendido nas favelas, na construção de suas próprias casas. Por isso, reafirmamos, nunca se falou em remoção massiva na atual política habitacional do Rio de Janeiro. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 68 Dessa maneira, diante do entendimento de que as favelas e seus habitantes também fazem parte da cidade36; e à luz da nova legislação, estabeleceu-se que a época de remoções / reassentamentos em grandes conjuntos habitacionais havia ficado definitivamente para trás, para alívio da população favelada. O cerne da futura política habitacional agora não seria mais a produção de casas, mas a produção de cidades37. De fato, o foco do novo discurso se baseava não apenas na satisfação da população favelada, não removendo-a, mas também na visão de tratar a cidade como um todo. A situação política tem, por característica natural, um equilíbrio frágil, por isso a necessidade de gerenciamento do atendimento às diversas facções da população se torna imperativa, para que não haja um desequilíbrio na oferta de “atenções”. Era necessário que todos, de uma maneira geral, estivessem satisfeitos com o poder público. A partir de então, a maneira encontrada pela prefeitura para equacionar este problema (a partir da aceitação das favelas) era trabalhar com novas formas de políticas habitacionais, tratando a habitação não como uma unidade individual (esteja ela em favela ou num bairro formal), mas como parte de um todo urbanístico de uma cidade, que precisa de tratamentos diversos, e não só da produção de mais moradias. O objetivo pretendido pelo poder público municipal era que os investimentos públicos, direcionados à coletividade, como infra-estrutura e melhoria do ambiente urbano, colhessem maiores frutos na medida em que contribuíssem para a 36 Segundo BURGOS (1998), a definição atribuída à favela no Plano Diretor Decenal (1992) não possui características morais ou culturais, apenas a leitura de um espaço mal servido urbanisticamente. Dessa forma, “despida de preconceitos, tal representação da favela mostra-se compatível com sua efetiva integração à vida social e política da cidade.” (BURGOS, 1998:48). 37 “Produção de cidades” é um termo amplamente utilizado pelo atual (1994 - ... ) Secretário Municipal de Habitação, Sérgio Magalhães, para designar a principal característica da política habitacional da PCRJ. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 69 fixação da população nos locais onde reside, incentivando os moradores a melhorarem suas próprias residências. Obviamente, após o processo de regularização urbanística, procederse-ia à regularizando da situação fiscal das moradias nas favelas, aumentando a receita do município. Esse fato atende, parcialmente, aos interesses de uma parcela específica da população, residente em algumas áreas da zona sul da cidade, e que sempre se mostrou insatisfeita com o poder público, por ter que pagar altas taxas de Imposto Predial e Territorial Urbano por estarem em terrenos altamente valorizados, quando, na realidade, são vizinhos de favelas que não pagam nada para estarem ali, nos mesmos terrenos valorizados38. Após a implantação da nova política, as favelas passarão a pagar o IPTU regularmente, ainda que este venha a ter um valor mais baixo do que aquele que pagam as moradias que sempre têm sido “formais”. Se a prefeitura de fato conseguir a integração de todas as favelas à cidade, isso significará a inclusão de 1.000.000 de novos habitantes na legalidade urbana (aproximadamente 1/5 da população, que está concentrada em 2% do território do município39), com acesso a novas redes de iluminação pública, água, esgoto e drenagem das águas pluviais, além de outros serviços básicos como telefones públicos e residenciais, sistema de coleta de lixo, possibilidade de combate a incêndios em quase 38 Como exemplo dessa situação pode ser citado o bairro de São Conrado, que tem o valor de IPTU mais alto da cidade, mas que encontra-se permeado pelo menos por duas (grandes) favelas: Vidigal e Rocinha, sendo esta considerada inclusive a maior favela da América Latina. 39 A dimensão da concentração populacional das favelas pode ser dada pela sua densidade demográfica: 37.076 hab/km², enquanto a média da cidade não passa de 4.366 hab/km². (Dados extraído da matéria “Uma cidade e dois mundos”, do Jornal do Brasil, caderno Cidade, página 31, em 27 de março de 1997). CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 70 todas as ruas, correio em cada residência e socorro médico de emergência, por exemplo. Acreditamos que, na época da elaboração da política, contavase com a capacidade que as concessionárias teriam para atender à demanda que seria criada, mas de qualquer maneira, a regularização dos serviços de infra-estrutura também traria um retorno fiscal aos cofres públicos. Para operacionalizar tão ousados objetivos e então pôr em prática o que preconizava o Plano Diretor seria necessária a elaboração de uma nova política habitacional propriamente dita, incluindo sua parte logística. Na realidade, membros da equipe de elaboração do Plano Diretor também fizeram parte da assessoria que acabou por elaborar os programas habitacionais da prefeitura naquela gestão (FINEP/IBAM, 1996). Portanto, a “colocação em prática” nada mais foi do que um desdobramento dos conceitos já estabelecidos anteriormente pelo mesmo grupo ideológico de profissionais. As diretrizes contidas no Plano Diretor podem ser vistas como o preenchimento de uma lacuna que despontara anteriormente (1987) em dois programas: o Projeto Mutirão e o Mutirão Reflorestamento (ambos da esfera municipal). O primeiro visava a “urbanização simplificada”, e o segundo, o reflorestamento de algumas encostas. No entanto, nenhum dos dois pôde ser viabilizado em sua totalidade, por falta de uma política maior que desse condições de base e apoio, não só para estes dois (FINEP/IBAM, 1996), mas também para outros que precisavam ser criados para atender necessidades específicas, como crédito de material de construção para o morador aumentar / reformar / construir sua casa. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 71 Dessa forma, foi durante um seminário sobre habitação, em agosto de 1993, na Câmara dos Vereadores, que foi anunciada a criação do GEAP – Grupo Executivo de Assentamentos Populares (SMH,1995). Participavam do GEAP representantes de todas as secretarias municipais que se relacionam com o tema (IPLANRIO, 1996), procurando estabelecer, assim, propostas interligadas de governo. Até então, não havia um órgão ou departamento no governo municipal responsável exclusivamente pela pasta de habitação. Ela era distribuída entre as várias secretarias afins, com ações dispersas. Com a criação do GEAP, ligado diretamente ao prefeito, o grupo teve a incumbência de elaborar a política habitacional para o município. A principal recomendação que o GEAP fez à prefeitura foi que fosse criado um órgão (uma Secretaria) específica para a área de habitação. Assim, em 29 de dezembro de 1993 foi criada a SeH – Secretaria Extraordinária de Habitação, sendo o titular de sua pasta o então Secretário-Executivo do GEAP, arquiteto Sérgio Magalhães. A criação do GEAP nada mais foi do que a personificação da entidade que conduziria a nova política habitacional. Na apresentação desta política em publicação da então recém-criada Secretaria Municipal de Habitação, o prefeito César Maia anuncia oficialmente o conceito que estava sendo adotado: “a habitação não é só casa, mas integração à estrutura urbana (infra-estrutura sanitária, de transporte, de educação, de saúde e de lazer); e que compete à coletividade prover a estrutura urbana” (grifos no texto original). E ainda: “serão adotados pelo Município do Rio alguns procedimentos básicos: os investimentos públicos devem direcionar-se àquelas ações próprias da coletividade (infra-estrutura e ambiência urbana); os investimentos públicos em unidades habitacionais devem se dar somente quando necessários à melhoria da ambiência urbana, (grifo nosso) da infra-estrutura, ou para enfrentar CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 72 situações de risco; e o oferecimento para construir em terra infraestruturada” (Secretaria Municipal de Habitação, 1995:[1]). Essa intenção de criação dos espaços de uso comunitário no discurso da política habitacional estava bem explícita, dado que, conforme dito anteriormente, eles seriam elementos fundamentais para contribuir no processo da integração favela-cidade. Seria, dentre outras coisas, através de símbolos e signos impressos por eles que a favela estaria caminhando em direção à “integração”, já que as favelas são vistas como “manchas” na cidade, “buracos-negros” onde não existe infra-estrutura. Ninguém que resida na cidade “formal” vai em busca de socorro médico, por exemplo, dentro de uma favela. A situação oposta é a que acontece, e possivelmente quando percebeu isso, o poder público elaborou uma política que preconizasse a construção de vários tipos de espaços de uso comunitário, como postos de saúde (do exemplo mencionado acima), escolas, creches etc. Tudo para que a favela pudesse ter uma certa autonomia, e ao mesmo tempo, “ser interpretada” como mais um bairro da cidade, onde os serviços (e o poder) públicos estão presentes. Além disso, com a possibilidade da integração, desenhou-se no imaginário da opinião pública que ela (a integração) viria do mesmo modo acabar com um outro fator que também sempre incomodou à população formal, que é o aspecto estético da favela (DUARTE, 2000), com edificações sem acabamento, sem afastamento umas das outras, e sem alinhamento. Dessa forma, a política habitacional anunciada estava se propondo a fazer algo que muitos ansiavam: “acabar” com as favelas, ainda que não as removesse. No entanto, como será visto mais adiante, ao não se concretizar na sua totalidade, esse discurso foi perdendo apoio popular e consequentemente, votos. Ficaram decepcionados tanto os que residem nas favelas, ao não terem todas as promessas de facilidades urbanísticas CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 73 totalmente cumpridas, quanto os que lá não residem, ao verem que as favelas não estão sendo “isoladas”, nem “integradas”, pelo menos no sentido estético da palavra. Em pesquisa com os moradores de uma favela beneficiada com o programa Favela-Bairro, Mata Machado, pudemos constatar que depois de transcorrido algum tempo do início das obras, a população foi aos poucos notando que os resultados acabavam ficando aquém de suas expectativas, devido a várias circunstâncias que serão melhor descritas no próximo capítulo. Além disso, os moradores da parte “formal” da cidade também vêm demonstrando sua insatisfação com o Favela-Bairro, através de home-pages estabelecidas exclusivamente para esse fim40, ou mais comumente, em cartas enviadas aos jornais: “Lenta e inexoravelmente vamos perdendo nossos espaços com as favelas-bairro. Eles podem tudo, com a conivência e a complacência das autoridades (...). Brevemente abandonaremos nossos lares e a eles entregaremos nossos bens que tanto lutamos para conquistar...Favela não se urbaniza! Favela se erradica.” Jornal O Globo, 10/10/99, seção Cartas dos Leitores. “...não é somente a Rocinha que cresce desordenadamente e, sim, quase todas as favelas do Rio. A devastação é geral, desfigurando toda a cidade (...). Com exceção do Parque da Catacumba, não se tem conhecimento de outra desmobilização de favelas. Aliás, naquele tempo a força da autoridade prevalecia. Era muito diferente de hoje, que o domínio da cidade está com a bandidagem”. Jornal O Globo, 10/10/99, seção Cartas dos Leitores. 40 Ver a home-page http://www.geocities.com/Athens/Crete/6913/favela1.htm, que será citada mais adiante neste capítulo. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 74 “...nossa cidade está se transformando numa ‘Cidade-Favela’ e a Tijuca é o protótipo do ‘Bairro-Favela’. Existem favelas por todos os lados, crescendo com a total conivência das autoridades municipais. A política iniciada no governo César Maia foi totalmente desvirtuada pelo atual prefeito...”. Jornal O Globo, 11/10/99, seção Cartas dos Leitores. Tais opiniões vêm exemplificar o nível de insatisfação que o tratamento político dado às favelas começou a gerar, passado algum tempo do discurso anunciado, sem que este tenha sido concretizado. - OS PROGRAMAS DA ATUAL POLÍTICA HABITACIONAL CARIOCA Com um discurso que atendia às expectativas de diversos segmentos da população do Rio de Janeiro, a concretização da política habitacional seria feita através de seis programas habitacionais, todos imbuídos dos mesmos conceitos gerais, de não remoção, de integração, da produção de cidades e da melhoria da ambiência urbana: 1. Programa Regularização de Loteamentos (Regularização/Saneamento); 2. Programa Regularização Fundiária e Titularização; 3. Programa Novas Alternativas (Vazios/Fraldas/Recomposição do Tecido); 4. Programa Morar Carioca (Legislação/Estímulo); 5. Programa Morar sem Risco (Recompor/Reassentar) e 6. Programa Favela-Bairro (Urbanização/Integração). Neste trabalho, o foco será dado ao Favela-Bairro, carro chefe da política habitacional da prefeitura41. 41 Para maiores detalhes a respeito dos outros programas, ver BURGOS (1998), SMH ([1996]) e a home-page da SMH (http://www.rio.rj.gov.br/habitacao). CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 75 II.5.1) PROGRAMA FAVELA-BAIRRO O Programa Favela-Bairro será abordado por nós com maior profundidade para que este sirva de base na análise entre o discurso e a prática das políticas habitacionais, comparando-o com outro momento da política habitacional, o Projeto Rio. Dessa forma, as informações aqui relacionadas serão remetidas para o próximo capítulo. Além desta razão, o Favela-Bairro é o programa que tem maior alcance e maior dotação de orçamento, dentre os outros da prefeitura do Rio de Janeiro. Como carro-chefe da política habitacional carioca, o Favela-Bairro tem por objetivos urbanizar favelas e dar títulos de propriedade às unidades nelas existentes e que sejam passíveis de legalização na forma de “Áreas de Especial Interesse Social” (AEIS). Casas e barracos em áreas de risco, por exemplo, são demolidos e seus ocupantes remanejados preferencialmente para o interior da própria favela. O início do Favela-Bairro aconteceu com um “Concurso público para seleção de propostas metodológicas e físico-espaciais relativas à urbanização de favelas no município do Rio de Janeiro“ (IPLANRIO/PMRJ, 1994: capa), organizado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB/RJ. Tal concurso, em 1994, selecionou 15 equipes multidisciplinares (DUARTE, SILVA & BRASILEIRO, 1996) coordenadas por arquitetos para atuarem nas 15 primeiras favelas escolhidas pela prefeitura para receberem a intervenção do Favela-Bairro42. Essas favelas foram escolhidas tendo em vista critérios como nível de urbanização existente e número de moradores. Para esta primeira 42 Na realidade, foram 16 favelas. A 16ª foi a do Andaraí, onde a própria prefeitura executou o projeto-piloto do Favela-Bairro. As demais foram: Caminho do Job, Canal das Tachas / Vila Amizade, Chácara de Del Castilho, Conj. Res. Fernão Cardim, Ladeira dos Funcionários / Parque S. Sebastião, Mata Machado, Morro da Fé, Morro do Escondidinho, Morro dos Prazeres, Morro União, Parque Proletário do Grotão, Parque Royal, Serrinha, Três Pontes e Vila Candido / Guararapes / Cerro-Corá. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 76 fase do programa, o que continuou posteriormente, seriam favelas de porte médio, de 500 a 2500 domicílios. Segundo BURGOS (1998), as favelas maiores acarretariam altos custos, e as menores, dispersão das ações. De fato, posteriormente foram lançados dois programas que beneficiam tais situações. Um para as grandes favelas da cidade, financiado pela Caixa Econômica Federal, e o “Bairrinho”, uma espécie de Favela-Bairro em menor grau de intervenção, para favelas de até 500 domicílios. Os objetivos do programa Favela-Bairro anunciados pelo IPLANRIO foram: • “Implantação de melhorias físico-ambientais que integrem as favelas aos bairros onde se localizam, preservando suas especificidades, através da complementação da estrutura urbana em cada uma das favelas; • Introdução de valores urbanísticos presentes no restante da cidade, tais como condições básicas de acesso e circulação viárias, infra-estrutura urbanística essencial, equipamentos urbanos, contando com a adesão e a participação da população residente durante o processo de implantação das melhorias físico-ambientais.” (IPLANRIO/PMRJ, 1994: [2]). O Favela-Bairro segue a mesma linha de toda política habitacional atual da prefeitura. A partir de então, as favelas passaram a ser reconhecidas como partes integrantes da cidade pelo poder público municipal43, faltando dotá-las de elementos que as trouxessem para a formalidade e legalidade urbanística, inserindo-as nas redes de infraestrutura urbana, reconhecendo seus logradouros e regularizando a situação fundiária de suas terras. Nesse ponto, fica claramente marcada a intenção proposta no discurso da SMH, ao implantar a nova política habitacional. Mais do que 43 Cabe aqui a lembrança do Código de Obras de 1937, que reconhecia a existência das favelas, mas como parte NÃO integrante da cidade, e determinava o seu extermínio. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 77 isso, o próprio prefeito se repetia constantemente, ao afirmar várias vezes o discurso adotado, de que “habitação não é só casa”. Esse elemento do discurso parece ter sido de muita importância, dada a ênfase que era dada a ele. Os espaços de uso comunitário estão sempre continuamente marcados – e em evidência – no discurso político utilizado. Eles estariam representando, na verdade, um dos fatores que faria o “diferencial” do programa, dado que pretendia-se que ele não fosse apenas “mais um“ programa de urbanização de favelas. A urbanização somente traria a infra-estrutura básica, já fornecida em outros programas de urbanização. Mas, ela era considerada “básica” demais para ser oferecida somente ela. Aí é que entram os EUCs, oferecendo uma gama de serviços variados nas favelas, e que seriam os verdadeiros condutores da tão “almejada” e propalada integração. Na realidade, esse discurso alimentava o imaginário dos moradores das favelas, no sentido de “melhorar de vida”, de “morar num lugar melhor”, com mais facilidades urbanísticas. Assim, quando o discurso foi anunciado, disparou uma série de vontades e desejos na população, que passou, então, a ansiar pelo fornecimento dos espaços de uso comunitário. Dessa forma, segundo o edital do concurso, as propostas metodológicas das equipes deveriam conter propostas para os seguintes itens: sistema viário (inclusive ampliação dos acessos às comunidades), abastecimento d’água, esgotamento sanitário, drenagem, recolhimento de lixo, energia elétrica, iluminação pública, equipamentos urbanos, transporte coletivo e arborização (IPLANRIO/PMRJ, 1994). Para elaborar esse escopo de propostas, a prefeitura se baseou em alguns pressupostos, como a consideração que deveria ser feita ao histórico da comunidade e o entendimento de que a população favelada não é uma categoria estanque, isolada. As desavenças existentes entre as CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 78 várias lideranças e associações da comunidade também deveriam ser levadas em consideração. Ainda, dentre os pressupostos, constava o aproveitamento do investimento já feito pela população em suas próprias residências. Assim, os reassentamentos, como já mencionado, só deveriam ser previstos em casos de famílias localizadas em áreas de risco, mas preferencialmente a transferência deveria ser feita para dentro da própria favela (IPLANRIO/PMRJ, 1994). O edital do concurso estava ditando as regras para um experiência até então inovadora. Como conseqüência, várias dúvidas foram suscitadas. Para o seu devido esclarecimento, a Comissão Organizadora do Concurso promoveu um encontro na sede do IAB/RJ, entre as equipes participantes e o Secretário Extraordinário de Habitação. Nesse encontro foi apresentado um argumento para a própria realização do concurso, um dos pontos diferenciadores entre as antigas políticas habitacionais e a atual. Até praticamente a extinção do BNH, quase toda materialização de políticas habitacionais era planejada e projetada por funcionários públicos que estavam habituados a executar a mesma fórmula de projeto de moradia. Com o concurso, começaram a trabalhar na política habitacional profissionais com perfis diferentes daqueles que trabalhavam anteriormente nos projetos de habitação de interesse social. Em épocas passadas, o arquiteto/engenheiro que projetava os conjuntos habitacionais era um funcionário público, ou então o projeto era primeiro concebido por ele e desenvolvido por uma empresa contratada pelo poder público especificamente para esse fim. Em muitos casos, a “receita” do projeto já estava pronta, não fazendo diferença em que localidade ou para que população se destinaria o novo projeto. Por esse CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 79 motivo, podemos encontrar a mesma planta de conjunto habitacional em vários estados do país. Atualmente, no Rio de Janeiro, a produção dos espaços de interesse social tem sido, em grande parte, concebida e planejada por escritórios de arquitetos atuantes no mercado de projetos de arquitetura, com diferentes linhas de tipologias projetuais e experiências nos mais variados programas. Essa mudança no perfil do profissional vem imprimindo maior dinamismo e variação na produção dos espaços nas 115 favelas44 beneficiadas pelo Programa Favela-Bairro. Dessa forma, o Poder Público estava convocando profissionais atuantes no mercado para concorrerem entre si, como melhor forma encontrada de estabelecer as linhas de planejamento da produção propriamente dita da política habitacional. Na esfera pública, com seus próprios funcionários, havia um certo desgaste, e algumas velhas fórmulas de soluções arquitetônicas não correspondiam mais às necessidades e também à realidade. Daí a existência do concurso. Nas palavras do então Secretário Extraordinário de Habitação: “Não há conhecimento sistematizado sobre o que fazer nas favelas. Se houvesse normas claras sobre como projetar em favelas e que estas condicionassem o desenho, o concurso seria outro: de provimento de cargos para contratar profissionais para desenvolver um trabalho para o qual existe uma metodologia própria no poder público.” (Concurso Favela-Bairro: Encontro em 19/04/94, Perguntas e Respostas, apud RIBEIRO, 1996:12) Na realidade, a criatividade dos arquitetos contratados não só deu vazão como também foi útil ao discurso político anunciado; a própria utilização dos arquitetos (e consequentemente, de projetos que seriam inovadores), era útil ao discurso, porque “ao utilizar propostas inovadoras”, 44 Dados de julho de 1999, divulgados em propaganda televisiva pela prefeitura. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 80 o poder público daquele momento estaria se desvencilhando de qualquer “ranço” ainda existente de antigas políticas habitacionais, promovendo ainda mais sua posição de vanguarda. Contudo, como será visto mais tarde, essa proposta em relação aos escritórios particulares deixou muitos profissionais frustados, ao verem seus projetos simplesmente descartados ou não executados. Apesar do conhecimento de causa que as equipes vencedoras do concurso demonstraram ter na apresentação das propostas, uma análise mais detida dessas mesmas propostas mostra, segundo RIBEIRO (1996:14), que elas se constituíam muito mais em uma “declaração de princípios” do que etapas de uma metodologia de intervenção em favelas. Tal fato dificultou a previsão do que seriam os projetos e as obras. Em 16/12/94, é criada a Secretaria Municipal de Habitação. A mudança de condição de extraordinária para Secretaria Municipal de Habitação veio consolidar uma política que àquela altura, estava ainda nos seus primeiros passos. No entanto, é com a assinatura do Decreto n.º 14.332 de 07 de novembro de 1995, que cria o Programa de Urbanização de Assentamentos Populares – PROAP-RIO, que a Secretaria Municipal de Habitação e principalmente o Favela-Bairro passam por profundas modificações. O PROAP é financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com contrapartida local do Município do Rio de Janeiro de R$ 100 milhões, um terço do investimento total previsto pelo PROAP45. Dos programas habitacionais da Prefeitura, dois fazem parte do PROAP: Favela-Bairro e Regularização de Loteamentos. Com a assinatura do PROAP, iniciou-se uma sistematização de planejamento e apresentação dos projetos de urbanização. Até então, o conhecimento que se tinha, tanto da parte dos escritórios como da parte 45 Até então, na primeira fase do programa, o investimento era exclusivo da Prefeitura, que somava R$ 43 milhões. (IPLANRIO, 1996). CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 81 dos técnicos da prefeitura, havia sido adquirido pela prática acontecida na primeira fase do programa. A instituição do decreto normatizou os procedimentos para a “urbanização de assentamentos populares”, que naquele texto, possuía a seguinte descrição: “...promoção de obras e ações destinadas a permitir a implantação, operação e manutenção de equipamentos e serviços de abastecimento d’água; esgotamento sanitário; circulação viária; drenagem pluvial; contenção e estabilização de encostas; reflorestamento; coleta de lixo e limpeza pública; iluminação pública; educação sanitária e ambiental; creche, praças, parques e jardins; esporte e lazer e outros programas sociais. Complementam a urbanização, integrando o PROAPRIO, as ações destinadas à regularização urbanística e fundiária dos assentamento populares e programas de geração de emprego e renda”. (RIO DE JANEIRO, 1995:27). Na prática, tal normatização resultou num espesso caderno de encargos, mudando (e aumentando) as atribuições dos escritórios projetistas. O antigo escopo para entrega dos projetos não existia mais, e agora todas as entregas e responsabilidades estavam muito bem descritas, amarradas inclusive às normas técnicas brasileiras. Onde antes havia apenas itens como estudo preliminar, plano de intervenção, anteprojeto e projeto básico, de uma forma genérica, agora existiam vários outros46. Além disso, vários setores da Secretaria Municipal de Habitação foram redefinidos em função do PROAP (FINEP/IBAM, 1996). 46 Fazem parte do escopo do Favela-Bairro as elaborações dos seguintes projetos: abastecimento d’água, esgotamento sanitário, drenagem, viário, iluminação pública, coleta de lixo, edificações, áreas desportivas e de lazer, estabilização de encostas, comunicação visual, paisagismo, mobiliário urbano, serviços adicionais de geotecnia, serviços adicionais de topografia, alinhamento, informações fundiárias, folders, painéis de exposição e placas indicativas, além das especificações gerais, todos em fases de diagnóstico, plano de intervenção, anteprojeto e projeto executivo, de onde constam, além das disciplinas citadas acima, espaços para programas de geração de renda e avaliação de impacto ambiental nas comunidades (RIO DE JANEIRO, 1995). CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 82 Uma outra importante modificação com a implementação do PROAP foi a assinatura de um convênio com a CEDAE, Companhia Estadual de Águas e Esgotos, sob o n.º 35, de 21 de setembro de 1995. Dentre outras coisas, este convênio determina que a CEDAE deveria ser ouvida quando da seleção das comunidades, para se pronunciar em relação à possibilidade de adução de água. Cabe lembrar que o FavelaBairro é um programa da esfera municipal, e que durante o tempo de sua existência o Governador e o Prefeito têm sido sempre de partidos políticos diferentes. Tal fato contribuiu para a pouca ou inexistente integração entre a CEDAE e a Prefeitura. Essa falta de entrosamento gera até hoje problemas de adução e manutenção de estações de tratamento de esgoto construídas pela prefeitura e que deveriam ser mantidas pela CEDAE47, a despeito do convênio assinado, como será visto mais tarde neste trabalho. Com o PROPAP mudou também o caráter urbanístico global do programa, dado que as intervenções em infra-estrutura e saneamento básico são os componentes de maior identidade com o perfil dos projetos que o banco prioriza e financia.(FINEP/IBAM, 1996). Durante a consolidação do programa, foi introduzida outra forma de terceirização (além dos escritórios de arquitetura). Como possibilidade prevista no Regulamento Operacional do PROAP, os serviços de supervisão e gerenciamento dos projetos de arquitetura e urbanísticos também foram terceirizados, tendo em vista que o número de favelas no programa mais do que dobrara depois das 15 iniciais. 47 Em pesquisa realizada pelo IBAM, constatou-se que na opinião dos integrantes da Secretaria Municipal de Habitação, a GEORIO é o órgão que melhor se integra institucionalmente com a Secretaria; e a CEDAE, o órgão com a mais difícil integração (FINEP/IBAM, 1996:40). Nas palavras do próprio secretário, em entrevista concedida ao programa “Deles e Delas”, da Rede CNT, em 15/02/98: “É uma integração muito fraca [com a CEDAE] , por enquanto. Vai melhorar, se Deus quiser...” [referindo-se à possível eleição de César Maia, do mesmo partido, para o Governo do Estado, o que não chegou a se concretizar]. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 83 Entre as funções das três empresas contratadas, tem-se o “acompanhamento na elaboração e execução dos projetos, apoio na fixação de cronogramas e na padronização das informações, além da assessoria na formulação de instrumentos de controle gerencial sobre o processo de implementação do programa” (FINEP/IBAM, 1996:27). Tais empresas começaram a atuar no ano de 1996, ano do início das obras em várias favelas. Na prática, elas serviam como “intermediário” na lida diária de projetos e obras, entre os escritórios projetistas e a Secretaria Municipal de Habitação. II.5.2) PROGRAMA FAVELA-BAIRRO – A OUTRA FACE Apesar de todo o discurso pautado no caráter humanitário que fala de integração social-espacial-cultural e geração de renda, o FavelaBairro vem despertando também algumas insatisfações. A mais comum delas é a de moradores (principalmente) vizinhos à favelas beneficiadas, que se sentem injustiçados por pagarem um alto valor de Imposto Predial e Territorial Urbano – o IPTU, estando ao lado de uma favela. Esses moradores usualmente alegam que adquiriram sua residência por compra legal, mas no entanto, bem ao lado delas, invasores que se instalaram num terreno que não lhes pertencia estão ganhando a sua respectiva titularização, além de melhorias urbanas que nem sempre as regiões de entorno possuem. O fato de saber que, após regularizadas, as favelas também pagarão imposto, não lhes devolve a sensação de tranqüilidade, e mesmo, alegam, de justiça, já que afirmam estar pagando imposto sobre aquilo que compraram, ou seja, algo que teve já um custo inicial, e os moradores da favela pagarão imposto sobre algo que lhes será cedido. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 84 Através de entrevistas e de cartas de leitores aos jornais, verifica-se que existe o sentimento por parte de certas pessoas que o Favela-Bairro estaria, de uma certa forma, “premiando” pessoas invasoras do espaço alheio, incentivando ainda mais a proliferação de novas favelas e novas invasões. Na favela de Mata Machado, por exemplo, da primeira fase do programa, acontece uma situação inusitada: toda a favela se situa em área de preservação ambiental, no Alto da Boa Vista – uma área de encostas acentuadas. A altitude média da favela gira em torno de 255 metros acima no nível médio do mar. Pela legislação urbanística da cidade, a construção em áreas situadas acima da altitude 100 é limitada em 10% da área do terreno, o que promove uma densidade ocupacional muito rarefeita, preservando, assim, as especificidades naturais das suas respectivas regiões. Ocorre que no limite mais alto de Mata Machado, onde é possível encontrar até um talvegue ocupado por barracos, existe um muro (vide figura II.8) separando-a de uma propriedade privada, na continuação da floresta, cujo proprietário inclusive procurou a equipe de projetistas do Favela-Bairro Mata Machado, alegando que se sentia injustiçado. Apesar desse proprietário não ter o direito de construir mais do que 10% de sua área, seus vizinhos moradores da favela o fazem, por isso o sentimento de injustiça reportado por ele48. Na realidade, os moradores da favela não têm nem mesmo um parâmetro de taxa de ocupação, já que naquela área da favela não há delimitação física de lotes. 48 A intenção dele era ter os arquitetos projetistas como intermediários numa negociação com a prefeitura, que lhe permitisse fazer um arruamento e lotear a sua propriedade para um condomínio de luxo, numa taxa de ocupação ligeiramente acima da permitida pelas normas urbanísticas. Tal intenção advinha do desejo pessoal dele de obter uma compensação pelo fato de a prefeitura haver solicitado a desapropriação de uma parte de sua gleba, para remanejamento interno de moradores em Mata Machado. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 85 Figura II.8 – Limite superior da favela Mata Machado, onde podem ser vistos os muros que a separam de outras propriedades. (Em destaque, na linha tracejada amarela, o muro de divisa com a floresta, que fica sob as copas das árvores). Notar a diferença da taxa de ocupação entre a favela e as propriedades privadas. Afora esse fato, o que ocorre também em Mata Machado, com a presença do Favela-Bairro, é a oficialização da mudança do uso de segmentos da Floresta da Tijuca, já que em um outro limite de Mata Machado, o vizinho é a própria floresta, que foi sendo paulatinamente desmatada para dar lugar aos barracos49. Com a titularização que advirá do Favela-Bairro, o poder público municipal está, na realidade, transferindo oficialmente o uso e a ocupação do solo, de floresta para residências. 49 A respeito do desmatamento ocorrido em Mata Machado, ver SOARES, 1999. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 86 Neste caso, mais do que nunca, o invasor, antes ilegal, está sendo premiado, com a titularização de uma área de preservação ambiental, o que, até certo ponto, pode ser considerado um crime ecológico (DUARTE & BRASILEIRO, 1998). Inspirados pelos acontecimentos em Mata Machado, vários grupos de pessoas têm invadido outras partes do Alto da Boa Vista, na esperança de serem beneficiados com algum programa habitacional da Prefeitura do Rio de Janeiro (BRASILEIRO, SILVA & SOARES, 1998). Em que pese o fato de algumas dessas novas favelas estarem realmente se beneficiando ou em vias de, através do Programa Bairrinho, isso gera um diferencial nas duas velocidades de ação. De um lado, a prefeitura arregimenta centenas de profissionais para trabalharem na urbanização das favelas do Rio, e do outro, as favelas se apressam em crescer ou se formar em núcleos novos, para que também sejam elas beneficiadas pela política habitacional. Ainda no concurso de seleção de propostas metodológicas para o Favela-Bairro, a Equipe 101 já alertava à SMH sobre a possibilidade de inchamento da própria favela e das favelas de entorno, se as ações não fossem concretizadas em velocidade suficiente para coibir este crescimento (EQUIPE 101, 1996). Sustentamos que, somente o fato de a prefeitura não tomar conhecimento das invasões que estão se multiplicando em volta de Mata Machado já se constitui num crime em relação à floresta (DUARTE & BRASILEIRO, 1998). Além deste tipo de situação, é comum ver noticiado nos jornais cariocas que um grupo pequeno de pessoas ou uma pessoa unicamente paga alguns reais para que famílias ocupem uma gleba vazia, a fim de ter a posse consolidada. Quando esta, enfim, é cedida pelo poder público, o real invasor aparece, lucrando com a valorização que a posse imprimiu aos terrenos. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 87 Ainda, há casos que podem ser considerados absurdos, em que as famílias pagam aluguel para o real invasor dos terrenos. Tais posturas só vêm acentuar que a invasão de terras hoje no município do Rio de Janeiro pode vir a ser um bom negócio para várias pessoas. Nas favelas já contempladas pelo Favela-Bairro, a prefeitura institui o POUSO – Posto de Orientação Urbanística e Social, que funciona como uma espécie de Departamento de Licenciamento e Fiscalização50 na favela. Segundo o Secretário Municipal de Habitação, o POUSO representa o poder público dentro das favelas, para tentar evitar esse tipo de expansão desordenada naquelas já urbanizadas: “A expansão vertical ou sobre áreas não previstas se dá através de uma legislação clara, simples, objetiva e fácil de ser perseguida e controlada. E também com a presença do Estado, a presença do Governo no interior da favela, porque não se pode imaginar que uma vez construído tudo, devemos deixar ao arbítrio dos moradores a preservação dos espaços, a preservação dos sistemas, sem que haja a presença efetiva do serviço público, seja levando o serviço, seja controlando o serviço. Então da mesma forma se dá, por exemplo, num bairro como Ipanema (…) como é que se cobra [o cumprimento das normas]? Se cobra estando presente. Então a prefeitura está em cada Favela-Bairro, com um escritório que se chama POUSO – Posto de Orientação Urbanística e Social – que faz o controle urbanístico, faz a assistência técnica para se construir de acordo com as regras, e também incorpora outros serviços. Como por exemplo, um contrato que fizemos com a Caixa Econômica, de financiamento de material de construção, para que as famílias busquem o crédito, melhorem suas casas, segundo orientação técnica que a prefeitura e até associada com ONG’s e universidades oferece aos moradores. Então, eu acho que é um conjunto de medidas que tem que ter perseverança, tem que ter continuidade, para que se alcance essa transformação efetiva. 50 Os Departamentos de Licenciamento e Fiscalização – DLF’s existentes nas várias Regiões Administrativas da cidade são os órgãos que licenciam e fiscalizam urbanisticamente as construções. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 88 Nós não podíamos fazer todas as obras, fazer todo o serviço e dizer : ‘agora se virem!’, não dá. A cidade significa bens, equipamentos, serviços e presença do governos. Presença dos governos inclusive naqueles serviços mais do cotidiano, e que Ipanema tem! Ninguém constrói na calçada em Ipanema porque o governo é presente. Os governos sempre foram presentes em Ipanema. Agora, se o governo durante 15 dias, um mês, não sei quanto, deixar de consertar a iluminação pública, se não recolher o lixo, se o comerciante que está com a sua loja funcionando muito bem, achar que está apertado seu espaço, crescer sobre a calçada e ninguém tomar conhecimento, em pouquíssimo tempo vira favela…” .51 Conforme mostrado no discurso acima, o POUSO tem por objetivos orientar os moradores em obras feitas por eles mesmos, nas suas residências, e cuidar para que a favela não venha a sofrer uma expansão desordenada principalmente na vertical, porque a horizontal, além de em muitas favelas não haver mais espaço, como é o caso de Mata Machado, o próprio programa vem tentando delimitar fisicamente, com a construção de pequenos muros52. Como instrumento oficial dessa delimitação, estão sendo elaborados os Projetos de Alinhamento das favelas, sendo elas decretadas AEIS – Área de Especial Interesse Social. Mesmo assim, com os PA’s demarcando legalmente o que os muros fazem fisicamente, ainda não foi possível notar os efeitos práticos da limitação, se ela realmente está funcionando como tal, ou se ela se constitui em apenas mais uma parede 51 Entrevista concedida por Sérgio Magalhães ao Programa “Deles e Delas”, da Rede CNT de Televisão, em 15/02/98. 52 “…algumas das favelas já estão inclusive com uma limitação física, para o não crescimento. Na favela do Vidigal, por exemplo, nós estamos construindo um pequeno muro, dessa altura [± 70cm] até onde pode-se construir, até onde está urbanizado. Até foi objeto de uma polêmica recente, as pessoas achavam que isso era um demérito para os moradores da favela, o que obviamente não é, é simplesmente uma preservação do que já está feito, do investimento, da qualidade de vida. É necessário que os limites físicos fiquem bem claros, para que seja possível inclusive o controle” (MAGALHÃES, 1998). CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 89 que, uma vez construída, será utilizada pela população para fazer parte integrante de suas casas, como acontece com muitas obras de contenção de encostas feitas em favelas. Assim, apesar de a prefeitura efetivamente demonstrar que está preocupada com a expansão das favelas da cidade, cuidando para que tal fato não ocorra nas já urbanizadas, ela ainda permanece impávida diante do surgimento de novas favelas. Até nos meios mais elitistas de comunicação, como internet, é possível encontrar reclamações a respeito do processo e da pouca velocidade de implantação da política habitacional. Uma moradora do bairro do Recreio dos Bandeirantes instituiu uma home page com fotos de “antes” e “depois” das obras do Favela-Bairro na favela Canal das Tachas, próxima à sua casa, além de várias outras argumentações contra o programa: “A implantação do projeto Favela Bairro como está sendo feita em nada contribuiu para a melhoria da região. Pelo contrário, visando exclusivamente o lucro fácil, aproveitadores iniciaram um processo de favelização dos lotes lindeiros, até então ainda não atingidos pelas favelas, e a fiscalização da Prefeitura é inoperante. O Favela Bairro que serviria para frear o processo geral de favelização da cidade, age de forma justamente contrária: incentiva a favelização e as invasões, quando inclui no Programa indiscriminadamente todas as áreas favelizadas da cidade. Invade-se tudo: morros, canais, ruas, praças, propriedades particulares, sítios tombados, surgem loteamentos clandestinos e favelas da noite para o dia, às escâncaras, sem qualquer fiscalização. Aguardam o Favela Bairro e a urbanização prometida pelos governantes. Todos fingem: Os favelados fingem serem todos pobres, a Prefeitura finge que acredita, e a sociedade finge que não vê. Só não fingem os Bancos Internacionais que emprestam dinheiro com altos juros.” 53 53 Texto extraído do site http://www.geocities.com/Athens/Crete/6913/favela1.htm, em 08 de março de 1999. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 90 Realmente, o Favela-Bairro vem fazendo muito menos do que se prestou a fazer, quando o seu discurso foi anunciado. Conforme será visto no próximo capítulo, estaremos analisando essa dicotomia entre discurso e prática não só no Favela-Bairro, mas em outro momento da política habitacional também. II.6) CONSIDERAÇÕES SOBRE O PRESENTE CAPÍTULO (2ª PARTE) Todo este trabalho tem seu enfoque nos espaços de uso comunitário das habitações de interesse social. Ao longo da história, temos visto que os programas habitacionais os consideram em seus discursos, mas nem sempre nas suas realizações. No entanto, o programa que analisamos nesta seção, o FavelaBairro, foi um programa de vanguarda ao ousar em não oferecer casas em sua política habitacional, mas sim infra-estrutura básica e espaços de uso comunitário. O espaço da moradia em si deixou ser o foco principal. Morem os cidadãos na favela ou não, a preocupação da política habitacional, segundo a Prefeitura, é com o espaço da coletividade, com a ambiência urbana (Secretaria Municipal de Habitação, 1995). Reconhecendo que ainda existe um enorme déficit habitacional, MAGALHÃES54 sugere que os vazios urbanos infra-estruturados devam ser aproveitados, e que essa decisão não pode ser centralizada. Como ressalta o Secretário Municipal de Habitação, cabe às famílias a decisão de escolher onde morar, seja comprando um imóvel pronto ou construindose um. Como a Prefeitura pretende que, após o Favela-Bairro, as favelas sejam bairros como outros quaisquer, onde se pagam impostos e 54 “Quem decide onde morar?” Artigo publicado na seção Opinião do jornal O Globo, em13/06/98. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 91 onde se têm direitos como moradores de qualquer parte da cidade, não haveria mais a possibilidade de se “morar numa favela”. O direito de escolha seria então, total: onde morar, como morar. Contudo, cabe lembrar também que nem sempre as famílias têm muita “decisão de escolha”, tendo em vista a atual situação econômica do país, com altos níveis de desemprego. Tal situação até não é nova; sempre a presença de favelas e sub-habitações no Rio de Janeiro esteve relacionada na maioria das vezes às dificuldades financeiras dos seus moradores. Por não ter casa própria, e por não ter condições de pagar um aluguel, muitas famílias montam barracos em espaços livres da cidade, formando novas favelas, porque às vezes até mesmo o aluguel de um barraco numa favela já existente, pode vir a se tornar dispendioso. Assim, quando especificamente o Favela-Bairro anuncia que vai “urbanizar e integrar” as favelas existentes à cidade formal, é natural que as pessoas que morem nesses locais anseiem por este momento, mesmo considerando-se que o programa não terá velocidade suficiente para beneficiar todas as favelas de uma só vez. Quem mora nas mais precárias condições acalenta o sonho de poder morar numa edificação de alvenaria, ainda que isso demore a ocorrer, e ainda que no Favela-Bairro nem sempre isso ocorra, salvo se a construção estiver localizada numa região de risco físico. Esse morador, assim como aquele que já mora numa casa de alvenaria, sonha em deixar de morar “numa favela”, em condições precárias, mesmo que ele não mude de casa propriamente, mas que passe a morar “num lugar melhor”. Pode ser feita uma analogia a esse fato, tomando-se como exemplo os moradores de conjugados nos bairros de Copacabana ou Botafogo, que preferem morar em “centros nervosos”, na zona sul da cidade, que é melhor servida de todo o tipo de serviço e equipamento, do CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 92 que morar numa casa mais confortável na zona oeste da cidade, onde os bairros são menos sofisticados e a oferta de serviços e opções de lazer são bem menores. Abstraindo-se o fato da proximidade ou não com o mercado de trabalho, o sentimento é o mesmo, de “morar num lugar melhor”, não propriamente e necessariamente numa “casa melhor”. Trazendo-se esse exemplo à luz do Favela-Bairro, podemos estudar o caso da comunidade Fernão Cardim, da primeira fase do FavelaBairro, no bairro de Pilares. Um morador dessa comunidade declarou, com extremo orgulho, que agora não mora mais “numa favela”, mesmo que esse específico morador tenha continuado a morar, após as obras, numa pequena casa, de sala/cozinha, quarto e banheiro, situada num dos menores e mais apertados becos da favela55. O sentimento de poder “dar o seu endereço”, e este não ser mais numa favela, possui extremo poder de incutir nas pessoas um forte orgulho. De fato, Fernão Cardim é uma das favelas com o seu projeto executado na sua quase totalidade. Pela imagem do rio que passa pela comunidade (que agora é uma avenida), é possível ter uma idéia do sentimento do morador no caso citado (figuras II.9 e II.10) 55 Dados recolhidos pela autora em visita à citada favela, em 04/12/99. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 93 Figura II.9 – O rio Faria antes das obras. Figura II.10 – O rio Faria canalizado, depois das obras que deram origem à “Avenida Canal”. De certa forma, uma das maneiras de tornar público e de a Prefeitura “exibir a seu favor” este sentimento, é expondo a própria favela. Talvez pelo próprio fato de ter seu projeto urbanístico concretizado na sua quase totalidade, Fernão Cardim, juntamente com outras duas ou três favelas, sempre aparece nas publicações da Prefeitura, a respeito do CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 94 Programa Favela-Bairro56. Juntamente com as outras, ela funciona como uma espécie de “vitrine” do programa. No próprio site oficial do programa, não são mostradas todas as favelas da primeira fase, mas Fernão Cardim está entre as que aparecem. Pode-se depreender de tais fatos que a Prefeitura elege algumas favelas para “mostrar” o programa, e essas são aquelas que “melhor” o fazem. Assim, para tornar públicas as realizações, houve a necessidade de se acelerar os trabalhos em algumas delas, para que fossem “inauguradas”, principalmente tendo em vista a proximidade das eleições municipais de 1996. O que aconteceu é que em quase todas que contavam com a possibilidade de “oferecer algum retorno” e de ficarem prontas a tempo, as obras foram aceleradas, a ponto de serem abertas várias frentes simultâneas de trabalho. Em Mata Machado, não incluída no time de favelas utilizadas como vitrine pela prefeitura, às vésperas da “inauguração” (na realidade uma visita do prefeito antes das eleições57), havia uma profusão tal de operários que, coloquialmente, dizia-se que eles estavam “batendo as 56 Em tempo: em IPLANRIO (1996), na apresentação do programa, são mostrados 3 “estudos de caso”: Fernão Cardim, Parque Royal e Ladeira dos Funcionários; em SECRETARIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO (1999), aparecem várias fotos, de várias favelas, e Fernão Cardim e Parque Royal, além de Serrinha, outra “estrela” da 1a fase, estão de novo entre elas. Há tempos que a prefeitura elegeu essas favelas como “vitrines” do programa, e de fato, elas estão entre as mais bem-sucedidas em termos de aceitação popular e da opinião pública em geral a respeito do Favela-Bairro. 57 A respeito das inaugurações ocorridas antes das eleições municipais de 1996, deu-se um fato interessante: até um certo momento, o candidato do prefeito, seu Secretário Municipal de Urbanismo, o acompanhava nas inaugurações. Porém, após a sua presença em alguns desses eventos, ele foi proibido, pela legislação eleitoral, de comparecer à inaugurações de obras. Na realidade, a proibição era extensiva a todos os candidatos, inclusive o do Governo do Estado, que estava então inaugurando a expansão do prémetro nos subúrbios da cidade. Não fosse essa lei, provavelmente o Secretário Municipal de Urbanismo estaria presente a todas inaugurações do Favela-Bairro ocorridas naquela época. CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 95 cabeças” na obra. Além disso, nessa ocasião, além da presença dos arquitetos projetistas, o que era diário, havia também vários visitantes na obra, o que contribuía ainda mais para a movimentação na favela, na expectativa da “inauguração”, ainda que parcial, das obras. (ver figura II.11). Cabe informar que passadas as eleições, três anos depois, já em 1999, é que as obras foram reiniciadas. Figura II.11 – O movimento das obras em Mata Machado, às vésperas das eleições. Nesse processo, então, Fernão Cardim foi uma favelas que teve seu projeto (e principalmente seus espaços de uso comunitário) CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 96 executados na sua quase totalidade58. Já Mata Machado, como mencionado anteriormente, não faz parte do elenco das favelas-modelo do programa. Menos da metade dos itens de seu projeto urbanístico foi ou será executada, mesmo com a continuidade das obras, por vários motivos, que serão melhor ilustrados no próximo capítulo. De antemão, pode-se dizer que a falta de organização interna e a dificuldade nas relações entre a SMH e os vários órgãos públicos envolvidos no processo, desdobrou-se em vários pequenos entraves, contribuindo para que a obra não pudesse ser concluída no prazo previsto. Mais do que isso, entre a 1a e a 2a (ainda em curso no desenvolvimento desta dissertação) etapas de obra, o projeto teve que ser, por assim dizer, refeito, e principalmente, mais detalhado. A não conclusão das obras no prazo previsto fez com que o projeto de Mata Machado passasse a fazer parte do escopo de projeto de outras fases do Favela-Bairro, mais rígido e mais exigente para com os projetistas. Nessa fase de maior detalhamento, por determinação da própria SMH, vários espaços de uso comunitário foram retirados do projeto, que constou basicamente da complementação da infra-estrutura urbana. Por este fato, pode-se notar que o peso dado aos EUCs no anúncio do programa e na sua execução é substancialmente diferente. Ainda, note-se que tais determinações foram ocorrendo ao longo dos anos de 1997 e 1998, quando não havia proximidade de eleições municipais. 58 Como informação adicional, vale ressaltar que até os meses que precederam a finalização da presente dissertação, Fernão Cardim era a única favela que tinha sido transformada em bairro oficialmente, com suas ruas reconhecidas de fato como logradouros públicos. O decreto que a reconheceu como parte integrante do Bairro do Engenho de Dentro foi assinado pelo prefeito em 06/05/99 (Dado extraído do site http://www.fau.ufrj.br/prourb/cidades/favela/projfernao.html , em 19/11/99). CAPÍTULO II - ANÁLISE DA POSTURA GOVERNAMENTAL EM RELAÇÃO AOS ESPAÇOS DE USO COMUNITÁRIO 97 Havia, sim, eleições para o Governo do Estado, da qual foi candidato o prefeito que havia lançado o Favela-Bairro, César Maia. Assim, nas favelas, a expectativa dos serviços públicos, dos EUCs e da tão propalada integração com os bairros de entorno, o “deixar de ser favela”, normalmente tem o poder de superar o desânimo popular, quando o programa é anunciado, e mais ainda, quando ele se realiza. No entanto, nem sempre esse discurso se concretiza, diminuindo novamente a “decisão de escolha” dos moradores, do local em que querem (e podem) morar. Será visto no próximo capítulo que muitas vezes o fornecimento de espaços de uso comunitário está relacionado à busca da legitimação do poder e/ou da aceitação popular do poder público, e assim a escala de fornecimento (ou não) de espaços de uso comunitário varia ao sabor do momento político da circunstância. Capítulo III PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS E ste capítulo trará a análise comparativa entre dois momentos da história da política habitacional carioca: o Promorar e o Favela-Bairro. A escolha de tais momentos justifica-se por motivos próprios de cada um deles. O momento caracterizado pelo programa Promorar foi escolhido por conter, dentre os variados momentos da história aqui vistos, pontos que são contraditórios e pontos que são comuns em relação à política habitacional praticada atualmente no município do Rio de Janeiro. O Promorar era financiado pelo BNH, que ao longo de sua trajetória, concedeu financiamentos basicamente para conjuntos habitacionais construídos distantes das localizações originais das favelas. Nessa época, o fato de um conjunto habitacional ser construído ao lado da favela que teria uma parte removida, era visto, até certo ponto, como um fato inovador. Além disso, fazia parte do projeto a urbanização da área já consolidada da favela, sem a sua remoção. Essa prática estava acontecendo em 1979, início da abertura política do país, com a perspectiva da retomada das eleições para governadores, paralisadas durante o regime militar. Assim como o Favela-Bairro, carro-chefe da atual política habitacional da Prefeitura do Rio de Janeiro, o Promorar se propunha, dentre outras coisas, a urbanizar favelas, experiência até então pouco praticada pelo Governo Federal. Além disso, a escolha do Promorar reside também no fato de a autora ter participado, ainda na graduação em Arquitetura, de uma bolsa CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 99 de iniciação científica, concedida para o estudo da Vila Pinheiros, fruto do referido programa. O segundo momento político, o Favela-Bairro, foi escolhido por trazer no seu discurso não somente a urbanização das favelas cariocas mas a integração espacial, social e cultural delas à cidade. Sua implantação representou uma guinada na atitude do poder público em relação às favelas, considerando-se as políticas anteriores, que defendiam a remoção, ou até mesmo ignoravam as favelas através da falta de uma política de habitação voltada especificamente para a questão. Contudo, até o surgimento deste programa, não era comum se falar a respeito de integração de favelas à cidade. Ineditamente, é encontrado na fala do Secretário Municipal de Habitação que o morador da favela é o mesmo morador do restante da cidade. A adoção de tal conceito se mostra inteiramente adversa da prática utilizada até então, que considerava que os favelados precisariam “se moldar” à sociedade para estarem habilitados a viver numa cidade formal: “Levantamento sobre sua composição demográfica [da favela] permite afirmar que o favelado carioca tem as mesmas origens regionais do carioca não-favelado. É originário predominantemente da cidade do Rio de Janeiro, depois do estado do Rio de Janeiro e em terceiro lugar de outros estados do Brasil”. (Sérgio Magalhães, Jornal O Dia, 19/02/98, página 6). “Não podemos identificar diferenças entre os moradores da favela e do asfalto sob o ponto de vista étnico ou religioso, por exemplo. O nosso gueto, a favela, não é determinado por uma moral diferente. A cultura da favela é a mesma do asfalto, não há razão importante para a favela ser excluída. Ela pode ser integrada. Há uma desintegração por razões econômicas e sociais, mas com a possibilidade de integração por razões culturais, permitindo que o investimento em infra-estrutura dê resultado em curto prazo. O gueto foi formado apenas pela ausência do poder público”. (Sérgio Magalhães, Jornal do Brasil, 05/01/97, página 27). CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 100 Além disso, é sempre bom lembrar, a escolha do programa Favela-Bairro, para criar a contrapartida na análise, deve-se também à experiência própria da autora no programa habitacional em uma das favelas59, tanto em fase de projeto quanto na fase de execução das obras. Outras circunstâncias indicam alguns pontos antagônicos desses dois momentos no âmbito da história da política habitacional brasileira. Enquanto o Promorar aconteceu no curso do regime autoritário, já moribundo, carente de legitimação e tentando se beneficiar da abertura política que ainda estaria por vir; o outro, o Favela-Bairro, está acontecendo durante um governo neoliberal, que foi democraticamente eleito, mas que mesmo assim continua lutando por uma aceitação popular mais efetiva. Apesar das diferenças, os discursos políticos que sustentaram tanto o ideário do Promorar quanto o do Favela-Bairro seguem uma mesma lógica, pautada, em última análise, pela busca de maiores índices de popularidade do governo. Independentemente de tipo de regime, partido e plataforma política, as ações que materializaram o ideário e os discursos dos dois programas habitacionais possuem semelhanças. Intriga-nos especialmente o fato de, assim como em muitos outros programas habitacionais, esses dois discursos sempre incluírem o fornecimento de espaços de uso comunitário como fatores marcantes no seu conteúdo. No anúncio desses programas habitacionais foi sempre amplamente divulgado que a população receberia, juntamente com a moradia, postos de saúde, escolas, creches, áreas para lazer, parques etc. Porém, o que se pode constatar é que tão logo os serviços básicos de infra-estrutura e/ou as unidades habitacionais ficam prontos, o programa sofre uma retração nas ações, restando inacabado. 59 Favela Mata Machado, no Alto da Boa Vista. CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 101 Este foi exatamente o caso do Promorar e do Favela-Bairro. Por quais razões o espaço de uso comunitário teria sua existência considerada suficientemente importante para ter anunciada a sua execução, mas não a ponto de tê-la efetivada? Podemos, a princípio, supor que alavancas eleitorais façam parte do universo de motivos? Tentaremos aqui analisar as possíveis causas para essa situação, e se de fato existe um padrão de dicotomia entre discurso e realização. III.1) P ROMORAR Nos momentos que antecederam o Promorar, o regime militar contava então com o seu último presidente, General João Baptista Figueiredo. Nessa época de um quase “apagar das luzes” do governo militar, os seus níveis de popularidade estavam em franca queda, e havia toda uma estratégia de marketing onde a postura adotada era a abertura política (DUARTE, 1993). Na realidade, ao lado do marketing, havia várias medidas que acenavam realmente para a abertura política, como a anistia e o retorno das eleições para Governadores de Estado. Com a intenção de continuar a participar do poder mesmo após a saída do Presidente, o seu partido, PDS, “se organizou para adquirir cada vez mais a simpatia das camadas populares” (DUARTE, 1993:35), organizando uma série de programas sociais - entre eles, o Promorar. Mais do que isso, ao anunciar o Projeto Rio, a parte do Promorar que seria executada no Rio de Janeiro, na região da favela da Maré, o Poder Público tomava para si as reivindicações populares já de tempos passados, que preconizavam a urbanização e a não remoção das favelas. Com o Promorar, a área consolidada da favela da Maré seria urbanizada, e somente seriam removidas as famílias que habitassem as palafitas sobre as poluídas águas da Baía de Guanabara (ver figura III.1). CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 102 Figura III.1 – As palafitas da Favela da Maré. No mesmo fluxo de organização política e anseio pela continuidade do poder, surgiu como candidato natural à sucessão de Figueiredo, o titular do Ministério do Interior, Ministro Mário Andreazza. Na época, o BNH, órgão que comandava a política habitacional do país, fazia parte do Ministério do Interior, sendo portanto, de certa forma, comandado pelo próprio Andreazza. Assim, o Ministro assumiu pessoalmente (e principalmente perante a imprensa) o comando do Promorar. Freqüentemente, em manchetes dos jornais da época, Andreazza pode ser visto “em mangas de camisa” no canteiro de obras na Maré (ver figura III.2). CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 103 Figura III.2 – O então Ministro do Interior, Mário Andreazza, em visita ao local das obras. Logo à sua direita, o prefeito do Rio, Israel Klabin. O anúncio das obras do Promorar no complexo da Maré tinha a função não só de atender aos apelos populares, mas também atuar num complexo de favelas que, pela sua posição geográfica, estava na “porta de entrada” da cidade, ao lado do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro (DUARTE, 1993). A visão dos insalubres barracos sobre as águas era repugnante tanto para os moradores da cidade quanto para (e principalmente) os que chegavam de fora. Além desse fato, segundo a publicidade feita pelo Promorar, a área remanescente do aterro e da urbanização da Maré daria lugar, dentre outras coisas, à construção de uma via expressa, paralela à avenida Brasil, CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 104 que serviria para desafogar o seu tráfego. A via expressa60, de acordo com o que era amplamente anunciado, uniria os subúrbios da cidade ao Centro e à Zona Sul, locais onde estava concentrada a maior parte das ofertas de emprego da cidade, e que causavam diariamente um grande fluxo de veículos, provocando imensos congestionamentos na avenida Brasil61. Ainda, o Promorar defendia que, na outra parte do aterro feito na Baía de Guanabara, os terrenos seriam comercializados à entidades privadas, para a instalação de comércios e indústrias, o que, segundo o BNH, geraria um duplo benefício público: os cofres públicos ganhariam com a venda desses terrenos e os seus ocupantes gerariam empregos para os habitantes da Maré. Vê-se portanto, que os trabalhos na região da Maré estariam estrategicamente atendendo às aspirações de uma grande gama de segmentos da população: as camadas populares veriam que “finalmente” o governo estaria apresentando preocupações “sociais”; as camadas preocupadas com a paisagem que os estrangeiros viam em local próximo ao aeroporto estariam livres dessa preocupação; a classe trabalhadora que necessitava trafegar pela Av. Brasil estaria contemplada com a via expressa e, o segmento mais preocupado com a ecologia teria na anunciada despoluição da baía o seu alento (DUARTE, 1993). Dessa forma, a concretização do Projeto Rio era divulgada como um programa que traria um grande benefício aos habitantes não só do Complexo da Maré, mas aos da cidade como um todo. E como seu “maestro condutor”, aparecia o Ministro Mário Andreazza. 60 Hoje, a via expressa existente no local é a Linha Vermelha, concluída no início dos anos 90. 61 Para se ter uma idéia, nessa época, o volume de tráfego na Avenida Brasil era de 350.000 veículos/dia, e os primeiros engarrafamentos nessa avenida datam dos anos 50 (DUARTE, 1993). CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 105 Nos anúncios oficiais do Projeto Rio, foi divulgado que os serviços a serem executados seriam: 1. “Programa de equipamentos sociais: creches, escolas, postos de saúde, equipamentos de lazer, cinemas, teatros equipamentos esportivos etc.; (grifo nosso) 2. Programa de limpeza e tratamento das águas da baia de Guanabara; 3. Planejamento das margens da baía através de parques públicos, parques de lazer, centros comerciais e um grande programa de reflorestamento; (grifo nosso) 4. Urbanização de pelo menos 15 favelas, das quais também as favelas da Maré, assim como a concessão de 12.000 certificados de propriedade aos habitantes; 5. A transformação no sistema de vias de circulação automotiva, e principalmente a construção da linha vermelha, que ligaria os subúrbios ao Centro do Rio; 6. O Projeto Rio previa também um plano de assistência social e financeira aos habitantes que seriam transferidos para os novos bairros [Vila do João, Vila Pinheiros e Conjunto Pinheiros]” (DUARTE, 1993:38). Assim, grande parte do Projeto Rio estava pautado sobre benefícios que seriam públicos, extrapolando o limite do objeto “casa”. Apenas a parte que tangia a concessão das unidades residenciais e dos títulos de propriedade eram referentes a benefícios que seriam usufruídos de forma particular (privada) por cada habitante do Complexo da Maré. E esse fato foi amplamente divulgado pelo governo através da imprensa, como pode ser visto por algumas manchetes da época: “Queremos a Universidade [UFRJ] e as associações de favelados participando do projeto. Não pretendemos impor nada e sim que as soluções venham também de baixo para cima. Pretendemos aceitação do projeto e não impô-lo a ninguém. Por isso, nada faremos sem que haja consenso. As críticas serão aceitas”. (Mário Andreazza, em entrevista ao jornal O Globo, em 16/06/79, página 15). CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 106 “…não vamos permitir em hipótese alguma que os favelados sejam prejudicados. Pelo contrário, nossa meta prioritária é dar-lhes melhores condições de vida, através da construção dos conjuntos residenciais (…) que terão todas as condições de saneamento básico, além de áreas de lazer”. (Mário Andreazza, em entrevista ao jornal O Globo, em 10/06/79, página 25). “…a idéia principal do Projeto Rio é a solução do problema social existente na área”. (Mário Andreazza, em entrevista ao jornal O Globo, em 16/06/79, página 15). “Estamos construindo aqui uma nova cidade. Para vocês terem uma idéia, basta dizer que, quando a área estiver aterrada, representará cerca de 18 vezes o Parque do Flamengo”. (Mário Andreazza, em entrevista ao Jornal do Brasil, em 02/03/80). “Um parque na zona norte, idêntico ao do Flamengo, com todas as suas atrações (…) é o que o Ministro Mário Andreazza pretende que seja transformada a área da favela da Maré”. (Jornal do Brasil, em 16/06/79). “As unidades residenciais terão centros comunitários com postos de saúde, creches, clubes, escolas e áreas de recreação, lazer e esportes, com o aproveitamento inclusive da ilha do Pinheiro, além de novas opções de praias, com águas mais limpas, saneadas e livres da poluição.”. (Jornal do Brasil, em 16/06/79). “…a favela será recuperada e urbanizada. Em termos de habitação, assistência médica, educação e lazer, eles receberão o que a Prefeitura considera padrão-ideal”. (Israel Klabin, então Prefeito do Rio de Janeiro, em entrevista ao jornal O Globo, em 15/06/79, página 17). CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 107 “O Projeto Rio: (…) urbanização de toda a área e instalação de sistemas de água, esgoto, luz e gás; construção de 21 escolas, 23 creches, 4 postos de saúde, 3 centros de recreação e esportes, 2 postos policiais e criação de 3 parques com áreas verdes”. (Propaganda do BNH veiculada nos jornais, quando da entrega dos primeiros 302 títulos de propriedade ao moradores do Timbau, parte da área consolidada da Maré, no Jornal do Brasil, em 11/06/81, página 5 – vide figura III.4). “O presidente da entidade [associação de moradores] conta que houve muita curiosidade em torno do material exposto e que a reação dos favelados foi de pasmo diante do que estavam vendo. Outros riam e chamavam de ‘sonho’ ou ‘milagre’ àquela série de desenhos coloridos com legendas indicativas de play-ground, 3 campos de futebol, concha acústica, quadra coberta, quadras de patinação e mais as áreas para banheiros, telefones, estacionamento de carros. Além disso, havia também na parede os desenhos da área do lodaçal, transformada agora em um bonito conjunto de escolas: creche, maternal, escolas de primeiro e segundo graus. Em outra folha de cartolina, os favelados viram ainda o projeto de um grande parque arborizado, cercado com muros, exclusivo para o descanso e lazer dos que moram hoje nos barracos, em cima da lama.” (Jornal O Globo, em 29/06/81, página 21). “[O Projeto Rio] sempre prosseguirá dentro do espírito que começou (…) todas as promessas feitas aos favelados serão cumpridas” (Mário Andreazza, em entrevista ao jornal O Globo, em 07/06/81, página 10). Pelas manchetes, comprova-se que a concessão de espaços de uso comunitário estava bem evidenciada no discurso do governo. As notícias de que os favelados não seriam removidos para locais distantes, e que iriam residir numa área cercada de verde, com um parque “semelhante ao do Flamengo”, próximos a facilidades tais como creche, postos de saúde, postos policiais, escolas etc., se configuram como sendo molas propulsoras da imaginação da população concernida. Pode-se até dizer que estava sendo estimulado, nos habitantes da Maré, o sonho de viver CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 108 num verdadeiro núcleo habitacional, nos moldes dos famosos condomínios de classe média alta que estavam surgindo na Barra da Tijuca. Isso estava acontecendo de tal forma que, como pôde ser verificado na penúltima manchete citada, nem os próprios favelados pareciam acreditar muito no projeto de intervenção na área da Maré. Na realidade, nos parece que a real intenção de tanto alarido em torno do espaço de uso comunitário se explica pela possibilidade de melhoria de qualidade de vida que ele poderia trazer aos habitantes: além da unidade habitacional, a parte social estaria por assim dizer resolvida, através da concessão de todos aqueles espaços de uso comunitário. Figura III.3 – Assinatura do protocolo que criou o grupo de trabalho encarregado de elaborar o Projeto Rio. O Promorar era, como dissemos, resultado de um conjunto de ações dos Governos Federal, Estadual e Municipal. A cargo dos órgãos estaduais e municipais, haviam ficado os EUCs. Até 1982, a parceria entre as três esferas do governo estava operando bem, (ver figura III.3, acima) mas no entanto, nesse ano, que era eletivo, o partido do governo do CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 109 estado, PP (partido popular), foi anexado ao PMDB, partido de oposição ao Governo Federal, PDS. Com isso, agências estaduais que colaboravam com o BNH no Projeto Rio foram “marginalizadas” (VALLADARES, 1988:86), e dessa forma, não participaram mais do projeto. Segundo Valladares (1988), esse fato marca o inicio de um segundo período no Projeto Rio, onde o Governo Federal toma para si as rédeas da execução do projeto, relançando uma nova publicidade massiva, desta vez, apresentando como responsáveis somente os membros do Governo Federal. Na ocasião da entrega dos primeiros títulos de propriedade, que foram para os moradores da área consolidada na parte conhecida como Timbau, somente Figueiredo e Andreazza aparecem (DUARTE,1993). Não há qualquer menção ao Governador Chagas Freitas ou ao Prefeito Israel Klabim, figuras fáceis nas manchetes sobre o Projeto Rio do período 19791981. São feitas, inclusive, onerosas publicidades “pagas” nos jornais de maior circulação, assinadas pelo BNH / Ministério do Interior (ver figura III.4). Na corrida eleitoral para o governo do Estado no Rio de Janeiro, o PDS, através do BNH, agora lidando somente com os órgãos federais, comandou os trabalhos com tal urgência que a Vila do João foi inaugurada em agosto de 1982, três meses antes da data marcada para eleição. A inauguração da Vila do João, em agosto, tinha o propósito de haver tempo, ainda, de influenciar a opinião pública a respeito dos benefícios do Projeto Rio, não só para os seus moradores, como para os habitantes da cidade como um todo, que deixaram de ter um quadro miserável, como os das palafitas, em sua paisagem. Presentes na inauguração, o presidente João Baptista Figueiredo62, o Ministro Mário Andreazza e a ampla cobertura da imprensa (DUARTE, 1993). A pressa na inauguração da Vila do João fez com que 62 Cujo nome inclusive foi dado à vila, “João”. CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 110 várias etapas do processo de intervenção fossem eliminadas, e a Vila do João contava então, no dia de sua inauguração, com 1564 casas, infraestrutura completa, uma creche, um posto de saúde, uma escola primária e um terreno para esportes63 (DUARTE, 1993). A inauguração do Conjunto e da Vila Pinheiros não pôde ser acelerada para aquele ano, e aconteceu no ano seguinte, com a eleição para o governo do estado já definida, tendo ganho um candidato que também fazia oposição ao Governo Federal, Leonel Brizola, do PDT. O resultado dessa eleição contribuiu ainda mais para o BNH se afastar das premissas iniciais do Projeto Rio. Um dos fatores que marcou esse afastamento foi a desvinculação da participação dos moradores no projeto. No primeiro período do Projeto Rio, a participação popular havia conseguido modificar os planos para a Vila do João. Porém, no segundo período, após o rompimento com o Governo Estadual, a população que iria ser transferida para Vila Pinheiros não conseguiu interferir, e mesmo sem que desejassem residir em prédios de apartamentos, o Setor Pinheiros recebeu 70 prédios de 5 pavimentos (DUARTE, 1993). Ou seja, mesmo apesar de todas as declarações do Ministro do Interior dizendo que a população e a sociedade seriam ouvidas, o Conjunto e a Vila Pinheiros foram construídos sem a participação popular. Mais do que isso, após o anúncio da construção de vários espaços de uso comunitários, alguns até “gigantescos”, como um parque maior que o do Flamengo, o Conjunto e a Vila Pinheiros não receberam nenhum espaço de uso comunitário64. 63 Nas realidade, esses foram os únicos espaços de uso comunitário construídos em todo o Projeto Rio, incluindo a Vila Pinheiros, o Conjunto Pinheiros e a área consolidada das favelas. 64 Mesmo as unidades habitacionais da Vila Pinheiros não foram executadas na sua totalidade. Das 146 quadras previstas inicialmente, apenas 76 foram construídas, com um total de 1704 casas, 51% a menos do que o previsto originalmente (DUARTE, 1993). CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 111 Essa ausência se refletiu inclusive na segurança das comunidades, como por exemplo a anunciada criação de um parque na Ilha dos Pinheiros. A ilha era utilizada pela Fundação Oswaldo Cruz para a criação de macacos Rhesus, e deixou de ser uma ilha, tendo o canal à sua volta sido aterrado. O anúncio feito pelo Ministro do Interior divulgava que a área seria transformada em parque, com sua vegetação nativa, para as atividades de lazer das futuras Vilas do João e Pinheiros (nome inclusive dado em função da ilha anexada pelo aterro ao continente). Realmente, a sua vegetação não foi destruída pelas obras do Promorar, mas em pesquisas feitas anos depois, o que pôde ser constatado é que essa mesma vegetação havia sido abandonada, e seu uso era feito por marginais e traficantes da comunidade, como local de esconderijo65, facilitando assim o seu modus vivendi, a despeito da insegurança que eles geravam para os demais moradores. 65 Dados do Grupo Habitação-FAU-UFRJ, 1990. CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 112 Figura III.4 – Anúncio do BNH sobre o Projeto Rio. CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 113 A noção dos espaços de uso comunitário que deixaram de ser construídos, no âmbito do Promorar, pode ser melhor vista pelo quadro a seguir, adaptado do original de Lícia Valladares. Figura III.5 – Quadro resumo comparativo entre metas previstas e metas realizadas na área prioritária até 1984 LOCAL I) GERAL II) ÁREA CONSOLIDADA 1 – Urbanização 2 – Espaços de uso comunitário 3 – Comercialização de terrenos III) FAMÍLIAS PALAFITADAS GERAL VILA DO JOÃO VILA PINHEIROS METAS PREVISTAS METAS REALIZADAS Aterro: 256 ha 256 ha de aterro Rede de água Rede de esgoto Eletrificação Escola de 1º grau Escola de 2º grau Escola profissionalizante Posto de saúde Posto policial Áreas verdes e de lazer Distribuição de 12.000 títulos de propriedade Não foi construída Não foi construída Sim Não foi construída Não foi construída Não foi construída Não foi construído Não foi construído Não foram construídas Distribuídos 4.869 habitações: 9.531 infra-estrutura completa 2 creches Escola de 1º grau Escola de 2º grau Posto de saúde Posto policial Escolas profissionalizantes Quadras de esporte Áreas verdes e de lazer Infra-estrutura completa 2 creches Escola de 1º grau Escola de 2º grau Posto de saúde Posto policial Escola profissionalizante Quadras de esporte Áreas verdes e de lazer 5.186 unidades construídas Sim Apenas 1 foi construída Sim Não foi construída 1 (instalação provisória) Sim 1 (atendimento precário) Não foram construídas 1 (abandonada) Sim Não foram construídas Não foi construída Não foi construída Não foi construído Não foi construído Não foi construída Não foram construídas Não foram construídas Fonte: VALLADARES, 1988 (adaptação nossa) CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 114 Da construção de novas unidades, urbanização da área nova e da parte consolidada das favelas e fornecimento do espaço de uso comunitário, vemos que aproximadamente 54% das unidades previstas realmente foram construídas, enquanto que a distribuição dos títulos de propriedade da área consolidada ficou na marca de 40%; na urbanização, as novas “Vilas” receberam a infra-estrutura completa, enquanto que a área consolidada somente recebeu a energia elétrica66. Na parte de EUCs, a área consolidada não recebeu nenhum, enquanto que a área das “Vilas” recebeu cerca de metade dos espaços que estavam previstos. Ou seja, entre a construção de espaços que teriam o uso privado e espaços que teriam o uso público, a prioridade foi para os primeiramente citados. Mesmo assim, em relação aos serviços básicos que foram prestados, SOUZA e SILVA constatou, em pesquisa realizada com os moradores da área consolidada, que ‘’ os benefícios relativos à infraestrutura67 e à urbanização68 trazidos pelo Projeto não são suficientes para excluir estas questões do rol dos principais problemas ainda existentes na área. Elas representam hoje [1984] o primeiro principal problema da Favela da Maré, para 56% dos casos pesquisados, e o 2º maior problema para 44% dos mesmos.” (SOUZA e SILVA, 1984:349-350). Dos dados trazidos por VALLADARES e SOUZA e SILVA depreende-se que, para um programa que surgiu com um discurso inovador, de manutenção da população próxima ao local da favela, ele realmente se confirmou. Porém, no tocante à cessão de espaços de uso 66 Note-se que na área consolidada da Favela da Maré, os próprios moradores haviam construído rede de esgoto, abastecimento de água e eletrificação, mas além de atender precariamente às moradias, tais redes possuíam deficiências crônicas, como a falta de vazão da água e lançamento in natura do esgoto na Baía de Guanabara. 67 68 “Água, esgotos, drenagem” . Definição de SOUZA e SILVA, 1984. “Pavimentação, alinhamento, ordenação da ocupação”. Definição de SOUZA e SILVA, 1984. CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 115 comunitário à população, vemos que este item do programa ficou em segundo plano, atrás, mais uma vez, do “número total de unidades” entregues nas Vilas do João e Pinheiros. Mesmo havendo um ligeiro progresso em termos de espaços de uso comunitário, estes ainda assim, não receberam o peso, em termos igualitários, em relação aos espaços privados, ou seja, as unidades habitacionais69. A maior parte dos EUCs programados para serem executados no Projeto Rio não o foram (VALLADARES, 1988). O fato de o Governo Federal ter descartado do Projeto Rio as agências estaduais, responsáveis pela construção dos EUCs, não fez com que ele, Governo Federal, chamasse para si as responsabilidades anteriormente assumidas com a população. O que no anúncio do programa era um dos grandes símbolos da melhoria de qualidade de vida para a população, já com as necessidades básicas sanadas, não passou, salvo algumas poucas exceções, de projetos que não saíram do papel, das manchetes de jornais e do imaginário da população que aguardou por ele. III.2) F AVELA -B AIRRO No âmbito do Programa Favela-Bairro, o ideário e o discurso da política habitacional possuem semelhanças e diferenças em relação aos do Promorar. São dois momentos políticos inteiramente distintos; o financiamento para o primeiro é, predominantemente, externo; os do segundo, interno. O Favela-Bairro faz parte de uma política habitacional que basicamente urbaniza favelas; o Promorar fazia parte de uma política habitacional que aos poucos experimentava a urbanização como 69 Mesmo assim, em relação às unidades habitacionais, segundo SILVA e SILVA, o PROMORAR, depois de alguns anos, tornou-se extremamente autoritário, “...ao impôr-se às populações, derrubando barracos sem oferecer nenhuma indenização, e obrigando as famílias a comprarem uma casa, muitas vezes em piores condições do que a que foi demolida, ao não apresentar possibilidades de abrigar mesmo uma família pequena” (SILVA e SILVA, 1989:77). CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 116 alternativa, e ainda removia milhares de barracos. No entanto, nos dois casos a concessão de EUCs é amplamente divulgada e anunciada, e nem sempre essa concessão se concretiza de forma satisfatória. Ao falar de Favela-Bairro, deve ser lembrado que a conjuntura existente no país contribuiu para a elaboração do um Plano Diretor Municipal imbuído do conceito de não remoção de favelas70, o que por sua vez, acarretou na elaboração dos preceitos que regem a atual política habitacional carioca e consequentemente, o Favela-Bairro. Por esse fato, o Favela-Bairro não teria mesmo como efetuar grandes remoções de favelas, ficando portanto sua atuação restrita à urbanização. Outro fato que contribuiu para a adoção oficial do preceito de urbanização e não remoção, foi a modificação no sentido do conceito da habitação propriamente dita. Existe, atualmente, a noção de que a habitação se constitui também de “necessidades habitacionais, com uma mudança no modelo de moradia” (BONDUKI, 1999). Apesar do perigo existente, de se elevar muito o nível de tolerância a habitações precárias na tentativa de se fugir do modelo pronto, “passou-se a aceitar o conceito de habitação da cidade real” 71 . A cidade real é aquela que inclui as favelas, diferente da cidade considerada ideal, que não as leva em conta. Anteriormente, as políticas públicas ditavam um modelo de habitação e aquela que não se encaixasse nesse modelo era considerada sub-habitação, a qual o Estado tentava, paulatinamente, substituir pela sua concepção de modelo de habitação, nos conjuntos habitacionais fornecidos à população. Tal prática teve seu ápice nos anos 60, durante as remoções massivas de favelas no Rio de Janeiro. Com a flexibilização do conceito de 70 Ver na página 61 deste trabalho, a transcrição do artigo do Plano Diretor que impede a remoção das favelas. 71 BONDUKI, entrevista concedida à autora, em dezembro de 1999. CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 117 habitação da cidade real, a urbanização passou a se tornar uma alternativa a ser considerada oficialmente como atitude política em relação às favelas. Na realidade, o Favela-Bairro busca mais do que apenas a urbanização das favelas. Ele tem no seu bojo a intenção de integrar as favelas à cidade, não só espacialmente, mas também social e culturalmente. Para isso, além de urbanizar, também faz parte da sua filosofia implantar nas favelas signos e símbolos dos bairros formais da cidade, espaços de uso comunitário como praças, áreas de lazer, creches, espaços para geração de renda, serviços públicos tais como limpeza urbana, programas de educação ambiental e geração de renda e também a titularização dos lotes, conforme pôde ser verificado anteriormente, quando da apresentação do programa no presente trabalho. O conceito adotado e divulgado pela Prefeitura do Rio de Janeiro na implantação do Favela-Bairro é o de que “a habitação não é só casa, mas integração à estrutura urbana (infra-estrutura sanitária, de transporte, de educação, de saúde e de lazer)” (Secretaria Municipal de Habitação, 1995:[1], grifo nosso) Outro conceito adotado pela Prefeitura é o aproveitamento do esforço coletivo já despendido na construção das casas das favelas. Considera a Prefeitura que o investimento feito pelos moradores nas suas próprias casas não deve ser desprezado. Pelo contrário, deve ser aproveitado como ponto de partida e complementado com os EUCs. Não é objetivo do Favela-Bairro o fornecimento de unidades habitacionais, salvo situações de risco, como casas situadas em áreas sob torres de alta tensão, margens de rios, encostas instáveis etc. Assim, pelo fornecimento de infra-estrutura urbana e pela construção de EUCs, a Prefeitura estaria conduzindo a integração das favelas à cidade. Cabe recordar que o Favela-Bairro foi iniciado com um concurso público para equipes multidisciplinares chefiadas por arquitetos e urbanistas. Tal atitude, por parte da Prefeitura, demonstrou que havia uma CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 118 preocupação com o tipo de urbanização que estava sendo proposta. Havia o desejo de que não houvesse uma intervenção estanque, orientada somente pelos princípios do poder público. A abertura dos projetos a profissionais atuantes no mercado fez com que um novo fôlego, até então não visto nos programas habitacionais oficiais, fosse dado a esse programa, o que ocasionou uma série de novidades nos planos de intervenção, como o projeto de uma piscina comunitária ou a tentativa da mudança de mentalidade da população em relação à questão ambiental pela construção dos espaços, pela Arquitetura. Além disso, a participação da população também fez parte das premissas do programa72. A idéia da integração entre favelas e cidade foi concebida num sentido amplo, que incluía não só a integração física mas também a social e cultural, como dito anteriormente. Vários aspectos do programa contribuiriam para esta integração. O discurso amplamente divulgado principalmente nos primeiros anos do programa trazia os seguintes itens: “O que melhora com o Favela-Bairro: • a integração da favela à cidade; • os acessos, o sistema viário, o saneamento, a iluminação publica; • os serviços de recolhimento de lixo e limpeza urbana; • a convivência comunitária, pelos espaços públicos e equipamentos criados; (grifo nosso) • atendimento à criança em idade pré-escolar; • a redução de enchentes na malha urbana; as condições ambientais internas e externas; o sentimento de cidadania e de pertencer à cidade”. (SMH, 1996:1) O discurso do Favela-Bairro tenta todo o tempo fazer ver à coletividade (principalmente à população vizinha às favelas) que o 72 Cada fase do projeto deveria ser apresentada para a comunidade, antes da aprovação pela SMH (Equipe 101, 1994). CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 119 beneficio será para a sociedade como um todo, e não só para a população diretamente afetada. A imprensa, preocupada em “cobrir” a nova política e o novo discurso, publicava nos primeiros anos do programa, quase diariamente, reportagens sobre o Favela-Bairro. Um jornal carioca (O Dia) chegou mesmo a ter uma coluna fixa sobre o assunto. A coluna se chamava “Favela-Bairro”, abordava vários aspectos do programa, como por exemplo entrevista aos arquitetos projetistas das favelas, e era municiada pela própria SMH. Ainda nos jornais, era comum ver noticias como esta: “[O Favela-Bairro] faz parte de uma nova mentalidade administrativa de reconhecer a favela como realidade urbana e de buscar sua integração com os bairros formal e legalmente constituídos. É o fim de uma postura administrativa que ora negava a presença das favelas e ora partia para a radicalização, com amplos programas de remoção, sem consultas, sem entendimento. Era o peso puro e simples do poder público.” (Jornal do Brasil, 05/09/96, página 22). Como estratégia de seu governo, o então Prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, reservou para a segunda metade de seu mandato a maior parte das obras a serem executadas, não só as do Favela-Bairro, mas de outros programas também. Tal fato impulsionou, por assim dizer, a sua posição no ranking das eleições municipais no ano de 1996. Não que ele próprio fosse candidato, mas sim o seu Secretario de Urbanismo, Luiz Paulo Conde, e que de fato, foi o vitorioso. Com isso, César Maia demonstrava ter um olho no futuro, visando as eleições para Governador do Estado, em 1998. O Favela-Bairro tomou novo impulso em 1995, quando foi assinado o PROAP-RIO, Programa de Urbanização de Assentamentos Populares. O PROAP é financiado pelo BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento. No PROAP-RIO I, o BID fez um investimento de R$ 200 CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 120 milhões, enquanto que a Prefeitura entrou com uma contrapartida de R$100 milhões. Até então, os procedimentos técnicos para a execução do Favela-Bairro haviam sido muito experimentais. Prefeitura e escritórios iam descobrindo, aos poucos, o melhor método para projetar uma urbanização de favela. Porém, após a entrada do BID, houve uma normatização de procedimentos e apresentação de projetos, já beneficiada pela experiência adquirida na primeira fase do programa. Assim, os produtos a serem entregues pelos escritórios projetistas à SMH estavam todos descritos e amarrados a um espesso caderno de encargos73, que trazia vários itens a serem atendidos pelos projetistas, desde os serviços de topografia até à programação visual de folders e placas das obras. Outro fator introduzido pelo PROAP foi a figura das “gerenciadoras”, que na realidade só entraram em cena no fim de 1996, quando muitas favelas já estavam na fase final das obras e/ou entregues parcialmente à população. As “gerenciadoras” são empresas tercerizadas pela Prefeitura para o gerenciamento e coordenação dos projetos. No início, apenas uma empresa fazia esse trabalho; posteriormente, três assumiram essa função, dividindo-se entre os projetos das várias fases do Favela-Bairro. Na realidade, acreditamos que o surgimento de tal figura no processo de implantação do Favela-Bairro se deu por duas razões: pelo aumento do número de favelas no programa e devido aos problemas que aconteceram na 1a fase do programa, ficando a seu cargo o desatamento deles e a prevenção do surgimento de outros. 73 Já mencionado anteriormente neste trabalho, no item II.5) “A atual Política Habitacional Carioca (1993 - ... )”. CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 121 Tais problemas, como dissemos, começaram a surgir ainda antes da entrada das “gerenciadoras”, com as obras de execução das favelas da primeira fase já transcorrendo. Um dos mais relevantes era a falta de entendimento entre órgãos de outras esferas que não a municipal, promotora do programa. Cabe lembrar que em toda a existência do FavelaBairro, os governos do município e do estado têm sido de partidos políticos diferentes, e até os meses que precederam a finalização da presente dissertação, não havia nenhum entendimento entre os dois. Com isso, itens que dizem respeito à CEDAE (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), à SERLA (Superintendência Estadual de Rios e Lagoas) e outros órgãos da esfera estadual, ficaram pendentes dentro do programa em algumas favelas, aguardando uma solução. Atualmente, depois da posse do atual Governador, que se deu em 01/01/1999, é possível notar o inicio de um entendimento entre as duas esferas. Já podem ser lidas em jornais declarações do Prefeito e do Governador regozijando-se pelo início do diálogo e a intenção de formar parcerias74. Além dos problemas ocorridos entre órgãos de esferas diferentes, vários outros aconteceram também entre órgãos da esfera municipal, e como aqueles originados entre esferas diferentes, culminaram na não concretização de vários pontos dos projetos urbanísticos para as favelas, notadamente EUCs. 74 Nota-se o maior entendimento entre as duas esferas através de atos como assinatura de um “protocolo de parceria para a urbanização do morro Dona Marta, que inclui saneamento básico, reflorestamento, melhoria da rede elétrica e reorganização do acesso viário” (Jornal O Globo, 08/01/2000, página 18). Segundo o acordo, haverá um investimento de R$ 20 milhões, divididos igualmente entre estado e município. Talvez pelo frescor dessas declarações, no Favela-Bairro ainda não foi possível notar efeitos práticos desse entendimento. CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 122 Considerando-se que o Favela-Bairro é um programa de urbanização, e não de fornecimento de unidades habitacionais (como diz o próprio Secretario Municipal de Habitação75), se há uma ausência no fornecimento dos EUCs, o que sobra para a realização do Favela-Bairro é a infra-estrutura urbana, considerada essencial para o funcionamento de uma edificação como “casa”, como local de moradia, que precisa de água, luz e saneamento (vide item I.3 – conceituação de urbanização) para funcionar como tal, e não um simples conjunto edificado de quatro paredes e um teto. Para ilustrar os eventos acontecidos no Favela-Bairro, tomaremos como exemplo a favela de Mata Machado, da primeira fase do programa76. Na favela de Mata Machado, houve uma total deformação na execução do projeto urbanístico que havia sido previsto originalmente. O projeto constava dos seguintes itens: 75 “…o Secretário de Habitação destacou ainda que nesta administração o poder público se voltou para a construção da cidade e não mais parta a velha política de construção de casas (Jornal do Brasil, 05/09/96, página 22, grifo nosso). 76 Como dito anteriormente, a autora participou da urbanização desta favela, tanto na fase final do projeto quanto na fase da execução da obra, de onde foram coletadas várias informações para a pesquisa. CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 123 Figura III.6 – Itens previstos no projeto urbanístico de Mata Machado. ITENS PREVISTOS NO PROJETO BÁSICO 1. Toda a rede de infra-estrutura básica 2. Creche 3. Duplicação do acesso existente e criação de outro; 4. Remodelação de uma praça já existente; 5. Criação de dois passeios à beira-rio; 6. Recuperação de um talvegue que estava edificado com a sua desocupação e criação de um pomar comunitário; 7. Construção de um pequeno prédio de 3 pavimentos de uso misto e de 10 casas unifamiliares para abrigar as famílias oriundas de remoções dentro da própria favela. ITENS PREVISTOS NO PROJETO DA ÁREA DA ANTIGA FÁBRICA DE DISCOS 1. Quadra poli-esportiva 2. Ginásio comunitário 3. Adaptação de dois prédios existentes para transformação em escola de 1o grau CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 124 Legenda Habitações Vilas e Ruas Área anteriormente pertencente à PolyGram: escola 1º grau, centro de serviços, centro cultural, centro esportivo, campos de esporte e locais possibilitando as atividades geradoras de renda Criação de um novo acesso à comunidade Alargamento e duplicação do acesso principal da comunidade Terreno da PolyGram Tijuca Estrada de Furnas ro aS ilva Rio Cachoeira Creche, utilização de edificação existente R. J air Ca lda s Co rrêa R iro d Recuperação e embelezamento das margens do rio aproveitando seu potencial paisagístico (LARGO BEIRA-RIO Rio Gávea Pequena Rua d as nd ib e Palme iras ea .L Dr R. Barra da Tijuca Reestruturação e tratamento paisagístico da praça central com equipamentos que estimulem o convívio da comunidade: jornaleiro, telefone público etc. Comunidade de Maracaí Floresta Atlântica R. So dré Cotas mais elevadas Floresta Atlântica Associação de Recuperação e embelezamento das moradores e Fundação Leão XIII margens do rio aproveitando seu potencial paisagístico (LARGO BEIRA-RIO) TALVEGUE OCUPADO Famílias a serem relocadas para área adjacente no interior de Mata Machado Criação de um parque através de reflorestamento com árvores frutíferas Figura III.7 – Esquema do projeto urbanístico para Mata Machado . Recuperação da vila magnólia: área de lazer, churrasqueira e lagos CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 125 Os itens constantes do projeto da área da antiga fábrica de discos (PolyGram) fazem parte de um projeto complementar ao projeto básico, numa área contígua à favela, onde anos atrás funcionava a fábrica da PolyGram Discos. Por sugestão da equipe de projetistas, o poder público municipal comprou a área da fábrica desativada para que sua utilização, com fins educativos, culturais e esportivos, pudesse ser efetuado não só pela comunidade de Mata Machado, mas pelos bairros do seu entorno também (ver figura III.8). Figura III.8 – Perspectiva ilustrativa do projeto do Complexo Esportivo e de Lazer, na terreno da antiga fábrica de discos. As obras em Mata Machado começaram em 1996, ficaram interrompidas durante dois anos, e foram retomadas em meados de 1999. Na primeira fase de obras, somente dois terços da favela recebeu a infraestrutura, além da duplicação do acesso existente. Nada mais foi executado, por uma série de motivos, dentre eles, a inexperiência em gerenciamento de um programa de urbanização desse porte por parte da CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 126 SMH, que acarretou numa dificuldade de organização generalizada, que se refletiu, por exemplo, em Mata Machado, na falta dos serviços de topografia mais detalhada e sondagem, que teriam que ter sido fornecidos pela prefeitura. Tal ausência fez, por exemplo, com que uma pedra de mais de dois metros de diâmetro encontrada no sub-solo, caminho para um ramal de esgotos, tivesse que ser quebrada, a frio, lentamente, durante dois meses da obra (ver figura III.9). Além dessa, várias outras rochas também surgiram como empecilho na primeira fase das obras, o que acabou por acarretar a necessidade de mais dinheiro do que o previsto originalmente, consumindo, assim, toda a verba destinada para a favela antes do término da execução dos serviços. Além disso, a já mencionada falta de articulação política entre os órgão públicos envolvidos no projeto também atrapalhou, sobremaneira, o desenrolar das obras em Mata Machado. CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 127 Figura IIII.9 – Fotos da execução da infra-estrutura paralisada, aguardando a demolição da grande pedra, localizada no subsolo da praça principal. No alto, à esquerda, a pedra aparece em primeiro plano, à esquerda da tubulação. No alto, à direita, ela aparece ao fundo, sendo trabalhada pelo operário. Acima, parte da pedra já desmontada, aguardando transporte. No intervalo de dois anos em que a obra ficou paralisada, houve um maior detalhamento do projeto, porém neste detalhamento privilegiouse a infra-estrutura em detrimento dos outros itens. Tal privilégio foi determinado pela própria SMH e pela gerenciadora terceirizada que, no momento, coordenava o projeto de Mata Machado. CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 128 Assim, para a segunda fase de obras, o que está previsto para ser executado77 é somente a complementação da infra-estrutura, a remodelação da praça existente, a creche e a construção do novo acesso. Nenhum dos outros itens do projeto original citado anteriormente será executado ou sequer teve seu projeto detalhado, com exceção das casas para reassentamento, que apesar de possuírem projeto executivo pronto, não possuem projeto de implantação detalhado, devido à ausência de serviços de topografia fornecidos pela SMH na área prevista para reassentamento. Quanto ao projeto complementar, na área da antiga fábrica de discos, este foi descartado posteriormente pela SMH, que em seu local construiu apenas uma quadra de esportes, diferente da projetada originalmente. Em Mata Machado, o desenrolar dos projetos e obras geraram uma série de fatos interessantes e pontos truncados; alguns foram solucionados; outros, não. O mais peculiar deles é a respeito dos itens água/esgoto. Como dito anteriormente, a concessionária responsável pelos serviços de abastecimento d’água e esgotamento sanitário é a CEDAE, órgão do Governo Estadual. Mata Machado está situada no Alto da Boa Vista, um bairro no Rio de Janeiro que fica numa cadeia de montanhas, onde a infra-estrutura urbana chegou tardiamente em relação ao resto da cidade, e em certos pontos, ainda encontra-se muito precária. Nesse sentido, Mata Machado conta apenas com um ramal de abastecimento d’água, que serve à escola municipal da comunidade e ao posto policial localizado em seu interior. Os 600 domicílios que lá existem, ou “sangram” esse ramal até a sua quase exaustão ou recolhem água diretamente das nascentes do maciço da Tijuca. 77 Cabe ressaltar que a finalização das obras em Mata Machado está prevista para um período posterior ao da finalização da presente dissertação. CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 129 Na ocasião do primeiro projeto de abastecimento d’água, feito juntamente com o projeto básico, verificou-se junto à CEDAE que não havia previsão para mais um ramal de abastecimento para o Alto da Boa Vista. As obras se iniciaram, e parte do projeto foi executada. Quando houve a necessidade de um maior detalhamento do projeto, gerou-se um impasse de tal tamanho que não havia como terminar o projeto de detalhamento. A SMH não poderia dar uma posição pela CEDAE, que por sua vez, só passava a informação do “não-abastecimento” de maneira informal, através de contatos não oficializados com seus técnicos. Ao todo, foram 4 anos de indefinição quanto a essa questão. O Favela-Bairro daria à população a rede completa de abastecimento d’água, inclusive com reservatórios superior e inferior, mas não poderia se responsabilizar pelo fornecimento do combustível da rede: a água. Tal fato impedia o andamento do detalhamento, que necessitava da definição do ponto de ligação com a rede, vazão prevista etc. A “resolução” do problema só foi possível graças à gerenciadora, que finalmente, no ano de 1998, conseguiu uma resposta oficial da CEDAE, confirmando realmente que não havia a previsão de mais um ramal para o Alto da Boa Vista. Pensou-se, então, na possibilidade da conexão da rede no único ramal existente, que levaria, aos poucos, água para os reservatórios. No entanto, não houve também a possibilidade do fornecimento de uma maior vazão para o ramal já existente. Dessa forma, o projeto foi o máximo possível detalhado, e ele está sendo implantado, porém sem um ponto de ligação com a rede, à espera da água que algum dia talvez a CEDAE venha a fornecer. Também dentro do âmbito da CEDAE, houve problemas em relação ao esgotamento sanitário. Mata Machado, como dissemos, está CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 130 situada numa área de montanhas. Mais do que isso, está inserida na maior floresta urbana do mundo (ver figura III.10). Figura III.10 - Vista aérea geral de Mata Machado, encravada na Floresta da Tijuca. Pelo interior da favela passam dois rios, que se juntam e seguem num só leito, ainda dentro da favela. Antes do Favela-Bairro, o esgoto dessa e de outras comunidades era jogado diretamente nos rios, sem qualquer tratamento. Na realidade, os rios faziam também o papel de condutores de lixo, o que contribuía para poluí-los ainda mais. Mesmo com a implantação do Favela-Bairro, a orientação dada pela SMH, na fase inicial, era de que por um determinado tempo, o esgotamento sanitário da comunidade continuaria pelo rios, já que a CEDAE (mais uma vez) não tinha previsão para a passagem de um ramal coletor de esgoto em menos de 2 ou 3 anos (tal fato se deu em 1994). Já no diagnóstico da favela, a equipe de projetistas firmou uma postura veementemente contrária a essa determinação (EQUIPE 101, 1994), mas nada de concreto pôde fazer a respeito. O que restava ser feito CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 131 era estabelecer, no projeto, toda uma vertente voltada para o lado ambiental da questão. Assim, apesar de no primeiro projeto de esgotamento sanitário (ainda na época do projeto básico) a rede estar lançando os dejetos nos rios, houve a preocupação, por parte dos projetistas, de evitar que pelo menos o lixo não escoasse mais por suas águas. Para isso, no projeto constavam dois passeios à beira-rio (EQUIPE 101, 1995), em áreas que eram vistas como locais menos privilegiados, a ponto de apenas os fundos das casas estarem voltados para elas, e nunca as fachadas principais. Ao transformar este espaço num local nobre de circulação pública, pretendia-se que a própria população não mais arremessasse lixo nas águas dos rios78. Além disso, na parte de maior altitude da comunidade, há um talvegue, que se encontrava repleto de barracos, e com criação de animais como porcos e galinhas, o que compromete a qualidade da água das fontes situadas no entorno. Para esse talvegue, foi projetado um pomar (EQUIPE 101, 1995), com a retirada dos barracos e dos animais. O pomar teria a função de revitalizar a função natural do talvegue, estimulando o desenvolvimento da vegetação com a canalização natural da água. No entanto, esses itens do projeto não foram e talvez nem sejam executados, como também a previsão de um ramal de esgoto para a área dentro desses 2 ou 3 anos ainda não se concretizou. Na segunda fase do projeto, já com a presença da gerenciadora, chegou-se a esboçar o projeto de uma estação de tratamento de esgoto, com visita de técnicos à favela para escolha do local mais apropriado, escolha do sistema a ser adotado na estação etc. Porém, por motivos como a limitação da verba disponível para Mata Machado e o não compromisso da CEDAE em fazer a manutenção periódica da estação, já 78 Durante as obras, até uma velha geladeira foi encontrada num dos rios. CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 132 que essa seria a sua jurisdição, mesmo a Prefeitura tendo feito a sua construção, a solução da estação de tratamento de esgoto não foi adiante, e ela nem consta do projeto executivo final da projetista. Os exemplos de água e esgoto são os mais peculiares, uma vez que denotam como a falta de entendimento entre órgãos do poder público pode ser prejudicial à concretização do projeto como um todo, e consequentemente, à população. E frisamos que isso aconteceu com a infra-estrutura básica, como o próprio nome diz, base para qualquer projeto de urbanização de favelas. Além disso, em Mata Machado, a equipe de projetistas tentou incluir no projeto boxes para comércio na praça principal da favela, mas por recomendação da Secretaria Municipal de Trabalho eles foram retirados do projeto. A alegação, por parte daquela Secretaria, é que o processo de escolha dos moradores que teriam o direito de uso dos tais boxes poderia gerar complicações79, e segundo ela, “seria difícil de administrar”. Outro exemplo é referente à escola municipal existente na favela. Tal escola possui um pequeno “anexo”, distante cerca de 30 metros do prédio principal, e ambos estão situados na praça principal da comunidade. Este pequeno “anexo” consiste em 2 salas de aula adaptadas sob um antigo e precário estábulo de animais conhecido no local como “vacaria”. A intenção dos projetistas era remover a escola propriamente dita para a entrada da favela, num prédio maior (os antigos escritórios utilizados pela fábrica PolyGram), que pudesse inclusive aumentar o número de vagas disponíveis. O prédio principal da escola seria adaptado para creche, e o pequeno edifício do “anexo” seria demolido para dar lugar 79 Apesar disso, em favelas como Fernão Cardim e Chácara de Del Castilho eles puderam ser criados. CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 133 à integração urbanística entre a praça e um dos rios que passam pela comunidade (vide figura III.11). Figura III.11 – Esquema do projeto urbanístico para a praça principal de Mata Machado. Em destaque, com linhas tracejadas cor laranja, as edificações que seriam demolidas para a implantação total do projeto e a integração da praça com o rio. O objetivo desta integração era retirar o status de “fundos” que o rio ocupava, sendo alvo de despejo de lixo, e trazê-lo para a condição de “frente”, sendo parte integrante da paisagem da praça principal. No entanto, no mesmo momento em que a equipe elaborava o projeto com a aquiescência da SMH e dos moradores, a Secretaria Municipal de Educação realizava obras de reforma no anexo da escola, investindo um capital num local que seria demolido dali a pouco tempo. CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 134 Além disso, depois de os projetos estarem prontos (inclusive o de adaptação do prédio existente na entrada da favela para uma grande escola, que contou até com a contagem unitária de vasos sanitários e esquadrias que seriam reaproveitadas), a SMH resolveu não executar o projeto da escola. Podemos supor que engrenagens complicadas como transferências patrimoniais e orçamentárias entre diferentes secretarias possam ter contribuído para essa mudança. No momento, o prédio e toda a área que daria lugar ao Complexo Esportivo e de Lazer se encontram abandonados, sendo alvo de depredações de toda a espécie. Exemplos à parte, o que se pode apreender sobre o programa Favela-Bairro na favela Mata Machado, é que a execução dos trabalhos transformou o resultado das obras em uma simples dotação de infraestrutura básica precária, muito mais próxima dos antigos projetos de urbanização executados eventualmente em governos anteriores do que próxima das propostas de integração cultural e dotação de espaços de uso comunitário anunciados juntamente com as propostas iniciais do programa. Como mencionado anteriormente, o Programa Favela-Bairro trouxe a novidade de terceirizar os projetos arquitetônicos e urbanísticos, sem usar a mão-de-obra pública para elaborá-los. No entanto, com o decorrer do tempo, pudemos encontrar vários profissionais que trabalharam em projetos do Favela-Bairro frustrados, porque por algum motivo, seus projetos não eram executados plenamente. Justamente, todos os problemas estudados aqui neste trabalho, que impediram a concretização de vários EUCs, deixaram para trás também um legado de profissionais que esperavam, realmente, contribuir com seus projetos, para o bom andamento da política habitacional na cidade. Na favela Mata Machado, o que se tem hoje são os trabalhos sendo executados por funcionários da SMH, sem a supervisão da equipe projetista. CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 135 Considerando-se que nem numa obra num sítio convencional o as built é igual ao projeto, menos ainda numa favela, onde o espaço físico é infinitamente mais labiríntico. Daí, pode-se imaginar a deturpação que os projetos sofrem, ao serem adaptados sem o conhecimento e o consentimento de seus autores. Em outras favelas da mesma fase do programa aconteceram fatos semelhantes, não sendo construídos vários EUCs que haviam sido previstos originalmente no projeto. Mais da metade das 15 favelas da primeira fase não tiveram seus projetos executados em sua totalidade. Tal fato nos remete à outras épocas, quando nos projetos financiados pelo BNH os projetos também não eram construídos integralmente. Assim como naquela época, o fator político é decisivo para essas questões. Muitos dos entraves acontecidos no Favela-Bairro devemse à pouca articulação política entre diversos órgãos públicos, já mencionados anteriormente, mas que também podem ser exemplificados com outras comunidades além de Mata Machado. De maneira oposta, na favela Ladeira dos Funcionários/ Parque de São Sebastião, por exemplo, a articulação política entre a Prefeitura e o Exército (Arsenal de Guerra), o Ministério da Saúde (SUCAM) e a RFFSA foi positiva, porque a partir dela é que foi possível a cessão de terrenos destes órgãos para a construção do conjunto de moradias e algumas praças (FÁBRICA ARQUITETURA, [sd]). No entanto, na favela Chácara de Del Castilho, essa mesma articulação não aconteceu. A falta de um acordo com a Secretaria Municipal de Saúde e também com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social acarretou na anulação do posto médico previsto. Além disso, as negociações entre a Prefeitura e a Flumitrens também dificultaram o avanço da obra de uma via marginal à comunidade, paralela à linha férrea (ARQUITRAÇO, [sd]). CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 136 Já na favela Fernão Cardim, em Pilares, encontramos um exemplo de favela de 1a fase do Favela-Bairro que teve quase a totalidade de seus EUCs executados, faltando aqueles que estavam previstos para um terreno cuja situação fundiária parece estar relacionada ao Governo Estadual80. Entre os EUCs que deixaram de ser construídos neste terreno, estão um Centro de Serviços Comunitários e um Mercado de Mão-de-obra. A falta das articulações entre órgãos públicos de esferas diferentes ou da mesma esfera pode ser explicada por vários motivos, que não pretendemos esgotar neste trabalho. No entanto, alguns podem ser citados: • no caso de esferas diferentes, muitos dos entraves acontecem devido às diferenças políticas, pois seus dirigentes principais estariam ligados a diversos partidos políticos, o que gera uma dificuldade natural em se admitir um ideal comum para um determinado ponto. Além disso, por vezes, o órgão já possuía outro destino para o espaço solicitado pela Prefeitura do Rio de Janeiro; • no caso de órgãos da mesma esfera (entre as Secretarias Municipais, por exemplo), o que pôde ser constatado é que é evitado o deslocamento de previsões orçamentárias, e cada secretaria também tem suas próprias funções especificadas para as dependências que lhe serão afins. O interessante é que, pelo menos em tese, todas deveriam estar subordinadas a uma mesma figura, o Prefeito. Além da falta de articulação entre órgãos públicos, os momentos políticos também contribuíram para a não realização de vários EUCs em favelas contempladas pelo programa Favela-Bairro. Com as eleições 80 Dado obtido pela entrevista realizada com o Vice-presidente da associação de moradores de Fernão Cardim, Sr. Davi, em 04/12/1999. CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 137 municipais em 1996, muitas favelas tiveram suas obras “aceleradas”, meses antes da disputa eleitoral. Como já foi dito anteriormente, o Favela-Bairro era um grande trunfo do governo municipal para eleger prefeito o seu candidato, que na época era o Secretário Municipal de Urbanismo. Como o referido candidato e atual Prefeito é arquiteto, a sua imagem pública está sempre relacionada a “homem de grandes obras (civis)”, e o Favela-Bairro faz parte dessas obras. De tempos em tempos, pode-se ver nos jornais manchetes como esta: “Não é de surpreender que o prefeito Luiz Paulo Conde insista tanto em destacar a importância do projeto Favela-Bairro na sua administração (…). O Secretário Municipal de Habitação, Sérgio Magalhães, conta que (…) [n]uma pesquisa para descobrir qual das obras da Prefeitura era a mais importante (…) deu FavelaBairro na cabeça”. (Jornal do Brasil, 05/01/97, página27). III.3) ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE AS ANÁLISES EFETUADAS NO CAPÍTULO Tanto no Promorar quanto no Favela-Bairro houve (e está havendo) a urbanização de favelas. Tanto num programa como no outro, houve problemas ligados ao fato dos poderes envolvidos serem de partidos políticos diferentes (basta lembrar da cisão política entre Governo do Estado e Governo Federal no Promorar, e do sempre ausente entendimento entre o Governo do Estado e o Governo Municipal, no Favela-Bairro). No entanto, no discurso que anuncia os novos programas habitacionais, essas diferenças políticas não são levadas em CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 138 consideração, e passa-se para a população a noção de que o quê será feito está em consonância com as suas aspirações81. Esse procedimento se manifestou de maneira semelhante nos dois momentos. O Governo Federal contava com o Governo Estadual no Projeto Rio, e depois que o descartou, não continuou o seu trabalho; no Favela-Bairro, a Prefeitura anunciou que levaria água e saneamento básico a várias favelas, sem antes consultar o órgão estadual responsável por esse setor. Na hora do discurso, são vislumbradas várias alianças políticas, que nem sempre se concretizam, ou que deixam de existir antes do beneficio direto e real para a população. Na realidade, os dois programas analisados nos levam a crer que discursos políticos se pautam pela idéia de que os EUCs podem ser usados como um grande símbolo de status e de melhoria de qualidade de vida em campanhas políticas, mas ficam relegados ao segundo plano na hora de sua execução, expostos aos mais variados tipos de situações complexas, desde a falta de verba até à eleição já definida. Tal fato pode vir da idéia de que, ao anunciar um programa habitacional, interessa ao poder público mostrar que o básico é mais do que óbvio que seja oferecido – é praticamente obrigatório (entenda-se pelo básico as unidades habitacionais no Promorar e programas de remoção; e a infra-estrutura, no caso do Favela-Bairro e programas de urbanização) - porém, é divulgado que a grande diferenciação do programa que está sendo anunciado virá nos EUCs, pontes para melhoria da qualidade de vida dos habitantes de uma cidade, e que serão oferecidos àquela determinada população junto com o componente básico do programa habitacional. 81 Curiosamente, no momento em que as pesquisas eleitorais mostram que um certo patamar de votos foi alcançado, alguns elementos do discurso são deixados para segundo plano. CAPÍTULO III – PROMORAR X FAVELA-BAIRRO: ANÁLISE DE DOIS MOMENTOS DISTINTOS 139 Como exemplo de EUCs que foram utilizados peculiarmente pelo poder público como símbolos de status e melhoria de qualidade de vida, temos: ciclovia, cinema, pavilhão de espetáculos, piscina, pista de skate, mini-anfiteatro, caramanchões, teatro, churrasqueiras, pomar, largos à beira-rio, concha acústica, grande parques verdes, ginásio comunitário. Esses são exemplos de alguns EUCs previstos para o Projeto Rio e também para algumas favelas da primeira fase do Favela-Bairro. No entanto, a grande maioria desses itens programáticos aqui citados não foram construídos. Por tudo exposto, pode-se resumir que no caso do Promorar, a falta de prioridade dada aos espaços de uso comunitário é, na realidade, direcionada para a construção das unidades habitacionais e, no caso do Favela-Bairro, a infra-estrutura é a prioridade do Programa. Mesmo assim, no Promorar, nem todas as unidades foram construídas, e no FavelaBairro, a própria favela Mata Machado, analisada mais de perto por nós neste trabalho, tem nos itens água e esgoto exemplos-máximos de como por vezes, nem com a infra-estrutura básica, o Favela-Bairro pôde ser fiel ao discurso do próprio programa. Via de regra, os exemplos analisados nos fazem supor que o fornecimento dos espaços privados em políticas habitacionais está sempre à frente do fornecimento de espaços de uso comunitário, sendo estes os preteridos em ocasiões de desentendimentos políticos e de outros problemas operacionais. Os espaços de uso comunitário deveriam constar nos itens de qualquer programa habitacional com o mesmo nível de importância dado à unidade habitacional ou à infra-estrutura, e a implantação total de um EUC significa que o Poder Público está de fato empenhado na melhoria da qualidade de vida da população daquela comunidade, na medida em que cada setor responsável estará atuando de forma sincronizada, sem dispersão ou retrabalho. CONCLUSÃO U m dos objetivos deste trabalho foi fazer uma releitura da história da política habitacional carioca com o foco sobre o fornecimento dos espaços de uso comunitário (EUCs), ressaltando as oscilações entre o discurso e a prática, por parte do poder público. Sempre nos intrigou a diferença entre o tratamento dispensado aos EUCs quando do anúncio de um programa habitacional e quando da sua concretização efetiva. No discurso, os EUCs eram enfatizados, como forma de sensibilizar a sociedade e a clientela envolvida diretamente, enquanto que na prática, muitas vezes eles nem chegavam a acontecer. Através desta releitura, pudemos entender melhor como funcionam os diferentes mecanismos que regem as diversas composições do discurso e da prática, o que acabou por se transformar em mais um objetivo do presente trabalho: confrontar justamente esses dois elementos, o discurso e a prática do fornecimento dos espaços de uso comunitário. Para tanto, procedemos a uma busca do conceito de “habitação”, compreendido aqui em seu sentido mais amplo, ao longo de diferentes momentos da política habitacional brasileira e, mais especificamente, da carioca. Vimos que já é bem antiga a compreensão de que a intervenção em espaços públicos de interesse social não deveria se restringir ao objeto “casa” e sim, abrigar um conceito bem mais ampliado, abraçando todos os espaços que se articulam com o ato de morar, inclusive os EUCs. A revisão da história da política habitacional nos mostrou que esse entendimento se concretizou, de forma marcante, através de algumas atuações do SERFHA. Vimos, no entanto, que foi logo após este momento CONCLUSÃO 141 que, com o desmonte desse órgão, se fez notar uma clara ruptura entre discurso e prática no que diz respeito aos EUCs. Naquela ocasião, os interesses de grupos ligados ao poder se sobrepujaram aos interesses dos favelados, que vinham sendo incentivados pelo SERFHA a se organizarem, e por intermédio deste, estavam conseguindo trazer para as favelas vários espaços de uso comunitário. Com o fim do SERFHA e a subsequente criação da COHAB, a prática de trazer EUCs para as favelas cessou, e teve início a época das remoções em massa das favelas cariocas, ao mesmo tempo em que os discursos de políticos (principalmente em época de campanhas eleitorais) se “recheavam” de alusões a possíveis concretizações de espaços de uso comunitário, como moeda de troca, em programas destinados a populações de baixa renda. A partir de então, diversos momentos da política habitacional apontavam para uma crescente diferenciação no conteúdo do ideário apresentado nos “programas de intenções” de projetos habitacionais e no resultado prático destes projetos, quando os EUCs se transformavam, via de regra, nos primeiros pontos a serem descartados assim que os primeiros problemas surgissem. Nesse trabalho, procuramos averiguar as razões e as características dessa dicotomia que passou a existir entre os EUCs anunciados com tanta ênfase nos “programas de intenções” e os EUCs colocados na categoria de elementos supérfluos, isto é, passível de ser dispensada, ao longo da execução desses mesmos programas. Para ilustrarmos tal confrontação, foram eleitos, dentre os já vistos, dois diferentes programas habitacionais que marcaram significativamente a história da política habitacional carioca: o Projeto Rio CONCLUSÃO 142 (Promorar), do final da década de 70, e o Favela-Bairro, da década de 9082. A revisão que fizemos da história da política habitacional nestes dois momentos, nos levou a supor que, ao elaborar o discurso de um novo programa, o poder público trabalha com a influência que os EUCs têm sobre o imaginário popular. Acreditamos que, no Promorar e no Favela-Bairro, especificamente, o que foi anunciado para a população não se resumia à entrega de novas unidades habitacionais ou de títulos de propriedade das unidades já existentes. Foi anunciado muito mais do que isso, mais do que esses espaços privados. Foi anunciado que espaços públicos, os EUCs, e consequentemente as novas características de padrão de vida subjacentes à idéia desses espaços, seriam também amplamente fornecidos à população. Não será demais relembrar uma citação já vista neste trabalho, a respeito do Projeto Rio, e uma outra a seguir sobre o Favela-Bairro: “As unidades residenciais terão centros comunitários com postos de saúde, creches, clubes, escolas e áreas de recreação, lazer e esportes, com o aproveitamento inclusive da ilha do Pinheiro, além de novas opções de praias, com águas mais limpas, saneadas e livres da poluição.” (Jornal do Brasil, em 16/06/79). “…uma política habitacional que, ao invés de produzir casas, tem como objetivo a construção de cidade (serviços e equipamentos públicos) (…) abrindo e pavimentando ruas; construindo redes de água, esgoto e drenagem, creches, praças, áreas de lazer e quadras poliesportivas; canalizando rios; contendo e reflorestando encostas…” (Home-page83 da SMH, visitada em 15/07/99). 82 Os motivos para a escolha de tais programas estão expostos no capítulo anterior. 83 http://www.rio.rj.gov.br/habitacao/. CONCLUSÃO 143 O que foi constatado durante esta pesquisa é que os EUCs representam fundamentalmente, um elemento simbólico que constitui parte do ideário das políticas habitacionais. Nos discursos, eles aparecem como símbolos de melhoria da qualidade de vida, extremamente úteis em épocas de campanha eleitoral. Como exemplo, podemos citar a ênfase dada à construção de ciclovias, elemento que constava tanto das propostas do Promorar quanto de alguns projetos do Favela-Bairro. Poder usufruir de uma ciclovia para momentos de lazer e exercício, poder freqüentar parques verdes e lagos dentro de seu próprio bairro (aquele que teria sido a favela, em “algum dia no passado”), são imagens apreendidas pela população de uma forma bem mais intensa do que a de simples espaços de uso comunitário. Representam uma idéia, vendida pelo discurso do poder público à população, que a absorve prontamente. É a idéia de “liberdade”, dada pelo marketing, de “poder se dar ao luxo de ter um tempo para o lazer”, por exemplo, que se tem ao pensar num ciclista com a brisa marítima batendo no seu rosto, ao passear pela ciclovia. Essa imagem, quando bem “vendida”, tem a capacidade de se sobrepor aos poucos metros de concreto asfáltico colocado na beira da Baía de Guanabara84 para esse fim, uma vez que mesmo quando o referido espaço de uso comunitário é realmente fornecido, isso não garante à população que ela usufruirá de toda aquela sensação que se teve a intenção de transmitir ao anunciar o programa. Contudo, procuramos mostrar que, apesar de tais discursos, as populações tanto do Promorar quanto de algumas favelas concernidas pelo Favela-Bairro, não contam hoje efetivamente com todos os espaços de uso comunitário anunciados. 84 Como o colocado na Favela Parque Royal, na Ilha do Governador, da primeira fase do Favela-Bairro. CONCLUSÃO 144 Com o tempo decorrido entre o discurso e a sua concretização, as situações políticas se modificam, as diferenças e os interesses dos diversos partidos políticos emergem, problemas e conflitos acontecem, e acarretam na realização prática de algo diferente daquele que havia sido divulgado anteriormente. Como a prioridade da execução quase sempre está com as unidades habitacionais e/ou com a infra-estrutura básica, o item a ser descartado da execução de um programa habitacional é geralmente o EUC. A análise desses dois momentos da política habitacional enfatiza a lacuna entre “vender” uma campanha política e concretizá-la depois de tê-la ganha ou perdida. Isso nos faz supor que o que primeiramente garante um voto é o discurso que consegue atuar no imaginário da população, com a idéia de uma cidade bonita, limpa, de habitantes saudáveis. Nesse sentido, a imagem de programas habitacionais que comportam EUCs são fundamentais. Acreditamos que possamos entender que, assim, as ações vão, de uma certa maneira, sendo medidas voto a voto, de forma a resguardar verba e/ou contatos políticos para regiões onde as pesquisas eleitorais estejam acenando com baixos índices. Essa poderia ser uma das razões pelas quais podem ser vistos vários conjuntos habitacionais, até mesmo anteriores à época do PROMORAR, que reúnem milhares de unidades habitacionais e uma taxa deficiente de EUCs para a população. Quando, no Promorar, chegou-se a anunciar a construção de uma concha acústica, esse fato chamou a atenção da opinião pública e despertou muito interesse. No que se refere à população diretamente beneficiada, ela mesma não foi muito crente dessa execução85. Mas para o restante da população, a imagem que fica é que o poder público não vai só dar casas. Ele também vai fornecer outros espaços, preocupado que está com a questão social e com a cidade como um todo. 85 Vide manchetes citadas à pagina 107. CONCLUSÃO 145 Na concretização do programa, a concha acústica não foi construída. Ela até poderia ser considerada um item dispensável do projeto, muito embora devam necessariamente ser levados em consideração os benefícios culturais que ela traria. Mas para uma população que vivia em barracos precários de madeira sobre dejetos de esgoto misturados à água já poluída da baía, morar em casas de alvenaria já representou uma melhora em muitos níveis, a tal ponto que, em pesquisas posteriores (DUARTE & SILVA, 1990), foi comprovado que a população pouco se lembrava da “tal” concha acústica que constava no projeto. Isso seria, segundo os citados autores, a “volta da política da bica d’agua” (DUARTE & SILVA, 1990:13) na qual os interesses eleitoreiros se apoiavam na satisfação de algumas necessidades de um grupo social tão acostumado às privações, à miséria, tão afastado de sua plena cidadania e da consciência de seus direitos que via como um “favor pessoal” qualquer melhoria a que tinha acesso. Assim como o grupamento social da Maré, o restante da população da cidade formal e da opinião pública “esquece” as promessas como as da concha acústica e, ao passar agora na área do Projeto Rio, não vê mais o degradado cenário das palafitas, e sim as milhares de casas coloridas entregues pelo programa habitacional. O que fica na memória coletiva é isso, é o pensamento de que “já melhorou muito”, porque a aparência incomoda bastante, mas esquece-se de que os símbolos expostos no discurso ajudaram na concretização do conjunto, uma vez que contribuíram para a sua legitimação, na medida em que eram eles que demonstravam a preocupação do governo com a questão do bem estar social. A visão distanciada produz conceitos distorcidos da realidade. Já no caso do Favela-Bairro, essa dicotomia pode não estar tão aparente, mas, principalmente pelos motivos já expostos de conflitos entre setores públicos, ela também acontece. Os EUCs são anunciados, mas nem sempre são construídos. Diferentemente daquela população CONCLUSÃO 146 beneficiada pelo Projeto Rio, os EUCs para a população das favelas beneficiadas pelo Favela-Bairro são muito mais expressivos, porque a casa, eles já possuíam. O poder público apresenta agora o discurso de estar “complementando” as moradias que essa população já ocupa, passando a fornecer os serviços de uma cidade na favela, ou melhor, no “novo bairro”. No Favela-Bairro, podemos encontrar exemplos onde os EUCs simplesmente foram descartados, mesmo o poder público já tendo pago pelo seu projeto. A favela Mata Machado, estudada neste trabalho, é um exemplo muito representativo desta situação. O fato do poder público ter contratado, aprovado e pago pelos projetos dos espaços de uso comunitário demonstra que, até certo ponto, ele tinha a intenção de executá-los. Porém, quando os elementos da situação se transformam, sejam eles de ordem política, econômica ou outra, os espaços de uso comunitário são os primeiros a serem descartados do projeto. Nossa pesquisa nos fez supor que o que fica no imaginário da população carioca a respeito da urbanização/integração das favelas é a infra-estrutura, representada principalmente pela imagem do asfaltamento das ruas da favela. Ou seja, o processo de “urbanização” estaria se resumindo, perante a opinião pública, apenas ao fornecimento desses elementos. Tenham tido ou não seus EUCs concretizados, a imagem das favelas beneficiadas pelo Favela-Bairro, para a opinião vinda dos setores “do asfalto” ainda é de “favela”, termo compreendido aqui em seu sentido pejorativo que inclui a noção de pobreza, insalubridade, marginalização etc. Observamos que, mesmo que uma específica favela já tenha passado pela intervenção do Favela-Bairro, ela ainda é conhecida como “favela” (no sentido acima exposto), salvo pequenas possíveis exceções. Vimos que esse fato ocorre porque a opinião pública de uma maneira geral, é muito sensível ao aspecto estético das favelas, mais do CONCLUSÃO 147 que ao bem-estar de quem está morando nelas (DUARTE, 2000) (se a população possui rede de abastecimento d’água ou praças etc.). Assim, apesar de não ser possível estabelecer uma tipologia única para caracterizar as favelas, de uma certa forma, o aspecto de “obra inacabada”, a falta de afastamento entre as casas e a falta de alinhamento nas ruas, quase sempre estreitas, são fatores que já se tornam suficientes para fazer com que uma favela seja considerada “indesejada” pela opinião pública. Ciente destes fatores, ao apresentar um discurso de integração das favelas à cidade, o poder público municipal do Rio de Janeiro despertou no imaginário da opinião pública que alguém poderia, finalmente, “dar um jeito” nas favelas do Rio, mesmo que fosse pelo caminho da integração. Porém, mostramos neste trabalho que, passados alguns anos desde o início do programa, vem se estabelecendo, por parte de alguns segmentos da sociedade, uma rejeição aos resultados do programa, inclusive com o discurso de que “a cidade é que estaria se integrando às favelas”, formando assim o que está sendo popularmente chamado de “Bairro-Favela”86. Tais opiniões só surgiram ao longo da consolidação do programa. Ressaltamos que, quando, em 1996, o candidato apoiado pelo então prefeito conseguiu se eleger para sucedê-lo, ele na realidade ainda estava usufruindo da boa imagem que o programa tinha até então. Acreditamos que, naquele momento, o imaginário da população estava ainda estimulado pelos símbolos de melhoria de qualidade de vida, fosse a população formal, esperando que as favelas estivessem realmente por transformar-se em “bairros”, ou fosse a própria população favelada, 86 Ver neste trabalho, no capítulo II (Análise da postura governamental em relação aos espaços de uso comunitário através da política habitacional brasileira - A atual Política Habitacional Carioca), páginas 73 e 74, a transcrição de cartas de leitores de um jornal carioca, a respeito da insatisfação com o programa Favela-Bairro. CONCLUSÃO 148 esperando pelos elementos transformadores de suas vidas no espaço em que residiam. As questões levantadas nos levaram a considerar a existência não de um tipo somente de EUCs, mas sim de duas coisas completamente distintas: de um lado, os espaços de uso comunitário do discurso e do marketing, e de outro, o espaços de uso comunitário descartáveis da fase da concretização. O que é dito e anunciado, é uma idéia. O que é concretizado (quando de fato o é), é um elemento que por si só não garante a realização da idéia lançada pelo poder público. Não seria possível, no âmbito desse trabalho, analisar todas as diversas causas da não realização dos EUCs dos programas implantados. No entanto, vimos que basta um obstáculo (financeiro, por exemplo) aparecer, para serem eles os primeiros fatores a ser descartados. Vimos, nos dois casos estudados, que um tipo de problema capaz de causar grandes obstáculos na implantação de programas habitacionais se refere à falta de articulação política entre as esferas do poder público. Mostramos que, para o perfeito desenvolvimento de um programa habitacional, na maioria das vezes, é necessário que mais de uma esfera governamental esteja envolvida, mesmo que a esfera promotora seja uma só. Tal fato acontece pelas especificidades de cada um dos vários benefícios anunciados. Por exemplo: muitas vezes, para poder dar uma praça à população, o município precisa negociar a desapropriação de uma área sob a jurisdição federal; ou então a esfera estadual é a que detém as concessionárias de um determinado tipo de serviço, e a esfera federal necessita delas para poder concretizar algum empreendimento. Invariavelmente, o discurso de um programa habitacional anuncia benefícios que só poderão se concretizar se, dentre outras coisas, as três esferas do poder tiverem algum entrosamento. Por esse motivo, a interferência entre os poderes, no nosso entender, se constitui num dos entraves para a concretização do discurso CONCLUSÃO 149 proferido no anúncio das políticas habitacionais. Na realização do Projeto Rio, os três poderes caminharam juntos até uma determinada época, e posteriormente, com a cisão política entre a esfera federal e as esferas estadual e municipal, o programa ficou sob a responsabilidade de um poder só, que não conseguiu levar a cabo todas as realizações pretendidas. Trata-se justamente do fornecimento de todos os espaços de uso comunitário previstos para Projeto Rio, pelo qual eram responsáveis o estado e o município. Após a cisão, a esfera federal não assumiu as tarefas das outras esferas, fornecendo a partir de então somente as unidades habitacionais para a população. Não podemos afirmar que a cisão tenha sido a única responsável pela não realização da maior parte dos espaços de uso comunitário no Projeto Rio, mas certamente, ela contribuiu em muito para isso. Na atual política habitacional carioca, temos uma situação semelhante, entre o poder municipal e o estadual. Como mencionado anteriormente, em nenhum momento da existência do programa FavelaBairro os poderes estadual e municipal estiveram em consonância, e isso gerou vários conflitos. A bem da verdade, o momento de conjunção pode até estar surgindo atualmente, como visto no capítulo anterior. É realmente de se esperar que isto aconteça, em prol de uma melhoria de vida em vários setores, para a população. Como perspectiva de futuro no Rio de Janeiro, temos visto, quase imperceptivelmente, algumas poucas modificações surgindo vagarosamente em relação às favelas da cidade. Bem aos poucos, podem ser vistas favelas que, depois das obras do Favela-Bairro, deixaram de ser “evitadas”, e passaram a fazer parte do itinerário de alguns cariocas, como forma de encurtar alguns caminhos ou fugir de congestionamentos. Como exemplo pode ser citada a favela Fernão Cardim, em Pilares. Suas ruas atualmente, são utilizadas como uma opção viável para fugir dos congestionamentos na saída de um shopping próximo, permitindo assim o CONCLUSÃO 150 acesso mais rápido à principal rua do bairro, a Dom Helder Câmara (antiga Avenida Suburbana). Se hoje em dia, Fernão Cardim passou a fazer parte do itinerário de algumas pessoas, é porque seus acessos foram ampliados, fazendo com que ela deixasse de ser um “feudo” isolado, com características muito peculiares. Devido a seus acessos e ao restante dos espaços de uso comunitário ali implantados, ela agora é de fato, um “bairro” da cidade, como qualquer outro. Como se pode ver, os EUCs são elementos integradores de várias camadas sociais, porque é no âmbito da sua dimensão física que acontece o convívio e a integração social e cultural entre as pessoas. Eles dão condições para a melhoria da qualidade de vida, porque uma cidade sem espaços de uso comunitário para sua população, se torna uma cidade inóspita, fechada em espaços privados, tendo que ser compartilhada também nos espaços privados. Uma cidade que seja agradável de se habitar e que tenha boa qualidade de vida é uma cidade que permite o encontro, o livre acesso, o lazer, a prática de esportes ao ar livre, e que cuida da saúde e da educação de seus habitantes também. Uma cidade não pode ser composta somente por casas ou por alguns desses elementos isoladamente. É nesse sentido que defendemos a presença dos espaços de uso comunitário, principalmente em habitações de interesse social. Eles funcionarão, sobretudo, como ponto atenuador das diferenças socioculturais. Se eles deixarem de ser apenas “cores” de um discurso eleitoreiro e se houver vontade política para levar a cabo sua concretização em programas de interesse social, aí sim, estaremos no caminho certo para a possibilidade de uma cidade mais igualitária para todos os seus habitantes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. ABREU, Maurício de A. & BRONSTEIN, Olga. Políticas Públicas, Estrutura Urbana e Distribuição de População de Baixa Renda na Área Metropolitana do Rio de Janeiro. Volume 2, [Rio de Janeiro]: IBAM, 1978. 2. ARAGÃO, José Maria. Sistema Financeiro da Habitação: Uma análise sócio-jurídica da gênese, desenvolvimento e crise do Sistema. Curitiba: Juruá, 1999. 3. ARQUITRAÇO, Texto sobre a urbanização da favela Chácara de Del Castilho. [Rio de Janeiro]: Mimeo, [sd]. 4. ATAS DAS REUNIÕES entre a SMH, a gerenciadora LogosPlanave e a RAF Arquitetura e Planejamento, ocorridas nos anos de 1997 e 1998. 5. AZEVEDO, Sérgio & ANDRADE, Luiz A. 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