“A Enquete”
Tema
A destuição do poder de um ditador cruel e sanguinário.
Sinopse
Sadicus, ditador de Óciomissius vê-se cercado em seu gabinete presidencial por
forças opositoras.
Sem saída, porém, negando se entregar, Sadicus confessa todos seus crimes
políticos no site oficial do seu governo e promove uma enquete entre os usuários: como
deve ser seu fim?
Escaleta
CENA 1 – INT. DIA / GABINETE PRESIDENCIAL
Sala vazia. Luz interior oscilando. Sadicus entra e se dirige ao computador.
CENA 2 – INT. DIA / GABINETE PRESIDENCIAL
Sadicus liga o computador e olha pela janela.
CENA 3 – INT. DIA / GABINETE PRESIDENCIAL
Sala treme e objetos caem no chão. Sadicus apenas observa.
CENA 4 – INT. DIA / GABINETE PRESIDENCIAL
Sadicus digita algo, olha pra webcam do computador e começa seu depoimento.
CENA 5 – INT. DIA / GABINETE PRESIDENCIAL
Sadicus levanta-se, vai até uma mesa nos fundos da sala e pega um pouco de
bebida. Volta pra frente do computador, acende um charuto e continua a falar pra
webcam.
CENA 6 – INT. DIA / GABINETE PRESIDENCIAL
Sadicus retira um revólver de uma gaveta, aponta pra própria cabeça e puxa o
gatilho. Um clarão invade a sala.
CENA 7 – INT. DIA / GABINETE PRESIDENCIAL
Uma bomba explode o gabinete presidencial.
Roteiro
CENA 1 – INT. DIA / GABINETE PRESIDENCIAL
Câmera de segurança do gabinete presidencial revela uma sala vazia. Estantes de
livros e documentos encostadas nas paredes, e uma mesa nos fundos do ambiente,
próxima à janela, que por sua vez é coberta com grandes cortinas.
Sob a mesa tem um computador e papéis levemente bagunçados. Atrás dela há
uma poltrona com um encosto imponente.
O lustre da sala balança muito e pisca constantemente.
A porta se abre. Sadicus entra segurando um jornal. Fecha a porta calmamente,
passa o trinco e se encaminha para o computador. Coloca o jornal na mesa.
CENA 2 – INT. DIA / GABINETE PRESIDENCIAL
Sadicus senta-se na cadeira que gira com o peso de seu corpo, direcionando-o à
frente do computador. Ditador liga a máquina.
Com a outra mão afasta a cortina pro lado e olha pela janela, movendo a cabeça
para o lado direito, depois para o esquerdo.
CENA 3 – INT. DIA / GABINETE PRESIDENCIAL
Sala treme violentamente, fazendo o lustre piscar mais rápido e balançar com
ainda mais força e inquietude. Livros e documentos caem das estantes, e papéis se
espalham pelo recinto.
Sadicus mantém as cortinas abertas, mas agora olha para o outro lado da sala.
Clarões entram pela fresta da janela que a cortina não cobre, e Sadicus então vira-se pro
computador.
CENA 4 – INT. DIA / GABINETE PRESIDENCIAL
Webcam mostra a expressão tranqüila de Sadicus, que olha para o teclado, digita
algumas coisas, olha para a tela, ajusta a direção da câmera e sorri para ela.
Arruma a camisa, passa a mão como que limpando-a, e inicia o depoimento:
SADICUS (sorridente)
- Bom dia população de Óciomissius! Aliás, que dia! Agitado e reluzente, logo cedo!
Hesita um instante, e continua:
SADICUS
- Pensando bem, na idade que eu to, é uma falta de respeito ser despertado com esse
foguetório. Definitivamente, os velhos não tem mais valor nenhum em nossa
sociedade…
Sadicus retira um óculos do bolso frontal de seu paletó, coloca na face, pega o
jornal e o abre.
SADICUS
- E vejam só o que sou obrigado a ler: “Ditador cruel de Óciomissius sofre investida de
opositores e é encurralado. Será o fim de uma era?”
- Oras, em primeiro lugar, cruel é você estar sonhando estar num harém cheio de mulher
e de repente ser surpreendido com a janela de seu quarto se estilhaçando. Francamente,
se é pra torturar, faz direito. Se quiserem até ensino a vocês…
Tira os óculos e os guarda calmamente no bolso. Deixa o jornal de lado.
SADICUS (com o dedo em riste)
- Mas não vou ensinar! Não vou não! Não vou compartilhar a experiência de anos de
dedicação ao povo deste país que amo, a pessoas que sequer respeitam o sono de um
senhor de idade. Além do mais, estou encurralado! Tudo bem, creio que uma aula
minha atrairia bastante aluno, mas de fanático e extremista já basta eu. Pena que alguns
não aceitam minha paixão pelo poder, e fazem do céu de minha pátria, um show
pirotécnico…
- Olha, fico até nervoso com essa situação.
Levanta-se, e ajeita da roupa. Abaixa-se na direção da câmera, falando bem
próximo a ela.
SADICUS
- Vocês podiam até me matar do coração, caso eu o tivesse.
CENA 5 – INT. DIA / GABINETE PRESIDENCIAL
Ditador se levanta, anda pela sala e abre um armário no canto. De lá retira uma
garrafa e um copo. Despeja um pouco no copo, e toma-o de uma vez. Chacoalha a
cabeça, e volta a despejar bebida. Guarda a garrafa e volta pra frente do computador.
Sentado na cadeira, retira um charuto da gaveta, e com ele na boca, o acende. Dá
um longo trago, e solta a fumaça no ar.
SADICUS
- Foi isso que vi quando mandei tacar fogo na casa de meus inimigos. A fumaça era
mais escura, mas não menos poética, digamos assim…
- E os gritos? Que sinfonia! Era tudo misturado, homem, mulher, criança, até cachorro!
Hahaha, não consigo não sorrir lembrando disso!
- Vocês aí, nunca podem dizer que não dei chance de acompanharem concertos de
música aqui em Óciomissius. Os fuzilamentos em praça pública eram uma obra de arte.
Nem Beethoven faria algo semelhante. “Um Tiro, Um Grito”. Ou “Um Grito, Um
Tiro”. Bom… se não lembro da ordem dos fatos, não posso batizar minha sinfonia
ainda. Fica essa função pra vocês, presentinho do Sadicus.
Traga novamente o charuto, vira o copo de bebida, e volta a falar, agora bastante
sério:
SADICUS
- Sou um sujeito íntegro, penso no meu povo. Promovi espetáculos aqui, shows, coisas
que poucos têm o privilégio de presenciar.
- Eduquei-os. Muitas vezes de formas pouco carinhosas eu sei. Carinho não é meu
ponto forte. Meu ponto forte aliás, é a justiça, e não sei por que estou sendo perseguido
assim, se dediquei uma vida a esse povo. É… se nem o camarada Jesus agradou, quem
sou eu pra isso?
- Respondendo à pergunta do jornal: sim, é o fim de uma era. E sinceramente, já era
hora de me aposentar mesmo. O poder dá trabalho, só quem viveu sabe…
- Poder esse que terão vocês agora: o de decidir meu fim! Sim, isso mesmo, decidir meu
fim! Está iniciada a enquete: “Como deve ser o fim de Sadicus?”!
- Dou-lhes duas opções.
Afasta um pouco a cortina atrás de si, mostrando a janela.
SADICUS
- Me jogando da janela?
Larga a cortina, e retira uma bala de revólver da gaveta, e mostra pra webcam.
SADICUS
- Ou pegando o avião pro inferno, sem escalas, com a bala da morte?
Olha pro projétil, analisando-o.
SADICUS
- Pensando bem, bala da sorte! Vai me levar desta pra melhor! A decisão está nas mãos
de vocês! Votem, votem! Como nunca puderam fazer antes!
Sorri euforicamente e se encosta na cadeira, com as mãos cruzadas por trás da
cabeça.
Uma bomba explode derrubando mais livros e papéis. Toma um pequeno susto,
mas volta a sorrir.
CENA 7 – INT. DIA / GABINETE PRESIDENCIAL
(Efeito de passagem de tempo – relógio da câmera de segurança acelerado).
Sadicus olha o relógio e anuncia:
SADICUS
- Prazo encerrado, quem votou, votou, quem não votou, não vota mais. Dei a chance a
vocês, não podem dizer que não puderam participar de uma eleição na vida…
Ditador se concentra na tela, como se lesse os votos dos usuários.
SADICUS
- Muito obrigado a todos, e venho em primeira mão anunciar que a opção vencedora foi:
Um clarão muito forte invade a sala, e não se vê mais nada.
A imagem escurece.
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