UNICENTRO, Guarapuava/PR – 17 e 18 de junho de 2010
Fotoclube do Paraná: apontamentos para a construção de um regime de
visualidade fotográfica1
Éverly PEGORARO
Jornalista, professora do Departamento de Comunicação Social da Unicentro, mestre
em História Social pela Universidade Federal Fluminense, doutoranda em Comunicação
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/Unicentro.
Unicentro/Paraná
RESUMO
A partir da contextualização de três momentos definidos da História da Fotografia no
Brasil, este texto aponta características do fotoclubismo no país e no Paraná e situa a
prática fotoclubística como mediadora de um regime de visualidade no século XX.
Também apresenta alguns aspectos iniciais do Fotoclube do Paraná, associação de
fotoamadores iniciada em 1938, em Curitiba, época da efervescência do fotoclubismo
no País. O fotoclube, além da troca de experiências, pode ter representado um espaço de
confrontação, transformação e competição entre os próprios fotoclubistas, engendrando
processos de comunicação que, por sua vez, contribuíram para a constituição de
narrativas históricas e de regimes de visualidade.
PALAVRAS-CHAVE: Fotografia; História; Paraná; Fotoclubismo.
Quem são os homens que conseguiram domar a luz e a técnica, transformandoas em fotografia no Paraná? Que nomes, opiniões e características têm os desbravadores
da prática fotográfica no Estado, vinculados ao fotoclubismo? Qual a significação da
fotografia para esses fotoclubistas e que regimes de visualidade instauraram?
Esse texto traz algumas características iniciais do fotoclubismo no país e no
Paraná, prática que se intensificou nas primeiras décadas do século XX. Geralmente,
quem participava dessas associações eram membros de uma classe burguesa emergente.
O fotoclube se constituía no espaço ideal para reconhecimento social, publicização de
trabalhos através de concursos e exposições, quando os associados podiam mostrar a
cultura adquirida em viagens pelo País e pelo exterior, e ainda suas habilidades
artísticas (MAGALHÃES & PEREGRINO, 2004).
Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva (2004) definem três momentos
relevantes para a história da fotografia no Brasil. O primeiro refere-se à prática
fotográfica documental do século XIX, com suas experimentações e apostas na
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Trabalho apresentado no GT História da Mídia Audiovisual e Visual, componente do I Encontro
Paraná/Santa Catarina de História da Mídia.
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modernização, mas ao mesmo tempo criticando os rumos tomados por ela. A segunda
fase tem o pictorialismo como principal método, quando os fotógrafos tentam adaptar
ao meio as concepções clássicas de arte. O terceiro momento enquadra-se na
experiência moderna propriamente dita – a linguagem fotográfica busca compatibilizar
a estrutura narrativa do código perspéctico com as intenções plásticas da modernidade.
O fotoclubismo oscila entre as duas últimas fases, pois os primeiros fotoclubes
ainda apostavam no fotopictorialismo, numa postura conservadora. Ao mesmo tempo, a
partir do início do século XX, principalmente acompanhando as intensas mudanças que
se davam no campo da cultura, o movimento modernista influenciou fotógrafos a
ousarem em suas experiências estéticas.
A prática fotoclubística difundiu-se principalmente entre a classe média urbana.
Graças ao desenvolvimento técnico da fotografia, formou-se um potencial mercado de
consumo da prática fotográfica. A fotografia deixou de ser uma atividade de poucos
para se tornar mais democrática. E o fotoclubismo, por sua vez, seria uma reação à
massificação da produção fotográfica predominante.
De caráter elitista, o fotoclubismo visava fazer da fotografia uma
atividade artística. A condição do fotógrafo clubista, em termos gerais,
era a de profissional liberal que, dono de uma situação financeira
privilegiada, podia se dedicar à fotografia em suas horas vagas. Para
esta classe média urbana em ascensão, carente de símbolos que a
identificassem socialmente, o fotoclubismo veio bem a calhar,
criando-lhe uma forte identidade cultural. O pequeno burguês agora é
um artista. (COSTA e DA SILVA, 2004, p. 22)
Pode-se entender a fotografia como uma das opções de mediação de um regime
de visualidade do século XX. Ser fotografado e compartilhar o hábito de fotografar
faziam parte do conjunto de elementos da visualidade que definia o que era ser moderno
em consonância com o imaginário da época. “A fotografia moderna no Brasil, pela sua
própria origem social, serviu como mecanismo de adequação da classe média às
modificações que vinham sendo operadas na sociedade” (COSTA e DA SILVA, 2004,
p.13).
A prática fotográfica no Paraná surgia em várias frentes. Entretanto, duas delas
contavam com considerável legitimidade social: a prática fotográfica exercida na
imprensa e a vinculada a grupos que partilhavam do mesmo interesse como atividade de
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lazer, símbolo de pertencimento e status, como o Fotoclube do Paraná2. De acordo com
a ata de fundação, os senhores Ely Azambuja Germano, Carlos Zchmpefennig, Lothar
Witt, Affonso Wischral, Juviniano Ribas de Almeida e Paulo Soleide reuniram-se no
dia 24 de agosto de 1938 com o intuito de fundarem uma sociedade de fotoamadores.
Após um sorteio entre os membros presentes, coube a Affonso Wischral o título de
sócio número um do fotoclube. Já no primeiro ano de atividades, no concurso anual de
fotografias da associação, mais de 200 trabalhos foram expostos, comprovando que a
Curitiba de fins de 1930 tinha um potencial grupo de fotoamadores (JORNAL DO
ESTADO, 26 de agosto de 1988).
Percebe-se que muitos associados ao Fotoclube do Paraná ocupavam o que se
pode chamar de lugar duplo na prática fotográfica: ao mesmo tempo eram fotoclubistas
e fotógrafos de imprensa. Em outros fotoclubes do país, havia intensa rivalidade e até
mesmo um certo preconceito entre essas duas posições (COSTA e DA SILVA, 2004).
Em um levantamento inicial, cita-se Domingos Foggiatto (1887-1970), que atuou nos
jornais O Dia, Gazeta do Povo e Diário da Tarde. Ele trabalhou na parte gráfica dos
impressos e vendia suas fotografias para os periódicos. Uma terceira faceta pode ser
percebida nesse curioso fotógrafo, além de fotoclubista e fotógrafo de imprensa. Em
1940, a convite do interventor Manoel Ribas, Foggiatto é nomeado fotógrafo oficial do
Estado no antigo DEIP (Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda), cargo em
que seria nomeado oficialmente onze anos depois. Consta que ele foi um dos membros
fundadores do Fotoclube do Paraná.
Na Curitiba da década de 1940, com ares de sociedade culta e européia, o
Fotoclube do Paraná agremiou diferentes fotógrafos amadores que compartilhavam o
mesmo interesse e detinham os mesmos conhecimentos técnicos sobre a prática
fotográfica, ainda uma novidade para a grande maioria dos paranaenses. Alguns tinham
outras profissões para o sustento, como medicina ou advocacia, e viam a fotografia
como hobby. Mas também havia aqueles que ganhavam a vida com a prática
fotográfica, seja como fotógrafos ou como proprietários de laboratório fotográfico.
Um dos nomes mais conhecidos do fotoclubismo paranaense é Helmuth Wagner
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Primeiramente, a associação chamava-se Sociedade Paranaense de Foto Amadores, passando em 1942 a
Foto Clube do Paraná. Em 1950, se transformou em Foto Cine Clube do Paraná e, em 1959, retornou ao
nome de Foto Clube do Paraná. Durante a gestão de Ney Braga na Prefeitura de Curitiba, em 1958, foi
considerado de Utilidade Pública pela Lei nº 1556, de 23 de abril. O reconhecimento do Estado veio em
1971, através da Lei Estadual nº 6203, de 14 de julho. Neste texto, trataremos em todos os períodos como
Fotoclube do Paraná.
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(1924-1988). Além de ser um dos sócios mais premiados do Fotoclube do Paraná,
também foi o que mais tempo permaneceu a sua presidência: 14 anos. Durante quatro
décadas, fotografou a natureza, a cultura e o povo do Paraná. Editou obras fotográficas,
como Serra do Mar, em 1981 e Sete Quedas, em 1987. Sua história gerou o
documentário Helmuth Wagner – Alma da imagem, lançado em 2009.
Até o fim da década de 1990, quando ainda tinha atividades regulares, o
Fotoclube do Paraná contabilizava mais de mil pessoas que, em algum momento desde
1938, foram associadas. Nesse mesmo período, a associação participou de 12 salões
internacionais de fotografia, 22 salões nacionais, duas bienais nacionais e dezenas de
outras mostras menores (GAZETA DO POVO, 24 de agosto de 1998).
Marcas de uma época
Durante todo o século XX, principalmente até meados de 1960, o Paraná
procurou legitimar-se como moderno e progressista. O Estado vivia um tempo de
significativo crescimento econômico e cultural. O governo paranaense incentivava a
colonização, através do oferecimento de facilidades de trabalho e aquisição de terras a
imigrantes italianos, poloneses, ucranianos e alemães. Enfim, àqueles povos que tinham,
efetivamente, “vontade de trabalhar e povoar uma terra próspera como o Paraná”,
clamava o discurso oficial.
O período é marcado pelas tentativas de ultrapassar o conceito de um Paraná
provinciano, ou seja, a expectativa de superar o atraso (brasileiro e paranaense) através
de um projeto de integração e legitimação modernizadoras. Um dos movimentos mais
conhecidos no Paraná, que pregava ideais civilizatórios e modernistas, foi o Paranismo.
Promovido pela elite intelectual, os paranistas buscavam a idealização de uma
identidade regional paranaense que demonstrasse como o Paraná estava em pleno
progresso.
No campo político, o governador Moysés Lupion (mandatos em 1946-1950 e
1955-1959), por exemplo, pregava que queria libertar o Paraná de seu isolamento
provinciano, colocando-o entre os primeiros da Federação (IPARDES, 1989). O
governador Bento Munhoz da Rocha (mandato incompleto entre 1951-1955) também
foi um defensor da legitimação do Paraná moderno. Em sua gestão, promoveu obras
como o Centro Cívico, a Biblioteca Pública do Paraná e o Teatro Guaíra. É dele,
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também, a intenção de projetar Curitiba como centro de orgulho paranaense (IPARDES,
1989).
A mesma época destaca-se com o ideal da cidade como espaço de convívio e
trocas de experiências. Esse contexto de desenvolvimento refletiu-se, também, na
prática fotoclubística, que se tornou um fenômeno de grande disseminação social Brasil
afora. Também é a partir da década de 1940 que se dá uma transformação da linguagem
fotográfica. Em um ambiente ainda conservador, a originalidade dos fotógrafos desse
período estava na busca de uma visão pessoal, desenvolvida intuitivamente, sem um
projeto explícito de modernidade.
A fotografia representa uma prática eficaz para a legitimação de discursos,
através da educação do olhar. Além disso, ela compõe historicamente a textualidade de
uma determinada época, pois engendra uma capacidade narrativa que se processa nessa
temporalidade. Dessa forma, é possível estabelecer um diálogo de sentidos com outras
referências culturais de caráter verbal e não-verbal. “As imagens nos contam histórias,
atualizam memórias, imaginam a história. Esse [é] o campo que define a ordem do
visível (e do invisível)” (MAUAD, 2008, p. 20).
A fotografia se insere historicamente em circuitos sociais dos quais também
interagem os fotógrafos. Como explica Peter Burke (2004), representações da sociedade
nos dizem sobre a relação entre o realizador da representação e a pessoa representada.
Esta pode ser vista com maior ou menor distância, em diferentes enfoques. Assim, o que
se vê é uma visão de sociedade, num sentido ideológico, mas também visual. Fotógrafos
e personagens dessas representações sabem que fazem parte da representação e,
simultaneamente, as vêem na condição de espectadores.
A pesquisa está em seu início e pretende desenvolver a ideia de que os
fotoclubistas são agentes sociais que, através desse espaço de interação e troca de
experiências, discutiam a prática fotográfica, delineando sua significação no regime de
visualidade no século XX. Vale a pena lembrar os conceitos de Pierre Bourdieu (1982),
que explica que o indivíduo se insere e se relaciona em múltiplos campos sociais. Neles,
os agentes sociais se comunicam, efetuam trocas simbólicas, se posicionam e estruturam
posições sociais. Essas ações são resultado, também, de um habitus, que para Bourdieu
é o sistema de disposições socialmente constituídas, internalizadas pelo indivíduo ao
longo de suas experiências. Dessa forma, entende-se que os fotoclubistas, com seus
conceitos, suas opiniões e seu aparato tecnológico, constituíram grupos de atores que
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instauraram regimes de visualidade. O plural, nesse sentido, não é desproposital.
Mesmo que tenham pertencido ao mesmo fotoclube, os associados podem não ter
apresentado uma voz única, mas propiciado leituras dissonantes, contrastantes. O
Fotoclube do Paraná, além da troca de experiências, pode ter representado um espaço de
confrontação, transformação e competição entre os próprios fotoclubistas. Essas ações
são entendidas como embates que acontecem no mundo social, como resultado da busca
dos agentes sociais por posições nos campos sociais em que se posicionam. É a partir
disso que se dá a relação entre o sujeito e a sociedade e, num sentido mais amplo,
engendra processos de comunicação que, por sua vez e no caso específico do Fotoclube
do Paraná, contribuem para a constituição de narrativas históricas e de regimes de
visualidade.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. Campo do poder, campo intelectual e habitus de classe. In:
__________. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1982.
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. São Paulo: Edusc, 2004.
COSTA, Helouise. DA SILVA, Renato Rodrigues. A Fotografia Moderna no Brasil.
São Paulo: CosacNaify, 2004.
GAZETA DO POVO, 24 de agosto de 1998. Foto Clube do Paraná comemora seus 60
anos de sua fundação.
IPARDES, Fundação Edson Vieira. O Paraná reinventado: política e governo. Curitiba:
Ipardes/SEPL/Fuem. 1989.
JORNAL DO ESTADO, 26 de agosto de 1988. 50 anos. Foto Clube do Paraná. 1938 –
1988.
MAGALHÃES, Angela & PEREGRINO, Nadja Fonseca. A fotografia no Brasil: um
olhar das origens ao contemporâneo, Rio de Janeiro: Funarte, 2004.
MAUAD, Ana Maria. Poses e flagrantes: ensaios sobre história e fotografias. Niterói:
Editora da UFF, 2008.
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