A SOCIEDADE UNIPESSOAL NO DIREITO PORTUGUÊS – CONSIDERAÇÕES ATUAIS. Fabrício de Vecchi Barbieri, Luiz Antonio Soares Hentz. * Sumário: Introdução 1 Mecanismos de limitação da responsabilidade do empresário individual 1.1 Modelos personificados 1.1.1 Empresa Individual de Responsabilidade Limitada 1.1.2 Sociedade por Quotas Unipessoal 1.2 Modelo não personificado 1.2.1 Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada 2 A sociedade unipessoal em Portugal 2.1 Alterações no tratamento da unipessoalidade transitória 2.2 Uma nova concepção de sociedade 2.3 Situações específicas albergadas pelo direito português 2.4 As sociedades fictícias 2.5 A admissão expressa da sociedade unipessoal 2.6 12.ª Diretiva da CEE de 1989 3 Regime jurídico da Sociedade Unipessoal por Quotas 3.1 Constituição da Sociedade Unipessoal por Quotas 3.2 Deliberações do sócio único. Considerações Finais. Resumo O presente artigo tem como objeto a limitação da responsabilidade do empresário individual sob a ótica da Sociedade Unipessoal por Quotas no direito português. Devido ao êxito do referido instituto, analisamos seus efeitos, particularidades e regime jurídico. Caminhando de forma bastante ligeira entre as estruturas coletivas de exercício de empresa, analisamos o processo de limitação da responsabilidade do empresário individual comparando os principais instrumentos de limitação da responsabilidade até hoje utilizados. O direito português norteia a perspectiva do artigo por ser peculiar: é o único ordenamento jurídico que abriga, simultaneamente, dois institutos de limitação da responsabilidade do empresário individual com bases completamente opostas. Palavras-chave: Sociedade por Quotas Unipessoal; Empresário Individual; Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada; Abstract The subject of the following article is the limitation of the liability of the individual entrepreneur from the perspective of the Single Member Private Limited Company in Portuguese Law. Due to its success I analyse its effects, particularities, as well as the legal regime. Going briefly through the collective structures of the enterprise activity, I examine the limitation liability process of the individual entrepreneur and compare the main instruments that have been used to limit his liability. Portuguese law guides the article´s perspective owing to its peculiarity: it´s the only statute law which has, simultaneously, two limitation liability institutes of the single entrepreneur with rather opposite bases. Keywords: Single Member Private Limited Company; Single Entrepreneur; Individual Business of Limited Liability; Introdução A limitação da responsabilidade – invenção ordinária e tradicionalmente ligada ao exercício coletivo de empresa – configura claramente uma tentativa de contenção dos efeitos negativos que o fator risco pode vir a causar no âmbito empresarial. Por conferir uma proteção adicional ao investidor, temeroso em comprometer a totalidade de seu patrimônio em uma atividade de alto risco – tal como a empresária – o benefício tem funcionado como um *O autor é aluno do curso de Direito da UNESP (campus de Franca-SP), bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, e realizou a pesquisa na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em Portugal, no ano de 2008, sob os auspícios do Santander Universidades, entidade que custeou sua ida. mecanismo de incentivo a novos investimentos demonstrando, assim, o quão relevante é para o desenvolvimento econômico, social e tecnológico.1 Ao longo do tempo, notáveis foram as tentativas de constituição de estruturas limitadoras da responsabilidade daqueles propensos ao exercício de empresa. Dentre as mais remotas podemos citar as sociedades em comandita. Conhecidas como sociedades com regime misto de responsabilidade, ou seja, responsabilidade limitada aos sócios comanditários e, ilimitada aos sócios comanditados, tal estrutura societária, justamente por não possuir um sistema acabado de limitação da responsabilidade, não conseguiu, com êxito, estimular novas iniciativas.2 É nesse contexto - de necessidade de criação de um modelo menos débil de limitação da responsabilidade dos sócios - que surge a sociedade anônima. Embora tenha se propagado de forma consideravelmente relevante na segunda metade do século XIX, sua complexa e dispendiosa estrutura promoveu uma sensível reserva quanto a sua utilização; eficaz a iniciativas econômicas de grande porte, o mecanismo ainda deixava as de pequeno e médio desamparadas. Dispondo-se a suprir as deficiências e incompatibilidades das sociedades anônimas e, em comandita, a sociedade por quotas de responsabilidade limitada desenvolveu-se, destarte, como uma forma de se preencher a lacuna no que se refere à disciplina jurídica de uma forma intermediária de exercício de empresa, ou seja, que funcionasse como uma concreta possibilidade de limitação da responsabilidade em empreendimentos mais modestos.3 O que se percebeu, no entanto, foi que as sociedades por quotas de responsabilidade limitada, justamente por exigirem a pluralidade de sujeitos em sua constituição, não haviam resolvido o problema por completo. Na realidade, o exercício de empresa ainda estava marcado por um esquema anacrônico de polarização de estruturas. Ao exercício coletivo de empresa se destinavam as mais sofisticadas técnicas legislativas relativamente à gestão e à limitação da responsabilidade, enquanto quedava o empresário individual desamparado em ambos os perfis – era ainda ele visto como um mero artesão.4 Ao se notar que a limitação do risco do investidor a apenas uma parcela de todo o seu patrimônio havia sido responsável por um substancial progresso econômico nos países que a 1 2 3 4 CORDEIRO, A. M.. Direito europeu das sociedades. Coimbra: Almedina, 2005, p. 482. COELHO, F. U. Curso de direito comercial. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 29. A solução ainda deixava os sócios que deteriam o know how, comanditados, completamente desprotegidos. CORDEIRO, op. cit., p. 482-483. A sociedade limitada entendida não como uma simplificação do regime jurídico à que se submetiam as sociedades anônimas, mas sim dotada de um regime jurídico e organização próprios, surge na Alemanha de 1982 e inspira posteriormente, outros países, tais como o Portugal e Brasil, que a admitiram em 1901 e 1919, respectivamente. COELHO, op. cit., p. 366; CORDEIRO, op. cit., p. 482-483. CORDEIRO, op. cit., p. 482-483; DEL VALLE GARCÍA, F. J. G.; DEL POZO, L. F.; MORO, G. H. El empresario individual de responsabilidad limitada: ventajas, problemas, soluciones. Revista Critica de Derecho Inmobiliario. ano LXVI, n 596, ene./feb., 1990. p. 19. admitiram; e, reconhecendo o grande potencial de mobilidade e adaptação dos pequenos e médios empreendimentos às céleres mudanças sociais, muitos passaram a questionar sobre a viabilidade de se estender esse benefício, até então concedido somente às sociedades, àqueles que individualmente exercessem empresa.5 O questionamento foi provocado, inicialmente, por uma manifesta contradição legal, proibindo uma pessoa de fazer aquilo que era permitido a duas ou mais.6 O grande volume de discussões a respeito da extensão desse benefício ao empresário individual resultou, já a partir do início do século passado, na produção de inúmeros projetos de lei regulamentando o assunto. Projetos e discussões que culminaram na limitação da responsabilidade do empresário individual em alguns países da Europa e outras partes do mundo.7 Não se podia, pois, ignorar a necessidade de se colmatar essa falha através de um mecanismo particularmente destinado e adaptado ao exercício individual de empresa. 1 Mecanismos de limitação da responsabilidade do empresário individual Afastando-nos de eventuais especificidades que cada ordenamento jurídico tenha possivelmente adotado, podemos reduzir os modelos de limitação da responsabilidade do empresário individual a três, quais sejam, o Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada; a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada; e a Sociedade por Quotas Unipessoal8. Tais modelos podem, por sua vez, ser dispostos em dois grupos de acordo com a presença ou ausência de personificação. 5 6 7 8 A primeira proposta sistematizada de limitação da responsabilidade do empresário individual, elaborada pelo jurista Oscar Pisko (1910), consistia basicamente na personalização de caráter fundacional da empresa sendo, relativamente ao objetivo, influenciada pelas sociedades de responsabilidade limitada criadas pela lei alemã de 1892. FERNANDES, I. C. C. Alguns aspectos sobre as sociedades por quotas unipessoais em Portugal, 1999. Dissertação (Mestrado em Direito)- Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra, 1999, p. 7-8. BRUSCATO, W. A. Empresário individual de responsabilidade limitada. Quartier Latin: São Paulo, 2005, p. 56. Citamos exemplificativamente países que admitiram a limitação da responsabilidade do empresário individual. Liechtenstein (1926), Dinamarca (1973), Alemanha (1980), França (1985), Bélgica (1986) e Portugal (1986). A partir da XII Diretiva da CEE de 1989, que recomendou a sociedade unipessoal como forma de limitação da responsabilidade do empresário individual, passaram também a admitir o fenômeno Holanda (1992), Luxemburgo (1992), Reino Unido (1992), Itália (1993), Grécia (1993), Irlanda (1994) e Espanha (1995). Além dessas iniciativas no continente europeu não podemos deixar de mencionar um Acto Uniforme relativo ao direito das sociedades comerciais e do agrupamento de interesse econômico, a que os Estados membros da OHADA (Organização para a Harmonização na África do Direito dos Negócios) se obrigavam a partir do início de 1998. Fazem parte dessa organização internacional: Bénim, Burkina-Faço, Camarão, República Centro-Africana, Comores, Congo, Costa do Marfim, Gabão, Guinée, Guiné Bissau, Guiné Equatoriale, Mali, Niger, Senegal, Chade e Togo. Mencionamos ainda algumas iniciativas mais próximas tais como Paraguai (Lei 1034/83), e mais recentemente Chile. COSTA, R. A. S. A sociedade por quotas unipessoal no direito português. Coimbra: Almedina, 2002, p. 37-40; Acesso em: 02 set. 2008. ; OHADA. Disponível em: <http://www.ohada.com/index. php>. Acesso em: 02 set. 2008. Chamamos a atenção do leitor para a divergência em relação à denominação deste instituto. Embora tenha a lei portuguesa o denominado Sociedade Unipessoal por Quotas, por concordarmos com o posicionamento de Ricardo Alberto Santos Costa, passaremos a tratá-lo, no decorrer do presente artigo, como Sociedade por 1.1 Modelos personificados Podemos definir os modelos de personalização como sendo aqueles em que a separação dos patrimônios, empresarial e pessoal, se dá mediante a interposição de, ou é seguida por, uma nova pessoa jurídica.9 Ajustamos, assim, que a fundamental diferença entre os dois modelos de personalização, quais sejam, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada e a SQU, estará associada à natureza da pessoa jurídica na qual se apóiam, isto é, fundacional ou associativa, respectivamente. 1.1.1 Empresa Individual de Responsabilidade Limitada A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - considerada de estrutura complexa – assenta-se sobre uma pessoa jurídica de base fundacional. Ao evitar a discussão que se dá no âmbito da sociedade unipessoal, qual seja, da necessidade de uma pluralidade de pessoas para a constituição de uma sociedade, o modelo acaba por criar um problema se não maior, pelo menos de igual monta. Isso porque, a criação de fundações pressupõe essencialmente dois requisitos: a afetação de bens com vistas a satisfazer interesses de uma coletividade e a ausência de lucro subjetivo – dificilmente contornados pelo modelo que agora analisamos.10 Verificamos então, o quão difícil se torna aceitar a figura da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - admitir a sua existência seria o mesmo que permitir fundações com lucros subjetivos e destinadas a satisfação de interesses individuais. Objeção esta que se potencializa quando verificamos que seu acolhimento implica também a admissão de que a empresa, entendida como atividade e objeto de direito, seja também sujeito de direito - o que torna a proposta tecnicamente inviável. 1.1.2 Sociedade por Quotas Unipessoal O modelo da sociedade unipessoal, por basear-se na figura da pessoa jurídica de base associativa, acaba por se defrontar com o princípio do contratualismo – que exige a pluralidade de pessoas para a constituição de uma sociedade. A introdução da Sociedade por Quotas Unipessoal ou simplesmente ou SQU – exceto quando nos referimos especificamente ao texto legal. Para maiores esclarecimentos quanto a essa divergência, vide nota (39). 9 DEL VALLE GARCÍA, F. J. G.; et al. op. cit., p. 30. 10 ABREU, J. M. C. de. Curso de direito comercial: das sociedades. 2.ª ed. Almedina: Coimbra, 2007, v. II, p. 15-16; DEL VALLE GARCÍA, F. J. G.; et al. op. cit., p. 30. Quotas Unipessoal requer, portanto - para se auto-sustentar – um novo conceito de sociedade, desvinculado da noção romana da mesma. Felizmente, o conceito romano de sociedade, essencialmente contratual e desvinculado da noção do surgimento de um novo ente, não ficou imune às influências temporais. Sobretudo no que se refere à personalização das sociedades, recebeu contribuições de caráter institucional dos agrupamentos medievais e das companhias de comércio dos séculos XVII e XVIII. A sociedade deixa de ser essencialmente contratual e passa a ser também vista como instituição quando a limitação da responsabilidade surge e se atrela à autonomia patrimonial. 11 Não é difícil de se ajustar, a partir desse breve histórico de mutabilidade promovida sobre a concepção mais primitiva de sociedade - que não supunha nem a criação de um novo ente, nem a limitação da responsabilidade dos sócios12- que as teorias societárias sobre a pessoa jurídica, pouca ou quase nenhuma influência exercem na aplicação e determinação da noção na sua forma jurídica, real e positiva13. A personalidade jurídica, a separação patrimonial e a limitação da responsabilidade são nada mais do que construções técnico-jurídicas. A maleabilidade do conceito de sociedade fica bastante clara se analisarmos que, embora a existência de interesses comuns – ou seja, a pluralidade de pessoas - tenha se consagrado como uma condição necessária para a existência, a personalização e a limitação da responsabilidade de uma pessoa jurídica, a norma consagrou a possibilidade de se constituir uma pessoa jurídica a partir do interesse privativo de um único sócio - como é o caso da SQU em Portugal.14 Para a sua admissão bastou a utilidade e a organização estrutural da modalidade unipessoal – que simplesmente adentrou no fluxo societário a serviço da atividade econômica. Podemos assim sustentar que o papel das teorias societárias (contratualistas e anticontratualistas) não ultrapassa a função de justificação da oportunidade funcional, política e ideológica preponderante em determinado momento histórico. Observamos, assim, a atividade 11 HENTZ, L. A. S. Notas sobre a desconsideração da personalidade jurídica: a experiência portuguesa. Revista de Direito Mercantil: Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo: Malheiros, n. 101, jan./mar. 1996. p. 109. CORDEIRO, op. cit., p. 477-478. 12 ALVES, J. C. M. Direito romano. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 533-534. 13 Nesses termos, questionando a real importância da personalidade jurídica, destaca Coutinho de Abreu, “[...] este direito é determinado através de normas positivas e da prática jurídica, independentemente das ‘teorias’;” (destaque do autor) “[...] descomprometida com a luta das ‘teorias’, domina hoje na doutrina a compreensão ‘técnico-jurídica’ da pessoa colectiva. Produto da técnica jurídica, abstraindo em grande medida de considerações ético-jurídicas e político-gerais, não baseando nos substratos metajurídicos o seu específico modo de ser, a personalidade colectiva aparece como expediente utilizável por muitas e diferenciadas organizações (institucionais, fundacionais, associativas e societárias), através do qual a ordem jurídica atribui às mesmas a qualidade de sujeitos de direito, de autónomos centros de imputação de efeitos jurídicos.” (destaque do autor) ABREU, op. cit., p. 163-164. 14 ABREU, op. cit., p. 167-168. coordenada das teorias -institucionalista e a do contrato organização15 – no sentido de alicerçar o acolhimento da sociedade conformada por um único sócio. 1.2 Modelo não personificado Podemos dizer que a figura não personalizada de limitação da responsabilidade do empresário individual, denominada pelo direito português, Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada - EIRL, baseia-se na afetação de determinada massa patrimonial a uma atividade específica sem comportar, no entanto, personalização. Diferentemente da SQU, no que se refere à técnica legislativa, o modelo com ausência de personificação – EIRL - exige uma disciplina jurídica mais detalhada. Isso porque, de forma diversa do instituto anterior em que - como veremos a seguir - uma simples remissão ao regime jurídico das sociedades por quotas resolve grande parte dos problemas; todo o regime jurídico tem de ser detalhadamente elaborado - todas as possibilidades devem ser previstas. No entanto, apesar dessa complexidade organizatória inicial, o instituto é de menos custosa admissão, na medida em que não colide com princípios tais como o contratualismo – relativamente à sociedade unipessoal; e não 15 Assim, a teoria institucionalista diferentemente da teoria contratualista, não estriba a formação do interesse social somente na pluralidade de sócios. Leva também em consideração a presença das mais distintas representações (comunidade, trabalhadores, clientes), o que possibilita com que seja o interesse da sociedade distinto do interesse dos sócios que a compõe, ainda que sejam estes reduzidos a um único. A admissão da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, sob a óptica dessa teoria, fundamenta-se na questão de que é essa diversidade representativa que promoverá o equilíbrio esperado, em substituição à pluralidade de sócios. Nesse sentido Calixto Salomão Filho coloca que “uma vez definido o interesse social, pouco importa se é um ou se são vários sócios a persegui-lo. SALOMÃO FILHO, C. A sociedade unipessoal. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 49-50. Tendo em vista o fato de que a tradicional concepção contratualista impede o reconhecimento da sociedade unipessoal e, ao mesmo tempo, a aplicação pura da teoria institucionalista deixa em aberto muitas questões, como por exemplo, a definição da real amplitude do interesse social e de seus titulares (bem como a ausência de sanções quando do não atendimento dos interesses que não os dos sócios ou dos sócios futuros pelos administradores Cf. ABREU, op. cit., p. 296-300) chegando a um idealismo um tanto quanto demasiado vem a teoria do contrato-organização sistematizar os problemas relativos à sociedade unipessoal. Para Calixto Salomão Filho, “a forma mais correta de sistematizar os problemas relativos à sociedade unipessoal é explicála a partir da teoria do contrato-organização”. SALOMÃO FILHO, op. cit., p. 50. É por isso considerada por Gustavo Saad Diniz como a evolução do institucionalismo. DINIZ, G. S. Responsabilidade dos administradores por dívidas das sociedades limitadas. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 56. Por basear-se na diferenciação entre os contratos de permuta – criadores de direitos subjetivos entre as partes – e os contratos associativos – criadores de uma organização e, por conseguinte, de uma coordenação entre os atos, essa teoria não contraria frontalmente a concepção contratual de sociedade, podendo com esta conviver. Dessa forma, identificado no ato de constituição de uma sociedade unipessoal um caráter organizativo, resulta admissível caracterizá-lo como contrato associativo. Assim torna-se possível a figura da sociedade unipessoal até mesmo nos ambientes contratualistas, superando, dessa forma, os obstáculos impostos por este sistema. Pela teoria do contrato organização, o ponto central do contrato social não é mais a pluralidade de sócios, mas sim a organização criada sobre o patrimônio de forma a dotá-lo de individualidade e perpetuidade – ligando-o ao fim previamente estabelecido. Como coloca Calixto Salomão, “tanto uma pluralidade como um único individuo pode ter interesse na criação de uma tal organização.” SALOMÃO FILHO, op. cit., p. 57-58. força uma estrutura fundacional direcionada à satisfação de interesses particulares e com a admissão de lucros subjetivos, relativamente à Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. A desvantagem da adoção deste modelo está no fato de que não basta, para o sucesso do instrumento de limitação da responsabilidade do empresário individual, o alcance deste objetivo, qual seja, a limitação da responsabilidade. Apesar de verificarmos que o propósito principal de todos os instrumentos está na limitação da responsabilidade, proveniente do binômio debitum e obligatio de uma obrigação, não podemos excluir, de forma alguma, os efeitos secundários que resultam da opção por um ou outro modelo.16 A condicionalidade do benefício, aliada a práticas adotas por instituições financeiras – tais como a exigência de garantias pessoais e reais da pessoa física pelas obrigações contraídas no âmbito de empresa, acaba por tornar os efeitos secundários da limitação da responsabilidade tão importantes quanto à própria limitação da responsabilidade.17 Neste sentido, a eleição de um ou outro modelo não deve estar restrita a limitação da responsabilidade do empresário individual em si – tal objetivo pode ser alcançado tanto pelo EIRL, quanto pela SQU ou pela Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. O gargalo do modelo não personificado parece estar, desta forma, localizado no sem-número de vantagens adicionais, relativamente à gestão e perpetuidade, que advém da opção societária. O que se corrobora mediante o modesto número de comerciantes portugueses a utilizarem o EIRL. 18 1.2.1 Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada A criação do instrumento do EIRL pelo direito português pouco antes da entrada em vigor do Código das Sociedades Comerciais de 1986 - CSC, dava expresso sinal de repúdio à sociedade unipessoal como mecanismo de limitação da responsabilidade do empresário individual.19 16 DEL VALLE GARCÍA, F. J. G.; et al. op. cit., p. 16. Este problema pode inclusive colocar em questão a viabilidade de normatização do instituto que estudamos. O que, no entanto, nos leva a acreditar na viabilidade do instituto societário é o sucesso que o mesmo apresenta nos países em que é admitido. 18 Ibid., 124-125. 19 É importante ressaltar que, conforme coloca Catarina Serra, ao legislador português - depois de ter dirimido controvérsias com relação à viabilidade da limitação da responsabilidade do empresário individual, considerando infundados os posicionamentos de que aquele que exerce o comércio deve responder com todo o seu patrimônio pelas obrigações contraídas no âmbito da empresa; frente ao sucesso das sociedades por quotas pluripessoais; e também diante da proliferação de sociedades fictícias - restava optar por um dos três modelos de limitação. O modelo societário, o modelo não societário não personificado e o modelo não societário personificado. Por intransigente fidelidade ao princípio da contratualidade, optou inicialmente o legislador pela exclusão da sociedade unipessoal. Entre o modelo personalizado não societário e o modelo do patrimônio de afetação, optou o legislador pelo segundo. Considerou envolver o primeiro modelo uma ficção demasiada, podendo inclusive acarretar transtornos ao sistema jurídico português. Não ignorou ele, no entanto, estar 17 No que se refere ao aspecto textual legislativo, cuidou o legislador português de alguns aspectos especiais deste instituto, tendo como principal objetivo consagrá-lo como um instrumento consideravelmente seguro. Dessa forma, estabeleceu o DL n. 248/86 a necessidade de um capital mínimo art. 3º, n.º2 20 , com a principal finalidade de evitar a constituição de EIRLs incapazes de assegurar a sua auto-suficiência. Paralelamente a esse artifício, adotou o legislador português medidas de prevenção da desconsideração da personalidade jurídica, como por exemplo, o dever de manutenção da escrituração mercantil em ordem art. 12º 21; a consagração do princípio da intangibilidade do capital art. 14.º 22; o estabelecimento de um teto máximo para a remuneração do titular do EIRL como administrador art. 13º 23; a rigorosa definição da separação patrimonial arts. 10º, n.º1 e 11º 24; e também requisitos de publicidade dos atos da empresa .25 É de se notar que, apesar de possuir um regime jurídico capaz de limitar a responsabilidade do empresário individual e proteger terceiros que negociem com o EIRL atendendo ai a um dos escopos a que se propõe - a figura em questão deixou de incidir sobre criando mais uma exceção ao princípio da unidade e indivisibilidade do patrimônio, consagrada no art. 601 do Código Civil Português. Nas palavras da citada autora, “o princípio da contratualidade foi, assim, posto à prova neste momento e permaneceu incólume.” “[...] a renúncia ao conceito de sociedade como contrato contrariaria os mais tradicionais princípios do direito das sociedades português, pelo que havendo outras vias de dar uma resposta afirmativa ao problema da limitação da responsabilidade do comerciante sem os ferir deveria ser por qualquer delas que se deveria de optar.” SERRA, C. As novas sociedades unipessoais por quotas. (algumas considerações a propósito do DL n.º 257/96, de 31 de dezembro). Scientia Ivridica: Revista de direito comparado português e brasileiro. Universidade do Minho, Braga: Codex, tomo XLVI, n 265/267 p. 115-142, jan./jun. 1997, p. 121-123. COSTA, COSTA, A. S. C. As sociedades unipessoais. Separata de: Problemas do Direito das Sociedades. Coimbra: Almedina, p. 37-38. 20 Art. 3.º, n.º2 “O capital mínimo do estabelecimento não pode ser inferior a 5000 euros.” 21 Art. 12º, n.º 1 “Em cada ano civil, o titular elabora as contas do estabelecimento individual de responsabilidade limitada.”; n.º2 “As contas referidas no número anterior são constituídas pelo balanço e demonstração dos resultados líquidos e são elaboradas nos termos da lei.”; n.º3 “No documento que contém as contas anuais ou em anexo a este, deve mencionar o destino dos lucros.” n.º4 “O titular do estabelecimento individual de responsabilidade limitada deve submeter as contas a parecer de revisor oficial de cotas por ele escolhido.”; n.º5 A informação respeitante aos documentos previstos nos n.ºs 2 a 4 está sujeita a registro comercial, nos termos da lei respectiva.”; n.º 6 “O titular do estabelecimento deve disponibilizar aos interessados, no respectivo sítio da Internet, quando exista, e na sede do estabelecimento cópia integral do parecer do revisor oficial de contas. 22 Art. 14.º n.º 1 “O titular do estabelecimento individual de responsabilidade limitada não pode desafectar do património do estabelecimento, para fins não relacionados com a atividade deste, quantias que não correspondam aos lucros líquidos acusados no balanço anual.” 23 Art. 13º “A remuneração que o titular do estabelecimento individual de responsabilidade limitada pode atribuir-se, como administrador, não excederá em caso algum o correspondente ao triplo do salário mínimo nacional.” 24 Arts. 10º (Dívidas pelas quais responde o património do estabelecimento individual de responsabilidade limitada) n.º 1 “Sem prejuízo do disposto no art. 22.º, o património do estabelecimento individual de responsabilidade limitada responde unicamente pelas dívidas contraídas no âmbito de empresa.” e 11º (Responsabilidade pelas dívidas do estabelecimento individual de responsabilidade limitada) n.º1 “Pelas dívidas resultantes de actividades compreendidas no objecto do estabelecimento individual de responsabilidade limitada respondem apenas os bens a este afectados.”; n.º2 “No entanto, em caso de falência do titular por causa relacionada com a actividade exercida naquele estabelecimento, o falido responde com todo o seu património pelas dívidas contraídas nesse exercício, contanto que se prove que o princípio da separação patrimonial não foi devidamente observado na gestão do estabelecimento.” 25 SERRA, op. cit., p. 124. as tão discutidas sociedades fictícias. Isso porque, não foi prevista nos diplomas (nem no do EIRL nem no CSC) a comunicabilidade das mais diversas formas societárias com a figura do EIRL. Além disso, tal instrumento não possibilitou com que se gozasse de benefícios fiscais disponíveis ao exercício de empresa através de estruturas societárias. Em resumo, não se incentivou a transformação de uma sociedade fictícia em EIRL. Catarina Serra, nesse sentido, aponta a não equiparação do EIRL às vantagens fiscais que o exercício de uma atividade comercial sob forma de sociedade possui, como um forte entrave à sua receptividade em Portugal. Nas sociedades, diferentemente do EIRL, o que ocorre é que há uma desafetação patrimonial seguida da criação de um novo sujeito de direito, comportando, desde logo, o desdobramento em dois sujeitos passivos tributários.26 Assim, o insucesso do instrumento do EIRL entre comerciantes que desejassem obter a limitação de sua responsabilidade e – como logo veremos - a já consagrada permeabilidade do ordenamento à unipessoalidade aliada à tendência societária comunitária, foram determinantes para que o legislador Português viesse em 1996, disciplinar a limitação da responsabilidade do empresário individual através da sociedade unipessoal. 2 A sociedade unipessoal em Portugal Pretendemos examinar, nos próximos subitens, algumas peculiaridades e efeitos que circundam o fenômeno da unipessoalidade no direito português. Não deixaremos de mencionar, no entanto, quando relevante, algumas das conseqüências e particularidades em outros ordenamentos. 2.1 Alterações no tratamento da unipessoalidade transitória Devido a paulatinas alterações em matéria societária - impulsionadas pelas mais diversas necessidades sociais - os ordenamentos jurídicos acabaram por se tornar campos permeáveis à oportunidade funcional da unipessoalidade. Apresentamos, primeiramente, essa permeabilidade sob o prisma da maleabilidade do direito no que se refere à unipessoalidade transitória. Diante da irracionalidade de uma dissolução imediata da sociedade, no caso da redução de seus sócios ao número de um – principalmente tendo em vista a possibilidade da 26 “Foi talvez esta a razão que justificou que os comerciantes continuassem a recorrer à simulação de contratos de sociedade, quase ignorando a nova possibilidade que a lei lhes concedera. SERRA, op. cit., p. 125. Certo é que no Brasil este não seria um problema incontornável, tendo em vista o já utilizado dispositivo de equiparação do empresário individual, para fins tributários, à pessoa jurídica. reconstituição da pluralidade e o potencial desenvolvimentista associado ao exercício de empresa – expressado em muitos países pelo princípio de sua preservação – verificou-se ser razoável, ainda que de forma temporária, admitir situações de unipessoalidade superveniente – consagrando-se a unipessoalidade transitória.27 Em Portugal tal mudança de tratamento pode ser verificada mediante uma análise do art. 1007.º do Código Civil de 1966 - CCivil, posteriormente alargado pelo art. 142.º do CSC. Prevê o art. do CCivil: “A sociedade dissolve-se: (...) d) Por se extinguir a pluralidade dos sócios, se no prazo de seis meses não for reconstituída.” Em sentido mais maleável dispõe o art. 142.º, n.º1, a) do CSC: “Pode ser requerida a dissolução administrativa da sociedade com fundamento em facto previsto na lei ou no contrato e quando: a) Por Período superior a um ano, o número de sócios for inferior ao mínimo exigido por lei, excepto se um dos sócios for uma pessoa colectiva pública ou entidade a ela equiparada por lei para esse efeito;”.28 Em resumo, o que se verificou foi que, na realidade, não mais a sociedade seria dissolvida imediatamente após passado o período de admissibilidade da unipessoalidade transitória. Como se pode observar pelo artigo do CSC, a sociedade poderia ser dissolvida após passado o prazo de admissibilidade previsto.29 Ao articularmos os artigos transcritos com a norma contida no art. 84.º do mesmo diploma30, percebemos que embora não fosse esta a real intenção, passou o legislador a tratar a sociedade unipessoal de forma bastante permissiva, dando lugar a sua propagação no tempo de forma duradoura. 31 O referido artigo consiste claramente em uma tentativa de conciliação 27 CORDEIRO, op. cit., p. 477-478. A unipessoalidade transitória justifica a permanência, por um período limitado de tempo, da sociedade reduzida a um único sócio, tendo em vista a possibilidade de reconstituição da pluralidade de sócios da mesma. Simultaneamente, a admissão da unipessoalidade superveniente acabou funcionando como “[...] porta de entrada para o reconhecimento total da sociedade unipessoal”. Nesse mesmo sentido a passagem do Digesto foi utilizada pelo Reichsgericht em 1888 para justificar a admissibilidade da permanência da sociedade reduzida à unipessoal. SALOMÃO FILHO, op. cit., p. 17. “Tratándose de decuriones o de otras corporaciones, nada importa que continúen los mismos, que queden algunos o que todos hayan cambiado, pero si la corporación se redujo a uno solo, lo más aceptado es que puede demandar y ser demandado, ya que el derecho de todos se concentró en él y subsiste el nombre de la corporación”. JUSTINIANO I, El Digesto de Justiniano: Constituciones Preliminares y Libros 1-19. Pamplona: Editorial Aranzadi, 1968, t. 1, l. 3, p. 158. (D. 3,4,7,2). 28 Constatamos que o regime de dissolução facultativa, verificado na norma contida neste artigo, transporta consigo uma evidente tolerância em face da unipessoalidade superveniente em Portugal. 29 Podemos reforçar tal posição ao verificarmos que não mais consta, como causa de dissolução imediata de uma sociedade do art. 141.º do CSC, a redução do número de sócios a um. 30 Art. 84.º CSC, n. 1.º “Sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo anterior e também do disposto quanto a sociedades coligadas, se for declarada falida uma sociedade reduzida a um único sócio, este responde ilimitadamente pelas obrigações sociais contraídas no período posterior à concentração das quotas ou das acções, contanto que se prove que nesse período não foram observados os preceitos da lei que estabelecem a afectação do património da sociedade ao cumprimento das respectivas obrigações”. 31 Assim, o CSC Português de 1986, mais atento ao interesse público e ao princípio da preservação da empresa, passou a encarar a unipessoalidade superveniente como uma maior tolerância. Não mais previu a dissolução automática na ausência da pluralidade de sócios. Percebemos, entretanto, que o seu efetivo e final posicionamento divergiu de seu Projeto, que previa a dissolução automática da sociedade unipessoal, caso não fosse a pluralidade reconstituída em um período de um ano. O CSC português retirou a redução do número de sócios ao número mínimo exigido por lei da necessidade da pluralidade de sócios - como requisito inquestionável da responsabilidade limitada - com um tratamento bastante tolerante para com o sócio único, que por ter concentrado em suas mãos as participações sociais – quotas – não seria punido de forma automática e intempestiva com a responsabilidade ilimitada. O artigo em questão subordinou a responsabilidade limitada, derivada da unipessoalidade superveniente, a dois requisitos: somente seria afastada a responsabilidade limitada se a sociedade reduzida a unipessoalidade fosse declarada falida e se nesse período de concentração de participações sociais não fosse verificada a rigorosa observância da separação de patrimônios. Assim, o tratamento do art. 84.º, no que se refere à unipessoalidade superveniente, apesar de não possuir o condão de admitir o ingresso absoluto da unipessoalidade societária, acaba propiciando uma unipessoalidade duradoura.32 Já aqui se começa a perceber, em um sistema de contrapesos conformado pelas dimensões contratual e organizatória do conceito de sociedade, o início da prevalência da última sobre a primeira. Compreende-se também, que esta dimensão organizatória surge e se sustenta - se, e somente se, estiver associada a um esquema que efetivamente esteja apto a garantir a integridade do patrimônio social. É neste contexto que se enquadra o art. 84.º do CSC. Assim, seria inadmissível a continuidade do benefício da responsabilidade limitada, quando da não observância da rígida separação patrimonial.33 do rol dos casos previstos no art. 141.º que podem provocar a automática dissolução da sociedade. O novo posicionamento do CSC foi deixar a cargo do sócio único a deliberação sobre a dissolução da sociedade, art. 142.º, n.º 3, n.º 4, ou a cargo dos interessados credores da sociedade em promovê-la. CSC art. 142.º, n.º 3 “Nos casos previstos no n.º 1 podem os sócios, por maioria absoluta dos votos expressos na assembléia, dissolver a sociedade, com fundamento no facto ocorrido.” Apesar de ficar bastante claro que o principal intuito do legislador foi estimular a recuperação de uma sociedade pluripessoal ou a dissolução da sociedade, não foi isso o que verdadeiramente ocorreu. COSTA, Ricardo Alberto Santos. As sociedades unipessoais. Separata de: Problemas do Direito das Sociedades. Coimbra: Almedina. p. 33-34. “[...] ao sócio único, em princípio, não lhe incomodará a solidão, ao credor não lhe interessa promover a liquidação de uma sociedade com que se relaciona bem e relativamente à qual [...] estará protegido em casos limite de abuso pela possibilidade de executar o património pessoal do sócio restante nos termos do art. 84.º.” “Ora, isto significa que uma sociedade unipessoal, além de se poder radicar ainda que transitóriamente (mas por um período assinalável) no tráfico jurídico, pode mesmo subsistir indefinidamente. Basta, para isso, que o mecanismo deliberativo judicial não seja utilizado tempestivamente, sanando-se pelo decurso do tempo, o fundamento, com a sucessiva eternização da unipessoalidade.” Contribuiu para essa maior tolerância, o entendimento da necessidade da conservação da personalidade da sociedade unipessoal, como pressuposto para promover a sua dissolução e liquidação e também a questão de se visualizar a transitoriedade da sociedade unipessoal como um processo legítimo de reposição da pluralidade ou de substituição de sócios. COSTA. As sociedades unipessoais, op. cit., p. 30-31 32 Neste mesmo sentido o citado autor: “Se a sociedade funciona bem, se paga e em tempo, se os credores não vêem na unipessoalidade qualquer desvantagem, estarão reunidas as condições para que a sociedade se mantenha validamente e uma situação precária se estabilize mais ou menos no tempo.” Ibid., p. 37. 33 António Menezes Cordeiro reconhece também a justeza da manutenção da divisão patrimonial quando for a sociedade reduzida à unipessoalidade, a não ser que as regras de separação não sejam observadas pelo sócio único – o que implicaria em uma lógica perda do benefício de limitação da responsabilidade. Ibid., p. 480-481. 2.2 Uma nova concepção de sociedade Os esforços de justificação da conveniência funcional da sociedade unipessoal, entretanto, não poderiam restringir-se, como já abordamos anteriormente, a teorias que tentassem justificar a razoabilidade de sua introspecção e à realidade da sociedade superveniente. Era preciso que, de forma definitiva, se impusesse silêncio às vozes que insistiam em murmurar contra o novo fenômeno. É justamente para o alcance deste objetivo que as mais diversas legislações passam a absorver, em maior ou menor grau, um novo conceito de sociedade. O fenômeno da sociedade precisava ser entendido de forma polissêmica pelos ordenamentos34. Foi nesse sentido que a noção de sociedade foi absorvida e materializada pela legislação portuguesa tanto como um ato jurídico – dimensão dada pelo CCivil – quanto como uma entidade – dimensão dada pelo CSC – que não mais se refere à sociedade somente sob a perspectiva contratual – embora esta não tenha sido completamente eliminada - mas também como um ente, um sujeito, uma realidade subjetiva. Relativamente a esse aspecto positivo, o que se constata é uma espécie de permeabilidade do contratualismo à sociedade unipessoal. Ou seja, relativamente ao ordenamento jurídico português, o que se observa é que a admissão da figura da SQU não implicou a remoção da concepção contratual de sociedade. Permitiu-se a entrada daquela modalidade subjetiva societária através de uma exceção legal. Nesse sentido, não só o CCivil, através de seu art. 980.º 35 , mas também o CSC através de seu art. 7.º, n.º 236, ainda contemplam a sociedade, em regra, como um contrato, um agrupamento que necessita de dois ou mais sujeitos para se constituir. O que este último prevê, entretanto – estando ai a 34 Coutinho de Abreu propõe-se a falar de sociedade enquanto ato jurídico (e não contrato ou negócio jurídico) e enquanto entidade (e não coletividade, pessoa jurídica ou instituição). Justifica a primeira escolha, tendo em vista a possibilidade de, na constituição de uma sociedade, poder faltar a pluralidade de sujeitos que justificaria sua natureza contratual. Além disso, elimina a possibilidade de sua classificação como um negócio jurídico, por ser possível a constituição de sociedades – aqui se referindo às sociedades anônimas de capitais públicos, constituídas por decreto-lei – em que a natureza negocial esteja ausente. Relativamente a última faceta social, ou seja, a sociedade como entidade, o referido autor a justifica, tendo em vista ser o fenômeno da unipessoalidade uma realidade jurídica e pela existência de sociedades sem personalidade jurídica. ABREU, op. cit., p. 3-4. 35 “Contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa atividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade”. 36 “O número mínimo de partes de um contrato de sociedade é de dois, excepto quando a lei exija número superior ou permita que a sociedade seja constituída por uma só pessoa.” (destaque nosso) permeabilidade do contratualismo que acima nos referimos - é uma exceção a essa regra que pode ser legitimada por lei.37 Esta exceção desdobra-se em algumas situações específicas, sendo algumas delas contemporâneas ao código - como por exemplo, a previsibilidade de constituição de uma sociedade anônima unipessoal por uma sociedade por quotas, anônima ou em comandita por ações38 – art. 488.º, n.º1 – e a criação de uma sociedade anônima unipessoal pelo Estado por meio de Decreto-Lei - e outras não. Citamos como exemplo dessa última categoria, a constituição das sociedades unipessoais por quotas, admitida somente em 1996, quando se incorporou ao CSC através os arts. 270.º-A a 270.º-G essa modalidade societária.39 37 A admissão da unipessoalidade, ao analisarmos a letra da lei, materializar-se-ia em um aspecto ainda não totalmente unitário, tendo em vista a absorção deste fenômeno, ainda sob o foco da exceção. No entanto, a realidade jurídica, prevendo a conversibilidade da pluralidade à unipessoalidade, e da unipessoalidade à pluralidade – além de outros momentos que corroboram a equiparação dessa realidade jurídica à sociedade por quotas pluripessoal, passou a atribuir ao fenômeno um sentido prático unitário, que acaba influenciando também no sentido da letra da lei. Ou seja, embora esta compreenda o fenômeno como exceção, não o vê como uma exceção anormal. FERNANDES, op. cit., p. 78. 38 Admitiu-se a unipessoalidade originária no âmbito das sociedades anônimas determinando, além disso, uma especial disciplina para a unipessoalidade superveniente e para as relações empresariais de grupo travadas no âmbito das sociedades anônimas, nas por quotas e nas em comandita. Artigo 488.º Domínio total inicial. 1 – “Uma sociedade pode constituir uma sociedade anónima de cujas acções ela seja inicialmente a única titular.” É importante se notar que a figura da subsidiária integral, não se apresenta como um modelo aberto para que qualquer pessoa, seja ela singular ou coletiva, constitua uma sociedade unipessoal. Ambos os modelos estão condicionados e direcionados às relações empresariais de grupo – a sua criação não está relacionada à limitação da responsabilidade do empresário que decida exercer individualmente o papel sócio único. Como é sabido, por não haver uma separação patrimonial claramente delimitada nessas relações de grupo e também por não possuir a sociedade a autonomia inerente a uma sociedade comercial comum – já que há claramente nessas sociedades uma subordinação aos interesses do grupo – sendo, na grande maioria das vezes, o interesse social e a vontade da sociedade dominada e dominante idênticos – a sociedade dominante - sócia única - responde de forma ilimitada pelas obrigações da sociedade dominada. Esse “curto circuito” da responsabilidade patrimonial das sociedades de grupo parece justificar a facilidade de absorção do fenômeno da subsidiária integral pelo direito brasileiro, que ainda recusa a admissão da limitação da responsabilidade do empresário individual enquanto pessoa física. COSTA, As sociedades unipessoais, op. cit., 27-29. (destaque nosso) 39 O legislador português de 1996 - que no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 257/96 – afirmou estar criando um “[...] novo tipo de sociedade”; e mais propriamente no art. 270.º - D, n.º 3, menciona “se a sociedade tiver adoptado antes o tipo de sociedade por quotas, passará a reger-se pelas disposições do contrato de sociedade que nos termos do n.º 4 do artigo 270.º-A, lhe eram inaplicáveis em conseqüência da unipessoalidade” - acreditava estar fundando um novo tipo societário. No entanto, Ricardo Alberto Santos Costa protesta quanto a este entendimento defendendo que, embora a denominação adotada pelo legislador português (sociedades unipessoais por quotas) possa trazer uma certa dúvida quanto à criação ou não de um novo tipo societário, a normatividade da sociedade unipessoal acompanha a regulamentação geral da sociedade por quotas, não excluindo um conjunto de normas especiais que disciplinam os diversos momentos que o legislador considerou importantes. Neste sentido: “[...] em geral, os problemas da SQU são os problemas levantados pelas sociedades quotistas plurais, tanto mais que, com ressalva das prescrições que pressupõe a pluralidade de sócios (feita pelo artigo 270-G), se envia a respectiva disciplina para todas as normas que regulam o tipo utilizado para a abraçar. Por maioria de razão, não se acrescenta mais um tipo social, o que violaria a tipologia permitida pela lei. Antes se antevê uma modalidade subjetiva ou uma variedade do tipo social ao qual foi reconhecida a sua utilização”. “[...] o ordenamento permite a formação de uma estrutura organizativa predisposta ao exercício individual de uma empresa sob a forma societária, desde que ela obedeça às regras típicas do esquema tipológico da sociedade por quotas. Essa faceta unipessoal, portanto, deve entender-se como uma circunstância meramente contingente que pode ocorrer nesse tipo, de modo permanente ou transitório, tendo para o efeito que se moldar, adaptando-se, sobre uma forma de sociedade preexistente. Isto é, estamos perante um particular (e só eventual) Além da literalidade legislativa – e como é natural – está a doutrina portuguesa, que parece ter já apagado a marca contratual mantida pela legislação; enquanto esta absorve o fenômeno como um desvio à regra geral, aquela o faz de maneira consideravelmente neutra.40 Quadro semelhante pode ser verificado na Lei Francesa.41 2.3 Situações específicas albergadas pelo direito português Paralelamente às estruturas unipessoais absorvidas contemporaneamente à entrada em vigor do CSC – como a figura da subsidiária integral e a sociedade unipessoal anônima estatal, criada através de Decreto-Lei – e anteriormente ao mais intenso golpe ao princípio do contratualismo42; podemos citar alguns casos de unipessoalidade específicos, cuja contribuição para a abertura – do já não mais hermético sistema contratual português – não pode ser, em hipótese alguma, descartada. Com o DL n.º 352-A/88, visando viabilizar a Zona Franca da Madeira, admitiu-se a possibilidade, ao abrigo do art. 488.º, nº 1 do CSC, da constituição e subsistência de sociedades anônimas unipessoais de trust offshore. Em 1989, através do DL 387/89, medida de âmbito também restrito, permitiu-se que uma empresa pública, por si só, pudesse constituir uma sociedade anônima. Um pouco mais tarde, em 1994, através do DL n.º 212/94, ao abrigo do art. 7.º, n.º 2 do CSC, permitiu-se a constituição e subsistência das sociedades por quotas ou anônimas unipessoais. É importante mencionar que tais possibilidades restringiam-se às sociedades licenciadas para operar na Zona Franca da Madeira, procurando criar um ambiente receptivo a novos investimentos. Devido ao caráter específico, não se poderia ver nessas regras uma modo de estar da sociedade por quotas, definido pelas vicissitudes respeitantes à titularidade da(s) sua(s) quota(s) durante o curso da sua vida jurídica, sem que isso logre desencadear uma transformação objetiva do ente ou qualquer mudança de tipo social”. Ibid., p. 45-48. 40 Com o intuito de corroborar esta assertiva, consideramos de extrema relevância transcrever aqui a síntese de sociedade elaborada por Coutinho de Abreu. “[...] sociedade é a entidade que, composta por um ou mais sujeitos (sócios(s)), tem um património autónomo para o exercício de actividade económica que não é de mera fruição, a fim de (em regra) obter lucros e atribuí-los ao(s) sócio(s) – ficando este(s), todavia, sujeito(s) a perdas. ABREU, op. cit., p. 21. 41 Podemos dizer que o “olhar valorativo” dispensado à estrutura societária foi determinante para a consagração, pelos ordenamentos jurídicos, da permeabilidade do princípio contratual à estrutura da sociedade unipessoal. Destarte, verificamos a atuação das doutrinas institucionalistas e organizacionais preparando, em um terreno contratual, a recepção da sociedade unipessoal. Além do exemplo português, podemos reforçar nosso posicionamento com o exemplo francês, que através de uma abertura “excepcional” – mas não discriminatória, admitiu o fenômeno societário. António Menezes Cordeiro exemplifica a questão com o art. 1822 do Código Napoleão, alterado pela Lei Francesa n.º 85-697, de 11.Julho.1985: “ A sociedade é instituída por duas ou mais pessoas que se adstringem por um contrato a afectar, a um empreendimento comum, bens ou a sua própria indústria com o fim de dividir o benefício ou de aproveitar da economia que, daí, poderá resultar. Ela pode ser instituída, nos casos previstos na lei, pelo acto de vontade de uma única pessoa. CORDEIRO, op. cit., p. 474475. (destaque nosso) (tradução do autor). 42 Nos referimos aqui, à admissão da SQU no ano de 1996. nova tendência política jurídica geral, principalmente devido às particulares circunstâncias previstas na lei.43 No entanto, não podemos desconsiderar que tais permissividades, restritas a um espaço territorial delimitado, possam ter contribuído, ainda que indiretamente, para sedimentação de um terreno cada vez mais permeável à unipessoalidade. Devemos salientar ainda que as pontuações realizadas acima se referem à existência de um regime paralelo e específico – não totalmente coincidente com CSC no que se refere à unipessoalidade das sociedades anônimas e por quotas - vigente para as sociedades que operem na Zona Franca da Madeira.44 2.4 As sociedades fictícias Importa salientar que, paralelamente a uma realidade jurídica extremamente restritiva quanto à unipessoalidade, vigente no período que antecede o CSC – e mais permissiva, no período que o sucede – principalmente se levarmos em consideração a admissão da SQU em 1996 – desenvolveram, os empresários individuais, mecanismos que possibilitaram o contorno dessa situação.45 Para afastarem-se de incertezas, recorreram à figura do sócio de favor, o testa-de-ferro ou o subscritor de complacência para, formalmente, constituírem uma sociedade.46 43 A necessidade de desenvolvimento da Zona Franca da Madeira fomentou a criação de condições que, jurídica e economicamente falando, tornassem essa zona mais competitiva e mais atrativa as mercados internacionais, quando comparada com outros centros semelhantes, permitindo, por conseguinte, um aumento do investimento estrangeiro em Portugal. Ibid., p. 119. 44 A título de comparação, citaremos aqui, algumas divergências entre os regimes. O Decreto-Lei n.º 212/94 dispõe de normas um tanto mais suaves no que concerne aos contratos celebrados entre o sócio único e a sociedade unipessoal. Outro ponto bastante relevante é a ausência de qualquer impedimento no que se refere à constituição de mais de uma sociedade unipessoal pela mesma pessoa humana, embora se proíba a constituição de uma sociedade unipessoal por uma outra sociedade unipessoal. COSTA, R. A. S. Algumas considerações a propósito do regime jurídico da sociedade por quotas unipessoal, op. cit., p. 1246. 45 Os comerciantes haviam desenvolvido e aperfeiçoado um conjunto de instrumentos capazes de lhes permitir com facilidade contornar a regra da contratualidade na constituição de sociedades e por isso os casos de sociedades ab initio com um só sócio eram freqüentes na prática jurídica portuguesa. Cf. SERRA, op. cit., p. 120. 46 José Engrácia Antunes define as sociedades fictícias como aquelas “[...] inteiramente controladas e exploradas por um empresário singular, ao qual se associaram um ou mais outros indivíduos (coloridamente cognominados de sócios “pintados”, “testas-de-ferro” ou “homens de palha”) com o único e exclusivo propósito de assim permitirem àquele cumprir o rito formal societário de que a ordem jurídica fazia depender o acesso ao referido benefício de limitação da responsabilidade empresarial.” Os efeitos desviantes do silêncio legislativo na disciplina do referido instituto podem ser mensurados a partir dos números fornecidos pelo citado autor. “[...] Em França se estimava na década de 80 que mais de dois terços das cerca de 140.000 sociedades por quotas e 270.000 sociedades anónimas existentes constituíam, na realidade, verdadeiras sociedades fictícias que camuflavam empresas unipessoais. Reforça o seu posicionamento ainda contra a inércia do legislativo, “[...] afigurava-se contraditório que a lei permitisse indirectamente uma limitação de responsabilidade àqueles empresários que instrumentalizassem a forma societária e, simultaneamente, já não a quisesse reconhecer àqueles outros empresários que, recusando o recurso a tal estratagema fraudulento, decidissem honestamente continuar a exercer a sua atividade empresarial em nome individual.” ANTUNES, J. E. O estabelecimento individual de responsabilidade limitada: crónica de uma morte anunciada. Revista da Podemos assim dizer que as sociedades fictícias, de uma forma ou de outra, reforçam a necessidade de também se visualizar a sociedade como uma técnica jurídica a favor do exercício de empresa. Não mais poderia se insistir na total fidelidade da noção de sociedade como contrato, justamente por se verificar uma total disparidade entre a realidade de fato e a jurídica. 2.5 A admissão expressa da sociedade unipessoal Apesar de o CSC ter já em 1986 admitido a figura da sociedade conformada por um único sócio, é importante considerar que tal foi inicialmente inserida no ordenamento em regime de dupla exceção. Referimos-nos à essa dupla exceção por visualizarmos que até a introspecção da SQU, em 1996, a exceção não se limitava à letra da lei. Estava ela também no “espírito” do ordenamento - a figura da sociedade constituída por um único sócio, a despeito de já estar prevista e ser realidade, não só jurídica mas também factual - ainda não era vista como algo genuíno. Citamos aqui a impossibilidade de constituição ab initio de uma sociedade unipessoal pelo empresário individual que desejasse esse instrumento jurídico para exercer a empresa.47 No entanto, esse panorama de dupla exceção foi radicalmente alterado depois da admissão, pelo DL n.º 257/96, da SQU. A sua equiparação ao regime jurídico das sociedades plurais por quotas contribuiu de forma substancial para que a excepcionalidade do fenômeno ficasse apenas atrelada à literalidade do art. 7.º, n.º2 do CSC.48 2.6 12.ª Diretiva da CEE de 1989 A 12.ª Diretiva da Comunidade Econômica Européia emergiu em função da necessidade de se eliminar as disparidades das legislações nacionais, relativamente ao tratamento da unipessoalidade societária, e da conveniência em se permitir a limitação da responsabilidade do empresário individual. Na década de oitenta, o panorama europeu, no que se refere à limitação da responsabilidade do empresário individual, não era nenhum pouco uniforme. Ao lado dos Faculdade de Direito da Universidade do Porto. ano 3, Coimbra: Coimbra Editora, 2006. p. 404. CORREIA, F. A. Sociedades fictícias e unipessoais. Coimbra: Livraria Atlântida, 1948, p. 17-21. 47 Se quisesse ter a sua responsabilidade limitada teria, o empresário individual, que recorrer, necessariamente, ao menos que não se importasse em constituir uma sociedade de pluripessoalidade forjada, à inconveniente figura do E.I.R.L. 48 Equiparação essa gerada pelo remissão do regime unipessoal às sociedades por quotas plurais, com exceção das normas que pressuponham a pluralidade de sócios, como se verifica no art. 270.º-G. “Às sociedades unipessoais por quotas aplicam-se as normas que regulam as sociedades por quotas, salvo as que pressupõem a pluralidade de sócios.” Além disso, devemos mencionar a possibilidade de conversão da unipessoalidade à pluralidade e vice-versa. países que expressamente admitiam o fenômeno, seja através da figura do patrimônio de afetação - Liechtenstein e Portugal - ou através da sociedade unipessoal - França e Alemanha - havia países que não o reconheciam expressamente. A XII Diretiva funcionou, nesse sentido, como uma dupla resposta para as inquietações a respeito da limitação da responsabilidade do empresário individual. A primeira delas circunscrita a questão política e econômica, considerou justo e oportuno estender ao empresário individual um benefício que, há tempos, só era concedido ao exercício coletivo de empresa. A segunda esteve atrelada a questão da técnica legislativa e ao mecanismo jurídico adequado para lograr tal objetivo. A referida diretiva resultou de um programa assumido pela Comissão com o objetivo de estimular pequenas e médias empresas na Europa. Vê-se aqui, portanto, a importância dada à sociedade como mecanismo de gestão de empresa, que se corrobora a partir de uma maior inclinação da diretiva para o modelo societário de limitação da responsabilidade do empresário individual.49 Importa ainda ressaltar que o diploma comunitário fixou, em seu art. 8.º, um prazo para transposição. Portugal, no entanto, que já possuía, desde 1986, um instrumento não societário de limitação da responsabilidade do empresário individual50, não ficou a ele vinculado. Optou, todavia, por fazê-la no ano de 1996, através da admissão da SQU51, que vigeria paralelamente ao regime do EIRL. 49 É importante ressaltar que a despeito disso, a diretiva reconheceu, em seu art. 7.º, a possibilidade de adoção de outro mecanismo para o alcance do mesmo objetivo pelos Estados-membros. “Um Estado-membro pode decidir não permitir a existência de sociedades unipessoais no caso de sua legislação prever a possibilidade de o empresário individual constituir uma empresa de responsabilidade limitada com um património afecto a uma determinada actividade desde que, no que se refere a essas empresas, se prevejam garantias equivalentes às impostas pela presente directiva bem como pelas outras disposições comunitárias aplicáveis às sociedades referidas no artigo 1.º” Note-se que a diretiva não impôs, mas apenas sugeriu, com base na experiência de países particularmente influentes como a Alemanha (GmbH-Novelle de 4.Julho.1980) e França (Lei n.º 85-697 de 11.Julho.1985), a admissão pelos demais o estados membros da unipessoalidade originária, como forma de limitação da responsabilidade do empresário individual. COSTA, Algumas considerações a propósito do regime jurídico da sociedade por quotas unipessoal, op. cit., p. 1230-1231. 50 Fazemos aqui referência ao E.I.R.L., introduzido no ordenamento jurídico português através do Decreto-Lei N.º 248/86 de 25. Agosto. 51 Introduzida pelo DL n.º 257/96, de 31.Dezembro que acabou por inserir um capítulo intitulado Sociedades unipessoais por quotas , dentro do título III do Código das Sociedades Comerciais. 3 Regime jurídico da Sociedade Unipessoal por Quotas Como coloca Catarina Serra, com o DL n.º 257/96 foi dado o “golpe de misericórdia” no princípio da contratualidade, escolhendo-se a sociedade por quotas como a forma societária sobre a qual se desenvolveria a específica disciplina da sociedade unipessoal.52 No que se refere ao regime jurídico em si, a adoção do modelo societário como forma de limitação da responsabilidade do empresário individual não colocou em causa a unidade do direito societário, já que facilitou a compreensão do instituto dentro das estruturas jurídicas vigentes, evitando-se assim, o risco de uma possível quebra de harmonia sistemática que recursos a figuras excepcionais sempre representam.53 A existência de dois mecanismos dentro do ordenamento jurídico português com vistas ao mesmo objetivo, qual seja, a limitação da responsabilidade do empresário individual, encontrava justificativa em uma medida de momento, prevista no preâmbulo do DL n.º 257/96, de 31 de Dezembro.54 Atualmente, depois de verificada a prevalente preferência do instrumento societário para o alcance da limitação da responsabilidade; frente à possibilidade de recorrência a disposições transitórias como forma de salvaguardar os direitos ou expectativas adquiridos por terceiros ou por titulares dos EIRLs constituídos e em funcionamento; e diante da imprevisibilidade de transformação da sociedade unipessoal ou sociedade plural em E.I.R.L, esvaziando-se ainda mais o sentido do instituto não 52 A autora questiona a possibilidade de se ter optado pela forma da sociedade anônima. Como destaca, a sociedade anônima nada mais é do que o paradigma da sociedade de capitais, na qual o elemento pessoal assume uma importância bastante reduzida. Há, analisando a sociedade anônima pelo perfil da impessoalidade, uma maior facilidade de adequação da sociedade unipessoal dentro de sua estrutura. Importa lembrar, no entanto, que tradicionalmente, foi sempre ligada à estrutura da sociedade anônima que o legislador sempre foi mais exigente quanto ao número mínimo de sócios. Uma das justificativas relativas à escolha da forma de sociedade por quotas para a introdução da sociedade unipessoal é que o CSC estabelece um capital mínimo diverso para as sociedades por quotas e anônimas. Outra justificava é que a sociedade anônima, carrega consigo, devido à sua natureza e finalidade, uma estrutura orgânica mais complexa e pesada com a qual o sócio único certamente não suportaria. Além disso, pretendia o legislador, através de um mecanismo bastante próximo ao que vinha sendo adotado para a promoção da unipessoalidade à margem do direito, seja ele através das sociedades fictícias ou das sociedades unipessoais supervenientes (ao abrigo da interpretação do art. 84º do CSC), favorecer a absorção desses fenômenos pela nova disciplina legislativa. “Sendo assim, a opção pelo tipo da sociedade por quotas vem a ser a solução que promove da forma menos abrupta a conversão na nova categoria jurídica, a que apresenta os mínimos incómodos para o sócio único e a que, por isso, melhor favorece o objetivo (de enquadramento das sociedades fictícias e unipessoais no sistema pretendido.” SERRA, op. cit., p. 127-130. 53 Como coloca Catarina Serra em sua descrição do processo de incorporação da estrutura societária pelo direito português: “bastou tomar alguns cuidados relativamente ao risco que tal situação especialmente comporta, para o próprio sócio único e para terceiros – os princípios de segurança de que fala o Preâmbulo (ponto 2.) do DL – dirigidos, designadamente, a precaver hipóteses de ‘desconsideração da personalidade jurídica’”.Art. 270.º-G do CSC.Ibid., p. 131. 54 “Impõe-se, pois, sem abjurar, de momento, nenhuma das figuras legalmente estabelecidas [...]” personalizado de limitação da responsabilidade do empresário individual; não se vê mais razões para a manutenção dessa dupla alternativa em vigência. Um ponto de crítica, relativamente à disciplina jurídica da SQU, se refere à falta de previsibilidade específica de casos em que o sócio único poderia colocar em risco a separação patrimonial (social e pessoal do sócio). Diferentemente da sociedade pluripessoal, a estrutura da sociedade unipessoal não comporta a existência de fiscalização mútua.55 Para além disso, também se aponta a problemática de que a técnica de reenvio implica - para a solução de casos mais específicos - a necessidade de verificação, caso a caso, da compatibilidade do regime geral com a existência de um centro de imputação unissubjetivo.56 Observa-se, no entanto, que a submissão da sociedade unipessoal ao regime jurídico das sociedades por quotas, apesar de não dar a mesma tranqüilidade e segurança que uma normatização mais específica e adequada a essa situação em particular daria, tem gerado resultados satisfatórios.57 3.1 Constituição da Sociedade Unipessoal por Quotas Pela leitura dos n.ºs 1 e 2 do art. 270.º-A58 se depreende que a lei contempla duas possibilidades de se constituir uma SQU, quais sejam, a originária e a superveniente. A primeira se processa através de um negócio jurídico unilateral de constituição da sociedade, enquanto a última se dá pela concentração das participações sociais nas mãos de um único sócio, que deve se manifestar no sentido da conversão.59 Apesar de termos mencionado sobre a equiparação entre o regime jurídico da sociedade unipessoal e pluripessoal, quando da introdução da SQU pelo direito português, é preciso considerar algumas disposições restritivas estabelecidas pelo legislador. 55 Nesse sentido, como coloca Catarina Serra, “[...] o legislador parece ter confiado (excessivamente?) em que a aplicabilidade à sociedade unipessoal por quotas do regime jurídico das sociedades comerciais e das sociedades por quotas diminuiria, por si só, o perigo de desconsideração e poupou-se a maiores cuidados”. Para um efetivo afastamento da possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica sugere a autora, à recorrência de previsões cujo teor se aproxime daquelas que regram o EIRL, quais sejam, as normas contidas nos arts. 10.º e 11.º do DL n.º 248, de 25 de Agosto de 1986. SERRA, op. cit., p. 133-134. 56 COSTA, Algumas considerações a propósito do regime jurídico da sociedade por quotas unipessoal, op. cit., p. 1248. 57 Além da possibilidade de aplicação do art. 84, ligado à perda do benefício da responsabilidade limitada, atuam sobre a minimização dos riscos de confusão patrimonial – proibição de distribuição de lucros fictícios art. 31 e ss do CSC; disposições restritivas que disciplinam a alteração do pacto social art. 85 do CSC e a modificação do capital social arts. 87.º e ss. e 94.º e ss. do CSC. Cf. CSC. SERRA, op. cit., p. 134. 58 Art. 270.º-A n.º1, “A sociedade unipessoal por quotas é constituída por um sócio único, pessoa singular ou colectiva, que é o titular da totalidade do capital social.”; n.º2 “A sociedade unipessoal por quotas pode resultar da concentração na titularidade de um único sócio das quotas de uma sociedade por quotas, independentemente da causa de concentração.” 59 Cf. art. 240. º; 241. º e 242. º CSC. Os artigos 270.º-C, n.º160 e 270.º- C, n.º 2 61 vedam, respectivamente, a possibilidade de constituição de mais de uma SQU pela mesma pessoa física e também, de uma SQU por outra SQU. Se por um lado a restrição se apresenta um tanto quanto razoável, na medida em que evita situações extremas e ilegítimas de desvirtuamento do instituto, através de uma infinita multiplicação dos núcleos de exploração autônoma; por outro, afigura-se como inaceitável, uma vez que acaba por limitar de forma bastante intensa o dinamismo do empresário individual configurando, assim, uma grave limitação da liberdade de sua iniciativa econômica privada.62 3.2 Deliberações do sócio único Observando-se o disposto no art. 270.º - E, n.º 1 do CSC, verifica-se a conservação do órgão da assembléia na SQU, reforçando o caráter substancialmente societário dessa nova modalidade. A manutenção desse órgão deliberativo – fora de uma estrutura plurissocietária possibilitando a tomada de decisões pelo sócio único – art. 270.º-E, n.º 2 do CSC - reclama uma abordagem sobre competência deliberativa - entendida como as deliberações do sócio único enquanto tal. 63 É interessante observar, entretanto, que a continuidade da assembléia neste caso, acompanhando a orientação da diretiva, não assumiu, muito menos pretendeu impor, o sentido tradicional e nuclear de assembléia, entendida como “[...] reunião de sócios interorgânica ou junta com procedimento colegial.” Pretendendo evitar impropriedades como esta, o legislador comunitário não recorreu a esse sentido tradicional de assembléia para justificar a manutenção da mesma dentro da estrutura da sociedade unipessoal. Decidiu-se pelo mantimento da assembléia com base no aspecto funcional da mesma. A despeito da existência de um único sócio, continuava ainda a 60 Art. 270.º- C, n.º 1, “Uma pessoa singular só pode ser sócia de uma única sociedade unipessoal por quotas.” Art. 270.º- C, n.º 2, “Uma sociedade por quotas não pode ter como sócio único uma sociedade unipessoal por quotas.” 62 É interessante observarmos que possíveis desvios do instituto, nestes casos, poderiam ser corrigidos com o piercing the corporate veil ou até mesmo através da via interpretativa do art. 270.º - F. Art. 270.º - F, n.º 1, “Os negócios jurídicos celebrados entre o sócio único e a sociedade devem servir a prossecução do objeto da sociedade”; n.º2 “Os negócios jurídicos entre o sócio único e a sociedade obedecem à forma legalmente prescrita e, em todos os casos, devem observar a forma escrita; n.º 3 “Os documentos de que constam os negócios jurídicos celebrados pelo sócio único e a sociedade devem ser patenteados conjuntamente com o relatório de gestão e os documentos de prestação de contas; qualquer interessado pode, a todo tempo, consultálos na sede da sociedade; n.º 4 “A violação do disposto nos números anteriores implica a nulidade dos negócios jurídicos celebrados e responsabiliza ilimitadamente o sócio”. Por isso a limitação em causa não se justifica. 63 Art. 270.º - E, n.º 1, “Nas sociedades unipessoais por quotas o sócio único exerce as competências das assembléias gerais, podendo, designadamente, nomear gerentes; n.º 2, “As decisões do sócio de natureza igual às deliberações da assembléia geral devem ser registradas em acta por ele assinada.” 61 existir um “[...] âmbito de competências próprio e exclusivo da assembléia geral com independência dos membros do órgão, isto é, da pessoa ou pessoas habilitadas para exercer essas mesmas competências.” Em suma, o reforço do aspecto funcional da assembléia acaba por afastar a incoerência em que incorreríamos se asseverássemos a constituição de assembléia geral pelo sócio único, “[...] sob pena de estarmos a aprovar um mero simulacro do órgão deliberativo – as suas decisões não são tomadas em qualquer reunião.” 64 Embora tenham o legislador comunitário e português, através de suas respectivas disposições normativas, excluído do âmbito da SQU o aspecto nuclear da assembléia, mantendo somente o seu aspecto funcional65, é importante ressaltar que o primeiro também pode ser verificado na vida de uma sociedade unipessoal - quando esta possua uma estrutura plurissubjetiva de conformação.66 Nessas hipóteses - em que pode, por exemplo, ser o gerente um sujeito diferente da pessoa do sócio – comportando aqui também a administração colegial plural – e ou, por disposição da lei ou do ato constitutivo, haja um conselho fiscal – não podemos excluir a pertinência de atuação da faceta nuclear da assembléia (assim entendida como uma verdadeira reunião).67 A admissão da externalização da assembléia, nestes casos, não implica a aplicação, sem quaisquer reservas, das normas direcionadas ao tipo societário. Verifica-se, portanto, que apesar de haver aqui, uma assembléia essencialmente considerada – marcada pela existência de uma dialética promovida pela reunião física dos titulares dos órgãos da SQU - seu resultado poderá ser resumido na pronúncia da decisão unilateral do sócio único, ou seja, apesar de poderem os posicionamentos tanto 64 Nesse sentido Ricardo Alberto Santos Costa, “[...] a assembléia só perdura enquanto se afigura como órgãofunção dotado de uma esfera de competências, no sentido de que o único sócio se identifica nas atribuições que a caracterizam. COSTA, Algumas considerações a propósito do regime jurídico da sociedade por quotas unipessoal, op. cit., p.1272-1275. 65 Ao incidir exclusivamente sobre os casos menos complexos de organização de uma SQU, ou seja, de unissubjetividade orgânica total, em que se verifica a concentração das funções internas na pessoa do sócio único e ausência de órgão de fiscalização, o art. 270.º- E apesar de admitir a existência da assembléia, não previu a sua externalização. Neste caso, relativamente ao processo de formação da decisão do sócio único, dentro da estrutura de assembléia admitida pelo referido artigo, não podemos falar nem em deliberação unânime por escrito (art. 54.º, n.º1, 1ª parte do CSC), nem em assembléia universal (art. 54.º, n.º1, 2ª parte do CSC). A disciplina da deliberação unânime é excluída, neste caso, pela possibilidade dada pela lei ao sócio de decidir independentemente, mas com a competência da assembléia (art. 270.º-E, n.º2). Já a disciplina da assembléia universal é eliminada, pois o sócio único, neste caso, toma para si todas as decisões de competência da assembléia, independentemente de haver reunião ou serem observados certos parâmetros procedimentais previamente estabelecidos. Entendemos, portanto, que a natureza da assembléia universal não coaduna com a impossibilidade de se exteriorizar uma assembléia, ou seja, “[...] não é compatível com a inexistência de qualquer tipo de assembléia em sentido técnico-colegial de reunião [...]”. Ibid., p. 1275-1281. 66 Ibid., p.1279. 67 “Nesta circunstância, poderá afirmar-se que, a assembléia, mais do que existir, funciona como reunião e os interesses a que se vinculam esse ajuntamento enquanto ritual mantêm-se objeto de densificação” Ibid., p. 1282. do conselho fiscal como do órgão administrativo exercer influência nesta decisão, não podemos afirmar que haverá aqui, necessariamente, uma vinculação desta última àqueles.68 Por fim é de se constatar que, para contrabalançar o aparente desamparo resultante da “flexibilização” no que se refere ao procedimento e colegialidade – responsáveis por conferir segurança a terceiros, preocupados com a garantia da integridade do capital social – criou-se um instrumento de indiscutível eficácia. Este instrumento está, na lei portuguesa, contido na norma do art. 270.º-E, n.º 2 e se materializa na obrigatoriedade de redação de uma ata onde se registram as decisões de natureza deliberativa do sócio único que deve também ser assinada pelo mesmo. A importância do registro dessas decisões está justamente em representar, diríamos aqui, na grande maioria dos casos, não só todo o procedimento de formação da decisão, como também “[...] toda a possibilidade de verificação e controlo da formação da vontade social.” 69 Considerações Finais Depois de muita resistência – aqui representada não só pela consagração do EIRL, simbolizando a recusa em se aceitar uma sociedade constituída por um único sócio; mas também pela não total abertura da unipessoalidade com a entrada em vigor do CSC – podemos dizer que hoje, após a admissão da figura da SQU em 1996, faz a unipessoalidade, definitivamente, parte das realidades jurídica e social portuguesas.70 Não podemos negar que o reconhecimento da SQU é a clarificação da adoção da técnica jurídica direcionada à satisfação de certos interesses. Entretanto, como brilhantemente coloca Catarina Serra, “[...] além do caso das pessoas humanas, qual o reconhecimento que não o é?” 71 A admissão da figura, por seu turno, implicou não só em alterações doutrinais, no que se refere à tradicional concepção de sociedade – representadas pela substituição da idéia de “sociedade 68 Não podemos falar, quando haja na SQU uma plurissubjetividade orgânica, em deliberação unânime por escrito, mas podemos visualizar a possibilidade da constituição da reunião em uma assembléia universal. A primeira é excluída devido à possibilidade da não interferência e da não coincidência do posicionamento dos outros órgãos na conformação da decisão do único sócio, o que nos impede de falar em unanimidade. A última se legitima na medida em que se torna plenamente possível que os titulares dos órgãos se reúnam e decidam sobre determinado assunto, sem a necessidade de observarem as formalidades previas. (art. 54.º, n.º1, 2ª parte). Ibid., p. 1284-1286. 69 Ibid., p. 1289. 70 Corroboramos esta afirmação apresentando estatísticas do total de empresas constituídas por natureza jurídica (através da empresa na hora) durante o período de 14/07/2005 a 29/08/2008. De um total de 57338 empresas, 22784 (40%) são SQUs ; 33997 (59%) Sociedades por Quotas; e 557 (1%) Sociedades Anônimas. IRN. Instituto dos Registos e do Notariado. Disponível em: <http://www.irn.mj.pt/sections/noticias/enhestatisticas/>. Acesso em: 15 set. 2008. 71 SERRA, op. cit., p. 140. contrato” pela de “sociedade instituição” e/ou “sociedade técnica” – mas também em alterações legislativas - o princípio da contratualidade não restou mais soberano. Podemos dizer que essa iniciativa acabou por acolher um fenômeno que, até então, vinha ocorrendo à margem do direito – positivando-o. Neste sentido, a insistência em se continuar ignorando a realidade factual traria muito mais riscos a terceiros do que a sua admissibilidade. Foi a introspecção desse fenômeno pelo direito que possibilitou a criação de uma estrutura – como é o caso da SQU - que conferindo segurança jurídica - a ambos os lados – empresário individual e credores – permite não só o fomento de novos investimentos, como também, o favorecimento à conservação da empresa. Por fim, ressaltamos a impossibilidade de se visualizar a SQU como algo imutável. Da mesma forma que a sociedade impulsionou sua admissão, assim também ocorrerá com as possíveis modificações de seu regime jurídico. Porque haveria de ocorrer de forma diversa? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Jorge Manuel Coutinho de. Curso de direito comercial: das sociedades. 2.ª ed. Coimbra: Almedina, 2007, v. II. ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 14. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2007. ANTUNES, José Engrácia. O estabelecimento individual de responsabilidade limitada: crónica de uma morte anunciada. 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