nazaré informa REVISTA DE INFORMAÇÃO MUNICIPAL INFO MAIL 2450 Nazaré Taxa Paga OUTUBRO 2005 NÚMERO 4 Distribuição gratuita fotoreportagem A APANHA DA PÊRA 3 de Setembro, o FERIADO que a memória apagou Entrevista Drª. MANUELA SOARES «Queríamos, através do ensino, fazer uma transformação da vida e da própria Nazaré» VEADOS REGRESSAM AO PINHAL DE N. SRA. DA NAZARÉ A HERANÇA DOS MONGES DE CISTER Valado dos Frades nazaré informa Revista Mensal número 4 - Outubro de 2005 info mail distribuição gratuita depósito legal 229236/05 26 [email protected] BIVALVES NAZARÉ EM FESTA 54 47 A CHUVA QUE ME MOLHA DEIXA-TE SECA!, por Júlio Estrelinha 13 COLABORAM NESTA EDIÇÃO Ana Mª. Arsénio, Carla Maurício ([email protected]),Carlos Filipe, Delfim Mateus, José Raimundo Noras ([email protected]), José Soares, Júlio Estrelinha ([email protected]), Mª Laura Anastácio ([email protected]), Mónica Maurício ([email protected]), Reinaldo Silva, Susana Poças. EDIÇÃO E PROPRIEDADE Município da Nazaré - Câmara Municipal Av. Vieira Guimarães, 54 - 2450 Nazaré Telf.262 550 010 Fax 262 550 019 [email protected] 20 HERANÇA DOS MONGES DE CISTER SUMÁRIO 04 FOTOREPORTAGEM A apanha da pêra. 09 DOSSIER AGRICULTURA NO CONCELHO DA 17 CRÓNICA CULTO DA MEMÓRIA OU CELEBRA- 33 BIODIVERSIDADE Veados regressam ao pinhal do Sítio da Nazaré. PARQUE DA PEDRALVA. ÇÃO DO EFÉMERO?, por José Raimundo Noras. 38 PLANEAMENTO AGENDA XXI LOCAL. 18 PATRIMÓNIO HISTÓRICO O feriado que a memória apagou , por 40 DESPORTO MUNICÍPIO DA NAZARÉ PREMIADO. Mónica Maurício. 42 CULTURA CÂNDIDO FERREIIRA, ENTREVISTA MANUELA SOARES, veterinária e directora do Externato D. Fuas Roupinho. 22 44 25 NAZARÉ UM CONCELHO DE FUTURO. 45 CRÓNICA “A nossa viagem a Kandersteg”, por Delfim Mateus, AMBIENTE ESPÉCIES VEGETAIS INVASORAS, por Susana Poças. 30 PATRIMÓNIO NATURAL Um passeio pelas estórias das rochas. ACTOR. UM SIGNIFICANTE ELEMENTAR, por José Soares. Secretário do Agrupamento de Escuteiros de Famalicão. 50 Verão Musical no Parque Atlântico. 55 O CARTOON DE... Carlos Filipe. NO PRÓXIMO NÚMERO FOTOREPORTAGEM: “PÁTIOS DA NAZARÉ” HISTORIAL DA MEIA MARATONA DA NAZARÉ VALADO DOS FRADES: ESTAÇÃO FERROVIÁRIA ASCENSOR DA NAZARÉ 36 REQUALIFICAÇÃO NOVA VIDA PARA O NAZARÉ. 28 DIRECÇÃO Engº. Jorge Codinha Antunes Barroso COORDENAÇÃO EDITORIAL Ana Pouseiro GRAFISMO Ana Pouseiro e Sónia Tiago FOTOGRAFIA António Balau ([email protected]), Vitor Estrelinha ([email protected]), arquivo CMN IMPRESSÃO HESKA Portuguesa, SA, Sintra TIRAGEM 7.000 exemplares. foto de capa: Vítor Estrelinha ESTE PROJECTO É MAIS DO QUE ISSO. É, ACIMA DE TUDO, UM ACTO DE REFORÇO DE CIDADANIA QUANDO PRETENDE TORNAR ACESSÍVEL A TODOS, OS ESTUDOS E PROJECTOS EM CURSO, AO MESMO TEMPO QUE OS RELACIONA COM A REALIDADE DO NOSSO CONCELHO. EDITORIAL Após um intervalo maior que o normal, aqui está o nº 4 de Nazaré Informa. Este é um projecto que, como todos os bons projectos, deve ser sempre melhorado e não se deve perder; pelo contrário, deve merecer a especial atenção e participação de todos. Por motivos de defesa da revista Nazaré Informa, optei por só agora lançar a edição que deveria sair no princípio de Outubro. Possivelmente perder-se-á um número, mas não corremos o risco de, em pleno período de eleições, fazer passar este novo projecto pela máquina trituradora da campanha eleitoral. Desta forma, perdeuse talvez um número, mas ganhou-se a revista e um projecto que, mais do que uma edição autárquica, é um projecto de todos. Longe vai - e espero que não volte – o tempo em que os Boletins Municipais eram usados como um instrumento de pressão eleitoral. Aproveitava-se então aquela margem sempre subjectiva de interpretação entre o direito à informação e o dever de informar. Este projecto é mais do que isso. É, acima de tudo, um acto de reforço de cidadania quando pretende tornar acessível a todos, os estudos e projectos em curso, ao mesmo tempo que os relaciona com a realidade do nosso concelho. Assim, iremos em cada edição procurar tornar de todos o que de melhor temos no concelho, em cada um dos lugares e em cada uma das pessoas, com as suas histórias e experiências de vida. Actividades e assuntos não faltam. Espero que continuem a gostar da revista Nazaré Informa como até à presente data, como testemunham as palavras e opiniões que têm chegado até nós. Mas seguramente poderá melhorar, através do seu contributo, de forma a que, todos juntos, possamos também construir um melhor veículo de informação. O Presidente da Câmara Municipal da Nazaré Jorge Codinha Antunes Barroso Um dia na apanha da pêra A fruticultura é uma das principais actividades agrícolas no concelho da Nazaré, sobretudo nas freguesias de Famalicão e Valado dos Frades. A maçã e a pêra, introduzidas na região pelos monges de Cister, são as principais culturas produzidas, com grande procura nos mercados consumidores nacionais e internacionais. A apanha da fruta é, sem dúvida, a fase mais emblemática do processo produtivo. É este o momento em que se colhe o fruto do labor de toda uma época. O momento em que se justifica o esforço, o investimento e o sacrifício. E o momento da esperança de bons proveitos e um melhor futuro para a vida do campo. Uma reportagem fotográfica de VÍTOR ESTRELINHA outubro 2005 nazaré informa nazaré informa outubro 2005 outubro 2005 nazaré informa fotoreportagem nazaré informa 07 outubro 2005 08 A época da apanha da fruta representa o culminar de um ano de trabalho no terreno. Nesta altura, os campos animam-se, ganham nova vida. Muitas pessoas que não fazem da agricultura o seu modo de subsistência aproveitam a época da apanha da fruta para ganharem uns “trocos” extra. Num sector em que a mão-deobra escasseia ano após ano, estes trabalhadores sazonais são essenciais para o produtor. Nestes rituais da subida à árvore, estender a mão para apanhar a fruta e colocá-la nos cestos, há também tempos de convívio e de troca de experiências. outubro 2005 nazaré informa A agricultura no concelho da Nazaré nazaré informa Texto Fotografia ANA POUSEIRO VITOR ESTRELINHA outubro 2005 10 concelho da Nazaré tem como principal referência o mar, enquanto base de sustentação de uma economia piscatória, por um lado, e turística, por outro. Contudo, as vagas do mar encontram paralelo nos sulcos da terra que, ao longo de séculos, foi cultivada por gerações de camponeses. Desde os primórdios da nacionalidade e até 1834, data da extinção das ordens religiosas em Portugal, as terras que hoje englobam o município da Nazaré integravam as extensas propriedades agrícolas do Mosteiro de Alcobaça. Valado dos Frades estava no centro desta intensa actividade, liderada pelos monges brancos de Cister que conquistaram férteis terrenos às margens pantanosas da Lagoa da Pederneira e criaram, na Quinta do Campo, a primeira escola agrícola implantada em Portugal [ver artigo nesta revista]. Extinta a Ordem de Cister, no segundo quartel do século XIX, as propriedades foram adquiridas por particulares, iniciando um novo ciclo na exploração agrícola. Contudo, a dimensão das propriedades foi progressivamente diminuindo. As alterações legislativas do Liberalismo tiveram consequências sobre o regime de herança, com a partilha dos bens por todos os herdeiros e não apenas o filho primogénito. Assim, o sistema latifundiário foi dando O agricultura lugar ao minifúndio que hoje caracteriza a nossa paisagem rural. Apesar da pequena dimensão das explorações, a agricultura continua a ser uma actividade importante no tecido económico do concelho da Nazaré. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (*), a taxa de população activa neste sector é de 6,5%, um valor significativamente acima da média nacional, que ronda os 4%. Famalicão é a freguesia onde a percentagem de pessoas que fazem da agricultura a sua actividade principal é maior: 22%. Em Valado dos Frades, a população agrícola é de 13,7% e, na freguesia da Nazaré, apenas de 1,6%. De acordo com a mesma fonte, Valado dos Frades é a freguesia que maior superfície agrícola utilizada apresenta, relativamente à área total, com 720 hectares de cultivo. Desta área, quase 70% respei- ta a explorações por conta própria e 27% a situações de exploração por arrendamento. Em Famalicão, a superfície agrícola utilizada é de cerca de 300 hectares e, na freguesia da Nazaré, apenas 83 hectares são dedicados à utilização agrícola. Estes números demonstram a existência de diferenças – ainda que subtis – entre a agricultura praticada nas freguesias de Famalicão e de Valado dos Frades. Apesar da taxa de população activa no sector ser inferior em Valado dos Frades, a área afecta à produção agrícola é mais do dobro da registada em Famalicão, o que indica a existência, nesta freguesia, de uma agricultura de características empresariais, com explorações de maior dimensão e mecanizada. Em Famalicão, a agricultura praticada apresenta características mais próximas de uma realidade rural de produção própria, para auto-consumo e para OS NÚMEROS DA AGRICULTURA NO CONCELHO DA NAZARÉ População agrícola (indivíduos) Superfície agrícola utilizada(SAU) SAU por conta própria SAU – arrendamento Superfície agrícola não utilizada FAMALICÃO NAZARÉ V. FRADES 369 297 ha 174 ha 64 ha 38 ha 163 83 ha 60 ha 22 ha 6 ha 455 720 ha 495 ha 194 ha 22 ha (*) Fonte: Instituto Nacional de Estatística. Recenseamento Geral da Agricultura, 1999. VALADO DOS FRADES HÁ CERCA DE 30 ANOS. Os agricultores de Valado dos Frades deslocavam-se aos rios para lavar toda a sua produção de cenoura, antes de serem transportadas para os mercados. outubro 2005 nazaré informa HORTOFRADES Mário Monteiro aposta na valorização da cenoura de Valado dos Frades venda nos mercados de proximidade. Ao contrário, grande parte da produção agrícola em Valado dos Frades destina-se aos mercados abastecedores exteriores. Paralelamente a este cenário, em que a agricultura é a principal fonte de subsistência de parte significativa da população do concelho, existe um outro, tão próprio do nosso meio rural: o do cultivo da terra como actividade complementar na economia doméstica ou ocupação do tempo, comum entre os cidadãos mais idosos. Hortofrades dá a conhecer cenoura de Valado dos Frades à Europa Como referido anteriormente, o sector agrícola no concelho caracteriza-se essencialmente pelo predomínio da pequena propriedade, explorada pelo proprietário e sua família e cuja produção se destina aos mercados abastecedores locais. Contudo, existem no concelho algumas empresas que se têm destacado por conferir à actividade agrícola uma vertente de empresarialização e, até, de inovação. É este o caso da Hortofrades, em Valado dos Frades, que se dedica à distribuição e comercialização de produtos agrícolas, sobretudo cenoura (que representa a maior percentagem) e batata. Nascida há cerca de 8 anos como uma sociedade de agricultura de grupo, hoje é constituída por três firmas distintas, com 23 postos de trabalho e uma produção anual de 10.000 toneladas/ano, destinada às grandes cadeias de distribuição alimentar nacionais e à exportação. Segundo Mário Monteiro, um dos quatro sócios da Hortofrades, a empresa trabalha com dezenas de agricultores locais e de outras regiões do País, em sistema de pro- nazaré informa dução acompanhada, fornecendo sementes e fazendo o acompanhamento técnico dos campos. Nas suas instalações de Valado dos Frades, a empresa procede à normalização, embalagem e comercialização dos produtos, contando, para tal, com uma firma própria de transporte. «A cenoura é sem dúvida o nosso principal produto, mas estamos a apostar na batata e na cebola. Actualmente representam apenas 10 por cento das vendas, mas são produtos em crescimento e de alto valor», explica Mário Monteiro. Contudo, a Hortofrades procura também alguma diversificação de produção, nomeadamente através da exportação de couve-coração e lombardos durante os meses de Inverno, para alguns mercados da Europa Central, especialmente França. Os principais clientes da Hortofrades são as grandes cadeias de distribuição alimentar: Pingo Doce, Recheio, Feira Nova e Lidl. No último ano, a empresa começou a abastecer também as cadeias “Minipreço” e “Dia”. A exportação é a aposta seguinte. «Se as coisas continuarem a correr bem, começaremos a fornecer Espanha», explica Mário Monteiro. Um passo natural, dado que a empresa já possui em Espanha uma presença comercial. Recentemente, foram também encetados contactos com a Alemanha. A maior parte da cenoura comercializada pela Hortofrades é produzida na zona do Ribatejo, em particular Almeirim. Isto porque aí existem as grandes áreas agrícolas, reduzindo, assim, os custos de produção. No entanto, o empresário reconhece que esse produto é diferente da cenoura de Valado dos Frades. «O sabor e o valor proteico é muito superior na cenoura da nossa região», explica. «Os ingleses, por exemplo, não querem outra cenoura que não a do Valado. Por isso, a nossa cenoura é destinada à exportação, porque tem um valor competitivo muito acrescido». Em consequência deste valor, a Hortofrades tem como um dos principais objectivos futuros aumentar a área de cultivo de cenoura nos campos de Valado dos Frades, na medida em que a área actual não é suficiente para corresponder a um mercado cheio de apetência pelo produto. «Neste momento, e dado estarmos a obter bons resultados, vamos procurar incentivar as pessoas do Valado a cultivar cenoura», refere Mário Monteiro. «O Valado tem um nome que nunca se perdeu e temos muito boas expectativas para os próximos anos relativamente a este produto. É também uma boa aposta para os produtores», acrescenta. «Apesar de haver muitos terrenos desprezados, acredito que ainda há muitos jovens no Valado que podem ser incentivados a produzir. Hoje há maquinaria e tecnologia nova, a agricultura já não é como há duas ou três décadas atrás. Nós próprios temos a tecnologia necessária para prestar apoio aos produtores». Com toda esta actividade, a Hortofrades atingiu o pico de capacidade face às instalações existentes. A empresa aguarda o licenciamento de um projecto de investimento e modernização que lhe permita expandir a actividade, de acordo com as exigências da União Europeia. O principal objectivo é assegurar a rastriabilidade dos produtos, ou seja, identificar todos os passos da vida do produto desde a produção até chegar ao consumidor final. «Estamos a fazer isto manualmente, mas trata-se de uma logística demasiado complexa. Precisamos de modernizar e automatizar estes procedimentos», salienta Mário Monteiro, para quem este é um exemplo da burocracia que coloca obstáculos ao desenvolvimento do sector e à iniciativa privada. «Trata-se de um investimento de 800 mil euros que outubro 2005 12 estamos dispostos a fazer. Se os organismos públicos não ajudarem, o desenvolvimento do sector é mais complicado. Isso e a carga fiscal, que em Portugal é enorme quando comparada com outros países, inviabiliza que nos tornemos competitivos». Uma situação que, para o empresário, é incompreensível, dado que «Portugal muitas potencialidades. Temos o clima ideal para produzir quando outros países da Europa não conseguem, devido ao Inverno rigoroso. Poderíamos aproveitar isso para apostar na exportação e conquistar esses mercados. A Hortofrades já faz isso há cinco anos e esperamos continuar a fazer. Não podemos pensar só em abastecer o mercado interno, porque aí não temos hipótese. Temos de pensar em ir mais longe», conclui. Viveiros Hélio Paiva Outra empresa que caracteriza a potencialidade agrícola do concelho da Nazaré produz um volume anual de 50 milhões de plantas. Os “Viveiros Hélio Paiva”, também localizados em Valado dos Frades, abrangem uma área de cerca de 17.000 m2 que, em breve, aumentará em mais 7.000 m2, com a construção de novas estufas. Os viveiros fornecem plantas para a produção de lombardo, bróculo, couve flor, alface e salsa, no mercado de frescos; e tomate, a partir de Fevereiro, para a indús- outubro 2005 tria. Segundo o empresário Hélio Paiva, os principais clientes são os produtores da região de Alcobaça e Nazaré, no que se refere ao mercado de frescos, e os agricultores do Ribatejo, na vertente indústria. Os Viveiros funcionam também como um serviço de apoio ao produtor mas, neste caso, e ao contrário da Hortofrades, na fase pré-produtiva. «As sementes são actualmente muito caras, na medida em que resultam cada vez mais da investigação laboratorial», explica Hélio Paiva. «Um produtor pode chegar a ter um desperdício na ordem dos 60 por cento. Aqui, nas estufas, compramos as sementes e criamos as plantas. A nossa taxa de eficácia situa-se entre os 90 e os 95 por cento. Portanto, compensa aos agricultores comprar a planta em vez das sementes». Esta taxa de eficácia deve-se ao facto de, nas estufas, todo o ambiente ser controlado, ao contrário do que acontece numa exploração comum, mais exposta aos agentes atmosféricos e às aves que procuram as sementes. «Aqui tudo é desinfectado, desde o terreno aos tabuleiros», salienta o empresário. À semelhança de Mário Monteiro, também Hélio Paiva considera que os produtos agrícolas da região são de elevada qualidade e representam valor acrescentado. Mas, na sua opinião, esse aspecto não tem sido suficiente para potenciar o desenvolvimento do sector. «Peca por falta de organiza- DINAMISMO EMPRESARIAL Hélio Paiva defende critérios mais claros no apoio aos produtores ção dos produtores», afirma o empresário. «Existem muitos pequenos agricultores, logo a rentabilidade não é elevada. Esta é uma das zonas mais individualistas do país, sobretudo no sector hortícola. Os produtores, sozinhos, não têm capacidade de colocar os seus produtos no mercado. Tem de se evoluir no caminho do associativismo, como forma de combater os produtos que chegam de fora com preços mais competitivos. Um certo comodismo tem feito vingar as empresas em vez das organizações de produtores», remata. Para Hélio Paiva, outro problema que atinge o sector agrícola é a deficiente gestão dos incentivos aos produtores. «Há pouco controle dos fundos comunitários que são atribuídos, por vezes a projectos que fecham as portas pouco tempo depois do início de actividade», declara. «Mas as empresas rentáveis, activas e que dão emprego a pessoas não têm qualquer tipo de auxílio, nem do Estado nem da banca». Dá como exemplo a sua própria empresa e o projecto de expansão da área de estufa. «Submeti esse projecto para o IFADAP há dois anos, para conseguir algum apoio ao investimento. Está lá parado porque não é considerado prioritário», conta. «Quando criei esta empresa, foi um investimento de mais de 30.000 contos. Hoje continua a laborar e dá emprego a 10 pessoas. Não há apoio para estas empresas, mas há para outras que aparecem e desaparecem sem ninguém controlar para onde foi o dinheiro», lamenta. Apesar da falta de apoios, os Viveiros Hélio Paiva vão avançar com o projecto de expansão, num investimento de 300.000 euros, totalmente auto-suportado. nazaré informa 13 QUINTA A DO CAMPO EM VALADO DOS FRADES herança dos monges de Cister Nove séculos depois, a paisagem dos campos de Valado dos Frades é ainda um dos mais fortes testemunhos da presença dos monges brancos de Cister na nossa região. Dinâmicos e engenhosos, conquistaram terra à Lagoa da Pederneira, desviaram leitos de rios, elevaram margens, construíram canais de irrigação e complexos sistemas hidráulicos, deixando uma marca tão poderosa na sua relação com a paisagem que o tempo e a evolução tecnológica não conseguiu apagar. Todo este conhecimento estava concentrado na Quinta do Campo, uma das dez granjas agrícolas que os monges de Cister fundaram no território dos seus coutos de Alcobaça, e a única que sobreviveu até aos nossos dias. Hoje unidade de turismo rural, durante séculos foi uma escola agrícola e pólo de transmissão de saberes inovadores na área da agricultura e da engenharia hidráulica nazaré informa Texto Fotografia ANA POUSEIRO VITOR ESTRELINHA outubro 2005 14 património rural F alar de agricultura no concelho da Nazaré significa, forçosamente, falar da riquíssima herança dos monges de Cister e, consequen-temente, recuar aos distantes tempos da fundação da Nacionalidade. Grande parte do que é hoje a paisagem agrícola do concelho, sobretudo nos chamados campos de Valado/ Cela (e que abrangem também as zonas baixas da freguesia de Famalicão), deve-se à monumental obra de engenharia hidráulica que os frades da Ordem de Cister desenvolveram na região, a partir do século XII. Durante os mais de 200 anos que durou a construção da Abadia de Santa Maria de Alcobaça, os monges fundaram dez granjas agrícolas, umas das quais a Quinta do Campo, cuja área abrangia, grosso modo, a actual freguesia de Valado dos Frades. A sua implantação obedeceu às necessidades de desbravamento e povoamento das terras da época [ver caixa], sendo o local de instalação cuidadosamente escolhido. A Quinta do Campo situava-se no extremo poente da área de influência outubro 2005 João Pedro Collares Pereira, o actual proprietário, no miradouro do jardim, indicando a antiga vastidão dos terrenos da granja cisterciense directa do Mosteiro, junto a um extenso braço de mar, a Lagoa da Pederneira. Distinguiu-se das restantes granjas por não ter dado, de imediato, origem à fundação de uma povoação junto a ela (Valado dos Frades só se desenvolveria mais tarde). Em vez de se tornar um pólo de colonização, a granja transformou-se numa escola agrícola. A necessidade de conquistar terreno à extensa lagoa e secar as zonas pantanosas envolventes revelou-se uma oportunidade para aplicar os conhecimentos e experiência dos monges de Cister na área da hidráulica agrícola. Terá sido destes campos ganhos à água, aráveis e férteis, que a granja adquiriu a sua designação. Das granjas cistercienses criadas nesse tempo, apenas a Quinta do Campo sobreviveu até aos nossos dias, mantendo os traços arquitectónicos primitivos. Na opinião de João Pedro Collares Pereira, o actual proprietário, a Quinta do Campo é «o mais antigo exemplar da arquitectura agrícola medieval existente em Portugal». De facto, à volta do que é hoje o pátio central do complexo de edifícios que compõem a quinta, existe um conjunto de construções em forma de U que integrariam o núcleo primitivo da granja, vocacionado para as actividades agrícolas, designadamente os antigos celeiros. No local onde outrora se situava um mosteiro e uma igreja (que ficou em ruínas após as convulsões que causaram a extinção das ordens religiosas) ergue-se hoje a casa principal. Um majestoso edifício oitocentista, desenhado pelo arquitecto francês Amável Granger, sob orientação do bisavô do actual proprietário que, na época, adquirira a quinta arruinada. «Ao contrário das outras granjas, que desapareceram á medida que davam origem a povoações, esta permaneceu e afirmou-se como um pólo de desenvolvimento agrícola», explica João Pedro Pereira. É visível o seu orgulho pela dimensão histórica da Quinta do Campo ao indicar, do alto do miradouro existente no jardim, a vastidão das terras originalmente pertencentes à propriedade. «Aqui os frades dominaram a água, conquistaram campos e iniciaram a gigantesca obra do sistema de drenagem da Lagoa da Pederneira», recorda. Um trabalho alicerçado na criação de uma escola nazaré informa 31 Um dos mais interessantes locais remanescentes do antigo complexo agrícola cisterciense, a adega encerra também um mistério. Ou melhor, vinte. As suas colunas de ferro são, segundo João Pedro Pereira, contemporâneas das colunas usadas na reconstrução da cozinha do Mosteiro de Alcobaça, em data anterior ao uso do ferro como material de construção civil comum, em toda a Europa. O actual proprietário acredita que as colunas foram feitas na fundição da granja, na medida em que havia exploração de ferro na região. agrícola («a primeira a existir em Portugal», frisa João Pedro Pereira) que aplicava os conhecimentos dos monges e ensinava os colonos a tirar proveito das potencialidades da terra e a introduzir novas culturas. Além da drenagem e saneamento das zonas húmidas da envolvente da Lagoa, os monges de Cister foram responsáveis pelo desvio do leito do rio Alcoa e do rio da Areia, pela subida das suas margens e pela construção de canais artificiais, destinados à criação de um sistema de rega dos campos agrícolas (canais que, ao longo do tempo, tomaram a designação de “rios”, como o povo os conhece hoje, como é o caso, por exemplo, do chamado Rio do Meio). Implementaram também o sistema de “portas de maré” na antiga foz do rio, que se situava sensivelmente na zona da Ponte das Barcas, e que ainda hoje é um elemento importante no sistema de rega dos campos do Valado. Com estas criações, centralizadas no pólo de conhecimento que era a Quinta do Campo, os monges de Cister desenharam a paisagem agrícola que se conhece e implementaram os fundamen- nazaré informa tos da engenharia hidráulica moderna, adaptada à agricultura. Remontando aos primórdios da Nacionalidade, a Quinta do Campo surge como um dos núcleos urbanos mais antigos do concelho da Nazaré. João Pedro Pereira acredita que, para além do seu papel enquanto escola agrícola, a Quinta do Campo teve também importância social e política. O actual proprietário recorre ao testemunho de documentos antigos para lembrar que a Lagoa da Pederneira era navegável e que, entre outras embarcações, foi aportada por navios da poderosa e rica Ordem do Templo. Uma ligação que, na sua opi- A ORDEM DE CISTER EM PORTUGAL A Ordem de Cister e a sua Abadia de Alcobaça tiveram grande prestígio e influência durante os primeiros séculos da nacionalidade. Fixados Portugal desde o século XII, os monges brancos beneficiaram de forte protecção régia, sobretudo durante a primeira dinastia. Acompanhando a formação do território português com a criação de mosteiros nas regiões norte e centro do País, contribuíram de forma decisiva para a colonização e desenvolvimento das vastas áreas que ocuparam, aplicando técnicas agrícolas inovadoras e intensivas, e desenvolvendo uma relação singular com a paisagem. O grande desenvolvimento da Ordem de Cister deveu-se à figura de São Bernardo de Claraval, por muitos considerado como uma das mais influentes personalidades da Idade Média e, sem dúvida, um dos seus protagonistas. Quando São Bernardo se ordenou monge, a Ordem de Cister era pequena e muito pobre; no final da sua vida, estavam já estabelecidos 243 mosteiros cistercienses em toda a Europa, muitos deles proprietários de vastas áreas e grande riqueza. Reformador da Cristandade e místico da contemplação, São Bernardo correspondia-se com D. Afonso Henriques, rei que favoreceu largamente o incremento da Ordem. Uma relação tão forte que levou o filósofo Agostinho da Silva a afirmar que «a fundação do Portugal é um acto inteiro da potência mística e de acção de São Bernardo, o de Claraval». outubro 2005 16 nião, encerra alguns segredos que talvez o tempo se encarregue de revelar… Mais recentemente, e após a sua aquisição pelos antepassados de João Pedro Pereira, a Quinta do Campo continuou a escrever linhas na história de Valado dos Frades. No século XIX, a construção do caminho-de-ferro exigia a cedência de terrenos e, na sua grande extensão, a Quinta do Campo era literalmente atravessada de alto a baixo. O proprietário da época cedeu ao Estado, gratuitamente, os terrenos necessários, com uma única exigência: a de que se situasse em Valado dos Frades uma estação ferroviária, que servisse Alcobaça e Nazaré, já à época importantes pólos turísticos. Foi este facto que provocou a emergência e o desenvolvimento populacional de Valado dos Frades, com alguns serviços de apoio ao caminho-de-ferro, transportes e mercadorias. A Quinta do Campo hoje A importância histórica, cultural e patrimonial do conjunto edificado da Quinta do Campo valeu-lhe a classificação como imóvel de Interesse Arquitectónico, Histórico e Cultural pela Direcção-Geral de Turismo e a classificação como Imóvel de Interesse Público pelo IPPAR. Há várias décadas que a agricultura deixou de ser a base de sustentação da Quinta do Campo, mas a memória dessa herança foi cuidadosamente preservada, valorizando a sua nova actividade: o Na biblioteca da casa principal, existe um acervo documental significativo sobre os concelhos de Alcobaça e Nazare, e sobre a actividade da Ordem de Cister, no qual pontuam algumas raridades turismo rural e o turismo de animação e eventos. Por todo o lado, respira-se história e não é difícil imaginar a actividade in- tensa dos monges de Cister e dos colonos primitivos para tornar produtivas aquelas terras pantanosas. Uma relação entre património, ruralidade e turismo de qualidade que, na opinião de João Pedro Pereira, ainda não é potenciada da melhor forma, para proveito do concelho. «A Nazaré não se limita ao mar e à pesca. É um concelho muito rico e diversificado, em que a agricultura tem também um peso muito importante. Falta ainda estudar as implicações históricas, culturais e sociais dessa diversidade», defende. Hoje adaptados a alojamento de turismo rural ou infra-estruturas de apoio à realização de festas e eventos, os antigos celeiros e adegas da granja mantêm ainda a arquitectura concebida pelos monges-agricultores outubro 2005 nazaré informa 17 crónica Culto da memória ou celebração do efémero? Texto JOSÉ RAIMUNDO NORAS simples acto de recordar tem mais implicações para a vida do que poderíamos supor. De facto, o conhecimento do passado é vital para que os organismos vivos sobrevivam e evoluam ao longo do tempo. Mesmo do ponto de vista biológico, a memória é uma capacidade essencial para qualquer ser vivo, ou seja, todo o tipo de memórias que os seres vivos possuem, desde do início dos tempos, tem servido como capacidade natural de adaptação ao meio e forma de assegurar a sobrevivência. Por outro lado, quando falamos da memória humana, temos em consideração que, desde a aurora do pensamento filosófico, esta foi definida como base do conhecimento. Platão, por intermédio da figura de Sócrates, define todo o conhecimento como reminiscência – ou anamenese – de uma verdade última anterior à vida presente. Aspecto essencial à vida, elemento basilar na constituição da identidade e para muitos, base epistémica de todo o saber, a memória sempre constituiu ponto de partida para especulações variadas. Como nos lembramos? Porque duram umas memórias mais do que outras? Onde no cérebro humano se localiza a memória? Será possível memória sem esquecimento? Será toda a memória real ou, por definição, ficção dos próprios sujeitos cognoscentes? Têm sido estas as questões principais das ciências que estudam a memória. Hoje em dia, na nossa “sociedade da informação”, coexistem duas atitudes para com a memória. Constantemente, se constroem edifícios do saber sob a capa de falsas memórias, usando e abusando do passado. Todavia, por outro lado, vivemos na sociedade do aqui e do agora, O nazaré informa «A partir do homo sapiens, a constituição de uma utensilagem da memória social domina todos os problemas da evolução humana.» (Leroi-Gourham, in Le geste et la parole, pp. 24) da aceleração do tempo até ao infinito. Estas duas concepções memorativas revelam atitudes antagónicas para com a Memória e o Esquecimento. Uma idolatraa e para ela transfere a responsabilidades das acções humanas. A outra tende a esboroar a necessidade de memória, como se o Homem fosse, por natureza, um ser amnésico. Esta circunstância traduzse na realidade efectiva da contradição social referente à memória ou, segundo alguns autores, no proclamar do grau zero do tempo, no qual a memória será quase despida do seu valor ontológico. Desta feita, a ideia de aceleração do tempo transforma-se na máquina fatal, que tritura, no culto do efémero, as nossas necessidades mnésicas – lembrando as palavras perturbadoras de Pierre Nora, só se fala tanto de Memória, pela razão dela já não existir». Tzvetan Todorov, sociólogo búlgaro, propõe um “dever da memória”, como valor central da nossa relação com o passado, necessariamente subordinado à ideia de Bem. Já, Marc Augé, na obra Formas de Esquecimento, postula antes a necessidade do esquecimento como a fuga necessária para o presente. Porque esse esquecimento é parte dialéctica essencial no processo anamenésico e caminho de regresso do passado para o presente. Na realidade, o culto desenfreado da memória traduz-se, tão só, na celebração celerada do efémero. Todavia, uma relação saudável com os nossos conteúdos mnésicos terá sempre de encarar o esquecimento como processo construtivo da memória, assumindo-se, à partida, que esta nos define enquanto seres únicos, moldando no Tempo a identidade dos Homens. Que passado preservar? – deverá ser sempre esta a questão primordial em termos patrimoniais. Decorre, logicamente, dos pressupostos atrás enunciados, que a identidade dos Homens – e das cidades ou vilas que edificam – está simbioticamente ligada à sua relação com a Memória. Aliás, na linha do que sustenta Daniel Schacter, como que comprovando a frase de José Saramago, “sem memória não existimos”. Por isso, urge, nessa relação afável com a Memória, descortinar, não só qual o passado a preservar, numa lógica de preservação do essencial, mas sobretudo que presente preservar. Dado que, inexoravelmente, este nosso presente será o passado a salvaguardar das gerações vindouras. Deste modo, só encontrando o ponto de equilíbrio entre o dever de memória e a necessidade de esquecer evitaremos o inelutável crepúsculo da memória na sociedade de informação. JOSÉ RAIMUNDO NORAS Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Autor da tese de licenciatura O Crepúsculo da Memória na Sociedade da Informação – que Limites Éticos para os Discursos Memorativos? (Coimbra, 2004). Foi orador convidado no X Encontro Nacional de Municípios com Centro Histórico, realizado na Nazaré em 2005, com o tema “Da Comemoração Total à Preservação do Essencial - Algumas considerações sobre a Memória na sociedade moderna”, de onde resulta o presente artigo. outubro 2005 18 3 de Setembro O FERIADO que a memória apagou Texto MÓNICA MAURÍCIO (*) evolução político-administrativa do concelho da Nazaré tem uma importância fundamental para a compreensão da História do mesmo, na sua actual configuração. Importa ter em conta que o termo Pederneira designava a vila que actualmente se conhece por Nazaré, e não apenas o lugar de Pederneira dos dias de hoje, fazendo então parte do concelho da Pederneira. A origem da Nazaré enquanto concelho é recente, na medida em que o local onde actualmente se situa o centro da vila da Nazaré se encontrava submerso pelo mar, sendo apontada a sua povoação apenas a partir do século XVIII. A origem e a configuração do concelho da Pederneira têm sido temáticas bastante discutidas. Desta forma ao facto de que a Pederneira teria sido concelho a 1 de Outubro de 1514, durante a reforma dos forais levada a cabo por D. Manuel I em todo o território nacional, opõe-se a tese de que «o verdadeiro e antigo foral que por D. Afonso Henriques fora concedido à mesma vila» (O Arqueólogo Português, Vol XXV, 1922) é que lhe teria dado origem. Existe ainda a teoria de que a existência da Pederneira enquanto concelho apenas se teria verificado após a extinção das ordens religiosas a 1834. A história do concelho da Pederneira não é contínua, já que este, por duas vezes se extinguiu. O concelho manteve a sua autonomia até 6 de Novembro de 1836, altura em que, por decreto provisório, foi anexado ao concelho de Maiorga, voltando a ser autónomo a 12 de Junho de 1837. Pela Reforma da nova divisão territorial para o serviço judicial e administrativo (Ministério dos Negócios Eclesiásticos e de Justiça, de 24 de Outubro de 1855-D.G. nº283), voltou o concelho de Pederneira a ser extinto, passando a integrar o de Alcobaça. Todo este processo de anexações e desanexações inscreveu-se no âmbito de uma organização territorial que teve lugar no ano de 1838, data em que se organizou o município moderno segundo as linhas mestras do liberalismo português. A Restauração do Concelho da Pederneira Por Carta de Lei de 11 de Junho de 1898, deu-se a restauração do concelho da Pederneira, tornando-se independente do de Alcobaça. Fica assim constituído pelas freguesias de Famalicão (que já tinha pertencido aos concelhos de Alcobaça e das Caldas da Rainha, a este último desde 8 de Setembro de 1895 até Maio de 1896), Valado dos Frades e Pederneira. Aquando o regresso da autonomia concelhia à Pederneira, esta já outubro 2005 não era a vila próspera de outrora. A Praia ocupava agora o lugar central, detendo o maior número de habitantes, sendo que com a dinamização do turismo tinha sofrido uma evolução, que lhe conferia o estatuto ideal para receber os Paços do Concelho. Como atenta J. C. Poças, «só em quatro meses do ano de 1875 se concluíram mais de 20 prédios para residência de banhistas». Deste modo, a Praia recebeu os serviços camarários, embora o concelho tenha continuado a designar-se Pederneira. No mês seguinte, funcionavam já todas as repartições públicas do Concelho da Pederneira. A 20 de Agosto, a Câmara Municipal deliberava, em sessão extraordinária, que as sessões camarárias fossem realizadas na casa de Alberto de Carvalho Remígio, na Rua da Alfândega, destinada a Paços do Concelho e alugada por 81 mil réis por ano. A rua onde se instalou a repartição da Câmara, passou a designar-se Rua 3 de Setembro, devido ao facto de ter sido nesta data que o arquivo camarário do antigo Concelho da Pederneira veio de Alcobaça. Uma vez instalados os serviços camarários na Praia, iniciou-se uma luta para mudar o nome do concelho, visto que já não fazia sentido a manutenção da designação Pederneira. Deste modo, o Concelho da Pederneira passa a denominar-se Nazaré a 18 de Dezembro de 1912. O Século de 5 de Junho de 1911 refere: «No tempo da monarquia falou-se, por mais de uma vez, em pedir aos governos para que fosse mudado o título do Concelho da Pederneira para o de Nazareth, apresentando-se com motivos justificativos o funcionamento das repartições nesta vila (...) e ainda Edifício dos Antigos Paços do Concelho, Pederneira. nazaré informa V. E. 19 Placa toponímica da antiga Rua da Alfândega o existirem aqui as repartições oficiais com os títulos de capitania do porto da Nazareth, posto fiscal e estação telegrafo-postal». O Alcôa de 30 de Agosto de 1917 notícia: «Há poucos anos devido ao incremento tomado pela população da praia, passou a denominar-se concelho da Nazaré». Festividades do dia 3 de Setembro Desde 1899, 3 de Setembro passou a ser a data escolhida para a comemoração do feriado municipal, celebrando o aniversário do restabelecimento do concelho da Pederneira. Nesta data decorriam várias festividades e todos os estabelecimentos oficiais fechavam portas. Deste modo, a 3 de Setembro de 1899, um ano após a restauração do concelho, foi inaugurado na Praça Sousa Oliveira um coreto, utilizado diversas vezes na comemoração do feriado, actuando nele várias bandas filarmónicas. As festividades desse feriado pressupunham a realização de concertos públicos, protagonizados pelas bandas da Marinha de Guerra, da Filarmónica do Valado, da Filarmónica Musical Nazarense, entre outras. A fachada do edifício onde se encontrava instalada a Câmara era iluminada e promoviam-se festivais artísticos, desportivos e taurinos. «Comemorando o 32º aniversário da Restauração do nosso concelho, a Filarmónica do Valado cumprimentou (...) as autoridades locais, percorrendo várias ruas da Nazareth e dando á noite concerto no coreto», relata o Notícias da Nazareth, de 7 de Setembro de 1930. «Foram queimadas muitas barricas de alcatrão, no mar e ao longo da base do promontório, subindo ao ar grande número de balões e sendo queimados muitos foguetes» (A Nazareth, 4 de Setembro de 1910). (*) Historiadora nazaré informa V. E. Desaparecimento do feriado de 3 de Setembro Com o desenrolar do tempo, a comemoração do feriado foi perdendo o seu carácter exuberante, dado que «este dia era assinalado (...) com alguns acontecimentos festivos, que ultimamente e nem sempre se limitam ao gasto de umas tantas dúzias de foguetes e morteiros», (Nazaré, Dezembro de 1956). Esta data foi comemorada até ao fim do ano de 1951, sendo publicado no ano seguinte o decreto nº38.596 de 4 de Janeiro de 1952, que veio estabelecer novas normas para os feriados municipais. «O decreto não acabou completamente com os dias de feriados municipais, antes os integrou dentro de um novo espírito que se encontra expresso no seu artigo 4: “relativamente aos concelhos em que se realizar alguma festa tradicional e característica, poderá o Governo por decreto do Ministério do Interior e do Ultramar, autorizar que as respectivas Câmaras Municipais considerem feriado o dia especialmente consagrado a tais festas”» (Nazaré, Dezembro de 1956). Esta medida foi contestada, visto que muitos eram os que gostavam ver restabelecido o feriado municipal a 3 de Setembro. Chegouse a pedir para que esta data fosse celebrada juntamente com as festas em honra da Nossa Senhora da Nazaré, a 8 de Setembro. Com o passar do tempo, caiu no esquecimento a comemoração da Restauração do Concelho, celebrando-se actualmente apenas o dia 8 de Setembro, feriado de cariz religioso. Fachada actual da casa de Alberto Carvalho Remígio, onde se instalou a Câmara Municipal a 3 de Setembro de 1898. CHEGADA DO ARQUIVO CAMARÁRIO «O arquivo camarário da antiga câmara da Pederneira veio de Alcobaça no dia de hoje [3 de Setembro de 1898], sendo recebido na ponte do Cardial - extrema do concelho - e acompanhado por muito povo até ao edifício que havia de servir de Paços do Concelho. A valiosa mesa que, durante séculos, serviu na sala das sessões nos Paços de Concelho da Pederneira e que era pertença da Câmara ficou em Alcobaça, por lá se negarem a entregá-la, embora tivessem perfeito conhecimento de que pertencia à Pederneira.» A Nazaré-Coisas ouvidas, lidas e vistas. José Pedro, in O Mensageiro, 1942. outubro 2005 20 ASCENSOR da Nazaré Texto MÓNICA MAURÍCIO, Historiadora Sítio e a Praia mantiveram, durante décadas, um distanciamento não só geográfico, mas sobretudo social. A construção de um ascensor, no fim do século XIX, veio pôr termo a este afastamento, propiciandose a ligação de uma mesma população dividida em dois pelo relevo geográfico. A 15 de Outubro de 1888, formou-se uma parceria sediada em Lisboa, que tinha como objectivo a construção de um ascensor na Nazaré, de que faziam parte o Dr. Tavares Crespo, Francisco Morais, Joaquim Carneiro D’Alcáçovas de Sousa Chicharro, José Eduardo Ferreira Pinheiro, Barão de Kessler e Raul Mesnier. A utilidade da construção de um ascensor advinha do facto de a Nazaré ser, já nesta época, uma estância balnear de grande importância, recebendo no Verão um grande número de visitantes, e de os habitantes da vila se encontrarem longe da Real Casa da Nazaré, actual Confraria da Nossa Senhora da Nazaré. Na deslocação entre o Sítio e a Praia havia somente uma estrada de grande distância e uma ladeira de areia solta. A escolha do autor do projecto recaiu sobre Raul Mesnier de Ponsard, engenheiro nascido no Porto, de ascendência francesa, autor e colaborador de diversos projectos de elevadores portugueses como, por exemplo, o elevador de Santa Justa em Lisboa, e discípulo de Gustav Eiffel. As primeiras experiências do Ascensor tiveram lugar a 19 de Maio de 1889, diante de um grande número de populares curiosos e incrédulos com a nova máquina. Esta experiência, contextualizada no final do século XIX, foi uma novidade tanto para a Nazaré como para Portugal, já que foi um dos primeiros elevadores do género a funcionar. A 28 de Julho de 1889, procedeu-se à inauguração do ascensor, ao som de música e foguetes, com a presença do Ministro das O outubro 2005 Obras Públicas e Fazenda, e com a cobertura jornalística da imprensa local, regional e da capital. Em homenagem à protectora da vila, o ascensor foi benzido e denominado de Nossa Senhora da Nazaré. Inicialmente, o ascensor funcionava apenas durante a época balnear (entre 15 de Agosto e 15 de Outubro, período em que grande número de turistas visitavam a Nazaré) desde as 6h da manhã até às 21h com carreiras regulares de meia em meia hora. Nas festas de Nossa Senhora da Nazaré, o horário estendiase até às 24h, e o preço dos bilhetes aumentava. Em Dezembro de 1922, o ascensor começou a funcionar durante o Inverno. «Tem trabalhado desde o princípio do mês o ascensor da Nazaré, inaugurando assim o novo serviço da época de Inverno. É um benefício muito sensível para as gentes que ao Sítio vão ou de lá vêm, e era uma quase necessidade, atendendo à importância crescente das relações de toda a espécie que deve haver e há de facto entre a Praia e o Sítio. Que o público saiba sentir esta necessidade, e o serviço manter-se-á para bem de nós todos e para proveito da empresa, está claro». (Jornal Probus de 5 de Dezembro de 1922) Devido à grande crise económica que se fazia sentir, cedo se percebeu que não se conseguiria lucro no ascensor durante o Inverno, pois as pessoas acabavam por ir a pé, visto que não possuíam dinheiro para pagar a viagem. «Esteve prestes a parar depois de transcorridos dois meses de serviços na presente temporada de Inverno, mas enfim sempre continuou trabalhando. Agora dizem-nos que parará definitivamente no fim do mês em que estamos. Se vai deixar de prestar-nos os seus serviços, é porque eles não são género de primeira necessidade, e servirá de explicação a este acontecimento a extraordinária falta de peixe que tem havido desde há meses e que tem exaurido as nazaré informa Carros originais do Ascensor, inaugurado a 28 de Julho de 1889 Álvaro Laborinho O ASCENSOR ORIGINAL E AS SUAS OBRAS DE MODERNIZAÇÃO O ascensor original possuía dois carros que comportavam 62 pessoas, lotação que podia ser aumentada para 100, desde que fossem retirados os bancos, o que acontecia frequentemente durante as festas de Nossa Senhora da Nazaré. Os bancos estavam dispostos no sentido longitudinal, com coxia ao centro, sendo a vedação lateral dos carros feita por grades de ferro corrediças que davam entrada e saída aos passageiros por quatro aberturas além das entradas principais, situadas na parte superior dos carros. Estes encontravam-se ligados por um cabo de aço e eram accionados através de uma máquina a vapor, proveniente da fábrica Esslingen-Machinen, na Alemanha. A linha dos elevadores encontra-se assente em leito próprio, deslizando numa extensão de 310m, com uma inclinação de 42%. O cabo funciona a descoberto sobre roldanas podendo, deste modo, ser facilmente vistoriado e limpo. Em 2002, o Ascensor da Nazaré beneficiou de um complexo processo de modernização que incluiu a substituição das velhas carruagens por um equipamento mais moderno e confortável, a recuperação da linha e chassis da estrutura e a beneficiação arquitectónica e funcional das gares. Um investimento de cerca de 1,5 milhões de euros e que teve como principal objectivo, não apenas a modernização do equipamento, mas essencialmente reforçar a vertente da segurança. Com esta intervenção, o Ascensor da Nazaré ficou dotado de condições que permitem o seu funcionamento à luz das apertadas directivas comunitárias no que concerne os meios de transporte por cabo. V. E. bolsas dos que dele vivem. Vai parar o elevador por falta de frequentadores, mas... fecharão acaso as tabernas por falta de bebedores.» (Jornal Probus, 20 de Fevereiro de 1923). Tal como sucede actualmente, o ascensor encerrava durante uma parte do ano, geralmente entre Abril e Maio, para se proceder às revisões e arranjos necessários, mantendo-se deste modo uma segurança constante. A 1 de Outubro de 1924, a Confraria da Nossa Senhora da Nazaré comprou o Ascensor, com o intuito de efectuar a angariação de meios para a manutenção do Hospital de Nossa Senhora da Nazaré e facilitar o acesso dos fiéis ao Santuário. Cerca de uma década depois, a 19 de Dezembro de 1932, a Câmara Municipal da Nazaré adquiriu o ascensor, no valor de 368.013$00, sendo ainda hoje o proprietário do imóvel. No contrato, ficou acordado que nos meses de Agosto, Setembro e Outubro os bilhetes seriam aumentados dez centavos, aumento destinado à manutenção do Hospital ou de outro estabelecimento de beneficiência dependente da Confraria da Nossa Senhora da Nazaré. Com o decorrer dos anos o ascensor foi sofrendo diversas alterações, como arranjos das gares, colocação de sinais sonoros, entre outros. «Os Serviços Municipalizados introduziram nos carros do elevador, sinais sonoros para advertir os passageiros da partida dos carros, assim como da aproximação do túnel e da chegada às gares, em especial à do Sítio, isto é das aproximações do perigo» (Nazaré, Setembro de 1958). Símbolo da Nazaré, o ascensor foi desde a sua abertura um sucesso, uma atracção única para o visitante da Nazaré que, maravilhado com a curta viagem, não a esquece, como nos revela este relato: «(...) instalado nesse elevador, que começa a descer lentamente, como um ruído mudo, por vezes bruscamente entrecortado como se lhe dessem um puxão mais violento. E outra vez, mas agora com um vigor mais intenso, a fúria dos carros, ao sair do túnel, a vasta amplidão das águas, as montanhas, tudo tão por baixo, de nós que parece que virmos mergulhar sobre a praia, descendo a prumo do céu, e essa dúvida fantástica quase nos obriga a fechar os olhos, tamanha é a atracção, tão rigorosa e empolgante é a sensação que nos domina. Mas pouco, as casas vão-se distanciando, está mais próximo o marulho das águas, as montanhas perdem-se no horizonte, e entramos solenemente e vagarosamente sob um alpendre» (José Sarmento, Praia da Nazareth). Ainda hoje, passado mais de um século desde a sua abertura, o ascensor mantém a sua função, transportando quotidianamente a população local e maravilhando milhares turistas presenteados com a viagem neste ex-libris nacional, ao visitar a tipíca Nazaré. Ascensor da Nazaré, Julho de 2005 Acidentes no Ascensor No dia 2 de Fevereiro [de 1930], à noite «na casa das máquinas do elevador da Nazareth e no momento em que os carros faziam uma das suas habituais carreiras, soltou fora do volante a correia, que o punha em movimento (...) dentro dos carros estabeleceu-se o pânico do qual resultou alguns passageiros saltarem à linha. (...) o condutor do carro, que começou a descer, vendo que o carro começava a ganhar velocidade, soltou os travões automáticos nazaré informa obrigando o carro a uma paragem brusca, mas evitando assim um grande acidente» (A Nazareth, 6 de Fevereiro de 1930). A 15 de Fevereiro de 1963 sucedeu outro acidente, mas bastante mais grave que o primeiro, resultando a morte de duas pessoas e dezenas de feridos, o elevador esteve encerrado durante um longo período, reabrindo a 1 de Abril de 1968, com a colocação de novos carros. outubro 2005 Texto Fotografia ANA POUSEIRO VÍTOR ESTRELINHA Manuela Soares, veterinária e entidade tutelar do Externato D. Fuas Roupinho Continuo a ver os alunos como os «meus meninos» A dra. Manuela Soares foi uma das primeiras veterinárias do País, numa altura em que a educação superior ainda era rara entre as mulheres. Quer falar-nos um pouco acerca disso? É verdade. Fiz a minha educação em Santarém, onde vivia com a minha família, e frequentei o Liceu Sá da Bandeira, juntamente com um reduzido número de alunos porque, nessa época, o estudo não era prioridade e era, até, considerado um luxo, sobretudo para as raparigas. Depois, fui para Medicina Veterinária que, então, era uma escolha esquisita para uma rapariga. Na verdade, fui a terceira mulher a ingressar neste curso em Portugal, fui a primeira veterinária municipal e a primeira a fazer clínica rural. A minha escolha foi um pouco difícil de acatar. O meu irmão achava que deveria fazer um curso diferente, mas tive alguém que me deu sempre força, o meu pai. outubro 2005 E porquê medicina veterinária? Achava melhor para mim, talvez um pouco influenciada por haver uma escola agrícola em Santarém. De início ainda pensei em ir para Direito porque, nessa altura, o 7º ano dava acesso tanto a letras como a ciências. No 7º ano, já dava explicações a uns alunos em matérias de ciências e fiquei entusiasmada. Escolhi então Medicina Veterinária e durante os três primeitos anos do curso era a única mulher. No quarto ano entraram mais duas colegas para o primeiro ano. Entretanto, a partir do terceiro ano tive sempre um colega de estudo que veio a ser meu marido. Conhecemo-nos logo no primeiro ano, mas começámos a ser colegas de estudo a partir do terceiro. Acabámos o curso e o meu marido ficou como veterinário municipal interino na Nazaré. No ano seguinte, foi aberto concurso, ele foi o melhor classificado e ficou. Dois anos depois de terminado o curso, foi chamado para a tropa e depois de passar por Mafra e Torres Novas, foi colocado em Caldas da Rainha fazendo o serviço de veterinário no quartel. Foi nessa altura que nos casámos e eu vim para a Nazaré para o substituir durante o serviço militar. Completada a tropa, regressou à Nazaré e passámos a trabalhar juntos. Ele retomou o seu lugar na Câmara Municipal. Como eram esses tempos? De início, foi muito difícil. A Nazaré é um concelho com seis quilómetros de raio e as pessoas estavam habituadas a chamar o veterinário de Alcobaça. Mas como nós éramos um bocadinho teimosos [risos], fomos tentando trabalhar o melhor possível, fazendo vacinações nos concelhos vizinhos. Entretanto, eu tive o meu primeiro filho logo 11 meses depois de casar e tinha de conciliar o trabalho com o facto de precisar de estar mais tempo em casa. nazaré informa 23 entrevista Obviamente, a Nazaré devia ser muito diferente nessa altura… Oh, era completamente diferente daquilo que é hoje. Sempre gostei muito da Nazaré, talvez por ter nascido cá, não precisei de beber água da fontinha [risos].Mas o meu marido, que era de Lisboa e que veio para aqui aos 24 anos, começou logo a dar-se com as pessoas. Nessa altura, reuniam-se na praça, no Café Oceano, que era o ponto de encontro… As senhoras só iam ao café no Verão; no Inverno, por sinal só ía eu [risos]. Lembro-me que só havia quatro médicos, não havia sequer um advogado, o conservador do registo civil vinha cá de vez em quando… Por isso, a comunidade era pequena, era quase uma família. Consequentemente, pessoas a estudar eram poucas e essas tinham que se deslocar a Alcobaça, Leiria ou Caldas da Rainha, o que se tornava muito dispendioso. Então, como surgiu o ensino nas vossas vidas? Durante as férias, apareciam pessoas de família e amigos que tinham outros familiares com exames para fazer na 2ª época. Começámos a dar explicações até que pensámos, em conjunto com dois professores primários, ensinar o 1º ano, isto em 1956. Alugámos então uma casa na rua Ruy Rosa, onde tínhamos sete alunos. Começámos logo a tentar legalizar a sala de estudo mas, entretanto, houve uma queixa do colégio de Alcobaça por estarmos a dar aulas. Veio um inspector que nos disse que os professores primários não poderiam colaborar connosco mas que nós tínhamos todas as possibilidades, legalmente, de darmos as aulas, mas apenas a cinco alunos por não termos instalações adequadas – só que nós já tínhamos sete e apareceram mais! Depois, passámos para o prédio do Varela, na Avenida de Olivença, numa cave. Começou a haver dificuldade de arranjar professores da Nazaré e, então, veio um licenciado em Francês de Caldas da Rainha que o meu marido tinha que ir buscar e levar porque não tinha carro. Contávamos também, em trabalhos manuais, com o capitão Frazão que chegou a ser Presidente de Câmara. E foi assim que começámos, caminhando para Lisboa a ver se conseguíamos o alvará para podermos funcionar. Não foi fácil, porque o Inspector do Ensino Particular umas ve- nazaré informa zes dizia que poderíamos abrir actividades, outras vezes dizia que não era fácil… Andámos muito tempo neste vai-vem para conseguir a licença. Finalmente, prometeunos o alvará mas foi dizendo que era preciso arranjar um edifício próprio. Nessa altura, já tínhamos três andares a funcionar como escola na Avenida de Olivença e obtivemos o alvará. Estivemos ali até construirmos o actual edifício. Não foi fácil, não tínhamos dinheiro, as dificuldades eram grandes, mas conseguimos que o terreno [das actuais instalações] fosse a hasta pública. O meu marido fez questão de ser eu a comprar, porque queria que o colégio fosse meu, e lá comprei o terreno a um preço muito acessível, isto à volta de 1958. A construção do Externato foi também uma luta difícil… Pois foi. Finalmente tínhamos o alvará e o terreno, mas faltava a construção. Contratámos uma firma que tinha feito obras no hospital. A certa altura, a obra parou por falta de dinheiro. Fizemos então um contrato no qual vendíamos o terreno, eles faziam a construção e nós pagávamos a renda. Foi assim que começámos e só mais tarde comprámos o edifício… Olhe, lembro-me de um episódio curioso. Ainda quando estávamos na Avenida de Olivença, veio um inspector de Lisboa - por sinal o pai de João de Deus Pinheiro - para fazer a inspecção das instalações. Depois de ver uma sala virou-se para mim e disse “Mas agora diga-me a senhora, o que quer, ensinar peixinhos do mar?”. Fiquei estarrecida e respondi-lhe: “pode ser que os peixinhos do mar se reproduzam”. Ele veio depois ver o edifício novo e perguntou-me quantos alunos tinha. Depois de responder, acrescentei: “Afinal não viemos ensinar peixinhos do mar, mas sim meninos e meninas!”. Bom, o tempo foi passando e começámos a ter bons resultados. Havia aulas de manhã e à tarde até às 17 horas, e depois até às 19 horas os alunos tinham aulas de estudo acompanhado. E, quando se portavam mal, também vinham à noite! Muitas pessoas da Nazaré passaram por estes bancos, não é? Sim. A primeira licenciada saída do Externato foi a Maria Gil Varela, que é médica em Coimbra. No dia em que se formou veio à Nazaré com dois ramos de flores, um deles para mim e outro para colocar na campa do pai. Foi um gesto que nunca esqueci. Hoje há imensas pessoas licenciadas que passaram por aqui, e continuo a vê-los como os meus “meninos”. Apesar de ser um estabelecimento de ensino particular, é conhecido que a dra. Manuela e o seu marido apoiaram os estudos de muitos alunos… É verdade. Claro que, sendo particular, os alunos tinham de pagar mensalidade, mas nunca houve aluno algum na Nazaré que, por falta de meios, tivesse que desistir. Não foi por não nos poderem pagar que deixavam de estudar e tirar um curso. Queríamos, através do ensino, fazer uma transformação da vida e da própria Nazaré. Qual o papel do Externato nessa modificação? Acho que houve uma modificação bastante grande. Há imensas pessoas que tiraram cursos que não teriam possibilidades de se deslocarem para outros locais. A própria mentalidade das pessoas da Nazaré modificou-se, perceberam que a educação não é um luxo mas uma necessidade de evolução. »»» BIOGRAFIA Apesar da sua família viver em Porto de Mós, Manuela Soares nasceu na Nazaré, onde residiam os avós maternos. Viveu em Porto de Mós até aos seis anos, quando a família mudou para Santarém, onde um irmão mais velho desenvolvia os seus estudos. Manuela concluiu o 7º ano no Liceu Sá da Bandeira e ingressou em Medicina Veterinária, em Lisboa. Aí conheceu Fernando Soares, um lisboeta que frequentava o seu ano e que viria a ser o seu companheiro de vida. Após a conclusão do curso, vieram ambos para a Nazaré, onde exerceram a profissão de veterinários e, entre diversos projectos de intervenção cívica, fundaram o Externato D. Fuas Roupinho, uma instituição que, ao longo de décadas, permitiu aos jovens da Nazaré estudar na sua terra, sem ter de sair para outras localidades. outubro 2005 24 Esse é um papel que ainda se mantém, não é? Não há ensino secundário público no concelho… Olhe, posso dizer que a construção da escola Amadeu Gaudêncio foi absolutamente ilegal, porque foi o presidente da Câmara da altura que resolveu fazer uma escola. Por lei, não pode ser construído um estabelecimento de ensino a menos de 4kms de distância de outro. Esta escola foi feita ao lado. Começou por ser provisória e esteve sem funcionar porque havia esse impedimento. Veio mais tarde o director regional da DREL falar connosco e com o actual presidente da Câmara, propondonos ele que o Externato ficasse com o ensino secundário, o ensino recorrente e um número estipulado de turmas no 3º ciclo, sendo que este último ponto nunca foi cumprido. Em contrapartida, ficou decidido que não nos oporíamos ao seu funcionamento. Não é fácil manter um estabelecimento destes, mas cá fomos fazendo o nosso melhor. Hoje mantemos contratos simples e de associação com o ministério da Educação, o que facilita o funcionamento. Que diferenças vê entre o sistema educativo de então e o de hoje? É muito diferente. Ao princípio, como eram menos alunos, eram mais dedicados aos professores. Os meninos começaram a ter outro espírito, mas aqui continua a ser ainda um pequeno paraíso se comparado com a realidade de outras escolas. As crianças hoje têm outra atitude, mas é a evolução própria dos tempos. É mais difícil ser professor hoje do que naquele tempo? Dei aulas até há três anos atrás e garantolhe que nunca tive o mínimo problema com os alunos. Lidava com eles de forma diferente, fazendo-lhes ver que a função deles aqui era estudar e a minha era ensinar. Agora, de vez em quando, já aparecem alguns alunos que criam alguns problemas, mas nada de muito grave. E quanto à motivação dos professores? Todos os professores, na sua grande maior estão motivados, e muitos deles foram outubro 2005 nossos alunos que voltaram à casa, e muitos deles estão cá há mais de 20 anos. São professores interessados, procuram adaptar o método de trabalho à turma. Para além do ensino, a senhora e o seu marido tiveram também uma forte intervenção social, nomeadamente a criação da CERCINA… Sim, o meu marido foi um dos sócios fundadores da CERCINA e foi ele quem esteve sempre muito ligado. Quando, há uns tempos, lhe fizeram uma homenagem na CERCINA, ele disse que o seu sonho era a criação de um lar residencial para acolher os deficientes mais idosos que, muitas vezes, já não têm familiares ou podem vir a perdê-los. Ele dizia que o Externato e a CERCINA eram as paixões da sua vida… Mas, muitas vezes, quando fazíamos clínica, era normal as pessoas não terem dinheiro para pagar. Então davam produtos da agricultura, ovos, etc., e isso ía tudo para a CERCINA. Quantas vezes a instituição não tinha dinheiro para pagar aos funcionários e era o meu marido quem pagava os ordenados… As coisas faziam-se de uma forma mais pura e dedicada, não havia subsídios para nada. Como foi a passagem de seu marido pela vida autárquica? Muito interessante. Enquanto ele esteve na Câmara, depois do 25 de Abril, foi a segunda vez que estive nas funções de vete- rinária municipal, a substitui-lo. O 25 de Abril foi uma alegria muito grande. Vínhamos de inspeccionar o peixe, como fazíamos todas as manhãs. Quando chegámos ao carro é que ouvimos pela rádio que tinha havido uma revolução, e quando nos apercebemos que era uma revolução democrática, foi uma alegria imensa! A Nazaré passou a ter uma vida completamente diferente, foi uma abertura enorme! Como vê Portugal agora? Não é a democracia com que sonhámos, mas Portugal está muito melhor. Lembrome de, quando era secretária da associação de estudantes da faculdade, sentir a opressão do regime e chegar a ter medo dos cavalos da Guarda Republicana nos passeios à saída da faculdade. Só o facto de ser uma mulher numa faculdade de rapazes… era suspeita. Qual a sua opinião sobre os cursos de especialização tecnológica instalados na Nazaré? Acho uma iniciativa óptima! É uma possibilidade das pessoas aumentarem os seus conhecimentos sem sair da própria terra e de melhorar os nossos recursos humanos. A educação não pode ser vista como um luxo. É pena que nem toda a gente possa tirar um curso, independentemente do seu trabalho. Talvez a sociedade fosse mais compreensiva se todos tivessem mais conhecimentos. nazaré informa O presidente da Câmara Municipal da Nazaré, Jorge Barroso, na cerimónia de atribuição do Prémio Nacional “Municípios de Futuro” PRÉMIO DISTINGUE MUNICÍPIO ENTRE OS MELHORES DO PAÍS Nazaré, um concelho de futuro No ranking dos municípios que mais investem no bem-estar das populações, o concelho da Nazaré surge em primeiro lugar no distrito de Leiria, e em 4º lugar no todo nacional. O ranking foi construído por um conjunto de individualidades convidadas pelo jornal “O Primeiro de Janeiro”, com base nos dados do Instituto Nacional de Estatística, referentes a 2003. Município da Nazaré foi o único, a nível nacional, a receber dois prémios na cerimónia promovida no passado dia 15 de Setembro, em Coimbra, pelo diário nortenho “O Primeiro de Janeiro”, que distinguiu os municípios portugueses que mais investiram no bem-estar das populações e no desporto [sobre este prémio em particular, ver página 40 desta revista]. A Câmara Municipal da Nazaré fez-se representar pelo presidente Jorge Barroso, que teve oportunidade de dirigir algumas palavras sobre a importância desta distinção. No âmbito desta iniciativa, a Nazaré classificou-se em 1º lugar no ranking do distrito de Leiria, e em 4º lugar a nível nacional, do Prémio Nacional “Municípios de Futuro”, criado para distinguir os concelhos com maior investimento no bem-estar e progresso sócio-económico. Assim, o concelho da Nazaré foi considerado como o que apresenta, no distrito de Leiria, a melhor média na relação “investimento/n.º de O eleitores”, no ano 2003, apresentando simultaneamente, segundo os promotores da iniciativa, «índices de crescimento e desenvolvimento bastante significativos». O júri, constituído por personalidades independentes seleccionadas pelo “O Primeiro de Janeiro”, teve em atenção áreas tão diversificadas como o ambiente, cultura, desporto, actividades sócio-económicas, património cultural e outras. Na área do ambiente, especificamente, foram analisados parâmetros como a gestão dos resíduos sólidos, a protecção dos solos e dos recursos hídricos subterrâneos, e a defesa da biodiversidade e das paisagens naturais. As despesas efectuadas por cada município a concurso, nestas áreas de intervenção, foram os principais critérios que fundamentaram o prémio atribuído. Os indicadores analisados pelo júri foram extraídos dos “Retratos Territoriais” do Instituto Nacional de Estatística, referentes a 2003. nazaré informa outubro 2005 26 BIVALVES: características e importância económica Texto CARLA MAURÍCIO (*) O s moluscos bivalves são um importante recurso na indústria da pesca. A procura de bivalves para consumo humano tem conhecido um aumento notável, o que se tem reflectido num maior volume de capturas, assim como uma maior produção em aquacultura. Esta crescente procura não pode ser dissociada do reconhecido valor nutritivo destes moluscos, nem das suas qualidades organolépticas (nomeadamente cor, odor, aspecto físico e sabor). No nosso país, os bivalves de maior importância económica e sujeitos a exploração são a amêijoa, a ostra, o berbigão e o mexilhão. Os bivalves são um grupo extremamente bem sucedido e diversificado, constituídos por duas valvas calcárias que encerram as partes moles. As valvas articulam-se numa charneira que possui geralmente, dentes, fechando-se devido à acção dos músculos. São animais exclusivamente aquáticos, mas podem ocorrer em ambientes de salinidade diversa como água salgada, doce ou salobra. A maioria das espécies é bentónica e vive junto ao fundo. Alguns bivalves, são organismos sésseis que se fixam ao substrato através do bisso (e.g. o mexilhão), uma segregação fibrosa, enquanto que outras espécies vivem enterradas nos fundos arenosos (e.g. amêijoa, berbigão, ostra). As espécies que vivem soltas podem deslocar-se através de propulsão conseguida por expulsão de água sob pressão e/ou pela acção muscular do pé. Os bivalves, para respirarem e alimentarem-se, filtram grande quantidade de água que atravessa as estruturas branquiais deixando nestas as partículas que se encontram em suspensão e se concentram no molusco. Devido à sua capacidade filtradora, estas espécies, podem ingerir e armazenar grandes concentrações de microorganismos que põem em causa o seu consumo pelo Homem, funcionando como vector de várias doenças como por exemplo a cólera, hepatites infecciosas, salmonoloses, etc... Tais factos fazem dos moluscos bivalves os organismos que melhor reflectem a qualidade da água em que vivem. Quando criados em ambiente adequado são um alimento de extraordinário valor nutritivo comparável aos ovos e ao leite fresco. setembro 2005 Sediemento Exalação (água do mar filtrada) Zooplanton Inalação (água do mar não filtrada) Algas Contaminantes Filamentos Branquiais Foto1. Identificação dos sifões (A) e do Pé (B) no Molusco Bivalve. REPRODUÇÃO Os bivalves são na maioria bentónicos, vivem junto ao fundo, mas na fase inicial do seu ciclo de vida, que não dura mais que um mês, são plantónicos (vivem livres na coluna de água). Estas espécies são na generalidade dióicas (sexos separados) e não apresentam dimorfismo sexual (diferença entre macho e fêmea), sendo impossível através de um exame macroscópico da gónada distinguir os sexos, e o seu estado de evolução, nazaré informa 27 ambiente Foto 2. Mexilhão macho (A) – cor esbranquiçada ou creme - e fêmea (B) – cor alaranjada. A B visto os organismos apresentarem uma massa visceral uniforme e esbranquiçada. No caso do mexilhão, torna-se possível distinguir os sexos através da coloração da gónada, apenas na fase que antecede a desova. As ostras apresentam a particularidade de em cada estação de desova, os organismos podem mudar de sexo, sendo então denominados hermafroditas sequenciais. Portanto, um mesmo Foto 3. A amêijoa fêmea na época da desova, emitindo os ovócitos para a água. indivíduo pode desovar como macho numa estação e como fêmea na seguinte desova, e assim sucessivamente. A produção de ovócitos (gâmetas femininos) e dos espermatozóides (gâmetas masculinos) é denominado gametogénese, no entanto o tamanho do bivalve, a temperatura e a quantidade e qualidade do alimento é indubitavelmente importante para iniciar este processo. A gametogénese ocorre durante o Inverno, podendo prolongar-se até ao início da Primavera. A desova, que consiste na libertação de gâmetas, pode ser provocada por diversos factores ambientais, tais como, a temperatura, estímulos químicos e físicos, corrente da água ou uma combinação entre estes ou outros factores. A presença de gâmetas na água provoca frequentemente desova noutros animais da mesma espécie. Os bivalves atingem a idade de maturação ao fim de 1 a 2 anos, a fecundação é externa, ou seja, os gâmetas são emitidos para a água, ocorrendo então a fecundação. Após a fecundação, ocorre o desenvolvimento embrionário, as células vão-se dividindo e depois de 12 a 18 horas, há a formação de uma lavra livrenatante, denominada trocófora. Passadas 24 horas da fecundação a larva assume o formato de D ou véliger. Essa larva já possui a capacidade de se alimentar, com o auxílio do velum, que também serve para natação. Quando completam 14 a 18 dias, as larvas deixam de ser plantónicas e começam a procurar um substrato ideal para se fixarem. Assim que se fixam, sofrem uma metamorfose, assumindo a forma definitiva, tendo porém um pequeno tamanho. (*) Bióloga Marinha Câmara Municipal da Nazaré < 1 hora Ciclo de Fecundação. 1 espermatozóides < 2 dias ovócitos 5 1- Fertilização; 2 2- Estado Larva-D; < 14 dias 4 4mm 35-40 dias 3- Larva Madura; 4- Juvenil; 10-14 dias 3 5- Crescimento. CURIOSIDADE TENHA EM ATENÇÃO A substância acumulada por estes animais é o glicogénio; durante a gametogénese o glicogénio é transformado em lípidos, por isso os bivalves mudam de sabor no verão. Este motivo, e o facto de no verão os bivalves serem mais sujeitos a contaminações bacteriológicas, estão na base do dito popular que “não se devem comer bivalves nos meses sem R”. - A fervura não destrói as biotoxinas (apesar de ser útil na eliminação das bactérias); nazaré informa - A depuração com água não elimina suficientemente as biotoxinas; - Os bivalves contaminados não têm cor, cheiro ou sabor diferentes dos próprios para consumo; - Quando os bivalves são colhidos em período de florescimento de microalgas produtoras de biotoxinas, a água do mar não apresenta necessariamente coloração invulgar. setembro 2005 28 INVASORAS Texto SUSANA POÇAS (*) ntende-se por espécie invasora aquela que se expande naturalmente sem intervenção do Homem em habitats naturais ou semi-naturais, provocando alterações, na estrutura, na composição ou nos processos dos ecossistemas, sendo frequentemente espécies exóticas. A espécie exótica é aquela que após ter sido introduzida acidental ou intencionalmente pelo Homem se fixa fora da sua área de distribuição natural. As espécies vegetais exóticas E V.E V.E ESPÉCIES VEGETAIS setembro 2005 invasoras têm características comuns a sua elevada fertilidade quando comparadas com as espécies nativas (o mesmo que indígenas, espontâneas ou autóctones), possuindo mecanismos de dispersão eficazes, elevada longevidade das suas sementes, elevada capacidade competitiva, tolerância à sombra, crescimento rápido das suas raízes, resistência ao pastoreio e ausência de inimigos naturais. Em Portugal, nos dois últimos séculos, a percentagem de espécies vegetais exóticas aumentou 1000%, em 1800 existiam cerca de 33 espécies sub-espontâneas listadas (espécies deslocadas acidental ou intencionalmente para zonas onde não existiam, onde se multiplicam e propagam sem intervenção do Homem) e, actualmente temos cerca de 500. Deste número, 40% são espécies consideradas potencialmente invasoras ou invasivas, incluindo as invasoras de habitats naturais e infestantes agrícolas, sendo que 7% são consideradas como invasoras perigosas no território português. As espécies sub-espontâneas podem-se manter estáveis durante muito tempo até que algum fenómeno facilite o aumento da sua distribuição: um fogo, uma tempestade, a alteração do uso do solo, etc. Estas perturbações resultam muitas vezes na abertura de clareiras vazias que constituem uma excelente oportunidade para uma espécie invasora se fixar. Com aumento das alterações climatéricas globais, é possível que estas perturbações sejam mais frequentes, agravando os problemas de invasão. O aumento da distribuição da espécie invasora depende da sua taxa de crescimento e reprodução, mecanismos de dispersão e características do habitat invadido pelo que, após interagirem com as espécies vegetais e animais que as rodeiam, podem ou não estabilizar. A maioria das espécies introduzidas não nazaré informa chegam a tornar-se invasoras. Em Portugal das 400 espécies vegetais introduzidas, apenas 27 são classificadas como invasoras, nos termos do Decreto-Lei 565/99 (chorão das praias, acácias, ervacanária, azedas, figueira-do-inferno e jacinto-de-água são alguns exemplos destas plantas). Este diploma regula a introdução na Natureza de espécies não indígenas, com excepção das destinadas à exploração agrícola, visando promover o recurso a espécies autóctones para os mesmos fins. Este decreto proíbe a disseminação ou libertação de espécimes de espécies não indígenas, visando o estabelecimento de populações selvagens e listando as espécies invasoras e as que comportam risco ecológico. Proíbe ainda a comercialização, cultivo, transporte, criação, exploração económica e utilização como V.E. ambiente planta ornamental ou animal de companhia das espécies identificadas. Os impactos mais comuns das espécies invasoras nos ecossistemas são: a diminuição da biodiversidade, pois promovem a substituição das comunidades de elevada diversidade existentes, por outras pouco diversificadas de invasoras; a alteração do regime de fogos e quantidade de água disponível; a alteração da disponibilidade de nutrientes no solo; a alteração de processos geomorfológicos; e a extinção de espécies autóctones, entre outros. Todas estas alterações têm efeitos profundos na composição da flora e fauna da região afectada, alterando por completo a sua paisagem, contribuindo para a diminuição da biodiversidade à escala mundial. Assim, devido à dificuldade em controlar as espécies invasoras em todas as zonas atingidas, torna-se imprescindível o estabelecimento de áreas e espécies prioritárias. É importante começar pela prevenção, evitando quer a introdução de espécies com potencial invasor, quer de novas espécies cujo potencial invasor é desconhecido. A educação ambiental é fundamental, de forma a minimizar as introduções acidentais, alertando para as ameaças que representam e envolvendo cada um na resolução deste problema. É também importante o investimento na gestão de áreas invadidas, estabelecendo metodologias de controlo das espécies já invasoras e restringindo a introdução de novas espécies potencialmente invasoras. (*) Técnica Agrícola na Câmara Municipal da Nazaré V.E. V.E. V.E. Remoção de espécies invasoras no concelho da Nazaré No sentido de implementar um plano de gestão de controlo da acácia no concelho da Nazaré, a autarquia iniciou uma campanha de erradicação da acácia, nomeadamente das espécies Acacia longifolia e Acacia melanoxylon. A primeira acção decorreu na área envolvente do mercado municipal de Valado dos Frades, onde se cortou e tratou todas as acácias e se efectuou, igualmente, a remoção do chorão-das-praias (Carpobrotus edulis), vulgarmente conhecido como bálsamo, espécie também de grande potencial invasivo. Esta iniciativa contou com o apoio da Câmara Municipal da Nazaré. Recentemente, iniciaram-se os trabalhos numa área invadida por acácias nas Matas Nacionais, próximo do Monte de S. Bartolomeu. Os trabalhos consistem no controlo físico de arranque das plantas jovens, efectuando a remoção da raiz e, nas plantas adultas, procedendo-se ao corte das árvores no colo (transição raizcaule), seguido de controlo químico, cuja aplicação é quase imediata uma vez que, quanto menor for o tempo entre o corte e a aplicação do produto, maior será a sua eficácia. Neste sentido, utiliza-se um fitocida selectivo, não residual, cuja substância activa é o glifosato. A longo prazo, e dada a elevada longevidade das sementes no solo, será necessário reforçar esta intervenção através de um acompanhamento posterior, de forma a remover manualmente as plântulas do solo. Mª Laura Anastácio setembro 2005 GEOLOGIA no Verão Um passeio pelas estórias das rochas companhado pelo pai, residente em Alcobaça, o pequeno explorador está disposto a tirar o melhor partido de uma aventura pelo passado geológico da Nazaré. Pode não compreender a maior parte da informação que é transmitida aos outros participantes, todos adultos, mas passear pelas rochas e pelas dunas «é muito giro». O ponto de partida desta acção, intitulada “Milagres da Geologia no Sítio da Nazaré”, é o Santuário de Nossa Senhora da Nazaré. Hoje, o grupo é heterogéneo em termos de faixas etárias e proveniência dos participantes. Alguns são “veteranos” das acções do “Geologia no Verão”, promovido pelo projecto Ciência Viva, percorrendo diversos pontos do País. Mas, na opinião de uma professora aposentada, oriunda da região de Coimbra, o litoral Oeste, em geral, e a Nazaré, especificamente, são «dos locais A setembro 2005 mais interessantes» e «as acções muito bem organizadas». Participar nesta actividade significa recuar qualquer coisa como 100 milhões de anos, até ao período Cretácico. Mais recente do que o Jurássico da Serra da Pescaria (a formação geológica mais remota existente na área do concelho da Nazaré), mas ainda assim um período longínquo em que se deu a chamada deriva dos continentes e o que é hoje a Europa separou-se da América. A maior parte das rochas existentes na região formaram-se a partir dessa altura. São rochas sedimentares, formadas debaixo de água e próprias de ambiente marinho, por isso muito fossilizadas. Logo, como salienta a geóloga Maria Laura Anastácio, responsável pelas acções no concelho da Nazaré, são rochas que registam, tal papel químico, o passado da Terra, contendo informações preciosas sobre a paleontologia, a biologia e os ambientes dessas épocas remotas. Depois de alertados para esta situação, e em pleno passeio pelo promontório da Nazaré, não foi difícil aos participantes aperceberem-se da enorme quantidade de fósseis marinhos que existem à nossa volta ou debaixo dos nossos pés. Mas, entre muitas outras “preciosidades” geológicas de que o promontório e a zona envolvente à Praia do Norte são riquíssimos, a guia desta visita chama a V.E. V.E. Quando é que vemos as pegadas dos dinossauros? A ingénua pergunta chega feita pelo Afonso, seis anos cheios de curiosidade e um mundo inteiro por descobrir. O crocodilo de borracha na sua mão não engana: este jovem “cliente” do programa “Geologia no Verão” gosta de répteis grandes e sabe ao que vem. Mas nem mesmo quando alguém no grupo lhe disse que as pegadas dos dinossauros existentes na Serra da Pescaria não faziam parte do programa da visita desse dia, mas sim do dia seguinte, o entusiasmo do Afonso esmoreceu. 31 atenção para a existência de vestígios de basalto na estrutura do Promontório, que é essencialmente calcário. «Trata-se de um milagre geológico», afirma Maria Laura Anastácio, explicando que é um filão difícil de identificar e que não se conhece como ele está orientado no interior do promontório, nem qual a sua extensão. Na opinião da geóloga, poderá ter sido esta estrutura interna basáltica (de origem magmática e, portanto, mais dura) que permitiu ao promontório da Nazaré manter uma estabilidade que o fez sobreviver, mais do que toda a área à sua volta, aos fenómenos da erosão. Os sinais da erosão – fenómeno geológico permanente – estão patentes por toda a paisagem circundante. Durante a visita, o grupo passa, na encosta do promontório virada a norte, por um “grand canyon” em miniatura, ou seja, pequenos vales muito sulcados que exemplificam, à escala, os efeitos erosivos das águas escorrenciais. Também a Praia do Norte tem os seus mistérios. Ficámos a saber, por exemplo, que a magnífica cor avermelhada que a gruta do Forno d’ Orca apresenta ao pôr-do-sol se deve à presença de arenitos muito brilhantes, sobretudo mica, que reflectem a luz. E que lá se pode ver uma chamada “estrutura de impacto”, um cone de rocha destruído devido, certamente, a um fenómeno sísmico intenso, e que foi recentemente capa de uma revista científica. Depois destas curiosidades geológicas, a visita prosseguiu rumo à Duna da Aguieira, reconhecida internacionalmente como a maior duna consolidada da Europa. Apesar de não ter conseguido a classificação como “geomonumento”, solicitada também aquando da classificação do Monte de S. Bartolomeu, a Duna da Aguieira é um interessante testemunho de preservação de areias dunares pela vegetação do pinhal de Leiria, que permitiu a sua fixação. Não sendo possível o acesso automóvel, atingir a duna exige alguma dose de esforço físico; logo recompensado, porém, com a vista que é possível alcançar do alto dos seus 156 metros de altitude. O passeio pelos “Milagres da Geologia no Sítio da Nazaré” ficou concluído com uma visita ao Museu Etnográfico e Arqueológico Dr. Joaquim Manso, onde estão expostos alguns interessantes testemunhos deste passado longínquo, a cuja história apenas temos acesso através das rochas. V.E. V.E. património natural NAZARÉ CRIA PERCURSOS PEDESTRES “Rota dos Milagres” é como se chamará o primeiro percurso pedestre no concelho da Nazaré. O projecto está actualmente em fase de desenvolvimento pela Câmara Municipal em parceria com o Clube Ibérico de Orientação e Montanhismo, que colabora na organização deste percurso de pequena rota. A elaboração de um percurso pedestre é a criação de uma infra-estrutura desportiva que favorece o desenvolvimento turístico sustentável em harmonia com o espaço natural e com a população. Esta infra-estrutura é um espaço que permite a realização de um conjunto muito diversificado de actividades. Para além do aspecto desportivo e lúdico do pedestrianismo, as actividades podem revestir carácter cultural, pedagógico, ambiental e ecológico, como ocupação de tempos livres de uma forma activa e saudável em contacto com a natureza e dando a conhecer, ao mesmo tempo, novos caminhos, locais, regiões, tradições, fauna, flora e a paisagem natural e construída. A “Rota dos Milagres”, o primeiro de um conjunto de dois que estão em fase de desenvolvimento, é um percurso circular com início e finalização junto ao Santuário da Nossa Senhora da Nazaré. Tem um total de 12 kms de extensão, abrangendo áreas de paisagem diversificada como dunas, pinhal, mata mediterrânea e área urbana com vários locais de interesse cultural e patrimonial. A marcação do percurso é feita através de placares informativos e marcas ao longo do caminho, utilizando as regras homologadas pela Federação Portuguesa de Campismo. O outro percurso em estudo localiza-se numa zona da Serra da Pescaria e do Salgado, com uma extensão ligeiramente inferior e será denominado “Rota dos Trilhos”. Este percurso vai permitir a realização de actividades mais viradas para o património natural e, especialmente, o geológico e paleontológico. PASSEIOS “Nazaré: Uma terra moldada pelo mar“ 16 e 22 de Outubro - 10.00 horas Santuário de Nª. Srª. da Nazaré Inscrição gratuita - Telf. 262 56 11 94 Duração: todo o dia setembro 2005 ambiente BIBLIOTECA DE PRAIA, Crianças aprendem com “Bichos d’Água” V.E. Foi com grande entusiasmo que, no passado dia 18 de Agosto, cerca de sessenta crianças participaram no projecto “Oficinas Bichos d’Água” que teve lugar na Biblioteca de Praia da Nazaré, numa acção integrada no programa Bandeira Azul. Este projecto pedagógico, cuja temática é o ambiente, tem por missão levar aos mais jovens, através de metodologias experimentadas, um atelier lúdico, animado e cheio de cor que, a partir de materiais reciclados, ajuda-os a construir os seus novos “amigos” marinhos. Em plena praia, através de práticas de animação interactiva, as crianças foram convidadas a construir, a partir de lixo “FUNDO LIMPO” lança alerta sobre lixo subaquático V.E. Porque sensibilizar para o problema da poluição e degradação dos fundos marinhos é uma tarefa urgente, cerca de sete dezenas de mergulhadores participaram, no passado dia 3 de Setembro, na acção “Fundo Limpo”, promovida pela Câmara Municipal e pelo Clube Naval da Nazaré. Ao longo da enseada, na zona entre a Pedra do Guilhim e a linha de praia, os mergulhadores procederam à recolha de mais de cinquenta quilos de detritos que estavam sob as águas, numa acção que envolveu 14 embarcações e participantes oriundos da Nazaré, Alcobaça, Marinha Grande, Figueira da Foz e Lisboa. Grande parte dos detritos recolhidos pelas equipas de mergulho consistiu em restos da actividade piscatória, nomeadamente redes, cabos, covos e ferros. Contudo, foram também setembro 2005 doméstico (garrafas de água, cartão do leite e outros materiais) representações tridimensionais e/ou articuladas de animais que, naturalmente, vivem na ou da água (golfinho, tartaruga, etc.), ao mesmo tempo que recebiam informação sobre temas como a cadeia alimentar e a preservação do ambiente, entre outros. A vertente de comunicação adoptada pelos monitores responsáveis por este projecto permitiu que os jovens que nele participaram desenvolvessem o seu discurso oral e escrito, dando-lhes oportunidade de criarem as suas próprias histórias e de transmiti-las, sem bloqueios ou inibições, colocando à prova o seu espírito inventivo. retirados latas, garrafas e até chapéus-desol, entre outros tipos de resíduos. Promovida no âmbito da “Bandeira Azul Nazaré 2005” e do projecto AWARE, da PADI (Professional Association of Diving Instructors), a acção “Fundo Limpo” tem como principal objectivo, mais do que a quantidade de lixo recolhida, alertar a opinião pública para as consequências da acção humana sobre os ecossistemas marinhos e, em particular, para a poluição dos oceanos. A educação para a sensibilidade ambiental é uma das principais linhas de actuação do projecto AWARE (Aquatic World Awareness, Responsability and Education), em que participam o Clube Naval da Nazaré e a Câmara Municipal, através desta actividade. “A preservação começa com a compreensão da necessidade de proteger as águas necessárias à vida», defende a AWARE. A acção “Fundo Limpo” contou com a colaboração da Capitania do Porto da Nazaré, Escola de Mergulho ANFIBIUS, Escola de Navegação NOROESTE e Associação de Mergulho da Figueira da Foz. nazaré informa V.E. 33 Veados regressam aos pinhais do Sítio da Nazaré Uma das representações mais famosas do imaginário nazareno prendese com o milagre de Nossa Senhora, cuja intervenção divina salvou D. Fuas Roupinho de se precipitar nas falésias do Sítio quando perseguia um veado. Na fronteira entre o mito e a história, permanece o facto de, há vários séculos, as matas circundantes ao Sítio da Nazaré terem sido habitadas por espécies de caça grossa, nomeadamente cervídeos, que foram desaparecendo ao longo do tempo. Agora, os veados estão de regresso ao pinhal de N. Sra. da Nazaré, numa acção de reintrodução cinegética destinada a fins educativos e de sensibilização ambiental. Mas quais as principais características destas espécies? Qual o seu contributo para a biodiversidade local? Eis uma abordagem inicial ao universo dos cervídeos Texto ANA MARIA FAUSTINO ARSÉNIO (*) veado é um animal de grande porte da família dos cervídeos (Cervidae) , forte, mas ágil e prudente. Esta família inclui animais mamíferos ungulados ruminantes, isto é, mamíferos que têm o casco dividido em duas secções ou dedos e cujo estômago é multi-compartimentado para maior aproveitamento dos vegetais de que se alimentam. Na família do veado estão incluídos o corço (Capreolus capreolus), o gamo (Dama dama), o alce (Alces alces) e a rena (Rangifer tarandus). O veado (Cervus elaphus) ocorre em quase toda a Europa estando ainda representado ao nível da sub-espécie no Norte de África, Ásia Menor, Tibete, Caxemira, Turquemenistão e Afeganistão, tendo sido introduzido na Austrália e Nova Zelândia. Na Europa, o veado existente na Península Ibérica é considerado uma subespécie diferente das que ocorrem na Europa Central, Escócia, Córsega e Sardenha. O macho é denominado veado e a fêmea cerva ou veada (em português antigo). O veado é o segundo maior cervídeo europeu, imediatamente a seguir ao alce. O peso dos machos varia conforme as regiões podendo atingir os 350 kg na Europa Central mas na Península Ibérica, em con- O nazaré informa dições naturais, raramente excede os 250 kg. As fêmeas podem atingir os 150 Kg. Ambos, machos e fêmeas fazem mudança de pêlo com a passagem da estação. Assim, o veado apresenta pêlo castanho avermelhado durante o Verão e castanho escuro no Inverno. As crias até aos dois meses de idade apresentam manchas brancas dorsais, que favorecem a camuflagem na vegetação. Dois caracteres que diferenciam o veado de outros cervídeos são a cauda e o escudo anal. A cauda é curta, acastanhada e sem tons de preto. O escudo anal corresponde a uma zona em torno do ponto de inserção da cauda, característico dos cervídeos, em que o pêlo é mais claro. No caso do veado esta zona tem tons amarelados. Tal como quase todos os machos das espécies pertencentes à família Cervidae, os veados possuem hastes. As hastes As hastes são formações de natureza óssea ao nível do crânio, que todos os anos caem após a época da reprodução e se tornam a desenvolver no mesmo ano, ao contrário do que se passa no grupo dos bovinos que possuem estruturas equivalentes, de natureza permanente, denominadas por cornos. O crescimento das hastes é determinado por processos de natureza hormonal. Com a excepção da rena, cuja fêmea possui has- tes, apenas os machos dos cervídeos apresentam aquele tipo de formações ósseas. As hastes, enquanto crescem, encontramse cobertas por uma epiderme denominada por veludo extremamente rica em vasos sanguíneos que protege e irriga a haste em desenvolvimento. Quando a haste atinge o tamanho final para esse ano, a rede de vasos sanguíneos seca, o veludo cai, e a parte óssea fica exposta. Após a época de reprodução, as hastes caem mas passadas algumas semanas inicia-se um novo ciclo de crescimento anual com o desenvolvimento de novas hastes. Geralmente, em cada ano, as hastes aumentam de tamanho e em número de ramificações ou pontas, existindo por isso uma relação entre a idade do macho e o tamanho das hastes (Figura 1). Sabe-se no entanto que a qualidade da alimentação, mais do que a idade do indivíduo, é um dos mais fortes condicionantes do tamanho das hastes. Factores genéticos estão também envolvidos nestes processos. A idade dos veados pode ser avaliada pelos dentes, mais precisamente pelo desgaste dos molares, à semelhança de outros herbívoros e ruminantes. Para que servem as hastes? As hastes são sobretudo utilizadas durante as lutas entre machos na altura da reprodução. Devido à morfologia que apresetembro 2005 34 sentam têm tendência para se entrelaçar durante as lutas e funcionam mais como “medidores de força” do que propriamente instrumentos para ferir ou matar o antagonista nos despiques entre machos. O tamanho e complexidade das hastes estão curiosamente relacionados com o tipo de organização social dos cervídeos durante a reprodução. As espécies como o veado, com tendência para possuir hastes maiores e mais ramificadas, apresentam poligamia, isto é, formas de reprodução em que cada macho copula com várias fêmeas e possui geralmente um harém de fêmeas. Cervídeos, como por exemplo o corço, com hastes mais pequenas e menos ramificadas tendem para sistemas onde a monogamia é mais frequente. Dentro de cada espécie o tamanho das hastes está directamente relacionado com o tamanho corporal, por isso os machos que possuem hastes maiores e mais ramificadas são também os mais corpulentos e dominantes. Nestes casos as diferenças de tamanho corporal entre machos e fêmeas (ou dimorfismo sexual) aumentam. Nas espécies animais, as situações de maior dimorfismo sexual coincidem também com os casos em que a poligamia é mais frequente. Influência do habitat na gestão de veados Para se averiguar qual a densidade ideal biodiversidade FIG. 1 Representação de hastes de veados com idades compreendidas entre seis meses a um ano (a), com dois anos (b), com três anos (c), com cinco anos (d), com seis anos (e) e com sete anos (f). FIG. 2 Representação das partes constituintes de uma armação de veado. Nota: as figuras são ilustrativas dos veados introduzidos no cercado do Sítio da Nazaré coroa ponta intermédia contra-estoque para um determinado habitat ter-se-á de analisar o estado físico dos animais e a sua dinâmica populacional. Esta definição da densidade ideal deve por sua vez ter em atenção a capacidade de suporte do meio, podendo ser preferível manter a densidade dos veados inferior a esta capacidade para: evitar um impacte negativo no ambiente onde os animais vivem; melhorar a condição física dos animais; incrementar a fertilidade das fêmeas; aumentar a sobrevivência das crias; aumentar o valor do troféu; e aumentar as taxas de recrutamento. A escassez de alimento, resultante de uma densidade populacional elevada, afectará primeiro os machos (principalmente os mais roseta estoque velhos) por haver quem admita serem mais fracos competidores por alimento do que as fêmeas, situação que começará por reflectir-se na diminuição da qualidade do troféu [*]. De uma maneira geral será preferível ter um número idêntico de machos e fêmeas, ou mesmo estar em número ligeiramente inferior, pois a maior capacidade das fêmeas na competição pelo alimento desfavorece a nutrição dos machos. As acções de gestão vão no sentido de reduzir o número de animais (normalmente os de pior condição física) para níveis que o meio tenha capacidade de suportar, no sentido da diversificação e aumento da quantidade de alimento com renovação de pastagens, plantação de árvores produtoras de fruto e mesmo suplementos alimentares em comedouros. Os habitats do veado O veado ocupa uma grande variedade de habitats. Na Europa Central, o tipo de V.E. A Confraria de Nossa Senhora da Nazaré e a Câmara Municipal deram início a uma acção de repovoamento de uma área de cerca de seis hectares, na zona da Praia do Norte. Nesta fase, foram introduzidos três exemplares. O principal objectivo é criar um novo espaço de características lúdico-pedagógicas. setembro 2005 nazaré informa V.E. habitat mais comum é constituído por floresta de resinosas ou folhosas com várias clareiras onde cresce erva. Na Escócia as populações de veado são muito abundantes nas vastas áreas de urze existentes nas “Highlands”, enquanto que na Península Ibérica é frequente a presença do veado nos matagais de esteva e nos montados, sobreirais e azinhais com algum mato, embora esta espécie procure sempre clareiras onde cresça erva necessária à alimentação. Os eucaliptais, pela tranquilidade que oferecem, constituem importantes zonas de refúgio para o veado em Portugal e Espanha. Quando estas áreas de eucaliptal se encontram perto de áreas de montado de azinho e sobro é frequente o movimento de animais entre os dois tipos de áreas. No Tejo Internacional, o reaparecimento natural do veado iniciou-se em meados dos anos 80, proveniente da população espanhola vizinha. Tal reaparecimento é uma consequência das condições de expansão criadas pela alteração da paisagem que se fez sentir em terras espanholas, e depois em Portugal, em resultado do êxodo rural. Reintrodução de veados No caso de um grupo de veados introduzidos na Serra da Lousã, recorreu-se a técnicas de rádio-telemetria para efectuar o estudo da utilização do espaço ao longo do tempo. Os animais provinham de outras regiões de Portugal Continental sendo o grupo constituído por quatro fêmeas, dois machos adultos e um macho com um ano. Durante os primeiros cinco meses os animais permaneceram próximo das áreas de largada, que se caracterizava pela presença de um coberto florestal essencialmente de folhosas e pela presença de uma pequena massa de água. Apesar das diferenças observadas entre os animais seguidos em termos de áreas ocupadas e de comportamento alimentar, os indivíduos apresentaram uma forte sobreposição em termos de áreas utilizadas, passando a maior parte do tempo muito próximo do ponto de largada, o que se traduz numa reduzida nazaré informa dispersão. Os resultados obtidos evidenciam que a escolha do local de largada é um factor muito importante no processo de re-introdução do veado. A presença de áreas de alimentação de qualidade juntamente com a presença de coberto de abrigo e existência de água, para além do baixo nível de perturbação humana, são factores determinantes para evitar fenómenos de elevada dispersão. Dieta alimentar A bolota é um importante recurso alimentar que o veado encontra nos montados durante a estação do Outono/ Inverno. Na alimentação são ainda incluídas ervas diversas, frutos, rebentos de árvores e arbustos, variando o consumo com a qualidade e quantidade de alimento disponível no terreno e as necessidades fisiológicas da espécie (crescimento das hastes nos machos, períodos de aleitamento e gestação das fêmeas, por exemplo). O conhecimento da dieta de uma espécie torna-se imprescindível para a fundamentação da sua correcta gestão e ordenamento. O estudo da dieta alimentar dos veados pode ser feito através da técnica da análise micro-histológica das fezes, para reconhecimento das epidermes das diferentes espécies vegetais encontradas. Maia et al. (8) realizaram colheitas de fezes durante a época de reprodução, entre Setembro e Novembro de 1994. Os resultados observados relativamente à composição da dieta no mês de Setembro, demonstram uma composição em vegetação lenhosa da ordem dos 68,7% e herbáceas cerca de 31%. Relativamente aos meses de Outubro/Novembro, a bolota surge já com grande significado, reduzindo-se a participação das lenhosas para 20,3% e das herbáceas para 24,8%. Estes dados, embora de forma meramente indicativa, demonstram já a importância da manutenção de um coberto arbóreo, como base para a disponibilização de uma componente de alto valor nutritivo como a bolota. Outra técnica para o estudo da dieta é a análise dos n-alcanos (hidrocarbonetos saturados de cadeia longa constituintes específicos de cada espécie de planta) para investigação da nutrição destes animais. O procedimento já foi utilizado com sucesso em zonas temperadas estando em validação como ferramenta para o estudo da dieta do veado na área do Mediterrâneo. A organização social e a reprodução Com excepção da época de reprodução, machos e fêmeas encontram-se segregados e ocupam áreas geográficas diferentes durante a maior parte do ano. Os machos constituem-se em grupos relativamente numerosos enquanto as fêmeas tem tendência para se agrupar em grupos matriarcais constituídos normalmente por uma fêmea adulta, a sua filha e neta ou filha do ano anterior. Durante a época de reprodução a segregação sexual deixa de ser evidente, e nesta altura os machos constituem e defendem haréns de fêmeas ou protegem das incursões de outros machos, territórios onde ocorram fêmeas. É durante a época de reprodução, entre Setembro e Novembro consoante as regiões, que acontecem as lutas e despiques entre machos. Muitas vezes existe apenas uma “avaliação” de forças entre competidores, através da intensidade e volume de “bramidos” emitidos pelos machos. Este som, com semelhanças com o mugir das vacas, é uma das mais fortes características da época de reprodução do veado. Por este motivo esta época toma também o nome de brama. As fêmeas são fecundadas nesta altura do ano vindo as crias a nascer cerca de sete a oito meses mais tarde entre Maio e Junho. (*) Engenheira agrónoma [*] Designação dada à armação dos veados, que pode ser considerada um troféu de caça. Nota do Editor: Por ser muito extensa, não se indica a bibliografia usada pela autora. No entanto, os interessados poderão solicitar as referências bibliográficas através do e-mail [email protected] setembro 2005 36 requalificação Miradouro EN 8-5 S N Entrada junto ao Centro Comunitário Parque da Pedralva vai ser alvo de uma intervenção de recuperação, visando a sua valorização enquanto espaço público e, sobretudo, enquanto zona verde privilegiada no centro da Nazaré. As mais recentes perspectivas relacionadas com ordenamento do território e valorização da vida urbana estabelecem os espaços verdes como uma parte fundamental da urbe – locais de encontro, partilha, lazer e coesão social e, simultaneamente, espaços urbanos ambientalmente sustentáveis. O Estes espaços, todavia, devem corresponder também às necessidades da comunidade onde se inserem, nomeadamente a crescente aspiração a uma maior qualidade de vida. Da mesma forma, os espaços verdes devem ser, também, o prolongamento da identidade cultural local. Foi com base neste entendimento que a Câmara Municipal da Nazaré decidiu proceder a uma intervenção de valorização do Jardim da Pedralva, concebido em finais da década de 1920, com o objectivo de dotar a Nazaré de um espaço de passeio de qualidade. Nova vida para o Parque da setembro 2005 Pedralva O novo projecto, da autoria do arquitecto paisagista Álvaro Manso, mantém praticamente inalterada a actual estrutura do Jardim da Pedralva, centrando a sua intervenção na requalificação das principais zonas de fruição daquele espaço. A área envolvente ao lago e aos campos de ténis será alvo de trabalhos de embelezamento e valorização, que incluem, como aspecto mais visível, a instalação de um quiosque para serviço de café e similar. A vegetação será outro aspecto a merecer atenção, com a limpeza das encostas do Monte Branco e valorização do desenho paisagístico existente. Contudo, as obras mais notórias deste projecto vão centrar-se no miradouro do Monte Branco, que será sujeito a uma significativa intervenção. Sendo um dos mais belos miradouros sobre a Nazaré, o promontório e a linha de costa, é também um dos mais desconhecidos para os visitantes e pouco frequentado pela população local. nazaré informa Estudos para o projecto de recuperação do Parque da Pedralva, da autoria de Álvaro Manso. O projecto prevê, entre outros aspectos, a requalificação da zona envolvente ao lago e do miradouro do Monte Branco. É a pensar na inversão desta situação e na dignificação deste local como ponto privilegiado para uma das mais impressionantes vistas panorâmicas da região, que se desenvolve o projecto de requalificação do miradouro, o qual contempla o arranjo do caminho pedonal desde a base do Parque até ao cimo do Monte Branco e a recriação do próprio miradouro, que se apresentará sob forma de plataforma suspensa. Devolver ao Jardim da Pedralva a sua dignidade enquanto espaço verde por excelência da vila da Nazaré, e criar condições de atractividade para uma utilização mais frequente deste espaço público, quer para a população local, quer para os visitantes, são os principais objectivos deste projecto. A origem do Parque da Pedralva Os primeiros trabalhos de valorização da zona da Pedralva (ou Peralva, como era também designada) parecem remontar a 1928. O “Diário de Notícias” dava conta, esse ano, da «construção de uma ponte e caminho de acesso ao Monte Branco […] e construído um mirante para que os nossos visitantes possam apreciar e gozar o lindo panorama que dali se divisa». A obra, promovida pela Comissão de Iniciativa da Nazaré, baseava-se, segundo notícia do mesmo jornal datada de Novembro de 1928, na «feliz ideia de transformar o Monte da Pedralva num aprazível passeio». Assim, terá sido feita «uma ponte de 14 metros sobre o vale dos Barrancos, ligando a estrada nacional a meia encosta do Monte, rasgou caminhos por entre o pinhal existente, colocando nas curvas graciosos bancos rústicos que dominam lindas perspectivas, nazaré informa ensaibrando o piso e calçando-o por forma a não magoar os pés mais mimosos ou mais atacados de calos» [Diário de Notícias, 27-XI-1928]. Esta obra vinha dar corpo a anseios antigos. O jornal “Notícias da Nazareth” de 26 de Setembro de 1926 defendia a necessidade de «um parque abrangendo o circuito da Sra. dos Anjos pela estrada à Primavera e dali pela calçada que vai à capela. Este parque terá no alto da Pedralva um belvedere e um casino com um pequeno hotel de luxo». O projecto da Comissão de Iniciativa não foi tão ambicioso, mas em 1928 dava-se andamento ao processo de aquisição do monte da Pedralva e de uma várzea no sopé, e a Câmara Municipal terá cedido «amigavelmente» um vale de eucaliptos, para «a construção de um parque […] e transformação do Monte da Pedralva em retiro agradável com quatro entradas, sendo três com elegantes portas de ferro […], vários caminhos em lancetes para, com menos esforço, atingir o ponto mais alto, mesas à sombra rodeadas de bancos e aproveitados pelos visitantes para abancarem e comer os seus farnéis […]» [O Mensageiro, “A Nazaré, Coisas Ouvidas, Lidas e Vistas por José Pedro”, 1942]. A obra da Comissão de Iniciativa da Nazaré de 1928 não viria a ser executada na sua totalidade. Desentendimentos no seio da Comissão levaram a uma mudança dos seus líderes. O novo presidente da Comissão, Goulard de Medeiros, desiste do projecto anterior e atribui ao «distinto paisagista Jacinto de Matos» a elaboração da nova planta «de um futuro parque com um belo lago, court de ténis, patinagem […] ajardinar a parte plana junto ao sopé do monte e também uma parte do campo de eucaliptos» [“A Voz”, 11-05-1929]. Os jornais da época faziam eco deste investimento, considerando ter sido «construído um lindo parque, formosamente arborizado e com um grande lago para recreio. Ali afluem numerosamente os banhistas da Nazaré, organizando picnics». E o miradouro era também alvo de referências generosas: «Olha-se de lá todo o dorso da vila, os recortes admiráveis da costa, a vastidão oceânica» [in “A Voz”, 1929]; «[…] entre o Monte e o mar, desenrola-se panoramicamente, como o correr de um filme, a linda povoação da Nazaré, com as suas casas muito brancas, as suas ruas todas direitas à praia […] Extasia a vista do espectador.» [in “Diário de Notícias”]. O AUTOR DO PROJECTO O projecto de recuperação do Parque da Pedralva, a desenvolver pela autarquia Nazaré, é da autoria de Álvaro Manso, um dos mais reconhecidos arquitectos paisagistas do nosso país. Ao longo da sua carreira, tem-se especializado na área da paisagem mediterrânica. Actualmente, coordena e executa diversos projectos e obras de arquitectura paisagista. Desde 1995, projecta espaços públicos como factor de qualificação das áreas urbanas, nomeadamente em zonas de habitação social, tornando-os palco de integração social. No domínio da água, estuda e investiga o seu valor como componente ecológica e estética da paisagem natural, bem como a sua vertente lúdica, ornamental e didáctica. setembro 2005 V.E. 38 AGENDA 21 L OCAL DA NAZARÉ O desenvolvimento sustentável começa aqui Texto IPI – INOVAÇÃO, PROJECTOS E INICIATIVAS(*) Agenda 21 Local1 , tal como foi concebida em 1992, no Rio de Janeiro, e aprofundada em 2002, em Joanesburgo (1), é um instrumento de desenvolvimento sustentável das comunidades locais, orientado para a melhoria qualitativa do bem-estar humano, através da conciliação da ecologia, da economia e da sociedade, nas suas diversas dimensões: desenvolvimento económico, protecção ambiental, justiça social e governação. O desenvolvimento sustentável pretende ser economicamente eficaz, socialmente equitativo e ecologicamente sustentável. Respeita os recursos naturais e os ecossistemas, sem perder de vista a eficácia económica e as finalidades sociais do desenvolvimento: a luta contra a po- A setembro 2005 breza e contra as desigualdades e a exclusão, bem como a promoção de níveis crescentes de satisfação das pessoas na comunidade a que pertencem. Reflecte, na sua essência, uma comunidade orientada sobretudo para a sua dimensão humana. É ao nível do poder local que grande parte dos problemas do desenvolvimento sustentável se podem resolver, uma vez que, somente perto das comunidades e com o envolvimento destas, é possível identificar, planear, executar e monitorizar o desenvolvimento sócio-económico e ambiental dessas mesmas comunidades. Neste sentido, a metodologia desenvol- vida pela IPI – Inovação, Projectos e Iniciativas, Lda., respondendo a necessidades diferenciadas num contexto global de mudança e crescente exigência ética, autonomiza o conhecimento e inovação como pilar do desenvolvimento sustentável, entendendo que os recursos humanos são o factor determinante na construção da coesão social e territorial e da capacidade de compromisso com caminhos que protejam o ambiente. A Agenda 21 Local é, assim, o instrumento de integração e articulação, ao nível da comunidade local, dos quatro pilares do desenvolvimento sustentável: ambiente, economia, sociedade e conhecimento e A Agenda 21 Local é o instrumento de integração e articulação, ao nível da comunidade local, dos quatro pilares do desenvolvimento sustentável: ambiente, economia, sociedade e conhecimento e inovação. nazaré informa 39 planeamento inovação. Trata-se de um processo colectivo baseado na abertura, participação, responsabilização, eficácia e coerência, que implica o envolvimento das instituições públicas e privadas, das empresas, da sociedade civil - O envolvimento dos cidadãos e dos agentes económicos, sociais e culturais nos processos de decisão e actuação locais. - A presença e afirmação dos interesses da comunidade, mediante a participação activa em redes e parcerias locais, regio- participação da população são cruciais e imprescindíveis, devendo obedecer, para serem eficazes, credíveis, mobilizadores e consequentes, a um mínimo de institucionalização, ainda que flexível e aberta. É ao nível do poder local que grande parte dos problemas do desenvolvimento sustentável se podem resolver, uma vez que, somente perto das comunidades e, com o envolvimento destas, é possível identificar, planear, executar e monitorizar o desenvolvimento e dos cidadãos individualmente considerados. Só desta forma é possível construir uma visão partilhada, um compromisso e uma direcção claros, que constituam a plataforma de concretização da estratégia e das acções que a Agenda 21 Local implica. Os objectivos locais A Agenda 21 Local da Nazaré é um projecto do e para o Município da Nazaré que está a ser elaborado pela IPI, Lda., o qual, para além dos quatro pilares do desenvolvimento sustentável, integra como recurso estratégico e preponderante, transversal àqueles pilares, o mar. São objectivos principais da Agenda 21 Local da Nazaré: - A integração dos princípios do desenvolvimento sustentável nas políticas, programas e processos de decisão local. nais, nacionais e transnacionais. - A definição de objectivos operacionais e a concretização de planos de acção focalizados na consolidação e reforço do desenvolvimento sustentável local. - A aprendizagem e a adaptação à mudança, no quadro dos valores e objectivos da comunidade local. - O acompanhamento da evolução registada, mediante a monitorização dos indicadores de desenvolvimento sustentável. - A revisão periódica dos objectivos e metas de desenvolvimento sustentável local, incorporando as novas necessidades e aspirações da comunidade num processo de melhoria contínua. Para a concretização destes objectivos é indispensável a opinião da comunidade, a ser escutada e incorporada de diversas formas. Para tanto, o envolvimento e a Assim, através das comunidades escolares, das associações culturais e desportivas, das instituições privadas de solidariedade social, dos agentes económicos e das instituições públicas, pretende-se dotar a comunidade de instrumentos para se empenhar e participar efectivamente na construção e implementação da Agenda 21 Local da Nazaré: - Promovendo informação e formação para a sustentabilidade; - Dando a conhecer os recursos e os problemas da comunidade; - Promovendo a adopção de comportamentos mais sustentáveis; - Desenvolvendo relações de confiança entre todos os intervenientes e construindo consensos quanto aos percursos a adoptar. (*) EQUIPA DA AGENDA 21 LOCAL DA NAZARÉ V.E. 1 nazaré informa A Agenda 21 Local é um processo de âmbito internacional e europeu, cuja referência inicial é o Capítulo 28 do Plano de Acção para o Século 21 (Agenda 21), da Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento (CNUAD), realizada no Rio de Janeiro em 1992. O seu desenvolvimento subsequente operou-se, nomeadamente, através dos seguintes instrumentos: Carta de Aalborg, elaborada na Conferência Europeia sobre Cidades Sustentáveis, ICLEI (Conselho Internacional para as Iniciativas Ambientais Locais), 1994; Estratégia de Lisboa, Conselho Europeu de Lisboa, 2000; Estratégia Europeia de Desenvolvimento Sustentável, Conselho Europeu de Gothenburg, 2001; 6.º Programa Comunitário de Acção em Matéria de Ambiente (2001-2010); Declaração Final da Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, Joanesburgo, 2002. setembro 2005 40 desporto Município da Nazaré premiado por investimento na área do desporto Município da Nazaré foi distinguido com o “Prémio Alves Teixeira”, atribuído pelo jornal “O Norte Desportivo” aos municípios que mais e melhor investem na área do desporto. A Nazaré ficou em primeiro lugar no ranking dos 50 concelhos que maiores investimentos fizeram em actividades e equipamentos desportivos, por relação ao número de eleitores inscritos. O “Prémio Alves Teixeira”, criado pelo escultor André Alves em referência ao emblemático director de “O Norte Desportivo” com o mesmo nome, foi atribuído numa cerimónia pública que decorreu no passado dia 15 de Setembro, em Coimbra. De acordo com o Director-Geral deste projecto editorial, Eduardo Costa, “O Norte Desportivo” «pretende distinguir o que ainda não é objecto de qualquer reconhecimento público: os municípios que mais e melhor investem no fenómeno desportivo. Acreditando que aqueles que dão prioridade ao desporto nas suas políticas de investimento, melhor garan- V.E. O O Complexo Desportivo Municipal foi um dos principais investimentos realizados, com a construção, entre outros equipamentos, do novo pavilhão gimnodesportivo, do campo de treinos sintético e da pista de atletismo. tem, no presente e no futuro, uma actividade desportiva que os distinguirá nesta área». O Prémio Alves Teixeira é atribuído através de um concurso, com o objectivo de distinguir as realizações e/ou equipamentos desportivos num determinado município, num determinado ano civil, na rela- ção custo/nº de eleitores, de entre os concelhos seleccionados pelo jornal. Para a avaliação dos municípios a concurso, foi escolhido o indicador “Despesas das Câmaras Municipais em Desporto – Jogos e Desporto”, dos “Retratos Territoriais” desenvolvidos pelo Instituto Nacional de Estatística, referentes ao ano de 2002/2003. Formação desportiva no concelho da Nazaré Texto REINALDO SILVA (*) O desporto desempenha cinco funções que constituem a sua especificidade: 1. Uma função educativa: a actividade desportiva constitui um excelente instrumento para equilibrar a formação e o desenvolvimento humanos do indivíduo em qualquer idade; 2. Uma função de saúde publica: a actividade física oferece a possibilidade de melhorar a saúde dos cidadãos e de lutar eficazmente contra certas doenças, tais como as afecções cardíacas ou o cancro; pode contribuir para preservar a saúde e a qualidade de vida dos idosos; 3. Uma função social: o desporto representa um instrumento setembro 2005 adequado para promover uma sociedade mais inconclusiva, para lutar contra a intolerância e o racismo, a violência o abuso de álcool ou o consumo de estupefacientes; o desporto pode contribuir para a integração das pessoas excluídas do mercado de trabalho; 4. Uma função cultural: a prática desportiva permite ao cidadão criar laços mais profundos com um território, conhecê-lo melhor, integrar-se melhor e estar mais empenhado na protecção do seu ambiente; 5. Uma função lúdica: a prática desportiva representa uma componente importante dos tempos livres e do lazer individual e colectivo. A Criança que habitualmente pratica actividade física obtém: nazaré informa 41 ESCOLA DE DANÇA DA CÂMARA MUNICIPAL DA NAZARÉ EM GRANDE ACTIVIDADE A Escola de Dança da Câmara Municipal da Nazaré vai lançar uma Classe de Adultos, destinada a pessoas residentes no concelho da Nazaré com mais de 20 anos. As inscrições podem ser efectuadas na Câmara Municipal ou no Centro Cultural. Continuam também abertas as inscrições para a classe de formação da Escola de Dança da Câmara Municipal da Nazaré, gratuita para crianças até 12 anos. Composta actualmente por cerca de 30 alunos, a escola conta no seu palmarés com inúmeros espectáculos em todo o País e aparições em programas televisivos. A Escola de Dança da Câmara Municipal da Nazaré vai estar presente já no próximo dia 5 de Novembro, num espectáculo de passagem de modelos, a ter lugar no Clube Recreativo e Beneficente Valadense, em Valado dos Frades. No dia seguinte, domingo, a Escola de Dança efectuará uma exibição na Associação Arneirense, nas Caldas da Rainha. CLUBE DE TÉNIS DA NAZARÉ COM ÉPOCA DOURADA As atletas do Clube de Ténis da Nazaré, Magali de Lattre e Ana Nogueira, sagraram-se respectivamente campeã e vice-campeã nacional, no escalão sénior, no decurso do campeonato nacional absoluto que decorreu em Évora. Magali conseguiu o feito de, na mesma época, conquistar o título de campeã nacional de juniores e seniores. Ainda no campeonato nacional absoluto de Seniores, a também atleta do Clube de Ténis da Nazaré, Joana Pangaio, sagrou-se campeã nacional em pares femininos. Além disso, Joana Pangaio é vice-campeã nacional em juniores (ficando atrás apenas da colega de equipa, Magali) e conquistou duas medalhas de prata e duas de bronze, nos I Jogos Ásia-Europa da Juventude (ASEM), que decorreram na Tailândia. A jovem tenista do CTN integrou a equipa nacional de ténis, inserida na delegação do Comité Olímpico Português, que arrebatou, no total, 21 medalhas (Portugal ficou em 3º lugar entre os países participantes). A prestação de Joana Pangaio, em individuais e na equipa feminina, valeu duas medalhas de prata, sendo o bronze arrecadado em pares mistos e pares femininos. »»» VANDA HILÁRIO NA SELECÇÃO NACIONAL DE TAEKWONDO Vanda Hilário, atleta da Escola de Taekwondo da Câmara Municipal da Nazaré, esteve no Campeonato Europeu de Técnica daquela modalidade, que se realizou na Letónia. Integrada na selecção nacional, Vanda Hilário foi considerada atleta revelação nesta prova, demonstrando “uma maturidade técnica e espírito belicoso que foi motivo de liderança em quase todos os rounds”, segundo comunicado da Federação Portuguesa de Taekwondo. MEDALHAS PARA O CONCELHO NA TAÇA DA EUROPA DE PATINAGEM O concelho da Nazaré subiu, por duas vezes, ao pódio da Taça da Europa de Patinagem Artística, que decorreu precisamente na Nazaré, de 28 de Setembro a 1 de Outubro. Valter Silva, atleta da Biblioteca de Instrução e Recreio de Valado dos Frades, conquistou a medalha de ouro no escalão de Iniciados Masculinos (Programa Longo). Por seu lado, João Sousa, do Patinamar Nazaré Clube, obteve o bronze em Cadetes Masculinos (Programa Livre). As cores do concelho estiveram igualmente representadas por Mariana Ferreira, também convocada para a Selecção Nacional nesta prova e que falhou, por muito pouco, um lugar no pódio. Toda a reportagem da Taça da Europa da Patinagem Artística no próximo número. ATLETA DO CLUBE NAVAL DA NAZARÉ NO EUROPEU DE CAÇA SUBMARINA O atleta do Clube Naval da Nazaré, Paulo Alves, esteve integrado na representação portuguesa, que disputou o Campeonato Europeu de Caça Submarina, que se realizou no final do mês de Setembro, em Biarritz (França). A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DESPORTIVA aumento das habilidades para a satisfação das actividades do dia-a-dia; melhoria das habilidades motoras; redução de lesões; redução de condições para desenvolvimento de doenças crónicas futuras ligadas ao sedentarismo; melhoria da auto-estima; melhoria do sentido de responsabilidade; melhoria da auto-confiança; melhoria da adaptação social; melhoria da expressão pessoal e liberdade; e um maior desenvolvimento espaço-temporal. Todos estes propósitos foram tidos em consideração pela Câmara Municipal da Nazaré quando lançou um projecto para o Concelho da Nazaré sobre formação desportiva. Todas as crianças têm acesso gratuito a todas as modalidades desportivas com técnicos pagos pela Câmara Municipal da Nazaré e apoio nazaré informa logístico. Um projecto que tem valido a pena, pois todos os nossos jovens têm correspondido a esse esforço financeiro com o seu empenho. Não procuramos medalhas nem campeões, tudo isto tem sido uma consequência lógica do bom trabalho reconhecido pela população e não só! É bom o Concelho da Nazaré ter conquistado, entre 50 municípios, o primeiro lugar no ranking nacional como o município que mais e melhor investiu no desporto. A nossa Juventude merece este prémio e, para a autarquia, representa uma responsabilidade ainda maior para fazermos sempre mais e melhor segundo o lema “Desporto é na Nazaré”. (*) Vereador do Desporto da Câmara Municipal da Nazaré outubro 2005 42 cultura Ao fim de um ano de teatro profissional feito e sedeado na Nazaré, que balanço é possível fazer desta experiência? Após um ano de trabalho, podemos dizer que observamos a nossa actividade com alguma satisfação mas, ao mesmo tempo, com muita frustração por não podermos ter ido mais longe na realização dos espectáculos e, sobretudo, na alargamento da sua continuidade e divulgação assim como na possibilidade de uma maior estabilidade das equipas, a fim de podermos experimentar os seus plenos desenvolvimento e produtividade. Realizámos quatro criações próprias e em breve estará em cena a quinta. “A Aposta” com textos de Eduardo De Filippo, estreado no Verão passado e reposto em Novembro, “É Preciso Viver”, a partir de uma história de Aquilino Ribeiro, espectáculo para crianças que ainda mantemos em carteira, assim como as duas peças de Synge, “Cavalgada para o Mar” e “Na Sombra da Ravina”. Para completar este primeiro ano de actividade, estreámos recentemente “O Nariz”, a partir da obra homónima de Gogol, espectáculo de rua que permanecerá em “cena” o tempo que a vida o determinar, e ainda este Outono, realizaremos uma nova obra para o público jovem. Como tem sentido a reacção do público em geral ao trabalho desenvolvido pela companhia? O público do Chaby Pinheiro não se pode circunscrever ao da Nazaré, mas temos de ter como primeira etapa habituar as pessoas do concelho a frequentarem com regularidade o teatro, a começarem a experimentar o prazer do teatro e a elevarem o seu espírito crítico e o grau de exigência. Enfim, os que têm ido ver os nossos trabalhos têm “gostado”, mas temos de ir muito mais além, porque têm de ir muitos mais e o gosto tem de ser crítico em relação às nossas opções. Quais são as actuais expectativas relativamente ao apoio plurianual do Estado para a companhia? Como será o futuro do projecto se não existir este apoio estatal? Hoje, mais que nunca, parece-nos claro que para podermos elevar a complexidade das nossas criações e podermos elevar a qualidade e divulgação precisamos CÂNDIDO FERREIRA, ACTOR O Teatro Chaby Pinheiro precisa de afirmar o seu destino todos os dias outubro 2005 nazaré informa 43 de um modo vital do apoio e algum empenho do Ministério da Cultura. Sem esse apoio esta pequena equipa, não obstante a boa vontade de toda a gente, vai acabar por soçobrar. das pelo nosso público-alvo. Apesar das dificuldades, sobretudo de ordem financeira, como caracteriza o sonho, se assim podemos chamar, da Confraria, da Câmara e da ADN de dotar a Nazaré em geral, e o Teatro Chaby Pinheiro, em particular, de uma companhia de teatro profissional residente? Quando a Câmara, a Confraria e a ADN sonharam poder a Nazaré ter uma companhia profissional residente, afigurava-se ser um sonho realista, apesar de Portugal ser um país subdesenvolvido em termos culturais. Foram muitos anos de obscurantismo e a vida moderna, assim como o próprio desenvolvimento, exigem que a formação e os horizontes de grandes franjas da população se apropriem de múltiplos conhecimentos e experiências da humanidade, apreciadas e sentidas nas várias vertentes e dimensões. Ora a Nazaré tem um belo teatro, tem uma boa tradição lúdica, está inserida numa zona carenciada, é local de visitação e estadia para muitos milhares de turistas, tem natural ambição de aumentar as alternativas para os seus filhos e está inserida num território onde existem grandes aglomerados de população e a pouco mais de uma hora de distância da capital. Com o concurso que foi realizado pelas três instituições, foram criadas as condições subjectivas que permitem tornar o sonho realidade. Quem falhou redondamente foi o Estado. Esta última peça, “O Nariz”, tem a particularidade de incluir dois músicos da Nazaré. Também a primeira peça, “A Aposta”, tinha a participação de uma cantora local. É uma preocupação da companhia incluir nas encenações, quando possível, “caras” do concelho? Na medida das possibilidades, temos procurado, e continuaremos a fazê-lo empenhadamente, que em todas as realizações participem artistas do concelho. Foi seguindo este critério que, para a primeira produção, convidámos a Teresa Radomanto e também a Sónia Tavares, oriunda da vizinha Alcobaça, e nas seguintes temos contado com a participação Fernando António da Capucha, jovem que fez o Chapitô e que está a terminar os seus estudos teatrais na Universidade de Évora. E com o recente “O Nariz” foi possível alargar a participação ao Wilson Ferreira e ao Fábio Constantino. Não podemos esquecer também a colaboração e a mútua aprendizagem com o mestre João Bexiga, com a D.Josefina Codinha, com a D.Isabel Ramos e também com o Américo Santos, cujo saber técnico respectivamente nas áreas da carpintaria, costura, sapataria, montagem, nos tem sido imprescindível. Em todos os casos todos ficámos enriquecidos. É evidente que, sem baixar o grau de exigência nem o profissionalismo da companhia, pensamos que êxito será também, dentro de algum tempo, termos jovens artistas da Nazaré que fizeram a sua formação académica e que aqui se podem realizar. Falando agora do trabalho apresentado ao longo deste ano. Qual tem sido o critério da Companhia para as peças de teatro escolhidas? O critério da companhia em termos de reportório tem sido ousado e prudente. Ousado na medida em que não cedemos ao populismo nem à facilidade e temos criado de acordo com as nossas perspectivas artísticas. Prudente na medida em que temos procurado problemáticas e linguagens que possam ser assumi- O vosso projecto, que venceu o concurso para a criação de uma companhia no Teatro Chaby Pinheiro, apresentava como uma das características a interligação com a comunidade local e, designadamente, com as escolas. O que tem sido feito neste campo e o que está previsto? Em termos de implantação temos dado passos muito significativos, nomeadamente no trabalho no Centro de Dia com os mais idosos, que já fizeram uma representação que tão entusiasticamente foi nazaré informa recebida pela população; com os jovens estudantes que, neste ano lectivo, poderão ter uma actividade continuada nos clubes de teatro nos respectivos estabelecimentos de ensino; e, finalmente, a “Oficina do Chaby” que tem uma composição mais heterogénea mas que, num futuro próximo, dará os seus frutos. Finalmente, sobre o Teatro Chaby Pinheiro propriamente dito. Muitos dos artistas que têm pisado este palco elogiam a beleza e, até, uma certa “mística” deste teatro. Partilha dessa opinião? É verdade que este edifício que foi teatro, sala de espectáculos, armazém em ruína, espaço sem rumo, este edifício, dizia, foi determinante para a nossa opção. Encarámo-lo como uma laranja sem sumo ou como uma vida sem poesia. O Chaby precisa de afirmar o seu destino todos os dias. É um belo e secreto teatro. Tem voz, respiração própria e história feita. O Chaby Pinheiro não pode ser nem sede de colectividade nem local de eventos sem critério, porque tal significaria roubar-lhe a alma. O Chaby tem de ser um local onde se viva a festa do teatro. BIOGRAFIA Inicia a actividade como actor em 1971. Em 1974, é um dos fundadores de O Bando, onde permanece 12 anos como actor, dramaturgo, encenador e produtor. Posteriormente, e entre outros, trabalha com os encenadores Mário Viegas, Luís Miguei Cintra, João Brites, Antonino Solmer, José Carretas, António Augusto Barros, Ana Tamen, Konrad Zchiedrich, Christine Laurent. Em 1998 é-lhe atribuído o Prémio Garrett - interpretação masculina, pelo trabalho no espectáculo Comunidade, de Luiz Pacheco. Entre outros trabalhos, foi o responsável artístico da Animação Diurna da Expo’98. No cinema trabalhou, nomeadamente, com os realizadores Manoel de Oliveira, Eduardo Guedes, Joaquim Leitão, Luís Filipe Rocha, Ruy Guerra, Joaquim Sapinho e José Álvaro de Morais. Até Amanhã, Camaradas foi a última das várias séries televisivas em que tem participado. outubro 2005 44 linguística Um significante elementar mais pequena palavra do nosso léxico é a. A sua história, porém, é um pouco complicada. Na verdade ela é artigo definido feminino, a mulher, a mesa (lat. illa); pronome pessoal, se a vires dizlhe que a espero aqui (lat. illa); pronome demonstrativo, a irmã dela é a que vem à frente (lat. illa); preposição, vou a Lisboa (lat. ad). Há, entretanto, um semnúmero de outros significados que seria fastidioso enumerar aqui. Mas já é interessante indicar outras funções desta partícula, como é o caso da composição de outros vocábulos, por exemplo, do seu emprego como prefixo, ora derivado do grego, no sentido de negação, atópico, fora do lugar, e, com o mesmo sentido, anormal, derivado do latim (prep. a ou ab); ora ainda, com esta mesma etimologia, no sentido de movimento, ajuntar (prep. ad). É característica do feminino, a Maria, a régua; da terceira pessoa do singular dos verbos da primeira conj., no presente do indicativo, no pretérito imperfeito e pretérito mais-queperfeito.; está entre os raros infixos da nossa língua, pintainho. Também em imensos arabismos da nossa língua, o a inicial corresponde ao artigo al, entretanto expurgado da consoante, açude, arroz. Para não se alargarem mais estas generalidades, passamos a referir como ela interfere no falar nazareno, em determinada situação. A outubro 2005 JOSÉ SOARES Escritor a(conj. cop.). e, em vinte a um, vinte a dois, etc. (Cf. em Suma Oriental, de Tomé Pires, séc. XVI: ‘’...e de vimta sete fios feitos em três’’). Em expressões como pouco a pouco (cp. Raul Brandão, in A Morte do Palhaço: ‘’pouco e pouco, alastrava-se pela paisagem...’’, ou, mais recuadamente, em Castanheda, séc. XVI, ‘’despois vão pouco & pouco...’’, expressões que continuam a ser correntes) e numerais formados por justaposição e anaptixe, como dezasseis, a é metaplasmo de ac (conj. lat.). Também Antônio Geraldo da Cunha, no seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (4ª impr. – 1981), refere a origem deste a à conjunção latina ac e data o seu uso já no séc. XIV. Afirma Bourciez que o a destes numerais (dezasseis, dezassete, dezóito e dezanove) é a conjunção latina ac [dezoito parece não obedecer ao mesmo princípio: a conj. ac procura palavra começada por consoante, o que não é o caso. E dezanove tem a variante dezenove, a que se atribui outra formação: dez e nove, séc. XV. Ismael de Lima Coutinho, Gram. Hist., diz que o ó de dezoito (lido dezóito) resultou da contracção de o+o da forma arcaica dezooito (<dezaoito < dece ac octto). Ribeiro de Vasconcelos inclina-se para a hipótese de que ele seja aí a expressão latina ad. Assinala o gramático português, sem documentar as formas do latim vulgar decem ad sex, decem ad septem. Antenor Nascentes explica-o como sendo a modificação da copulativa e. Leite de Vasconcelos acha que a composição se deu dentro da língua, e assim a justifica: ‘este a não representa a conjunção e, mas a preposição a; é como quem dissesse dez junto a seis, a sete, etc. Também José Pedro Machado, Dic. Etim. – 6ª ed., regista a como sendo conj. coord., em exemplos já acima citados. Mas nas entradas dezanove, dezasseis e dezassete, omite por completo, a hipótese ac, remetendo para a origem et a formação destes numerais. Acontece que, no falar dos nazarenos, a hipótese ac não permanece em outra numerações, aparecendo em seu lugar, tudo leva a crer, a conj. et, como em trintèdois, -três, -quatro, etc., curentèdois, etc.: triginta et duo [tri(g)ntè(t)dois]. Por curiosidade se refere que, em francês, pouco a pouco se diz peu à peu ou petit à petit, e não peu et peu. Será que este à é também correspondente a ac? A palavra “a” é a mais pequena do nosso léxico. Como interfere ela no falar nazareno? nazaré informa 45 crónica Agrupamento de Escuteiros de Famalicão A nossa viagem a Kandersteg a manhã de 11 de Agosto de 2005, o Agrupamento de Escuteiros nº 924 de Famalicão deu início à realização de uma actividade internacional, que prometia várias surpresas e aventuras. Nesta epopeia a terras de Kandersteg, na Suíça, participaram 75 elementos. A viagem começou em Famalicão até ao Aeroporto de Lisboa, sendo o transporte de autocarro cedido pela Câmara Municipal da Nazaré. Viajámos de avião até Zurique, o que foi uma nova experiência para a maioria de nós, assim como poder ter um primeiro contacto com os hábitos alimentares Suíços e provar os seus deliciosos chocolates, dado que viajámos através de uma transportadora Suíça. De seguida fizemos uma viagem de três horas de autocarro até ao Centro Internacional Escutista de Kandersteg. A direcção do Agrupamento, após juntar alguns “trocos” com a fundamental ajuda da Câmara Municipal da Nazaré e da Junta de Freguesia de Famalicão, e do patrocínio de várias empresas da região e casas de comércio locais, assim como a ajuda e colaboração dos pais e o apoio de um português radicado na Suíça, conseguiu proporcionar aos nossos jovens novas vivências escutistas. Escolhemos Kandersteg por ser o único Centro Escutista verdadeiramente internacional no mundo. Fundado em 1923, o Centro Escutista Mundial foi o sonho de Baden-Powell (fundador do escutismo), criado pelos seus familiares. Situado a cerca de 1200 metros acima do nível do mar e a cerca de 65 quilómetros de Berna, está aberto durante todo o ano. Constitui uma excelente base para explorar os Alpes Suíços e para encontrar muitos N escutas vindos de todo o mundo. Uma das salas retrata bem a variedade de escuteiros que por lá tem passado, através dos lenços usados em todo o mundo. Os nossos escutas participaram em várias actividades realizadas pelo Centro tendo como base a Amizade Internacional e a Aventura Alpina. Estas actividades permitiram-nos desenvolver novas experiências com pessoas de outros países nos belos Alpes Suíços, criando uma autêntica e única atmosfera internacional. Ficámos numa zona de acampamento que pode acolher até 1400 pessoas em mais de 60 locais diferentes. De Kandersteg apanhámos um excitante cabo teleférico que nos levou ao cume de uma montanha “Oeschinen”, onde pudemos andar em pequenos carros de ferro que se deslocavam em calhas de metal, sendo a velocidade controlada por cada escuta. De seguida fizemos uma caminhada até ao lago frio de “Oeschinensee”, originado por escorrências dos antigos glaciares. Este percurso tem alguns dos cenários mais bonitos e vistas deslumbrantes dos Alpes, culminou com uma fascinante descida pedestre até ao Centro, acompanhados pelo Vereador Júlio Faustino. Também realizámos um raide desde o Vale de Gaster, um dos mais espectaculares da Suíça. Com a ajuda de um guia através deste lindo vale, pudemos aperceber-nos de alguns espectaculares cenários e aproveitar as paisagens de neve de Kandersteg, os picos e os glaciares antigos, realizando actividades radicais. O percurso pode atingir 300 metros de altura e tem aproximadamente 14 quilómetros. No final realizámos uma breve descida até ao Centro, passando através das margens do rio Kander. Participámos também no Fogo Conselho Internacional onde efectuámos uma dança escutista característica do nosso país, assim como aprendemos danças e canções de vários países presentes nesta actividade. Os nossos escutas também fizeram vários percursos pedestres com o intuito de conhecerem a localidade de Kandersteg e os hábitos da população Suíça. Os jovens ficaram deslumbrados com tudo o que lhes foi proporcionado, ficando até mesmo com alguma água na boca, pedindo-nos mais actividades com este cariz, embora dispendiosas. Por tudo isto, o Agrupamento agradece a todos aqueles que tornaram possível esta actividade para enriquecimento do conhecimento e da experiência dos nossos escutas. DELFIM MATEUS Secretário de Agrupamento nazaré informa outubro 2005 FESTAS EM HONRA DE NOSSA SENHORA DA NAZARÉ “NAZARÉ EM FESTA” A INOVAÇÃO DO PROFANO E A CELEBRAÇÃO DO SAGRADO O Parque Atlântico voltou a receber, de 2 a 11 de Setembro, o evento “Nazaré em Festa”, o programa de animação das tradicionais Festas em Honra de Nossa Senhora da Nazaré. A segunda edição de “Nazaré em Festa” ficou marcada pelo reconhecimento geral da inovação inerente a este novo modelo de organização das festas, que devolve à dimensão religiosa o seu local privilegiado, e confere à dimensão lúdica um novo enquadramento. nazaré informa setembro 2005 48 Actuação da Escola de Dança da Câmara Municipal da Nazaré s Festas em Honra de Nossa Senhora da Nazaré encontraram, através do evento “Nazaré em Festa”, um novo fôlego. O slogan “As Festas no Seu Espaço” demonstrou ser mais do que um chavão: no seu segundo ano de existência, o Parque Atlântico convenceu a população do concelho enquanto local privilegiado para acolher, condignamente, a vertente “profana” das festividades em honra de Nossa Senhora da Nazaré. Após alguns anos de indefinição quanto à localização do recinto, subsequente à sua retirada do Largo do Santuário, as Festas reencontraram o seu espaço numa área ampla, bem situada, com um enquadramento natural privilegiado, boas infra-estruturas de apoio aos visitantes e aos feirantes e organizada em zonas temáticas, possibilitando um melhor ordenamento das actividades que, desde então, passaram também a ser mais diversificadas. O relativo afastamento do Parque Atlântico face à malha urbana da vila foi minorado com a criação de um serviço permanente de transporte público de passageiros, que registou um elevado índice de procura. Uma aposta também ganha ao nível da mobilidade, contribuindo para A Tony Carreira, um dos artistas mais reconhecidos do público português setembro 2005 nazaré informa 49 presentes na feira, e apesar de alguns sectores de actividade sentirem os efeitos da redução do poder de compra geral dos portugueses, o balanço da participação no certame é muito positivo. «Estou muito satisfeito com a nossa presença nesta feira», afirma Almerindo Almeida, sócio da empresa Telegest, representada no Pavilhão das Novas Tecnologias. «Fizemos promoções especiais de feira, apostámos no marketing directo e tivemos um excelente resultado». A música ligeira portuguesa representada por Toy a redução do uso do veículo privado e, assim, para reduzir as situações de conflito no trânsito. Criado em 2004, no âmbito de uma parceria institucional entre a autarquia, a Confraria de Nossa Senhora da Nazaré e a Associação de Defesa da Nazaré, o Parque Atlântico é a face mais visível do novo figurino da componente de animação das Festas em Honra de Nossa Senhora da Nazaré. Um figurino que parece ter conquistado a população do concelho e os muitos visitantes do evento, oriundos um pouco de todo o País. José Marques, de Torres Novas, é um frequentador habitual das Festas desde há largos anos, e reconhece o sentido da mudança. «Tiro sempre uns dias de férias para vir à Nazaré nesta altura», explica, em declarações à revista Nazaré Informa. «Vim cá o ano passado e voltei este ano, e acho que está ainda melhor, o espaço está ainda mais bonito e arranjado. E a ideia dos restaurantes é muito boa, para quem gosta do convívio com os amigos», remata. O programa de animação musical, um dos motivos de atracção do evento, é nazaré informa o «melhor de tudo» para Emília Figueira, residente na Nazaré. «Este ano há concertos de grande qualidade», afiança. «Mas está tudo muito arranjado e há muito povo», acrescenta, visivelmente satisfeita. De facto, os concertos de Tony Carreira, Toy e o espectáculo “Os Quatro Cantos do Fado” foram os momentos altos da programação musical do evento, que procurou abranger públicos diversificados, com exibições de bandas rock, pop, jazz e música ligeira. Mas as opiniões favoráveis não se esgotam nos visitantes. Ao nível dos empresários Tony Carreira, um dos artistas mais reconhecidos do público português Tradição pode voltar a ser o que era As Festas em Honra de Nossa Senhora da Nazaré foram, durante séculos, uma das principais manifestações de fé e religiosidade da Estremadura, de que os círios eram uma componente importante. Progressivamente, as festividades “profanas”, com carácter de animação popular, foram ganhando terreno às demonstrações religiosas e, numa fase recente, as festas tradicionais atravessaram uma fase de certa descaracterização. Contudo, a separação física das duas vertentes (as celebrações religiosas no Santuário e no Terreiro, as actividades recreativas localizadas agora no Parque Atlântico) contribuiu para a dignificação de ambas, e as manifestações de fé readquiriram o brilho merecido. setembro 2005 50 Verão musical no Parque Atlântico THE KELLY FAMILY O s “The Kelly Family”, a mítica banda irlandesa que, desde há largos anos, reúne legiões de fãs por toda a Europa, foi a primeira de um conjunto de nomes sonantes do panorama musical a pisar o palco do Parque Atlântico, no dia 6 de Agosto. Se é certo que em Portugal os “The Kelly Family” não têm o sucesso editorial que conhecem noutros países, não é menos verdade que os fãs são dedicados e chegaram à Nazaré, provenientes de todos os pontos do País e, até, de Espanha. A Pilar e a Consuelo, 17 anos, instalaram-se nas imediações do Parque Atlântico dois dias antes do grande concerto. Oriundas da Andaluzia, queriam garantir os lugares na fila da frente e, por isso, decidiram acampar no pinhal, juntamente com um grupo de algumas dezenas de outros fãs, igualmente vindos de longe. Ainda faltavam muitas horas para o momento de ver os seus ídolos e, para matar o tempo, aproveitaram para conhecer a Nazaré. «Já fomos à povoação, adorámos o ascensor. E já fomos também a esta praia [do Norte], que é espectacular. Em Espanha já não existe uma praia assim, tão grande e sem ninguém», contam as duas amigas, que não se importaram de fazer tantos quilómetros para assistir ao concerto dos “The Kelly Family”. «Vai ser maravilhoso, conhecemos as músicas to- Durante o mês de Agosto, passaram por este recinto os “The Kelly Family”, Daniela Mercury, Clã, DZRT e algumas bandas locais, em concertos que mobilizaram milhares de pessoas e demonstraram a versatilidade do Parque Atlântico. das e queremos estar logo à frente», afirmam. Quanto às condições do recinto, «ainda não vimos lá dentro mas, para já, isto parece ser muito bonito. Tem muito espaço verde e é ao pé do mar. É perfeito», concluem. O entusiasmo dos fãs foi crescendo até ao tão ansiado momento da entrada em palco dos membros da banda. Joey, Jimmy, Angelo e Patricia Kelly não defraudaram as expectativas e mantiveram ao longo de todo o concerto uma relação de grande proximidade com o público. O alinhamento foi constituído em larga medida por canções do último disco da banda, “Homerun”, dividido em duas partes: uma composta por canções mais calmas e introspectivas; a outra por músicas intensas, mais próximas do rock. Em declarações a “Nazaré Informa”, Jimmy manifestou o contentamento da banda por estar mais uma vez em Portugal. «Não vendemos muitos discos cá, mas temos um público muito fiel e muito simpático», afirma o músico, reconhecendo que «existe uma certa mística» à volta do grupo, motivada, na sua opinião, «por sermos uma família e existirmos há tantos anos». Uma longevidade que, segundo o irmão mais velho, Joey, se deve ao facto de «sermos muitos irmãos e nem todos estamos na banda ao mesmo tempo. Cada um tem os seus projectos», conclui. FOTOS: VÍTOR ESTRELINHA O Verão trouxe calor, animação e muita música à Nazaré e, particularmente, ao Parque Atlântico, bem pertinho da Praia do Norte. 51 Loucura O grande fenómeno de popularidade dos últimos tempos passou pela Nazaré, num concerto absolutamente memorável para os milhares de fãs que se deslocaram ao Parque Atlântico, no passado dia 23 de Agosto. Falamos, naturalmente, dos DZRT, a banda da novela “Morangos com Açúcar” que, durante todo o Verão, mobilizou multidões de admiradores de norte a sul do País. Na Nazaré, os DZRT não deixaram os seus créditos por mãos alheias e realizaram um espectáculo de grande qualidade e, sobretudo, muita energia. Perante um público entusiasta (um ambiente familiar e muito jovem), os DZRT assistiram ao primeiro grande momento de euforia logo que saltaram para o palco. O segundo momento de loucura aconteceu quando os jovens artistas gritaram “Nazaré!”. O resto foi histórico para os jovens fãs nazarenos da banda. O grande êxito “Para mim tanto faz” foi cantado em uníssono, com uma multidão em delírio, pulando e dançando. “Ganda público!”, gritou a banda em resposta. E o concerto prosseguiu em alta velocidade, até ao momento final da despedida. “Sigam os vossos sonhos!”. DZRT NA PRIMEIRA PESSOA Nazaré Informa: O que acharam do concerto esta noite na Nazaré? DZRT: Um grande concerto. Gostámos particularmente do cenário, com a lua a nascer mesmo à nossa frente. Foi algo de muito especial e muito tranquilo. Estávamos mesmo a curtir estar naquele palco. N.I.: E quanto ao público? DZRT: O público mostrou muita energia e deunos também muita energia. Se o público puxa por nós, reagimos e damos mais de nós. N.I.: Quem são os membros dos DZRT? São as personagens dos “Morangos com Açúcar”? DZRT: Somos uns sortudos por termos tido este início de carreira, associado à novela, mas os alter-egos começam a distanciar-se. Novela é novela e nós pessoas reais. O público já nos chama pelos nossos nomes próprios nos concertos, e isso é importante porque queremos uma continuidade. N.I.: Os DZRT são um fenómeno passageiro? DZRT: Desde o início que é nosso objectivo fazer uma coisa diferente, fazer um projecto bem feito. Os DZRT ao vivo, enquanto banda, é um projecto original nosso, aproveitando as nossas capacidades enquanto actores e músicos. Andamos sempre a compor porque queremos construir algo para o futuro. Tudo é concebido e feito por nós, na esperança de conseguirmos criar o nosso estilo e a nossa presença em palco. 52 “Furacão” Daniela arrasou no festival NAZARÉ SONS E CORES Daniela Mercury mostrou, na Nazaré, porque é conhecida como o “furacão da Bahia”. A famosa cantora brasileira foi a cabeça de cartaz do “Nazaré Sons e Cores – Festival de Música”, que se realizou no Parque Atlântico, dias 12 e 13 de Agosto último. Cerca de sete mil pessoas assistiram a um dos seus exuberantes espectáculos de música, dança e ritmos quentes. Daniela trouxe à Nazaré a digressão “Carnaval Electrónico”, nome do seu mais recente disco, mas não esqueceu temas mais antigos, como “Rapunzel” e “Nobre Vagabundo”, para delícia da multidão que cantou a uma só voz. Durante todo o concerto, a cantora contagiou o público com a sua energia e entusiasmo, e arrancou ainda mais aplausos quando falou do Carnaval e da mulher nazarena. Em conferência de imprensa, Daniela Mercury explicou porque optou por não fazer música popular brasileira (MPB). «Queria ser compositora de novos géneros, e consegui com esse tipo de música percussiva que venho fazendo desde o início da minha carreira. Eu achava que a MPB já tinha tantos grandes intérpretes que era preciso buscar coisas novas para a minha geração se afirmar», esclareceu a artista, anunciando na ocasião o lançamento, no final deste ano, de mais um álbum, a que chamou «um disco de carreira». Neste trabalho, Daniela Mercury diz «regressar às minhas origens e referências», cantando temas clássicos da música popular brasileira. «É um trabalho totalmente distinto do que os portugueses conhecem, é um projecto especial que permite obter uma visão complementar do meu trabalho», declara. Mas nem só de Daniela Mercury se fez um grande festival, no Parque Atlântico. Na mesma noite, pisaram o palco duas bandas locais, os premiados Éden e os Flooding, que deram a conhecer a sua música ao público presente. No dia seguinte, o “Nazaré Sons e Cores” foi integralmente dedicado às bandas portuguesas. Os “Pratyahara”, da Nazaré, fizeram as honras da casa com o seu rock alternativo e abriram caminho para duas bandas nacionais de nomeada: os Pluto, um dos grupos da nova geração do pop português, e os consagrados Clã. Apesar da hora tardia em que entrou em palco, a banda de Manuela Azevedo prendeu o público do primeiro ao último minuto, num concerto que percorreu os temas de “Rosa Carne”, o último trabalho do grupo, e as canções que tornaram os Clã numa das bandas de referência da música portuguesa. Os CLÃ, de Manuela Azevedo, agarraram o público do primeiro ao último minuto PLUTO, o novo rock no Nazaré Sons e Cores EDEN, uma das bandas da Nazaré a pisar o palco do Festival FLOODING e PRATYAHARA, os novos talentos e novos sons da música “made in” Nazaré (*) Psicólogo nazaré informa agosto 2005 54 A CHUVA QUE ME MOLHA DEIXA-TE SECA! [email protected] lex não teve uma infância fácil, e a necessidade de afecto que daí derivou foi-lhe fatal. O seu coração bateu mais forte desde a primeira vez que viu Sofia, tinha ele apenas dez anos. Ela era linda de fazer corar o universo, e ele passou a ver as coisas mais simples tornarem-se misteriosas quando ela as tocava. Agora, com quinze anos, fazia um balanço da espiral de sentimentos que o agonizava há cinco longos anos, por ter de amar em segredo. Espacialmente, a sua vida resumia-se a dois lugares: um deles eram muitos num só, ou seja, eram todos os lugares que ela frequentava e para os quais se sentia constantemente atraído (conhecia todas as suas rotinas e tinha de vê-la tantas vezes quantas lhe fosse possível); o outro era um jardim onde sofria aquele amor em silêncio e simulava vivências – ali era só virar à esquerda na Rua das Tulipas, seguir pela A Travessa do Roseiral, evitar o Beco (sem saída) dos Malmequeres, para finalmente chegar à Avenida dos Amores-Perfeitos onde Sofia o esperava. O jardim era uma ilha que lhe oferecia conforto, mas que o isolava do continente e da realidade. Fazia-o agir como um insular que olhava o continente com temor embora o ambicionasse, nunca se decidindo porém a conquistá-lo. Desencorajado, recusava ter memória e lembrar o seu passado. Porque haveria de fazê-lo, se só tinha saudade do que nunca tinha vivido? No seu coração estava bordado cada movimento, cada rotina, cada sorriso de Sofia, e ela nem sequer sabia. -“Se ao menos eu conseguisse contar-lhe; talvez com o tempo ela também pudesse vir a gostar de mim!” – pensava em vós alta. Ele sabia que o amor amplia o que temos de melhor, pois quando amamos e somos amados, o nosso ego fica fortalecido e permite-nos ter um dia-adia melhor e estar bem com (quase) tudo; Afinal, é por querermos ser amados, que sentimos uma necessidade constante de mostrar e ver reconhecido (pelo outro) o que de melhor temos para além do que a linguagem corporal é capaz de revelar. E se o amor não tem lugar na nossa vida, só conseguimos comunicar através do rancor (infligindo humilhação e medo), sinal maior de que somos fracos e estamos muito carentes. Assim era seu pai, um homem sombrio que havia percorrido este troço de destruição que começa no próprio e termina no outro, e Alex não queria seguirlhe as pisadas. “TUNISIAN GARDENS”, 1919 - Paul Klee setembro 2005 Então, a dada altura da vida (Porque se diz “a dada altura da vida” mesmo para vidas que nunca tiveram qualquer altura? Vidas que têm uma paixão pela qual se luta até ao fim e o momento da partida se confunde com o da chegada?), ele ganhou toda a coragem do mundo, e decidiu dizer-lhe, não lhe fosse nascer musgo na voz. Surpreendentemente, as palavras jorraram-lhe como água da fonte, e Sofia, surpresa, deixou-se molhar até se transformar num rio, e respondeu-lhe com um beijo...molhado. Depois disso (e entendam por depois o tempo que quiserem), ela sorriu e disse-lhe adeus, mas Alex não respondeu. É que “adeus” podia significar muita coisa que ele não desejava que acontecesse: que aquele encontro não se voltaria a repetir; que iriam viver entre outras pessoas; rir por outros motivos e chorar de outras dores; terem encontros diferentes em noites diversas, guiados por diferentes estrelas; que o sol que a ilumina nunca iria aquecê-lo; que a chuva que o molha a deixaria seca. Alex permaneceu imóvel a segui-la com o olhar, enquanto ela prosseguiu lentamente rua fora, e viu-a virar-se uma última vez. Foi então que soube que ela nunca mais iria fugir-lhe. É que ele tinha acabado de conquistar as asas com que antes ela fugia dele. Tinha acabado de vencer a longa Batalha que vinha travando com o medo, e tinha construído a primeira de muitas pontes para um continente imenso que teria de explorar, embora já o conhecesse tão bem. Por fim, ainda se indagou: “Agora sou outra pessoa?”. Reflectiu um breve momento, e apressou-se a satisfazer a própria curiosidade: -“Não, claro que não. Não sou uma pessoa melhor, nem pior, mas diferente!” A vida de Alex tinha acabado de começar, e logo com o brilho de uma estrela candente. JÚLIO ESTRELINHA, Psicólogo nazaré informa