nazaré informa
REVISTA DE INFORMAÇÃO MUNICIPAL
INFO MAIL
2450 Nazaré
Taxa Paga
OUTUBRO 2005
NÚMERO 4
Distribuição gratuita
fotoreportagem
A APANHA DA PÊRA
3 de Setembro,
o FERIADO que a memória apagou
Entrevista
Drª. MANUELA SOARES
«Queríamos, através
do ensino, fazer uma
transformação da vida
e da própria Nazaré»
VEADOS REGRESSAM AO PINHAL
DE N. SRA. DA NAZARÉ
A HERANÇA DOS MONGES DE CISTER
Valado dos Frades
nazaré informa
Revista Mensal
número 4 - Outubro de 2005
info mail distribuição gratuita
depósito legal 229236/05
26
[email protected]
BIVALVES
NAZARÉ EM FESTA
54
47
A CHUVA QUE ME MOLHA
DEIXA-TE SECA!, por Júlio Estrelinha
13
COLABORAM NESTA EDIÇÃO Ana Mª.
Arsénio, Carla Maurício
([email protected]),Carlos Filipe,
Delfim Mateus, José Raimundo Noras
([email protected]), José Soares, Júlio
Estrelinha ([email protected]), Mª
Laura Anastácio ([email protected]),
Mónica Maurício ([email protected]),
Reinaldo Silva, Susana Poças.
EDIÇÃO E PROPRIEDADE
Município da Nazaré - Câmara Municipal
Av. Vieira Guimarães, 54 - 2450 Nazaré
Telf.262 550 010 Fax 262 550 019
[email protected]
20
HERANÇA DOS MONGES DE CISTER
SUMÁRIO
04 FOTOREPORTAGEM
A apanha da pêra.
09 DOSSIER AGRICULTURA NO CONCELHO DA
17 CRÓNICA CULTO DA MEMÓRIA OU CELEBRA-
33 BIODIVERSIDADE Veados regressam ao pinhal do Sítio da
Nazaré.
PARQUE DA PEDRALVA.
ÇÃO DO EFÉMERO?, por José Raimundo Noras.
38
PLANEAMENTO AGENDA XXI LOCAL.
18 PATRIMÓNIO HISTÓRICO O feriado
que a memória apagou , por
40
DESPORTO MUNICÍPIO DA NAZARÉ PREMIADO.
Mónica Maurício.
42 CULTURA CÂNDIDO FERREIIRA,
ENTREVISTA MANUELA SOARES, veterinária e
directora do Externato D. Fuas Roupinho.
22
44
25 NAZARÉ UM CONCELHO DE FUTURO.
45 CRÓNICA “A nossa viagem
a Kandersteg”, por Delfim Mateus,
AMBIENTE ESPÉCIES VEGETAIS INVASORAS, por
Susana Poças.
30 PATRIMÓNIO NATURAL Um passeio
pelas estórias das rochas.
ACTOR.
UM SIGNIFICANTE ELEMENTAR, por José Soares.
Secretário do Agrupamento de Escuteiros de Famalicão.
50 Verão Musical no
Parque Atlântico.
55
O CARTOON DE... Carlos Filipe.
NO PRÓXIMO NÚMERO
FOTOREPORTAGEM:
“PÁTIOS
DA NAZARÉ”
HISTORIAL DA MEIA MARATONA DA NAZARÉ
VALADO DOS FRADES: ESTAÇÃO FERROVIÁRIA
ASCENSOR
DA NAZARÉ
36 REQUALIFICAÇÃO NOVA VIDA PARA O
NAZARÉ.
28
DIRECÇÃO Engº. Jorge Codinha Antunes
Barroso COORDENAÇÃO EDITORIAL Ana
Pouseiro GRAFISMO Ana Pouseiro e Sónia
Tiago FOTOGRAFIA António Balau
([email protected]), Vitor Estrelinha
([email protected]), arquivo CMN
IMPRESSÃO HESKA Portuguesa, SA, Sintra
TIRAGEM 7.000 exemplares.
foto de capa: Vítor Estrelinha
ESTE PROJECTO É MAIS DO QUE
ISSO.
É, ACIMA DE TUDO, UM
ACTO DE REFORÇO DE CIDADANIA
QUANDO PRETENDE TORNAR ACESSÍVEL A TODOS, OS ESTUDOS E
PROJECTOS EM CURSO, AO MESMO
TEMPO QUE OS RELACIONA COM A
REALIDADE DO NOSSO CONCELHO.
EDITORIAL
Após um intervalo maior que o normal, aqui está o nº 4 de Nazaré Informa.
Este é um projecto que, como todos os bons projectos, deve ser sempre melhorado e não se deve
perder; pelo contrário, deve merecer a especial atenção e participação de todos.
Por motivos de defesa da revista Nazaré Informa, optei por só agora lançar a edição que deveria sair no
princípio de Outubro.
Possivelmente perder-se-á um número, mas não corremos o risco de, em pleno período de eleições,
fazer passar este novo projecto pela máquina trituradora da campanha eleitoral. Desta forma, perdeuse talvez um número, mas ganhou-se a revista e um projecto que, mais do que uma edição autárquica,
é um projecto de todos.
Longe vai - e espero que não volte – o tempo em que os Boletins Municipais eram usados como um
instrumento de pressão eleitoral. Aproveitava-se então aquela margem sempre subjectiva de interpretação entre o direito à informação e o dever de informar.
Este projecto é mais do que isso. É, acima de tudo, um acto de reforço de cidadania quando pretende
tornar acessível a todos, os estudos e projectos em curso, ao mesmo tempo que os relaciona com a
realidade do nosso concelho.
Assim, iremos em cada edição procurar tornar de todos o que de melhor temos no concelho, em cada
um dos lugares e em cada uma das pessoas, com as suas histórias e experiências de vida. Actividades e assuntos não faltam.
Espero que continuem a gostar da revista Nazaré Informa como até à presente
data, como testemunham as palavras e opiniões que têm chegado até nós.
Mas seguramente poderá melhorar, através do seu contributo, de forma a
que, todos juntos, possamos também construir um melhor veículo de informação.
O Presidente da Câmara Municipal da Nazaré
Jorge Codinha Antunes Barroso
Um dia na apanha
da pêra
A fruticultura é uma das principais actividades agrícolas no concelho da Nazaré,
sobretudo nas freguesias de Famalicão e Valado dos Frades. A maçã e a pêra,
introduzidas na região pelos monges de Cister, são as principais culturas produzidas, com grande procura nos mercados consumidores nacionais e internacionais.
A apanha da fruta é, sem dúvida, a fase mais emblemática do processo produtivo.
É este o momento em que se colhe o fruto do labor de toda uma época. O
momento em que se justifica o esforço, o investimento e o sacrifício. E o momento
da esperança de bons proveitos e um melhor futuro para a vida do campo.
Uma reportagem fotográfica de VÍTOR ESTRELINHA
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nazaré informa
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outubro 2005
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fotoreportagem
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07
outubro 2005
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A época da apanha da fruta representa o culminar de um ano de trabalho no terreno. Nesta altura, os campos animam-se, ganham nova
vida. Muitas pessoas que não fazem da agricultura o seu modo de subsistência aproveitam a
época da apanha da fruta para ganharem uns
“trocos” extra. Num sector em que a mão-deobra escasseia ano após ano, estes trabalhadores sazonais são essenciais para o produtor.
Nestes rituais da subida à árvore, estender a
mão para apanhar a fruta e colocá-la nos cestos, há também tempos de convívio e de troca
de experiências.
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A agricultura
no concelho da Nazaré
nazaré informa
Texto
Fotografia
ANA POUSEIRO
VITOR ESTRELINHA
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concelho da Nazaré tem
como principal referência o
mar, enquanto base de sustentação de uma economia
piscatória, por um lado, e turística, por outro.
Contudo, as vagas do mar encontram paralelo nos sulcos da terra que, ao longo de
séculos, foi cultivada por gerações de camponeses. Desde os primórdios da nacionalidade e até 1834, data da extinção das
ordens religiosas em Portugal, as terras que
hoje englobam o município da Nazaré integravam as extensas propriedades agrícolas do Mosteiro de Alcobaça. Valado
dos Frades estava no centro desta intensa
actividade, liderada pelos monges brancos
de Cister que conquistaram férteis terrenos às margens pantanosas da Lagoa da
Pederneira e criaram, na Quinta do Campo, a primeira escola agrícola implantada
em Portugal [ver artigo nesta revista].
Extinta a Ordem de Cister, no segundo
quartel do século XIX, as propriedades
foram adquiridas por particulares, iniciando um novo ciclo na exploração agrícola.
Contudo, a dimensão das propriedades
foi progressivamente diminuindo. As alterações legislativas do Liberalismo tiveram
consequências sobre o regime de herança,
com a partilha dos bens por todos os
herdeiros e não apenas o filho primogénito. Assim, o sistema latifundiário foi dando
O
agricultura
lugar ao minifúndio que hoje caracteriza a
nossa paisagem rural.
Apesar da pequena dimensão das explorações, a agricultura continua a ser uma
actividade importante no tecido económico do concelho da Nazaré. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (*),
a taxa de população activa neste sector é
de 6,5%, um valor significativamente acima
da média nacional, que ronda os 4%.
Famalicão é a freguesia onde a percentagem de pessoas que fazem da agricultura
a sua actividade principal é maior: 22%. Em
Valado dos Frades, a população agrícola é
de 13,7% e, na freguesia da Nazaré, apenas de 1,6%.
De acordo com a mesma fonte, Valado
dos Frades é a freguesia que maior superfície agrícola utilizada apresenta, relativamente à área total, com 720 hectares
de cultivo. Desta área, quase 70% respei-
ta a explorações por conta própria e 27%
a situações de exploração por arrendamento. Em Famalicão, a superfície agrícola utilizada é de cerca de 300 hectares e,
na freguesia da Nazaré, apenas 83 hectares são dedicados à utilização agrícola.
Estes números demonstram a existência
de diferenças – ainda que subtis – entre
a agricultura praticada nas freguesias de
Famalicão e de Valado dos Frades. Apesar da taxa de população activa no sector ser inferior em Valado dos Frades, a
área afecta à produção agrícola é mais do
dobro da registada em Famalicão, o que
indica a existência, nesta freguesia, de uma
agricultura de características empresariais,
com explorações de maior dimensão e
mecanizada. Em Famalicão, a agricultura
praticada apresenta características mais
próximas de uma realidade rural de produção própria, para auto-consumo e para
OS NÚMEROS DA AGRICULTURA NO CONCELHO DA NAZARÉ
População agrícola (indivíduos)
Superfície agrícola utilizada(SAU)
SAU por conta própria
SAU – arrendamento
Superfície agrícola não utilizada
FAMALICÃO
NAZARÉ
V. FRADES
369
297 ha
174 ha
64 ha
38 ha
163
83 ha
60 ha
22 ha
6 ha
455
720 ha
495 ha
194 ha
22 ha
(*) Fonte: Instituto Nacional de Estatística. Recenseamento Geral da Agricultura, 1999.
VALADO DOS FRADES
HÁ CERCA DE 30 ANOS.
Os agricultores de Valado dos Frades deslocavam-se aos rios para
lavar toda a sua produção de cenoura, antes de serem transportadas para os mercados.
outubro 2005
nazaré informa
HORTOFRADES
Mário Monteiro aposta na valorização
da cenoura de Valado dos Frades
venda nos mercados de proximidade. Ao
contrário, grande parte da produção agrícola em Valado dos Frades destina-se aos
mercados abastecedores exteriores.
Paralelamente a este cenário, em que a
agricultura é a principal fonte de subsistência de parte significativa da população do
concelho, existe um outro, tão próprio do
nosso meio rural: o do cultivo da terra como
actividade complementar na economia
doméstica ou ocupação do tempo, comum
entre os cidadãos mais idosos.
Hortofrades dá a conhecer cenoura
de Valado dos Frades à Europa
Como referido anteriormente, o sector
agrícola no concelho caracteriza-se essencialmente pelo predomínio da pequena
propriedade, explorada pelo proprietário
e sua família e cuja produção se destina
aos mercados abastecedores locais.
Contudo, existem no concelho algumas
empresas que se têm destacado por conferir à actividade agrícola uma vertente
de empresarialização e, até, de inovação.
É este o caso da Hortofrades, em Valado
dos Frades, que se dedica à distribuição
e comercialização de produtos agrícolas,
sobretudo cenoura (que representa a
maior percentagem) e batata.
Nascida há cerca de 8 anos como uma
sociedade de agricultura de grupo, hoje é
constituída por três firmas distintas, com
23 postos de trabalho e uma produção
anual de 10.000 toneladas/ano, destinada às grandes cadeias de distribuição alimentar nacionais e à exportação.
Segundo Mário Monteiro, um dos quatro
sócios da Hortofrades, a empresa trabalha
com dezenas de agricultores locais e de
outras regiões do País, em sistema de pro-
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dução acompanhada, fornecendo sementes e fazendo o acompanhamento técnico
dos campos. Nas suas instalações de
Valado dos Frades, a empresa procede à
normalização, embalagem e comercialização
dos produtos, contando, para tal, com uma
firma própria de transporte.
«A cenoura é sem dúvida o nosso principal produto, mas estamos a apostar na
batata e na cebola. Actualmente representam apenas 10 por cento das vendas,
mas são produtos em crescimento e de
alto valor», explica Mário Monteiro. Contudo, a Hortofrades procura também alguma diversificação de produção, nomeadamente através da exportação de couve-coração e lombardos durante os meses de Inverno, para alguns mercados da
Europa Central, especialmente França.
Os principais clientes da Hortofrades são
as grandes cadeias de distribuição alimentar: Pingo Doce, Recheio, Feira Nova e Lidl.
No último ano, a empresa começou a abastecer também as cadeias “Minipreço” e
“Dia”. A exportação é a aposta seguinte.
«Se as coisas continuarem a correr bem,
começaremos a fornecer Espanha», explica Mário Monteiro. Um passo natural,
dado que a empresa já possui em Espanha
uma presença comercial. Recentemente,
foram também encetados contactos com
a Alemanha.
A maior parte da cenoura comercializada
pela Hortofrades é produzida na zona do
Ribatejo, em particular Almeirim. Isto porque aí existem as grandes áreas agrícolas,
reduzindo, assim, os custos de produção.
No entanto, o empresário reconhece que
esse produto é diferente da cenoura de
Valado dos Frades. «O sabor e o valor
proteico é muito superior na cenoura da
nossa região», explica. «Os ingleses, por
exemplo, não querem outra cenoura que
não a do Valado. Por isso, a nossa cenoura
é destinada à exportação, porque tem um
valor competitivo muito acrescido».
Em consequência deste valor, a
Hortofrades tem como um dos principais
objectivos futuros aumentar a área de
cultivo de cenoura nos campos de Valado
dos Frades, na medida em que a área
actual não é suficiente para corresponder
a um mercado cheio de apetência pelo
produto. «Neste momento, e dado estarmos a obter bons resultados, vamos
procurar incentivar as pessoas do Valado
a cultivar cenoura», refere Mário Monteiro.
«O Valado tem um nome que nunca se
perdeu e temos muito boas expectativas
para os próximos anos relativamente a
este produto. É também uma boa aposta para os produtores», acrescenta. «Apesar de haver muitos terrenos desprezados, acredito que ainda há muitos jovens
no Valado que podem ser incentivados a
produzir. Hoje há maquinaria e tecnologia
nova, a agricultura já não é como há duas
ou três décadas atrás. Nós próprios temos a tecnologia necessária para prestar
apoio aos produtores».
Com toda esta actividade, a Hortofrades
atingiu o pico de capacidade face às instalações existentes. A empresa aguarda
o licenciamento de um projecto de investimento e modernização que lhe permita
expandir a actividade, de acordo com as
exigências da União Europeia. O principal
objectivo é assegurar a rastriabilidade dos
produtos, ou seja, identificar todos os
passos da vida do produto desde a produção até chegar ao consumidor final.
«Estamos a fazer isto manualmente, mas
trata-se de uma logística demasiado complexa. Precisamos de modernizar e
automatizar estes procedimentos», salienta Mário Monteiro, para quem este é
um exemplo da burocracia que coloca
obstáculos ao desenvolvimento do sector e à iniciativa privada. «Trata-se de um
investimento de 800 mil euros que
outubro 2005
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estamos dispostos a fazer. Se os organismos públicos não ajudarem, o desenvolvimento do sector é mais complicado.
Isso e a carga fiscal, que em Portugal é
enorme quando comparada com outros
países, inviabiliza que nos tornemos competitivos». Uma situação que, para o empresário, é incompreensível, dado que
«Portugal muitas potencialidades. Temos
o clima ideal para produzir quando outros países da Europa não conseguem,
devido ao Inverno rigoroso. Poderíamos
aproveitar isso para apostar na exportação e conquistar esses mercados. A Hortofrades já faz isso há cinco anos e esperamos continuar a fazer. Não podemos
pensar só em abastecer o mercado interno, porque aí não temos hipótese. Temos de pensar em ir mais longe», conclui.
Viveiros Hélio Paiva
Outra empresa que caracteriza a
potencialidade agrícola do concelho da
Nazaré produz um volume anual de 50
milhões de plantas. Os “Viveiros Hélio
Paiva”, também localizados em Valado dos
Frades, abrangem uma área de cerca de
17.000 m2 que, em breve, aumentará em
mais 7.000 m2, com a construção de novas estufas.
Os viveiros fornecem plantas para a produção de lombardo, bróculo, couve flor,
alface e salsa, no mercado de frescos; e
tomate, a partir de Fevereiro, para a indús-
outubro 2005
tria. Segundo o empresário Hélio Paiva, os
principais clientes são os produtores da
região de Alcobaça e Nazaré, no que se
refere ao mercado de frescos, e os agricultores do Ribatejo, na vertente indústria.
Os Viveiros funcionam também como um
serviço de apoio ao produtor mas, neste
caso, e ao contrário da Hortofrades, na fase
pré-produtiva. «As sementes são actualmente muito caras, na medida em que
resultam cada vez mais da investigação
laboratorial», explica Hélio Paiva. «Um produtor pode chegar a ter um desperdício
na ordem dos 60 por cento. Aqui, nas
estufas, compramos as sementes e criamos as plantas. A nossa taxa de eficácia
situa-se entre os 90 e os 95 por cento.
Portanto, compensa aos agricultores comprar a planta em vez das sementes».
Esta taxa de eficácia deve-se ao facto de,
nas estufas, todo o ambiente ser controlado, ao contrário do que acontece numa
exploração comum, mais exposta aos agentes atmosféricos e às aves que procuram
as sementes. «Aqui tudo é desinfectado,
desde o terreno aos tabuleiros», salienta o
empresário.
À semelhança de Mário Monteiro, também
Hélio Paiva considera que os produtos agrícolas da região são de elevada qualidade e
representam valor acrescentado. Mas, na
sua opinião, esse aspecto não tem sido
suficiente para potenciar o desenvolvimento do sector. «Peca por falta de organiza-
DINAMISMO EMPRESARIAL
Hélio Paiva defende critérios mais claros
no apoio aos produtores
ção dos produtores», afirma o empresário.
«Existem muitos pequenos agricultores, logo
a rentabilidade não é elevada. Esta é uma
das zonas mais individualistas do país, sobretudo no sector hortícola. Os produtores, sozinhos, não têm capacidade de colocar os seus produtos no mercado. Tem de
se evoluir no caminho do associativismo,
como forma de combater os produtos que
chegam de fora com preços mais competitivos. Um certo comodismo tem feito vingar as empresas em vez das organizações
de produtores», remata.
Para Hélio Paiva, outro problema que atinge o sector agrícola é a deficiente gestão
dos incentivos aos produtores. «Há pouco
controle dos fundos comunitários que são
atribuídos, por vezes a projectos que fecham as portas pouco tempo depois do
início de actividade», declara. «Mas as empresas rentáveis, activas e que dão emprego a pessoas não têm qualquer tipo de
auxílio, nem do Estado nem da banca». Dá
como exemplo a sua própria empresa e o
projecto de expansão da área de estufa.
«Submeti esse projecto para o IFADAP
há dois anos, para conseguir algum apoio
ao investimento. Está lá parado porque não
é considerado prioritário», conta. «Quando criei esta empresa, foi um investimento de mais de 30.000 contos. Hoje continua a laborar e dá emprego a 10 pessoas. Não há apoio para estas empresas,
mas há para outras que aparecem e desaparecem sem ninguém controlar para
onde foi o dinheiro», lamenta.
Apesar da falta de apoios, os Viveiros Hélio Paiva vão avançar com o projecto de
expansão, num investimento de 300.000
euros, totalmente auto-suportado.
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QUINTA
A
DO
CAMPO
EM
VALADO
DOS
FRADES
herança dos monges de Cister
Nove séculos depois, a paisagem dos campos de Valado dos Frades é ainda um
dos mais fortes testemunhos da presença dos monges brancos de Cister na nossa
região. Dinâmicos e engenhosos, conquistaram terra à Lagoa da Pederneira, desviaram
leitos de rios, elevaram margens, construíram canais de irrigação e complexos sistemas
hidráulicos, deixando uma marca tão poderosa na sua relação com a paisagem que o tempo
e a evolução tecnológica não conseguiu apagar. Todo este conhecimento estava concentrado
na Quinta do Campo, uma das dez granjas agrícolas que os monges de Cister fundaram no
território dos seus coutos de Alcobaça, e a única que sobreviveu até aos nossos dias. Hoje
unidade de turismo rural, durante séculos foi uma escola agrícola e pólo de transmissão de
saberes inovadores na área da agricultura e da engenharia hidráulica
nazaré informa
Texto
Fotografia
ANA POUSEIRO
VITOR ESTRELINHA
outubro 2005
14
património rural
F
alar de agricultura no concelho
da Nazaré significa, forçosamente, falar da riquíssima herança
dos monges de Cister e,
consequen-temente, recuar aos distantes
tempos da fundação da Nacionalidade.
Grande parte do que é hoje a paisagem
agrícola do concelho, sobretudo nos chamados campos de Valado/ Cela (e que
abrangem também as zonas baixas da freguesia de Famalicão), deve-se à monumental obra de engenharia hidráulica que os
frades da Ordem de Cister desenvolveram na região, a partir do século XII. Durante os mais de 200 anos que durou a
construção da Abadia de Santa Maria de
Alcobaça, os monges fundaram dez granjas agrícolas, umas das quais a Quinta do
Campo, cuja área abrangia, grosso modo,
a actual freguesia de Valado dos Frades.
A sua implantação obedeceu às necessidades de desbravamento e povoamento das terras da época [ver caixa], sendo
o local de instalação cuidadosamente escolhido. A Quinta do Campo situava-se
no extremo poente da área de influência
outubro 2005
João Pedro Collares Pereira, o actual proprietário, no miradouro do jardim,
indicando a antiga vastidão dos terrenos da granja cisterciense
directa do Mosteiro, junto a um extenso
braço de mar, a Lagoa da Pederneira.
Distinguiu-se das restantes granjas por não
ter dado, de imediato, origem à fundação
de uma povoação junto a ela (Valado dos
Frades só se desenvolveria mais tarde).
Em vez de se tornar um pólo
de colonização, a granja transformou-se numa escola agrícola. A necessidade de conquistar terreno à extensa lagoa e
secar as zonas pantanosas
envolventes revelou-se uma
oportunidade para aplicar os
conhecimentos e experiência
dos monges de Cister na área
da hidráulica agrícola. Terá sido
destes campos ganhos à água,
aráveis e férteis, que a granja
adquiriu a sua designação.
Das granjas cistercienses criadas nesse tempo, apenas a
Quinta do Campo sobreviveu
até aos nossos dias, mantendo os traços arquitectónicos
primitivos. Na opinião de João
Pedro Collares Pereira, o actual
proprietário, a Quinta do
Campo é «o mais antigo exemplar da arquitectura agrícola
medieval existente em Portugal».
De facto, à volta do que é hoje o pátio
central do complexo de edifícios que compõem a quinta, existe um conjunto de
construções em forma de U que integrariam o núcleo primitivo da granja,
vocacionado para as actividades agrícolas, designadamente os antigos celeiros.
No local onde outrora se situava um
mosteiro e uma igreja (que ficou em ruínas após as convulsões que causaram a
extinção das ordens religiosas) ergue-se
hoje a casa principal. Um majestoso edifício oitocentista, desenhado pelo arquitecto francês Amável Granger, sob orientação do bisavô do actual proprietário que,
na época, adquirira a quinta arruinada.
«Ao contrário das outras granjas, que
desapareceram á medida que davam origem a povoações, esta permaneceu e
afirmou-se como um pólo de desenvolvimento agrícola», explica João Pedro Pereira. É visível o seu orgulho pela dimensão histórica da Quinta do Campo ao
indicar, do alto do miradouro existente
no jardim, a vastidão das terras originalmente pertencentes à propriedade.
«Aqui os frades dominaram a água, conquistaram campos e iniciaram a gigantesca obra do sistema de drenagem da Lagoa da Pederneira», recorda. Um trabalho alicerçado na criação de uma escola
nazaré informa
31
Um dos mais interessantes locais remanescentes do antigo complexo agrícola
cisterciense, a adega encerra também um mistério. Ou melhor, vinte. As suas
colunas de ferro são, segundo João Pedro Pereira, contemporâneas das colunas
usadas na reconstrução da cozinha do Mosteiro de Alcobaça, em data anterior
ao uso do ferro como material de construção civil comum, em toda a Europa.
O actual proprietário acredita que as colunas foram feitas na fundição da
granja, na medida em que havia exploração de ferro na região.
agrícola («a primeira a existir em Portugal», frisa João Pedro Pereira) que aplicava os conhecimentos dos monges e ensinava os colonos a tirar proveito das
potencialidades da terra e a introduzir
novas culturas.
Além da drenagem e saneamento das zonas húmidas da envolvente da Lagoa, os
monges de Cister foram responsáveis pelo
desvio do leito do rio Alcoa e do rio da
Areia, pela subida das suas margens e pela
construção de canais artificiais, destinados
à criação de um sistema de rega dos campos agrícolas (canais que, ao longo do tempo, tomaram a designação de “rios”, como
o povo os conhece hoje, como é o caso,
por exemplo, do chamado Rio do Meio).
Implementaram também o sistema de “portas de maré” na antiga foz do rio, que se
situava sensivelmente na zona da Ponte das
Barcas, e que ainda hoje é um elemento
importante no sistema de rega dos campos do Valado. Com estas criações, centralizadas no pólo de conhecimento que
era a Quinta do Campo, os monges de
Cister desenharam a paisagem agrícola que
se conhece e implementaram os fundamen-
nazaré informa
tos da engenharia hidráulica moderna, adaptada à agricultura.
Remontando aos primórdios da Nacionalidade, a Quinta do Campo surge como
um dos núcleos urbanos mais antigos do
concelho da Nazaré.
João Pedro Pereira acredita que, para
além do seu papel enquanto escola agrícola, a Quinta do Campo teve também
importância social e política. O actual proprietário recorre ao testemunho de documentos antigos para lembrar que a
Lagoa da Pederneira era navegável e que,
entre outras embarcações, foi aportada
por navios da poderosa e rica Ordem
do Templo. Uma ligação que, na sua opi-
A ORDEM DE CISTER EM PORTUGAL
A Ordem de Cister e a sua Abadia de Alcobaça tiveram grande prestígio e
influência durante os primeiros séculos da nacionalidade. Fixados Portugal desde
o século XII, os monges brancos beneficiaram de forte protecção régia, sobretudo durante a primeira dinastia. Acompanhando a formação do território português com a criação de mosteiros nas regiões norte e centro do País, contribuíram de forma decisiva para a colonização e desenvolvimento das vastas áreas
que ocuparam, aplicando técnicas agrícolas inovadoras e intensivas, e desenvolvendo uma relação singular com a paisagem.
O grande desenvolvimento da Ordem de Cister deveu-se à figura de São
Bernardo de Claraval, por muitos considerado como uma das mais influentes
personalidades da Idade Média e, sem dúvida, um dos seus protagonistas.
Quando São Bernardo se ordenou monge, a Ordem de Cister era pequena e
muito pobre; no final da sua vida, estavam já estabelecidos 243 mosteiros
cistercienses em toda a Europa, muitos deles proprietários de vastas áreas e
grande riqueza.
Reformador da Cristandade e místico da contemplação, São Bernardo
correspondia-se com D. Afonso Henriques, rei que favoreceu largamente o
incremento da Ordem. Uma relação tão forte que levou o filósofo Agostinho
da Silva a afirmar que «a fundação do Portugal é um acto inteiro da potência
mística e de acção de São Bernardo, o de Claraval».
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16
nião, encerra alguns segredos que talvez
o tempo se encarregue de revelar…
Mais recentemente, e após a sua aquisição pelos antepassados de João Pedro
Pereira, a Quinta do Campo continuou a
escrever linhas na história de Valado dos
Frades. No século XIX, a construção do
caminho-de-ferro exigia a cedência de terrenos e, na sua grande extensão, a Quinta do Campo era literalmente atravessada de alto a baixo. O proprietário da
época cedeu ao Estado, gratuitamente, os
terrenos necessários, com uma única exigência: a de que se situasse em Valado
dos Frades uma estação ferroviária, que
servisse Alcobaça e Nazaré, já à época
importantes pólos turísticos.
Foi este facto que provocou a emergência e o desenvolvimento populacional de
Valado dos Frades, com alguns serviços
de apoio ao caminho-de-ferro, transportes e mercadorias.
A Quinta do Campo hoje
A importância histórica, cultural e patrimonial
do conjunto edificado da Quinta do Campo valeu-lhe a classificação como imóvel de
Interesse Arquitectónico, Histórico e Cultural pela Direcção-Geral de Turismo e a classificação como Imóvel de Interesse Público
pelo IPPAR. Há várias décadas que a agricultura deixou de ser a base de sustentação da Quinta do Campo, mas a memória
dessa herança foi cuidadosamente preservada, valorizando a sua nova actividade: o
Na biblioteca da casa principal, existe um acervo documental significativo sobre os concelhos de Alcobaça e Nazare, e sobre a actividade da
Ordem de Cister, no qual pontuam algumas raridades
turismo rural e o turismo de animação e
eventos. Por todo o lado, respira-se história e não é difícil imaginar a actividade in-
tensa dos monges de Cister e dos colonos
primitivos para tornar produtivas aquelas
terras pantanosas. Uma relação entre património, ruralidade e turismo de qualidade que, na opinião de João Pedro Pereira, ainda não é potenciada da melhor forma, para proveito do concelho. «A Nazaré
não se limita ao mar e à pesca. É um
concelho muito rico e diversificado, em que
a agricultura tem também um peso muito importante. Falta ainda estudar as implicações históricas, culturais e sociais dessa
diversidade», defende.
Hoje adaptados a alojamento de
turismo rural ou infra-estruturas de
apoio à realização de festas e eventos,
os antigos celeiros e adegas da granja
mantêm ainda a arquitectura concebida
pelos monges-agricultores
outubro 2005
nazaré informa
17
crónica
Culto da memória
ou celebração do efémero?
Texto
JOSÉ RAIMUNDO NORAS
simples acto de recordar tem
mais implicações para a vida
do que poderíamos supor.
De facto, o conhecimento do
passado é vital para que os organismos
vivos sobrevivam e evoluam ao longo do
tempo. Mesmo do ponto de vista biológico, a memória é uma capacidade essencial
para qualquer ser vivo, ou seja, todo o tipo
de memórias que os seres vivos possuem,
desde do início dos tempos, tem servido
como capacidade natural de adaptação ao
meio e forma de assegurar a sobrevivência. Por outro lado, quando falamos da memória humana, temos em consideração que,
desde a aurora do pensamento filosófico,
esta foi definida como base do conhecimento. Platão, por intermédio da figura de
Sócrates, define todo o conhecimento como
reminiscência – ou anamenese – de uma
verdade última anterior à vida presente.
Aspecto essencial à vida, elemento basilar
na constituição da identidade e para muitos, base epistémica de todo o saber, a
memória sempre constituiu ponto de partida para especulações variadas. Como
nos lembramos? Porque duram umas memórias mais do que outras? Onde no cérebro humano se localiza a memória? Será
possível memória sem esquecimento? Será
toda a memória real ou, por definição,
ficção dos próprios sujeitos cognoscentes?
Têm sido estas as questões principais das
ciências que estudam a memória.
Hoje em dia, na nossa “sociedade da informação”, coexistem duas atitudes para
com a memória. Constantemente, se constroem edifícios do saber sob a capa de
falsas memórias, usando e abusando do
passado. Todavia, por outro lado, vivemos na sociedade do aqui e do agora,
O
nazaré informa
«A partir do homo sapiens, a constituição de uma utensilagem
da memória social domina todos os problemas da evolução humana.»
(Leroi-Gourham, in Le geste et la parole, pp. 24)
da aceleração do tempo até ao infinito.
Estas duas concepções memorativas
revelam atitudes antagónicas para com a
Memória e o Esquecimento. Uma idolatraa e para ela transfere a responsabilidades
das acções humanas. A outra tende a
esboroar a necessidade de memória,
como se o Homem fosse, por natureza,
um ser amnésico. Esta circunstância traduzse na realidade efectiva da contradição
social referente à memória ou, segundo
alguns autores, no proclamar do grau zero
do tempo, no qual a memória será quase
despida do seu valor ontológico. Desta
feita, a ideia de aceleração do tempo transforma-se na máquina fatal, que tritura, no
culto do efémero, as nossas necessidades
mnésicas – lembrando as palavras
perturbadoras de Pierre Nora, só se fala
tanto de Memória, pela razão dela já não
existir».
Tzvetan Todorov, sociólogo búlgaro, propõe um “dever da memória”, como valor
central da nossa relação com o passado,
necessariamente subordinado à ideia de
Bem. Já, Marc Augé, na obra Formas de
Esquecimento, postula antes a necessidade
do esquecimento como a fuga necessária
para o presente. Porque esse esquecimento é parte dialéctica essencial no processo anamenésico e caminho de regresso
do passado para o presente. Na realidade, o culto desenfreado da memória
traduz-se, tão só, na celebração celerada
do efémero. Todavia, uma relação saudável com os nossos conteúdos mnésicos
terá sempre de encarar o esquecimento
como processo construtivo da memória,
assumindo-se, à partida, que esta nos define enquanto seres únicos, moldando no
Tempo a identidade dos Homens.
Que passado preservar? – deverá ser
sempre esta a questão primordial em termos patrimoniais. Decorre, logicamente, dos
pressupostos atrás enunciados, que a identidade dos Homens – e das cidades ou
vilas que edificam – está simbioticamente
ligada à sua relação com a Memória. Aliás,
na linha do que sustenta Daniel Schacter,
como que comprovando a frase de José
Saramago, “sem memória não existimos”.
Por isso, urge, nessa relação afável com a
Memória, descortinar, não só qual o passado a preservar, numa lógica de preservação do essencial, mas sobretudo que presente preservar. Dado que, inexoravelmente, este nosso presente será o passado a
salvaguardar das gerações vindouras.
Deste modo, só encontrando o ponto
de equilíbrio entre o dever de memória e
a necessidade de esquecer evitaremos o
inelutável crepúsculo da memória na sociedade de informação.
JOSÉ RAIMUNDO
NORAS
Licenciado em História pela Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra. Autor da tese de licenciatura O Crepúsculo da Memória na Sociedade da Informação – que Limites Éticos para
os Discursos Memorativos? (Coimbra, 2004).
Foi orador convidado no X Encontro
Nacional de Municípios com Centro Histórico, realizado na Nazaré em 2005, com
o tema “Da Comemoração Total à Preservação do Essencial - Algumas considerações sobre a Memória na sociedade
moderna”, de onde resulta o presente
artigo.
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18
3 de Setembro
O FERIADO
que a memória apagou
Texto
MÓNICA MAURÍCIO (*)
evolução político-administrativa do concelho da Nazaré
tem uma importância fundamental para a compreensão
da História do mesmo, na sua actual configuração.
Importa ter em conta que o termo Pederneira designava
a vila que actualmente se conhece por Nazaré, e não apenas o
lugar de Pederneira dos dias de hoje, fazendo então parte do
concelho da Pederneira. A origem da Nazaré enquanto concelho é
recente, na medida em que o local onde actualmente se situa o
centro da vila da Nazaré se encontrava submerso pelo mar, sendo
apontada a sua povoação apenas a partir do século XVIII.
A origem e a configuração do concelho da Pederneira têm sido
temáticas bastante discutidas. Desta forma ao facto de que a
Pederneira teria sido concelho a 1 de Outubro de 1514, durante
a reforma dos forais levada a cabo por D. Manuel I em todo o
território nacional, opõe-se a tese de que «o verdadeiro e antigo
foral que por D. Afonso Henriques fora concedido à mesma vila»
(O Arqueólogo Português, Vol XXV, 1922) é que lhe teria dado origem.
Existe ainda a teoria de que a existência da Pederneira enquanto
concelho apenas se teria verificado após a extinção das ordens
religiosas a 1834.
A história do concelho da Pederneira não é contínua, já que este,
por duas vezes se extinguiu. O concelho manteve a sua autonomia
até 6 de Novembro de 1836, altura em que, por decreto provisório,
foi anexado ao concelho de Maiorga, voltando a ser autónomo a
12 de Junho de 1837. Pela Reforma da nova divisão territorial
para o serviço judicial e administrativo (Ministério dos Negócios
Eclesiásticos e de Justiça, de 24 de Outubro de 1855-D.G. nº283),
voltou o concelho de Pederneira a ser extinto, passando a integrar
o de Alcobaça. Todo este processo de anexações e desanexações
inscreveu-se no âmbito de uma organização territorial que teve
lugar no ano de 1838, data em que se organizou o município
moderno segundo as linhas mestras do liberalismo português.
A
Restauração do Concelho da Pederneira
Por Carta de Lei de 11 de Junho de 1898, deu-se a restauração
do concelho da Pederneira, tornando-se independente do de
Alcobaça. Fica assim constituído pelas freguesias de Famalicão (que
já tinha pertencido aos concelhos de Alcobaça e das Caldas da
Rainha, a este último desde 8 de Setembro de 1895 até Maio de
1896), Valado dos Frades e Pederneira.
Aquando o regresso da autonomia concelhia à Pederneira, esta já
outubro 2005
não era a vila próspera de outrora. A Praia ocupava agora o lugar
central, detendo o maior número de habitantes, sendo que com a
dinamização do turismo tinha sofrido uma evolução, que lhe conferia
o estatuto ideal para receber os Paços do Concelho. Como atenta
J. C. Poças, «só em quatro meses do ano de 1875 se concluíram
mais de 20 prédios para residência de banhistas». Deste modo, a
Praia recebeu os serviços camarários, embora o concelho tenha
continuado a designar-se Pederneira.
No mês seguinte, funcionavam já todas as repartições públicas do
Concelho da Pederneira. A 20 de Agosto, a Câmara Municipal
deliberava, em sessão extraordinária, que as sessões camarárias
fossem realizadas na casa de Alberto de Carvalho Remígio, na Rua
da Alfândega, destinada a Paços do Concelho e alugada por 81
mil réis por ano. A rua onde se instalou a repartição da Câmara,
passou a designar-se Rua 3 de Setembro, devido ao facto de ter
sido nesta data que o arquivo camarário do antigo Concelho da
Pederneira veio de Alcobaça.
Uma vez instalados os serviços camarários na Praia, iniciou-se
uma luta para mudar o nome do concelho, visto que já não fazia
sentido a manutenção da designação Pederneira. Deste modo, o
Concelho da Pederneira passa a denominar-se Nazaré a 18 de
Dezembro de 1912. O Século de 5 de Junho de 1911 refere: «No
tempo da monarquia falou-se, por mais de uma vez, em pedir aos
governos para que fosse mudado o título do Concelho da
Pederneira para o de Nazareth, apresentando-se com motivos
justificativos o funcionamento das repartições nesta vila (...) e ainda
Edifício dos Antigos Paços do Concelho, Pederneira.
nazaré informa
V. E.
19
Placa toponímica da antiga Rua da Alfândega
o existirem aqui as repartições oficiais com os títulos de capitania
do porto da Nazareth, posto fiscal e estação telegrafo-postal».
O Alcôa de 30 de Agosto de 1917 notícia: «Há poucos anos
devido ao incremento tomado pela população da praia, passou
a denominar-se concelho da Nazaré».
Festividades do dia 3 de Setembro
Desde 1899, 3 de Setembro passou a ser a data escolhida
para a comemoração do feriado municipal, celebrando o
aniversário do restabelecimento do concelho da Pederneira. Nesta
data decorriam várias festividades e todos os estabelecimentos
oficiais fechavam portas. Deste modo, a 3 de Setembro de
1899, um ano após a restauração do concelho, foi inaugurado
na Praça Sousa Oliveira um coreto, utilizado diversas vezes na
comemoração do feriado, actuando nele várias bandas
filarmónicas.
As festividades desse feriado pressupunham a realização de
concertos públicos, protagonizados pelas bandas da Marinha de
Guerra, da Filarmónica do Valado, da Filarmónica Musical
Nazarense, entre outras. A fachada do edifício onde se encontrava
instalada a Câmara era iluminada e promoviam-se festivais
artísticos, desportivos e taurinos. «Comemorando o 32º
aniversário da Restauração do nosso concelho, a Filarmónica do
Valado cumprimentou (...) as autoridades locais, percorrendo
várias ruas da Nazareth e dando á noite concerto no coreto»,
relata o Notícias da Nazareth, de 7 de Setembro de 1930.
«Foram queimadas muitas barricas de alcatrão, no mar e ao
longo da base do promontório, subindo ao ar grande número
de balões e sendo queimados muitos foguetes» (A Nazareth, 4
de Setembro de 1910).
(*) Historiadora
nazaré informa
V. E.
Desaparecimento do feriado de 3 de Setembro
Com o desenrolar do tempo, a comemoração do feriado foi
perdendo o seu carácter exuberante, dado que «este dia era
assinalado (...) com alguns acontecimentos festivos, que
ultimamente e nem sempre se limitam ao gasto de umas tantas
dúzias de foguetes e morteiros», (Nazaré, Dezembro de 1956).
Esta data foi comemorada até ao fim do ano de 1951, sendo
publicado no ano seguinte o decreto nº38.596 de 4 de Janeiro
de 1952, que veio estabelecer novas normas para os feriados
municipais. «O decreto não acabou completamente com os
dias de feriados municipais, antes os integrou dentro de um
novo espírito que se encontra expresso no seu artigo 4:
“relativamente aos concelhos em que se realizar alguma festa
tradicional e característica, poderá o Governo por decreto do
Ministério do Interior e do Ultramar, autorizar que as respectivas
Câmaras Municipais considerem feriado o dia especialmente
consagrado a tais festas”» (Nazaré, Dezembro de 1956). Esta
medida foi contestada, visto que muitos eram os que gostavam
ver restabelecido o feriado municipal a 3 de Setembro. Chegouse a pedir para que esta data fosse celebrada juntamente com
as festas em honra da Nossa Senhora da Nazaré, a 8 de
Setembro. Com o passar do tempo, caiu no esquecimento a comemoração da Restauração do Concelho, celebrando-se actualmente apenas o dia 8 de Setembro, feriado de cariz religioso.
Fachada actual da casa de
Alberto Carvalho Remígio, onde se instalou a
Câmara Municipal a 3 de Setembro de 1898.
CHEGADA DO ARQUIVO CAMARÁRIO
«O arquivo camarário da antiga câmara da Pederneira
veio de Alcobaça no dia de hoje [3 de Setembro de 1898],
sendo recebido na ponte do Cardial - extrema do concelho
- e acompanhado por muito povo até ao edifício que havia
de servir de Paços do Concelho.
A valiosa mesa que, durante séculos, serviu na sala das
sessões nos Paços de Concelho da Pederneira e que era
pertença da Câmara ficou em Alcobaça, por lá se negarem
a entregá-la, embora tivessem perfeito conhecimento de
que pertencia à Pederneira.»
A Nazaré-Coisas ouvidas, lidas e vistas. José Pedro, in O Mensageiro,
1942.
outubro 2005
20
ASCENSOR
da Nazaré
Texto
MÓNICA MAURÍCIO, Historiadora
Sítio e a Praia mantiveram, durante décadas, um
distanciamento não só geográfico, mas sobretudo
social. A construção de um ascensor, no fim do século
XIX, veio pôr termo a este afastamento, propiciandose a ligação de uma mesma população dividida em dois pelo
relevo geográfico.
A 15 de Outubro de 1888, formou-se uma parceria sediada
em Lisboa, que tinha como objectivo a construção de um ascensor
na Nazaré, de que faziam parte o Dr. Tavares Crespo, Francisco
Morais, Joaquim Carneiro D’Alcáçovas de Sousa Chicharro, José
Eduardo Ferreira Pinheiro, Barão de Kessler e Raul Mesnier. A
utilidade da construção de um ascensor advinha do facto de a
Nazaré ser, já nesta época, uma estância balnear de grande
importância, recebendo no Verão um grande número de
visitantes, e de os habitantes da vila se encontrarem longe da
Real Casa da Nazaré, actual Confraria da Nossa Senhora da
Nazaré. Na deslocação entre o Sítio e a Praia havia somente
uma estrada de grande distância e uma ladeira de areia solta.
A escolha do autor do projecto recaiu sobre Raul Mesnier de
Ponsard, engenheiro nascido no Porto, de ascendência francesa,
autor e colaborador de diversos projectos de elevadores
portugueses como, por exemplo, o elevador de Santa Justa em
Lisboa, e discípulo de Gustav Eiffel.
As primeiras experiências do Ascensor tiveram lugar a 19 de
Maio de 1889, diante de um grande número de populares curiosos
e incrédulos com a nova máquina. Esta experiência,
contextualizada no final do século XIX, foi uma novidade tanto
para a Nazaré como para Portugal, já que foi um dos primeiros
elevadores do género a funcionar.
A 28 de Julho de 1889, procedeu-se à inauguração do ascensor,
ao som de música e foguetes, com a presença do Ministro das
O
outubro 2005
Obras Públicas e Fazenda, e com a cobertura jornalística da
imprensa local, regional e da capital. Em homenagem à protectora
da vila, o ascensor foi benzido e denominado de Nossa Senhora
da Nazaré.
Inicialmente, o ascensor funcionava apenas durante a época
balnear (entre 15 de Agosto e 15 de Outubro, período em que
grande número de turistas visitavam a Nazaré) desde as 6h da
manhã até às 21h com carreiras regulares de meia em meia
hora. Nas festas de Nossa Senhora da Nazaré, o horário estendiase até às 24h, e o preço dos bilhetes aumentava.
Em Dezembro de 1922, o ascensor começou a funcionar durante
o Inverno. «Tem trabalhado desde o princípio do mês o ascensor
da Nazaré, inaugurando assim o novo serviço da época de
Inverno. É um benefício muito sensível para as gentes que ao
Sítio vão ou de lá vêm, e era uma quase necessidade, atendendo
à importância crescente das relações de toda a espécie que
deve haver e há de facto entre a Praia e o Sítio. Que o público
saiba sentir esta necessidade, e o serviço manter-se-á para bem
de nós todos e para proveito da empresa, está claro». (Jornal
Probus de 5 de Dezembro de 1922)
Devido à grande crise económica que se fazia sentir, cedo se
percebeu que não se conseguiria lucro no ascensor durante o
Inverno, pois as pessoas acabavam por ir a pé, visto que não
possuíam dinheiro para pagar a viagem. «Esteve prestes a parar
depois de transcorridos dois meses de serviços na presente
temporada de Inverno, mas enfim sempre continuou trabalhando.
Agora dizem-nos que parará definitivamente no fim do mês em
que estamos. Se vai deixar de prestar-nos os seus serviços, é
porque eles não são género de primeira necessidade, e servirá
de explicação a este acontecimento a extraordinária falta de
peixe que tem havido desde há meses e que tem exaurido as
nazaré informa
Carros originais do Ascensor, inaugurado a 28 de Julho de 1889
Álvaro Laborinho
O ASCENSOR ORIGINAL E AS SUAS OBRAS
DE MODERNIZAÇÃO
O ascensor original possuía dois carros que comportavam 62
pessoas, lotação que podia ser aumentada para 100, desde
que fossem retirados os bancos, o que acontecia frequentemente
durante as festas de Nossa Senhora da Nazaré. Os bancos
estavam dispostos no sentido longitudinal, com coxia ao centro,
sendo a vedação lateral dos carros feita por grades de ferro
corrediças que davam entrada e saída aos passageiros por quatro
aberturas além das entradas principais, situadas na parte superior
dos carros. Estes encontravam-se ligados por um cabo de aço e
eram accionados através de uma máquina a vapor, proveniente
da fábrica Esslingen-Machinen, na Alemanha.
A linha dos elevadores encontra-se assente em leito próprio,
deslizando numa extensão de 310m, com uma inclinação de
42%. O cabo funciona a descoberto sobre roldanas podendo,
deste modo, ser facilmente vistoriado e limpo.
Em 2002, o Ascensor da Nazaré beneficiou de um complexo
processo de modernização que incluiu a substituição das velhas
carruagens por um equipamento mais moderno e confortável, a
recuperação da linha e chassis da estrutura e a beneficiação
arquitectónica e funcional das gares. Um investimento de cerca
de 1,5 milhões de euros e que teve como principal objectivo,
não apenas a modernização do equipamento, mas essencialmente
reforçar a vertente da segurança. Com esta intervenção, o
Ascensor da Nazaré ficou dotado de condições que permitem
o seu funcionamento à luz das apertadas directivas comunitárias
no que concerne os meios de transporte por cabo.
V. E.
bolsas dos que dele vivem. Vai parar o elevador por falta de
frequentadores, mas... fecharão acaso as tabernas por falta de
bebedores.» (Jornal Probus, 20 de Fevereiro de 1923).
Tal como sucede actualmente, o ascensor encerrava durante
uma parte do ano, geralmente entre Abril e Maio, para se
proceder às revisões e arranjos necessários, mantendo-se deste
modo uma segurança constante.
A 1 de Outubro de 1924, a Confraria da Nossa Senhora da
Nazaré comprou o Ascensor, com o intuito de efectuar a
angariação de meios para a manutenção do Hospital de Nossa
Senhora da Nazaré e facilitar o acesso dos fiéis ao Santuário.
Cerca de uma década depois, a 19 de Dezembro de 1932,
a Câmara Municipal da Nazaré adquiriu o ascensor, no valor
de 368.013$00, sendo ainda hoje o proprietário do imóvel.
No contrato, ficou acordado que nos meses de Agosto,
Setembro e Outubro os bilhetes seriam aumentados dez
centavos, aumento destinado à manutenção do Hospital ou
de outro estabelecimento de beneficiência dependente da
Confraria da Nossa Senhora da Nazaré.
Com o decorrer dos anos o ascensor foi sofrendo diversas
alterações, como arranjos das gares, colocação de sinais sonoros,
entre outros. «Os Serviços Municipalizados introduziram nos
carros do elevador, sinais sonoros para advertir os passageiros
da partida dos carros, assim como da aproximação do túnel
e da chegada às gares, em especial à do Sítio, isto é das
aproximações do perigo» (Nazaré, Setembro de 1958).
Símbolo da Nazaré, o ascensor foi desde a sua abertura um
sucesso, uma atracção única para o visitante da Nazaré que,
maravilhado com a curta viagem, não a esquece, como nos
revela este relato: «(...) instalado nesse elevador, que começa a
descer lentamente, como um ruído mudo, por vezes bruscamente
entrecortado como se lhe dessem um puxão mais violento. E
outra vez, mas agora com um vigor mais intenso, a fúria dos
carros, ao sair do túnel, a vasta amplidão das águas, as
montanhas, tudo tão por baixo, de nós que parece que virmos
mergulhar sobre a praia, descendo a prumo do céu, e essa
dúvida fantástica quase nos obriga a fechar os olhos, tamanha
é a atracção, tão rigorosa e empolgante é a sensação que nos
domina. Mas pouco, as casas vão-se distanciando, está mais
próximo o marulho das águas, as montanhas perdem-se no
horizonte, e entramos solenemente e vagarosamente sob um
alpendre» (José Sarmento, Praia da Nazareth).
Ainda hoje, passado mais de um século desde a sua abertura,
o ascensor mantém a sua função, transportando
quotidianamente a população local e maravilhando milhares
turistas presenteados com a viagem neste ex-libris nacional, ao
visitar a tipíca Nazaré.
Ascensor da Nazaré, Julho de 2005
Acidentes no Ascensor
No dia 2 de Fevereiro [de 1930], à noite «na casa das máquinas
do elevador da Nazareth e no momento em que os carros faziam
uma das suas habituais carreiras, soltou fora do volante a correia,
que o punha em movimento (...) dentro dos carros estabeleceu-se
o pânico do qual resultou alguns passageiros saltarem à linha. (...) o
condutor do carro, que começou a descer, vendo que o carro
começava a ganhar velocidade, soltou os travões automáticos
nazaré informa
obrigando o carro a uma paragem brusca, mas evitando assim um
grande acidente» (A Nazareth, 6 de Fevereiro de 1930).
A 15 de Fevereiro de 1963 sucedeu outro acidente, mas bastante
mais grave que o primeiro, resultando a morte de duas pessoas e
dezenas de feridos, o elevador esteve encerrado durante um longo
período, reabrindo a 1 de Abril de 1968, com a colocação de novos
carros.
outubro 2005
Texto
Fotografia
ANA POUSEIRO
VÍTOR ESTRELINHA
Manuela Soares, veterinária e entidade tutelar do Externato D. Fuas Roupinho
Continuo a ver os alunos como
os «meus meninos»
A dra. Manuela Soares foi uma das
primeiras veterinárias do País, numa
altura em que a educação superior
ainda era rara entre as mulheres.
Quer falar-nos um pouco acerca
disso?
É verdade. Fiz a minha educação em
Santarém, onde vivia com a minha família,
e frequentei o Liceu Sá da Bandeira, juntamente com um reduzido número de
alunos porque, nessa época, o estudo não
era prioridade e era, até, considerado um
luxo, sobretudo para as raparigas. Depois, fui para Medicina Veterinária que,
então, era uma escolha esquisita para uma
rapariga. Na verdade, fui a terceira mulher a ingressar neste curso em Portugal,
fui a primeira veterinária municipal e a primeira a fazer clínica rural. A minha escolha
foi um pouco difícil de acatar. O meu irmão achava que deveria fazer um curso
diferente, mas tive alguém que me deu
sempre força, o meu pai.
outubro 2005
E porquê medicina veterinária?
Achava melhor para mim, talvez um pouco influenciada por haver uma escola agrícola em Santarém. De início ainda pensei
em ir para Direito porque, nessa altura, o
7º ano dava acesso tanto a letras como
a ciências. No 7º ano, já dava explicações
a uns alunos em matérias de ciências e
fiquei entusiasmada. Escolhi então Medicina Veterinária e durante os três primeitos
anos do curso era a única mulher. No
quarto ano entraram mais duas colegas
para o primeiro ano. Entretanto, a partir
do terceiro ano tive sempre um colega
de estudo que veio a ser meu marido.
Conhecemo-nos logo no primeiro ano,
mas começámos a ser colegas de estudo
a partir do terceiro. Acabámos o curso e
o meu marido ficou como veterinário municipal interino na Nazaré. No ano seguinte, foi aberto concurso, ele foi o melhor
classificado e ficou. Dois anos depois de
terminado o curso, foi chamado para a
tropa e depois de passar por Mafra e
Torres Novas, foi colocado em Caldas
da Rainha fazendo o serviço de veterinário no quartel. Foi nessa altura que nos
casámos e eu vim para a Nazaré para o
substituir durante o serviço militar. Completada a tropa, regressou à Nazaré e
passámos a trabalhar juntos. Ele retomou
o seu lugar na Câmara Municipal.
Como eram esses tempos?
De início, foi muito difícil. A Nazaré é um
concelho com seis quilómetros de raio e
as pessoas estavam habituadas a chamar
o veterinário de Alcobaça. Mas como nós
éramos um bocadinho teimosos [risos],
fomos tentando trabalhar o melhor possível, fazendo vacinações nos concelhos
vizinhos. Entretanto, eu tive o meu primeiro filho logo 11 meses depois de casar e tinha de conciliar o trabalho com o
facto de precisar de estar mais tempo
em casa.
nazaré informa
23
entrevista
Obviamente, a Nazaré devia ser
muito diferente nessa altura…
Oh, era completamente diferente daquilo
que é hoje. Sempre gostei muito da Nazaré,
talvez por ter nascido cá, não precisei de
beber água da fontinha [risos].Mas o meu
marido, que era de Lisboa e que veio para
aqui aos 24 anos, começou logo a dar-se
com as pessoas. Nessa altura, reuniam-se
na praça, no Café Oceano, que era o ponto de encontro… As senhoras só iam ao
café no Verão; no Inverno, por sinal só ía
eu [risos]. Lembro-me que só havia quatro
médicos, não havia sequer um advogado,
o conservador do registo civil vinha cá de
vez em quando… Por isso, a comunidade
era pequena, era quase uma família.
Consequentemente, pessoas a estudar
eram poucas e essas tinham que se deslocar a Alcobaça, Leiria ou Caldas da Rainha,
o que se tornava muito dispendioso.
Então, como surgiu o ensino nas
vossas vidas?
Durante as férias, apareciam pessoas de
família e amigos que tinham outros familiares com exames para fazer na 2ª época. Começámos a dar explicações até que
pensámos, em conjunto com dois professores primários, ensinar o 1º ano, isto em
1956. Alugámos então uma casa na rua
Ruy Rosa, onde tínhamos sete alunos. Começámos logo a tentar legalizar a sala de
estudo mas, entretanto, houve uma queixa do colégio de Alcobaça por estarmos
a dar aulas. Veio um inspector que nos
disse que os professores primários não poderiam colaborar connosco mas que nós
tínhamos todas as possibilidades, legalmente,
de darmos as aulas, mas apenas a cinco
alunos por não termos instalações adequadas – só que nós já tínhamos sete e apareceram mais! Depois, passámos para o prédio do Varela, na Avenida de Olivença,
numa cave. Começou a haver dificuldade
de arranjar professores da Nazaré e, então, veio um licenciado em Francês de Caldas da Rainha que o meu marido tinha
que ir buscar e levar porque não tinha
carro. Contávamos também, em trabalhos
manuais, com o capitão Frazão que chegou a ser Presidente de Câmara. E foi assim que começámos, caminhando para Lisboa a ver se conseguíamos o alvará para
podermos funcionar. Não foi fácil, porque
o Inspector do Ensino Particular umas ve-
nazaré informa
zes dizia que poderíamos abrir actividades,
outras vezes dizia que não era fácil… Andámos muito tempo neste vai-vem para
conseguir a licença. Finalmente, prometeunos o alvará mas foi dizendo que era preciso arranjar um edifício próprio. Nessa altura, já tínhamos três andares a funcionar
como escola na Avenida de Olivença e obtivemos o alvará. Estivemos ali até construirmos o actual edifício. Não foi fácil, não
tínhamos dinheiro, as dificuldades eram grandes, mas conseguimos que o terreno [das
actuais instalações] fosse a hasta pública.
O meu marido fez questão de ser eu a
comprar, porque queria que o colégio fosse meu, e lá comprei o terreno a um preço
muito acessível, isto à volta de 1958.
A construção do Externato foi também uma luta difícil…
Pois foi. Finalmente tínhamos o alvará e o
terreno, mas faltava a construção. Contratámos uma firma que tinha feito obras no
hospital. A certa altura, a obra parou por
falta de dinheiro. Fizemos então um contrato no qual vendíamos o terreno, eles
faziam a construção e nós pagávamos a
renda. Foi assim que começámos e só mais
tarde comprámos o edifício… Olhe, lembro-me de um episódio curioso. Ainda
quando estávamos na Avenida de Olivença,
veio um inspector de Lisboa - por sinal o
pai de João de Deus Pinheiro - para fazer a
inspecção das instalações. Depois de ver
uma sala virou-se para mim e disse “Mas
agora diga-me a senhora, o que quer, ensinar peixinhos do mar?”. Fiquei estarrecida e
respondi-lhe: “pode ser que os peixinhos
do mar se reproduzam”. Ele veio depois
ver o edifício novo e perguntou-me quantos
alunos tinha. Depois de responder, acrescentei: “Afinal não viemos ensinar peixinhos
do mar, mas sim meninos e meninas!”. Bom,
o tempo foi passando e começámos a ter
bons resultados. Havia aulas de manhã e à
tarde até às 17 horas, e depois até às 19
horas os alunos tinham aulas de estudo
acompanhado. E, quando se portavam mal,
também vinham à noite!
Muitas pessoas da Nazaré passaram por estes bancos, não é?
Sim. A primeira licenciada saída do Externato foi a Maria Gil Varela, que é médica
em Coimbra. No dia em que se formou
veio à Nazaré com dois ramos de flores,
um deles para mim e outro para colocar
na campa do pai. Foi um gesto que nunca esqueci. Hoje há imensas pessoas licenciadas que passaram por aqui, e continuo a vê-los como os meus “meninos”.
Apesar de ser um estabelecimento
de ensino particular, é conhecido que
a dra. Manuela e o seu marido apoiaram os estudos de muitos alunos…
É verdade. Claro que, sendo particular, os
alunos tinham de pagar mensalidade, mas
nunca houve aluno algum na Nazaré que,
por falta de meios, tivesse que desistir. Não
foi por não nos poderem pagar que deixavam de estudar e tirar um curso. Queríamos, através do ensino, fazer uma transformação da vida e da própria Nazaré.
Qual o papel do Externato nessa
modificação?
Acho que houve uma modificação bastante grande. Há imensas pessoas que
tiraram cursos que não teriam possibilidades de se deslocarem para outros locais. A própria mentalidade das pessoas
da Nazaré modificou-se, perceberam que
a educação não é um luxo mas uma necessidade de evolução.
»»»
BIOGRAFIA
Apesar da sua família viver em Porto de Mós, Manuela Soares nasceu
na Nazaré, onde residiam os avós
maternos. Viveu em Porto de Mós
até aos seis anos, quando a família
mudou para Santarém, onde um irmão mais velho desenvolvia os seus
estudos. Manuela concluiu o 7º ano
no Liceu Sá da Bandeira e ingressou em Medicina Veterinária, em
Lisboa. Aí conheceu Fernando Soares, um lisboeta que frequentava o
seu ano e que viria a ser o seu companheiro de vida. Após a conclusão
do curso, vieram ambos para a
Nazaré, onde exerceram a profissão
de veterinários e, entre diversos projectos de intervenção cívica, fundaram
o Externato D. Fuas Roupinho, uma
instituição que, ao longo de décadas,
permitiu aos jovens da Nazaré estudar na sua terra, sem ter de sair para
outras localidades.
outubro 2005
24
Esse é um papel que ainda se mantém, não é? Não há ensino secundário público no concelho…
Olhe, posso dizer que a construção da escola Amadeu Gaudêncio foi absolutamente ilegal, porque foi o presidente da Câmara da altura que resolveu fazer uma escola.
Por lei, não pode ser construído um estabelecimento de ensino a menos de 4kms
de distância de outro. Esta escola foi feita
ao lado. Começou por ser provisória e esteve sem funcionar porque havia esse impedimento. Veio mais tarde o director regional da DREL falar connosco e com o
actual presidente da Câmara, propondonos ele que o Externato ficasse com o ensino secundário, o ensino recorrente e um
número estipulado de turmas no 3º ciclo,
sendo que este último ponto nunca foi cumprido. Em contrapartida, ficou decidido que
não nos oporíamos ao seu funcionamento.
Não é fácil manter um estabelecimento
destes, mas cá fomos fazendo o nosso
melhor. Hoje mantemos contratos simples
e de associação com o ministério da Educação, o que facilita o funcionamento.
Que diferenças vê entre o sistema
educativo de então e o de hoje?
É muito diferente. Ao princípio, como eram
menos alunos, eram mais dedicados aos
professores. Os meninos começaram a ter
outro espírito, mas aqui continua a ser ainda um pequeno paraíso se comparado com
a realidade de outras escolas. As crianças
hoje têm outra atitude, mas é a evolução
própria dos tempos.
É mais difícil ser professor hoje do
que naquele tempo?
Dei aulas até há três anos atrás e garantolhe que nunca tive o mínimo problema com
os alunos. Lidava com eles de forma diferente, fazendo-lhes ver que a função deles
aqui era estudar e a minha era ensinar.
Agora, de vez em quando, já aparecem
alguns alunos que criam alguns problemas,
mas nada de muito grave.
E quanto à motivação dos professores?
Todos os professores, na sua grande maior estão motivados, e muitos deles foram
outubro 2005
nossos alunos que voltaram à casa, e muitos deles estão cá há mais de 20 anos. São
professores interessados, procuram adaptar o método de trabalho à turma.
Para além do ensino, a senhora e o
seu marido tiveram também uma
forte intervenção social, nomeadamente a criação da CERCINA…
Sim, o meu marido foi um dos sócios fundadores da CERCINA e foi ele quem esteve sempre muito ligado. Quando, há uns
tempos, lhe fizeram uma homenagem na
CERCINA, ele disse que o seu sonho era a
criação de um lar residencial para acolher
os deficientes mais idosos que, muitas vezes, já não têm familiares ou podem vir a
perdê-los. Ele dizia que o Externato e a
CERCINA eram as paixões da sua vida…
Mas, muitas vezes, quando fazíamos clínica,
era normal as pessoas não terem dinheiro
para pagar. Então davam produtos da agricultura, ovos, etc., e isso ía tudo para a
CERCINA. Quantas vezes a instituição não
tinha dinheiro para pagar aos funcionários
e era o meu marido quem pagava os ordenados… As coisas faziam-se de uma forma mais pura e dedicada, não havia subsídios para nada.
Como foi a passagem de seu marido pela vida autárquica?
Muito interessante. Enquanto ele esteve na
Câmara, depois do 25 de Abril, foi a segunda vez que estive nas funções de vete-
rinária municipal, a substitui-lo. O 25 de Abril
foi uma alegria muito grande. Vínhamos de
inspeccionar o peixe, como fazíamos todas
as manhãs. Quando chegámos ao carro é
que ouvimos pela rádio que tinha havido
uma revolução, e quando nos apercebemos que era uma revolução democrática,
foi uma alegria imensa! A Nazaré passou a
ter uma vida completamente diferente, foi
uma abertura enorme!
Como vê Portugal agora?
Não é a democracia com que sonhámos,
mas Portugal está muito melhor. Lembrome de, quando era secretária da associação de estudantes da faculdade, sentir a
opressão do regime e chegar a ter medo
dos cavalos da Guarda Republicana nos
passeios à saída da faculdade. Só o facto
de ser uma mulher numa faculdade de rapazes… era suspeita.
Qual a sua opinião sobre os cursos
de especialização tecnológica instalados na Nazaré?
Acho uma iniciativa óptima! É uma possibilidade das pessoas aumentarem os seus
conhecimentos sem sair da própria terra e
de melhorar os nossos recursos humanos.
A educação não pode ser vista como um
luxo. É pena que nem toda a gente possa
tirar um curso, independentemente do seu
trabalho. Talvez a sociedade fosse mais
compreensiva se todos tivessem mais conhecimentos.
nazaré informa
O presidente da Câmara
Municipal da Nazaré, Jorge
Barroso, na cerimónia de
atribuição do Prémio Nacional
“Municípios de Futuro”
PRÉMIO
DISTINGUE MUNICÍPIO ENTRE OS MELHORES DO
PAÍS
Nazaré, um concelho de
futuro
No ranking dos municípios que mais investem no bem-estar das
populações, o concelho da Nazaré surge em primeiro lugar no distrito de
Leiria, e em 4º lugar no todo nacional. O ranking foi construído por um conjunto
de individualidades convidadas pelo jornal “O Primeiro de Janeiro”, com base
nos dados do Instituto Nacional de Estatística, referentes a 2003.
Município da Nazaré foi o único, a nível nacional,
a receber dois prémios na cerimónia promovida
no passado dia 15 de Setembro, em Coimbra,
pelo diário nortenho “O Primeiro de Janeiro”,
que distinguiu os municípios portugueses que mais investiram no bem-estar das populações e no desporto [sobre este
prémio em particular, ver página 40 desta revista].
A Câmara Municipal da Nazaré fez-se representar pelo presidente Jorge Barroso, que teve oportunidade de dirigir algumas palavras sobre a importância desta distinção.
No âmbito desta iniciativa, a Nazaré classificou-se em 1º lugar no ranking do distrito de Leiria, e em 4º lugar a nível
nacional, do Prémio Nacional “Municípios de Futuro”, criado para distinguir os concelhos com maior investimento no
bem-estar e progresso sócio-económico. Assim, o concelho
da Nazaré foi considerado como o que apresenta, no distrito
de Leiria, a melhor média na relação “investimento/n.º de
O
eleitores”, no ano 2003, apresentando simultaneamente, segundo os promotores da iniciativa, «índices de crescimento
e desenvolvimento bastante significativos».
O júri, constituído por personalidades independentes
seleccionadas pelo “O Primeiro de Janeiro”, teve em atenção áreas tão diversificadas como o ambiente, cultura, desporto, actividades sócio-económicas, património cultural e
outras. Na área do ambiente, especificamente, foram analisados parâmetros como a gestão dos resíduos sólidos, a protecção dos solos e dos recursos hídricos subterrâneos, e a
defesa da biodiversidade e das paisagens naturais. As despesas efectuadas por cada município a concurso, nestas áreas
de intervenção, foram os principais critérios que fundamentaram o prémio atribuído.
Os indicadores analisados pelo júri foram extraídos dos “Retratos Territoriais” do Instituto Nacional de Estatística, referentes a 2003.
nazaré informa
outubro 2005
26
BIVALVES:
características
e importância económica
Texto
CARLA MAURÍCIO (*)
O
s moluscos bivalves são um importante recurso na
indústria da pesca. A procura de bivalves para
consumo humano tem conhecido um aumento
notável, o que se tem reflectido num maior volume
de capturas, assim como uma maior produção em aquacultura.
Esta crescente procura não pode ser dissociada do reconhecido
valor nutritivo destes moluscos, nem das suas qualidades
organolépticas (nomeadamente cor, odor, aspecto físico e
sabor).
No nosso país, os bivalves de maior importância económica e
sujeitos a exploração são a amêijoa, a ostra, o berbigão e o
mexilhão.
Os bivalves são um grupo extremamente bem sucedido e
diversificado, constituídos por duas valvas calcárias que encerram
as partes moles. As valvas articulam-se numa charneira que
possui geralmente, dentes, fechando-se devido à acção dos
músculos.
São animais exclusivamente aquáticos, mas podem ocorrer em
ambientes de salinidade diversa como água salgada, doce ou
salobra. A maioria das espécies é bentónica e vive junto ao
fundo. Alguns bivalves, são organismos sésseis que se fixam
ao substrato através do bisso (e.g. o mexilhão), uma segregação
fibrosa, enquanto que outras espécies vivem enterradas nos
fundos arenosos (e.g. amêijoa, berbigão, ostra). As espécies
que vivem soltas podem deslocar-se através de propulsão
conseguida por expulsão de água sob pressão e/ou pela acção
muscular do pé.
Os bivalves, para respirarem e alimentarem-se, filtram grande
quantidade de água que atravessa as estruturas branquiais
deixando nestas as partículas que se encontram em suspensão
e se concentram no molusco.
Devido à sua capacidade filtradora, estas espécies, podem ingerir
e armazenar grandes concentrações de microorganismos que
põem em causa o seu consumo pelo Homem, funcionando como
vector de várias doenças como por exemplo a cólera, hepatites
infecciosas, salmonoloses, etc...
Tais factos fazem dos moluscos bivalves os organismos que
melhor reflectem a qualidade da água em que vivem. Quando
criados em ambiente adequado são um alimento de
extraordinário valor nutritivo comparável aos ovos e ao leite
fresco.
setembro 2005
Sediemento
Exalação
(água do mar
filtrada)
Zooplanton
Inalação
(água do mar
não filtrada)
Algas
Contaminantes
Filamentos Branquiais
Foto1.
Identificação dos sifões
(A) e do Pé (B) no
Molusco Bivalve.
REPRODUÇÃO
Os bivalves são na maioria bentónicos, vivem junto ao fundo,
mas na fase inicial do seu ciclo de vida, que não dura mais
que um mês, são plantónicos (vivem livres na coluna de
água).
Estas espécies são na generalidade dióicas (sexos separados)
e não apresentam dimorfismo sexual (diferença entre macho e
fêmea), sendo impossível através de um exame macroscópico
da gónada distinguir os sexos, e o seu estado de evolução,
nazaré informa
27
ambiente
Foto 2. Mexilhão macho
(A) – cor esbranquiçada
ou creme - e fêmea (B) –
cor alaranjada.
A
B
visto os organismos apresentarem uma
massa visceral uniforme e esbranquiçada.
No caso do mexilhão, torna-se possível
distinguir os sexos através da coloração
da gónada, apenas na fase que antecede
a desova.
As ostras apresentam a particularidade
de em cada estação de desova, os
organismos podem mudar de sexo, sendo
então denominados hermafroditas
sequenciais. Portanto, um mesmo
Foto 3. A amêijoa fêmea na época da
desova, emitindo os ovócitos para a água.
indivíduo pode desovar como macho
numa estação e como fêmea na seguinte
desova, e assim sucessivamente.
A produção de ovócitos (gâmetas
femininos) e dos espermatozóides
(gâmetas masculinos) é denominado
gametogénese, no entanto o tamanho do
bivalve, a temperatura e a quantidade e
qualidade do alimento é indubitavelmente
importante para iniciar este processo. A
gametogénese ocorre durante o Inverno,
podendo prolongar-se até ao início da
Primavera.
A desova, que consiste na libertação de
gâmetas, pode ser provocada por
diversos factores ambientais, tais como, a
temperatura, estímulos químicos e físicos,
corrente da água ou uma combinação
entre estes ou outros factores. A presença
de gâmetas na água provoca
frequentemente desova noutros animais
da mesma espécie.
Os bivalves atingem a idade de
maturação ao fim de 1 a 2 anos, a
fecundação é externa, ou seja, os gâmetas
são emitidos para a água, ocorrendo
então a fecundação.
Após a fecundação, ocorre o
desenvolvimento embrionário, as células
vão-se dividindo e depois de 12 a 18
horas, há a formação de uma lavra livrenatante, denominada trocófora. Passadas
24 horas da fecundação a larva assume
o formato de D ou véliger. Essa larva já
possui a capacidade de se alimentar, com
o auxílio do velum, que também serve
para natação. Quando completam 14 a
18 dias, as larvas deixam de ser
plantónicas e começam a procurar um
substrato ideal para se fixarem. Assim que
se fixam, sofrem uma metamorfose,
assumindo a forma definitiva, tendo
porém um pequeno tamanho.
(*) Bióloga Marinha
Câmara Municipal da Nazaré
< 1 hora
Ciclo de Fecundação.
1
espermatozóides
< 2 dias
ovócitos
5
1- Fertilização;
2
2- Estado Larva-D;
< 14 dias
4
4mm
35-40 dias
3- Larva Madura;
4- Juvenil;
10-14 dias
3
5- Crescimento.
CURIOSIDADE
TENHA EM ATENÇÃO
A substância acumulada por estes
animais é o glicogénio; durante a
gametogénese o glicogénio é
transformado em lípidos, por isso os
bivalves mudam de sabor no verão.
Este motivo, e o facto de no verão os
bivalves serem mais sujeitos a
contaminações bacteriológicas, estão na
base do dito popular que “não se
devem comer bivalves nos meses
sem R”.
- A fervura não destrói as biotoxinas (apesar de ser útil na eliminação das
bactérias);
nazaré informa
- A depuração com água não elimina suficientemente as biotoxinas;
- Os bivalves contaminados não têm cor, cheiro ou sabor diferentes dos próprios
para consumo;
- Quando os bivalves são colhidos em período de florescimento de microalgas
produtoras de biotoxinas, a água do mar não apresenta necessariamente
coloração invulgar.
setembro 2005
28
INVASORAS
Texto
SUSANA POÇAS (*)
ntende-se por espécie
invasora aquela que se
expande naturalmente sem
intervenção do Homem em
habitats naturais ou semi-naturais,
provocando alterações, na estrutura, na
composição ou nos processos dos
ecossistemas, sendo frequentemente
espécies exóticas.
A espécie exótica é aquela que após
ter sido introduzida acidental ou
intencionalmente pelo Homem se fixa fora
da sua área de distribuição natural.
As espécies vegetais exóticas
E
V.E
V.E
ESPÉCIES VEGETAIS
setembro 2005
invasoras têm características comuns a sua elevada fertilidade quando
comparadas com as espécies nativas
(o mesmo que indígenas, espontâneas ou
autóctones), possuindo mecanismos de
dispersão eficazes, elevada longevidade
das suas sementes, elevada capacidade
competitiva, tolerância à sombra,
crescimento rápido das suas raízes,
resistência ao pastoreio e ausência de
inimigos naturais.
Em Portugal, nos dois últimos séculos, a
percentagem de espécies vegetais exóticas
aumentou 1000%, em 1800 existiam cerca
de 33 espécies sub-espontâneas
listadas (espécies deslocadas acidental ou
intencionalmente para zonas onde não
existiam, onde se multiplicam e propagam
sem intervenção do Homem) e,
actualmente temos cerca de 500. Deste
número, 40% são espécies consideradas
potencialmente invasoras ou invasivas,
incluindo as invasoras de habitats naturais
e infestantes agrícolas, sendo que 7% são
consideradas
como
invasoras
perigosas no território português.
As espécies sub-espontâneas podem-se
manter estáveis durante muito tempo até
que algum fenómeno facilite o aumento
da sua distribuição: um fogo, uma
tempestade, a alteração do uso do solo,
etc. Estas perturbações resultam muitas
vezes na abertura de clareiras vazias que
constituem uma excelente oportunidade
para uma espécie invasora se fixar. Com
aumento das alterações climatéricas
globais, é possível que estas perturbações
sejam mais frequentes, agravando os
problemas de invasão.
O aumento da distribuição da espécie
invasora depende da sua taxa de
crescimento e reprodução, mecanismos de
dispersão e características do habitat
invadido pelo que, após interagirem com
as espécies vegetais e animais que as
rodeiam, podem ou não estabilizar.
A maioria das espécies introduzidas não
nazaré informa
chegam a tornar-se invasoras. Em Portugal
das 400 espécies vegetais introduzidas,
apenas 27 são classificadas como
invasoras, nos termos do Decreto-Lei
565/99 (chorão das praias, acácias, ervacanária, azedas, figueira-do-inferno e
jacinto-de-água são alguns exemplos
destas plantas).
Este diploma regula a introdução na
Natureza de espécies não indígenas, com
excepção das destinadas à exploração
agrícola, visando promover o recurso a
espécies autóctones para os mesmos fins.
Este decreto proíbe a disseminação ou
libertação de espécimes de espécies não
indígenas, visando o estabelecimento de
populações selvagens e listando as
espécies invasoras e as que comportam
risco ecológico. Proíbe ainda a
comercialização, cultivo, transporte, criação,
exploração económica e utilização como
V.E.
ambiente
planta ornamental ou animal de
companhia das espécies identificadas.
Os impactos mais comuns das espécies
invasoras nos ecossistemas são: a
diminuição da biodiversidade, pois
promovem a substituição das
comunidades de elevada diversidade
existentes, por outras pouco diversificadas
de invasoras; a alteração do regime de
fogos e quantidade de água disponível; a
alteração da disponibilidade de nutrientes
no solo; a alteração de processos
geomorfológicos; e a extinção de espécies
autóctones, entre outros.
Todas estas alterações têm efeitos
profundos na composição da flora e fauna
da região afectada, alterando por
completo a sua paisagem, contribuindo
para a diminuição da biodiversidade à
escala mundial.
Assim, devido à dificuldade em controlar
as espécies invasoras em todas as zonas
atingidas, torna-se imprescindível o
estabelecimento de áreas e espécies
prioritárias.
É importante começar pela prevenção,
evitando quer a introdução de espécies com
potencial invasor, quer de novas espécies
cujo potencial invasor é desconhecido.
A educação ambiental é fundamental,
de forma a minimizar as introduções
acidentais, alertando para as ameaças que
representam e envolvendo cada um na
resolução deste problema. É também
importante o investimento na gestão de
áreas invadidas, estabelecendo
metodologias de controlo das espécies já
invasoras e restringindo a introdução de
novas espécies potencialmente invasoras.
(*) Técnica Agrícola
na Câmara Municipal da Nazaré
V.E.
V.E.
V.E.
Remoção de espécies invasoras
no concelho da Nazaré
No sentido de implementar um
plano de gestão de controlo da
acácia no concelho da Nazaré, a
autarquia iniciou uma campanha de
erradicação
da
acácia,
nomeadamente das espécies Acacia
longifolia e Acacia melanoxylon. A
primeira acção decorreu na área
envolvente do mercado municipal de
Valado dos Frades, onde se cortou
e tratou todas as acácias e se
efectuou, igualmente, a remoção do
chorão-das-praias (Carpobrotus
edulis), vulgarmente conhecido como
bálsamo, espécie também de grande
potencial invasivo. Esta iniciativa
contou com o apoio da Câmara
Municipal da Nazaré.
Recentemente, iniciaram-se os
trabalhos numa área invadida por
acácias nas Matas Nacionais,
próximo do Monte de S.
Bartolomeu. Os trabalhos consistem
no controlo físico de arranque das
plantas jovens, efectuando a
remoção da raiz e, nas plantas
adultas, procedendo-se ao corte das
árvores no colo (transição raizcaule), seguido de controlo químico,
cuja aplicação é quase imediata uma
vez que, quanto menor for o tempo
entre o corte e a aplicação do
produto, maior será a sua eficácia.
Neste sentido, utiliza-se um fitocida
selectivo, não residual, cuja
substância activa é o glifosato.
A longo prazo, e dada a elevada
longevidade das sementes no solo,
será necessário reforçar esta
intervenção através de um
acompanhamento posterior, de
forma a remover manualmente as
plântulas do solo.
Mª Laura Anastácio
setembro 2005
GEOLOGIA no Verão
Um passeio pelas estórias das rochas
companhado pelo pai,
residente em Alcobaça, o
pequeno explorador está
disposto a tirar o melhor
partido de uma aventura pelo passado
geológico da Nazaré. Pode não
compreender a maior parte da informação
que é transmitida aos outros participantes,
todos adultos, mas passear pelas rochas
e pelas dunas «é muito giro».
O ponto de partida desta acção, intitulada
“Milagres da Geologia no Sítio da Nazaré”,
é o Santuário de Nossa Senhora da Nazaré.
Hoje, o grupo é heterogéneo em termos
de faixas etárias e proveniência dos
participantes. Alguns são “veteranos” das
acções do “Geologia no Verão”, promovido
pelo projecto Ciência Viva, percorrendo
diversos pontos do País. Mas, na opinião
de uma professora aposentada, oriunda da
região de Coimbra, o litoral Oeste, em geral,
e a Nazaré, especificamente, são «dos locais
A
setembro 2005
mais interessantes» e «as acções muito bem
organizadas».
Participar nesta actividade significa recuar
qualquer coisa como 100 milhões de anos,
até ao período Cretácico. Mais recente
do que o Jurássico da Serra da Pescaria
(a formação geológica mais remota
existente na área do concelho da Nazaré),
mas ainda assim um período longínquo
em que se deu a chamada deriva dos
continentes e o que é hoje a Europa
separou-se da América.
A maior parte das rochas existentes na
região formaram-se a partir dessa altura.
São rochas sedimentares, formadas debaixo
de água e próprias de ambiente marinho,
por isso muito fossilizadas. Logo, como
salienta a geóloga Maria Laura Anastácio,
responsável pelas acções no concelho da
Nazaré, são rochas que registam, tal papel
químico, o passado da Terra, contendo
informações preciosas sobre a
paleontologia, a biologia e os ambientes
dessas épocas remotas.
Depois de alertados para esta situação,
e em pleno passeio pelo promontório da
Nazaré, não foi difícil aos participantes
aperceberem-se da enorme quantidade
de fósseis marinhos que existem à nossa
volta ou debaixo dos nossos pés. Mas,
entre muitas outras “preciosidades”
geológicas de que o promontório e a zona
envolvente à Praia do Norte são
riquíssimos, a guia desta visita chama a
V.E.
V.E.
Quando é que vemos as pegadas dos dinossauros? A ingénua pergunta
chega feita pelo Afonso, seis anos cheios de curiosidade e um mundo
inteiro por descobrir. O crocodilo de borracha na sua mão não engana:
este jovem “cliente” do programa “Geologia no Verão” gosta de répteis
grandes e sabe ao que vem. Mas nem mesmo quando alguém no grupo
lhe disse que as pegadas dos dinossauros existentes na Serra da Pescaria
não faziam parte do programa da visita desse dia, mas sim do dia
seguinte, o entusiasmo do Afonso esmoreceu.
31
atenção para a existência de vestígios de
basalto na estrutura do Promontório, que
é essencialmente calcário. «Trata-se de um
milagre geológico», afirma Maria Laura
Anastácio, explicando que é um filão difícil
de identificar e que não se conhece como
ele está orientado no interior do
promontório, nem qual a sua extensão.
Na opinião da geóloga, poderá ter sido
esta estrutura interna basáltica (de origem
magmática e, portanto, mais dura) que
permitiu ao promontório da Nazaré
manter uma estabilidade que o fez
sobreviver, mais do que toda a área à
sua volta, aos fenómenos da erosão.
Os sinais da erosão – fenómeno
geológico permanente – estão patentes
por toda a paisagem circundante. Durante
a visita, o grupo passa, na encosta do
promontório virada a norte, por um
“grand canyon” em miniatura, ou seja,
pequenos vales muito sulcados que
exemplificam, à escala, os efeitos erosivos
das águas escorrenciais.
Também a Praia do Norte tem os seus
mistérios. Ficámos a saber, por exemplo,
que a magnífica cor avermelhada que a gruta
do Forno d’ Orca apresenta ao pôr-do-sol
se deve à presença de arenitos muito
brilhantes, sobretudo mica, que reflectem a
luz. E que lá se pode ver uma chamada
“estrutura de impacto”, um cone de rocha
destruído devido, certamente, a um
fenómeno sísmico intenso, e que foi
recentemente capa de uma revista científica.
Depois destas curiosidades geológicas, a
visita prosseguiu rumo à Duna da
Aguieira, reconhecida internacionalmente
como a maior duna consolidada da
Europa. Apesar de não ter conseguido a
classificação como “geomonumento”,
solicitada também aquando da
classificação do Monte de S. Bartolomeu,
a Duna da Aguieira é um interessante
testemunho de preservação de areias
dunares pela vegetação do pinhal de
Leiria, que permitiu a sua fixação. Não
sendo possível o acesso automóvel, atingir
a duna exige alguma dose de esforço físico;
logo recompensado, porém, com a vista
que é possível alcançar do alto dos seus
156 metros de altitude.
O passeio pelos “Milagres da Geologia no
Sítio da Nazaré” ficou concluído com uma
visita ao Museu Etnográfico e Arqueológico
Dr. Joaquim Manso, onde estão expostos
alguns interessantes testemunhos deste
passado longínquo, a cuja história apenas
temos acesso através das rochas.
V.E.
V.E.
património natural
NAZARÉ CRIA PERCURSOS PEDESTRES
“Rota dos Milagres” é como se chamará o primeiro percurso pedestre no concelho da
Nazaré. O projecto está actualmente em fase de desenvolvimento pela Câmara Municipal
em parceria com o Clube Ibérico de Orientação e Montanhismo, que colabora na
organização deste percurso de pequena rota.
A elaboração de um percurso pedestre é a criação de uma infra-estrutura desportiva
que favorece o desenvolvimento turístico sustentável em harmonia com o espaço
natural e com a população. Esta infra-estrutura é um espaço que permite a realização
de um conjunto muito diversificado de actividades. Para além do aspecto desportivo e
lúdico do pedestrianismo, as actividades podem revestir carácter cultural, pedagógico,
ambiental e ecológico, como ocupação de tempos livres de uma forma activa e saudável
em contacto com a natureza e dando a conhecer, ao mesmo tempo, novos caminhos,
locais, regiões, tradições, fauna, flora e a paisagem natural e construída.
A “Rota dos Milagres”, o primeiro de um conjunto de dois que estão em fase de
desenvolvimento, é um percurso circular com início e finalização junto ao Santuário da
Nossa Senhora da Nazaré. Tem um total de 12 kms de extensão, abrangendo áreas de
paisagem diversificada como dunas, pinhal, mata mediterrânea e área urbana com vários
locais de interesse cultural e patrimonial.
A marcação do percurso é feita através de placares informativos e marcas ao longo do
caminho, utilizando as regras homologadas pela Federação Portuguesa de Campismo.
O outro percurso em estudo localiza-se numa zona da Serra da Pescaria e do Salgado,
com uma extensão ligeiramente inferior e será denominado “Rota dos Trilhos”. Este
percurso vai permitir a realização de actividades mais viradas para o património natural
e, especialmente, o geológico e paleontológico.
PASSEIOS
“Nazaré: Uma terra moldada pelo mar“
16 e 22 de Outubro - 10.00 horas
Santuário de Nª. Srª. da Nazaré
Inscrição gratuita - Telf. 262 56 11 94
Duração: todo o dia
setembro 2005
ambiente
BIBLIOTECA DE PRAIA,
Crianças aprendem com “Bichos d’Água”
V.E.
Foi com grande entusiasmo que, no
passado dia 18 de Agosto, cerca de
sessenta crianças participaram no projecto
“Oficinas Bichos d’Água” que teve lugar
na Biblioteca de Praia da Nazaré, numa
acção integrada no programa Bandeira
Azul.
Este projecto pedagógico, cuja temática
é o ambiente, tem por missão levar aos
mais jovens, através de metodologias
experimentadas, um atelier lúdico,
animado e cheio de cor que, a partir de
materiais reciclados, ajuda-os a construir
os seus novos “amigos” marinhos. Em
plena praia, através de práticas de
animação interactiva, as crianças foram
convidadas a construir, a partir de lixo
“FUNDO LIMPO”
lança alerta sobre lixo subaquático
V.E.
Porque sensibilizar para o problema da poluição e degradação dos fundos marinhos
é uma tarefa urgente, cerca de sete dezenas de mergulhadores participaram, no
passado dia 3 de Setembro, na acção “Fundo Limpo”, promovida pela Câmara
Municipal e pelo Clube Naval da Nazaré. Ao longo da enseada, na zona entre a
Pedra do Guilhim e a linha de praia, os mergulhadores procederam à recolha de mais
de cinquenta quilos de detritos que estavam sob as águas, numa acção que envolveu
14 embarcações e participantes oriundos da Nazaré, Alcobaça, Marinha Grande,
Figueira da Foz e Lisboa.
Grande parte dos detritos recolhidos pelas equipas de mergulho consistiu em restos da
actividade piscatória, nomeadamente redes, cabos, covos e ferros. Contudo, foram também
setembro 2005
doméstico (garrafas de água, cartão do
leite e outros materiais) representações
tridimensionais e/ou articuladas de animais
que, naturalmente, vivem na ou da água
(golfinho, tartaruga, etc.), ao mesmo
tempo que recebiam informação sobre
temas como a cadeia alimentar e a
preservação do ambiente, entre outros.
A vertente de comunicação adoptada
pelos monitores responsáveis por este
projecto permitiu que os jovens que nele
participaram desenvolvessem o seu
discurso oral e escrito, dando-lhes
oportunidade de criarem as suas próprias
histórias e de transmiti-las, sem bloqueios
ou inibições, colocando à prova o seu
espírito inventivo.
retirados latas, garrafas e até chapéus-desol, entre outros tipos de resíduos.
Promovida no âmbito da “Bandeira Azul
Nazaré 2005” e do projecto AWARE,
da PADI (Professional Association of
Diving Instructors), a acção “Fundo
Limpo” tem como principal objectivo, mais
do que a quantidade de lixo recolhida,
alertar a opinião pública para as
consequências da acção humana sobre
os ecossistemas marinhos e, em
particular, para a poluição dos oceanos.
A educação para a sensibilidade ambiental
é uma das principais linhas de actuação do
projecto AWARE (Aquatic World
Awareness, Responsability and Education),
em que participam o Clube Naval da
Nazaré e a Câmara Municipal, através desta
actividade. “A preservação
começa
com
a
compreensão
da
necessidade de proteger as
águas necessárias à vida»,
defende a AWARE.
A acção “Fundo Limpo”
contou com a colaboração
da Capitania do Porto da
Nazaré, Escola de Mergulho
ANFIBIUS, Escola de
Navegação NOROESTE e
Associação de Mergulho da
Figueira da Foz.
nazaré informa
V.E.
33
Veados regressam aos pinhais
do Sítio da Nazaré
Uma das representações mais famosas do imaginário nazareno prendese com o milagre de Nossa Senhora, cuja intervenção divina salvou D. Fuas Roupinho de
se precipitar nas falésias do Sítio quando perseguia um veado. Na fronteira entre o mito e
a história, permanece o facto de, há vários séculos, as matas circundantes ao Sítio da
Nazaré terem sido habitadas por espécies de caça grossa, nomeadamente cervídeos, que
foram desaparecendo ao longo do tempo.
Agora, os veados estão de regresso ao pinhal de N. Sra. da Nazaré, numa acção de
reintrodução cinegética destinada a fins educativos e de sensibilização ambiental. Mas
quais as principais características destas espécies? Qual o seu contributo para a
biodiversidade local? Eis uma abordagem inicial ao universo dos cervídeos
Texto
ANA MARIA FAUSTINO ARSÉNIO (*)
veado é um animal de grande
porte da família dos cervídeos
(Cervidae) , forte, mas ágil e prudente. Esta família inclui animais
mamíferos ungulados ruminantes, isto é,
mamíferos que têm o casco dividido em
duas secções ou dedos e cujo estômago é
multi-compartimentado para maior aproveitamento dos vegetais de que se alimentam. Na família do veado estão incluídos o
corço (Capreolus capreolus), o gamo (Dama
dama), o alce (Alces alces) e a rena (Rangifer
tarandus). O veado (Cervus elaphus) ocorre em quase toda a Europa estando ainda
representado ao nível da sub-espécie no
Norte de África, Ásia Menor, Tibete,
Caxemira, Turquemenistão e Afeganistão,
tendo sido introduzido na Austrália e Nova
Zelândia. Na Europa, o veado existente na
Península Ibérica é considerado uma subespécie diferente das que ocorrem na Europa Central, Escócia, Córsega e Sardenha.
O macho é denominado veado e a fêmea
cerva ou veada (em português antigo).
O veado é o segundo maior cervídeo europeu, imediatamente a seguir ao alce. O
peso dos machos varia conforme as regiões podendo atingir os 350 kg na Europa
Central mas na Península Ibérica, em con-
O
nazaré informa
dições naturais, raramente excede os 250
kg. As fêmeas podem atingir os 150 Kg.
Ambos, machos e fêmeas fazem mudança
de pêlo com a passagem da estação. Assim, o veado apresenta pêlo castanho
avermelhado durante o Verão e castanho
escuro no Inverno. As crias até aos dois
meses de idade apresentam manchas brancas dorsais, que favorecem a camuflagem
na vegetação. Dois caracteres que diferenciam o veado de outros cervídeos são a
cauda e o escudo anal. A cauda é curta,
acastanhada e sem tons de preto. O escudo anal corresponde a uma zona em torno do ponto de inserção da cauda, característico dos cervídeos, em que o pêlo é
mais claro. No caso do veado esta zona
tem tons amarelados. Tal como quase todos
os machos das espécies pertencentes à família Cervidae, os veados possuem hastes.
As hastes
As hastes são formações de natureza óssea ao nível do crânio, que todos os anos
caem após a época da reprodução e se
tornam a desenvolver no mesmo ano, ao
contrário do que se passa no grupo dos
bovinos que possuem estruturas equivalentes, de natureza permanente, denominadas por cornos.
O crescimento das hastes é determinado
por processos de natureza hormonal. Com
a excepção da rena, cuja fêmea possui has-
tes, apenas os machos dos cervídeos apresentam aquele tipo de formações ósseas.
As hastes, enquanto crescem, encontramse cobertas por uma epiderme denominada por veludo extremamente rica em vasos sanguíneos que protege e irriga a haste
em desenvolvimento. Quando a haste atinge o tamanho final para esse ano, a rede
de vasos sanguíneos seca, o veludo cai, e a
parte óssea fica exposta. Após a época de
reprodução, as hastes caem mas passadas
algumas semanas inicia-se um novo ciclo
de crescimento anual com o desenvolvimento de novas hastes.
Geralmente, em cada ano, as hastes aumentam de tamanho e em número de ramificações ou pontas, existindo por isso uma
relação entre a idade do macho e o tamanho das hastes (Figura 1). Sabe-se no entanto que a qualidade da alimentação, mais
do que a idade do indivíduo, é um dos
mais fortes condicionantes do tamanho das
hastes. Factores genéticos estão também
envolvidos nestes processos.
A idade dos veados pode ser avaliada
pelos dentes, mais precisamente pelo desgaste dos molares, à semelhança de outros herbívoros e ruminantes.
Para que servem as hastes?
As hastes são sobretudo utilizadas durante as lutas entre machos na altura da
reprodução. Devido à morfologia que apresetembro 2005
34
sentam têm tendência para se entrelaçar
durante as lutas e funcionam mais como
“medidores de força” do que propriamente instrumentos para ferir ou matar o antagonista nos despiques entre machos. O
tamanho e complexidade das hastes estão
curiosamente relacionados com o tipo de
organização social dos cervídeos durante a
reprodução. As espécies como o veado,
com tendência para possuir hastes maiores e mais ramificadas, apresentam poligamia, isto é, formas de reprodução em que
cada macho copula com várias fêmeas e
possui geralmente um harém de fêmeas.
Cervídeos, como por exemplo o corço, com
hastes mais pequenas e menos ramificadas
tendem para sistemas onde a monogamia
é mais frequente. Dentro de cada espécie
o tamanho das hastes está directamente
relacionado com o tamanho corporal, por
isso os machos que possuem hastes maiores e mais ramificadas são também os mais
corpulentos e dominantes. Nestes casos as
diferenças de tamanho corporal entre machos e fêmeas (ou dimorfismo sexual) aumentam. Nas espécies animais, as situações
de maior dimorfismo sexual coincidem também com os casos em que a poligamia é
mais frequente.
Influência do habitat na gestão de veados
Para se averiguar qual a densidade ideal
biodiversidade
FIG. 1 Representação de hastes
de veados com idades compreendidas entre seis meses a um ano
(a), com dois anos (b), com três
anos (c), com cinco anos (d), com
seis anos (e) e com sete anos (f).
FIG. 2 Representação das partes
constituintes de uma armação de
veado.
Nota: as figuras são ilustrativas
dos veados introduzidos no
cercado do Sítio da Nazaré
coroa
ponta
intermédia
contra-estoque
para um determinado habitat ter-se-á de
analisar o estado físico dos animais e a
sua dinâmica populacional. Esta definição
da densidade ideal deve por sua vez ter
em atenção a capacidade de suporte do
meio, podendo ser preferível manter a
densidade dos veados inferior a esta capacidade para: evitar um impacte negativo no ambiente onde os animais vivem;
melhorar a condição física dos animais;
incrementar a fertilidade das fêmeas; aumentar a sobrevivência das crias; aumentar o valor do troféu; e aumentar as taxas
de recrutamento.
A escassez de alimento, resultante de uma
densidade populacional elevada, afectará
primeiro os machos (principalmente os mais
roseta
estoque
velhos) por haver quem admita serem mais
fracos competidores por alimento do que
as fêmeas, situação que começará por reflectir-se na diminuição da qualidade do troféu [*]. De uma maneira geral será preferível ter um número idêntico de machos e
fêmeas, ou mesmo estar em número ligeiramente inferior, pois a maior capacidade
das fêmeas na competição pelo alimento
desfavorece a nutrição dos machos.
As acções de gestão vão no sentido de
reduzir o número de animais (normalmente os de pior condição física) para níveis
que o meio tenha capacidade de suportar,
no sentido da diversificação e aumento da
quantidade de alimento com renovação de
pastagens, plantação de árvores produtoras de fruto e mesmo suplementos alimentares em comedouros.
Os habitats do veado
O veado ocupa uma grande variedade de
habitats. Na Europa Central, o tipo de
V.E.
A Confraria de Nossa Senhora da Nazaré e a
Câmara Municipal deram início a uma acção de
repovoamento de uma área de cerca de seis
hectares, na zona da Praia do Norte.
Nesta fase, foram introduzidos três exemplares. O principal objectivo é criar um novo
espaço de características lúdico-pedagógicas.
setembro 2005
nazaré informa
V.E.
habitat mais comum é constituído por floresta de resinosas ou folhosas com várias
clareiras onde cresce erva. Na Escócia as
populações de veado são muito abundantes nas vastas áreas de urze existentes nas
“Highlands”, enquanto que na Península Ibérica é frequente a presença do veado nos
matagais de esteva e nos montados, sobreirais e azinhais com algum mato, embora esta espécie procure sempre clareiras
onde cresça erva necessária à alimentação.
Os eucaliptais, pela tranquilidade que oferecem, constituem importantes zonas de
refúgio para o veado em Portugal e
Espanha. Quando estas áreas de eucaliptal
se encontram perto de áreas de montado
de azinho e sobro é frequente o movimento de animais entre os dois tipos de áreas.
No Tejo Internacional, o reaparecimento
natural do veado iniciou-se em meados dos
anos 80, proveniente da população espanhola vizinha. Tal reaparecimento é uma
consequência das condições de expansão
criadas pela alteração da paisagem que se
fez sentir em terras espanholas, e depois
em Portugal, em resultado do êxodo rural.
Reintrodução de veados
No caso de um grupo de veados introduzidos na Serra da Lousã, recorreu-se a técnicas de rádio-telemetria para efectuar o
estudo da utilização do espaço ao longo
do tempo. Os animais provinham de outras regiões de Portugal Continental sendo
o grupo constituído por quatro fêmeas, dois
machos adultos e um macho com um ano.
Durante os primeiros cinco meses os animais permaneceram próximo das áreas de
largada, que se caracterizava pela presença
de um coberto florestal essencialmente de
folhosas e pela presença de uma pequena
massa de água. Apesar das diferenças observadas entre os animais seguidos em termos de áreas ocupadas e de comportamento alimentar, os indivíduos apresentaram uma forte sobreposição em termos
de áreas utilizadas, passando a maior parte do tempo muito próximo do ponto de
largada, o que se traduz numa reduzida
nazaré informa
dispersão. Os resultados obtidos evidenciam que a escolha do local de largada é um
factor muito importante no processo de
re-introdução do veado. A presença de
áreas de alimentação de qualidade juntamente com a presença de coberto de abrigo e existência de água, para além do baixo nível de perturbação humana, são factores determinantes para evitar fenómenos
de elevada dispersão.
Dieta alimentar
A bolota é um importante recurso alimentar que o veado encontra nos montados
durante a estação do Outono/ Inverno. Na
alimentação são ainda incluídas ervas diversas, frutos, rebentos de árvores e arbustos, variando o consumo com a qualidade e quantidade de alimento disponível
no terreno e as necessidades fisiológicas da
espécie (crescimento das hastes nos machos, períodos de aleitamento e gestação
das fêmeas, por exemplo).
O conhecimento da dieta de uma espécie
torna-se imprescindível para a fundamentação da sua correcta gestão e ordenamento. O estudo da dieta alimentar dos
veados pode ser feito através da técnica
da análise micro-histológica das fezes, para
reconhecimento das epidermes das diferentes espécies vegetais encontradas. Maia
et al. (8) realizaram colheitas de fezes durante a época de reprodução, entre Setembro e Novembro de 1994. Os resultados observados relativamente à composição da dieta no mês de Setembro, demonstram uma composição em vegetação
lenhosa da ordem dos 68,7% e herbáceas
cerca de 31%. Relativamente aos meses
de Outubro/Novembro, a bolota surge já
com grande significado, reduzindo-se a participação das lenhosas para 20,3% e das
herbáceas para 24,8%. Estes dados, embora de forma meramente indicativa, demonstram já a importância da manutenção de um coberto arbóreo, como base
para a disponibilização de uma componente de alto valor nutritivo como a bolota.
Outra técnica para o estudo da dieta é a
análise dos n-alcanos (hidrocarbonetos
saturados de cadeia longa constituintes específicos de cada espécie de planta) para
investigação da nutrição destes animais. O
procedimento já foi utilizado com sucesso
em zonas temperadas estando em validação como ferramenta para o estudo da
dieta do veado na área do Mediterrâneo.
A organização social e a reprodução
Com excepção da época de reprodução,
machos e fêmeas encontram-se segregados e ocupam áreas geográficas diferentes
durante a maior parte do ano. Os machos
constituem-se em grupos relativamente
numerosos enquanto as fêmeas tem tendência para se agrupar em grupos
matriarcais constituídos normalmente por
uma fêmea adulta, a sua filha e neta ou filha
do ano anterior. Durante a época de reprodução a segregação sexual deixa de ser
evidente, e nesta altura os machos constituem e defendem haréns de fêmeas ou
protegem das incursões de outros machos,
territórios onde ocorram fêmeas.
É durante a época de reprodução, entre
Setembro e Novembro consoante as regiões, que acontecem as lutas e despiques
entre machos. Muitas vezes existe apenas
uma “avaliação” de forças entre competidores, através da intensidade e volume de
“bramidos” emitidos pelos machos. Este
som, com semelhanças com o mugir das
vacas, é uma das mais fortes características
da época de reprodução do veado. Por
este motivo esta época toma também o
nome de brama. As fêmeas são fecundadas nesta altura do ano vindo as crias a
nascer cerca de sete a oito meses mais
tarde entre Maio e Junho.
(*) Engenheira agrónoma
[*] Designação dada à armação dos veados,
que pode ser considerada um troféu de caça.
Nota do Editor: Por ser muito extensa, não se
indica a bibliografia usada pela autora. No entanto, os interessados poderão solicitar as referências bibliográficas através do e-mail
[email protected]
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36
requalificação
Miradouro
EN 8-5
S
N
Entrada junto ao
Centro Comunitário
Parque da Pedralva vai ser
alvo de uma intervenção de
recuperação, visando a sua
valorização enquanto espaço
público e, sobretudo, enquanto zona verde privilegiada no centro da Nazaré.
As mais recentes perspectivas relacionadas com ordenamento do território e
valorização da vida urbana estabelecem
os espaços verdes como uma parte fundamental da urbe – locais de encontro,
partilha, lazer e coesão social e, simultaneamente, espaços urbanos ambientalmente
sustentáveis.
O
Estes espaços, todavia, devem corresponder
também às necessidades da comunidade
onde se inserem, nomeadamente a crescente aspiração a uma maior qualidade de
vida. Da mesma forma, os espaços verdes
devem ser, também, o prolongamento da
identidade cultural local.
Foi com base neste entendimento que a
Câmara Municipal da Nazaré decidiu proceder a uma intervenção de valorização
do Jardim da Pedralva, concebido em finais da década de 1920, com o objectivo de dotar a Nazaré de um espaço de
passeio de qualidade.
Nova vida para o
Parque da
setembro 2005
Pedralva
O novo projecto, da autoria do arquitecto paisagista Álvaro Manso, mantém praticamente inalterada a actual estrutura do
Jardim da Pedralva, centrando a sua intervenção na requalificação das principais
zonas de fruição daquele espaço. A área
envolvente ao lago e aos campos de ténis
será alvo de trabalhos de embelezamento
e valorização, que incluem, como aspecto
mais visível, a instalação de um quiosque
para serviço de café e similar.
A vegetação será outro aspecto a merecer atenção, com a limpeza das encostas
do Monte Branco e valorização do desenho paisagístico existente.
Contudo, as obras mais notórias deste projecto vão centrar-se no miradouro do Monte
Branco, que será sujeito a uma significativa
intervenção. Sendo um dos mais belos miradouros sobre a Nazaré, o promontório
e a linha de costa, é também um dos mais
desconhecidos para os visitantes e pouco
frequentado pela população local.
nazaré informa
Estudos para o projecto de recuperação do Parque da Pedralva, da autoria
de Álvaro Manso. O projecto prevê, entre outros aspectos, a requalificação
da zona envolvente ao lago e do miradouro do Monte Branco.
É a pensar na inversão desta situação e na
dignificação deste local como ponto privilegiado para uma das mais impressionantes
vistas panorâmicas da região, que se desenvolve o projecto de requalificação do
miradouro, o qual contempla o arranjo do
caminho pedonal desde a base do Parque
até ao cimo do Monte Branco e a recriação do próprio miradouro, que se apresentará sob forma de plataforma suspensa.
Devolver ao Jardim da Pedralva a sua dignidade enquanto espaço verde por excelência da vila da Nazaré, e criar condições
de atractividade para uma utilização mais
frequente deste espaço público, quer para
a população local, quer para os visitantes,
são os principais objectivos deste projecto.
A origem do Parque da Pedralva
Os primeiros trabalhos de valorização
da zona da Pedralva (ou Peralva, como
era também designada) parecem remontar a 1928. O “Diário de Notícias”
dava conta, esse ano, da «construção
de uma ponte e caminho de acesso ao
Monte Branco […] e construído um
mirante para que os nossos visitantes
possam apreciar e gozar o lindo panorama que dali se divisa».
A obra, promovida pela Comissão de
Iniciativa da Nazaré, baseava-se, segundo notícia do mesmo jornal datada de
Novembro de 1928, na «feliz ideia de
transformar o Monte da Pedralva num
aprazível passeio». Assim, terá sido feita
«uma ponte de 14 metros sobre o vale
dos Barrancos, ligando a estrada nacional
a meia encosta do Monte, rasgou caminhos por entre o pinhal existente, colocando nas curvas graciosos bancos rústicos que dominam lindas perspectivas,
nazaré informa
ensaibrando o piso e calçando-o por forma a não magoar os pés mais mimosos
ou mais atacados de calos» [Diário de
Notícias, 27-XI-1928].
Esta obra vinha dar corpo a anseios antigos. O jornal “Notícias da Nazareth” de
26 de Setembro de 1926 defendia a necessidade de «um parque abrangendo o
circuito da Sra. dos Anjos pela estrada à
Primavera e dali pela calçada que vai à
capela. Este parque terá no alto da
Pedralva um belvedere e um casino com
um pequeno hotel de luxo».
O projecto da Comissão de Iniciativa não
foi tão ambicioso, mas em 1928 dava-se
andamento ao processo de aquisição do
monte da Pedralva e de uma várzea no
sopé, e a Câmara Municipal terá cedido
«amigavelmente» um vale de eucaliptos,
para «a construção de um parque […] e
transformação do Monte da Pedralva em
retiro agradável com quatro entradas, sendo três com elegantes portas de ferro […],
vários caminhos em lancetes para, com menos esforço, atingir o ponto mais alto, mesas à sombra rodeadas de bancos e aproveitados pelos visitantes para abancarem
e comer os seus farnéis […]» [O Mensageiro, “A Nazaré, Coisas Ouvidas, Lidas
e Vistas por José Pedro”, 1942].
A obra da Comissão de Iniciativa da
Nazaré de 1928 não viria a ser executada na sua totalidade. Desentendimentos
no seio da Comissão levaram a uma
mudança dos seus líderes. O novo presidente da Comissão, Goulard de Medeiros,
desiste do projecto anterior e atribui ao
«distinto paisagista Jacinto de Matos» a
elaboração da nova planta «de um futuro parque com um belo lago, court
de ténis, patinagem […] ajardinar a
parte plana junto ao sopé do monte e
também uma parte do campo de eucaliptos» [“A Voz”, 11-05-1929].
Os jornais da época faziam eco deste investimento, considerando ter sido
«construído um lindo parque, formosamente arborizado e com um grande lago
para recreio. Ali afluem numerosamente
os banhistas da Nazaré, organizando picnics». E o miradouro era também alvo de
referências generosas: «Olha-se de lá
todo o dorso da vila, os recortes admiráveis da costa, a vastidão oceânica» [in “A
Voz”, 1929]; «[…] entre o Monte e o
mar, desenrola-se panoramicamente,
como o correr de um filme, a linda povoação da Nazaré, com as suas casas muito brancas, as suas ruas todas direitas à
praia […] Extasia a vista do espectador.»
[in “Diário de Notícias”].
O AUTOR DO PROJECTO
O projecto de recuperação do Parque da Pedralva, a desenvolver pela
autarquia Nazaré, é da autoria de
Álvaro Manso, um dos mais reconhecidos arquitectos paisagistas do
nosso país. Ao longo da sua carreira, tem-se especializado na área
da paisagem mediterrânica. Actualmente, coordena e executa diversos projectos e obras de arquitectura paisagista. Desde 1995, projecta espaços públicos como factor de qualificação das áreas urbanas, nomeadamente em zonas de
habitação social, tornando-os palco de integração social.
No domínio da água, estuda e investiga o seu valor como componente ecológica e estética da paisagem natural, bem como a sua
vertente lúdica, ornamental e didáctica.
setembro 2005
V.E.
38
AGENDA 21 L OCAL
DA
NAZARÉ
O desenvolvimento sustentável
começa aqui
Texto
IPI – INOVAÇÃO, PROJECTOS E INICIATIVAS(*)
Agenda 21 Local1 , tal como
foi concebida em 1992, no
Rio de Janeiro, e aprofundada
em 2002, em Joanesburgo (1),
é um instrumento de desenvolvimento sustentável das comunidades
locais, orientado para a melhoria qualitativa do bem-estar humano, através da
conciliação da ecologia, da economia e da
sociedade, nas suas diversas dimensões:
desenvolvimento económico, protecção
ambiental, justiça social e governação.
O desenvolvimento sustentável pretende ser economicamente eficaz, socialmente
equitativo e ecologicamente sustentável.
Respeita os recursos naturais e os
ecossistemas, sem perder de vista a eficácia económica e as finalidades sociais
do desenvolvimento: a luta contra a po-
A
setembro 2005
breza e contra as desigualdades e a exclusão, bem como a promoção de níveis
crescentes de satisfação das pessoas na
comunidade a que pertencem. Reflecte,
na sua essência, uma comunidade orientada sobretudo para a sua dimensão humana.
É ao nível do poder local que grande parte dos problemas do desenvolvimento
sustentável se podem resolver, uma vez
que, somente perto das comunidades e
com o envolvimento destas, é possível
identificar, planear, executar e monitorizar
o desenvolvimento sócio-económico e
ambiental dessas mesmas comunidades.
Neste sentido, a metodologia desenvol-
vida pela IPI – Inovação, Projectos e Iniciativas, Lda., respondendo a necessidades
diferenciadas num contexto global de
mudança e crescente exigência ética,
autonomiza o conhecimento e inovação
como pilar do desenvolvimento sustentável, entendendo que os recursos humanos são o factor determinante na construção da coesão social e territorial e da
capacidade de compromisso com caminhos que protejam o ambiente.
A Agenda 21 Local é, assim, o instrumento de integração e articulação, ao nível da
comunidade local, dos quatro pilares do
desenvolvimento sustentável: ambiente,
economia, sociedade e conhecimento e
A Agenda 21 Local é o instrumento de integração
e articulação, ao nível da comunidade local, dos quatro
pilares do desenvolvimento sustentável: ambiente,
economia, sociedade e conhecimento e inovação.
nazaré informa
39
planeamento
inovação.
Trata-se de um processo colectivo baseado na abertura, participação, responsabilização, eficácia e coerência, que implica o
envolvimento das instituições públicas e
privadas, das empresas, da sociedade civil
- O envolvimento dos cidadãos e dos
agentes económicos, sociais e culturais nos
processos de decisão e actuação locais.
- A presença e afirmação dos interesses
da comunidade, mediante a participação
activa em redes e parcerias locais, regio-
participação da população são cruciais e
imprescindíveis, devendo obedecer, para
serem eficazes, credíveis, mobilizadores e
consequentes, a um mínimo de
institucionalização, ainda que flexível e
aberta.
É ao nível do poder local que grande parte dos problemas do desenvolvimento sustentável
se podem resolver, uma vez que, somente perto das comunidades e, com o envolvimento
destas, é possível identificar, planear, executar e monitorizar o desenvolvimento
e dos cidadãos individualmente considerados. Só desta forma é possível construir
uma visão partilhada, um compromisso e
uma direcção claros, que constituam a plataforma de concretização da estratégia e
das acções que a Agenda 21 Local implica.
Os objectivos locais
A Agenda 21 Local da Nazaré é um projecto do e para o Município da Nazaré
que está a ser elaborado pela IPI, Lda., o
qual, para além dos quatro pilares do
desenvolvimento sustentável, integra como
recurso estratégico e preponderante,
transversal àqueles pilares, o mar.
São objectivos principais da Agenda 21
Local da Nazaré:
- A integração dos princípios do desenvolvimento sustentável nas políticas, programas e processos de decisão local.
nais, nacionais e transnacionais.
- A definição de objectivos operacionais
e a concretização de planos de acção focalizados na consolidação e reforço do
desenvolvimento sustentável local.
- A aprendizagem e a adaptação à mudança, no quadro dos valores e objectivos da comunidade local.
- O acompanhamento da evolução registada, mediante a monitorização dos indicadores de desenvolvimento sustentável.
- A revisão periódica dos objectivos e
metas de desenvolvimento sustentável
local, incorporando as novas necessidades e aspirações da comunidade num
processo de melhoria contínua.
Para a concretização destes objectivos é
indispensável a opinião da comunidade, a
ser escutada e incorporada de diversas
formas. Para tanto, o envolvimento e a
Assim, através das comunidades escolares, das associações culturais e desportivas,
das instituições privadas de solidariedade
social, dos agentes económicos e das instituições públicas, pretende-se dotar a
comunidade de instrumentos para se
empenhar e participar efectivamente na
construção e implementação da Agenda
21 Local da Nazaré:
- Promovendo informação e formação
para a sustentabilidade;
- Dando a conhecer os recursos e os problemas da comunidade;
- Promovendo a adopção de comportamentos mais sustentáveis;
- Desenvolvendo relações de confiança
entre todos os intervenientes e construindo consensos quanto aos percursos a
adoptar.
(*) EQUIPA DA AGENDA 21 LOCAL DA NAZARÉ
V.E.
1
nazaré informa
A Agenda 21 Local é um processo de
âmbito internacional e europeu, cuja referência inicial é o Capítulo 28 do Plano de
Acção para o Século 21 (Agenda 21), da Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento (CNUAD), realizada
no Rio de Janeiro em 1992. O seu desenvolvimento subsequente operou-se, nomeadamente, através dos seguintes instrumentos: Carta de Aalborg, elaborada na Conferência Europeia sobre Cidades Sustentáveis,
ICLEI (Conselho Internacional para as Iniciativas Ambientais Locais), 1994; Estratégia
de Lisboa, Conselho Europeu de Lisboa,
2000; Estratégia Europeia de Desenvolvimento Sustentável, Conselho Europeu de
Gothenburg, 2001; 6.º Programa Comunitário de Acção em Matéria de Ambiente
(2001-2010); Declaração Final da Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, Joanesburgo, 2002.
setembro 2005
40
desporto
Município da Nazaré premiado
por
investimento na área do desporto
Município da Nazaré foi distinguido com o “Prémio Alves
Teixeira”, atribuído pelo jornal
“O Norte Desportivo” aos
municípios que mais e melhor investem
na área do desporto. A Nazaré ficou em
primeiro lugar no ranking dos 50 concelhos que maiores investimentos fizeram
em actividades e equipamentos
desportivos, por relação ao número de
eleitores inscritos.
O “Prémio Alves Teixeira”, criado pelo
escultor André Alves em referência ao
emblemático director de “O Norte
Desportivo” com o mesmo nome, foi
atribuído numa cerimónia pública que
decorreu no passado dia 15 de Setembro, em Coimbra.
De acordo com o Director-Geral deste
projecto editorial, Eduardo Costa, “O
Norte Desportivo” «pretende distinguir
o que ainda não é objecto de qualquer
reconhecimento público: os municípios que
mais e melhor investem no fenómeno
desportivo. Acreditando que aqueles que
dão prioridade ao desporto nas suas
políticas de investimento, melhor garan-
V.E.
O
O Complexo Desportivo Municipal foi um dos principais investimentos
realizados, com a construção, entre outros equipamentos, do novo pavilhão
gimnodesportivo, do campo de treinos sintético e da pista de atletismo.
tem, no presente e no futuro, uma actividade desportiva que os distinguirá nesta
área».
O Prémio Alves Teixeira é atribuído através de um concurso, com o objectivo de
distinguir as realizações e/ou equipamentos desportivos num determinado município, num determinado ano civil, na rela-
ção custo/nº de eleitores, de entre os concelhos seleccionados pelo jornal. Para a
avaliação dos municípios a concurso, foi
escolhido o indicador “Despesas das Câmaras Municipais em Desporto – Jogos e
Desporto”, dos “Retratos Territoriais” desenvolvidos pelo Instituto Nacional de Estatística, referentes ao ano de 2002/2003.
Formação desportiva no concelho da Nazaré
Texto
REINALDO SILVA (*)
O desporto desempenha cinco funções que constituem a sua
especificidade:
1. Uma função educativa: a actividade desportiva constitui um
excelente instrumento para equilibrar a formação e o desenvolvimento humanos do indivíduo em qualquer idade;
2. Uma função de saúde publica: a actividade física oferece a
possibilidade de melhorar a saúde dos cidadãos e de lutar
eficazmente contra certas doenças, tais como as afecções cardíacas ou o cancro; pode contribuir para preservar a saúde e a
qualidade de vida dos idosos;
3. Uma função social: o desporto representa um instrumento
setembro 2005
adequado para promover uma sociedade mais inconclusiva,
para lutar contra a intolerância e o racismo, a violência o abuso
de álcool ou o consumo de estupefacientes; o desporto pode
contribuir para a integração das pessoas excluídas do mercado
de trabalho;
4. Uma função cultural: a prática desportiva permite ao cidadão
criar laços mais profundos com um território, conhecê-lo melhor, integrar-se melhor e estar mais empenhado na protecção
do seu ambiente;
5. Uma função lúdica: a prática desportiva representa uma componente importante dos tempos livres e do lazer individual e
colectivo.
A Criança que habitualmente pratica actividade física obtém:
nazaré informa
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ESCOLA DE DANÇA DA CÂMARA MUNICIPAL DA NAZARÉ
EM GRANDE ACTIVIDADE
A Escola de Dança da Câmara Municipal
da Nazaré vai lançar uma Classe de Adultos, destinada a pessoas residentes no
concelho da Nazaré com mais de 20 anos.
As inscrições podem ser efectuadas na
Câmara Municipal ou no Centro Cultural.
Continuam também abertas as inscrições
para a classe de formação da Escola de Dança da Câmara Municipal da
Nazaré, gratuita para crianças até 12 anos. Composta actualmente por
cerca de 30 alunos, a escola conta no seu palmarés com inúmeros espectáculos em todo o País e aparições em programas televisivos.
A Escola de Dança da Câmara Municipal da Nazaré vai estar presente já
no próximo dia 5 de Novembro, num espectáculo de passagem de modelos, a ter lugar no Clube Recreativo e Beneficente Valadense, em Valado
dos Frades. No dia seguinte, domingo, a Escola de Dança efectuará uma
exibição na Associação Arneirense, nas Caldas da Rainha.
CLUBE DE TÉNIS DA NAZARÉ COM ÉPOCA DOURADA
As atletas do Clube de Ténis da Nazaré, Magali de Lattre e Ana Nogueira,
sagraram-se respectivamente campeã e vice-campeã nacional, no escalão
sénior, no decurso do campeonato nacional absoluto que decorreu em
Évora. Magali conseguiu o feito de, na mesma época, conquistar o título de
campeã nacional de juniores e seniores.
Ainda no campeonato nacional absoluto de Seniores, a também atleta do
Clube de Ténis da Nazaré, Joana Pangaio, sagrou-se campeã nacional em
pares femininos. Além disso, Joana Pangaio é vice-campeã nacional em juniores
(ficando atrás apenas da colega de equipa, Magali) e conquistou duas medalhas de prata e duas de bronze, nos I Jogos Ásia-Europa da Juventude
(ASEM), que decorreram na Tailândia. A jovem tenista do CTN integrou a
equipa nacional de ténis, inserida na delegação do Comité Olímpico Português, que arrebatou, no total, 21 medalhas (Portugal ficou em 3º lugar
entre os países participantes). A prestação de Joana Pangaio, em individuais e na equipa feminina, valeu duas medalhas de prata, sendo o bronze
arrecadado em pares mistos e pares femininos.
»»»
VANDA HILÁRIO NA SELECÇÃO
NACIONAL DE TAEKWONDO
Vanda Hilário, atleta da Escola de Taekwondo da
Câmara Municipal da Nazaré, esteve no Campeonato Europeu de Técnica daquela modalidade, que
se realizou na Letónia. Integrada na selecção nacional, Vanda Hilário foi considerada atleta revelação
nesta prova, demonstrando “uma maturidade técnica e espírito belicoso que foi motivo de liderança
em quase todos os rounds”, segundo comunicado
da Federação Portuguesa de Taekwondo.
MEDALHAS PARA O CONCELHO
NA TAÇA DA EUROPA DE PATINAGEM
O concelho da Nazaré subiu, por duas vezes, ao
pódio da Taça da Europa de Patinagem Artística,
que decorreu precisamente na Nazaré, de 28 de
Setembro a 1 de Outubro. Valter Silva, atleta da
Biblioteca de Instrução e Recreio de Valado dos Frades, conquistou a medalha de ouro no escalão de
Iniciados Masculinos (Programa Longo). Por seu lado,
João Sousa, do Patinamar Nazaré Clube, obteve o
bronze em Cadetes Masculinos (Programa Livre).
As cores do concelho estiveram igualmente representadas por Mariana Ferreira, também convocada
para a Selecção Nacional nesta prova e que falhou,
por muito pouco, um lugar no pódio.
Toda a reportagem da Taça da Europa da Patinagem
Artística no próximo número.
ATLETA DO CLUBE NAVAL DA NAZARÉ
NO EUROPEU DE CAÇA SUBMARINA
O atleta do Clube Naval da Nazaré, Paulo Alves,
esteve integrado na representação portuguesa, que
disputou o Campeonato Europeu de Caça Submarina, que se realizou no final do mês de Setembro,
em Biarritz (França).
A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DESPORTIVA
aumento das habilidades para a satisfação das actividades do
dia-a-dia; melhoria das habilidades motoras; redução de lesões;
redução de condições para desenvolvimento de doenças crónicas futuras ligadas ao sedentarismo; melhoria da auto-estima;
melhoria do sentido de responsabilidade; melhoria da auto-confiança; melhoria da adaptação social; melhoria da expressão pessoal e liberdade; e um maior desenvolvimento espaço-temporal.
Todos estes propósitos foram tidos em consideração pela Câmara Municipal da Nazaré quando lançou um projecto para o
Concelho da Nazaré sobre formação desportiva. Todas as crianças têm acesso gratuito a todas as modalidades desportivas
com técnicos pagos pela Câmara Municipal da Nazaré e apoio
nazaré informa
logístico. Um projecto que tem valido a pena, pois todos os nossos jovens têm correspondido a esse esforço financeiro com o
seu empenho. Não procuramos medalhas nem campeões, tudo
isto tem sido uma consequência lógica do bom trabalho reconhecido pela população e não só!
É bom o Concelho da Nazaré ter conquistado, entre 50 municípios, o primeiro lugar no ranking nacional como o município que
mais e melhor investiu no desporto. A nossa Juventude merece
este prémio e, para a autarquia, representa uma responsabilidade
ainda maior para fazermos sempre mais e melhor segundo o
lema “Desporto é na Nazaré”.
(*) Vereador do Desporto da Câmara Municipal da Nazaré
outubro 2005
42
cultura
Ao fim de um ano de teatro profissional feito e
sedeado na Nazaré, que balanço é possível fazer desta experiência?
Após um ano de trabalho, podemos dizer que observamos a nossa actividade com alguma satisfação mas,
ao mesmo tempo, com muita frustração por não
podermos ter ido mais longe na realização dos
espectáculos e, sobretudo, na alargamento da sua
continuidade e divulgação assim como na possibilidade de uma maior estabilidade das equipas, a fim de
podermos experimentar os seus plenos desenvolvimento e produtividade. Realizámos quatro criações
próprias e em breve estará em cena a quinta. “A Aposta” com textos de Eduardo De Filippo, estreado no
Verão passado e reposto em Novembro, “É Preciso
Viver”, a partir de uma história de Aquilino Ribeiro,
espectáculo para crianças que ainda mantemos em
carteira, assim como as duas peças de Synge,
“Cavalgada para o Mar” e “Na Sombra da Ravina”.
Para completar este primeiro ano de actividade, estreámos recentemente “O Nariz”, a partir da obra
homónima de Gogol, espectáculo de rua que permanecerá em “cena” o tempo que a vida o determinar, e
ainda este Outono, realizaremos uma nova obra para
o público jovem.
Como tem sentido a reacção do público em geral ao
trabalho desenvolvido pela companhia?
O público do Chaby Pinheiro não se pode circunscrever ao da Nazaré, mas temos de ter como primeira
etapa habituar as pessoas do concelho a frequentarem com regularidade o teatro, a começarem a experimentar o prazer do teatro e a elevarem o seu espírito crítico e o grau de exigência. Enfim, os que têm ido
ver os nossos trabalhos têm “gostado”, mas temos de
ir muito mais além, porque têm de ir muitos mais e o
gosto tem de ser crítico em relação às nossas opções.
Quais são as actuais expectativas relativamente ao apoio
plurianual do Estado para a companhia? Como será o
futuro do projecto se não existir este apoio estatal?
Hoje, mais que nunca, parece-nos claro que para podermos elevar a complexidade das nossas criações e
podermos elevar a qualidade e divulgação precisamos
CÂNDIDO FERREIRA, ACTOR
O Teatro Chaby Pinheiro precisa
de afirmar o seu destino todos os dias
outubro 2005
nazaré informa
43
de um modo vital do apoio e algum
empenho do Ministério da Cultura. Sem
esse apoio esta pequena equipa, não
obstante a boa vontade de toda a gente,
vai acabar por soçobrar.
das pelo nosso público-alvo.
Apesar das dificuldades, sobretudo de
ordem financeira, como caracteriza o sonho, se assim podemos chamar, da Confraria, da Câmara e da ADN de dotar a
Nazaré em geral, e o Teatro Chaby Pinheiro, em particular, de uma companhia
de teatro profissional residente?
Quando a Câmara, a Confraria e a ADN
sonharam poder a Nazaré ter uma companhia profissional residente, afigurava-se
ser um sonho realista, apesar de Portugal
ser um país subdesenvolvido em termos
culturais. Foram muitos anos de obscurantismo e a vida moderna, assim como
o próprio desenvolvimento, exigem que
a formação e os horizontes de grandes
franjas da população se apropriem de
múltiplos conhecimentos e experiências da
humanidade, apreciadas e sentidas nas
várias vertentes e dimensões. Ora a
Nazaré tem um belo teatro, tem uma boa
tradição lúdica, está inserida numa zona
carenciada, é local de visitação e estadia
para muitos milhares de turistas, tem natural ambição de aumentar as alternativas para
os seus filhos e está inserida num território
onde existem grandes aglomerados de
população e a pouco mais de uma hora
de distância da capital. Com o concurso
que foi realizado pelas três instituições, foram criadas as condições subjectivas que
permitem tornar o sonho realidade. Quem
falhou redondamente foi o Estado.
Esta última peça, “O Nariz”, tem a particularidade de incluir dois músicos da
Nazaré. Também a primeira peça, “A
Aposta”, tinha a participação de uma cantora local. É uma preocupação da companhia incluir nas encenações, quando
possível, “caras” do concelho?
Na medida das possibilidades, temos procurado, e continuaremos a fazê-lo
empenhadamente, que em todas as realizações participem artistas do concelho.
Foi seguindo este critério que, para a primeira produção, convidámos a Teresa
Radomanto e também a Sónia Tavares,
oriunda da vizinha Alcobaça, e nas seguintes temos contado com a participação
Fernando António da Capucha, jovem que
fez o Chapitô e que está a terminar os
seus estudos teatrais na Universidade de
Évora. E com o recente “O Nariz” foi possível alargar a participação ao Wilson
Ferreira e ao Fábio Constantino. Não
podemos esquecer também a colaboração e a mútua aprendizagem com o mestre João Bexiga, com a D.Josefina Codinha,
com a D.Isabel Ramos e também com o
Américo Santos, cujo saber técnico respectivamente nas áreas da carpintaria,
costura, sapataria, montagem, nos tem
sido imprescindível. Em todos os casos
todos ficámos enriquecidos. É evidente
que, sem baixar o grau de exigência nem
o profissionalismo da companhia, pensamos que êxito será também, dentro de
algum tempo, termos jovens artistas da
Nazaré que fizeram a sua formação
académica e que aqui se podem realizar.
Falando agora do trabalho apresentado
ao longo deste ano. Qual tem sido o critério da Companhia para as peças de
teatro escolhidas?
O critério da companhia em termos de
reportório tem sido ousado e prudente.
Ousado na medida em que não cedemos ao populismo nem à facilidade e temos criado de acordo com as nossas
perspectivas artísticas. Prudente na medida em que temos procurado problemáticas e linguagens que possam ser assumi-
O vosso projecto, que venceu o concurso para a criação de uma companhia no
Teatro Chaby Pinheiro, apresentava como
uma das características a interligação com
a comunidade local e, designadamente,
com as escolas. O que tem sido feito neste
campo e o que está previsto?
Em termos de implantação temos dado
passos muito significativos, nomeadamente no trabalho no Centro de Dia com os
mais idosos, que já fizeram uma representação que tão entusiasticamente foi
nazaré informa
recebida pela população; com os jovens
estudantes que, neste ano lectivo, poderão ter uma actividade continuada nos
clubes de teatro nos respectivos estabelecimentos de ensino; e, finalmente, a “Oficina do Chaby” que tem uma composição mais heterogénea mas que, num futuro próximo, dará os seus frutos.
Finalmente, sobre o Teatro Chaby Pinheiro propriamente dito. Muitos dos artistas
que têm pisado este palco elogiam a beleza e, até, uma certa “mística” deste teatro. Partilha dessa opinião?
É verdade que este edifício que foi teatro,
sala de espectáculos, armazém em ruína,
espaço sem rumo, este edifício, dizia, foi
determinante para a nossa opção.
Encarámo-lo como uma laranja sem sumo
ou como uma vida sem poesia. O Chaby
precisa de afirmar o seu destino todos os
dias. É um belo e secreto teatro. Tem voz,
respiração própria e história feita. O Chaby
Pinheiro não pode ser nem sede de colectividade nem local de eventos sem critério, porque tal significaria roubar-lhe a
alma. O Chaby tem de ser um local onde
se viva a festa do teatro.
BIOGRAFIA
Inicia a actividade como actor em 1971.
Em 1974, é um dos fundadores de O
Bando, onde permanece 12 anos como
actor, dramaturgo, encenador e produtor. Posteriormente, e entre outros, trabalha com os encenadores Mário
Viegas, Luís Miguei Cintra, João Brites,
Antonino Solmer, José Carretas, António
Augusto Barros, Ana Tamen, Konrad
Zchiedrich, Christine Laurent. Em 1998
é-lhe atribuído o Prémio Garrett - interpretação masculina, pelo trabalho no
espectáculo Comunidade, de Luiz
Pacheco. Entre outros trabalhos, foi o
responsável artístico da Animação Diurna da Expo’98. No cinema trabalhou,
nomeadamente, com os realizadores
Manoel de Oliveira, Eduardo Guedes,
Joaquim Leitão, Luís Filipe Rocha, Ruy
Guerra, Joaquim Sapinho e José Álvaro de Morais. Até Amanhã, Camaradas foi a última das várias séries
televisivas em que tem participado.
outubro 2005
44
linguística
Um significante elementar
mais pequena palavra do nosso léxico é a. A sua história,
porém, é um pouco complicada. Na verdade ela é artigo definido feminino, a mulher, a mesa
(lat. illa); pronome pessoal, se a vires dizlhe que a espero aqui (lat. illa); pronome
demonstrativo, a irmã dela é a que vem
à frente (lat. illa); preposição, vou a Lisboa (lat. ad). Há, entretanto, um semnúmero de outros significados que seria
fastidioso enumerar aqui. Mas já é interessante indicar outras funções desta partícula, como é o caso da composição de
outros vocábulos, por exemplo, do seu
emprego como prefixo, ora derivado do
grego, no sentido de negação, atópico,
fora do lugar, e, com o mesmo sentido,
anormal, derivado do latim (prep. a ou
ab); ora ainda, com esta mesma
etimologia, no sentido de movimento,
ajuntar (prep. ad). É característica do feminino, a Maria, a régua; da terceira pessoa do singular dos verbos da primeira
conj., no presente do indicativo, no pretérito imperfeito e pretérito mais-queperfeito.; está entre os raros infixos da
nossa língua, pintainho. Também em
imensos arabismos da nossa língua, o a
inicial corresponde ao artigo al, entretanto expurgado da consoante, açude,
arroz.
Para não se alargarem mais estas generalidades, passamos a referir como ela
interfere no falar nazareno, em determinada situação.
A
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JOSÉ SOARES
Escritor
a(conj. cop.). e, em vinte a um, vinte a
dois, etc. (Cf. em Suma Oriental, de Tomé
Pires, séc. XVI: ‘’...e de vimta sete fios feitos em três’’).
Em expressões como pouco a pouco (cp.
Raul Brandão, in A Morte do Palhaço:
‘’pouco e pouco, alastrava-se pela paisagem...’’, ou, mais recuadamente, em
Castanheda, séc. XVI, ‘’despois vão pouco & pouco...’’, expressões que continuam a ser correntes) e numerais formados por justaposição e anaptixe, como
dezasseis, a é metaplasmo de ac (conj.
lat.).
Também Antônio Geraldo da Cunha, no
seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (4ª impr. – 1981), refere a origem deste a à conjunção latina ac e data
o seu uso já no séc. XIV.
Afirma Bourciez que o a destes numerais (dezasseis, dezassete, dezóito e
dezanove) é a conjunção latina ac [dezoito parece não obedecer ao mesmo
princípio: a conj. ac procura palavra
começada por consoante, o que não é o
caso. E dezanove tem a variante dezenove,
a que se atribui outra formação: dez e
nove, séc. XV. Ismael de Lima Coutinho,
Gram. Hist., diz que o ó de dezoito (lido
dezóito) resultou da contracção de o+o
da forma arcaica dezooito (<dezaoito <
dece ac octto). Ribeiro de Vasconcelos
inclina-se para a hipótese de que ele seja
aí a expressão latina ad. Assinala o
gramático português, sem documentar as
formas do latim vulgar decem ad sex,
decem ad septem. Antenor Nascentes
explica-o como sendo a modificação da
copulativa e. Leite de Vasconcelos acha
que a composição se deu dentro da língua, e assim a justifica: ‘este a não representa a conjunção e, mas a preposição a;
é como quem dissesse dez junto a seis, a
sete, etc.
Também José Pedro Machado, Dic. Etim.
– 6ª ed., regista a como sendo conj.
coord., em exemplos já acima citados.
Mas nas entradas dezanove, dezasseis e
dezassete, omite por completo, a hipótese ac, remetendo para a origem et a
formação destes numerais.
Acontece que, no falar dos nazarenos, a
hipótese ac não permanece em outra
numerações, aparecendo em seu lugar,
tudo leva a crer, a conj. et, como em
trintèdois, -três, -quatro, etc., curentèdois,
etc.: triginta et duo [tri(g)ntè(t)dois].
Por curiosidade se refere que, em francês, pouco a pouco se diz peu à peu ou
petit à petit, e não peu et peu. Será que
este à é também correspondente a ac?
A palavra “a” é a mais pequena do nosso
léxico. Como interfere ela no falar nazareno?
nazaré informa
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crónica
Agrupamento de Escuteiros de Famalicão
A nossa viagem a Kandersteg
a manhã de 11 de Agosto de 2005, o Agrupamento
de Escuteiros nº 924 de Famalicão deu início à realização de uma actividade internacional, que prometia
várias surpresas e aventuras. Nesta epopeia a terras
de Kandersteg, na Suíça, participaram 75 elementos.
A viagem começou em Famalicão até ao Aeroporto de Lisboa,
sendo o transporte de autocarro cedido pela Câmara Municipal
da Nazaré. Viajámos de avião até Zurique, o que foi uma nova
experiência para a maioria de nós, assim como poder ter um
primeiro contacto com os hábitos alimentares Suíços e provar
os seus deliciosos chocolates, dado que viajámos através de
uma transportadora Suíça. De seguida fizemos uma viagem de
três horas de autocarro até ao Centro Internacional Escutista de
Kandersteg.
A direcção do Agrupamento, após juntar alguns “trocos” com a
fundamental ajuda da Câmara Municipal da Nazaré e da Junta
de Freguesia de Famalicão, e do patrocínio de várias empresas
da região e casas de comércio locais, assim como a ajuda e
colaboração dos pais e o apoio de um português radicado na
Suíça, conseguiu proporcionar aos nossos jovens novas vivências
escutistas.
Escolhemos Kandersteg por ser o único Centro Escutista verdadeiramente internacional no mundo. Fundado em 1923, o Centro Escutista Mundial foi o sonho de Baden-Powell (fundador do
escutismo), criado pelos seus familiares. Situado a cerca de 1200
metros acima do nível do mar e a cerca de 65 quilómetros de
Berna, está aberto durante todo o ano. Constitui uma excelente
base para explorar os Alpes Suíços e para encontrar muitos
N
escutas vindos de todo o mundo. Uma das salas retrata bem a
variedade de escuteiros que por lá tem passado, através dos
lenços usados em todo o mundo.
Os nossos escutas participaram em várias actividades realizadas pelo Centro tendo como base a Amizade Internacional e a
Aventura Alpina. Estas actividades permitiram-nos desenvolver
novas experiências com pessoas de outros países nos belos
Alpes Suíços, criando uma autêntica e única atmosfera internacional. Ficámos numa zona de acampamento que pode acolher
até 1400 pessoas em mais de 60 locais diferentes.
De Kandersteg apanhámos um excitante cabo teleférico que
nos levou ao cume de uma montanha “Oeschinen”, onde pudemos andar em pequenos carros de ferro que se deslocavam em
calhas de metal, sendo a velocidade controlada por cada escuta.
De seguida fizemos uma caminhada até ao lago frio de
“Oeschinensee”, originado por escorrências dos antigos glaciares.
Este percurso tem alguns dos cenários mais bonitos e vistas deslumbrantes dos Alpes, culminou com uma fascinante descida pedestre até ao Centro, acompanhados pelo Vereador Júlio Faustino.
Também realizámos um raide desde o Vale de Gaster, um dos
mais espectaculares da Suíça. Com a ajuda de um guia através
deste lindo vale, pudemos aperceber-nos de alguns espectaculares cenários e aproveitar as paisagens de neve de Kandersteg,
os picos e os glaciares antigos, realizando actividades radicais. O
percurso pode atingir 300 metros de altura e tem aproximadamente 14 quilómetros. No final realizámos uma breve descida
até ao Centro, passando através das margens do rio Kander.
Participámos também no Fogo Conselho Internacional onde efectuámos uma dança escutista característica do nosso país, assim
como aprendemos danças e canções de vários países presentes
nesta actividade.
Os nossos escutas também fizeram vários percursos pedestres
com o intuito de conhecerem a localidade de Kandersteg e os
hábitos da população Suíça.
Os jovens ficaram deslumbrados com tudo o que lhes foi proporcionado, ficando até mesmo com alguma água na boca, pedindo-nos mais actividades com este cariz, embora dispendiosas.
Por tudo isto, o Agrupamento agradece a todos aqueles que
tornaram possível esta actividade para enriquecimento do conhecimento e da experiência dos nossos escutas.
DELFIM MATEUS
Secretário de Agrupamento
nazaré informa
outubro 2005
FESTAS EM HONRA DE NOSSA SENHORA DA NAZARÉ
“NAZARÉ EM FESTA”
A INOVAÇÃO DO PROFANO E A CELEBRAÇÃO DO SAGRADO
O Parque Atlântico voltou a receber, de 2 a
11 de Setembro, o evento “Nazaré em
Festa”, o programa de animação das
tradicionais Festas em Honra de Nossa
Senhora da Nazaré. A segunda edição de
“Nazaré em Festa” ficou marcada pelo
reconhecimento geral da inovação inerente
a este novo modelo de organização das
festas, que devolve à dimensão religiosa o
seu local privilegiado, e confere à dimensão
lúdica um novo enquadramento.
nazaré informa
setembro 2005
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Actuação da Escola de Dança
da Câmara Municipal da Nazaré
s Festas em Honra de Nossa Senhora da
Nazaré encontraram, através do evento
“Nazaré em Festa”, um novo fôlego. O slogan
“As Festas no Seu Espaço” demonstrou ser
mais do que um chavão: no seu segundo ano de
existência, o Parque Atlântico convenceu a população
do concelho enquanto local privilegiado para acolher,
condignamente, a vertente “profana” das festividades em
honra de Nossa Senhora da Nazaré.
Após alguns anos de indefinição quanto à localização do
recinto, subsequente à sua retirada do Largo do Santuário,
as Festas reencontraram o seu espaço numa área ampla,
bem situada, com um enquadramento natural privilegiado,
boas infra-estruturas de apoio aos visitantes e aos
feirantes e organizada em zonas temáticas, possibilitando
um melhor ordenamento das actividades que, desde
então, passaram também a ser mais diversificadas.
O relativo afastamento do Parque Atlântico face à malha
urbana da vila foi minorado com a criação de um serviço
permanente de transporte público de passageiros, que
registou um elevado índice de procura. Uma aposta
também ganha ao nível da mobilidade, contribuindo para
A
Tony Carreira, um dos artistas mais
reconhecidos do público português
setembro 2005
nazaré informa
49
presentes na feira, e apesar de alguns
sectores de actividade sentirem os efeitos
da redução do poder de compra geral
dos portugueses, o balanço da
participação no certame é muito positivo.
«Estou muito satisfeito com a nossa
presença nesta feira», afirma Almerindo
Almeida, sócio da empresa Telegest,
representada no Pavilhão das Novas
Tecnologias. «Fizemos promoções
especiais de feira, apostámos no
marketing directo e tivemos um excelente
resultado».
A música ligeira portuguesa
representada por Toy
a redução do uso do veículo privado e,
assim, para reduzir as situações de
conflito no trânsito.
Criado em 2004, no âmbito de uma
parceria institucional entre a autarquia,
a Confraria de Nossa Senhora da
Nazaré e a Associação de Defesa da
Nazaré, o Parque Atlântico é a face
mais visível do novo figurino da
componente de animação das Festas
em Honra de Nossa Senhora da
Nazaré. Um figurino que parece ter
conquistado a população do concelho
e os muitos visitantes do evento,
oriundos um pouco de todo o País. José
Marques, de Torres Novas, é um
frequentador habitual das Festas desde
há largos anos, e reconhece o sentido
da mudança. «Tiro sempre uns dias de
férias para vir à Nazaré nesta altura»,
explica, em declarações à revista Nazaré
Informa. «Vim cá o ano passado e voltei
este ano, e acho que está ainda melhor,
o espaço está ainda mais bonito e
arranjado. E a ideia dos restaurantes é
muito boa, para quem gosta do
convívio com os amigos», remata.
O programa de animação musical, um
dos motivos de atracção do evento, é
nazaré informa
o «melhor de tudo» para Emília Figueira,
residente na Nazaré. «Este ano há
concertos de grande qualidade»,
afiança. «Mas está tudo muito arranjado
e há muito povo», acrescenta,
visivelmente satisfeita.
De facto, os concertos de Tony Carreira,
Toy e o espectáculo “Os Quatro Cantos
do Fado” foram os momentos altos da
programação musical do evento, que
procurou abranger públicos diversificados,
com exibições de bandas rock, pop, jazz
e música ligeira.
Mas as opiniões favoráveis não se esgotam
nos visitantes. Ao nível dos empresários
Tony Carreira, um dos
artistas mais reconhecidos
do público português
Tradição pode voltar a ser o que era
As Festas em Honra de Nossa Senhora da Nazaré foram, durante séculos,
uma das principais manifestações de fé e religiosidade da Estremadura, de que
os círios eram uma componente importante.
Progressivamente, as festividades “profanas”, com carácter de animação popular,
foram ganhando terreno às demonstrações religiosas e, numa fase recente, as
festas tradicionais atravessaram uma fase de certa descaracterização. Contudo,
a separação física das duas vertentes (as celebrações religiosas no Santuário e
no Terreiro, as actividades recreativas localizadas agora no Parque Atlântico)
contribuiu para a dignificação de ambas, e as manifestações de fé readquiriram
o brilho merecido.
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Verão musical no
Parque Atlântico
THE KELLY FAMILY
O
s “The Kelly Family”, a mítica banda irlandesa que,
desde há largos anos, reúne legiões de fãs por toda
a Europa, foi a primeira de um conjunto de nomes
sonantes do panorama musical a pisar o palco do
Parque Atlântico, no dia 6 de Agosto.
Se é certo que em Portugal os “The Kelly Family” não têm o
sucesso editorial que conhecem noutros países, não é menos
verdade que os fãs são dedicados e chegaram à Nazaré, provenientes de todos os pontos do País e, até, de Espanha.
A Pilar e a Consuelo, 17 anos, instalaram-se nas imediações do
Parque Atlântico dois dias antes do grande concerto. Oriundas
da Andaluzia, queriam garantir os lugares na fila da frente e, por
isso, decidiram acampar no pinhal, juntamente com um grupo
de algumas dezenas de outros fãs, igualmente vindos de longe.
Ainda faltavam muitas horas para o momento de ver os seus
ídolos e, para matar o tempo, aproveitaram para conhecer a
Nazaré. «Já fomos à povoação, adorámos o ascensor. E já
fomos também a esta praia [do Norte], que é espectacular. Em
Espanha já não existe uma praia assim, tão grande e sem ninguém», contam as duas amigas, que não se importaram de
fazer tantos quilómetros para assistir ao concerto dos “The
Kelly Family”. «Vai ser maravilhoso, conhecemos as músicas to-
Durante o mês de Agosto,
passaram por este recinto os “The
Kelly Family”, Daniela Mercury, Clã,
DZRT e algumas bandas locais, em
concertos que mobilizaram milhares
de pessoas e demonstraram
a versatilidade do Parque Atlântico.
das e queremos estar logo à frente», afirmam. Quanto às condições do recinto, «ainda não vimos lá dentro mas, para já, isto
parece ser muito bonito. Tem muito espaço verde e é ao pé do
mar. É perfeito», concluem.
O entusiasmo dos fãs foi crescendo até ao tão ansiado momento da entrada em palco dos membros da banda. Joey, Jimmy,
Angelo e Patricia Kelly não defraudaram as expectativas e mantiveram ao longo de todo o concerto uma relação de grande
proximidade com o público. O alinhamento foi constituído em
larga medida por canções do último disco da banda, “Homerun”,
dividido em duas partes: uma composta por canções mais calmas e introspectivas; a outra por músicas intensas, mais próximas do rock.
Em declarações a “Nazaré Informa”, Jimmy manifestou o contentamento da banda por estar mais uma vez em Portugal. «Não
vendemos muitos discos cá, mas temos um público muito fiel e
muito simpático», afirma o músico, reconhecendo que «existe
uma certa mística» à volta do grupo, motivada, na sua opinião,
«por sermos uma família e existirmos há tantos anos». Uma
longevidade que, segundo o irmão mais velho, Joey, se deve ao
facto de «sermos muitos irmãos e nem todos estamos na banda ao mesmo tempo. Cada um tem os seus projectos», conclui.
FOTOS: VÍTOR ESTRELINHA
O Verão trouxe calor, animação
e muita música à Nazaré e,
particularmente, ao Parque Atlântico,
bem pertinho da Praia do Norte.
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Loucura
O grande fenómeno de popularidade dos últimos tempos passou
pela Nazaré, num concerto absolutamente memorável para os milhares de fãs que se deslocaram ao Parque Atlântico, no passado
dia 23 de Agosto. Falamos, naturalmente, dos DZRT, a banda da
novela “Morangos com Açúcar” que, durante todo o Verão, mobilizou multidões de admiradores de norte a sul do País.
Na Nazaré, os DZRT não deixaram os seus créditos por mãos
alheias e realizaram um espectáculo de grande qualidade e, sobretudo, muita energia. Perante um público entusiasta (um ambiente familiar e muito jovem), os DZRT assistiram ao primeiro grande momento de euforia logo que saltaram para o palco. O segundo momento de loucura aconteceu quando os jovens artistas gritaram
“Nazaré!”. O resto foi histórico para os jovens fãs nazarenos da
banda. O grande êxito “Para mim tanto faz” foi cantado em uníssono, com uma multidão em delírio, pulando e dançando. “Ganda público!”, gritou a banda em resposta. E o concerto prosseguiu em alta
velocidade, até ao momento final da despedida. “Sigam os vossos
sonhos!”.
DZRT
NA PRIMEIRA PESSOA
Nazaré Informa: O que acharam do concerto
esta noite na Nazaré?
DZRT: Um grande concerto. Gostámos particularmente do cenário, com a lua a nascer
mesmo à nossa frente. Foi algo de muito especial e muito tranquilo. Estávamos mesmo a
curtir estar naquele palco.
N.I.: E quanto ao público?
DZRT: O público mostrou muita energia e deunos também muita energia. Se o público puxa
por nós, reagimos e damos mais de nós.
N.I.: Quem são os membros dos DZRT? São as
personagens dos “Morangos com Açúcar”?
DZRT: Somos uns sortudos por termos tido
este início de carreira, associado à novela, mas
os alter-egos começam a distanciar-se. Novela é novela e nós pessoas reais. O público já
nos chama pelos nossos nomes próprios nos
concertos, e isso é importante porque queremos uma continuidade.
N.I.: Os DZRT são um fenómeno passageiro?
DZRT: Desde o início que é nosso objectivo
fazer uma coisa diferente, fazer um projecto
bem feito. Os DZRT ao vivo, enquanto banda,
é um projecto original nosso, aproveitando as
nossas capacidades enquanto actores e músicos. Andamos sempre a compor porque queremos construir algo para o futuro. Tudo é concebido e feito por nós, na esperança de conseguirmos criar o nosso estilo e a nossa presença em palco.
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“Furacão” Daniela arrasou
no festival NAZARÉ SONS E CORES
Daniela Mercury mostrou, na Nazaré, porque é conhecida como o “furacão
da Bahia”. A famosa cantora brasileira foi a cabeça de cartaz do “Nazaré
Sons e Cores – Festival de Música”, que se realizou no Parque Atlântico, dias
12 e 13 de Agosto último. Cerca de sete mil pessoas assistiram a um dos
seus exuberantes espectáculos de música, dança e ritmos quentes.
Daniela trouxe à Nazaré a digressão “Carnaval Electrónico”, nome do seu
mais recente disco, mas não esqueceu temas mais antigos, como “Rapunzel”
e “Nobre Vagabundo”, para delícia da multidão que cantou a uma só voz.
Durante todo o concerto, a cantora contagiou o público com a sua energia
e entusiasmo, e arrancou ainda mais aplausos quando falou do Carnaval e
da mulher nazarena.
Em conferência de imprensa, Daniela Mercury explicou porque optou por
não fazer música popular brasileira (MPB). «Queria ser compositora de novos géneros, e consegui com esse tipo de música percussiva que venho
fazendo desde o início da minha carreira. Eu achava que a MPB já tinha
tantos grandes intérpretes que era preciso buscar coisas novas para a minha
geração se afirmar», esclareceu a artista, anunciando na ocasião o lançamento, no final deste ano, de mais um álbum, a que chamou «um disco de
carreira». Neste trabalho, Daniela Mercury diz «regressar às minhas origens e
referências», cantando temas clássicos da música popular brasileira. «É um
trabalho totalmente distinto do que os portugueses conhecem, é um projecto especial que permite obter uma visão complementar do meu trabalho»,
declara.
Mas nem só de Daniela Mercury se fez um grande festival, no Parque Atlântico. Na mesma noite, pisaram o palco duas bandas locais, os premiados
Éden e os Flooding, que deram a conhecer a sua música ao público presente.
No dia seguinte, o “Nazaré Sons e Cores” foi integralmente dedicado às
bandas portuguesas. Os “Pratyahara”, da Nazaré, fizeram as honras da casa
com o seu rock alternativo e abriram caminho para duas bandas nacionais
de nomeada: os Pluto, um dos grupos da nova geração do pop português,
e os consagrados Clã. Apesar da hora tardia em que entrou em palco, a
banda de Manuela Azevedo prendeu o público do primeiro ao último minuto, num concerto que percorreu os temas de “Rosa Carne”, o último trabalho do grupo, e as canções que tornaram os Clã numa das bandas de
referência da música portuguesa.
Os CLÃ, de Manuela Azevedo, agarraram o público do primeiro ao último minuto
PLUTO, o novo rock no Nazaré Sons e Cores
EDEN, uma das bandas da Nazaré a pisar o palco do Festival
FLOODING e PRATYAHARA, os novos talentos e
novos sons da música “made in” Nazaré
(*) Psicólogo
nazaré informa
agosto 2005
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A CHUVA QUE ME MOLHA
DEIXA-TE SECA!
[email protected]
lex não teve uma infância fácil,
e a necessidade de afecto que
daí derivou foi-lhe fatal. O seu
coração bateu mais forte
desde a primeira vez que viu Sofia, tinha
ele apenas dez anos. Ela era linda de fazer
corar o universo, e ele passou a ver as
coisas mais simples tornarem-se
misteriosas quando ela as tocava. Agora,
com quinze anos, fazia
um balanço da espiral de sentimentos que
o agonizava há cinco longos anos, por
ter de amar em segredo. Espacialmente,
a sua vida resumia-se a dois lugares: um
deles eram muitos num só, ou seja, eram
todos os lugares que ela frequentava e
para os quais se sentia constantemente
atraído (conhecia todas as suas rotinas e
tinha de vê-la tantas vezes quantas lhe
fosse possível); o outro era um jardim
onde sofria aquele amor em silêncio e
simulava vivências – ali era só virar à
esquerda na Rua das Tulipas, seguir pela
A
Travessa do Roseiral, evitar o Beco (sem
saída) dos Malmequeres, para finalmente
chegar à Avenida dos Amores-Perfeitos
onde Sofia o esperava. O jardim era uma
ilha que lhe oferecia conforto, mas que o
isolava do continente e da realidade.
Fazia-o agir como um insular que olhava
o continente com temor embora o
ambicionasse, nunca se decidindo porém
a conquistá-lo.
Desencorajado, recusava ter memória e
lembrar o seu passado. Porque haveria
de fazê-lo, se só tinha saudade do que
nunca tinha vivido? No seu coração
estava bordado cada movimento, cada
rotina, cada sorriso de Sofia, e ela nem
sequer sabia. -“Se ao menos eu
conseguisse contar-lhe; talvez com o
tempo ela também pudesse vir a gostar
de mim!” – pensava em vós alta. Ele sabia
que o amor amplia o que temos de
melhor, pois quando amamos e somos
amados, o nosso ego fica fortalecido e
permite-nos ter um dia-adia melhor e estar bem com
(quase) tudo; Afinal, é por
querermos ser amados, que
sentimos uma necessidade
constante de mostrar e ver
reconhecido (pelo outro) o
que de melhor temos para
além do que a linguagem
corporal é capaz de revelar.
E se o amor não tem lugar
na nossa vida, só
conseguimos comunicar
através do rancor (infligindo
humilhação e medo), sinal
maior de que somos fracos
e estamos muito carentes.
Assim era seu pai, um
homem sombrio que havia
percorrido este troço de
destruição que começa no
próprio e termina no outro,
e Alex não queria seguirlhe as pisadas.
“TUNISIAN GARDENS”, 1919 - Paul Klee
setembro 2005
Então, a dada altura da vida (Porque se
diz “a dada altura da vida” mesmo para
vidas que nunca tiveram qualquer altura?
Vidas que têm uma paixão pela qual se
luta até ao fim e o momento da partida
se confunde com o da chegada?), ele
ganhou toda a coragem do mundo, e
decidiu dizer-lhe, não lhe fosse nascer
musgo na voz. Surpreendentemente, as
palavras jorraram-lhe como água da fonte,
e Sofia, surpresa, deixou-se molhar até
se transformar num rio, e respondeu-lhe
com um beijo...molhado. Depois disso (e
entendam por depois o tempo que
quiserem), ela sorriu e disse-lhe adeus,
mas Alex não respondeu. É que “adeus”
podia significar muita coisa que ele não
desejava que acontecesse: que aquele
encontro não se voltaria a repetir; que
iriam viver entre outras pessoas; rir por
outros motivos e chorar de outras
dores; terem encontros diferentes em
noites diversas, guiados por diferentes
estrelas; que o sol que a ilumina nunca
iria aquecê-lo; que a chuva que o molha
a deixaria seca.
Alex permaneceu imóvel a segui-la com
o olhar, enquanto ela prosseguiu
lentamente rua fora, e viu-a virar-se uma
última vez. Foi então que soube que
ela nunca mais iria fugir-lhe. É que ele
tinha acabado de conquistar as asas
com que antes ela fugia dele. Tinha
acabado de vencer a longa Batalha que
vinha travando com o medo, e tinha
construído a primeira de muitas pontes
para um continente imenso que teria
de explorar, embora já o conhecesse
tão bem. Por fim, ainda se indagou: “Agora sou outra pessoa?”. Reflectiu um
breve momento, e apressou-se a
satisfazer a própria curiosidade: -“Não,
claro que não. Não sou uma pessoa
melhor, nem pior, mas diferente!”
A vida de Alex tinha acabado de
começar, e logo com o brilho de uma
estrela candente.
JÚLIO ESTRELINHA, Psicólogo
nazaré informa
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A APANHA DA PÊRA - Câmara Municipal da Nazaré