¦BBffffllWB» A Voo dos Pássaros equilibra ousadia com conforto, do que o autor imagina ser a vivência na barriga da mãe. à semelhança r uma das decisões mais marcantes da nossa vida. Porque a nossa casa é um pouco a nossa v 'ida. A totalidade demora anos a pagar em prestações mensais. E depois há os móveis e louças para carregar, as caixas para arrastar pelas escadas, as cores a escolher para as paredes, as tralhas a eliminar, os pontos de luz, as dis- com o empreiteiro, os novos vizinhos... Enquanto uns se empenham em dominar a infiltração na sala para não ficarem com uma piscina forçada, outros investem a imaginação e as poupanças de uma vida na habitação dos seus sonhos, convictos de que uma casa pode ser o caminho para a felicidade. É nela que encontram o fio da meada, o centro vital, a paz dos dias, a história que querem contar. Por algo assim tão íntimo vale a pena pagar o preço. Quando se pode. «A casa deve ser pensada e desenhada para o homem. A arquitectura precisa de interagir com os seus utilizadores, avaliando sempre a adaptação à sociedade», considera o arquitecto António Baptista Coelho, incussões vestigador principal do Departamento de Edifícios do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) c autor de um estudo sobre habitação humanizada. «Se as pessoas que lá moram dizem que nunca de lá querem sair, é por alguma razão», traduz, insistindo na diferença entre uma boa casa e uma casa grande. Apesar de os especialistas considerarem 201 1 um ano difícil, com grandes pressões e desafios pela frente, quase todos apontam, por outro lado, a inevitabilidade de procurar alternativas de progresso, estabilidade e inovação. Olhar a reabilitação urbana como um ponto de viragem, além de uma forma de compensar a diminuição da construnos ção de novos edifícios - integrando-os planos estratégicos das cidades - é apenas um dos caminhos que os arquitectos irão percorrer no futuro no momento de projectar. O outro passará por construir novos edifícios - moradias, habitação colectiva ou equipamentos - abertos às influências exteriores ao mesmo tempo que se ancoram em formas ancestrais da arquitectura popular e pacífica transformados em zonas de conforto para lá do cimento, das telhas e das tintas. A nossa visão do mundo é afectada pela organização dos espaços em casa. E a vontade de explorá-lo c tanto maior quanto aintensidadedos sonhos que acasa nos permite alojar. 'The spacial one' Casa Voo dos Pássaros Bernardo Rodrigues Levado pelo entusiasmo da habitação como uma espécie de útero materno, Bernardo Rodrigues encontrou o seu ponto de equilíbrio pessoal entre generosidade, coragem e loucura. O arquitecto defende com todas as forças que, ainda antes do nascimento, na barriga da mãe, o feto interage com o mundo circundante, a luz, o som, a temperatura, filtrados pela suspensão aquática. Foi assim, acredita, que se lhe imprimiu no cérebro a base do aparelho scnsorial que determina toda a vida diante dos elementos do mundo e lhe permite, agora, alimentar ideias conceptuais fortes como a sua Casa Voo dos Pássaros, uma pérola arquitectónica que parece querer elevar-se no ar a qualquer altura. «Este projecto teve alguns anos de gabinete, portanto foi muito maturado e refinado», conta o autor, satisfeito com o resultado decorrente de se terem construído todos os pormenores conforme haviam sido desenhados e pensados inicialmente. Havia a realidade dos ventos e chuvas frequentes na costa norte da ilha açoria- na de São Miguel, que determinaram a parede e o plinto onde dois pátios internos possibilitam uma vida social ao ar livre mais protegida. Depois, deixado à vontade por clientes confiantes e impulsionadores, Bernardo reinventou «uma nova perspectiva ontológica do mundo», à medida dos desejos dos futuros moradores, concebendo o piso térreo com salas abertas sobre a paisagem (mas protegidas dos elementos) e quartos no piso » » superior opacos e protegidos rior. «Perante as condicionantes do extedo local Na Cardão de cultura ar- o ponto forte é a vista quitectónica que melhor resumiriam a receita precisa: planta e corte palladianos, inscritos num quadrado de 15x15 metros com dupla altura na sala central, e duas alas laterais, uma delas com as circulações verticais e a outra com pátio interno e cozinha com chaminé de cariz civil popular, a longa altura.» Já que se gasta tempo e dinheiro com casas em trabalho de gabinete, ao menos que se ganhe prática de pesquisa e terreno de trei- de 36C graus que se abre para um vale de beleza incateulávei. e do cliente, usei elementos no para novas visões possíveis. Luz ao fundo do túnel Casa Cardão ORV Arquitectura Passaram o primeiro ano e meio de projecto a oscilar entre a perseverança - que os motivava a seguir em frente para edificarem a sua primeira casa e realizarem o sonho dos clientes - e a incredulidade ao constatar que a Câmara de Vila do Bispo se escusava a emitir um parecer, positivo ou negativo. Naaltura, dizem, o autarca em funções não queria moradias de linguagem contemporânea em Sagres e bloqueava a engrenagem com silêncios e ausência de respostas, tentando demover os arquitectos por cansaço. Osvaldo Sousa ainda estava a estudar, Rui Vargas concluíra o curso há pouco tempo e nenhum dos dois imaginava que um casal português determinado em construir a sua moradia de veraneio e a trabalhar em Bruxelas, ausente para vistoriar o andamento das coisas na maioria do tempo, os procude nome rasse, em vez de profissionais no mercado. Mas foram precisamente os jovens avencer a aposta. E não só conseguiram que o projecto fosse aprovado (depois de enviarem um cubo de betão de vinte quilos dentro de um saco, como junção de elemento ao processo pendente na câmara), como fizeram a Casa Cardão com um arrojo ímpar, já que entretanto aprenderam com a experiência e descobriram formas mais sensatas de atingir os mesmos fins. «O ponto forte é a vista de 360 graus: pode-se estar na sala, no quarto, na casa de banho e contemplar um vale espectacular», precisa Osvaldo, explicando que a moradia resulta de uma caixa de betão sustentada em parte por sistema de pilotis - cujos vãos dão acesso visual à enorme extensão em redor -, tendo no topo uma caixa de vidro que contrasta com a base e abre os olhos para o cenário. «A luz é uma das nossas formas de trabalhar, um elemento tão A moradia de ve'aneioé o orgulho dos proprietários. importante quanto perceber a pessoa que vai habitar cada casa», sublinha Rui, A Casa do Alto evoca com a a vivência mediterrânea mesma alma das velhinhas barracas da zona saloia ce Sintra, da Praia das Maçãs. para quem arquitectura é criar um espaço agradável para se viver, sem ser apenas o formalismo da habitação com um telhado e janelas com molduras. «Tivemos liberdade absoluta porque o cliente abraçou o programa desde o início, o entendimento foi mútuo», diz. Uns e outros perceberam o que era importante para o casal, o espaço certo, as vontades ficaram felisecretas. Os proprietários zes e a ORV escalou no seu ideal de fazer que a arquitectura tenha um papel social cada vez mais forte no futuro. Barracas na praia Casa do Alto Frederico Valsassina esguios, a duna densa, o declive a elevar os olhos ao nível da copa das árvores, os açoites do vento, as praias agrestes do Atlântico, o aconchego da pedra, o sol implacável, a perspectiva total sobre o terreno. Tudo, na Casa do Alto, em Sintra, evoca a vivência mediterrânica da zona saloia onde Frederico Valsassina a agarrou ao chão, jálá vão quase vinte anos, quando decidiu que queria construir uma moradia de veraneio para a família. «Como as velhas barracas de praia são características da Praia das Maçãs, e eu estava decidido a identificar o projecto com a esOs pinheiros téticaenvolvente.acasaacabou por assen- tar num módulo de três metros por três, multiplicado sobre toda a extensão horizontal da plataforma», recorda o arquitecto, que apartir daí a modelou fazendo interagir directamente o interior e o exterior. Na altura (o processo decorreu entre 1990 e 1992), Frederico não tinha muito dinheiro, o que lhe permitiu perceber que não era necessário grande coisa para fazer uma casa de qualidade, apenas racionalizar os materiais e as formas e ter bom senso, como ele próprio gosta de lembrar. «A minha arquitectura é contemporânea, muito depurada de formas e materiais. E estes não precisam de ser contemporâneos para que a casa o seja também: uma casa pode ser actual com peças relativamente básicas e que perdurem ao longo do tempo». Além da orientação a poente, que naquela região se diz ser onde o Verão passa o Inverno, as salas são grandes e luminosas e os muros inspirados nas cercas com que se protegia a agricultura dos ventos salgados. Com uma particularidade: também os do arquitecto foram erguidos à mão, com pedra dafalésia, por velhos agricultores que fí zeram as vezes de artífices.«Sinto-me muito bem em minha casa. Acimadetudoéfuncional.queéoelemento-base de toda a minha construção.» » Condicionada pelo terreno triangular, a Casa do Possanco 'esultou que alia um interior luminoso imagem exter or única. num portento a uma Exercício de precisão Casa do Possanco ARX Portugal Arquitectos e o plano de urbanização da Herdade da Comporta obrigavam a que fosse uma casa branca com cobertura de telhados inclinados, muros redondos brancos, afastamentos específicos de três a O alvará de loteamento Bastou olharem para o terreno triangular para saberem que aquela casa tinha de ser diferente das outras. José Mateus e Stefano Riva começaram a analisar os deseela jos rabiscados no papel pelos clientes brasileira, ele português, família cosmopolita, mente aberta, trabalham a viajar pelo mundo - e estudaram as condicionantes. - cinco metros dos limites do lote e um segundo piso que só podia ocupar oitenta por cento da área. Enquadraram a paisagem, esca- varam entradas de luz que fossem buscar o sol a sul sem devassar a intimidade dos moradores, sublimaram o equilíbrio entre o interior e o exterior, orientaram as janelas e o pátio central, e o resultado foi uma recriação muito própria do arquétipo da casinha alen- ARX Portugal, que fundou com o irmão em 1991. «O aspecto principal que justi- tejana de duas águas caiada de branco. Por outras palavras, os arquitectos radicalizaram ao extremo essa inocência para criarem um por- fica esta projecção é o carácter abstracto da arquitectura que desenhámos. Mas na verdade não procurámos essaestranheza: simplesmente concebemos a casa em função das directrizes que tínhamos e saiu assim.» Aparentemente, as janelas não existem para quem vê de fora, razão por que os clientes tremiam e os locais confundiam a estrutura com um armazém, antes de a obra estar concluída. «Estamos tento. Nos últimos meses, a Casa do Possanco converteu-se em fenómeno mediático mun- dial, de tal modo o projecto é único. «Foi um trabalho de muita precisão», confirma José Mateus, habituado aencontrar os vocábulos certos para cada contexto novo que se lhe apresenta no atelier da acostumados aesse género de reacções. Foi um processo muito divertido e trágico ao mesmo tempo», resume Stcfano Riva, um italiano a colaborar com a ARXeaviver em Portugal hálargos anos, reconhecendo a naturalidade do medo pelo facto de uma casa ser uma inscrição cultural, uma afirmação. «Há pessoas que levam anos a sonhar construir a sua de raiz, vivem em função disso.» Pela tensão que acarreta, é natural que » possa ser um momento difícil. Um doce amanhã Casa NuDi Nuno P. Alexandre Nuno Piedade Alexandre apoiou-se num conceito - que partia da memória daquele local específico de Santarém e da videira aí existente, «antiga moradora do sítio» - para estruturar a habitação, modelar a forma e construir a casa mais ampla, sólida e soalheira que lhe apeteceu criar para si. Ele mesmo faz questão de frisar que o dono é o autor do projecto e cobaia da sua própria arquitectura, pelo que terá de conviver com o bom e o mau de tudo. Uma vez definido o conceito na sua cabeça e já a fazer força para sair, Nuno agarrou outros elementos num caminho convergente. Pensou o programa, a função, a harmonia, a proporção, a luz, a escala, acertou as premissas, estimulou, criou aformaque melhor identificava o lugar e contextualizasse o nosso tempo. F. no final, pôs no mundo a Casa NuDi, irrepetível porque foi como se tivesse brotado da terra e porque está permanentemente inundada de luz. «O mais importante, quando se projecta uma casa, c o homem c a sua relação com o meio», reitera o arquitecto escalabitano que, desde 2006, dirige e assina diversos projectos arquitectura e para o atelier Matéria, de engenharia, em conjunto com o sócio Victor Madeira. «A casa foi desde sempre o abrigo do homem. Entender os anseios do futuro habitante, asua vivência e os seus hábitos, ao mesmo tempo que se percebe como o acto de construir pode ser uma mais-valia e enriquecer o ambiente natural e construído, são os aspectos mais relevantes a ter em conta», diz. Assim que acabou de imaginar a NuDi, com as ideias muito claras relativamente à empreitada que tinhapela frente, Nuno soube que o betão estava inerente à construção do «invólucro» pelas suas características estéticas e comportamentais de material milenar, estabelecendo as relações entre o in- terior e o exterior da habitação. O resto, inventou com organização e muito trabalho, transformando em pedra os mistérios do lugar que quis para viver. O seu coração cabe inteiro naquela casa. A Casa da Trofa surgiu a partir da cumplicidade entre arquitectos, engenheiros e urna família que confiou inteiramente nas possibilidades em aberto, sem querer mais do mesmo. Na NuDi. Nuno Alexandre reinventoL e aproveitou a memória do local as características esLélícas do betão para conceber a sua casa de sonho. A pequena acrópole Casa da Trofa AAPH Arquitectos Alfredo Ascensão c Paulo Hcnriqucs tem a ideia de que a sintonia é o melhor ponto de partida para qualquer projecto. Os arquitectos entenderam-se com os engenheiros e uma familiacheia de expectativas, e a Casa da Trofa pôde acontecer graças à cumplicidade entre todos, elevada numa pequena acrópole e a estabelecer uma relação aberta com o exterior e a paisagem. «O primeiro contacto foi obra do acaso», recorda a dupla AAPH, satisfeita com a moradia de um só piso que começou por ser um projecto muito simples, de orçamento limitado, e hoje se abre a poente e à paisagem do vale de Cidai, na Trofa, através das amplas superfícies envidraçadas. «Os proprietários, um casaljovem com dois filhos, tinham ido jantar a um restaurante projectado por nós gostaram do espaço c da arquitectura.» Daí resultou a primeira de muitas reuniões em que se debateram e aproximaram achese tornarem amigas, até os proprietários c gos dos projectistas à força da convivência e chegarem à Casa da Trofa como é no presente: um volume simples, de linguagem e materiais contemporâneos, luz natural a rodos c a piscina como lugar privilegiado de convívio, com o seu som de cascata e os recantos íntimos. «Perante a actual conjuntura, pensamos que, num futuro próximo, a actividade do arquitecto passará essencialmente pela recuperação do património edificado e pela remodelação de edifícios degradados, como forma de dar vida aos centros históricos das nossas cidades», adiantam Alfredo e Paulo, que têm vindo a investir parte da sua actividade nesta área e receberam mesmo o Prémio João de Almada, que distingue o melhor projecto de recuperação do património arquitectónico, atribuído pela autarquia do Porto no biénio 2009-2010. Mas na Casa da Trofa o processo foi diferente. Foi umaaventura de conjunto em que todos se envolveram, percebendo desde o início que não há terrenos iguais, famílias iguais ou arquitectos iguais. Cada casa é um caso. E esta mantém um diálogo » ininterrupto com acolina envolvente. A Casa de Cerveira é um sonho com sentido, aos olhos do gabinete responsável peo desenho original e do cliente que para ver obra nascer. o procurou a Ousadia com os pés na terra Casa de Cerveira dEMM Arquitectura A arquitectura, como as restantes artes, deve despertar emoções. Ser abordada com um único gesto, independentemente do grau de complexidade que o programa e as condicionantes de projecto possam atingir. Trabalhar com forma e articulações de formas, ritmos simétricoerência, poética, cos ou assimétricos, drama. Mas de nada servem os sonhos se não fizerem sentido, afiançam Paulo Fernandes Silva, Isabela Neves e Tiago Soares Lopes, da dEMM Arquitectura, sustentando que para o resultado final da Casa de Cerveira foi determinante o terreno e um cliente que confiou na equipae lhe deu aliberdade necessária para fazer o que julgasse mais correcto em cada fase do processo. Só assim, garantem, foi possível chegar àquele desenho específico, adequá-lo ao terreno, descobrir como a forma se esculpia sob a luz (e definiria as aberturas) e abordar as questões do conforto, sustentabilidade e segurança. «Tratando-scdcumacasadcfim-dc-scma- na e férias, e estando localizada junto ao rio, existe a ideia de recolhimento, abstracção e dolcefarniente, razão pela qual o interior nunca se consegue esconder totalmente da luz, mesmo com todos os vãos exteriores encerrados», explica o trio, que nas suas criações presentes mantém vivooespíritodofundadordoate&re autor desta obra particular, Emanuel Fernandes Silva, falecido em 2004 (dEMM contém precisamente as iniciais de Emanuel, além de ser a abreviatura de Desenho e Matéria Modificada). «Na sala há sempre luz através de um pátio interior. Nas áreasdecirculação,cozinha e até nos sanitários existe luz natural. Os vãos exteriores são rasgados do pavimento ao tecto, potenciando a relação pretendida com o exterior.» A Casa de Cerveira é diáfana, quase da mesma matéria de que são feitos os sonhos. Masabelezaencantadado lugar só ganha com o facto de ter também os pés bem assentes no chão e a qualidade funcional daquilo que é terreno e feito para as pessoas. 1 1 O carácter diáfano da moradia resul- ta ainda melhor graças à sua qualidade funcio.