R. Periodontia - Setembro 2008 - Volume 18 - Número 03
PRODUTOS FINAIS DE GLICOSILAÇÃO AVANÇADA (AGE)
E A EXACERBAÇÃO DA DOENÇA PERIODONTAL EM
DIABÉTICOS – REVISÃO DE LITERATURA
Advanced glycation end products (AGE) and the exacerbation of periodontal disease in diabetics
patients - Review
Warley David Kerbauy1, Fernando Reno de Lima1, Fernando Augusto Perrella2, José Benedito Oliveira Amorim3
RESUMO
Os estudos sobre a patogênese das complicações do
diabete têm se direcionado a investigar o papel de compostos biologicamente ativos formados através de ligação
da glicose com proteínas ou lipídios, conhecido como AGEs
(produtos finais de glicosilação avançada) e a interação com
receptores específicos na superfície de membrana celulares
(RAGE). Esses compostos e seus receptores estão drasticamente aumentados em indivíduos diabéticos e possuem
um papel biopatológico extremamente importante no desenvolvimento e na exacerbação das complicações diabéticas. Sendo o diabete uma condição sistêmica considerada um fator de risco na prevalência e severidade da doença
periodontal, faz-se necessário entender os mecanismos
dessa interação entre essas doenças e as possíveis alternativas de tratamento. O objetivo desse trabalho é esclarecer
o mecanismo de formação de AGEs, bem como suas implicações no processo inflamatório, inclusive na patogenia
da doença periodontal e enfatizar as pesquisas que visam
interferir na formação ou interação dessas moléculas, a fim
de minimizarmos os efeitos da condição sistêmica dos diabéticos.
UNITERMOS: Diabete melito, periodontite, complicação diabética, fator de risco, produtos finais de glicosilação.
R Periodontia 2008; 18:20-27.
Recebimento: 23/11/07 - Correção: 04/03/08 - Aceite: 26/06/08
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INTRODUÇÃO
O diabetes mellitus ou diabete melito (DM) é
uma doença crônica evolutiva que se caracteriza pelas
alterações dos metabolismos de carboidratos, gorduras e proteínas devido à falta de insulina ou de
sua capacidade de agir na transferência de glicose
do plasma para o citoplasma das células. Atinge aproximadamente 5% da população mundial (THE
EXPERT COMMITTEE ON THE DIAGNOSIS AND
CLASSIFICATION OF DIABETES MELLITUS, 2002) e,
em 1980, segundo dados do Ministério da Saúde, a
sua prevalência no Brasil era de 7,6% (MALERBI &
FRANCO, 1992), porém, dados internacionais sobre
a projeção dessa doença no século XXI revelam quadro alarmante (ZIMMET, 2003).
Atualmente, o DM está classificado, de acordo
com a American Diabetes Association (ADA), 1997,
em dois tipos principais, o tipo 1 e o 2, além do
gestacional e tipos específicos (THE EXPERT
COMMITTEE ON THE DIAGNOSIS AND
CLASSIFICATION OF DIABETES MELLITUS, 2002). O
DM tipo 1 ocorre geralmente nas crianças e jovens e
se caracteriza pela absoluta falta de insulina, em geral decorrente de destruição das células beta (tipo 1
a), havendo necessidade de sua reposição nesses
pacientes. O tipo 2, previamente conhecido como
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não-insulino dependente, corresponde a aproximadamente
85% dos casos e caracteriza-se como uma doença poligênica,
além de estar relacionada com o moderno estilo de vida, em
que a obesidade constitui um dos principais fatores de risco.
O DM gestacional é caracterizado pelo seu aparecimento
durante a gravidez e após o parto requer reclassificação.
Outros tipos específicos de DM são raros e de naturezas variadas (ZAMBON et al., 1988).
O resultado dessas alterações metabólicas do diabete
se define como uma elevação crônica da glicose no sangue
(hiperglicemia) e está associada à disfunção em longo prazo
e danos em vários órgãos, especialmente rins, olhos, coração, nervos e vasos sangüíneos (MEALEY, 2000).
Está bem estabelecido que o diabete é um fator de risco
para o desenvolvimento de doença periodontal em humanos. Estudos em grandes populações, como as realizadas
na comunidade indígena Pima do Arizona, onde há a maior
prevalência de diabete tipo 2 do mundo, foram claros ao
demonstrar que pacientes diabéticos apresentavam maior
perda de inserção e perda óssea alveolar quando comparados aos controles não-diabéticos em todas as idades
(EMRICH et al., 1991; SHLOSSMAN et al., 1990). PAPAPANOU,
1996, através de meta-análise que incluiu um total de 3.524
adultos com mais de 18 anos de idade, chegou a conclusão
que havia associação significativa entre as doenças, sendo
que o diabete pode influenciar não apenas a prevalência e a
gravidade da periodontite, como também o progresso da
doença.
A doença periodontal é caracterizada pela perda de tecido conjuntivo ao redor dos dentes e atualmente é considerada multifatorial. Embora esteja amplamente comprovado que o agente causador é o biofilme bacteriano e seus
subprodutos, está muito claro que a resposta
imunoinflamatória do hospedeiro é de fundamental importância para a progressão da doença. Não havendo diferenças entre a composição do biofilme bacteriano entre pacientes diabéticos e não diabéticos (SASTRAWIJOTO et al., 1989;
ZAMBOM et al., 1988), o mecanismo pelo qual pacientes
diabéticos apresentam maiores índices de perda de inserção
e perda óssea resume-se à resposta do hospedeiro. Desta
maneira, a doença periodontal é similar às clássicas complicações do diabete.
Estudos que objetivam entender os mecanismos de
interação do diabete com suas complicações têm se voltado
aos AGEs (Produtos finais de glicosilação avançada), que
compreendem vários compostos biologicamente ativos resultantes da ligação não enzimática entre carboidratos e proteínas, carboidratos e lipídeos, de forma irreversível, intimamente relacionada com a hiperglicemia e que se depositam
no plasma e nos tecidos dos indivíduos, inclusive no tecido
gengival (GROSSI & GENCO, 1998).
A interação entre os AGEs e seus receptores (RAGE) na
superfície de determinadas células parece ser um dos maiores responsáveis pelas complicações do diabete, tanto nas
macrovasculares, como a aterosclerose e acidentes
cardiovasculares e cerebrovasculares prematuros, como nas
microvasculares, como a retinopatia e a insuficiência renal.
Várias células já mostraram apresentar esses receptores em
suas superfícies, como as células endoteliais, macrófagos e
fibroblastos, e cada tipo celular apresenta uma resposta diferente, mas todas alteram a resposta inflamatória e cicatricial
normal do hospedeiro (PEPPA & VLASSALA, 2005).
Uma vez que o DM é um fator de risco para as doenças
periodontais e estas para a saúde global do indivíduo,
nesta revisão procuramos esclarecer o processo de
formação dos AGEs e sua interação com seus receptores
(RAGE) nas superfícies das membranas celulares, bem como
suas conseqüências no periodonto e os novos rumos das
pesquisas nessa área, já que muitos resultados parecem
promissores.
Mecanismo de formação e implicações biológicas
dos AGEs
No último século, acreditava-se que não havia relação
causal entre a hiperglicemia e as complicações do diabete.
Entretanto, nas últimas três décadas, estudos
epidemiológicos em modelos animais e estudos bioquímicos
sugeriram fortemente que essa relação existe (BROWNLEE
& CERAMI, 1981; GROOP et al., 2005; TANGI et al., 2000).
Embora saiba-se que o grau de hiperglicemia está diretamente correlacionado com a extensão das complicações do
diabete, os estudos estão apenas no início da compreensão
dos mecanismos desses processos. Atualmente, porém,
muitos autores já afirmam que os produtos finais de
glicosilação avançada (AGEs) têm o papel principal na
patogênese das complicações do diabete.
A formação dos AGEs inicia-se com a ligação nãoenzimática da glicose com o grupo amina das proteínas e
formam uma base Schiff instável. Através de um processo
bioquímico lento, estes produtos são convertidos em glicoseproteína aduzida estável, mas, ainda sim reversível, conhecido como Amadori product. Um exemplo é a conhecida
Hemoglobina glicosilada (Hbc) utilizada na mensuração da
glicose. Nesse estágio, se houver uma diminuição dos níveis
glicêmicos, o processo pode ser interrompido e não há a
formação de AGEs; entretanto, na manutenção da
hiperglicemia, os Amadori products tornam-se altamente
estáveis e formam AGEs (MEALEY, 2000). (Fig 1)
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Glicose
+
proteína
Base Schiff
Tabela 1
PROPRIEDADES QUÍMICAS PATOLOGICAMENTE RELEVANTES DOS AGES
(proteína glicada)
(VLASSARA, 1997)
A formação de AGEs ocorre em proteínas, lipídeos e
ácidos nucléicos
AGEs
(Produtos finais de
glicosilação
avançada)
A formação de AGEs com proteínas confere uma alta
resistência a digestão proteolítica
xx
Amadori
product
Fig.1. Formação dos AGEs. A glicose liga-se à parte final do radical amino das proteínas para
formar uma base Schiff instável. Em semanas, esse produto se estabiliza porém ainda de forma
irreversível sendo chamado de Amadori product. Na permanência de hiperglicemia, esse Amadori
product se rearranja e torna-se um AGE irreversível. Extraído de Mealey BL. Diabetes Mellius.
In: Medicina Periodontal. Rose LF, Genco RJ, Mealey BL, Cohen DW. Hamilton, Ontário,
BC: Ed. Santos Jr, 2000: 121-150.
De acordo com WALTIER & GUILLAUSSEAU, 2001, além
da formação endógena, os AGEs podem ser gerados em
inúmeras condições, como na fermentação, no cozimento
de alimentos ou apenas na oxidação da atmosfera. Várias
moléculas já foram encontradas, entretanto, em humanos,
os principais AGEs descritos são a carboximetil-lisina (IKEDA
et al., 1996) e a pentosidina (SELL & MONNIER, 1989).
Os AGEs são irreversíveis: uma vez formados mantêmse ligados às proteínas por toda a sua meia-vida e, mesmo
que a hiperglicemia retorne á normalidade, os níveis de AGEs
nos tecidos afetados são mantidos. Constantemente são
formados AGEs no organismo de indivíduos saudáveis, de
forma lenta, desde o período embrionário, acumulando-se
com a idade; porém, em indivíduos diabéticos, devido a maior
disponibilidade de glicose, formam-se de maneira acelerada
(PEPPA & VLASSALA, 2005). Estudos histoquímicos em animais, utilizando anticorpos AGE-específicos mostraram que
a amostra de ratos diabéticos tinha de 10-45 vezes mais AGEs
do que amostra não diabética após 45 dias de indução do
diabete (MITSUHASHI et al., 1993). Da mesma forma, indivíduos diabéticos com bom controle glicêmico demonstraram
apresentar menor formação de AGEs e menos complicações
que indivíduos diabéticos hiperglicêmicos crônicos (SEPPÄLÄ
et al., 1997). Algumas propriedades químicas dos AGEs foram relatadas na tabela 1.
Basicamente, três são os mecanismos principais pelos
quais os AGEs podem interferir na patogênese das complicações do diabete. Primeiramente, os AGEs podem reagir
com o colágeno da matriz extracelular formando uma reação cruzada (cross-linking), resultando na formação de
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A modificação por AGEs é irreversível
AGEs são substâncias altamente reativas que causam
a) Formação cruzada (cross-linking) entre polipetídeos
da mesma proteína, por exemplo, colágeno
b) Capturação de proteínas não glicosiladas, como
imunoglobulinas, LDL
A formação de AGEs com lipídeos induz oxidação
desses lipídeos
AGEs inativam quimicamente o óxido nítrico (NO)
macromoléculas de colágeno altamente estáveis e que são
resistentes à degradação enzimática normal e às modificações teciduais (MONNIER et al., 1996). Esta reação ocorre
nas paredes tanto dos vasos maiores, favorecendo a formação de placas de ateromas, quanto dos vasos menores, alterando o transporte difusional normal através da membrana basal desses vasos (BROWNLEE, 1994).
Outro processo decorrente da formação de AGEs é a
sua ligação com receptores específicos na membrana de diferentes tipos celulares, principalmente macrófagos, linfócitos,
fibroblastos e células endoteliais. Esses receptores são conhecidos como RAGE (receptor de produtos finais de
glicosilação avançada) e a sua expressão está aumentada
nos indivíduos diabéticos (BRETT et al., 1993). A interação
dos AGEs com RAGE nas superfícies celulares amplificam suas
respostas inflamatórias frente ao desafio microbiano, como
ocorre na doença periodontal e outras doenças crônicas. Isso
ocorre basicamente porque as células, como macrófagos,
fibroblastos e endoteliais, quando ativadas pelos AGEs, produzem maior quantidade de citocinas como IL-1 (interleucina
1), IL-6 (interleucina 6) e TNF-α (fator de necrose tumoral
alfa), além de enzimas como as MMPs (metaloproteinases
de matriz), responsáveis pela reabsorção óssea. Ao se ligar
ao seu receptor na célula, os AGEs alteram o metabolismo
celular, causando liberação de radicais de oxigênio, induzindo o chamado estado de estresse oxidativo celular, responsável, em parte, por injúrias vasculares e também pelo aumento da expressão da molécula de adesão VCAM-1, capaz de agregar monócitos na parede endotelial, aumentando a chance de formação de trombos e aterosclerose
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Tabela 2
PRINCIPAIS PROPRIEDADES BIOLÓGICAS PATOLOGICAMENTE
RELEVANTE DOS AGES (VLASSARA, 1997)
AGEs induzem migração transendotelial de
monócitos e macrófagos
AGEs estimulam liberação de citocinas e fatores de
crescimento pelos macrófagos
AGEs ligam-se a moléculas não glicosiladas, levando
a formação de complexos imunes, ativação de complemento
AGEs, na presença de co-estimulantes, induzem
liberação de Interferon-y pelos linfócitos-T
AGEs aumentam a permeabilidade das células
endoteliais e sua atividade pró-coagulante
dos em vários órgãos de animais, como retina, rim, nervos e
artérias apresentando bons resultados (BROWNLEE, 1994;
SOULIS-LIPAROTA et al., 1991; VLASSARA, 1994). Recentemente outros compostos têm sido estudados na inibição da
formação dos AGEs e suas conseqüências sobre os tecidos,
como a piridoxamina, que inibe a formação de AGEs a partir
dos Amadori products, a pimagedina, que reage com produtos intermediários da glicose e o alagebrium que quebra
a ligação cruzada (cross-linking) com o colágeno (WILLIAMS,
2004). Nenhum estudo com substâncias inibidoras de AGEs
foi testado para se avaliar redução da doença periodontal
em diabéticos, em modelo animal ou humano.
AGEs aumentam a síntese de componentes da
matriz extracelular
AGEs aumentam proliferação celular (células musculares lisas, fibroblastos)
AGEs aumentam taxa de mutação de DNA
(SCHMIDT et al., 1996). SCHMIDT et al., 1996, comprovaram aumento de heme-oxigenase (marcador de aumento
de estresse oxidativo) em biópsias de tecido gengival de diabéticos, quando comparadas as de indivíduos normais. Os
autores sugeriram que esse aumento de estresse oxidativo
relacionado com AGEs está relacionado com o aumento da
resposta inflamatória do hospedeiro na doença periodontal,
acelerando seu processo disfuncional em pacientes diabéticos.
O terceiro mecanismo através do qual os AGEs podem
influir na resposta do hospedeiro é quando ocorre a sua formação dentro do citoplasma de algumas células. A
glicosilação intracelular não é exclusiva da glicose; outros
carboidratos, como a frutose, podem reagir para formar AGEs
(NASSAR et al., 2007). A formação intracelular de AGEs ocorre mais rapidamente que a extracelular. A união dos
carboidratos às proteínas dentro das células pode alterar profundamente a função da proteína alvo, sendo muito deletéria em alguns casos na resposta imunoinflamatória. A tabela
2 relaciona algumas propriedades biológicas patologicamente
importante dos AGEs.
Estudos com inibidores de AGEs estão sendo desenvolvidos e os resultados têm sido promissores. O primeiro a ser
estudado foi a aminoguanidina, um pequeno composto derivado da hidrazina, que não previne a formação de Amadori
products, mas inibe sua transformação em produtos finais
de glicosilação (AGEs). Os efeitos desta molécula na
patogênese das complicações do diabete foram investiga-
AGE-RAGE na doença periodontal
Durante muitos anos tentou-se explicar os motivos pelos quais pacientes diabéticos apresentavam doença
periodontal de uma forma mais acelerada e severa que pacientes não diabéticos. Várias hipóteses foram pesquisadas
no intuito de se estabelecer uma relação biológica para essa
exacerbação da doença em diabéticos (LALLA et al., 1998;
SALVI et al., 1998). Atualmente, com o avanço nas pesquisas com os AGEs e suas implicações na patogenia das complicações do diabete, pode-se afirmar que o aumentos dos
AGEs nos diabéticos e sua relação com seus receptores é o
principal fator de amplificação da resposta imunoinflamatória
pelo hospedeiro frente ao desafio microbiano na doença
periodontal (LALLA et al., 2001; NASSAR et al., 2007).
Dentre os mecanismos patológicos dos AGEs, o que está
mais relacionado às doenças periodontais é a sua interação
com seu receptor, RAGE, na superfície de algumas células,
alterando a resposta celular. LALLA et al., 1998, criaram um
modelo animal onde foram induzidos diabete e doença
periodontal em ratos, e perceberam que ratos diabéticos
apresentavam uma aceleração da doença periodontal, maior acumulação de AGEs e maior expressão de RAGE nas células inflamatórias. Os autores afirmaram que o aumento de
AGE e RAGE no tecido gengival é potencialmente um mecanismo de maior destruição periodontal em diabéticos.
O receptor para AGE (RAGE) é um membro das
superfamílias das imunoglobulinas da superfície celular e é
altamente expressivo em células vasculares e inflamatórias
de diabéticos (RITTHALER et al., 1995). KATZ et al., 2005,
avaliando a expressão de RAGE em gengiva de pacientes
diabéticos e saudáveis, relatou que diabéticos apresentavam
um aumento de 50% na expressão de mRNA para RAGE
comparado com o controle. Concomitante ao aumento do
acúmulo de AGEs nos tecidos dos diabéticos, há também
um aumento na expressão de seu receptor (RAGE) na superfície de algumas células desses mesmos tecidos (SCHIMDT
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et al., 1995a). Tem sido proposto que a interação de AGEs
com o receptor celular (RAGE) resulta na perturbação das
propriedades celulares, muitas das quais associadas ao desenvolvimento de doenças vasculares, bem como à sustentação do processo inflamatório observado em defeitos de
cicatrização de feridas e doenças inflamatórias crônicas, como
a doença periodontal avançada (LALLA et al., 2001).
Nas células endoteliais, o aumento da interação AGERAGE resulta em hiperpermeabilidade vascular e aumento
da expressão de moléculas de adesão pró-inflamatórias,
como VCAM-1, visto como fator de risco para o desenvolvimento de doenças vasculares no diabético (SCHMIDT et al.,
1995b). Isto pode ocorrer também na microcirculação, como
nos capilares periodontais e de acordo com LALLA et al.,
1998, a interação de AGEs com RAGE das células endoteliais
poderia resultar, em parte, na perpetuação do processo inflamatório periodontal, devido ao aumento da expressão de
VCAM-1, que aumentaria a migração e saída dos monócitos
para o periodonto.
Os macrófagos, portanto, sofrem um estímulo na migração para locais onde há aumento de AGEs, imobilizamse nesses locais e podem interagir com o AGE disponível,
através de seu receptor (RAGE). Essa interação provoca distúrbios intra-celulares, levando a um aumento da liberação
de citocinas pró-inflamatórias (IL-1α, IL-6, TNFα), além de
alterar a capacidade dos macrófagos de realizar renovação
tecidual (LALLA et al., 1998; WEHBA et al., 2004). Esses dados corroboram com o estudo de SALVI et al., 1998, que
provaram que macrófagos de pacientes diabéticos apresentavam níveis mais elevados de secreção de TNFα (4.6-fold),
IL-1α (4.4-fold) e PGE2 (prostaglandina E2) (4.2-fold) no fluido gengival crevicular. Além disso, os autores afirmaram que
em presença de LPS (lipopolissacárides) de Porphyromonas
gingivalis, pacientes diabéticos tinham secreção anormal de
monócitos inflamatórios em relação a pacientes não-diabéticos periodontais.
Em estudo animal, SCHIMDT et al., 1996, relacionou a
formação de AGEs com o aumento de estresse oxidativo na
gengiva. A infusão de albuminas-AGE em ratos gerou um
aumento no nível de TBARS (substâncias reativas ao ácido
tiobarbitúrico), um marcador molecular indicativo de estresse
oxidativo, comparado ao grupo em que foi aplicado apenas
albumina não glicosilada. No entanto, esse processo foi inibido quando foram utilizados bloqueadores de RAGE ou
agentes antioxidantes.
Entretanto, de acordo com LALLA et al., 2001, a ligação
dos RAGE com a doença periodontal pode ser ainda mais
complexa. Isto porque este grupo de pesquisadores identificou que o RAGE é o receptor principal de superfície celular
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para uma molécula denominada EN-RAGE (proteínas
extracelulares recém-identificadas de ligação ao RAGE) e para
outros membros da S100/calgranulina (família das citocinas
pró-inflamatórias). Essas proteínas intracelulares localizamse em células-chaves na resposta inflamatória (como
leucócitos polimorfonucleares e monócitos) e podem ter acesso ao espaço extracelular num ambiente inflamatório. Uma
vez liberadas, estas moléculas têm habilidade de interagir
com o RAGE celular e isto parece ser importante na propagação e sustentação da perturbação celular e injúria tecidual
crônica, mesmo em normoglicemia (HOFMANN et al., 1999).
Todas essas alterações celulares, mediadas pela interação
de AGEs e outras moléculas, com o EN-RAGE e a S100/
calgranulina ao receptor celular RAGE, contribuem para a
exacerbação do processo inflamatório e danos teciduais em
resposta à infecção bacteriana na doença periodontal em
diabéticos.
Apesar de ainda não estar exatamente determinado o
papel destes receptores no processo inflamatório das complicações do diabete, muitas pesquisas começam a investigar se bloqueadores de RAGEs podem atenuar o aparecimento dessas complicações.
Pode-se intervir nos receptores de diversas maneiras,
porém a forma mais pesquisada atualmente é a utilização
de RAGE solúvel extracelular. RAGE solúvel ou sRAGE é a
parte ligante extracelular do receptor original e serve como
um chamariz para AGE e outras moléculas, que ao se unirem, acabam reduzindo a interação destas com os RAGEs
das superfícies celulares (LALLA et al., 2001). RAGE solúvel
são desenvolvidos em laboratórios e são espécies-específicos. Estudos in vivo em animais têm mostrado resultados
animadores. O bloqueio da interação com RAGE utilizando
sRAGE em animais diabéticos apontou diminuição da
hiperpermeabilidade vascular e suprimiu aterosclerose acelerada em ratos (HOFMANN et al., 1999; PARK et al., 1998;
WALTIER et al., 1996). GOOVA et al., 2001, observaram que
ratos diabéticos tiveram uma cicatrização tecidual acelerada
quando administrado sRAGE, comparado ao placebo.
Esses resultados levaram os pesquisadores a investigar
se todas as complicações do diabete eram reduzidas, ou no
mínimo amenizadas, ao se utilizar dos bloqueadores de
RAGE. Em periodontia não foi diferente: LALLA et al., 1998,
criaram um modelo animal em ratos de diabete e doença
periodontal, utilizando estreptozotocina, um agente que
causa uma destruição seletiva das células beta do pâncreas,
responsáveis pela produção de insulina, análogo ao diabete
tipo 1 em humanos, e inoculando nesses animais cepas de
Porphyromonas gingivalis, um dos patógenos da doença
periodontal. Observaram ao fim da pesquisa que animais
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do grupo-teste apresentaram maior perda óssea alveolar,
maior acumulação de AGEs nos tecidos e maior expressão
de RAGE nas células gengivais, quando comparados aos grupo-controle. Uma segunda etapa deste trabalho foi avaliar o
efeito da administração de sRAGE nesse modelo animal de
diabete e doença periodontal. A equipe de pesquisadores
chegou a conclusão que ratos do grupo-teste (diabete +
periodontite + sRAGE) apresentaram menor perda óssea,
menor expressão de citocinas pró-inflamatórias, como o TNFα e IL-6 e redução da produção de metaloproteinases da
matriz, enzimas responsáveis pela destruição óssea e
conjuntiva na periodontite, quando comparado aos ratos
do grupo-controle (diabete + periodontite) (LALLA et al.,
2000).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo o diabete uma doença de considerável prevalência
e de alta morbidade e que influencia varias especialidades
na área médica e odontológica, é de grande valia todos os
esforços da ciência para a melhoria da qualidade de vida
desses indivíduos. Dessa forma a elucidação da patogênese
das complicações diabéticas vem contribuir para uma melhor investigação dos seus mecanismos, sendo o objetivo
chegar a uma terapia eficaz.
A intervenção na formação dos AGEs e o bloqueio dos
receptores RAGE tanto para AGEs quanto para outros ligantes
como S100/calgranulina, além de ter grande plausibilidade
biológica, tem obtido bons resultados in vivo em animais
(LALLA et al., 2001; KIM et al., 2005). Entretanto, não foram
realizados estudos em humanos, portanto, nenhum protocolo terapêutico foi testado e, segundo BROWNLEE, 2005,
a patogenia das complicações do diabete depende de outros fatores além dos AGEs e receptores, sendo um mecanismo altamente complexo.
Embora muito ainda deva ser pesquisado no intuito
elucidar o papel dos AGEs e receptores nas complicações do
diabete, afirmamos que futuramente existirão drogas capazes de inibir sua formação e interação, minimizando assim
as doenças crônicas que são agravadas pelo diabete, inclusive a doença periodontal, melhorando a qualidade de vida
desses pacientes.
ABSTRACT
The complications of diabetes mellitus have been
extensively investigated by studies on the pathology of this
disease, with the purpose to understand the role of AGEs
(advanced glycation end products), active biological
components formed through association of glucose with
proteins or lipids, as well as their interaction with specific
receptor localized in the cellular membrane (RAGE). It has
been shown that the AGE-RAGE system increased remarkably
in diabetic conditions and has an important participation in
the development or exacerbation of diabetic complications.
Since the diabetic status is a risk factor in the prevalence and
severity of periodontal disease, efforts are necessary to
understand the cellular mechanisms involved with AGEs and
RAGE in the periodontal disease and possible alternatives of
dental treatment. Thus, the aim of this review addresses
concerns about how the AGE-RAGE system is produced as
well as its implications in the inflammatory process, including
the pathogenesis of periodontal disease. We emphasize the
ongoing research concerning the formation or interaction of
the AGE-RAGE system in order to improve quality of life
among patients in the diabetic status.
UNITERMS: Diabetes mellitus, periodontal disease, diabetes complications, risk factor, Advanced Glycation End
Products.
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Endereço para correspondência:
Warley David Kerbauy
Universidade Estadual Paulista/UNESP – Faculdade de Odontologia de
São José dos Campos
Departamento de Diagnóstico e Cirurgia
Disciplina de Periodontia
Av. Francisco José Longo, 777
CEP: 12245-000 - São José dos Campos – SP
E-mail: [email protected]
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