ASPECTOS DO SO FTWARE LIVRE S OB O DIREITO PR IVADO
A proteção jurídica do software e a licença GNU/GPL
O software no Brasil é regido pelo direito autoral. Na s ua maioria das
vezes,
e ssa
proteção
de corre nte
da
le i
segue
aliada
aos
te rmos
conferidos por um contrato atine nte a de te rminado software. Esse
contrato é de nominado “licença”. A licença de um software estabele ce
um rol de direitos e deveres que se projetam sobre um de te rminado
usuário do so ftware.
É importante mencionar que software livre não se confunde com
software de código aberto. Um software pode ter seu código abe rto,
mas n ão propiciar as liberdade s de scritas n a introdução ao pre se nte
estudo com re lação a se us usuários. Do me smo modo , o ace sso ao
código fonte funciona como requis ito implícito para e fetividade de dois
caracteres de finidore s do software livre: o direito de e studar como o
programa funciona e o direito de fazer ape rfeiçoame ntos sobre o
mesmo. Em outras palavras , todo software livre deve rá ter o se u código
aberto, mas ne m todo software de código abe rto se rá um software livre.
Ele só o se rá no caso de , alé m do c ódigo-abe rto, garantir através de
uma licença as quatro liberdade fundame ntais: e xecutar, e studar,
redistribuir e aperfe içoar.
Essas quatro liberdades fundame ntais são e stabe le cidas, po r exemplo
pelos
te rmos
da
GNU
GPL
(GNU
General
Public
License),
acima
refe rida. Essa é a licença jurídica que será considerada no presente
e studo.
É
importante
mencionar
que
ne m
sempre
e ssas
me smas
libe rdades
estão
presentes
em
outras
lice nças,
ainda
que
se jam
lice nças ditas “abertas”. Nesse sentido, para efe itos desse estudo,
apenas a definição de software livre da Free Sof tware Foundation
(Fundação do Software Livre), tal qual esposada pela li cença GNU GPL,
será considerada.
Conforme decisão da corte distrital de Munique que conheceu da
validade das cláusulas da lice nça GNU GPL, o software livre não se
confunde com abdicação de dire itos autorais sobre o software , mas sim
com o e stabelecimento de termos precisos sobre como aqueles direitos
podem se r fruídos por te rce iros. Nesse se ntido:
“De início, o Painel compartilha a visão de que não se pode
e nxergar nos termos da GPL (General Public License) provisões
contendo
a
abdicação
dos
di re itos
autorais
re lativos
às
corre spondentes posiçõe s jurídicas. Ao contrário, os usuários
vale m-se especificame nte dos termos da le gislação do direito
autoral para garantir e dar efeito ao se u conce ito empre gado para
o desenvolvimento posterior e disseminação do softw are 1.”
A legislação de dire ito autoral, conforme aplicável ao software no
Brasil , é discutida abaixo. De modo geral é possíve l afirmar que a
1
Corte Distrital de Munique, nº 21 O 6123/04;
“To beg in with, the
Pane l shares the v ie w that one canno t perce ive the conditio ns of the
GPL (Gener al Public License) as con taining a waiver of copyr igh t and
related leg al pos itions. On the contrary, the users av ail the mse lves of
the conditions of copyrigh t law in order to secure and carry into ef f ect
the ir concept of the f ur ther developme nt and disse mination of sof tware ”
(ve ja Dre ier /Schulze, UrhG, § 69a, Rn. 11).”
mesma e strutura j urídica postulada pela corte alemã também ocorre
sob o direito brasileiro. O titular de direitos autorais sobre um
software que lice ncia o me smo em regime livre, por exemplo, através
da
licença
GNU
GPL
da
Free
Sof tware
Foundation
(Fundação
do
Software Livre), não está abdicando de seus dire itos de autor. Na
verdade , e sse mesmo titular e stá na ve rdade vale ndo-se dos seus
direitos de autor para, através de uma licença, condicionar a fruição
desses direitos por parte de te rce iros, impondo o dever de re speitar as
quatro liberdades fundamentais ac ima de scritas. O software livre,
portanto , é produto direto do dire ito de propriedade do autor sobre o
software e consiste em uma modali dade de exercício de sse direito,
através de uma licença jurídica.
Regime de Prote ção do Software e do respectivo Código Fonte no Brasil
- Licenciamento
O regime jurídico da propriedade intelectual no Brasil se divide entre
os
ramos
da
propriedade
industrial,
regido
pela
Lei
9.279,
de
14/05/96, e do direito autoral, re gido pe la Le i 9.610, de 19/02/98. O
Software possui um regime jurídico especial, sendo regido por lei
específica (Lei 9.609/98, de 19/02/1998), porém complementado pe la
legislação re fe rente a direitos autorais naquilo em que a le i e spe cífica
for omissa.
Não há dúvidas de que o regime aplicável ao software é aque le do
direito autoral, ape nas modificado e m alguns aspe ctos, como se verá
abaixo, pela lei do software. É interessante notar o arti go 2º da lei do
software, que atribui ao programa de computador o mesmo regime de
proteção aplicáve l às obras literárias:
Art.
2º
“O
reg ime
de
pro teção
à
propr iedade
inte lec tual
de
programa de co mputador é o conf erido às obr as lite r ár ias pe la
leg is lação
de
dir e itos
autor ais
e
conexos
v igentes
no
País,
observado o dispos to nes ta Le i.”
O código fonte é igualmente protegido pe la le i do software, que e m seu
artigo 1º de fine software como “a e xpre ssão de um conjunto organizado
de instruções em linguagem natur al ou codif icada”. A definição é
abrangente o bastante para compreende r o código-fonte, que por sua
vez é definido da se guinte forma:
“Código Fonte: Prog ramas de co mputador ou s is te mas oper acio nais
são or ig inalmente escr itos por seres humanos e m uma linguage m
de programação. O resultado é chamado de código f onte do
sof tware.
Par a
que
o
programa
se ja
de
f ato
us ado
pe lo
co mputador, é preciso que es te se ja traduz ido pe lo co mputador a
partir do cód igo f onte par a a ling uage m de máquina, que o
co mputador e ntend e e executa. Es te processo de tr adução, por sua
vez, é chamado de co mpilação 2.”
Os
direitos
autorais
sobre
software ,
assim
como
sobre
as
obras
lite rárias , são independentes de re gistro. A Lei do Software estabe le ce,
no entanto, que o INPI é o órgão gove rnamental encarre gado do
registro do software. Note-se, e ntretanto que não há inc ompatibilidade
entre o registro de um software no INPI e seu poste rior lice nciamento,
2
Univ er s i da d e da C alif ór ni a- D av i s. I nf o r mat i on & E d u c at i o nal Te ch n ol o gy
Gl o s ar y. “ Co mp u te r pro g r am s o r o pe r ati n g s ys te ms ar e o ri g i n al l y wr i t te n b y a
h u m an be i n g i n a pr og r am m i n g l an g u ag e . T hi s i s c al l e d th e s ou rc e co de of the
sof t war e . T o be ac tu al l y u se d b y a co mp u te r, th e p ro g r am h as to be tr an sl a te d
by th e co mp u te r f rom th e so u rc e co de i n to th e m ac h i ne l an g u ag e th a t th e
com p u ter u nd er s tan d s an d c an ex ec u te. T h is tr an sl ati o n p roc e ss is ref erre d to
as co mp il i n g .” Di s p o nív el e m ht t p: / /i et . u c dav i s. e d u/g l os s ar y. cf m.
inclusive como software livre. O registro serve como comprovação de
ante rioridade de autoria sobre o software caso e sta venha em algum
momento a se r que stionada judicialme nte . Entretanto, se u autor,
valendo-se de suas prerrogativas, pode subseqüe nte me nte autorizar no
limite em que dese jar o uso do s oftware por terceiros, con forme
descrito acima. O licenciamento em software livre nada mais é do que
uma modalidade de exercício dos direitos do autor do software através
de uma lice nça jurí dica.
Nesse se ntido, a legislação de dire ito autoral, també m aplicável ao
software, é clara. Quanto aos direitos patrimoniais, c abe ao autor o
direito
exclusivo
distribuir,
incluir
de
re produzir,
em
bancos
editar,
de
adaptar
dados,
ou
utilizar
transformar,
em
quaisquer
modalidade s e xistentes ou que venham a se r inventadas (artigo 29 da
Lei 9.610) .
Tais direitos podem se r cedidos, integralmente ou em parte, por seus
titulares. No caso do software, a Lei 9.609 introduziu no orde namento
brasileiro especificamente a figura da licença (Art. 9º “O uso de
programa de co mputador no País ser á obje to de contr ato de lice nça”). A
licença usualmente consiste na autorização de uso, 3 limitada aos
te rmos contratuais, feita por parte do licenciante - aque le que detém
direitos sobre o software - ao lice nciado - aquele que re ce be o dire ito
de uso. A mesma diferencia-se da cessão dos direitos patri moniais
sobre programas de computador – no caso da cessão, todos os direitos
são transmitidos ao cessionário, e nquanto na licença c om o lice nciante
permanecem.
3
Outros dire itos relativos ao programa de computado r, que não o uso,
podem
se r
licenciados,
comercialização e etc.
como
os
dire itos
de
distribuição,
Impo rtante ressaltar que a Le i do Software e xclui a aplicação dos
direitos morais sobre programas de computador, com poucas exce ções
(direito de exigir a paternidade ou de se opor a modificações nãoautorizadas quando as mesmas implique m mutilação do programa e
afetem a honra ou a reputação de seu autor) .
Por
fim,
ainda
quanto
ao
lice nciamento,
um
traço
de
dirigismo
contratual imposto pe la Le i do Software é o de ver de estipular um
Prazo
de
Validade
Técnica
para
os
programas
de
computador
co mercializados no país. Durante e ste prazo, aque le que co mercializ a o
programa te m o de ve r de assegurar aos usuários a prestação de
serviços
técnicos
programa 4.
A
lei
comple mentare s
é
clara
ao
re lativos
utilizar
o
ao
termo
funcioname nto
do
“co mercializ a”
ao
estabelecer essa obrigaç ão. Como o software livre não é propriame nte
comercializado, mesmo a imposição desse prazo de validade técnica
não é aplicáve l. Iss o porque não se “compra” um so ftware livre como se
adquire, por exe mplo, um “so ftware de prateleira 5”. O que se compra,
no caso do software livre, são serviços re lativos à distribuição do
software. É possíve l, por exemplo, ir a uma loja e comprar um pacote
de software s livre s. Entretanto, esse mesmo software poderia ter sido
descarregado pe la Interne t ou me rame nte copiado de alguma outra
cópia disponível. A aquisição e m loja é , primordial mente, não do
4
Ar t. 8º “Aque le que co mercial izar pro grama de co mputador, quer seja
titular dos dire ito s do progr ama, q uer se ja titular dos dire itos de
co mercialização, f ica obrig ado, no te rritório nacional, durante o prazo
de validade técnica da respec tiv a ve rsão, a assegurar aos respec tivos
usuários a pres tação de serv iços técnicos co mple men tares relativos ao
adequado
f uncionamen to
do
programa,
cons ider adas
as
suas
especif icações.”
5
Por “software de prateleira” entenda-se o software cujas cópias s ão
embaladas para a venda de mass a no varejo.
software em si, mas das facilidades trazidas por aque la distribuição do
produto.
Licenciame nto como fator de te rminante do software livre
Por fim, do ponto de vista de sua natureza, não existe nenhum subsídio para que se estabeleça
qualquer distinção entre os softwares chamados livres e os softwares chamados proprietários
(ou fechados) em termos de sua essência. Ambos consistem em instruções lógicas e do ponto
de vista técnico, operam da mesma maneira com relação a um computador. Inclusive, mesmo
a lei do software, em sua definição do que vem a ser um software6, não faz qualquer distinção
entre um software livre e um software proprietário.
Por isso, é importante estabelecer, dessa forma, que a diferença entre um software livre e um
software proprietário é uma diferença que se dá meramente a partir dos termos do contrato de
licença atribuído a cada um deles. Se o contrato de licença incluir as quatro liberdades
constantes da definição do software livre acima mencionadas, o software será considerado
como “livre” a partir dos critérios da Free Software Foundation. Se esse contrato de licença
não incluir essas quatro liberdades, ele não será considerado, para esses efeitos, como
software livre pela Free Software Foundation7 (Fundação do Software Livre).
6
Art. 1º “Progr ama de co mpu tador é a expressão de um conjunto
organizado de ins truções e m linguage m natur al ou codif icada, contid a
e m suporte f ísico de qualquer natureza, de e mprego necessár io e m
máquinas
auto máticas
de
tratamento
da
inf ormação ,
dispos itivos,
ins tr umentos ou eq uipamentos perif éricos, base ados e m té cnica dig ital
ou análog a, para f azê-los f uncionar de modo e para f ins de terminados.”
7
Lembramos
ape nas
que
o
pre se nte
e studo
optou
por
adotar
a
definição de software livre da Free Sof tware Foundation. Entre tanto,
isso
não
significa
que
outros
softwares
lice nciados
sob
outras
modalidade s de licença não se jam també m conside rados como “livres”
para
as
finalidade s,
por
exemplo,
de
políticas
governamentais,
licenciamentos privados e mode los de ne gócio. Há dive rsas outras
licenças cujos te rmos compartilham da me sma idéia da GNU GPL,
adicionando cláusulas ou aprese ntando dife rentes condiçõe s. Para
uma catalogação não exaustiva de outras modalidades de licença
também
“livres”
ou
ao
menos
de
“código
abe rto”,
vide
Software Livre e Bens Imate riais
Uma das principai s características do modelo do software livre é que
e la
maximiza
aproveitando
o
na
potencial
maior
de
distribuição
e xte nsão
o
dos
caráte r
bens
intelectuais,
não-e xclusivo
e
não-
compe titivo das idéias e da informação 8. Com isso, o adve nto do
software livre e de outros mode los de produção colaborativa le va à
possibilidade de repe nsar paradig mas e mode los tradicionais não só da
propriedade intelectual, mas também de outros campos do dire ito. O
software livre demonstra que com a te cnologia digital e a Internet,
novas
formas
de
de se nvolvime nto
e conômico
e
social
surgem
em
coexistê ncia com as fo rmas tradicionais.
Essa posição encontra-se em consonância com a Política Nacional de
Informática, definida pela Lei 7.232 de 29 de outubro de 1984, que é
analisada abaixo. À guisa de introdução, cumpre apenas mencionar
que referida lei estabe le ce como obje tivos da Política Nacional de
Informática “a capacitação nacional nas ativ idades de inf ormática, e m
http://www.opensource.org/
e
http://www.fsf.org /licensing/lice nses/lice nse-list.html .
8
P or nã o c om p et it iv o s ent en d e- s e q u e a ut ili za ç ã o d o b e m p or u m a p es s o a
nã o e xc l ui q u e o ut r as p e ss o a s ut il iz e m- s e ig u al m ent e de le. E p or n ã oe xc l us iv o s ent en d e -s e q u e, u m a v ez q u e o b e m t e nh a s i d o pr o d uz i d o, é m u it o
dif íc il, se nã o i m p o s s ív el, e xc l uir alg u m a p es s o a de t er ac e ss o a o be m. Tr at a se d o c as o d a il um in aç ã o p ú bli c a, d as f o r ça s ar m a da s, d e u m f ar ol m ar ít im o
o u d as i dé ia s e be ns c ult ur ai s.
prove ito do desenvolv ime nto social, cultur al, po lí tico, tecno lóg ico e
econô mico da socie dade br as ile ir a” 9.
O software livre coaduna-se com tais obje tivos, uma ve z que esses
consideram como valor intrínseco o dese nvolvimento social e cultural,
que no caso do software livre , mate rializa-se na disponibilidade do
código fonte .
Nesse conte xto, os incisos I, IV, XI do artigo 2 o , e m espe cial, apontam
para a adoç ão do mode lo GPL.
Na mesma e steira, os incisos I, II, III, IV e V do art. 4 o da lei
determinam a adoção de instrumentos que estimulem o crescimento,
institucionalize m padrões, ape rfeiçoem os e sforços de capacitação e a
mobilização
de
re cursos
públicos
no
sentido
de
fome ntar
o
desenvolvimento das atividade s de in formátic a. 10
9
10
Art. 2 o “c aput”
Art. 4º “São ins tr umen tos da Po lí tica Nacional de Inf ormática:
I - o es tímulo ao crescimen to das ativ idades de inf ormática de modo
co mpatíve l co m o desenvolv imen to do País;
II - a ins titucionalização de nor mas e padrões de ho molog ação e
cer tif icação de qualidade de produtos e serviços de inf ormática;
III - a mobil ização e a aplicação coo rdenadas de recur sos f inance iros
públicos des tinado s ao f omento das ativ idades de inf ormática;
IV - o aperf eiço amento das f ormas de cooperação in ter nacional par a o
esf orço de capacitação do País;
V - a f ormação, o tre inamen to e o aperf eiço amento de re cursos humanos
par a o se tor;...”
Ex emplos de iniciativas governamentais envolvendo software livre
no mundo
Como fenôme no comunitário e global, dive rsos paíse s hoje adotam o
software
livre
como
parte
de
suas
políticas
gove rname ntais 11. Na
Alemanha, o software livre é adotado, por e xe mplo, pelo Ministério da
Economia e Trabal ho, pe lo Aus wär tig es Amt (Ministério das Relaçõe s
Exteriore s), pela pre feitura da cidade de Munique , dentre outros.
Na Espanha, a cidade de Extremadura obte ve de staque adotando de
forma
ampl a
a
plataforma
ch amada
LinEx,
base ada
no
sistema
GNU/Linux. Do mesmo modo as cidades de Barcelona e o Ministério da
Educação da Catal unha se guem o mesmo caminho.
Na Franç a, o Governo Francês planeja a adoção do software livre para
mais de 900.000 computadores, começando pelos Ministério, que já
iniciaram o processo de migração , come çando pelos se rvidores. Na
Holanda, 85% dos departame ntos do gove rno Holandê s já possuem
experiência com aplicações de software livre , e nquanto na Itália, foi
adotada a diretiva governamental chamada “Stanc a Dire ctive for Open
Source ”, que estabelece padrões para a aquisição e re utilização de
softwares pelo setor público privile giando soluções e m software livre e
código aberto. A cidade de Roma, em maio de 2004, iniciou a migraç ão
de seus 9.500 se rvidores para a plataforma Linux.
11
Fonte:
http://www.softw arelivre.citiap.gov.pt/sw_livre _europa/sw_livre_e urop
a
Em Portugal , e m outubro de 2004 foi baixada a re solução 66/2004,
pela qual a Assembléia da Republica recomenda ao governo a tomada
de
medidas
Portugal.
com
Alé m
vistas
disso,
ao
de se nvolvime nto
Áustria,
Bé lgica,
do
software
Bulgária,
livre
em
Eslováquia,
Eslovênia, Irl anda, Noruega, Re ino Unido, Suécia e Suíça também j á
contam com ações gove rnamentais na dire ção de se adotar o so ftware
livre.
Nos Estados Unidos, o gove rno norte -americano te m inc entivado o uso
de siste mas base ados em software livre e m diversas instâncias 12. Como
e xemplo,
as
International
iniciativas
da
Deve lopment).
USAID
O
(United
Departamento
States
do
Agency
Tesouro
for
norte-
americano também tem de senvolvido aplicações críticas em software
livre, dentre outros órgãos e agências norte-americanas.
Análise do Software Livre a partir do Direito P rivado
A pre sente seção tem por objetivo analisar o software livre a partir da
perspectiva do dire ito privado brasileiro. Natural mente, não há a
intenção de esgotar o assunto, mas sim de prove r subsídios para u ma
melhor compreensão do re gime de lice nciamento aplicáve l ao software
livre à luz do dire ito brasile iro. Ne sse sentido, pre valece a opção feita
ao longo de todo o pre sente trabalho de foco na lice nça GNU GPL. No
entanto, os mesmos elementos de análise são també m aplicáve is a
outras lice nças consideradas funcionalme nte como “livres”, incluindo
as licenças de “código aberto”.
12
http://www.in foworld.com/article/04/03/12/11FEopgov_1.html
O pre sente e studo concentra-se especificame nte sobre a versão CCGNU GPL, que nada mais é que a ve rsão GNU GPL traduzida para o
português e embalada através do mode lo de lice nciamento chamado
Creative Commons. Para todos os fins, não há qualquer dife re nça entre
a CC-GNU GPL e a GNU GPL tradic ional. A ve rsão em portuguê s da
licença
pode
se r
obtida
no
site
governamental
www.softwarelivre .gov.br 13. Todas as refe rências à licença são fe itas
com base ne ssa versão . Os termos GNU GPL ou CC-GNU GPL possuem,
assim, significado i nte rcambiáve l ao longo do estudo.
A licença GNU GPL pode se r classificada como um contrato be néfico,
atípico, consensual e unilateral. O caráter conse nsual da licença
exprime-se pela desne ce ssidade de requisitos formais ou sole nes para
sua ple na validade e eficácia jurídica. A atipicidade da licença, por sua
vez, resulta da inexistência de pre visão le gal e xpre ssa quanto ao seu
conteúdo e te m sua validade assegurada pelo art. 425 do Código Civil,
da seguinte forma:
Ar t. 425. “É lícito às par tes es tipular contr atos
atípicos, observ adas as nor mas ger ais f ix adas
nesse código.”
A unilateralidade do contrato constata-se sob a ótica de seus e fe itos,
pois
gera
direitos
e
obrigações
a
partir
de
uma
das
parte s.
O
licenciante permite ao licenciado o dire ito de usar, copiar, modi ficar e
distribuir o programa, se ndo que o exercício de sse s direitos ge ra-lhe
os
encargos.
Esses
encargos,
no
e ntanto,
não
de sconfiguram
a
unilateralidade do contrato. Tais encargos consiste m, por e xemplo, nas
13
A versão integral da licença encontra-se disponível no e ndereço
http://www.softw arelivre.gov.br/Lice ncas/LicencaCcGplBr/vie w.
obrigaçõe s de licenciar o programa nos me smos termos primíge nos,
afixar aviso quanto à licença do programa, e especialme nte sobre a
exclusão de garantia, be m como o dever de forne cer ou possibilitar o
acesso ao código fonte. Note -se, no entanto, que e stas obrigações não
se configuram como contrapartidas para com o licenciante , como se ria
típico em um contrato bilate ral, mas se tratam de encargos assumidos
e com efe itos para com quaisquer terceiros. Assemelham-se, assi m,
aos encargos estabelecidos por uma doação modal , consagrada em
nossa
doutrina
como
e xe mplo
clássico
de
contrato
bené fico
e
unilateral.
A classificação remanescente da GNU GPL enquanto contrato bené fico
(ou contrato de sinte ressado) é a que mais me rece ate nção para os fins
do
prese nte
estudo,
pois
dela
decorrem
importantes
aspectos
interpre tativos, com reflexos para a validade da cláusula de e xclusão
de
garantia
e
da
assistência técnica.
ausência
de
obrigato riedade
de
pre stação
de
Outro aspecto importante da licença GNU GPL é
que sua cláusula (2), que consiste na e xigê ncia de que modificações ao
programa
sejam
licenciadas
pelo
mesmo
regime
de
licenciamento
“livre ”, e stabelece uma estipulação e m favo r de terceiros, que será
também objeto de análise destacada.
Os
contratos
benéficos
(també m
chamados
gratuitos
ou
desinteressados) são de finidos da seguinte forma pe la doutrina:
-
14
“Contrato gratuito é o ne gócio jurídico e m que uma só das partes
obté m um proveito. Via de regra, à vantagem corresponde um
sacri fício. Que a vantage m se ja do contraente ou de terceiro, é
irrelevante 14.”
GOMES, Orlando. Contr atos , 20.ª edição. Rio de Janeiro: Forense,
2000 p. 73.
-
-
“Nos contratos gratu itos, toda a carg a contratual fica por conta
de um dos contratantes; o outro só pode aufe rir bene fícios do
negócio. Daí a denominação também consagrada de contratos
benéf icos 15.”
“Diz-se a título gratuito o contrato quando somente uma das
partes sofre sacri fício patrimonial, e nquanto a outra ape nas
obté m um benefício 16.”
“Gratuitos ou be néficos, aque le s dos quais somente uma aufere a
vantagem, e a outra suporta, só ela, o encargo. Há quem distinga
os contratos g ratu itos propri amente ditos, ou pura liberalidade,
dos contratos desinte re ssados, com a observação de que,
naqueles, há diminuição patrimonial de uma das parte s em
prove ito de outra (como na doação), enquanto que nos outros um
dos contratantes presta um serviço ao outro sem nada re ceber
em troca da prestação fe ita ou prome tida, po ré m sem
empobre cer-se, ou se m sofrer diminuição no se u patrimô nio 17.”
Das definições acima, verifica-se que aque le que lice ncia seu programa
de computador nos termos da lice nça GPL o faz através da auto rizaç ão
da utilização, alte ração ou distribuição do programa por parte de
terceiros,
em
perfe ito
arrimo
com
os
princípios
da
contratação
benéfica, ou desintere ssada, como ensina Joserand:
“Referindo-se à distinção france sa e ntre os contratos gratuitos e os
one rosos, que consideramos inte ressados e desintere ssados, diz que
o título gratuito e o título one roso do contrato constituem condições
comple xas e re lativas, a um tempo. A prime ira condi ção para que
15
VENOSA, Silvio, Dire ito Civ il Teor ia Geral das Obr ig ações e Teor ia
Geral dos Contr ato s. S ão Paulo: Ed. A tlas, 2002. v. 2, 3 a ed., p. 401.
16
RODRIGUES, Silvi o, Dire ito Civ il, v . 3, 30a Ed.2002 Editora Saraiva,
São Paulo p. 31.
17
PEREIRA, Caio Mario da Silva, Ins tituições de Dire ito Civ il, v . III, 11 a
ed., 2002 Editora Fore nse , p. 65.
seja
gratuito
(de sinte ressado),
é
que
proceda
de
uma
inte nção
liberal. A segunda, menos importante, é que essa intenção se efetive,
não permanece ndo em estado abstrato ou te órico. Conjugam-se,
assim, o c rité rio psicológico e o critério econômico.”
18
A proprie dade intelectual de programa de computador é regida pela Lei
9.609/98, que em seu art. 2 o pre screve que “o re gime de produção
intelectual
do
programa
de
computador
é
o
conferido
às
obras
lite rárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no
País”. É impo rtan te ressaltar que onde for omissa a Lei 9.609/98,
aplicar-se -á a Lei 9610/98 e por fi m, onde for omissa a legislação
autoral ,
aplicar-se -á
o
Código
Civil.
O
autor
do
programa
de
computador é, assi m, dotado de dive rsas pre rrogativas advindas da lei,
como por exemplo, de tentor do direito e xclusivo de utilizar, fruir e
dispor
da
obra.
Depende,
assim,
de
sua
e xpre ssa
autorização
a
reprodução, e dição, distribuição e outros usos do software.
Ne sse sentido, o licenciamento e fetuado atravé s da G NU GPL nada
mais é do que o re gular exercício do dire ito do autor, de finidos, por
exemplo, pelo artigo 49 da Le i de Dire itos Autorais. Cumpre ressaltar
que
a
GNU
GPL
impõe
condiçõe s
para
o
e xe rcício
dos
direitos
concedidos. Ne sse sentido, a cláusula (1) da GNU GPL condiciona o
exercício dos dire itos atribuídos pela lice nça, como direitos de cópia e
alteração , a algumas obrigaçõe s, quais se jam: (a) publicar, de forma
ostensiva e adequada, e m cada cópia, um aviso de direitos autorais (ou
copyright)
apropri ado
e
uma
notificação
sobre
a
exone ração
de
garantia; (b) manter intactas as informaçõe s, avisos ou notificações
18
Joserand apud BESSONE, Darcy . Do Contr ato . Ri o de Jane iro:
Editora Forense, 1960.
referentes à licença e à ausência de qualque r garantia; (c) forne ce r a
quaisquer outros re ce ptores do programa uma cópia da licença. E
assim por diante.
É importante ressaltar que estas condições não de svirtuam o caráter
de contrato gratuito ou be néfico atribuído à GNU GPL. Isto po rque
tratam-se muito mais de condicionantes que re gulam o modo de
exercício
dos
e fetivame nte
direitos
dire itos
conce didos
obrigações
atribuídos.
A
atravé s
assumidas
análise
da
pe las
da
lice nça
partes
doutrina
do
que
recipie nte s
dos
coaduna-se
com
e ssa
manutenção do caráter benéfico da lic ença:
“Não
deixa
de
ser
circunstancialmente
gratuito
impõe
o
co ntrato
deveres
à
que
parte
bene ficiada, como o dever do donatário em não
incorrer e m ingrati dão” 19
De forma prática, o licenciame nto atravé s da GNU GPL ope ra da
seguinte forma:
19
(i)
o titular dos dire itos patrimoniais sobre o programa de
computador lice ncia e m favor da cole tividade os direitos de
copiar, distribuir e modificar o prog rama;
(ii)
qualquer me mbro da coletividade que optar por e xercer estes
direitos, ge ra para si as obrig ações de publicar aviso de
direitos autorais e exclusão de garanti a, manter intactos
VENOSA, Silvio de Salvo; Dire ito Civ il – Teor ia Ger al das Obr ig ações
e Teoria Geral dos Contratos , Vol 2, 3 a e dição, pág 401.
avisos anteriores, forne ce r cópias da licença e possibilitar o
acesso ao código fo nte do programa;
(iii)
do ponto de vista do direito subjetivo, qual quer bene ficiário
da licença que detectar o não cumprimento dos te rmos da
lice nça, inclusive no que tange ao se u dire ito de modificar e
distribuir o software, te r ace sso ao código-fonte , aos av isos de
direitos autorais e ao conteúdo integral da lice nça, possui a
legitimidade para demandar em juízo o cumprimento integral
dos te rmos da licença contra o agente re sponsável pelo
descumprime nto.
Em outras palav ras, o lice nciamento atravé s do modelo GNU GPL
produz efe itos erga o mnes: qualquer pe ssoa na socie dade e stá livre
para exerce r os dire itos da licença na fo rma como foram atribuídos
(suje itando-se também às condições estabelecidas). Ao mesmo tampo,
qualquer pessoa te m també m o direito de demandar o cumprimento
das
obrigações
estabelecidas
pela
lice nça
que
afe te m
de
alguma
maneira sua fruição.
Estipu lação em Favor de Terceiro
Uma das cláusulas fundamentais da GNU GPL é a c láusula 2, que
estabelece a obrigação de que modificaçõe s subseqüe nte s ao software
devem ser mantidas també m sob o regime de licenciamento GNU GPL.
Tal cláusula é o pilar que suste nta o caráte r cole tivo e transindividual
do software livre. Por sua importância, a me sma é transc rita abaixo na
íntegra:
1. “Você poderá modif icar sua cópia o u cópias do Programa ou
qualquer par te dele , f ormando, dess a f or ma, uma obr a baseada no
Programa, be m co mo copiar e dis tribuir essas modif icações ou
obra, de acordo com os ter mos da Cláusula 1 acima, desde que
você també m atenda a todas as seguintes condições:
a. Você deve f azer com que os arquivos modif icados contenham
av isos, e m des taq ue, inf ormando que você modif icou os
arquivos, be m co mo a data de qualquer modif icação.
b. Você deve f azer com que qualquer obra que você dis tr ib uir
ou publicar, que no todo ou e m par te contenha o Progr ama
ou seja de le der iv ada, ou der iv ada de qualquer par te dele,
se ja licenciad a co mo um todo se m qualquer cus to par a todos
ter ce iros nos ter mo s des ta licença.
c. Se o programa modificado normalmente lê comandos interativamente quando
executado, você deverá fazer com que ele, ao começar a ser executado para
esse uso interativo em sua forma mais simples, imprima ou exiba um aviso
incluindo o aviso de direitos autorais (ou copyright) apropriado, além de uma
notificação de que não há garantia (ou, então, informando que você oferece
garantia) e informando que os usuários poderão redistribuir o programa de
acordo com essas condições, esclarecendo ao usuário como visualizar uma
cópia desta Licença. (Exceção: se o Programa em si for interativo mas não
imprimir normalmente avisos como esses, não é obrigatório que a sua obra
baseada no Programa imprima um aviso).
Essas exigências se aplicam à obra modificada como um todo. Se partes
identificáveis dessa obra não forem derivadas do Programa e puderem ser
consideradas razoavelmente como obras independentes e separadas por si
próprias, nesse caso, esta Licença e seus termos não se aplicarão a essas
partes quando você distribui-las como obras separadas. Todavia, quando você
distribui-las como parte de um todo que constitui uma obra baseada no
Programa, a distribuição deste todo terá de ser realizada em conformidade
com esta Licença, cujas permissões para outros licenciados se estenderão à
obra por completo e, conseqüentemente, a toda e qualquer parte,
independentemente de quem a escreveu.
Portanto, esta cláusula não tem a intenção de afirmar direitos ou contestar os
seus direitos sobre uma obra escrita inteiramente por você; a intenção é,
antes, de exercer o direito de controlar a distribuição de obras derivadas ou
obras coletivas baseadas no Programa.
Além do mais, a simples agregação de outra obra que não seja baseada no
Programa a ele (ou a uma obra baseada no Programa) em um volume de
mídia ou meio de armazenamento ou distribuição, não inclui esta outra obra
no âmbito desta Licença.”
Esta cláusula fun damenta-se no regime jurídico aplicado ao software
no país. A cláusul a segunda da Le i 9.609 e stabelece que “o re gime de
proteção à propriedade inte le ctual de programa de computado r é o
confe rido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e
conexos vige ntes no País, observado o disposto ne sta Lei”. De sse
modo, aplica-se ao software o regime de dire itos exclusivos confe ridos
ao autor, elencados exemplificativame nte pela Lei de Direitos Autorais
(Lei 9.610). De aco rdo com o artigo 28 e 29 da re fe rida l ei:
Ar t. 28. “Cabe ao au tor o dire ito exclus ivo de utilizar, f ruir e
dispor da obra literária, ar tís tica ou científ ica. ”
Art. 29. “Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da
obra, por quaisquer modalidades, tais como:
I - a reprodução parcial ou integral;
II - a edição;
III - a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações;
VI - a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com
terceiros para uso ou exploração da obra;
IX - a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a
microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero;
X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser
inventadas.”
Deste modo, o autor de um programa de computador possui o direito
exclusivo sobre o mesmo, que inclui o dire ito de autorizar ou não a
realização de obras derivadas a partir do softw are ori ginário. Nesse
sentido, a cláusula 2 da GNU GPL fun ciona como exercício dos direitos
exclusivos do autor sobre a obra, no sentido de que ela some nte
autoriza te rce iros a utilizare m o programa de computador para a
criação
de
obras
derivadas
na
medida
em
que
os
lice nciados
concorde m que e ssas mesmas obras de rivadas sejam licenciadas sob o
mesmo regime da GNU GPL.
O autor que possui a pre rrogativa de autorizar ou não a re alização de
obras
de rivadas
a
parti r
de
sua
obra,
conse qüenteme nte ,
possui
também a faculdade de estabelece r condicioname ntos para a realização
dessas me smas obras de rivadas. Do ponto de vista do direito privado,
e ssa condição trata-se da ace itação de uma estipulação em favor de
terceiro. A e stipulação em favor de te rce iro encontra-se prescrita no
artigo 436 do Códi go Civil, da seguinte forma:
Ar t. 436. “O que es tipula e m f avor de terce iro pode ex ig ir o
cumpr imento da obr ig ação.
Par ágraf o único. Ao terce iro, e m f avor de quem se estipulou a
obr ig ação, també m permitido ex ig i-la, f icando, todav ia, suje ito às
condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o es tipulan te não
o inov ar nos termos do art. 438. ”
A doutrina de fine de se guinte forma a e stipulação e m favor de te rce iro:
20
21
-
“Estipulação em favor de te rce iro (“pactu m in f avorem ter tii”) é
um contrato estabelecido entre duas pessoas, e m que uma
(e stipulante) convenciona com outra ( promitente) certa vantagem
patrimonial em proveito de terceiro (beneficiário) alheio à
formação do víncul o contratu al 20.”
-
“Quando falamos em contratos ou e stipulações e m favor de
te rceiros, desejamos me ncionar aqu e le s que originalmente não
participaram da relação jurídica, mas pode m se r chamados a
fazê -lo. A estipulação e m que dois contratantes procuram
bene ficiar te rce iros apresenta-se, portanto, como uma exceção ao
princípio da relatividade dos contrato s 21.”
DINIZ, Maria Helena, Código Civil Anotado, Saraiva, 2004, p. 365.
VENOSA, Silvio, Dire ito Civ il Teor ia Geral das Obr ig ações e Teor ia
Geral dos Contr ato s. S ão Paulo: Ed. A tlas, 2002. v. 2, 3 a e d, p. 487.
-
“Por meio de contrato , pode uma das partes assu mir perante
outra, que te nha na prome ssa um i ntere sse digno de proteção
le gal, a obrigação de efe tuar uma pre stação a favor de te rce iro,
estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a
obrigação e promissário o contrae nte a que m a promessa é
feita 22.”
-
“A e stipulação em favo r de te rce iro é uma re lação contratual sui
generis em que a prestação, e m vez de se r realizada em favo r do
próprio estipulante, como geralmente ocorre, é feita em benefício
de terceiro. Trata-se , portanto, de uma exceção ao princípio
relatividade do contrato , se gundo o qual seus e feitos limitam-se
às partes, não beneficiando ou prejudicando te rce iros 23.”
-
“A e stipulação em favo r de terceiro é, realmente, o contrato por
via do qual uma das parte s se obriga a atribuir vantagem
patrimonial gratui ta a pessoa e stranha à formação do vínculo
contratual 24.”
A legitimidade de qualquer me mbro da cole tividade para de mandar em
juízo o cumprimento de que alterações subse qüe ntes a um software
livre se jam mantidas também em re gime de “livre ” de corre da nature za
de estipulação em favo r de terceiro da cl áusula (2) acima transcrita.
O contrato em favor de te rceiro possui no mínimo três partes: o
e stipulante, o promitente e o beneficiário. O beneficiário é o terceiro
que, não obstante não fazer parte da relação contratual original, é
afetado
po r
decorrente
ela
de
daquele
alguma
contrato.
fo rma,
O
pois
pode
promitente
receber
é
aquele
vantagem
que
se
22
Código Civil Português, art. 443, apud, VENOSA, op. cit.
23
LOUREIRO, Luis Guilherme Loureiro, Teoria Geral do s Contratos no
Novo Código Civil, São. Paulo: Editora Método, 2002 p. 184
24
GOMES, Orlando. Contr atos , 20.ª edição. Rio de Janeiro: Forense,
2000 , p. 165.
comprometeu
junto
ao
e stipulante
a
entre gar
a
vantage m
ao
beneficiário. No c aso do software livre , é o beneficiário da licença,
aquele que decide exe rcer os dire itos outorgados pelo lice nciante,
aceitando suas condiçõe s e obrigando a licenciar ao terce iro qualquer
modificaç ão
que
vier
a
fazer
com
base
no
software
livre,
E
o
estipulante é aquele que , como mostra a denominação, e stipulou que a
vantagem fosse conce dida ao be neficiário. No caso do s oftware livre, é
o lice nciante original do software.
Por fim, no caso da GPL, a cole tividade como um todo, num prime iro
momento inde te rminada, mas a qual quer momento determinável, é a
beneficiária. Por se r be neficiário da relação contratual, não obstante
não
tenha
participado
de
sua
formação ,
qualque r
indivíduo
da
coletividade te m legitimidade para e xercer o dire ito de ação no caso de
descumprime nto dos termos da licença.
O contrato e m favor de terceiro é um contrato sui gener is, pois, como
visto, relativiza o princípio segundo o qual o contrato só pode surtir
e feito entre as partes. No caso do software livre , percebe-se clarame nte
que a disposição afeta e inte ressa a toda a sociedade . Não admitida
pelo Direito Romano, a e stipulação em favor de terceiro também não
foi inicialmente admitida pe lo Código de Napole ão tampouco no Código
Civil Itali ano de 1865.
A te ndência introduzida pelo direito suíço e germânico, que viam na
estipulação em favor de te rce iro uma e xigência imposta pela pe las
necessidades práticas e pelo de se nvolvime nto do direito, foi se guida
maciçamente por toda doutrina civilista, que manife sta-se cada vez
mais no sentido de possibilitar e facilitar e ste tipo de convenção.
Segundo come ntadores, a estipulação e m favor de
contrato
onde
há
uma
declaração
acorde
do
terceiro é um
estipulante
e
do
promitente com a finalidade de instituir o iuris v inculum, mas com a
peculiaridade
de
estabelece r
obrigação
de
o
deve dor
pre star
em
benefício de uma te rce ira pessoa, a qual, embora não participe do
contrato, se torna cre dora do promitente. Em outras pal avras:
“Outro
aspecto
indagação
a
formul ada
conside rar
pela
reside
doutrin a
(Colin
na
et
Capitant, Maze aud e t Maze aud, de Page) se é
válida
a
e stipulação
em
favo r
de
pe ssoa
indeterminada e futura. Pelo nosso dire ito não
padece
dúvida.
Somente
a
indete rminação
absoluta do cre dor invalida o contrato . Se o
terceiro é momen taneamente indetermin ado,
mas
suscetível
de
identificação
(determinável), o ato é válido. O mesmo dirse-á d a futuridade, desde que ligada a fatores
positivos de caracterização...(grifo n osso) 25”
No
mesmo
sentido,
já
é
asse ntada
a
jurisprudê ncia
do
Superior
Tribunal de Justiça, como se vê da se guinte ementa:
25
PEREIRA, Caio Mario da Silva, Ins tituições de Dire ito Civ il, v . III, 11 a
e d., 2002 Editora Forense
“Nas estipulaçõe s em favor de terceiro, este pode se r pessoa futura e
indeterminada, bastando que seja determinável, como no caso do
seguro, que se identifica o be neficiário no mome nto do sinistro.”
“O terceiro beneficiário, ainda que não tenha
feito parte do contrato , te m le gitimidade para
ajuizar ação ( ...)” 26
O Código Civil garante ao terceiro, beneficiário da estipulação o direito
de exigir o cumpri mento da obrigação, que no caso da GPL abrange
não só as obrigações estabelecidas na cláusula (2) acima transcrita,
mas também as o brigaçõe s de licenciar a obra derivada nos mesmos
termos do licenciame nto da obra orig inal, incluir o aviso de dire ito de
autor e de e xclusão de garantia e ofe re cer o código fonte.
Sob a ótica da utilização da GPL, o parágrafo único do artigo 436 do
Código Civil, acima transcrito, deixa claro que a toda coletividade, de
maneira indivisível, é dado exigir o cumprimento das obrigações na
lice nça, porqu anto é toda ela be neficiári a do contrato. Nesse se ntido:
“Do prisma pu ramente proce ssual, José Carlos
Barbosa Moreira cunhou uma fórmula muito
interessante para caracte rizar o c onteúdo da
indivisibilidade.
26
Ensinou
que
indivisível
é
o
Resp 401718 / PR, Quarta Tu rma do Supe rior Tribu nal de Justiça,
Re l.
Min.
Sálvio
de
Figueiredo
Teixeira,
publicado
no
DJ
em
24.03.2003, p.228. No mesmo se ntido, confira-se Re sp 257880 / RJ,
publicado no DJ em 07.10.2002.
interesse que resulta para os interessados numa
situação absolutame nte idêntica e indissociável:
a
defesa
da
possível)
parcela
implicaria
de
um
deles
(se
simultaneamente
fosse
na
de
todos; a transgressão da parce la de um dos
interessados (ou o resultado negativo de uma
demanda
como
–
de pe nde ndo
analisarei
da
fundamentação,
adiante)
implicaria
na
transg ressão de todos. 27”
Ponte s de Miranda, em seu livro “Fontes e Evolução do Direito Civil
Brasileiro”, atesta a absoluta juridici dade da e stipulação e m favor de
terceiro, be m como a induvidosa prerrogativa do terceiro, beneficiário,
de e xigir o cumpri mento da obrigação. Mari a Helena Diniz, Wahsington
de
Barros
Monteiro
e
Orlando
Gome s
corroboram
de ste
mesmo
entendimento, confira-se:
“O promitente se obriga a beneficiar o terceiro,
mas
ne m
po r
i sso
se
de sobriga
ante
o
e stipulante , visto que te m o dire ito de e xigir o
cumprime nto da o brigação. Na fase da exe cução
contratual ,
pode ndo
o
exigir
terceiro
o
passa
cumprimento
a
ser
da
credor,
prestação
prometida, de sde que se suje ite às condições e
normas do contrato por e le ace ito, e nquanto o
27
VIGLIAR, José Marcelo Mene zes; Tutela Jurisdicional Coletiva, Ed.
Atlas, 3ª ed., 2001, p. 69
estipulante
não
o
inovar
nos
termos
do
art
438.” 28
“O que estipula em favo r de terceiro pode exigir o
cumprime nto da obrigaç ão. Ao terceiro e m favor
de quem se estipulou a obrigação, també m é
permitido exigi-la, ficando, todavi a, sujeito às
condições e normas do contrato, se a ele anuir e
o e stipulante não o inovar”
“Vê-se , portanto, que a exigibilidade pe rte nce
tanto ao e stipulante como ao beneficiário; n a
estipulação
reclamar
em
o
favor
de
cumprimento
te rce iro
da
a
ação
obrigação
de
se
transfere ao be ne ficiário, se m aliás pe rdê-la o
próprio e stipulante.”
“Conse guintemente, n ão só o e stipulante que tem
direito
de
ação
cumprime nto
intentá-la
o
da
para
co mpelir
prestação;
beneficiário ,
para
o
també m
ao
pode
con stranger
promitente a satisfaze r a obrigação”
28
de vedor
o
29
DINIZ, Maria Helena, Código Civil Anotado, 10a. Edi ção re vista e
atualizada de acordo com o novo código civil
29
MONTEIRO , Washington de Barros, Curso de Direito Civil – Direito
das Obrigações, 2a. Parte , 33a. Edição
“A e stipulação em favo r de terceiro é, realmente,
o contrato po r via do qual uma das parte s se
obriga a atribui r vantage m patri monial gratuita
a
pessoa
e stranha
à
formação
do
vínculo
contratual”
“Para
estipulação
em
favor
de
terceiro
é
ne ce ssário que o contrato resulte, para este,
uma atribuição patrimonial gratuita. O benefício
há
de
ser
recebido
sem
contraprestação
e
representar vantagem susce tíve l de apreciação
pecuniária. A g ratuidade do prove ito do proveito
é
esse ncial,
não
vale ndo
a
e stipulação
que
imponha contrapre stação .” 30
Assim se ndo, algu ns eleme ntos da GNU GPL são re ssaltados:
(i)
(ii)
(iii)
trata-se de um contrato benéfico com estipulações em favor de
te rce iro;
o te rce iro, beneficiário, é a coletividade, que a qu alque r
momento pode ser determinada em u m ou vários indivíduos
qualquer membro da coletividade é parte legítima para propor
ação visando s anar e ve ntual de scumprime nto dos te rmos da
GPL, bem como o próprio lice nciante/estipulante (Art. 436 do
Código Civil).
A GPL é um mode lo contratual e m que demonstra n a prátic a, por
e xemplo, ace pçõe s do princípio da função social do contrato . Trata-se
de modelo contratual que te m por obje to de regulação direitos que
transcendem
30
o
intere sse
das
partes
e
caracterizam-se
como
de
GOMES, Orlando. Contr atos , 20.ª edição. Rio de Janeiro: Forense,
2000
interesse
transindividual.
Trata-se
da
materializaç ão
prática
de
princípios antes re le gados à e spe culação te órica, to rnada possível
graças ao avanço da tecnologia digital e da Inte rne t, com impacto para
o desenvolvimento econômico, cultural e social.
Nesse se ntido, trata-se de um modelo contratual que de nenhuma
forma one ra a sociedade , mas por outro lado impulsiona diretame nte
seu desenvolvimento. Pe rce ba-se que seu principal mote é traduzir em
termos jurídicos a própri a natureza dos bens imateriais, que possuem
o caráter de não-e xclusividade e não compe titividade 31. A GNU GPL
expressa,
ne sse
sentido
jurídico,
a
nature za
intrínseca
dos
bens
intelectuais.
Validade das cláusulas de exclusão de garantias e das cláusulas de exclusão de
responsabilidade
Como visto acima, considerando que “a liberdade de contratar será
exercida e m razão e nos limite s da função social do contrato (Art. 421
do Código Civil)”, a GNU GPL e xe rce uma função social positiva e
importante, sendo imperativo que se considere e ssa função na e xege se
de se us termos, efeitos e pre ssupostos.
31
Como
v i st o
ant er ior m ent e,
p or
nã o
c o m pet it iv os
e nt e nd e -s e
que
a
ut i liz a çã o d o be m p o r u ma pe s s oa nã o e x cl ui q u e o ut r as p e ss o as ut ili ze m -s e
ig ua lm ent e de le. E p or n ã o- e x cl u siv os ent en d e- s e q u e, u m a v ez q u e o b em
t enh a si d o pr o d uzi d o, é m uit o d if í cil, s en ã o i m p o ss ív el, e x cl uir al g u m a
p es s o a d e t er ac e ss o a o b e m. Tr at a - se d o c as o da il u mi na ç ã o p ú bl ic a, d a s
f or ça s ar m a d as, d e u m f ar o l m ar ít im o o u d as i dé ia s e be ns c ult ur ai s.
Nesse contexto, a GNU GPL configura-se como um contrato be né fico
em nada se aproximando do conceito de contrato por adesão. Aliás, a
disparidade
de
posições
entre
as
parte s,
que
caracteriza
a
hipossuficiência de uma delas, não se faz pre sente no lice nciamento de
um software pela GNU GPL. Ao contrário, por se caracte rizar como
contrato bené fico, a GNU GPL encontra-se re gida pe lo e statuído no
artigo 392 do Códi go Civil, transc rito abaixo:
Art. 392. “Nos contratos bené ficos, re sponde por simple s culpa o
contratante, a quem o contrato apro veite , e por dolo aquele a que m
não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das parte s
por culpa, salvo as exce ções previstas e m lei.”
No comentário da doutrina:
“(...)a proteção outorgada ao contratante que
rece be a título gratuito é me nos importante que
a conferida a que m obté m a título oneroso. Pois
aqui incide a regra se gundo a qual, have ndo de
escolher
asse gurar
entre
um
o
interesse
l ucro
(qui
de
que m
cer tat
procura
de
lucro
captando) e o de quem busca evita um prejuízo
(qui certat de damno v itando), é o interesse
deste último que o legislador prefere.”
“A responsabilidade pelo ilícito, nos contratos
gratuitos,
deve
ser
apreciada
com
maior
indulgência, só a determinando, em regra, se se
caracte rizar o dolo do autor da libe rali dade 32.”
As
cláusulas
de
e xone ração
de
garantia
e
de
exclusão
de
responsabilidade insere m-se ne sse contexto. A não ser em caso de
comprovação de dolo, que jamais pode se r afastado contratu almente, a
responsabilidade daquele que disponibiliza programa de computador
sob uma lice nça GNU GPL é limitada de acordo com os te rmos da
licença,
conforme
suas
cláusula
de
e xclusão
de
garantia
e
de
responsabilidade.
A cláusula de e xone ração de responsabilidade , outrossim, é prática
comum no direito privado pátrio, me smo e m contratos que não são
considerados como bené ficos. Assim come nta a doutrina:
“Deve
a
cláusula
de
irresponsabilidade
ser
declarada válida, como contrapes o ao vulto
ex cessivo
que
a
vida
modern a
troux e
aos
encargos da reparação do dano. É um fator de
equilíbrio,
corretor
da
descompensação
produzida pela agravação dos ris cos.
Também não é válida, se o sacri fício não é
compe nsado
por
vantage m
contratu al.
O
proble ma de sua validade encontra de finição
32
RODRIGUES , Silvio, op.cit.
exata
nas
Re speitada
exigências
esta,
de ve
responsabilidade
de
orde m
ser
re conhecida
contratual
pública.
e
na
na
e xtracontratual . É inte rdita, po ré m, para o dolo,
não para a culpa propri ame nte dita, a falta
involuntária, por mais grave que seja, pois a
negligê ncia,
a
incúria
e
a e stupide z
não
se
equiparam à malig nidade. A culpa g rave não é
vício de conse ntime nto”.
“Só
por
sua
pruden te
admissão
se
possibilitará o desenvolvimen to de numerosas
ativid ades
ameaçadas
descalabro,
sob
o
de
paralisação
peso
de
ou
encargos
concernentes à obrigação de reparar 33”
Conforme visto acima, a GNU GPL é parte de um fe nômeno social que
se constituiu em torno do software livre. A validade das cláusulas de
exoneração
de
importantes
garantia
para
o
e
de
desempenho
responsabilidade
da
função
são
de sse
eleme ntos
mode lo
de
lice nciamento. Especialmente por se tratar de modelo de licenciamento
que
afeta
a
sociedade
como
um
todo,
a
pré-condição
para
sua
viabilidade é que tais cláusulas sejam válidas e eficazes.
A GNU GPL surge também como fenômeno econômico, em que os
modos de produção e criação intele ctual tornam-se include nte s e
colaborativos. Não se trata de uma re lação consumerista, e m que
existe um fornecedor e um consumidor, cada um com papéis jurídicos
33
GOMES, Luiz Roldão de Freitas; Elementos de Responsabilidade
Civil. Re novar, 2000, p. 180-181
distintos. No software livre, as figuras do consumidor e do fornece dor
são mescladas. O c onsumidor de hoje é pote ncialmente o fornece dor de
amanhã.
Qualquer
pessoa
que
utiliza
um
software
livre
te m
a
capacidade de entender como ele funciona e participar ativame nte nos
seus
dese nvolvimentos
futuros.
Pode,
assim,
distribuir
cópias
subseqüe nte s do software , ape rfeiçoado, tornando-se mais um elo da
cade ia de de senvolvimento do programa. Esse mode lo dife rencia-se e
transcende qualqu er análise consumerista.
A relação de consumo, nas palavras de José Geraldo Brito Filomeno
“pressupõe
alcance
da
do is pólos de in teresse : o consumido – f ornecedor 34”. O
GPL,
como
já
de monstrado,
é
sócial,
erga
o mnes,
colaborativo e recursivo, pois e nvolve inte resses de toda a coletividade,
não se reduzindo a uma relação bipol ar.
Por essa razão não há o que se falar na aplicação do Código de De fesa
do Consumidor sobre um licenciamento GNU GPL. O Código poderá ser
aplicado, sim, à toda cadeia produtiva e de serviços constituída a
partir do so ftware livre. Essa cadeia compreende inúmeros prestado res
de
serviço
ao
consumidor
final,
distribuidores
de
software
livre,
consultores, vendedores e outros agentes. Entretanto, essas atividades
não se confunde m com o processo de licenciamento do software livre.
Sobre ele , não há incidê ncia do Código de Defesa do Consumidor.
Várias são as razõe s (i) ausência das figuras de consumidor e/ou
fornecedor; (ii) a nature za bené fica do contrato ; (iii) alcance erga
o mnes dos efeitos da licença, fugindo à caracte rísti ca bipolar dos
contratos consumeristas; (iv) intere sse difuso originado do contrato de
lice nciamento,
34
que
inclusive
legitima
terceiros
para
demandar
o
Código de De fe sa do Consumidor Come ntado Pe los Autore s do
Anteprojeto, 7 a edição, pág 43.
cumprimento dos termos da GPL e (v) caráter transindividual das
relações constituídas pela lice nça.
No
mesmo
sentido,
manifestaram-se
com
muita
proprie dade
os
professore s Augusto Tavare s Rosa Marcacini e Marcos da Costa:
“Todavia, em nosso entender, é difícil caracterizar a relação
jurídica estabelecida nos termos da GPL como uma relação de
consumo e, portanto, sujeita à aplicação destas normas. Destaquese, aqui, como já o fizemos anteriormente, que o presente estudo
se restringe a analisar a GPL e não todos os demais negócios
jurídicos, gratuitos ou onerosos, que tenham por objeto produtos
ou serviços relacionados com um software livre. Eventualmente,
alguns desses negócios outros podem apresentar características
que o agasalhem sob o manto da legislação consumerista.
Entretanto, nenhum destes contratos onerosos pode ter objeto que
se confunda com o da GPL, senão por infração aos seus termos;
afinal, qualquer relação jurídica envolvendo o uso, cópia,
modificação e distribuição do software não poderia ser
estabelecido de outra maneira, a não ser pela própria GPL, que
não define pagamento de contraprestação para se praticar estes
atos.
A relação de consumo forma-se entre sujeitos definidos como
fornecedor e consumidor, e tem por objeto produtos ou serviços
que este adquire daquele. Embora a Lei nº 8.078/90 traga, em
seus artigos 2º e 3º, a definição destes elementos, tais conceitos
ainda estão distantes de um entendimento pacífico na doutrina e
jurisprudência, não faltando exemplos concretos de situações
polêmicas acerca de uma ou outra destas conceituações. O mesmo
se diga, então, do conceito de relação de consumo.
Some-se a esta polêmica o fato de que estamos tratando de uma
situação muitíssimo nova e inusitada, em que um bem que já é
bastante peculiar, como acima já dissemos ser o software, ainda
está sendo produzido em comunidades abertas, por trabalho
voluntário, e distribuído livremente juntamente com seu códigofonte.
O modelo de relação jurídica estabelecido pela GPL é algo de tal
forma peculiar, que dificilmente poderia ser comparável a uma
relação de consumo. O que ocorre aqui é simplesmente o
seguinte: uma comunidade de pessoas que jamais se viram,
espalhadas pelo mundo afora, produziu uma criação e a deram ao
conhecimento público como quem dissesse: “criei isso; use-o se
quiser; use-o como quiser; melhore minha criação, se puder”.
Trata-se, assim, de uma relação franca e aberta de
compartilhamento de informações, de colaboração e cooperação,
que jamais se poderá compreender como uma relação de
consumo. Ao entender como e porque tais comunidades se
organizam e desenvolvem este trabalho gratuito, fica claro que
estamos diante de uma nova forma de organização e
relacionamento social que não pode ser reduzida a uma relação de
consumo entre consumidores e fornecedores.”35
Pensar de forma diferente significa negar validade e inviabilizar um
modelo de produção que se tornou não só e ficie nte do ponto de vista
econômico,
como
abriu
caminhos
para
promissore s
mode los
de
organizaç ão produtiva iné ditos historicame nte .
35
MARCACINI, Augusto Tav are s Rosa e Marcos da Costa, Prime iras
Linhas
Sobre
Sof tware
Livre,
setembro
de
2003.
disponível
em
http://www.marcosdacosta.adv.br/do cume nto.asp?ID_Docume nto=467
(último acesso: 3 de março de 2005)
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