ASPECTOS DO SO FTWARE LIVRE S OB O DIREITO PR IVADO A proteção jurídica do software e a licença GNU/GPL O software no Brasil é regido pelo direito autoral. Na s ua maioria das vezes, e ssa proteção de corre nte da le i segue aliada aos te rmos conferidos por um contrato atine nte a de te rminado software. Esse contrato é de nominado “licença”. A licença de um software estabele ce um rol de direitos e deveres que se projetam sobre um de te rminado usuário do so ftware. É importante mencionar que software livre não se confunde com software de código aberto. Um software pode ter seu código abe rto, mas n ão propiciar as liberdade s de scritas n a introdução ao pre se nte estudo com re lação a se us usuários. Do me smo modo , o ace sso ao código fonte funciona como requis ito implícito para e fetividade de dois caracteres de finidore s do software livre: o direito de e studar como o programa funciona e o direito de fazer ape rfeiçoame ntos sobre o mesmo. Em outras palavras , todo software livre deve rá ter o se u código aberto, mas ne m todo software de código abe rto se rá um software livre. Ele só o se rá no caso de , alé m do c ódigo-abe rto, garantir através de uma licença as quatro liberdade fundame ntais: e xecutar, e studar, redistribuir e aperfe içoar. Essas quatro liberdades fundame ntais são e stabe le cidas, po r exemplo pelos te rmos da GNU GPL (GNU General Public License), acima refe rida. Essa é a licença jurídica que será considerada no presente e studo. É importante mencionar que ne m sempre e ssas me smas libe rdades estão presentes em outras lice nças, ainda que se jam lice nças ditas “abertas”. Nesse sentido, para efe itos desse estudo, apenas a definição de software livre da Free Sof tware Foundation (Fundação do Software Livre), tal qual esposada pela li cença GNU GPL, será considerada. Conforme decisão da corte distrital de Munique que conheceu da validade das cláusulas da lice nça GNU GPL, o software livre não se confunde com abdicação de dire itos autorais sobre o software , mas sim com o e stabelecimento de termos precisos sobre como aqueles direitos podem se r fruídos por te rce iros. Nesse se ntido: “De início, o Painel compartilha a visão de que não se pode e nxergar nos termos da GPL (General Public License) provisões contendo a abdicação dos di re itos autorais re lativos às corre spondentes posiçõe s jurídicas. Ao contrário, os usuários vale m-se especificame nte dos termos da le gislação do direito autoral para garantir e dar efeito ao se u conce ito empre gado para o desenvolvimento posterior e disseminação do softw are 1.” A legislação de dire ito autoral, conforme aplicável ao software no Brasil , é discutida abaixo. De modo geral é possíve l afirmar que a 1 Corte Distrital de Munique, nº 21 O 6123/04; “To beg in with, the Pane l shares the v ie w that one canno t perce ive the conditio ns of the GPL (Gener al Public License) as con taining a waiver of copyr igh t and related leg al pos itions. On the contrary, the users av ail the mse lves of the conditions of copyrigh t law in order to secure and carry into ef f ect the ir concept of the f ur ther developme nt and disse mination of sof tware ” (ve ja Dre ier /Schulze, UrhG, § 69a, Rn. 11).” mesma e strutura j urídica postulada pela corte alemã também ocorre sob o direito brasileiro. O titular de direitos autorais sobre um software que lice ncia o me smo em regime livre, por exemplo, através da licença GNU GPL da Free Sof tware Foundation (Fundação do Software Livre), não está abdicando de seus dire itos de autor. Na verdade , e sse mesmo titular e stá na ve rdade vale ndo-se dos seus direitos de autor para, através de uma licença, condicionar a fruição desses direitos por parte de te rce iros, impondo o dever de re speitar as quatro liberdades fundamentais ac ima de scritas. O software livre, portanto , é produto direto do dire ito de propriedade do autor sobre o software e consiste em uma modali dade de exercício de sse direito, através de uma licença jurídica. Regime de Prote ção do Software e do respectivo Código Fonte no Brasil - Licenciamento O regime jurídico da propriedade intelectual no Brasil se divide entre os ramos da propriedade industrial, regido pela Lei 9.279, de 14/05/96, e do direito autoral, re gido pe la Le i 9.610, de 19/02/98. O Software possui um regime jurídico especial, sendo regido por lei específica (Lei 9.609/98, de 19/02/1998), porém complementado pe la legislação re fe rente a direitos autorais naquilo em que a le i e spe cífica for omissa. Não há dúvidas de que o regime aplicável ao software é aque le do direito autoral, ape nas modificado e m alguns aspe ctos, como se verá abaixo, pela lei do software. É interessante notar o arti go 2º da lei do software, que atribui ao programa de computador o mesmo regime de proteção aplicáve l às obras literárias: Art. 2º “O reg ime de pro teção à propr iedade inte lec tual de programa de co mputador é o conf erido às obr as lite r ár ias pe la leg is lação de dir e itos autor ais e conexos v igentes no País, observado o dispos to nes ta Le i.” O código fonte é igualmente protegido pe la le i do software, que e m seu artigo 1º de fine software como “a e xpre ssão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natur al ou codif icada”. A definição é abrangente o bastante para compreende r o código-fonte, que por sua vez é definido da se guinte forma: “Código Fonte: Prog ramas de co mputador ou s is te mas oper acio nais são or ig inalmente escr itos por seres humanos e m uma linguage m de programação. O resultado é chamado de código f onte do sof tware. Par a que o programa se ja de f ato us ado pe lo co mputador, é preciso que es te se ja traduz ido pe lo co mputador a partir do cód igo f onte par a a ling uage m de máquina, que o co mputador e ntend e e executa. Es te processo de tr adução, por sua vez, é chamado de co mpilação 2.” Os direitos autorais sobre software , assim como sobre as obras lite rárias , são independentes de re gistro. A Lei do Software estabe le ce, no entanto, que o INPI é o órgão gove rnamental encarre gado do registro do software. Note-se, e ntretanto que não há inc ompatibilidade entre o registro de um software no INPI e seu poste rior lice nciamento, 2 Univ er s i da d e da C alif ór ni a- D av i s. I nf o r mat i on & E d u c at i o nal Te ch n ol o gy Gl o s ar y. “ Co mp u te r pro g r am s o r o pe r ati n g s ys te ms ar e o ri g i n al l y wr i t te n b y a h u m an be i n g i n a pr og r am m i n g l an g u ag e . T hi s i s c al l e d th e s ou rc e co de of the sof t war e . T o be ac tu al l y u se d b y a co mp u te r, th e p ro g r am h as to be tr an sl a te d by th e co mp u te r f rom th e so u rc e co de i n to th e m ac h i ne l an g u ag e th a t th e com p u ter u nd er s tan d s an d c an ex ec u te. T h is tr an sl ati o n p roc e ss is ref erre d to as co mp il i n g .” Di s p o nív el e m ht t p: / /i et . u c dav i s. e d u/g l os s ar y. cf m. inclusive como software livre. O registro serve como comprovação de ante rioridade de autoria sobre o software caso e sta venha em algum momento a se r que stionada judicialme nte . Entretanto, se u autor, valendo-se de suas prerrogativas, pode subseqüe nte me nte autorizar no limite em que dese jar o uso do s oftware por terceiros, con forme descrito acima. O licenciamento em software livre nada mais é do que uma modalidade de exercício dos direitos do autor do software através de uma lice nça jurí dica. Nesse se ntido, a legislação de dire ito autoral, també m aplicável ao software, é clara. Quanto aos direitos patrimoniais, c abe ao autor o direito exclusivo distribuir, incluir de re produzir, em bancos editar, de adaptar dados, ou utilizar transformar, em quaisquer modalidade s e xistentes ou que venham a se r inventadas (artigo 29 da Lei 9.610) . Tais direitos podem se r cedidos, integralmente ou em parte, por seus titulares. No caso do software, a Lei 9.609 introduziu no orde namento brasileiro especificamente a figura da licença (Art. 9º “O uso de programa de co mputador no País ser á obje to de contr ato de lice nça”). A licença usualmente consiste na autorização de uso, 3 limitada aos te rmos contratuais, feita por parte do licenciante - aque le que detém direitos sobre o software - ao lice nciado - aquele que re ce be o dire ito de uso. A mesma diferencia-se da cessão dos direitos patri moniais sobre programas de computador – no caso da cessão, todos os direitos são transmitidos ao cessionário, e nquanto na licença c om o lice nciante permanecem. 3 Outros dire itos relativos ao programa de computado r, que não o uso, podem se r licenciados, comercialização e etc. como os dire itos de distribuição, Impo rtante ressaltar que a Le i do Software e xclui a aplicação dos direitos morais sobre programas de computador, com poucas exce ções (direito de exigir a paternidade ou de se opor a modificações nãoautorizadas quando as mesmas implique m mutilação do programa e afetem a honra ou a reputação de seu autor) . Por fim, ainda quanto ao lice nciamento, um traço de dirigismo contratual imposto pe la Le i do Software é o de ver de estipular um Prazo de Validade Técnica para os programas de computador co mercializados no país. Durante e ste prazo, aque le que co mercializ a o programa te m o de ve r de assegurar aos usuários a prestação de serviços técnicos programa 4. A lei comple mentare s é clara ao re lativos utilizar o ao termo funcioname nto do “co mercializ a” ao estabelecer essa obrigaç ão. Como o software livre não é propriame nte comercializado, mesmo a imposição desse prazo de validade técnica não é aplicáve l. Iss o porque não se “compra” um so ftware livre como se adquire, por exe mplo, um “so ftware de prateleira 5”. O que se compra, no caso do software livre, são serviços re lativos à distribuição do software. É possíve l, por exemplo, ir a uma loja e comprar um pacote de software s livre s. Entretanto, esse mesmo software poderia ter sido descarregado pe la Interne t ou me rame nte copiado de alguma outra cópia disponível. A aquisição e m loja é , primordial mente, não do 4 Ar t. 8º “Aque le que co mercial izar pro grama de co mputador, quer seja titular dos dire ito s do progr ama, q uer se ja titular dos dire itos de co mercialização, f ica obrig ado, no te rritório nacional, durante o prazo de validade técnica da respec tiv a ve rsão, a assegurar aos respec tivos usuários a pres tação de serv iços técnicos co mple men tares relativos ao adequado f uncionamen to do programa, cons ider adas as suas especif icações.” 5 Por “software de prateleira” entenda-se o software cujas cópias s ão embaladas para a venda de mass a no varejo. software em si, mas das facilidades trazidas por aque la distribuição do produto. Licenciame nto como fator de te rminante do software livre Por fim, do ponto de vista de sua natureza, não existe nenhum subsídio para que se estabeleça qualquer distinção entre os softwares chamados livres e os softwares chamados proprietários (ou fechados) em termos de sua essência. Ambos consistem em instruções lógicas e do ponto de vista técnico, operam da mesma maneira com relação a um computador. Inclusive, mesmo a lei do software, em sua definição do que vem a ser um software6, não faz qualquer distinção entre um software livre e um software proprietário. Por isso, é importante estabelecer, dessa forma, que a diferença entre um software livre e um software proprietário é uma diferença que se dá meramente a partir dos termos do contrato de licença atribuído a cada um deles. Se o contrato de licença incluir as quatro liberdades constantes da definição do software livre acima mencionadas, o software será considerado como “livre” a partir dos critérios da Free Software Foundation. Se esse contrato de licença não incluir essas quatro liberdades, ele não será considerado, para esses efeitos, como software livre pela Free Software Foundation7 (Fundação do Software Livre). 6 Art. 1º “Progr ama de co mpu tador é a expressão de um conjunto organizado de ins truções e m linguage m natur al ou codif icada, contid a e m suporte f ísico de qualquer natureza, de e mprego necessár io e m máquinas auto máticas de tratamento da inf ormação , dispos itivos, ins tr umentos ou eq uipamentos perif éricos, base ados e m té cnica dig ital ou análog a, para f azê-los f uncionar de modo e para f ins de terminados.” 7 Lembramos ape nas que o pre se nte e studo optou por adotar a definição de software livre da Free Sof tware Foundation. Entre tanto, isso não significa que outros softwares lice nciados sob outras modalidade s de licença não se jam també m conside rados como “livres” para as finalidade s, por exemplo, de políticas governamentais, licenciamentos privados e mode los de ne gócio. Há dive rsas outras licenças cujos te rmos compartilham da me sma idéia da GNU GPL, adicionando cláusulas ou aprese ntando dife rentes condiçõe s. Para uma catalogação não exaustiva de outras modalidades de licença também “livres” ou ao menos de “código abe rto”, vide Software Livre e Bens Imate riais Uma das principai s características do modelo do software livre é que e la maximiza aproveitando o na potencial maior de distribuição e xte nsão o dos caráte r bens intelectuais, não-e xclusivo e não- compe titivo das idéias e da informação 8. Com isso, o adve nto do software livre e de outros mode los de produção colaborativa le va à possibilidade de repe nsar paradig mas e mode los tradicionais não só da propriedade intelectual, mas também de outros campos do dire ito. O software livre demonstra que com a te cnologia digital e a Internet, novas formas de de se nvolvime nto e conômico e social surgem em coexistê ncia com as fo rmas tradicionais. Essa posição encontra-se em consonância com a Política Nacional de Informática, definida pela Lei 7.232 de 29 de outubro de 1984, que é analisada abaixo. À guisa de introdução, cumpre apenas mencionar que referida lei estabe le ce como obje tivos da Política Nacional de Informática “a capacitação nacional nas ativ idades de inf ormática, e m http://www.opensource.org/ e http://www.fsf.org /licensing/lice nses/lice nse-list.html . 8 P or nã o c om p et it iv o s ent en d e- s e q u e a ut ili za ç ã o d o b e m p or u m a p es s o a nã o e xc l ui q u e o ut r as p e ss o a s ut il iz e m- s e ig u al m ent e de le. E p or n ã oe xc l us iv o s ent en d e -s e q u e, u m a v ez q u e o b e m t e nh a s i d o pr o d uz i d o, é m u it o dif íc il, se nã o i m p o s s ív el, e xc l uir alg u m a p es s o a de t er ac e ss o a o be m. Tr at a se d o c as o d a il um in aç ã o p ú bli c a, d as f o r ça s ar m a da s, d e u m f ar ol m ar ít im o o u d as i dé ia s e be ns c ult ur ai s. prove ito do desenvolv ime nto social, cultur al, po lí tico, tecno lóg ico e econô mico da socie dade br as ile ir a” 9. O software livre coaduna-se com tais obje tivos, uma ve z que esses consideram como valor intrínseco o dese nvolvimento social e cultural, que no caso do software livre , mate rializa-se na disponibilidade do código fonte . Nesse conte xto, os incisos I, IV, XI do artigo 2 o , e m espe cial, apontam para a adoç ão do mode lo GPL. Na mesma e steira, os incisos I, II, III, IV e V do art. 4 o da lei determinam a adoção de instrumentos que estimulem o crescimento, institucionalize m padrões, ape rfeiçoem os e sforços de capacitação e a mobilização de re cursos públicos no sentido de fome ntar o desenvolvimento das atividade s de in formátic a. 10 9 10 Art. 2 o “c aput” Art. 4º “São ins tr umen tos da Po lí tica Nacional de Inf ormática: I - o es tímulo ao crescimen to das ativ idades de inf ormática de modo co mpatíve l co m o desenvolv imen to do País; II - a ins titucionalização de nor mas e padrões de ho molog ação e cer tif icação de qualidade de produtos e serviços de inf ormática; III - a mobil ização e a aplicação coo rdenadas de recur sos f inance iros públicos des tinado s ao f omento das ativ idades de inf ormática; IV - o aperf eiço amento das f ormas de cooperação in ter nacional par a o esf orço de capacitação do País; V - a f ormação, o tre inamen to e o aperf eiço amento de re cursos humanos par a o se tor;...” Ex emplos de iniciativas governamentais envolvendo software livre no mundo Como fenôme no comunitário e global, dive rsos paíse s hoje adotam o software livre como parte de suas políticas gove rname ntais 11. Na Alemanha, o software livre é adotado, por e xe mplo, pelo Ministério da Economia e Trabal ho, pe lo Aus wär tig es Amt (Ministério das Relaçõe s Exteriore s), pela pre feitura da cidade de Munique , dentre outros. Na Espanha, a cidade de Extremadura obte ve de staque adotando de forma ampl a a plataforma ch amada LinEx, base ada no sistema GNU/Linux. Do mesmo modo as cidades de Barcelona e o Ministério da Educação da Catal unha se guem o mesmo caminho. Na Franç a, o Governo Francês planeja a adoção do software livre para mais de 900.000 computadores, começando pelos Ministério, que já iniciaram o processo de migração , come çando pelos se rvidores. Na Holanda, 85% dos departame ntos do gove rno Holandê s já possuem experiência com aplicações de software livre , e nquanto na Itália, foi adotada a diretiva governamental chamada “Stanc a Dire ctive for Open Source ”, que estabelece padrões para a aquisição e re utilização de softwares pelo setor público privile giando soluções e m software livre e código aberto. A cidade de Roma, em maio de 2004, iniciou a migraç ão de seus 9.500 se rvidores para a plataforma Linux. 11 Fonte: http://www.softw arelivre.citiap.gov.pt/sw_livre _europa/sw_livre_e urop a Em Portugal , e m outubro de 2004 foi baixada a re solução 66/2004, pela qual a Assembléia da Republica recomenda ao governo a tomada de medidas Portugal. com Alé m vistas disso, ao de se nvolvime nto Áustria, Bé lgica, do software Bulgária, livre em Eslováquia, Eslovênia, Irl anda, Noruega, Re ino Unido, Suécia e Suíça também j á contam com ações gove rnamentais na dire ção de se adotar o so ftware livre. Nos Estados Unidos, o gove rno norte -americano te m inc entivado o uso de siste mas base ados em software livre e m diversas instâncias 12. Como e xemplo, as International iniciativas da Deve lopment). USAID O (United Departamento States do Agency Tesouro for norte- americano também tem de senvolvido aplicações críticas em software livre, dentre outros órgãos e agências norte-americanas. Análise do Software Livre a partir do Direito P rivado A pre sente seção tem por objetivo analisar o software livre a partir da perspectiva do dire ito privado brasileiro. Natural mente, não há a intenção de esgotar o assunto, mas sim de prove r subsídios para u ma melhor compreensão do re gime de lice nciamento aplicáve l ao software livre à luz do dire ito brasile iro. Ne sse sentido, pre valece a opção feita ao longo de todo o pre sente trabalho de foco na lice nça GNU GPL. No entanto, os mesmos elementos de análise são també m aplicáve is a outras lice nças consideradas funcionalme nte como “livres”, incluindo as licenças de “código aberto”. 12 http://www.in foworld.com/article/04/03/12/11FEopgov_1.html O pre sente e studo concentra-se especificame nte sobre a versão CCGNU GPL, que nada mais é que a ve rsão GNU GPL traduzida para o português e embalada através do mode lo de lice nciamento chamado Creative Commons. Para todos os fins, não há qualquer dife re nça entre a CC-GNU GPL e a GNU GPL tradic ional. A ve rsão em portuguê s da licença pode se r obtida no site governamental www.softwarelivre .gov.br 13. Todas as refe rências à licença são fe itas com base ne ssa versão . Os termos GNU GPL ou CC-GNU GPL possuem, assim, significado i nte rcambiáve l ao longo do estudo. A licença GNU GPL pode se r classificada como um contrato be néfico, atípico, consensual e unilateral. O caráter conse nsual da licença exprime-se pela desne ce ssidade de requisitos formais ou sole nes para sua ple na validade e eficácia jurídica. A atipicidade da licença, por sua vez, resulta da inexistência de pre visão le gal e xpre ssa quanto ao seu conteúdo e te m sua validade assegurada pelo art. 425 do Código Civil, da seguinte forma: Ar t. 425. “É lícito às par tes es tipular contr atos atípicos, observ adas as nor mas ger ais f ix adas nesse código.” A unilateralidade do contrato constata-se sob a ótica de seus e fe itos, pois gera direitos e obrigações a partir de uma das parte s. O licenciante permite ao licenciado o dire ito de usar, copiar, modi ficar e distribuir o programa, se ndo que o exercício de sse s direitos ge ra-lhe os encargos. Esses encargos, no e ntanto, não de sconfiguram a unilateralidade do contrato. Tais encargos consiste m, por e xemplo, nas 13 A versão integral da licença encontra-se disponível no e ndereço http://www.softw arelivre.gov.br/Lice ncas/LicencaCcGplBr/vie w. obrigaçõe s de licenciar o programa nos me smos termos primíge nos, afixar aviso quanto à licença do programa, e especialme nte sobre a exclusão de garantia, be m como o dever de forne cer ou possibilitar o acesso ao código fonte. Note -se, no entanto, que e stas obrigações não se configuram como contrapartidas para com o licenciante , como se ria típico em um contrato bilate ral, mas se tratam de encargos assumidos e com efe itos para com quaisquer terceiros. Assemelham-se, assi m, aos encargos estabelecidos por uma doação modal , consagrada em nossa doutrina como e xe mplo clássico de contrato bené fico e unilateral. A classificação remanescente da GNU GPL enquanto contrato bené fico (ou contrato de sinte ressado) é a que mais me rece ate nção para os fins do prese nte estudo, pois dela decorrem importantes aspectos interpre tativos, com reflexos para a validade da cláusula de e xclusão de garantia e da assistência técnica. ausência de obrigato riedade de pre stação de Outro aspecto importante da licença GNU GPL é que sua cláusula (2), que consiste na e xigê ncia de que modificações ao programa sejam licenciadas pelo mesmo regime de licenciamento “livre ”, e stabelece uma estipulação e m favo r de terceiros, que será também objeto de análise destacada. Os contratos benéficos (també m chamados gratuitos ou desinteressados) são de finidos da seguinte forma pe la doutrina: - 14 “Contrato gratuito é o ne gócio jurídico e m que uma só das partes obté m um proveito. Via de regra, à vantagem corresponde um sacri fício. Que a vantage m se ja do contraente ou de terceiro, é irrelevante 14.” GOMES, Orlando. Contr atos , 20.ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2000 p. 73. - - “Nos contratos gratu itos, toda a carg a contratual fica por conta de um dos contratantes; o outro só pode aufe rir bene fícios do negócio. Daí a denominação também consagrada de contratos benéf icos 15.” “Diz-se a título gratuito o contrato quando somente uma das partes sofre sacri fício patrimonial, e nquanto a outra ape nas obté m um benefício 16.” “Gratuitos ou be néficos, aque le s dos quais somente uma aufere a vantagem, e a outra suporta, só ela, o encargo. Há quem distinga os contratos g ratu itos propri amente ditos, ou pura liberalidade, dos contratos desinte re ssados, com a observação de que, naqueles, há diminuição patrimonial de uma das parte s em prove ito de outra (como na doação), enquanto que nos outros um dos contratantes presta um serviço ao outro sem nada re ceber em troca da prestação fe ita ou prome tida, po ré m sem empobre cer-se, ou se m sofrer diminuição no se u patrimô nio 17.” Das definições acima, verifica-se que aque le que lice ncia seu programa de computador nos termos da lice nça GPL o faz através da auto rizaç ão da utilização, alte ração ou distribuição do programa por parte de terceiros, em perfe ito arrimo com os princípios da contratação benéfica, ou desintere ssada, como ensina Joserand: “Referindo-se à distinção france sa e ntre os contratos gratuitos e os one rosos, que consideramos inte ressados e desintere ssados, diz que o título gratuito e o título one roso do contrato constituem condições comple xas e re lativas, a um tempo. A prime ira condi ção para que 15 VENOSA, Silvio, Dire ito Civ il Teor ia Geral das Obr ig ações e Teor ia Geral dos Contr ato s. S ão Paulo: Ed. A tlas, 2002. v. 2, 3 a ed., p. 401. 16 RODRIGUES, Silvi o, Dire ito Civ il, v . 3, 30a Ed.2002 Editora Saraiva, São Paulo p. 31. 17 PEREIRA, Caio Mario da Silva, Ins tituições de Dire ito Civ il, v . III, 11 a ed., 2002 Editora Fore nse , p. 65. seja gratuito (de sinte ressado), é que proceda de uma inte nção liberal. A segunda, menos importante, é que essa intenção se efetive, não permanece ndo em estado abstrato ou te órico. Conjugam-se, assim, o c rité rio psicológico e o critério econômico.” 18 A proprie dade intelectual de programa de computador é regida pela Lei 9.609/98, que em seu art. 2 o pre screve que “o re gime de produção intelectual do programa de computador é o conferido às obras lite rárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País”. É impo rtan te ressaltar que onde for omissa a Lei 9.609/98, aplicar-se -á a Lei 9610/98 e por fi m, onde for omissa a legislação autoral , aplicar-se -á o Código Civil. O autor do programa de computador é, assi m, dotado de dive rsas pre rrogativas advindas da lei, como por exemplo, de tentor do direito e xclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra. Depende, assim, de sua e xpre ssa autorização a reprodução, e dição, distribuição e outros usos do software. Ne sse sentido, o licenciamento e fetuado atravé s da G NU GPL nada mais é do que o re gular exercício do dire ito do autor, de finidos, por exemplo, pelo artigo 49 da Le i de Dire itos Autorais. Cumpre ressaltar que a GNU GPL impõe condiçõe s para o e xe rcício dos direitos concedidos. Ne sse sentido, a cláusula (1) da GNU GPL condiciona o exercício dos dire itos atribuídos pela lice nça, como direitos de cópia e alteração , a algumas obrigaçõe s, quais se jam: (a) publicar, de forma ostensiva e adequada, e m cada cópia, um aviso de direitos autorais (ou copyright) apropri ado e uma notificação sobre a exone ração de garantia; (b) manter intactas as informaçõe s, avisos ou notificações 18 Joserand apud BESSONE, Darcy . Do Contr ato . Ri o de Jane iro: Editora Forense, 1960. referentes à licença e à ausência de qualque r garantia; (c) forne ce r a quaisquer outros re ce ptores do programa uma cópia da licença. E assim por diante. É importante ressaltar que estas condições não de svirtuam o caráter de contrato gratuito ou be néfico atribuído à GNU GPL. Isto po rque tratam-se muito mais de condicionantes que re gulam o modo de exercício dos e fetivame nte direitos dire itos conce didos obrigações atribuídos. A atravé s assumidas análise da pe las da lice nça partes doutrina do que recipie nte s dos coaduna-se com e ssa manutenção do caráter benéfico da lic ença: “Não deixa de ser circunstancialmente gratuito impõe o co ntrato deveres à que parte bene ficiada, como o dever do donatário em não incorrer e m ingrati dão” 19 De forma prática, o licenciame nto atravé s da GNU GPL ope ra da seguinte forma: 19 (i) o titular dos dire itos patrimoniais sobre o programa de computador lice ncia e m favor da cole tividade os direitos de copiar, distribuir e modificar o prog rama; (ii) qualquer me mbro da coletividade que optar por e xercer estes direitos, ge ra para si as obrig ações de publicar aviso de direitos autorais e exclusão de garanti a, manter intactos VENOSA, Silvio de Salvo; Dire ito Civ il – Teor ia Ger al das Obr ig ações e Teoria Geral dos Contratos , Vol 2, 3 a e dição, pág 401. avisos anteriores, forne ce r cópias da licença e possibilitar o acesso ao código fo nte do programa; (iii) do ponto de vista do direito subjetivo, qual quer bene ficiário da licença que detectar o não cumprimento dos te rmos da lice nça, inclusive no que tange ao se u dire ito de modificar e distribuir o software, te r ace sso ao código-fonte , aos av isos de direitos autorais e ao conteúdo integral da lice nça, possui a legitimidade para demandar em juízo o cumprimento integral dos te rmos da licença contra o agente re sponsável pelo descumprime nto. Em outras palav ras, o lice nciamento atravé s do modelo GNU GPL produz efe itos erga o mnes: qualquer pe ssoa na socie dade e stá livre para exerce r os dire itos da licença na fo rma como foram atribuídos (suje itando-se também às condições estabelecidas). Ao mesmo tampo, qualquer pessoa te m també m o direito de demandar o cumprimento das obrigações estabelecidas pela lice nça que afe te m de alguma maneira sua fruição. Estipu lação em Favor de Terceiro Uma das cláusulas fundamentais da GNU GPL é a c láusula 2, que estabelece a obrigação de que modificaçõe s subseqüe nte s ao software devem ser mantidas també m sob o regime de licenciamento GNU GPL. Tal cláusula é o pilar que suste nta o caráte r cole tivo e transindividual do software livre. Por sua importância, a me sma é transc rita abaixo na íntegra: 1. “Você poderá modif icar sua cópia o u cópias do Programa ou qualquer par te dele , f ormando, dess a f or ma, uma obr a baseada no Programa, be m co mo copiar e dis tribuir essas modif icações ou obra, de acordo com os ter mos da Cláusula 1 acima, desde que você també m atenda a todas as seguintes condições: a. Você deve f azer com que os arquivos modif icados contenham av isos, e m des taq ue, inf ormando que você modif icou os arquivos, be m co mo a data de qualquer modif icação. b. Você deve f azer com que qualquer obra que você dis tr ib uir ou publicar, que no todo ou e m par te contenha o Progr ama ou seja de le der iv ada, ou der iv ada de qualquer par te dele, se ja licenciad a co mo um todo se m qualquer cus to par a todos ter ce iros nos ter mo s des ta licença. c. Se o programa modificado normalmente lê comandos interativamente quando executado, você deverá fazer com que ele, ao começar a ser executado para esse uso interativo em sua forma mais simples, imprima ou exiba um aviso incluindo o aviso de direitos autorais (ou copyright) apropriado, além de uma notificação de que não há garantia (ou, então, informando que você oferece garantia) e informando que os usuários poderão redistribuir o programa de acordo com essas condições, esclarecendo ao usuário como visualizar uma cópia desta Licença. (Exceção: se o Programa em si for interativo mas não imprimir normalmente avisos como esses, não é obrigatório que a sua obra baseada no Programa imprima um aviso). Essas exigências se aplicam à obra modificada como um todo. Se partes identificáveis dessa obra não forem derivadas do Programa e puderem ser consideradas razoavelmente como obras independentes e separadas por si próprias, nesse caso, esta Licença e seus termos não se aplicarão a essas partes quando você distribui-las como obras separadas. Todavia, quando você distribui-las como parte de um todo que constitui uma obra baseada no Programa, a distribuição deste todo terá de ser realizada em conformidade com esta Licença, cujas permissões para outros licenciados se estenderão à obra por completo e, conseqüentemente, a toda e qualquer parte, independentemente de quem a escreveu. Portanto, esta cláusula não tem a intenção de afirmar direitos ou contestar os seus direitos sobre uma obra escrita inteiramente por você; a intenção é, antes, de exercer o direito de controlar a distribuição de obras derivadas ou obras coletivas baseadas no Programa. Além do mais, a simples agregação de outra obra que não seja baseada no Programa a ele (ou a uma obra baseada no Programa) em um volume de mídia ou meio de armazenamento ou distribuição, não inclui esta outra obra no âmbito desta Licença.” Esta cláusula fun damenta-se no regime jurídico aplicado ao software no país. A cláusul a segunda da Le i 9.609 e stabelece que “o re gime de proteção à propriedade inte le ctual de programa de computado r é o confe rido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vige ntes no País, observado o disposto ne sta Lei”. De sse modo, aplica-se ao software o regime de dire itos exclusivos confe ridos ao autor, elencados exemplificativame nte pela Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610). De aco rdo com o artigo 28 e 29 da re fe rida l ei: Ar t. 28. “Cabe ao au tor o dire ito exclus ivo de utilizar, f ruir e dispor da obra literária, ar tís tica ou científ ica. ” Art. 29. “Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: I - a reprodução parcial ou integral; II - a edição; III - a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações; VI - a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra; IX - a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero; X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.” Deste modo, o autor de um programa de computador possui o direito exclusivo sobre o mesmo, que inclui o dire ito de autorizar ou não a realização de obras derivadas a partir do softw are ori ginário. Nesse sentido, a cláusula 2 da GNU GPL fun ciona como exercício dos direitos exclusivos do autor sobre a obra, no sentido de que ela some nte autoriza te rce iros a utilizare m o programa de computador para a criação de obras derivadas na medida em que os lice nciados concorde m que e ssas mesmas obras de rivadas sejam licenciadas sob o mesmo regime da GNU GPL. O autor que possui a pre rrogativa de autorizar ou não a re alização de obras de rivadas a parti r de sua obra, conse qüenteme nte , possui também a faculdade de estabelece r condicioname ntos para a realização dessas me smas obras de rivadas. Do ponto de vista do direito privado, e ssa condição trata-se da ace itação de uma estipulação em favor de terceiro. A e stipulação em favor de te rce iro encontra-se prescrita no artigo 436 do Códi go Civil, da seguinte forma: Ar t. 436. “O que es tipula e m f avor de terce iro pode ex ig ir o cumpr imento da obr ig ação. Par ágraf o único. Ao terce iro, e m f avor de quem se estipulou a obr ig ação, també m permitido ex ig i-la, f icando, todav ia, suje ito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o es tipulan te não o inov ar nos termos do art. 438. ” A doutrina de fine de se guinte forma a e stipulação e m favor de te rce iro: 20 21 - “Estipulação em favor de te rce iro (“pactu m in f avorem ter tii”) é um contrato estabelecido entre duas pessoas, e m que uma (e stipulante) convenciona com outra ( promitente) certa vantagem patrimonial em proveito de terceiro (beneficiário) alheio à formação do víncul o contratu al 20.” - “Quando falamos em contratos ou e stipulações e m favor de te rceiros, desejamos me ncionar aqu e le s que originalmente não participaram da relação jurídica, mas pode m se r chamados a fazê -lo. A estipulação e m que dois contratantes procuram bene ficiar te rce iros apresenta-se, portanto, como uma exceção ao princípio da relatividade dos contrato s 21.” DINIZ, Maria Helena, Código Civil Anotado, Saraiva, 2004, p. 365. VENOSA, Silvio, Dire ito Civ il Teor ia Geral das Obr ig ações e Teor ia Geral dos Contr ato s. S ão Paulo: Ed. A tlas, 2002. v. 2, 3 a e d, p. 487. - “Por meio de contrato , pode uma das partes assu mir perante outra, que te nha na prome ssa um i ntere sse digno de proteção le gal, a obrigação de efe tuar uma pre stação a favor de te rce iro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contrae nte a que m a promessa é feita 22.” - “A e stipulação em favo r de te rce iro é uma re lação contratual sui generis em que a prestação, e m vez de se r realizada em favo r do próprio estipulante, como geralmente ocorre, é feita em benefício de terceiro. Trata-se , portanto, de uma exceção ao princípio relatividade do contrato , se gundo o qual seus e feitos limitam-se às partes, não beneficiando ou prejudicando te rce iros 23.” - “A e stipulação em favo r de terceiro é, realmente, o contrato por via do qual uma das parte s se obriga a atribuir vantagem patrimonial gratui ta a pessoa e stranha à formação do vínculo contratual 24.” A legitimidade de qualquer me mbro da cole tividade para de mandar em juízo o cumprimento de que alterações subse qüe ntes a um software livre se jam mantidas também em re gime de “livre ” de corre da nature za de estipulação em favo r de terceiro da cl áusula (2) acima transcrita. O contrato em favor de te rceiro possui no mínimo três partes: o e stipulante, o promitente e o beneficiário. O beneficiário é o terceiro que, não obstante não fazer parte da relação contratual original, é afetado po r decorrente ela de daquele alguma contrato. fo rma, O pois pode promitente receber é aquele vantagem que se 22 Código Civil Português, art. 443, apud, VENOSA, op. cit. 23 LOUREIRO, Luis Guilherme Loureiro, Teoria Geral do s Contratos no Novo Código Civil, São. Paulo: Editora Método, 2002 p. 184 24 GOMES, Orlando. Contr atos , 20.ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2000 , p. 165. comprometeu junto ao e stipulante a entre gar a vantage m ao beneficiário. No c aso do software livre , é o beneficiário da licença, aquele que decide exe rcer os dire itos outorgados pelo lice nciante, aceitando suas condiçõe s e obrigando a licenciar ao terce iro qualquer modificaç ão que vier a fazer com base no software livre, E o estipulante é aquele que , como mostra a denominação, e stipulou que a vantagem fosse conce dida ao be neficiário. No caso do s oftware livre, é o lice nciante original do software. Por fim, no caso da GPL, a cole tividade como um todo, num prime iro momento inde te rminada, mas a qual quer momento determinável, é a beneficiária. Por se r be neficiário da relação contratual, não obstante não tenha participado de sua formação , qualque r indivíduo da coletividade te m legitimidade para e xercer o dire ito de ação no caso de descumprime nto dos termos da licença. O contrato e m favor de terceiro é um contrato sui gener is, pois, como visto, relativiza o princípio segundo o qual o contrato só pode surtir e feito entre as partes. No caso do software livre , percebe-se clarame nte que a disposição afeta e inte ressa a toda a sociedade . Não admitida pelo Direito Romano, a e stipulação em favor de terceiro também não foi inicialmente admitida pe lo Código de Napole ão tampouco no Código Civil Itali ano de 1865. A te ndência introduzida pelo direito suíço e germânico, que viam na estipulação em favor de te rce iro uma e xigência imposta pela pe las necessidades práticas e pelo de se nvolvime nto do direito, foi se guida maciçamente por toda doutrina civilista, que manife sta-se cada vez mais no sentido de possibilitar e facilitar e ste tipo de convenção. Segundo come ntadores, a estipulação e m favor de contrato onde há uma declaração acorde do terceiro é um estipulante e do promitente com a finalidade de instituir o iuris v inculum, mas com a peculiaridade de estabelece r obrigação de o deve dor pre star em benefício de uma te rce ira pessoa, a qual, embora não participe do contrato, se torna cre dora do promitente. Em outras pal avras: “Outro aspecto indagação a formul ada conside rar pela reside doutrin a (Colin na et Capitant, Maze aud e t Maze aud, de Page) se é válida a e stipulação em favo r de pe ssoa indeterminada e futura. Pelo nosso dire ito não padece dúvida. Somente a indete rminação absoluta do cre dor invalida o contrato . Se o terceiro é momen taneamente indetermin ado, mas suscetível de identificação (determinável), o ato é válido. O mesmo dirse-á d a futuridade, desde que ligada a fatores positivos de caracterização...(grifo n osso) 25” No mesmo sentido, já é asse ntada a jurisprudê ncia do Superior Tribunal de Justiça, como se vê da se guinte ementa: 25 PEREIRA, Caio Mario da Silva, Ins tituições de Dire ito Civ il, v . III, 11 a e d., 2002 Editora Forense “Nas estipulaçõe s em favor de terceiro, este pode se r pessoa futura e indeterminada, bastando que seja determinável, como no caso do seguro, que se identifica o be neficiário no mome nto do sinistro.” “O terceiro beneficiário, ainda que não tenha feito parte do contrato , te m le gitimidade para ajuizar ação ( ...)” 26 O Código Civil garante ao terceiro, beneficiário da estipulação o direito de exigir o cumpri mento da obrigação, que no caso da GPL abrange não só as obrigações estabelecidas na cláusula (2) acima transcrita, mas também as o brigaçõe s de licenciar a obra derivada nos mesmos termos do licenciame nto da obra orig inal, incluir o aviso de dire ito de autor e de e xclusão de garantia e ofe re cer o código fonte. Sob a ótica da utilização da GPL, o parágrafo único do artigo 436 do Código Civil, acima transcrito, deixa claro que a toda coletividade, de maneira indivisível, é dado exigir o cumprimento das obrigações na lice nça, porqu anto é toda ela be neficiári a do contrato. Nesse se ntido: “Do prisma pu ramente proce ssual, José Carlos Barbosa Moreira cunhou uma fórmula muito interessante para caracte rizar o c onteúdo da indivisibilidade. 26 Ensinou que indivisível é o Resp 401718 / PR, Quarta Tu rma do Supe rior Tribu nal de Justiça, Re l. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, publicado no DJ em 24.03.2003, p.228. No mesmo se ntido, confira-se Re sp 257880 / RJ, publicado no DJ em 07.10.2002. interesse que resulta para os interessados numa situação absolutame nte idêntica e indissociável: a defesa da possível) parcela implicaria de um deles (se simultaneamente fosse na de todos; a transgressão da parce la de um dos interessados (ou o resultado negativo de uma demanda como – de pe nde ndo analisarei da fundamentação, adiante) implicaria na transg ressão de todos. 27” Ponte s de Miranda, em seu livro “Fontes e Evolução do Direito Civil Brasileiro”, atesta a absoluta juridici dade da e stipulação e m favor de terceiro, be m como a induvidosa prerrogativa do terceiro, beneficiário, de e xigir o cumpri mento da obrigação. Mari a Helena Diniz, Wahsington de Barros Monteiro e Orlando Gome s corroboram de ste mesmo entendimento, confira-se: “O promitente se obriga a beneficiar o terceiro, mas ne m po r i sso se de sobriga ante o e stipulante , visto que te m o dire ito de e xigir o cumprime nto da o brigação. Na fase da exe cução contratual , pode ndo o exigir terceiro o passa cumprimento a ser da credor, prestação prometida, de sde que se suje ite às condições e normas do contrato por e le ace ito, e nquanto o 27 VIGLIAR, José Marcelo Mene zes; Tutela Jurisdicional Coletiva, Ed. Atlas, 3ª ed., 2001, p. 69 estipulante não o inovar nos termos do art 438.” 28 “O que estipula em favo r de terceiro pode exigir o cumprime nto da obrigaç ão. Ao terceiro e m favor de quem se estipulou a obrigação, també m é permitido exigi-la, ficando, todavi a, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir e o e stipulante não o inovar” “Vê-se , portanto, que a exigibilidade pe rte nce tanto ao e stipulante como ao beneficiário; n a estipulação reclamar em o favor de cumprimento te rce iro da a ação obrigação de se transfere ao be ne ficiário, se m aliás pe rdê-la o próprio e stipulante.” “Conse guintemente, n ão só o e stipulante que tem direito de ação cumprime nto intentá-la o da para co mpelir prestação; beneficiário , para o també m ao pode con stranger promitente a satisfaze r a obrigação” 28 de vedor o 29 DINIZ, Maria Helena, Código Civil Anotado, 10a. Edi ção re vista e atualizada de acordo com o novo código civil 29 MONTEIRO , Washington de Barros, Curso de Direito Civil – Direito das Obrigações, 2a. Parte , 33a. Edição “A e stipulação em favo r de terceiro é, realmente, o contrato po r via do qual uma das parte s se obriga a atribui r vantage m patri monial gratuita a pessoa e stranha à formação do vínculo contratual” “Para estipulação em favor de terceiro é ne ce ssário que o contrato resulte, para este, uma atribuição patrimonial gratuita. O benefício há de ser recebido sem contraprestação e representar vantagem susce tíve l de apreciação pecuniária. A g ratuidade do prove ito do proveito é esse ncial, não vale ndo a e stipulação que imponha contrapre stação .” 30 Assim se ndo, algu ns eleme ntos da GNU GPL são re ssaltados: (i) (ii) (iii) trata-se de um contrato benéfico com estipulações em favor de te rce iro; o te rce iro, beneficiário, é a coletividade, que a qu alque r momento pode ser determinada em u m ou vários indivíduos qualquer membro da coletividade é parte legítima para propor ação visando s anar e ve ntual de scumprime nto dos te rmos da GPL, bem como o próprio lice nciante/estipulante (Art. 436 do Código Civil). A GPL é um mode lo contratual e m que demonstra n a prátic a, por e xemplo, ace pçõe s do princípio da função social do contrato . Trata-se de modelo contratual que te m por obje to de regulação direitos que transcendem 30 o intere sse das partes e caracterizam-se como de GOMES, Orlando. Contr atos , 20.ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2000 interesse transindividual. Trata-se da materializaç ão prática de princípios antes re le gados à e spe culação te órica, to rnada possível graças ao avanço da tecnologia digital e da Inte rne t, com impacto para o desenvolvimento econômico, cultural e social. Nesse se ntido, trata-se de um modelo contratual que de nenhuma forma one ra a sociedade , mas por outro lado impulsiona diretame nte seu desenvolvimento. Pe rce ba-se que seu principal mote é traduzir em termos jurídicos a própri a natureza dos bens imateriais, que possuem o caráter de não-e xclusividade e não compe titividade 31. A GNU GPL expressa, ne sse sentido jurídico, a nature za intrínseca dos bens intelectuais. Validade das cláusulas de exclusão de garantias e das cláusulas de exclusão de responsabilidade Como visto acima, considerando que “a liberdade de contratar será exercida e m razão e nos limite s da função social do contrato (Art. 421 do Código Civil)”, a GNU GPL e xe rce uma função social positiva e importante, sendo imperativo que se considere e ssa função na e xege se de se us termos, efeitos e pre ssupostos. 31 Como v i st o ant er ior m ent e, p or nã o c o m pet it iv os e nt e nd e -s e que a ut i liz a çã o d o be m p o r u ma pe s s oa nã o e x cl ui q u e o ut r as p e ss o as ut ili ze m -s e ig ua lm ent e de le. E p or n ã o- e x cl u siv os ent en d e- s e q u e, u m a v ez q u e o b em t enh a si d o pr o d uzi d o, é m uit o d if í cil, s en ã o i m p o ss ív el, e x cl uir al g u m a p es s o a d e t er ac e ss o a o b e m. Tr at a - se d o c as o da il u mi na ç ã o p ú bl ic a, d a s f or ça s ar m a d as, d e u m f ar o l m ar ít im o o u d as i dé ia s e be ns c ult ur ai s. Nesse contexto, a GNU GPL configura-se como um contrato be né fico em nada se aproximando do conceito de contrato por adesão. Aliás, a disparidade de posições entre as parte s, que caracteriza a hipossuficiência de uma delas, não se faz pre sente no lice nciamento de um software pela GNU GPL. Ao contrário, por se caracte rizar como contrato bené fico, a GNU GPL encontra-se re gida pe lo e statuído no artigo 392 do Códi go Civil, transc rito abaixo: Art. 392. “Nos contratos bené ficos, re sponde por simple s culpa o contratante, a quem o contrato apro veite , e por dolo aquele a que m não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das parte s por culpa, salvo as exce ções previstas e m lei.” No comentário da doutrina: “(...)a proteção outorgada ao contratante que rece be a título gratuito é me nos importante que a conferida a que m obté m a título oneroso. Pois aqui incide a regra se gundo a qual, have ndo de escolher asse gurar entre um o interesse l ucro (qui de que m cer tat procura de lucro captando) e o de quem busca evita um prejuízo (qui certat de damno v itando), é o interesse deste último que o legislador prefere.” “A responsabilidade pelo ilícito, nos contratos gratuitos, deve ser apreciada com maior indulgência, só a determinando, em regra, se se caracte rizar o dolo do autor da libe rali dade 32.” As cláusulas de e xone ração de garantia e de exclusão de responsabilidade insere m-se ne sse contexto. A não ser em caso de comprovação de dolo, que jamais pode se r afastado contratu almente, a responsabilidade daquele que disponibiliza programa de computador sob uma lice nça GNU GPL é limitada de acordo com os te rmos da licença, conforme suas cláusula de e xclusão de garantia e de responsabilidade. A cláusula de e xone ração de responsabilidade , outrossim, é prática comum no direito privado pátrio, me smo e m contratos que não são considerados como bené ficos. Assim come nta a doutrina: “Deve a cláusula de irresponsabilidade ser declarada válida, como contrapes o ao vulto ex cessivo que a vida modern a troux e aos encargos da reparação do dano. É um fator de equilíbrio, corretor da descompensação produzida pela agravação dos ris cos. Também não é válida, se o sacri fício não é compe nsado por vantage m contratu al. O proble ma de sua validade encontra de finição 32 RODRIGUES , Silvio, op.cit. exata nas Re speitada exigências esta, de ve responsabilidade de orde m ser re conhecida contratual pública. e na na e xtracontratual . É inte rdita, po ré m, para o dolo, não para a culpa propri ame nte dita, a falta involuntária, por mais grave que seja, pois a negligê ncia, a incúria e a e stupide z não se equiparam à malig nidade. A culpa g rave não é vício de conse ntime nto”. “Só por sua pruden te admissão se possibilitará o desenvolvimen to de numerosas ativid ades ameaçadas descalabro, sob o de paralisação peso de ou encargos concernentes à obrigação de reparar 33” Conforme visto acima, a GNU GPL é parte de um fe nômeno social que se constituiu em torno do software livre. A validade das cláusulas de exoneração de importantes garantia para o e de desempenho responsabilidade da função são de sse eleme ntos mode lo de lice nciamento. Especialmente por se tratar de modelo de licenciamento que afeta a sociedade como um todo, a pré-condição para sua viabilidade é que tais cláusulas sejam válidas e eficazes. A GNU GPL surge também como fenômeno econômico, em que os modos de produção e criação intele ctual tornam-se include nte s e colaborativos. Não se trata de uma re lação consumerista, e m que existe um fornecedor e um consumidor, cada um com papéis jurídicos 33 GOMES, Luiz Roldão de Freitas; Elementos de Responsabilidade Civil. Re novar, 2000, p. 180-181 distintos. No software livre, as figuras do consumidor e do fornece dor são mescladas. O c onsumidor de hoje é pote ncialmente o fornece dor de amanhã. Qualquer pessoa que utiliza um software livre te m a capacidade de entender como ele funciona e participar ativame nte nos seus dese nvolvimentos futuros. Pode, assim, distribuir cópias subseqüe nte s do software , ape rfeiçoado, tornando-se mais um elo da cade ia de de senvolvimento do programa. Esse mode lo dife rencia-se e transcende qualqu er análise consumerista. A relação de consumo, nas palavras de José Geraldo Brito Filomeno “pressupõe alcance da do is pólos de in teresse : o consumido – f ornecedor 34”. O GPL, como já de monstrado, é sócial, erga o mnes, colaborativo e recursivo, pois e nvolve inte resses de toda a coletividade, não se reduzindo a uma relação bipol ar. Por essa razão não há o que se falar na aplicação do Código de De fesa do Consumidor sobre um licenciamento GNU GPL. O Código poderá ser aplicado, sim, à toda cadeia produtiva e de serviços constituída a partir do so ftware livre. Essa cadeia compreende inúmeros prestado res de serviço ao consumidor final, distribuidores de software livre, consultores, vendedores e outros agentes. Entretanto, essas atividades não se confunde m com o processo de licenciamento do software livre. Sobre ele , não há incidê ncia do Código de Defesa do Consumidor. Várias são as razõe s (i) ausência das figuras de consumidor e/ou fornecedor; (ii) a nature za bené fica do contrato ; (iii) alcance erga o mnes dos efeitos da licença, fugindo à caracte rísti ca bipolar dos contratos consumeristas; (iv) intere sse difuso originado do contrato de lice nciamento, 34 que inclusive legitima terceiros para demandar o Código de De fe sa do Consumidor Come ntado Pe los Autore s do Anteprojeto, 7 a edição, pág 43. cumprimento dos termos da GPL e (v) caráter transindividual das relações constituídas pela lice nça. No mesmo sentido, manifestaram-se com muita proprie dade os professore s Augusto Tavare s Rosa Marcacini e Marcos da Costa: “Todavia, em nosso entender, é difícil caracterizar a relação jurídica estabelecida nos termos da GPL como uma relação de consumo e, portanto, sujeita à aplicação destas normas. Destaquese, aqui, como já o fizemos anteriormente, que o presente estudo se restringe a analisar a GPL e não todos os demais negócios jurídicos, gratuitos ou onerosos, que tenham por objeto produtos ou serviços relacionados com um software livre. Eventualmente, alguns desses negócios outros podem apresentar características que o agasalhem sob o manto da legislação consumerista. Entretanto, nenhum destes contratos onerosos pode ter objeto que se confunda com o da GPL, senão por infração aos seus termos; afinal, qualquer relação jurídica envolvendo o uso, cópia, modificação e distribuição do software não poderia ser estabelecido de outra maneira, a não ser pela própria GPL, que não define pagamento de contraprestação para se praticar estes atos. A relação de consumo forma-se entre sujeitos definidos como fornecedor e consumidor, e tem por objeto produtos ou serviços que este adquire daquele. Embora a Lei nº 8.078/90 traga, em seus artigos 2º e 3º, a definição destes elementos, tais conceitos ainda estão distantes de um entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, não faltando exemplos concretos de situações polêmicas acerca de uma ou outra destas conceituações. O mesmo se diga, então, do conceito de relação de consumo. Some-se a esta polêmica o fato de que estamos tratando de uma situação muitíssimo nova e inusitada, em que um bem que já é bastante peculiar, como acima já dissemos ser o software, ainda está sendo produzido em comunidades abertas, por trabalho voluntário, e distribuído livremente juntamente com seu códigofonte. O modelo de relação jurídica estabelecido pela GPL é algo de tal forma peculiar, que dificilmente poderia ser comparável a uma relação de consumo. O que ocorre aqui é simplesmente o seguinte: uma comunidade de pessoas que jamais se viram, espalhadas pelo mundo afora, produziu uma criação e a deram ao conhecimento público como quem dissesse: “criei isso; use-o se quiser; use-o como quiser; melhore minha criação, se puder”. Trata-se, assim, de uma relação franca e aberta de compartilhamento de informações, de colaboração e cooperação, que jamais se poderá compreender como uma relação de consumo. Ao entender como e porque tais comunidades se organizam e desenvolvem este trabalho gratuito, fica claro que estamos diante de uma nova forma de organização e relacionamento social que não pode ser reduzida a uma relação de consumo entre consumidores e fornecedores.”35 Pensar de forma diferente significa negar validade e inviabilizar um modelo de produção que se tornou não só e ficie nte do ponto de vista econômico, como abriu caminhos para promissore s mode los de organizaç ão produtiva iné ditos historicame nte . 35 MARCACINI, Augusto Tav are s Rosa e Marcos da Costa, Prime iras Linhas Sobre Sof tware Livre, setembro de 2003. disponível em http://www.marcosdacosta.adv.br/do cume nto.asp?ID_Docume nto=467 (último acesso: 3 de março de 2005)