MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Procuradoria da República no Estado do Maranhão
Exmo. Sr. Juiz Federal da
Vara - Seção Judiciária do Maranhão
Ref.: PA. nº 1.19.000.001143/2007-96
2007.37.00.008263-8
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, no exercício de
suas atribuições institucionais, pelo Procurador da República signatário, com
fundamento nos arts. 127, caput e 129, inc. III da Constituição Federal; nos
arts. 5º, inc. I, alínea "h"; e II, alínea "d"; e 6º, inc. VII, alíneas "a" e "d", da LC
n.º 75/93; e nos arts. 1º, inc. IV, 5º e 12 da Lei n.º 7.347/85, vem promover
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
com pedido de liminar
em face da
UNIÃO,
pessoa
jurídica
de
Direito
Público
Interno,
representada neste Estado pelo Sr. Procurador-Chefe, com
endereço no edifício sede dos Órgãos Fazendários, 8º andar,
Setor “D”, Rua Oswaldo Cruz, 1618, nesta cidade, e
CONAB, Empresa Pública Federal, pessoa jurídica de Direito
Privado,
vinculada
constituída
ao
nos
Ministério
termos
da
da
Lei
Agricultura,
nº
8.020/90,
Pecuária
e
Abastecimento, representada pelo Superintendente Regional
no Maranhão, Sra. Margareth de Cássia Oliveira Aquino, com
endereço na Av. Jeronimo de Albuquerque, n° 6 Ed. Nena
Cardoso, Vinhais, nesta Capital;
1
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pelos motivos de fato e de direito adiante expostos.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS (O objeto da ação)
O Ministério Público Federal pretende com a presente ação
civil pública obter provimento jurisdicional anulatório de atos administrativos
ilegais promovidos pela UNIÃO e CONAB que resultaram no desvirtuamento do
Programa de Aquisição de Alimentos - PAA, nas modalidades Compra Antecipada
da Agricultura Familiar – CAAF e Compra Antecipada Especial da Agricultura
Familiar - CAEAF, instituídas pelo Governo Federal para atender à população em
situação de insegurança alimentar e nutricional e promover a inclusão social no
campo por meio do fortalecimento da agricultura familiar.
Demonstrar-se-á
que
os
recursos
orçamentários
do
Programa, que são voltados primordialmente para a aquisição de alimentos,
estão sendo ilegalmente utilizados na criação de um sistema paralelo de crédito e
financiamento da agricultura familiar, sem que sejam tomadas as cautelas legais
para tal modalidade de operação financeira.
O
Ministério
Público
Federal
pretende,
ainda,
obter
provimento jurisdicional voltado para a defesa do patrimônio público, com a
imposição à UNIÃO e à CONAB de medidas que lhes obriguem a implementar
mecanismos de fiscalização e controle do PAA, como forma de tornar concreto o
princípio constitucional da eficiência no serviço público.
02. DOS FATOS
2.1. Do Programa de Aquisição de Alimentos
O Governo Federal, por meio de um dispositivo inserido na
Lei nº. 10.696, de 2 de julho de 2003, que dispõe sobre a repactuação e o
2
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alongamento de dívidas oriundas de operações de crédito rural, criou o
Programa de Aquisição de Alimentos “com a finalidade de incentivar a
agricultura familiar, compreendendo ações vinculadas à distribuição de produtos
agropecuários para pessoas em situação de insegurança alimentar e à formação
de estoques estratégicos“ (art. 19).
Segundo
informações
da
página
do
Ministério
do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, na rede mundial de computadores,
trata-se de um instrumento de política pública vinculado às ações do Fome Zero,
“cujo objetivo é garantir o acesso aos alimentos em quantidade, qualidade e
regularidade necessárias às populações em situação de insegurança alimentar
e nutricional e promover a inclusão social no campo por meio do fortalecimento
da agricultura familiar” (grifamos).
Com efeito, a
Lei nº. 10.696, de 2 de julho de 2003
estabeleceu:
Art. 19. Fica instituído o Programa de Aquisição de
Alimentos com a finalidade de incentivar a agricultura
familiar, compreendendo ações vinculadas à distribuição de
produtos agropecuários para pessoas em situação de
insegurança alimentar e à formação de estoques
estratégicos.
§ 1o Os recursos arrecadados com a venda de
estoques estratégicos formados nos termos deste
artigo serão destinados integralmente às ações de
combate à fome e à promoção da segurança
alimentar.
§ 2o O Programa de que trata o caput será destinado
à aquisição de produtos agropecuários produzidos por
agricultores familiares que se enquadrem no
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar – PRONAF, ficando dispensada a licitação para
essa aquisição desde que os preços não sejam superiores
aos praticados nos mercados regionais.
§ 3o O Poder Executivo constituirá Grupo Gestor, formado
por representantes dos Ministérios do Desenvolvimento
Agrário; da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; da
3
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Fazenda; do Planejamento, Orçamento e Gestão; e do
Gabinete do Ministro Extraordinário de Segurança Alimentar
e Combate à Fome, para a operacionalização do Programa
de que trata o caput.
§ 4o A aquisição de produtos na forma do caput somente
poderá ser feita nos limites das disponibilidades
orçamentárias e financeiras.
- grifamos Percebe-se que o Programa associa à política pública de
promoção da segurança alimentar a intervenção do Estado no processo de
comercialização de produtos agrícolas, visando a garantir o escoamento da
pequena produção familiar que, nos termos e condições da lei, passa a destinarse às ações do programa Fome Zero.
Os recursos destinados ao Programa têm sua origem no
Fundo
de
Combate
e
Erradicação
da
Pobreza,
regulamentado
pela
Lei
Complementar nº 111, de 2001, sendo destinados à aquisição de produtos
agropecuários produzidos por agricultores familiares enquadrados no Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar-PRONAF
Não se trata, é preciso dizer, de um programa de crédito
rural, pelo menos em sua concepção legal, posto que voltado não ao
financiamento da agricultura familiar, – para a qual já existem programas
específicos –, mas à aquisição de produtos alimentícios produzidos nos núcleos
familiares de pequenos agricultores.
O “espírito” do Programa em discussão foi bem delineado
pela Superintendente Regional no Maranhão da CONAB, Sra. Margareth de
Cássia Oliveira Aquino, em informações prestadas ao Ministério Público Federal
(fl. 66):
“O Programa de Aquisição de Alimentos - PAA - é um
instrumento estruturação do desenvolvimento da agricultura
4
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familiar, acionado após a etapa final do processo
produtivo no momento da comercialização, quando o
esforço do pequeno produtor precisa ser recompensado com
recursos que remunerem o investimento e a mão-de-obra e
lhe permita reinvestir e custear as despesas de
sobrevivência de sua família. Considerado como uma das
principais ações estruturais do Programa Fome Zero, o PAA
constitui-se
em
mecanismo
complementar
ao
Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf).
Sua operacionalização é simples, pois a compra é feita
diretamente pela Conab sem intermediários ou licitações, e
com preço recompensador. Em uma de suas modalidades os
alimentos adquiridos são destinados de imediato a
programas sociais da região, com o que se movimenta a
economia local a um custo menor, porque se evitam os
"passeios" desnecessários.
Historicamente
ausente
das
políticas
públicas,
a
comercialização da produção agrícola familiar sempre gerou
frustração e desestímulo para os pequenos agricultores,
entregues invariavelmente, a intermediários que, quando
adquiriam suas colheitas, o faziam por preço vil.
A criação do PAA por instrumento legal (Lei n° 10696, de 2
de julho de 2003) representou um marco na política agrícola
brasileira. Sua implementação revela, de forma inédita
a presença do Estado na comercialização da pequena
produção familiar. Ao assegurar aos pequenos
agricultores a aquisição de seus produtos, o governo
lhes transmite segurança e, como os preços são
remuneradores, eles se sentem incentivados a
produzir mais e melhor. Com isto - e em articulação com
outras ações - eleva-se significativamente o padrão de vida
do agricultor e de sua família e promove-se o
desenvolvimento sustentável nas áreas menos assistidas do
meio rural.”
- grifamos Assim previsto em lei, é evidente que o Programa de
Aquisição de Alimento – PAA necessitava de regulamentação, que veio com a
edição do Decreto no 4.772, de 2 de julho de 2003, posteriormente substituído
pelo Decreto nº 5.873, de 15 de agosto de 2006, o qual estabelece, em síntese:
Art. 3o O Grupo Gestor de que trata este Decreto definirá:
I - as modalidades e a sistemática de aquisição dos
produtos agropecuários, cuja definição dos preços citados
no § 2o do art. 19 da Lei no 10.696, de 2003, deverá
5
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considerar as diferenças regionais e a realidade da
agricultura familiar;
(...)
III - as condições de doação dos produtos adquiridos a
beneficiários enquadráveis no art. 3o da Lei
Complementar no 111, de 6 de julho de 2001, ou no
Programa Nacional de Acesso à Alimentação, previsto
na Lei no 10.689, de 13 de junho de 2003;
(...)
§ 2o Os valores provenientes da venda de produtos
agropecuários adquiridos com recursos do Fundo de
Combate e Erradicação da Pobreza de que trata a Lei
Complementar no 111, de 2001, serão integralmente a ele
destinados.
§ 3o
Aplica-se à aquisição de alimentos prevista
neste Decreto as disposições estabelecidas no
Programa de Garantia da Atividade Agropecuária PROAGRO, para o Programa de Fortalecimento da
Agricultura Familiar - PRONAF, ou outra modalidade
de seguro, que deverá cobrir cem por cento do valor
da produção objeto da operação.
O
Decreto nº 5.873/2006 autoriza que a produção de
alimentos voltada para o PAA seja coberta pelo PROAGRO ou outra modalidade
de seguro, o que não significa, consoante será visto, autorização para o uso dos
recursos orçamentários do programa para suplementar o financiamento da
agricultura familiar (PROAGRO).
Segundo se depreende do artigo explicativo produzido pelo
servidor da CONAB, Eduardo Safons Soares (fls. ), “o PAA conta com seis
diferentes mecanismos: dois operados pelo MDS, por meio de convênios com
governos estaduais ou com o poder público municipal – Compra Direta Local da
Agricultura Familiar (CDLAF) e Incentivo à Produção e ao Consumo do Leite
(IPCL); quatro pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) - Contrato
de Garantia de Compra (CGCAF); Compra Direta (CDAF); Compra Antecipada
da Agricultura Familiar (CAAF) e Compra Antecipada Especial da
Agricultura Familiar (CAEAF)”.
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Interessa-nos no presente caso a CAAF e a CAEAF.
A Compra Antecipada da Agricultura Familiar - CAAF e
a Compra Antecipada Especial da Agricultura Familiar – CAEAF são submodalidades
do
procedimento
de
compra
para
doação
simultânea,
operacionalizada pela CONAB, que se destina a “promover a articulação entre a
produção de agricultores familiares e as demandas locais de suplementação
alimentar e nutricional de escolas, creches, abrigos, albergues, asilos, hospitais
públicos e outros, e dos programas sociais da localidade, tais como bancos
de alimentos, restaurantes populares e cozinhas comunitárias, resultando no
desenvolvimento da economia local, no fortalecimento da agricultura familiar e
na geração de trabalho e renda no campo” 1.
Segundo informações do Ministério de Desenvolvimento
Social e Combate à Fome, os beneficiários consumidores do Programa “são
entidades integrantes da rede sócio-assistencial fornecedoras de refeições e
entidades cadastradas nos Bancos de Alimentos que atendam a famílias ou
indivíduos que estejam em situação de vulnerabilidade social e/ou em estado de
insegurança alimentar e nutricional; pessoas atendidas por programas sociais
tais como, restaurantes populares e cozinhas comunitárias; crianças de escolas
públicas; creches; abrigos; albergues; hospitais públicos e outros”, enquanto os
beneficiários produtores do Programa “são agricultores familiares, inclusive
agroextrativistas, quilombolas, famílias atingidas por barragens, trabalhadores
rurais sem terra acampados (definidos de acordo com a Portaria MDA nº. 111,
de 20/11/03), comunidades indígenas e ribeirinhos, que se enquadrem nos
grupos “A”, “B”, “C” ou “D” do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar – PRONAF, que apresentem a Declaração de Aptidão ao
PRONAF
(DAP/DAPAA)
e
estejam,
preferencialmente,
organizados
em
cooperativas, associações ou grupos informais“.
1
(http://www.mds.gov.br/programas/seguranca-alimentar-e-nutricionalsan/programade-aquisicao-de-alimentos-paa/modalidades,acesso em 19/09/2007).
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Entretanto, tendo em vista a configuração da CAAF-CAEAF,
desvirtuada que foi pelo Grupo Gestor do Programa de Aquisição de Alimentos,
aquilo que a Lei nº. 10.696/2003 determinou fosse um PROGRAMA DE
AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS, voltado para as populações em situação de
insegurança
SISTEMA
alimentar
DE
e
nutricional,
CRÉDITO
E
foi
ilegalmente
FINANCIAMENTO
transformado
COMPLEMENTAR
num
DA
AGRICULTURA FAMILIAR, posto em prática à margem da autorização
legislativa do Congresso Nacional e, aparentemente, sem os critérios para
concessão de créditos para a agricultura familiar impostos pelo Banco Central do
Brasil, notadamente no que é pertinente às garantias para a operação da
chamada “compra antecipada”.
A transformação do Programa de Aquisição de Alimentos
num sistema de financiamento à agricultura familiar, sob o artifício da compra
antecipada, com a formação de um micro-mercado regional futuro, que está a
desafiar análise econômica, decorreu, sic et simpliciter, de Resolução editada
pelo Grupo Gestor do Programa de Aquisição de Alimentos. Eis o teor do ato
normativo:
RESOLUÇÃO Nº 02/2003
Dispõe sobre o procedimento de compra antecipada do
Programa de Aquisição de Alimentos de que trata o artigo 19
da Lei nº 10.696, de 02 de julho de 2003.
O GRUPO GESTOR DO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE
ALIMENTOS, no uso de suas atribuições que lhe confere o
artigo art. 19, § 3º da Lei 10.696, de 02 de julho de 2003,
para efetivo exercício das responsabilidades que lhes são
atribuídas pelo artigo 3º do Decreto 4.772, de 02 de julho
de 2003 e Portaria 111, de 7 de julho de 2003, do Gabinete
do Ministro Extraordinário de Segurança Alimentar e
Combate à Fome, e considerando a necessidade de se
estabelecerem as condições, os critérios e as diretrizes
gerais para a compra antecipada dos produtos do Programa
de Aquisição de Alimentos,
8
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RESOLVE:
Art. 1º A Companhia Nacional de Abastecimento
(Conab) será responsável pela aquisição, antecipada,
da produção agrícola, a ser feita diretamente aos
produtores familiares ou por intermédio de suas
cooperativas, associações ou grupos informais, devendo
seguir os critérios e condições estabelecidos nesta
Resolução.
Art. 2º Para a compra dos produtos, oriundos da agricultura
familiar, serão adotados os seguintes procedimentos:
a) a compra será realizada por meio da aquisição de
Cédula do Produtor Rural - CPR, denominada para esse
fim de CPR-Alimento, ou outra modalidade de compra
antecipada e
b) o valor da aquisição não poderá exceder o limite de R$
2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) por família.
Art. 3º O produtor que tenha interesse em realizar a
venda antecipada dos produtos, além de preencher os
requisitos legais exigidos pelo Programa, deverá:
a) não ter tido acesso a crédito rural de custeio com
recursos controlados na safra vigente e
b) Possuir cobertura total do seguro rural ou do Proagro,
para o seu empreendimento, promovendo sua adesão
àquele programa na forma regulamentar.
Art. 4º A presente Resolução, entra em vigor na data de sua
publicação.
Brasília, 06 de novembro de 2003 2
A Resolução traduz claramente o propósito de desviar
recursos do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, regulamentado pela Lei
Complementar nº 111, de 2001, vinculados ao Programa Fome Zero, para o
financiamento da agricultura familiar. Estão presentes na hipótese todos os
elementos que caracterizam uma operação de crédito rural:
a) oferecimento de crédito para o pequeno produtor, até o limite (atual) pessoal
de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais);
2 Com a Resolução nº 04/2003 o art. 3º da Resolução nº 02 foi modificado: “Art. 3º O
produtor que tenha interesse em realizar a venda antecipada dos produtos, além de
preencher os requisitos legais exigidos pelo Programa, deverá: a) comprovar que não
obteve crédito rural de custeio com recursos controlados na safra vigente e b) aderir
ao Proagro ou a outra modalidade de seguro rural que ampare a produção a vincular,
por valor, no mínimo, igual ao da compra antecipada proposta.”
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b) emissão de um título de crédito à ordem, líqüido e certo, que muito embora
tenha sido erroneamente denominado Cédula do Produtor Rural – CPR, é na
verdade a Cédula de Produto Rural – CPR, regulamentada pela Lei nº 8.929,
de 22 de agosto de 1994 3;
c) vedação de acesso a outra linha de crédito;
d) cobertura de seguro rural para o empreendimento.
A operacionalização desse sistema foi regulamentada pela
CONAB que, à guisa de agente financeiro, editou o COMUNICADO CONAB/MOC
Nº 009, DE 02/05/2005.
Esse mecanismo de crédito, que é manifestamente ilegal e
danoso, por implicar desvio de recursos orçamentários do Programa Fome Zero,
tem apresentado resultados aparentemente desastrosos, mormente porque
operacionalizado por um Órgão Público que, fazendo as vezes de agente
financeiro, não está preparado tecnicamente para este tipo de operação.
Além
de
propiciar
fraudes
ao
programa,
que
serão
detalhadas no item seguinte, a falta de controle no fornecimento de crédito
levou, ao que tudo indica, a um alto grau de inadimplência logo em seus
primeiros exercícios financeiros (2003 e 2004).
Daí porque o Governo Federal fez inserir na Lei 11.322, de
13 de julho de 2006, que dispõe sobre a renegociação de dívidas oriundas de
operações de crédito rural contratadas na área de atuação da Agência de
3 O Superior Tribunal de Justiça entende que “as Cédulas de Produto Rural têm a
mesma natureza das Cédulas de Crédito Rural, seja nas suas características de títulos
líquidos, certos e exigíveis, seja quanto às suas garantias e a obrigatoriedade da
inscrição no Cartório de Registro de Imóveis para ter eficácia contra terceiros. Impende
enxergar-lhes, outrossim, a sua finalidade primeira, que é o incentivo à atividade rural,
pondo à disposição do homem do campo, cada vez mais privado do acesso a recursos
sobre os quais não incidam encargos extorsivos, um instrumento rápido e eficaz de
fomento ao plantio, garantido pela própria safra”. (RMS 10.272/RS, Rel. Ministro CESAR
ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 28.06.2001, DJ 15.10.2001 p. 264)
10
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Desenvolvimento do Nordeste – ADENE, dispositivo que amplia para 04 (quatro)
anos o prazo para a quitação das “compras antecipadas” não adimplidas.
É o que se depreende da Lei 11.420, de 20 de dezembro de
2006:
Art. 15-B. Fica a União autorizada a aditar as Cédulas de
Produto Rural – CPR, realizadas entre 2003 e 2004, no
âmbito do Programa de Aquisição de Alimentos, sendo
permitida a individualização das referidas cédulas efetuadas
com aval solidário e a ampliação do prazo em até 4
(quatro) anos para a sua quitação, contados a partir
da data de publicação desta Lei. (Incluído dada pela Lei
nº 11.420, de 2006).
Parágrafo único. O Comitê Gestor do Programa de
Aquisição de Alimentos, estabelecido na forma do § 3 o do
art. 19 da Lei no 10.696, de 2 de julho de 2003, fica
autorizado a definir as demais condições para a efetivação
dessa medida. (Incluído dada pela Lei nº 11.420, de 2006).
- grifamos Em vista desse fato, a CONAB publicou o COMUNICADO
CONAB/MOC N.º 011, DE 30/04/2007, do qual se destacam os seguintes itens:
5) PRAZO: os agricultores terão até o dia 28 de setembro de
2007, para solicitar à Conab o aditamento da CPR
contratada, exceto no caso previsto no item 8 deste
normativo, em que os agricultores terão prazo de até 60
dias, após a data da comunicação do julgamento final da
cobertura pelo Proagro, para solicitar o referido aditamento,
respeitada a data limite (21/12/2010) estabelecida pelo
artigo 15 – B da Lei n.º 11.322/2006.
6) FORMALIZAÇÃO: com base no “ADITAMENTO DE CÉDULA
DE PRODUTO RURAL – CPR”, consoante o Documento 1
deste normativo, sendo um aditivo para cada agricultor
familiar, independentemente de estarem organizados em
grupos formais ou informais.
7) ACOMPANHAMENTO/CONTROLE: a Sureg deverá manter
um arquivo específico para as CPR aditadas e outro para as
não aditadas.
11
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8) COBERTURA DO PROAGRO: exclusivamente para as
operações com CPR Alimento, os agricultores familiares
deverão comprovar que a solicitação de cobertura ao
Proagro foi deferida, para terem o direito ao abatimento do
valor estabelecido como indenização por perdas.
9) VALOR DO ADITIVO: o mesmo valor consignado na CPR,
descontada a eventual indenização deferida pelo Proagro. O
resultado deverá ser atualizado monetariamente, em 2%
a.a. (dois por cento ao ano), de acordo com as situações a
seguir:
a) quando ocorreu pagamento de parcelas: até a(s) data(s)
do(s)
pagamento(s),
deduzido(s)
o(s)
valor(es)
amortizado(s);
b) quando não ocorreu pagamento: até a data da assinatura
do aditivo.
10) GARANTIA: penhor em 1.º (primeiro) grau do produto
vinculado à CPR.
11) VENCIMENTO DO ADITIVO: em até 4 anos, com
vencimento máximo em 21 de dezembro de 2010
(artigo 15 – B da Lei 11.322/2006), para a entrega do
produto
ou
para
o
pagamento
do
valor
correspondente ao aditivo da CPR, em parcelas
anuais, iguais e consecutivas, com o primeiro
pagamento até dezembro de 2007. Poderão ser definidos
prazos e periodicidades de pagamento inferiores, em função
de avaliação da capacidade de pagamento dos agricultores.
12) LIQUIDAÇÃO DO ADITIVO: o pagamento será
individualizado, sendo admitida liquidação antecipada,
podendo o produtor adotar as modalidades a seguir:
a) liquidação física: o pagamento da parcela em produto
deverá ser comunicado formalmente à Superintendência
Regional da Conab, consoante Documento 2 deste
normativo, com antecedência mínima de 30 dias do
vencimento da parcela, a decisão de entregar o produto in
natura ou processado/beneficiado em locais indicados pela
Conab. A não manifestação formal implicará na
obrigatoriedade da liquidação financeira;
b) liquidação física com doação simultânea: para os
grupos formais, cooperativas e associações, será
permitida a liquidação na modalidade CPR – Doação,
devendo ser obedecidas as instruções dos itens 2b, 7b, 7d,
7f, 7h, 9, 15, 16, 17, 18, 19, 21 e 22 do TÍTULO 30 do
MOC;
c) liquidação financeira: o valor da parcela será
acrescido de encargos de 2,0% a.a. (dois por cento ao
12
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ano), calculados da data de assinatura do aditivo até a data
do pagamento;
d) liquidação física e financeira: cada parcela poderá ser
paga parte em produto (liquidação física) e parte em
espécie (liquidação financeira), de acordo com os
procedimentos constantes nos itens 12.a e 12.c, anteriores.
Traduzindo, como não houve a entrega dos produtos para a
parcela da população que se encontrava em situação de
insegurança
alimentar e nutricional , que é a essência do Programa de Aquisição de
Alimentos, a União resolveu diferir o adimplemento das obrigações acordadas no
Programa de Compra Antecipada Especial da Agricultura Familiar (CAEAF).
O que era um programa voltado para a segurança alimentar
transformou-se, ilegalmente, em operação de crédito, com o agravante de que o
adimplemento foi transferido para o exercício de 2011.
2.2. Das fragilidades e fraudes na execução do PAA-CAEAF
Outras irregularidades mais graves ocorreram na execução
da CAEAF.
A aparente incapacidade técnica da CONAB para atuar como
agente financeiro, até porque não é este seu papel, bem como a falta de
eficiência na fiscalização e acompanhamento do Programa de Aquisição de
Alimentos, têm contribuído para que graves fraudes sejam perpetradas em
detrimento da política pública do Fome Zero.
O próprio modelo instituído pelo Grupo Gestor do Programa
de Aquisição de Alimentos é ineficiente e facilita as fraudes. A “compra
antecipada” traduz-se na concessão de crédito, com a transferência a terceiros
(Sindicato de Trabalhadores Rurais ou entidades credenciadas pelo Ministério do
13
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Desenvolvimento
Agrário)
da
competência
para
o
credenciamento
dos
beneficiários fornecedores, sem que a CONAB, que funciona como agência
repassadora dos recursos públicos, tenha qualquer controle prévio sobre o
cadastro e a adequação desses beneficiários às finalidades do programa.
O que se tem observado é a inserção no cadastro de
beneficiário produtor de pessoas que não se adequam às finalidades do
programa, por incapacidade produtiva ou por não estarem inseridas no conceito
de pequeno agricultor familiar.
Não se sabe até que ponto as entidades recebedoras dos
recursos, as quais, nos termos da Resolução nº 02/2003 do Grupo Gestor do
Programa de Aquisição de Alimentos, são cooperativas, associações ou grupos
informais de pequenos agricultores, efetivamente estão preparadas para esse
mister, até porque a própria CONAB reconhece que muitos dos dirigentes dessas
entidades não apresentam “condições intelectuais de exercer a gestão do
programa” (fls. 68).
O mais grave nesse quadro, que revela falta de controle e
gestão da eficiência do PAA-CAAF-CAEAF,
é que os alimentos não chegam de
forma adequada aos beneficiários consumidores.
Um exemplo desse quadro caótico chegou ao conhecimento
do Ministério Público por iniciativa da CONAB, através do Ofício SUREG/MA nº
1483/2007, de 16 de agosto, do qual se destaca o seguinte trecho:
A COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO (...)
vem informar-lhe a Presidência da CONAB recebeu
correspondência
subscrita
por
vereadores
do
Município de Jenipapo dos Vieiras/MA, na qual foram
apresentadas uma série de denúncias sobre o Projeto CAEAF
executado pela CONAB naquele Município.
14
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Tais irregularidades já haviam sido constatadas
através de vistoria realizada pelos técnicos desta
regional, dentre as quais destaca-se: - a não
existência das plantações; a não caracterização dos
fornecedores como pequenos produtores rurais, a
aquisição dos produtos pelos fornecedores junto a
supermercados e o não recebimento dos produtos
pelas escolas indígenas.
(...) o Presidente da Associação proponente Sr. Antônio
Pinheiro Araújo, compareceu no dia 24 de julho de 2007 a
sede desta SUREG/MA, para informar que a documentação
da associação havia sido utilizada pela Secretária
Municipal da Prefeitura de Jenipapo dos Vieiras Sra.
lonete Barros de Souza para a captação de recurso
junto à CONAB, mas que não havia qualquer tipo de
gerência junto ao projeto por parte da associação.
Diante do conteúdo das informações prestadas pelo
presidente da associação, achamos por bem tomá-las a
termo (Termo de Depoimento em anexo), sendo que em
seu depoimento o mesmo alega que apenas assinava os
cheques e os repassava para a secretária municipal e
recebia da mesma a quantia de R$300,00 (trezentos reais).
- grifamos Esses fatos igualmente foram relatados por Vereadores do
Município de Jenipapo dos Vieiras, que fazem alusão, inclusive, à existência de
fornecedores fantasmas no PAA-CAEAF:
“Itamar Pereira Leal e Antônio Marcos Tito Gomes, ambos
vereadores no exercício do mandato para a legislatura
(2005-2008) solicitam desse conceituado órgão do Governo
Federal uma acareação investigativa no gerenciamento do
Programa Compra Antecipada no município de Jenipapo dos
Víeiras/MA.
Tal solicitação tem como objetivo corrigir as irregularidades
cometidas na condução do mesmo. O Programa da forma
como está sendo administrado dentro do nosso município,
não está contemplando os verdadeiros beneficiários, pois a
Srª Ionete Barros de Sousa, coordenadora do programa no
município e o Sr. Antonio Pinheiro de Araújo (Presidente da
Associação que recebe os recursos) deturparam toda a
plataforma do mesmo como: deixando de fora os verdadeiros
15
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beneficiários - os indígenas - e os pequenos produtores
rurais.
O programa é a mina de ouro do prefeito e da
coordenadora, pois nele estão inseridos os parentes e
cabos eleitorais do prefeito, parentes de vereadores e
parentes da coordenadora. Outro absurdo constatado:
Sr presidente, é o número de fornecedores fantasmas uns são sabedores, estes recebem o dinheiro (R$
400/mês) mas não fornecem nada - os outros só
ficaram sabendo da maracutaia quando viram seus
nomes e o números de seus documentos na relação,
relação esta que a coordenadora escondia a sete
chaves. Foi uma luta que travamos para conseguirmos esta
que estamos lhe enviando em anexo.
Já denunciamos este vandalismo na Câmara Municipal,
também para a CONAB do nosso Estado. Os técnicos da
CONAB estiveram em nosso município só que eles vieram
mais para limpar a pele da coordenadora ( que está mais
suja que pau de galinheiro), que para desvendar as
falcatruas do programa. A farra com o dinheiro do programa
é tão espalhafatosa que no final do ano o presidente da
Associação (Sr. Antonio Pinheiro Araújo) que recebe o
dinheiro e repassa para a Srª lonete Barros, não repassou o
dinheiro, alegando que queria comprar também um carro, o
mesmo exemplo da coordenadora, que comprou um carro
modelo cross-fox e está pagando 10 consórcios quita-fácil,
mensalidade de R$ 1.850,00. Foi preciso o prefeito intervir
para resolver o problema, foi resolvido, mas o presidente
ficou com o seu quinhãozinho.”
O Relatório de Viagem da fiscalização realizada pela CONAB,
após ser premida pela gravidade das notícias de fraudes que lhe eram
repassadas, igualmente revela a falta de controle sobre a execução e resultados
do programa, a demonstrar ineficiência de seus gestores:
“Ao chegarmos ao referido Núcleo nos encontramos com
vários Caciques e os mesmos fizeram várias críticas sobre o
projeto anterior, onde o cacique José Mário informou
que os produtos recebidos em sua Aldeia eram de
péssima qualidade, alem de não entregar os produtos
todos, Cacique Lourival, Cacique Galeno Cabral, Cacique
16
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Procuradoria da República no Estado do Maranhão
Alceu Rosa, Cacique Edmundo e Cacique Hérbeth todos
confirmaram os depoimentos inclusive reforçaram a idéia do
Chefe Osvaldo de suas Aldeias não participarem do projeto
proposto pois os administradores, comprovaram com o
projeto anterior que não merecem confiança e que eles
conhecem Associações de idoneidade e que deixariam eles
fiscalizarem o projeto em andamento coisa que não tiveram
condições de fazer no projeto anterior, razão pela qual vão
apresentar um projeto com Associação com esse perfil.
C) - Jenipapo dos Vieiras.
O trabalho de vistoria iniciou-se por volta das 10:00h com a
visita a Aldeia Santa Maria, onde ouvimos depoimento da
Cacique Iraci Amorim, que sua Aldeia só recebeu
durante toda a execução do projeto duas vezes, meio
saco de farinha, meio saco de arroz, banana de
péssima qualidade, cinco quilos de ossada, dois quilos
de carne de porco, dois quilos de carne de bode e duas
galinhas congeladas, informou ainda que a ossada os
irmãos não quiseram comer, seguimos para a escola
Indignas Silvério, falamos com a professora Maria da
Conceição Souza Carvalho, informou que recebeu uma vez
meia saca de feijão meia saca de arroz, e outra vez carne de
boi e melancia, observamos que a referida escola consta no
novo projeto mas a responsável consta a Senhora Rosana,
que é da Aldeia Cana Brava e não o nome da professora
Conceição que há mais de cinco anos leciona na referida
Escola, seguimos então para a sede do município de
Jenipapo, onde procuramos a residência do Sr. ANTONIO,
presidente da Associação dos Moradores dos Bairros Parque
das Mangueiras e Valetas, após as apresentações, para
surpresa nossa o Sr. Antônio disse que não tinha nem
conhecimento do novo projeto, pois só ficou sabendo
quando da sua viagem a São Luís, (dia 14.02.07) foi
informado pela empregada Leidyenne que havia um
novo projeto e que Já havia sido depositado no dia
14.12.06, a importância de R$ 100.000,00 ( Cem Mil
Reais)...”
Finalmente, deve-se dar destaque ao depoimento prestado
pelo lavrador ANTÔNIO PINHEIRO DE ARAÚJO:
“Que a representante do poder público municipal de
Jenipapo dos Vieiras, Sr. lonete Barros de Souza, procurou o
17
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Procuradoria da República no Estado do Maranhão
mesmo no dia 15 de junho de 2005 solicitando cópias dos
documentos da Associação dos Moradores do Parque das
Mangueiras e Valeta para fins de apresentação do projeto
junto à Companhia Nacional de Abastecimento e que a partir
de então todos os documentos referentes aos projetos
executados pela da Associação dos Moradores do Parque das
Mangueiras e Valeta eram elaborados pela representante do
poder público municipal, cabendo ao mesmo apenas assinálo. Informa o depoente que com relação às movimentações
financeiras ocorria da mesma forma, ele assinava os
cheques e os entregava para a representante do poder
público municipal Sra lonete, a qual entregava ao mesmo
um recibo. Com relação à distribuição do dinheiro para os
produtores fornecedores tal situação também incumbia à
Sra. lonete, a qual realizava a distribuição do dinheiro no
Gabinete do Prefeito Municipal. Informa o depoente que
todas as vezes em que entregava os cheques para a Sra.
lonete recebia da mesma a quantia de R$300,00 (trezentos
reais).”
Todos esses atos ilícitos decorrem da absoluta ausência de
fiscalização e controle do PAA-CAAF-CAEAF. É lamentável a afirmação da CONAB
de que “não existe uma obrigatoriedade regulamentada pelo programa de se
realizar vistorias e fiscalizações em todos os projetos aprovados” (fls. 68).
Depreende-se do acima exposto que a instituição do sistema
de “compra antecipada”, sem fundamento legal, associada à falta de controle e
fiscalização, tem levado a resultados extremamente danosos para o patrimônio
público e para a população que deveria ser atendida pelo Programa Fome Zero.
São essas as razões que levam o Ministério Público a
requerer provimento jurisdicional para anular os atos administrativos que
implicaram o desvirtuamento do PAA, bem como para obrigar a União e a CONAB
a tomarem medidas voltadas para a eficiente execução desse importante
programa, e para a defesa do patrimônio público.
18
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
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3. DO DIREITO
3.1. Da legitimidade do Ministério Público
O Ministério Público, elevado à categoria de Instituição
permanente com a Constituição Federal de 1988, tem como funções precípuas a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático, bem como dos interesses
sociais e individuais indisponíveis (artigo 127 da CF/88).
A Carta Magna, em seu artigo 129, inciso III, atribui ao
Ministério Público, como função institucional, a promoção da ação civil pública
para a proteção do patrimônio público e de outros interesses difusos e coletivos.
Por sua vez, a Lei Complementar n.º 75/93, que disciplina a
organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, dispõe
que são funções institucionais do Ministério Público da União a defesa do
patrimônio público e dos interesses coletivos (artigo 5.º, inciso III, alíneas “b” e
“e”).
A Lei n.º 7.347/85 preceitua que, dentre os objetos da ação
civil pública, se encontram a responsabilidade por danos causados a qualquer
outro interesse difuso ou coletivo (artigo 1.º, inciso V), sendo o Ministério Público
legitimado para propor a ação (artigo 5.º, caput).
Assim, por objetivar, a presente ação civil pública,
a
proteção do patrimônio público e de direitos difusos e coletivos, resta evidente a
legitimidade do Ministério Público Federal para o feito, diante dos textos legais e
constitucionais supra-referidos.
Sobre o assunto, pede-se para transcrever trecho da ementa
do seguinte julgado:
19
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PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL
PÚBLICA - PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA E LEGITIMIDADE DO
MINISTÉRIO PÚBLICO (...)
1. O Ministério Público está autorizado pela Constituição a
promover a ação civil pública em defesa do patrimônio
público (art. 129, III), daí emergindo sua legitimidade para
deduzir
pedidos
referentes
à
nulidade
de
atos
administrativos danosos a pessoas jurídicas de direito
público. Precedente do STF (RE 208790 / SP; Relator(a):
Min. ILMAR GALVÃO; DJ 15-12-00 PP-00105 EMENT VOL02016-04 PP-00865).
(...)
(AC 1997.31.00.002370-2/AP, Rel. Desembargador
Federal Luiz Gonzaga Barbosa Moreira, Primeira
Turma, DJ de 14/04/2003, p.38)
3.2. Da Violação ao Princípio da Legalidade
No
capítulo
destinado
à
Administração
Pública,
a
Constituição da República estabelece:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência (...)
O primado da legalidade (juridicidade) na Administração
Pública, enquanto expressão do Estado de Direito, tem como significado
essencial a idéia de que os Governos não têm autonomia absoluta; antes devem
orientar suas ações nos termos e limites da Constituição e das leis. Administrar é
aplicar a lei de ofício, há muito ensinava Seabra Fagundes.
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, a legalidade
administrativa é “a consagração da idéia de que a Administração Pública só pode
ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade
20
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Procuradoria da República no Estado do Maranhão
administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de
comandos complementares à lei" (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de
Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 15ª ed., 2003, p. 49).
O Professor Luís Roberto Barroso assim explica o princípio da
legalidade na Administração Pública:
“Para o Poder Público, todavia, o princípio da legalidade,
referido sem maior explicitação no caput do art. 37 da
Constituição, assume feição diversa. Ao contrário dos
particulares, que se movem por vontade própria, aos
agentes públicos somente é facultado agir por imposição ou
autorização legal. Inexistindo lei, não haverá atuação
administrativa legítima. A simetria é patente. Os indivíduos e
pessoas privadas podem fazer tudo o que a lei não veda; os
Poderes Públicos somente podem praticar os atos
determinados pela lei. Como decorrência, tudo aquilo que
não resulta de prescrição legal é vedado ao
administrador." (BARROSO, Luís Roberto. Princípio da
Legalidade. Boletim de Direito Administrativo, Editora NDJ,
São Paulo, Ano XIII, v. 01, p. 15-28, Janeiro de 1997).
- grifamos Diretamente ligado a esta concepção de legalidade está o
princípio da preeminência da lei, a significar a necessidade de compatibilidade
dos atos normativos infralegais com a lei que o autoriza e o ordenamento
jurídico, sob pena de invalidade. Daí porque a atividade regulamentar do Poder
Executivo deve buscar suas balizas nos estritos termos da lei que dispõe sobre a
matéria a ser regulamentada.
Por expressa autorização da Constituição Federal 4, o chefe
do Poder Executivo está investido na competência para expedir decretos e
regulamentos para fiel execução das leis, havendo o pressuposto de que esse
4 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:(...) IV - sancionar,
promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para
sua fiel execução;
21
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Procuradoria da República no Estado do Maranhão
poder, de natureza notadamente normativa, seja compatível com a lei e o
ordenamento jurídico.
O regulamento é, portanto, “ato geral e (de regra) abstrato,
de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, expedido com a estrita
finalidade de produzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias à
execução de lei cuja aplicação demande atuação da Administração Pública.”
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo:
Malheiros, 15. ed., 2003. p. 311).
É certo que outros agentes da Administração Pública têm
competência para editar atos normativos, por delegação ou por exercício de
atribuições próprias, em complementação à norma regulamentar e à lei, como
sói acontecer na edição de instruções, regimentos, ordens de serviço e portarias.
Trata-se entretanto, de competência ainda mais restrita, cujo fundamento de
validade resultará, em última instância, de sua compatibilidade com a lei em
sentido formal.
Assim, se o Presidente da República transfere a outra
autoridade competência para implementar medidas decorrentes do Regulamento
por ele editado, não está a passar um cheque em branco para o administrador. A
delegação recebida não confere ao delegatário poder maior de que aquele no
qual investido o delegante.
No presente caso, os atos normativos disciplinadores do
Programa de Aquisição de Alimentos - PAA, na modalidade Compra Antecipada
da Agricultura Familiar – CAAF e CAEAF, são nitidamente contrários à Lei nº
10.696, de 2 de julho de 2003, e a outras regras previstas no ordenamento
jurídico.
22
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Procuradoria da República no Estado do Maranhão
Primeiramente porque, ao criar o referido Programa, muito
embora com objetivo de também incentivar a agricultura familiar, -- dando
garantias para a aquisição da produção do pequeno agricultor e sua família --, a
Lei nº 10.696/2003 teve primordialmente em vista a implementação de ações
vinculadas à distribuição de produtos agropecuários para pessoas em situação de
insegurança alimentar e à formação de estoques estratégicos. No exato termo da
lei, o PAA é “destinado à aquisição de produtos agropecuários produzidos por
agricultores familiares” (§ 2º do art. 19), para a implementação de ações de
combate à fome e à promoção da segurança alimentar.
O que o Grupo Gestor do Programa de Aquisição de
Alimentos fez, ao editar a Resolução nº 02/2003 e instituir, sem base legal,
o sistema de compra antecipada, foi transformar os recursos do Fundo de
Combate e Erradicação da Pobreza, vinculados ao Fome Zero, em crédito para a
agricultura familiar. Indo além e contra a Lei nº 10.696/2003, transformou o
programa de aquisição de alimentos em programa de crédito, ainda que com a
roupagem de “compra antecipada”, desvirtuando seus objetivos.
Mesmo admitindo-se, para argumentar, que não se trata de
na essência de um programa de crédito, a execução do PAA-CAAF-CAEAF incorre
em outra ilegalidade. O sistema de compra antecipada, implementado pela União
e CONAB, implica a ilegal antecipação de liqüidação de despesa, sem
demonstração do cumprimento do objeto previsto no PAA (fornecimento de
alimentação a pessoas em situação de insegurança alimentar).
Essa
conduta
configura
descumprimento
expresso
aos
ditames da Lei nº 4.320/64:
Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando
ordenado após sua regular liqüidação.
23
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Procuradoria da República no Estado do Maranhão
Art. 63. A liqüidação da despesa consiste na verificação do
direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e
documentos comprobatórios do respectivo crédito.
§ 1° Essa verificação tem por fim apurar:
I - a origem e o objeto do que se deve pagar;
II - a importância exata a pagar;
III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a
obrigação.
§ 2º A liqüidação da despesa por fornecimentos feitos ou
serviços prestados terá por base:
I - o contrato, ajuste ou acordo respectivo;
II - a nota de empenho;
III - os comprovantes da entrega de material ou da
prestação efetiva do serviço.
Art. 64. A ordem de pagamento é o despacho exarado por
autoridade competente, determinando que a despesa seja
paga.
Parágrafo único. A ordem de pagamento só poderá ser
exarada em documentos processados pelos serviços de
contabilidade.
Art. 65. O pagamento da despesa será efetuado por
tesouraria ou pagadoria regularmente instituídos por
estabelecimentos bancários credenciados e, em casos
excepcionais, por meio de adiantamento.
É de se aplicar ao caso, ainda, o Decreto-Lei nº 200/67:
Art. 74. Na realização da receita e da despesa pública será
utilizada a via bancária, de acordo com as normas
estabelecidas em regulamento.
§ 1º Nos casos em que se torne indispensável a arrecadação
de receita diretamente pelas unidades administrativas, o
recolhimento à conta bancária far-se- á no prazo
regulamentar.
§ 2º O pagamento de despesa, obedecidas as normas
que regem a execução orçamentária (Lei nº 4.320, de
17 de março de 1964), far-se-á mediante ordem
bancária ou cheque nominativo, contabilizado pelo
órgão competente e obrigatoriamente assinado pelo
ordenador da despesa e pelo encarregado do setor
financeiro.
§ 3º Em casos excepcionais, quando houver despesa não
atendível pela via bancária, as autoridades ordenadoras
poderão autorizar suprimentos de fundos, de preferência a
agentes afiançados, fazendo-se os lançamentos contábeis
24
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Procuradoria da República no Estado do Maranhão
necessários e fixando-se prazo para comprovação dos
gastos.
....................................................................................
Art. 93. Quem quer que utilize dinheiros públicos terá de
justificar seu bom e regular emprego na conformidade das
leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades
administrativas competentes.
Entretanto, voltamos a afirmar que a Compra Antecipada da
Agricultura Familiar - CAAF e a Compra Antecipada Especial da Agricultura
Familiar - CAEAF contêm, na realidade, todos os elementos de sistema de crédito
ao pequeno agricultor, com limitações creditícias, emissão do título de crédito
Cédula de Produto Rural – CPR, cobertura securitária e até fixação de juros
contratuais, os quais são operados pela CONAB. Assim, tem-se que essa
empresa pública está a agir nos moldes de um agente financeiro, sem que suas
ações sejam controladas pelo Banco Central.
Ora, a Lei 4.595/64, que dispõe sobre a política e as
instituições monetárias, bancárias e creditícias, estabelece:
Art. 17 - Consideram-se instituições financeiras, para os
efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas
ou privadas, que tenham como atividade principal ou
acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos
financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou
estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de
terceiros.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei e da legislação em
vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas
físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste
artigo, de forma permanente ou eventual.
Art. 18 - As instituições financeiras somente poderão
funcionar no País mediante prévia autorização do Banco
Central do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando
forem estrangeiras.
25
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Procuradoria da República no Estado do Maranhão
Pelas
razões
acima
expostas,
conclui-se
que
os
regulamentos do PAA-CAAF-CAEAF, editados pelo Grupo Gestor do Programa de
Aquisição de Alimentos e pela CONAB são ilegais.
3.3 – Da violação aos princípios da eficiência e da eficácia
O princípio da eficiência encontra-se previsto no já citado
art. 37, caput, da Constituição da República que, ao tratar da fiscalização
contábil, financeira e orçamentária, também dispõe:
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial da União e das entidades da
administração direta e indireta, quanto à legalidade,
legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e
renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso
Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de
controle interno de cada Poder.
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou
jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde,
gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou
pelos quais a União responda, ou que, em nome desta,
assuma obrigações de natureza pecuniária.
A Constituição estipula, ainda, que é dever dos órgãos de
controle interno zelar pela boa aplicação dos recursos públicos:
Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário
manterão, de forma integrada, sistema de controle interno
com a finalidade de:
(...)
II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados,
quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária,
financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da
administração federal, bem como da aplicação de recursos
públicos por entidades de direito privado;
(...)
§ 1º - Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem
conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela
darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de
responsabilidade solidária.
26
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Procuradoria da República no Estado do Maranhão
Para ALEXANDRE MORAES, o princípio da eficiência
“é o que impõe à administração pública direta e indireta e a
seus agentes a persecução do bem comum, por meio do
exercício de suas competências de forma imparcial, neutra,
transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre
em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios
legais e morais necessários para melhor utilização possível
dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se
desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social"
(MORAES, Alexandre de: Reforma Administrativa: Emenda
Constitucional nº 19/98. São Paulo: Atlas, 3ª ed., 1999, p.
30).
O conteúdo jurídico do princípio da eficiência está ligado
à
idéia de uso dos meios adequados para a consecução dos fins previstos em lei. A
eficácia da ação administrativa, sob a ótica da gestão orçamentária, financeira e
patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, e da aplicação de
recursos públicos por entidades de direito privado, no dizer da Carta Magna,
exige a verificação dos resultados concretamente atingidos.
Do ponto de vista do Direito Administrativo, o instrumento
(meio eficiente) não deve ser dissociado de seu fundamento legal. Afinal, a ação
administrativa
é
discricionariedade
vinculada
no
à
lei,
e
mesmo
havendo
conjunto
de
possibilidades
postas
certo
ao
grau
de
exame
do
administrador, os meios empregados não podem ser de tal modo organizados
(ou desorganizados) que resultem numa ilegalidade. Mais ainda, mesmo que os
instrumentos administrativos estejam de acordo com a lei, é preciso indagar se
eles foram utilizados de modo a atingir o resultado almejado.
A sindicabilidade do meio e do resultado, é portanto, uma
forma de controle do ato administrativo.
A partir de noções próprias da Teoria da Administração, o
Prof . Antônio Carlos Cintra do Amaral assim comenta o referido princípio:
27
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Procuradoria da República no Estado do Maranhão
“Volto ao tema deste comentário, dizendo que à vista do
acima exposto entendo que o princípio da eficiência, contido
no 'caput' do art. 37 de Constituição, refere-se à noção de
obrigações de meios. Ao dizer-se que o agente
administrativo deve ser eficiente, está-se dizendo que ele
deve agir, como diz Trabucchi, com 'a diligência do bom pai
de família'. E aí não há como evitar uma indagação: se esse
é o 'significado objetivo' do princípio da eficiência, será que
foi de alguma utilidade sua explicitação no texto
constitucional, ou ele é, como diz Celso Antônio Bandeira de
Mello, 'um adorno agregado ao art. 37'?
Por último, saliento que não vejo oposição entre os
princípios da eficiência e da legalidade. A pessoa privada,
que age dentro da chamada 'autonomia da vontade', não
está desobrigada de cumprir a lei. Muito menos a
Administração Pública, que deve agir em conformidade com
a lei. Adotando a distinção efetuada por André Gonçalves
Pereira ('Erro e Ilegalidade no Ato Administrativo', Lisboa,
Ática, 1962), entre licitude e legalidade, posso dizer que a
atuação das pessoas privadas deve ser eficiente e lícita,
enquanto a atuação do agente administrativo deve ser
eficiente e legal. Em outras palavras: dizer-se que a
Administração está autorizada a praticar atos ilegais, desde
que isso contribua para aumentar sua eficiência, é no
mínimo tão absurdo quanto dizer-se que uma empresa
privada pode praticar atos ilícitos, desde que isso contribua
para aumentar sua eficiência.” (AMARAL, Antônio Carlos
Cintra do. O princípio da eficiência no direito administrativo.
Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de
Atualização Jurídica, nº. 14, junho-agosto, 2002. Disponível
na Internet: http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em:
24 de setembro de 2007).
O Ministério Público Federal constatou que, além de ilegal, o
PAA-CAAF-CAEAF não vem cumprindo com eficiência, eficácia e economicidade
seus objetivos, o que se deve aos seguintes fatores:
a)
transferência
das
ações
administrativas
de
formação
de
cadastro
e
acompanhamento das ações para pessoas sem “condições intelectuais de exercer
a gestão do programa” (fls. 68);
28
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Procuradoria da República no Estado do Maranhão
b) ausência de um sistema efetivo de controle da execução do PAA (“não existe
uma obrigatoriedade regulamentada pelo programa de se realizar vistorias e
fiscalizações em todos os projetos aprovados” - fls. 68);
c) a transformação de recursos do combate à pobreza em crédito para a
agricultura familiar reduz a eficácia do Programa Fome Zero, principalmente em
razão do diferimento da adimplência das CPR's emitidas pela CONAB, que pode
receber liqüidação exclusivamente financeira;
c) as fragilidades do sistema tem facilitado fraudes e levado à ineficácia do PAA,
tendo em vista que as famílias e comunidades beneficiárias não recebem os
produtos prometidos;
Uma demonstração eloqüente do grau de ineficiência e
ineficácia do programa encontra-se na CARTA/SUREG/MA nº 759,
produzida
pela CONAB (fls. 20/23). Num levantamento sobre a situação cadastral dos
beneficiários-produtores do PAA, os técnicos da CONAB constataram que de um
total de 39 cadastros analisados, somente 14 se enquadravam nos objetivos do
programa. Ou seja, dentre as famílias analisadas, 36% podem ser enquadradas
como pequenos trabalhadores rurais. O restante, 64% do cadastro analisado,
não poderia ter recebido recursos do PAA.
Há situações verdadeiramente escandalosas.
Os beneficiários Francisco Eudes de Melo e José Arnaldo
Chaves Rodrigues não são pequenos agricultores, mas proprietários de fazenda e
de
veículos
automotores.
Constatou-se
a
inscrição
de
pelo
menos
seis
funcionários de uma panificadora, que constam como fornecedores de bolo de
tapioca (produtos que não se enquadram na finalidade do PAA), a indicar que a
inscrição em massa desses funcionários ocorreu como o objetivo de utilizar
recursos do PAA para o pagamento dos respectivos salários.
29
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Procuradoria da República no Estado do Maranhão
Observa-se que são comuns casos de inexistência ou
insuficiência da produção e compra de produto para o fornecimento, em que
pese o recebimento dos recursos do PAA.
Nem se diga a eficiência e a eficácia da ação administrativa
estão na esfera da discricionariedade administrativa e, portanto,
imunes
a
controle jurisdicional.
Consoante leciona ROBERTÔNIO SANTOS PESSOA:
“Em vista no novel princípio da eficiência acreditamos que o
juiz, quando provocado, poderá aferir, diante de argumentos
técnicos claros e insofismáveis, se o comportamento
administrativamente adotado, inobstante contido dentro das
possibilidades admitidas pela lei, revelou-se, in concreto, a
solução mais eficiente, como queria a norma legal. Por conta
desta prerrogativa, ínsita no próprio princípio da legalidade,
e agora reforçada com o princípio da eficiência, a autoridade
judiciária poderá concluir que, a despeito de fazer uso de
competência discricionária, a decisão tomada não foi a mais
eficiente, ou seja, a que melhor se ajustava ao escopo legal.
Assim, no uso de uma competência discricionária o
gestor público não detém a prerrogativa de optar por
uma solução que seja, no ponto de vista técnico, de
eficácia duvidosa, ou comprovadamente menos
eficiente diante de outras alternativas possíveis.
Conduta contrária a esta diretriz viola o próprio
princípio da legalidade e, por tabela, o novel princípio
da eficiência, positivação agora explícita de uma
exigência inerente àquele.” PESSOA, Robertônio Santos.
Princípio da eficiência e controle dos atos discricionários .
Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 35, out. 1999. Disponível
em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=342>.
Acesso em: 26 set. 2007)
Concluindo, os fatos aqui descritos demonstram que, além
de ilegal, a execução do PAA tem causado lesão ao patrimônio público, posto que
montada em bases ineficientes e ineficazes.
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4. DOS PEDIDOS
4.1 – Da Liminar
O Ministério Público Federal pede, nos termos do art. 12 da
Lei nº 7.347/85, o deferimento de liminar para que sejam determinadas, após a
oitiva da União, em 72 (setenta e duas) horas, as seguintes providências:
a) Suspensão, a partir do deferimento da liminar, de novos processos de compra
antecipada, tanto na modalidade CAAF quanto CAEAF, por vício de legalidade,
sem prejuízo de que os recursos sejam utilizados para a aquisição de alimentos,
com pagamento contra a entrega dos produtos aos beneficiários consumidores;
b) imposição à CONAB e à UNIÃO da realização de auditoria no cadastro das
entidades
conveniadas
e
no
cadastro
dos
beneficiários-fornecedores
de
alimentos, com a apresentação de relatórios das irregularidades constatadas e
das providências tomadas para o ressarcimento do patrimônio público;
c) imposição à CONAB de levantamento de informações precisas sobre o
fornecimento dos alimentos em todas as comunidades beneficiadas pelo PAA.
Requer, outrossim, seja fixada multa no valor de R$
50.000,00
(cinqüenta
mil
reais),
aplicável
à
CONAB,
pelo
eventual
descumprimento da decisão, a ser revertida ao Fundo Federal de Defesa dos
Direitos Difusos, previsto no artigo 13 da Lei nº 7.347/85, sem prejuízo das
sanções penais cabíveis.
4.1.1 – Da prova inequívoca e da plausibilidade do direito
O fumus boni iuris assenta-se na verossimilhança da
alegação, a qual decorre das próprias razões declinadas na inicial.
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4.1.2 – Do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação
Tem-se que esse requisito se apresenta perfeitamente
configurado, diante da conduta ilegal da CONAB e da UNIÃO, que consiste na
utilização de recursos do programa Fome Zero para o fornecimento de crédito
para a agricultura familiar.
A realização de novas compras antecipadas somente irá
agravar a lesão aos princípios da Administração Pública e ao patrimônio público.
Ademais, mais importante que fazer cessar esses ilícitos, é
permitir que os recursos do Programa Fome Zero voltem a ser efetivamente
utilizados como forma de combater o risco nutricional da população em situação
de insegurança alimentar. Acreditamos que esse fato é suficiente para a
concessão da liminar.
Com efeito, a transformação da “compra antecipada” de
coisa certa (produtos alimentícios) em dívida liqüidável financeiramente em até
quatro anos leva à redução do fornecimento de alimentos à população
necessitada. Ademais, a falta de controle efetivo no resultado da compra
antecipada vem implicando o não fornecimento dos produtos aos beneficiáriosconsumidores.
É importante esclarecer que não é o propósito do Ministério
Público simplesmente paralisar a execução do PAA. O que se pretende é impedir
que esses recursos sejam utilizados para a concessão, ainda que dissimulada, de
crédito para a agricultura familiar, a qual já conta com recursos destinados a
essa finalidade (PRONAF).
A concessão da liminar, que visa fazer cessar somente a
antecipação da compra, não impedirá que a CONAB realize a aquisição dos
produtos contratados com os pequenos agricultores devidamente cadastrados.
32
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Entretanto, como se trata de um procedimento de aquisição, o pagamento
somente deverá ser realizado mediante comprovação de entrega do produto aos
beneficiários-consumidores, atestada em nota fiscal emitida pela entidade
conveniada.
Essa medida certamente irá assegurar mais eficácia ao PAA,
evitando as fraudes aqui descritas, na medida que que os pagamentos somente
ocorrerão contra a entrega dos produtos.
4.2 Do pedido final
De todo o exposto o Ministério Público Federal requer:
a) a citação da União e da CONAB, para apresentarem contestação;
b) que seja ao final julgado procedente o pedido para confirmar o pedido liminar,
bem como:
b1) anular a RESOLUÇÃO Nº 02/2003, do Grupo Gestor
do Programa de Aquisição de Alimentos, par tornar sem
efeito
os
programas
de
Agricultura Familiar - CAAF
Compra
Antecipada
da
e a Compra Antecipada
Especial da Agricultura Familiar – CAEAF, sem prejuízo
de que os recursos orçamentários a eles destinados sejam
utilizados na aquisição de alimentos para o programa Fome
Zero;
b2) anular os atos normativos emitidos pela CONAB,
visando
a
operacionalização
da
CAAF
e
da
CAEAF,
especialmente o COMUNICADO CONAB/MOC N.º 013, DE
14/05/2004, e o COMUNICADO CONAB/MOC Nº 029,
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DE 09/11/2006, e os demais atos dele decorrentes, com
as ressalvas do item anterior, in fine;
b3) condenar a União (Ministério de Desenvolvimento Social
e Combate à Fome) e a CONAB à obrigação de fazer, que
consiste na realização de auditorias periódicas no cadastro
de
beneficiários-consumidores
do
PAA,
entidades
conveniadas e no cadastro dos beneficiários-produtores de
alimentos,
com
a
apresentação
de
relatórios
das
irregularidades constatadas e das providências tomadas
para o ressarcimento dos danos eventualmente causados ao
patrimônio público.
Protesta provar o alegado por todos os meios admitidos em
Direito.
Dá-se a esta o valor de R$ 1.000,00.
Termos em que,
pede deferimento.
São Luís, 28 de setembro de 2007.
Sergei Medeiros Araújo
Procurador da República
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Ação Civil Pública com pedido de liminar proposta em face da