1 OS FANTASMAS E A MANIFESTAÇÃO DE UMA MARCA1 Um chamado do seriado Buuu para a aventura do Mundo Gloob Natacha Stefanini Canesso2 Universidade Federal do Oeste da Bahia Resumo: O objetivo deste artigo é demonstrar que o seriado de ficção infantojuvenil „Buuu – Um chamado para a aventura‟ pode ser analisado como manifestação do projeto de marca do „Gloob‟, canal do Sistema Globosat e responsável pela sua realização. A hipótese que aqui se apresenta é a de que o canal „Gloob‟, em um momento que precisa de estratégias que lhe agreguem capital simbólico para consequente aumento do capital econômico, estabelece relações comerciais e concebe um projeto que possibilita a criação de um produto audiovisual com características homólogas as do seu projeto de marca. E que, portanto, o seriado Buuu – Um chamado para a aventura, exibido em março e abril de 2015, é uma Manifestação do Projeto da Marca Gloob. A pesquisa está ancorada no modelo projeto/manifestações de Andrea Semprini e se apropria dos conceitos de capital e homologia de Pierre Bourdieu. Palavras-chave: Seriado; Ficção; Infantojuvenil; Marca; Gloob. Introdução Em março deste ano, o „Gloob‟, canal infantojuvenil do Sistema Globosat, lançou mais uma produção seriada ficcional nacional, „Buuu – Um chamado para a aventura‟. Tratase de uma coprodução com a Casablanca que tem quatro crianças como protagonistas de uma história que envolve cientistas fantasmas de uma sociedade secreta e seus mistérios. Foi gravada entre julho e novembro de 2014 no Instituto Butantan e nos estúdios da produtora. O roteiro é de Luiz Caramez e a direção do estreante Chris Tex, com inspirações em filmes dos anos 80 como „Os Goonies‟ e „Indiana Jones‟. 1 Trabalho apresentado no GT Comunicação, cultura e tecnologia do I RECOM – Comunicação e Processos Históricos, realizado de 29 de setembro a 01 de outubro de 2015, na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Cachoeira, BA. 2 Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Facom/UFBA). Docente dos Cursos de Artes Visuais e Publicidade e Propaganda da UFOB – Centro Multidisciplinar de Santa Maria da Vitória. Email: [email protected] 2 No contexto de lançamento de ficções seriadas, impressiona atualmente a capacidade que os canais têm de antecipar uma marca - nome e identidade visual – e dar conhecimento prévio acerca de personagens e narrativas. Com „Buuu‟, a proposta se intensificou porque o „Gloob‟ é um canal que se propõe a trabalhar a convergência entre diversas mídias. A campanha publicitária do seriado foi, portanto, digital. Contou com hotsite com jogos, fotos e vídeos que apresentavam as características de cada personagem e introduziam o mundo ficcional às crianças. As redes sociais e o intervalo dos programas foram utilizados para divulgar „pistas‟ que semanalmente destravavam novos conteúdos até a estreia do seriado. O público mirim, que iria começar a acompanhar uma nova e supostamente desconhecida história, foi completamente impactado pela marca „Buuu‟. E, se para os adultos buuu era apenas um grito de fantasmas, para as crianças já se constituía como programa com tema, muitos mistérios, curiosidades e aventura, reconhecimento e identificação dos cenários e das personagens. A partir desta observação, que considero uma estratégia mercadológica da televisão para expandir seus negócios além tela, iniciei a proposta de pesquisa descrita neste artigo. O intuito é contribuir com o registro do processo histórico de um canal recentemente lançado e com um marco de renovação na programação televisiva infantojuvenil. A análise de „Buuu – Um chamado para a aventura‟ foi realizada com base em entrevistas e matérias publicadas nas principais revistas de propaganda, nos sites de notícias sobre televisão, nos websites do „Gloob‟ e Globosat e nas redes sociais, Facebook e Instagram. O objetivo deste artigo é apresentar as estratégias presentes em „Buuu – Um chamado para a aventura‟, que classifico como seriado de ficção infantojuvenil, demonstrando como este, enquanto manifestação da marca „Gloob‟, agrega capital simbólico ao Projeto de Marca do canal por assinatura. A hipótese é a de que o canal, em um momento que precisa de estratégias que lhe agreguem capital simbólico para consequente aumento do capital econômico, estabelece parcerias comerciais e concebe um projeto no qual as tomadas de decisão na gestão e na produção resultam, não despretensiosamente, em um produto audiovisual com características homólogas as do seu projeto de marca. 3 Fundamentação teórica A reflexão teórica presente neste artigo está fundamentada no Modelo Projeto/Manifestações de Semprini (2010). Trata-se de um autor que articula marketing e semiótica, situando empiricamente as marcas no espaço social e incluindo reflexões acadêmicas para variáveis como consumo, economia e comunicação. Considerou-se pertinente estabelecer um diálogo com os conceitos de campo, capitais, estratégia e homologia propostos por Pierre Bourdieu. Reconhecemos que Bourdieu (2013) trava uma discussão constante sobre a distinção entre grupos sociais dominantes e dominados, mas esta não é a proposta deste trabalho. E apesar de importante, este debate não será aqui desenvolvido, mas considerado pelo fato de que nosso objeto pertence ao campo da comunicação, onde as relações de poder são evidentes. Para Bourdieu (2005), a noção de campo é definida por espaços sociais relativamente autônomos com leis próprias onde agentes estabelecem disputas no seu interior e mantêm sua dinâmica de funcionamento e reconhecimento. É possível, portanto, legitimar o campo da televisão, com a hipótese de um subcampo da televisão por assinatura, e o canal „Gloob‟ pode ser situado como agente/instituição, ocupando uma posição distinta, reconhecida pelos seus diversos públicos (ou pares) através de seus capitais. Esta posição irá refletir o projeto da sua marca, assim como o contrário também é verdadeiro. Marca será aqui definida como “uma instância enunciativa. É o processo de enunciação que lhe permite passar de um estado abstrato e virtual ao estado concreto de manifestação” (SEMPRINI, 2010, p. 167). Há o „nível de enunciação‟ e „enunciados produzidos‟ pela marca, sendo que o primeiro se refere ao projeto de marca e o segundo às manifestações de marca. Importante ressaltar que as manifestações de marca referem-se à comunicação, mas esta não é apenas entendida como a de cunho comercial, a exemplo da publicidade. Ela deve ser compreendida como a possibilidade de gerar produtos, práticas de interação e/ou modos de distribuição (SEMPRINI, 2010, p. 167-8). 4 Temos a marca „Gloob‟, que apesar de se concretizar enquanto canal de televisão por assinatura, precisa se manifestar em multiplataformas e se tornar “a síntese da experiência de valor vivida pelos consumidores” (SAMPAIO, 2002, p.26). O seriado „Buuu – Um chamado para a aventura‟ é um enunciado produzido pela marca – manifestação - que apresenta homologias do seu nível de enunciação – projeto de marca - e reforça, através da produção de capital simbólico, esta síntese que a marca „Gloob‟ precisa para reforçar sua posição no campo. Produtos como „Buuu‟ podem ser considerados estratégias e entendidos por Bourdieu como “ações que visam a determinadas finalidades sem serem necessariamente concebidas para tal. São antes o resultado do „senso prático‟, do conhecimento das regras e do „sentido do jogo‟ social que se adquire pela experiência e pela participação nas atividades sociais.” (GARCIA, 1996, p. 66) Percebe-se, portanto, que a experiência adquirida pelos profissionais resultou em um produto que atende às necessidades mercadológicas do canal em uma relação de tempo e espaço, incluindo seu público. O canal Gloob e seu projeto de marca O „Gloob‟ é uma canal „Globosat‟3. Foi lançado em 15 de junho de 2012 com a proposta de conteúdo adequado para uma faixa etária intermediária de pré-escola e infantojuvenil, ou seja, o nicho de crianças entre os cinco e oito anos de idade. O contexto foi o de revisão dos conteúdos exibidos na programação matinal dos canais abertos. A „Globo‟, canal da televisão aberta, substituiu sua programação infantil por programas voltados ao público feminino, com temas relacionados à saúde, bem estar, gastronomia, cotidiano e variedades. A justificativa, como aponta Leal Filho (2015), é a migração dos anunciantes para canais fechados como o Discovery Kids que conta com 184,5 mil telespectadores por minuto, 3 Globosat é a primeira programadora de TV por assinatura brasileira. Pertence ao Grupo Globo e dedica-se à programação de conteúdo e construção de canais por nichos de mercado. 5 atinge crianças de famílias com alto potencial de consumo e só perde em audiência para os canais esportivos. O objetivo do „Gloob‟, segundo Paulo Daudt Marinho, diretor do canal, em entrevista para o website PropMark, é o de ser “exemplo de inovação no cenário de TV por assinatura”. Após três anos em operação, é possível observar que isso vem sendo seguido em termos de programação. O „Gloob‟ tem 45% de produção nacional na faixa nobre gerida sob o modelo „Globosat‟4. Lançou em 2013, „Gaby Estrella‟ que posicionou como sua primeira novelinha, mas que adquiriu características de seriado, principalmente porque vem sendo produzida e exibida por temporadas. Outros projetos vieram: „Tem Criança na Cozinha‟, „Click‟, a animação „Osmar, a primeira fatia do pão de forma‟, „DPA- Detetives do Prédio Azul‟ e „Buuu – Um chamado para a aventura‟, que está sendo aqui considerado um marco para o fortalecimento da marca „Gloob‟ em um momento em que o capital econômico é desejado. Há um volume crescente de produção no canal, mas como afirma Marinho: leva um tempo principalmente para o mercado publicitário começar a responder. O canal cresceu em faturamento publicitário 20% no ano passado – mais que os cerca de 15% do mercado de TV por assinatura. A publicidade em si, isoladamente, não financia ainda o volume de produção que temos atualmente. (Website PropMark, 2014) Importante ressaltar que a principal receita do canal vem da publicidade e das assinaturas, mas que se trata de um projeto transmidia5 com presença da marca em diversas outras plataformas digitais. E, ainda, participação em eventos e venda de produtos, a exemplo de caderno, caneca e quebra cabeça, disponíveis no „Gloob-me‟6 de forma um tanto amadora, seguindo padrões de gráfica rápida, com o slogan „A loja do nosso mundo‟. Todavia, já existe um contrato firmado com a Kasmanas Licensing, indicando que o mercado será brevemente invadido por dezenas de produtos „Detetives do Prédio Azul‟, „Tem Criança na Cozinha‟, „Gaby Estrella‟ e „Osmar – A Primeira Fatia do Pão de Forma‟. Para isso, torna-se 4 Segundo Marinho, não há produção in house. A gestão dos projetos é feita pela equipe dos canais e a produção é terceirizada. O intuito é incentivar o mercado audiovisual e fomentar produções independentes. 5 Consideramos o conceito de transmídia como a possibilidade de utilização de diversos suportes midiáticos. Cada um em seu contexto com contribuições distintas, mas relevantes à interpretação do todo. (JENKINS, 2009) 6 http://www.gloobme.com.br/navhome.php 6 fundamental uma marca consolidada, com sua personalidade e seus valores reforçados e presentes subjetivamente para seu público. Seguimos, então, com a análise do projeto de marca do „Mundo Gloob‟ no qual é possível identificar os seguintes componentes: enunciação fundamental, promessa, especificação da promessa, inscrição de um território e valores (SEMPRINI, 2010, p.149). Os conceitos destes componentes estão no quadro a seguir, assim como a proposta do „Gloob‟, de acordo com texto extraído do website „Globosat‟. Componentes do Projeto de Marca 1. Enunciação fundamental 2. Promessa 3. Especificação da promessa 4. Inscrição em um território 5. Valores Conceitos (SEMPRINI, 2010, p.147-50) “Verdadeira razão de ser, o fundamento de sua abordagem, a justificação (a priori) de sua legitimidade para existir” (p. 147) “A formulação da enunciação fundamental é orientada para um contexto e para o público da marca” (p. 148) “Elaboração de seu caráter original, diferente, único” (p. 148) “Ancoragem concreta da marca” (p. 149) Níveis de enunciado da marca GLOOB “Canal com linguagem contemporânea, interativa e criativa, extremamente adequada às crianças e amplamente respaldada pelos pais” “Um canal onde a família toda se diverte” “Características e nuances que permitem à marca <<colorir>> sua abordagem, (...) de se coligar aos valores contextuais e socioculturais” (p.150) “Amizade, companheirismo, coragem, paz, respeito às diferenças. Muito humor, aventura, imaginação e alegria.” “Um mundo onde a criança é protagonista” Televisão por assinatura e multiplataformas Tabela 1: Projeto da Marca Gloob. Elaborada a partir da proposta metodológica de Semprini, 2010, p. 143-150. Textos sobre o Gloob extraídos do website dos canais Globosat. 7 ‘Buuu – Um chamado para a aventura’ como manifestação da marca „Buuu‟ é um seriado infantojuvenil produzido pela Casablanca. Os vinte e seis episódios da primeira temporada foram exibidos de 9 de março a 11 de abril deste ano no „Gloob‟ e está disponível em streaming7 e para download8. A aventura inicia quando quatro crianças, Carlinhos e seu irmão Casca, Isadora e Chica, visitam o Butantan nas suas férias de verão. Lá são surpreendidos por fantasmas de uma sociedade secreta que pedem ajuda para encontrar os elementos do Soro da Imunidade dentro de uma pirâmide subterrânea. O diretor do seriado é Chris Tex, de apenas 25 anos e estreante da televisão. Em entrevista à Revista da TV de „O Globo‟, afirma que usou várias referências a exemplo dos „Goonies‟, „Indiana Jones‟ e „Harry Potter‟. O intuito, segundo ele, não é apenas impactar o público infantil, mas também chamar a atenção daqueles que acompanharam estas aventuras que incluíam o suspense e o humor leve nas telas dos cinemas nos anos 80 e 90. O lançamento do seriado teve como princípio a interação com sua marca. Criou identificação com o público através da divulgação das características de seus personagens. Esta é uma estratégia já adotada nas novelas para o grande público e nas produções infantojuvenis do mercado cinematográfico internacional. A agência „Pereira & O‟ Dell‟ foi contratada para desenvolver a campanha digital. Elaborou um Alternative Reality Game (ARG) e o chamou de „Enigmas‟. A cada semana uma “palavra secreta” era divulgada no „Mundo Gloob‟ e nas redes sociais. Esta palavra liberava conteúdos inéditos no hotsite. O público teve aos poucos conhecimento sobre o enredo do seriado, personagens e curiosidades. O conteúdo continua disponível http://mundogloob.globo.com/programas/buuu/infograficos/buuu-aventura.htm. 7 http://www.televideoteca.com.br/gloob/buuu 8 http://brdisneydownloads.blogspot.com.br/2015/03/buuu-um-chamado-para-aventura-1.html em 8 Figuras 1: Conteúdo de „Buuu – Um chamado para a aventura‟ no hotsite do seriado patrocinado pela marca Nutren Kids. Os mesmos jogos e vídeos do ARG „Enigmas‟ com curiosidades sobre enredo e personagens continuam disponíveis. O Branding Experience, que pode ser entendido como experiências simbólicas com a marca, continua nos eventos promovidos pelo canal. Trata-se do espaço „Gloob', uma instalação itinerante na qual as crianças desenvolvem atividades alusivas à programação. No Shopping Ibirapuera, em São Paulo, foi chamado de „Gloob para brincar‟ e no Praia de Belas Shopping, em Porto Alegre, de „Mundo Gloob‟. Neste último foi instalada a pirâmide de „Buuu‟: uma réplica dos cenários onde as crianças precisam encontrar pistas para acessar as câmaras secretas. Operacionalizando o Modelo Projeto/Manifestações no campo Retomamos para a consideração de que o „Gloob‟ é um agente/instituição do campo da televisão. Trabalhamos com a hipótese de um subcampo da televisão por assinatura, porque nesta existem regras específicas para existência e coexistências dos seus agentes. O „Gloob‟ agrega capital econômico a partir das assinaturas e publicidade. Mas, neste caso, o capital econômico é diretamente proporcional ao capital simbólico. É preciso que o público infantojuvenil se interesse em assisti-lo para que incremente a audiência e as empresas decidam por inclui-lo nos seus planejamentos de mídia. Pertencente ao sistema „Globosat‟, conta com todo o capital tecnológico e social do „Grupo Globo‟, reconhecido mundialmente pelos investimentos e inovações tanto nos 9 aspectos da narrativa quanto da produção do audiovisual. Ao optar pela gestão de projetos com terceirização da produção, dá abertura à interação com outros campos. O campo da produção do audiovisual torna-se presente. Podemos, inclusive indicar, como hipótese, a presença de mais um subcampo em franco desenvolvimento que é o de seriados de ficção. Para a realização de „Buuu‟, o „Gloob‟ buscou uma produtora com posição homóloga a sua no respectivo campo. O texto „Quem Somos‟ no website da Casablanca comprova esta afirmação: uma empresa de produção, pós-produção e distribuição de conteúdo audiovisual, que atualmente oferece serviços para ramos diversos tais como cinematográfico, publicitário, televisivo, esportivo, tecnológico e outros que necessitem das melhores soluções disponíveis no mercado, com o maior parque técnico de equipamentos HD da América Latina e um dos melhores do mundo, tornou-se a empresa número 1 em todos os segmentos em que opera, possuindo ainda cinco salas digitais de cinema espalhadas pelo país. A Casablanca tem um histórico de inovação que contribui para o desenvolvimento de soluções.” (Website Casablanca) Também selecionou uma agência em posição homóloga no campo publicitário para a campanha de lançamento do seriado. A „Pereira & O‟Dell‟ é uma multinacional não só reconhecida pelo seu potencial de inovação, mas também pela eficácia de suas campanhas e consequente aumento da rentabilidade de seus clientes. Anualmente com destaque em Cannes9, cada uma das suas campanhas digitais oferece novidades ao mercado. Foi considerada uma das 10 empresas mais inovadoras em publicidade em 2014 pela Fast Company e ficou na lista de destaques de 2015 da Revista AdvertisingAge. Entre seus clientes está a Coca-Cola Latino Americana. Temos, neste caso, capital simbólico (entre outros capitais) de mais duas marcas – „Casablanca‟ e „Pereira & O‟Dell‟ – agregando-se à marca „Gloob‟, através do seriado „Buuu‟. Imperceptível para sua audiência, os agentes do campo determinam a escolha por parceiros comerciais. Estes, consequentemente, contribuem com o reforço da posição do „Gloob‟ no campo da televisão. Perceptível para a audiência é o resultado destas parcerias: 9 Maior premiação internacional para a criatividade publicitária. 10 linguagem cinematográfica com alta qualidade técnica proporcionada por câmeras 4K e drones. Foi adotada uma série de técnicas diferentes de produção. “Buuu!” combina animação 3D, chroma key, bonecos, maquetes, animação em stopmotion e até mesmo animais nas suas gravações. A produção também utilizou efeitos analógicos no set, permitindo maior agilidade na pósprodução. Além disso, alguns personagens demandavam maquiagens complexas. (...) O trabalho mobilizou, no total, cerca de 150 profissionais. O projeto foi financiado com recursos do canal. (SANFELICE, 2014) O canal utilizou capital econômico em uma estratégia que deve atrair mais públicos e mais anunciantes. Mas este retorno só se concretiza quando gera mecanismos significantes dentro do que Semprini (2010, p.155) denomina “contextos”: sociocultural, de consumo, de marcas e de comunicação. A partir destes contextos, a audiência “enquadra” o seriado e contribui com a criação de significados e sentido à manifestação da marca – „Buuu‟, que se tornou uma estrutura semiótica completa, e ao projeto da marca – „Gloob‟. Apresentamos a primeira comprovação desta análise: a enunciação fundamental do projeto de marca („Gloob‟) está presente na sua manifestação: „Buuu‟ é um seriado de ficção com “linguagem contemporânea, interativa e criativa”. As demais comprovações são simples de detectar, pois estão presentes na narrativa do seriado. Entretanto, vale ressaltar que cada manifestação da marca “concebe a produção de sentido como um processo de desenvolvimento e de complexidade progressivos” (SEMPRINI, 2010, p.153). A segunda comprovação, portanto, é ainda parte da enunciação fundamental e também componente da promessa do projeto de marca („Gloob‟): „Buuu‟ é “extremamente adequado às crianças e amplamente respaldado pelos pais”. “A família toda se diverte”. Da mesma forma que a programação do „Gloob‟ preocupa-se com valores admirados e aprovados pelo ambiente familiar e disponibiliza uma faixa retrô, „Buuu‟ já foi pensado pelo seu diretor a partir das referências dos pais. A partir de experiências positivas com o melhor do cinema de aventura das décadas de 80 e 90. E vale reforçar que o referido diretor é muito jovem, está na sua primeira experiência 11 na televisão e conta com recurso e tecnologia desejável por qualquer profissional. Isso lhe dá a condição necessária de inovar, o que nos remete novamente à enunciação fundamental da marca: “a iniciativa faz parte de uma aposta do „Gloob‟, na esperança de que as inovações estéticas e narrativas levem as crianças a se identificarem com os temas abordados, segundo conta Paula Taborda dos Guaranys, gerente de conteúdo e programação do canal.” (website ComKids). Importante finalmente considerar que o seriado inclui referências das ciências biológicas, o que proporciona aos pais uma organização semionarrativa do significado, que se transfere para a marca. Os valores são transformados em narração educativa, enriquecida por objetos, personagens e cenários historicamente contextualizados (Semprini, 2010, p. 154-5). A terceira comprovação se relaciona com a especificação da promessa. Na narrativa de „Buuu‟, “a criança é protagonista”. As crianças são as únicas que conciliam a capacidade de ver os fantasmas e, enquanto humanos, de recuperar os elementos e ajudar a reconstituir o soro da imunidade. Além disso, possuem grande autonomia nas decisões e sobre como agir. Este é um registro de unidade na programação, incluindo „Gaby Estrella‟, „Detetives do Prédio Azul‟ e „Tem criança na cozinha‟. Uma das estratégias, desde o lançamento do canal, foi não ter um mascote ou um(a) garoto(a) propaganda. Todas as crianças representam o „Gloob‟. Em „Buuu‟, o elenco de crianças é novo. Isso evita lembranças e identificação com outros programas e canais. E ainda devemos considerar a construção da marca „Buuu‟ através da interação com jogos e vídeos no momento de seu lançamento. A criança acreditou no seu potencial de desvendar mistérios, abrir caminhos e acessar conteúdos inéditos. Foi capaz de revelar segredos da trama ainda não exibidos. Ou seja, as estratégias são para que se sinta identificada na história e produtora de narrativa. A inscrição de um território e quarta comprovação é evidente. „Buuu‟ acompanha o „Gloob‟ na televisão por assinatura e em multiplataformas, reforçando suas homologias. Já a quinta e última comprovação diz respeito aos valores. „Buuu‟ representa a “amizade, companheirismo, coragem, paz, respeito às diferenças.” É uma trama com “muito humor, aventura, imaginação e alegria.” Evidencia a relação familiar, aumento da compreensão entre irmãos e amigos, meninos e meninas, valorização da ancestralidade, contato com ciência e 12 história, desconstrução de bem e mal, já que personagens ditas do bem são capazes de errar e realizar ações equivocadas e as do mal contribuem com a solução dos enigmas. Considerações finais O ensaio pela busca de comprovações das relações entre o Projeto da Marca „Gloob‟ e sua Manifestação, o seriado de ficção infantojuvenil „Buuu – Um chamado para a aventura‟ deve ser constantemente aprimorado com a obtenção de novas informações a partir da lógica de funcionamento do campo aqui apresentado. Entretanto, as homologias encontradas são capazes de comprovar que existe uma intencionalidade em „Buuu‟ que agrega capital simbólico ao canal, que confirma a sua posição no campo da televisão e que reforça todos os componentes do projeto da marca „Gloob‟. E o que parecia apenas uma oportunidade para contar uma história de fantasmas, pode ser agora compreendida como uma estratégia que ao combinar seus elementos, de tempos em tempos, reconstitui uma fórmula. Esta fórmula já é conhecida pela humanidade, aplicada pelos cientistas na academia e pelos profissionais nas organizações. Muitas vezes, esta fórmula precisa ser inovada, mas sempre garante saúde para as disputas de poder. A história parece nunca ter fim. Em „Buuu‟, o faraó reapareceu e estragou o que poderia ser um final. E aí? Queremos o final desta marca? Uma coisa é certa: existe uma fórmula em processo de apropriação no „Mundo Gloob‟. Referências Bibliográficas BOURDIEU, Pierre. A distinção. Crítica social do julgamento. 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