O CAFÉ FILOSÓFICO COMO POSSIBILIDADE DE
REFLETIR A SOCIEDADE
Elcione Leite de Paula1
Orientador: Dr. Tiago Adão Lara
Resumo: O café filosófico iniciou-se no ano de 1992, em Paris. Em Juiz de
Fora ganhou vida por meio do casal de professores graduados em Filosofia:
Tiago Adão Lara e Maria Helena Falcão Vasconcelos. Estes promovem uma
das modalidades existentes nesta cidade. Na mesa do bar, o participante
degusta as expressões contemporâneas da Filosofia com linguagem
musical, artística e até poética. Este trabalho visa incentivar a participação
da sociedade nos cafés filosóficos, haja vista sua preocupação em atender
as demandas do solo rugoso da vida.
Palavras-chave: Degustar. Pensamento.Llinguagem. Movimento.
Resumen: El café filosófico empezó al año 1992, en Paris. En Juiz de Fora
logró vida por médio del pareja de maestros graduados en Filosofia, Tiago
Adão Lara e Maria Helena Falcão Vasconcelos. Ellos promoven una de lãs
modalidades del café en esta ciudad. A la mesa del bar, el participante
degusta expresiones contemporâneas de la Filosofia por la lenguaje
musical, artistica e mismo poetica. Esto trabajo proponese incitar a la
participación de la sociedad a los cafés filosóficos, ya que tienen la
preocupación de atender a lãs demandas del suelo pliegoso de la vida.
Palabras-llave: Degustar, pensamiento, lenguaje, movimiento.
1
Graduado em Filosofia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora.
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1 Introdução
O
café filosófico como possibilidade de refletir a
sociedade é uma hipótese ruminada numa luta
entre gigantes: o eu que é cada um na disputa do poder com
os “monstros interiores” do ativismo hodierno. Dentre muitas
leituras, este trabalho conta com a contribuição de filósofos
brasileiros como: Marcondes em Perca tempo: é no lento que
a vida acontece, Adão Lara em A escola que não tive... o
professor que não fui e Silva em seu texto Função social do
filósofo.
2 HISTÓRICO CONTRIBUIÇÃO DOS CAFÉS FILOSÓFICOS
PARA O ÓCIO CRIATIVO
Hodiernamente, além das aulas de
professor pode incentivar o aluno a participar
modalidades de café filosófico, que podem
nestes o prazer do pensar filosófico nas horas
ócio criativo.
filosofia, o
das variadas
proporcionar
livres, i.é, de
2.1 Origem do Café Filosófico como Possibilidade de
Atividade Livre
O café filosófico teve como parteiro o Café de Phares
em 1992, aos domingos, na Praça da Bastilha de Paris,
organizado pelo filósofo Marc Saltet. Em 2001, surgiu em
Natal, tendo como principal idealizador Oscar Federico
Bauchwitz, o Café Potiguar. Este, a exemplo dos demais
eventos do gênero que têm se espalhado pelo país, inspirouse nos cafés franceses, em especial no Café de Phares. Na
mesma época, o café filosófico tomou corpo nas ruas
(cafeterias, bares e restaurantes) extra-acadêmicos paulistas
e no dia vinte de fevereiro de 1993 inaugurou-se em Juiz de
Fora a Nova Acrópole; ONG Internacional com matriz na
Argentina desde 1957.
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2.1.1 Histórico Do Café Filosófico Em Juiz De Fora
Em 2003, o café filosófico juizforano ganhou vida por
meio do casal de professores de Filosofia: Tiago Adão Lara e
Maria Helena Falcão Vasconcellos. No ano de 2005, a
Coordenação de Filosofia da UFJF iniciou o Café no
Restaurante Boulevard 40 no Bairro São Pedro, atualmente
orientado pelos professores de Filosofia da Universidade
Laélia Cardoso e Juarez Sofiste. Em 2006, ambos os
professores, junto com a psicóloga clínica Rosângela Rossi,
promoveram Quartas Filosóficas na Casa de Cultura. O curso,
que pode ser identificado como mais uma modalidade de
Café, é realizado em módulos, com o objetivo geral de pensar
bem para viver melhor. O professor Tiago nos lembra que o
cafezinho faz parte da identidade nacional e é um convite a
um bate-papo democrático, visto que a filosofia nasceu na
Praça de Atenas.
2.2 Ao Sabor de cada Café Filosófico
Apoiada pelos cafés filosóficos, a Filosofia vence o
estigma de que é um exercício de abstração desprovido de
valor, fora da realidade. Para o professor Lara, tal rótulo
pejorativo pode ter sido disseminado a partir do golpe militar
com o interesse político de coibir a influência do espírito crítico
da disciplina. Com a volta da amiga do saber ao cotidiano,
pretendemos, com este trabalho, demonstrar que a Filosofia
não é mera verborréia, mas pode ser uma acessível atividade
coletiva do filosofar. Da doméstica ao professor de Filosofia,
todos são parteiros de suas idéias. A Filosofia é exercício de
cidadania. Ilza Matias de Souza (UFRN) ressalta que a
importância do café filosófico se deve ao fato de que ele
inaugurou o comportamento de audiência de textos filosóficos
nas ruas, fora dos limites dos muros frios da universidade.
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Tornou-se tradição, sempre renovada e democratizada. A
disciplina, segundo Tiago, é a reflexão sobre a maneira
racional de viver. É a razão que motiva e dá sentido, sabor e
cor à vida.
O projeto do café filosófico não visa nenhum vínculo
institucional de extensão, mas visa abordar a filosofia de
forma viva e dinâmica, uma vez que o ser humano é
naturalmente filosófico e fazer sempre as perguntas básicas
sobre o sentido da vida, por exemplo. O Café não pode se
pretender uma terapia, mas ser suporte emancipador. A
filosofia no café parece sem dor, mas muito nos questiona,
pois sua preocupação é responder às demandas do solo
rugoso da vida. A filosofia pode ser mais que o discurso
acadêmico das salas de aula. Contudo, não é preciso
defender uma esquemática oposição entre vida e
universidade para se investir no café. É importante reconhecer
que a filosofia tem seu espaço tanto no café como na
universidade.
2.3 Como são os Cafés
Mas, como saber se um tema é ou não filosófico?
Acompanhadas por um cafezinho do costume popular e
informal do brasileiro, as discussões filosóficas essenciais
acerca da existência humana, com êxito, são aguçadas por
alguns professores graduados em filosofia. Os mesmos
orientam, interpelam e apimentam a temática em voga. A fim
de motivar as discussões, os professores utilizam de recursos
diversos como pintura, performance, música e poesia. Esta
não tenta transformar um discurso lógico em mágica, mas
procura conduzir a linguagem do sentido às suas fontes.
Logo, num Café em que se discute a filosofia contemporânea,
há a possibilidade do pensamento enquanto movimento na
literatura poética.
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O Café é exatamente para frisar que há diferença entre
fazer filosofia e não fazer. O professor que intermedeia prova
isso. A leitura extra-acadêmica, no espaço público dos cafés,
serve para expressar a diferença.
2.4 Objetivo de cada Modalidade
O Café Filosófico “Potiguar” tem características
próprias de filosofar — a começar pela constatação de que
ocorre numa região e num país com outro contexto histórico,
geográfico, cultural, político e climático. Tem em comum com
o evento francês o fato de reunir, semanalmente, um grupo de
pessoas interessadas em discutir temas de várias áreas da
cultura, ciência e arte, com base em uma perspectiva
filosófica. Uma das diferenças fundamentais é que, no Café
de Paris, o tema do amor, por exemplo, é sugerido na hora da
reunião. Se for aceito pelo animador e demais participantes,
inicia-se um debate livre no qual os interessados expressam
sua opinião concordando ou não com quem sugeriu o
assunto. Já, no Café de “Natal”, o tema é divulgado com
antecedência e os interessados se dirigem ao local para ouvir
o palestrante abordar a questão em pauta abrindo-se, em
seguida, o debate com o público. A necessidade de definir o
assunto previamente se deve, entre outros critérios, ao fato de
que posteriormente, as palestras são reunidas em livro. Logo,
esta modalidade se caracteriza por palestras onde após a
exposição do tema, é que se oferece oportunidade para
dúvidas e contribuições. A “Nova Acrópole” promove aulas à
maneira clássica, busca resgatar os valores humanos por
meio de obras que tratam da ética, da sociopolítica e da
filosofia da história. Seu estilo se assemelha com a logosofia.
No bar “Mezcla”, por meio da arte, discutir democraticamente
um tema por ano. Há uma partilha de experiências com o
tema. Na modalidade de café do Mezcla não há aula nem
palestra, e sim um bate-papo com reflexão filosófica
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acompanhada de apresentações de dança, música, vídeo,
teatro, poesia ou artes plásticas, com intervenções dos
professores no intuito de evitar a dispersão do assunto
discutido. Enfim, é apresentado e discutido um texto, que é a
porta da percepção do mundo, intermediado pelos
professores com interesse de que todos os participantes,
dentre eles, donas-de-casa, professores ou estudantes
participem. No “Boulevard 40”, em meio ao bate-papo ou a um
filme, discute-se semanalmente um tema escolhido pelo grupo
participante. Na “Casa de Cultura”, por meio de aulas e de
filmes, discute-se sobre temas pertinentes à história da
filosofia; ou melhor, são aulas de introdução à filosofia, com
caráter mais místico-oriental.
3 ATUALIZAÇÃO DO PENSAR FILOSÓFICO
Torna-se importante fazermos uma explanação do
processo do pensar filosófico, a fim de evitar anacronismo, ao
afirmar que na época de nossos pais, por exemplo, a vida era
melhor, uma vez que a sociedade brasileira era mais rural,
mais familiarizada, ecológica e a violência ainda não era tão
sofisticada como agora.
No entanto, é interessante lembrarmos que atualmente
somos produtores duma sociedade mais urbana, com luz
elétrica, nanotecnológica, com possibilidades cada vez
maiores de intervirmos no perigo de morte com uma cirurgia
ou retardarmos nossa morte biológica. Sendo assim, podemos
seguir o exemplo de Aristóteles, ao dialogar com os sofistas
de sua época, caso utilizemos o melhor dos recursos
tecnológicos que nós mesmos produzimos. Logo, não seria de
bom tom desconsiderarmos os instrumentos tecnológicos que
também fazem parte de nosso veio humano. Daí a
importância de dialogarmos ainda com os diferentes modos
de expressão do pensamento.
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3.1 Exemplo Clássico do Filosofar
O exercício socrático é normalmente apresentado em
dois momentos interpenetrantes que lhe são constitutivos. O
primeiro é denominado ironia. Esta é um apontamento de
contradições. Ou seja, o interlocutor de Sócrates, na tentativa
de se fazer compreender, se auto-avalia e expõe de si mesmo
também contradições que o fazem incompreensível. Na
esperança de desfazer-se de tais, instaura outras mais. Neste
emaranhado por ele próprio confessado, sente-se vítima da
ignorância, que o faz considerar: “só sei que nada sei”. Neste
momento, morre mais um “sábio” para gestação dolorosa,
mas importante, de mais um amigo do saber.
A maiêutica, que significa “parto”, tem por sustentação
essa crise instaurada pela ironia: incide num momento
“doloroso de desconstrução”, em conformidade com a
gestação, culminadas no “parto de idéias”. Todo esforço do
parto é bem expresso no “conhece-te a ti mesmo”. A crítica,
no procedimento filosófico socrático não é ato que vem de
fora, mas de dentro de quem dá à luz: contra os sofistas que
vivem de informações agradáveis, de “senso comum”,
Sócrates apela para que saia de nós apenas o que é nosso,
depurado pela nossa consciência. Grávidos do mundo, cabe a
cada um de nós a gestação de tudo o que foi colhido,
fazendo-o como que nosso, transformando-o na identidade do
múltiplo, num esforço sempre renovado. Dentre tudo o que
tomamos por verdade, o que é a “Verdade” pela qual
tomamos tudo isso? Aquele que exercita a crítica “forte”
mantém uma abertura ao “outro”, reconhecendo-se limitado,
não dono da verdade.
Percebemos que esse procedimento socrático tem o
diálogo como sua condição de possibilidade. É ao querer se
fazer compreender a outrem que alguém se expõe igualmente
para si mesmo, percebendo uma identidade que, embora
constituída
de
dobras,
busca
perfazer-se
agora
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frequentemente, pretensamente sem qualquer salto. Pela
inquietação das incompreensões que possa suscitar,
necessariamente se refaz por conservação e por mudança,
reparações na constante busca do melhor “conhecimento de
si mesmo”. Um homem fechado em si tende a tomar-se como
“universal”, promotor de ações intolerantes.
O filosofar de tendência histórica é expressão
inquestionável duma intenção de ruptura, pois enquanto as
instituições sociais objetivam a regularidade que nos subtrai a
insegurança de nossa existência, este filosofar, por sua vez,
nos subtrai de tal regularidade, denunciando-a como
conjectura humana de causas e efeitos apenas psicológicos e
sociais.
Avessa, conseqüentemente, a toda forma de
“controle”, qualquer previsão se faz inadmissível à filosofia.
Contra a cultura de “arquibancada de pão-e-circo”, o filosofar
é uma atividade radicalmente livre. Esta atitude compreende o
outro a partir das condições de suas lentes.
3.2 A Experiência e a Produção da Tolerância
Desde seu início, a filosofia esteve preocupada com a
problemática da ética (morada ou, aqui, tolerância). Sócrates,
em especial, se preocupou em relação aos sofistas, os quais
pareciam querer demoli-la, na medida em que relativizavam
costumes, tornando-os destituídos de valor absoluto.
O esforço de Sócrates e de toda a filosofia grega,
sobretudo com Platão, foi o de encontrar bases racionais
sólidas para a tecedura de tal abrigo. Este distingue o ser
humano dos animais. Enquanto o ser humano convive com a
angústia de buscar razões para seus questionamentos, os
instintos delimitam os animais. Conforme Lara, eis a diferença
entre a consciência humana e o instinto animal:
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A pujança da vida humana não acontece
apenas no trabalho e pelo trabalho. Acontece
também, e com igual valor, como instinto
celebrativo da alegria de viver; como
expressão da capacidade de ir ao encontro
das coisas numa perspectiva de jogo,
explorando a possibilidade de explodir o já
constituído e de entregar-se ao risco do novo,
pelo prazer de assim fazer. Brincar com as
coisas, com o próprio corpo (o que os animais
também fazem), com a capacidade de
fantasiar, pensar, sentir e agir levou a
humanidade a descobrir um mundo de formas
que estão muito além daquelas oferecidas pela
natureza e muito além daquelas cobradas pela
utilidade. A arte é essa capacidade de fazer o
novo acontecer... (LARA, 1996, 95).
Logo, só o ser humano é capaz de “curtir” o desafio da
tolerância ao diferente, a qual perfaz a crítica “forte”, abrindose ao diálogo com as demais perspectivas do pensar.2 Assim,
pode acontecer, no jogo da vida, o pensar filosófico.
4 FUNÇÃO SOCIAL DO FILÓSOFO
Segundo Leopoldo e Silva, as relações entre filosofia e
sociedade não se reduzem à explicação das condições
histórico-sociais da produção teorizada da filosofia. Para ele,
há o risco duma relação mecanicista, via negligência de
mediações (várias forças histórico-sociais), entre a história e a
subjetividade enquanto agente histórico.
2
Este capítulo foi tecido a partir do resumo produzido a partir de textos do Prof. Rodrigo R. A.
da Silva, citado nas referências.
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Todavia, Silva delimita a questão da função social do
filósofo por meio de duas perspectivas. A primeira questiona a
história sobre a função social do filósofo, e de que modo a
reflexão é inserida na história vivida por aquele que escolheu
o saber filosófico para a apreensão da realidade. A segunda
perspectiva prescreve a função do filósofo frente à
convivência e reflexão sobre o processo histórico. Ambas as
perspectivas podem se complementar caso se obtenham
elementos facilitadores da inserção, na história, da filosofia.
A segunda perspectiva deixa abertura para o
questionamento da própria inserção histórica da filosofia, uma
vez que os objetivos que ela pretende elucidar se encontram
na escala do absoluto, por causa da contemplação duma
realidade transcendente e não na efemeridade das relações
sociais e políticas do processo histórico.
Uma dificuldade relativa à primeira perspectiva se dá
no critério da seleção dos interlocutores. Dá escape para
questionamento às respostas, baseado em outra escolha que
delimita respostas diversas e contraditórias.
Conforme Silva, dificilmente, imagina-se um filósofo
mais comprometido com a vida política e a prática política da
cidade e seus problemas do que Sócrates. Desde o início da
filosofia nota-se a não-excludência da Verdade e da inserção
social na esfera do Saber, a fim de não confundir o caráter
contingente do proveito particular com as condições da
condução da coisa pública, do Bem Geral. É a partir do signo
da universalidade que o filósofo mantém-se no plano da
indagação, sem deixar escapar seu vínculo com a concretude
da contingência humana no solo rugoso da vida, em severa
oposição aos Sofistas.
É sob a perspectiva da universalidade que se entende
a condição do filósofo em Platão. E o Mito da Caverna ensina
que é necessário fugir do mundo das sombras e encontrar
fora da caverna o real mundo dos objetos e o sol que os
clarifica no seu autêntico ser. A dialética, enquanto método,
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garante que esta busca se dá numa direção que caracteriza a
idéia do Bem, fonte de realidade. Para Platão a morte pode
ser a conversão da alma, constitui a passagem da
obscuridade à clarividência, se o filósofo retornar à sua antiga
morada. A volta daquele que atingiu a contemplação da luz é
voluntária ou forçada? Há algo de condutor no espírito
filosófico. Faz-se necessário que este retorno esteja de algum
modo incluso na própria tarefa do filósofo enquanto
contemplação da verdade. No plano real do humano, o
filósofo é o mantenedor da justiça que deve reinar. Em Platão,
existe apenas a preocupação de retirar o fundamento da vida
política da esfera do contingente e colocá-lo sob aval da
universalidade. Pela manutenção da justiça o filósofo é um
homem entre outros homens, é aquele que conduz a si e ao
outro, por meio de si próprio, à autonomia (pedagogia)
espiritual que para Platão é a consciência da relatividade do
mundo sensível. Na justiça, a sociedade será naturalmente
harmoniosa e o poder, um acréscimo quase despercebido à
organização social.
A teoria política de Platão é um desdobramento do
retorno à Caverna, da preocupação com os outros homens.
A partir de Descartes, a inserção do filósofo na
sociedade passou a ser mais indireta. A filosofia cartesiana é
o fundamento da civilização moderna, do produto imediato e
matematizado da ciência moderna.
A inserção na história, na atitude filosófica de Pascal,
para Silva, não se baseia pela consciência da necessidade de
impor a norma da razão a todos os aspectos da vida humana
para que ele se beneficie da universalidade da teoria, mas da
vivência da incapacidade da razão em resolver as
contradições inerentes à vida. A inserção na história ocorre
pela aceitação da irracionalidade da história, que é, em
especial, a aceitação da contradição que a razão
historicamente constituída procura maquiar. O compromisso
do filósofo é com a manutenção da errância, com a
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peregrinação pelas contradições e com a divindade oculta. É
percorrendo meio errante um caminho marcado por
determinações religiosas, político-sociais que os homens se
inserem na história e que a consciência filosófica tramita entre
a grandeza e a miséria.
A inserção histórica e a função social de
alguma forma estão presas à nostalgia do
infinito. Se o homem é corrupto, o valor da
história também está irremediavelmente
comprometido com esta corrupção. Em todo
caso, sendo a história marca da finitude, ao
menos não corremos o risco de tentar superar
a finitude pela harmonia entre a história e a
razão (SILVA, Franklin. 1996, 18-19).
O filósofo que almeja resignificar a realidade para além
dos sentidos que ela dá conta deve, por meio duma crítica
procedente, desmistificar o conhecimento, a história e a
cultura enquanto produções exclusivas duma razão
ordenadora, dissolvendo as ideologias racionais, tais como a
universalidade, a ordem e a própria verdade.
O filósofo, que tem o ofício de dar sentido à reflexão do
vivido, que incorpora o nível da subjetividade operante e que
postula a inserção crítica na realidade, não pode
desconsiderar a complexidade da relação homem
(individual)/história (totalidade) e deve acrescentar ao
pensamento e à ação a vivência refletida das dicotomias que
conformam a existência histórica em todos os planos:
acaso/necessidade;
contingência
/
determinação.
A
compreensão desta espécie particular de dialética produz as
possibilidades de compreender o devir histórico, produz a
racionalidade imanente da história, que é fruto da afetação da
liberdade do sujeito com o curso da história.
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Para Silva, Platão iludiu-se ao entender que a
mudança da história pelo homem poderia ser uma
imobilização da verdade histórica. Do mesmo modo,
Descartes, ao acreditar que o método salva o homem do
devir, ao fixar uma essência atemporal na figura da razão
soberana. Nietzsche teria visto a forma de viver a
autenticidade da existência a partir da negação do valor que a
própria razão confere à existência, valor manifesto na
inserção racional da existência na história. Nietzsche afirma
que o filósofo é o legislador-dançarino. No entanto, para Silva,
Merleau-Ponty dá uma lição talvez mais próxima de nós: o
sentido da história é plural, contingente e dolorosamente
apreendido na dicotomia do fazer e do sofrer a história.
A segunda perspectiva apontada por Silva quer nos
mostrar que o filósofo tem, deve exercer uma função social.
É pelo mesmo motivo de Silva que vemos a
contribuição dos cafés filosóficos enquanto possibilidade de
ser ensaio e exercício livre de produzir outros conhecimentos
que não sejam deterministicamente àqueles produzidos pelo
trabalho assalariado regido pelo sistema capitalista. Uma
doceira, por exemplo, tem muito mais liberdade em seu
trabalho manual ao modelar seus quitutes conforme sua
criatividade. Isto é o que chamamos de ócio criativo: quanto
maior o número de compossíveis uma atividade abarca, mais
livre e criativa ela é. Assim, percebe-se que a discussão
produzida nos cafés filosóficos é parte do compromisso com o
processo histórico-social:
Por isto, o engajamento nunca pode se dar a
partir da segurança daquele que detém as
respostas, mas sempre a partir da
perplexidade daquele que sabe que a razão e
o sentido não excluem a imprevisibilidade, os
desvios e as angústias, uma vez que o homem
está na história como quem se procura, não
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como quem já se encontrou (SILVA, Franklin.
1996, 22).
O “negócio”, na Grécia, era um tipo de trabalho
indispensável à sobrevivência material. O ócio era para o
senhor que possuía escravos. Estes, com seus trabalhos,
acumulavam riqueza para seus proprietários. Enquanto a
classe operária se envolvia com seus trabalhos físicos,
enquanto a mulher tinha a obrigação de manter a espécie e
criar os filhos, os cidadãos tinham tempo para o ócio: trabalho
político, intelectual, artístico.
Com o mesmo tempo de duração, podemos optar por
exercer o “negócio”, talvez com o objetivo frenético de lucrar e
obter produção material em grande escala ou optar pela
reflexão nos cafés filosóficos. Estes são uma tentativa de criar
um “ócio” para filosofar, sair da Caverna, contemplar a luz e
cumprir o papel social do filósofo, que é retornar à Caverna,
mesmo se arriscando sem querer, sem ser compreendido,
mas exercendo a missão intrínseca do filósofo: guiar-se a si
mesmo e aos outros homens pela incontigência da Justiça na
peregrinação do devir humano rumo à luz do infinito.
CONCLUSÃO
Encontramo-nos numa cultura com informações
globalizadas
e
ao
mesmo
tempo
com
uma
superespecialização desenfreada.
Tantas informações prontas são ansiolíticas, em vez
de pensamento crítico-desenformado. Aprender a conhecer é
inserir-se numa pedagogia dialética que percebe a
importância da história em seu pretérito, presente e futuro. O
pensamento nunca deve perder-se no momentâneo.
Precisamos lembrar que nosso micro-conhecimento está
contido no macro-conhecimento do cosmos. É este pensar
transversal-lateral que as escolas buscam para o sucesso da
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transdisciplinaridade, a qual foge da caduca regra da
hierarquia que torna o conhecimento estéril.
Vemos que pensar filosoficamente implica conexão
entre os elementos diversos e significa autoquestionar-se
frente à realidade complexa a fim de não se ocultar no escuro
da nossa especialização fragmentada. Trata-se de ensinar e
aprender entre nós a arte para a problematização.
Podemos também nos educar para frequentarmos os
pensadores nas bibliotecas acessíveis na escola, na cidade
ou nos sítios da Internet. E nada de nos contentarmos com a
mediocridade de ler apenas os resumos das grandes obras!
Isto significa que aprenderemos a fazer uma leitura profunda
acerca dos discursos que nos são apresentados. Há uma
sabedoria das coisas. Há uma riqueza simbólica oculta no
coração delas. Sabemos que contemplar é observar, saber
para realizarmos o que idealizamos.
Já o pensar filosófico é o analisar e o sintetizar. É
separar e unir. A inteligência analítica procura perceber em
que uma realidade não é outra. A inteligência sintética tenta
recuperar dessas análises os pontos de comunhão, de
aproximação. Na análise, um não é o outro. Na síntese, um é
o outro, embora sob perspectivas diferentes. Acostumar-se ao
diálogo do sim e do não produz a arte de refletir criticamente.
Esta é cultivada pela nossa capacidade de saber se relacionar
com o diferente. Afirmações como estas acirram nosso
pensamento: “O todo é mais que a soma das partes”; “o todo
é inferior à soma das partes”. Ou seja, esta contradição
combate Max Weber e significa que quando cada pessoa
assume sua função equilibradamente, a sociedade torna-se
sadia.
Nesta sociedade do know-how, i.é, de conhecimento
técnico, ao sabermos nos perguntar e nos relacionar,
estaremos no processo de aprendizes do pensamento e da
vida. Estes se inserem no processo que consiste
fundamentalmente na preocupação de não acumular
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conhecimentos “vampirizados”, mas entendê-los em contextos
mais amplos. Esta é a tática de desacelerar, auscultar para
nos conduzir à produção de conhecimento no pensar
filosófico, o qual difere do senso comum da mera reprodução
de conhecimento.
Se for pelo prazer que o conhecimento acontece, o
professor de filosofia poderá preparar seu plano de curso
juntamente com os professores de outras disciplinas da
escola, a fim de que a filosofia não seja um apêndice ou mais
uma gaveta na mente do aluno. O professor pode elaborar
seu plano de curso em conjunto, conforme os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN’s). Contudo, sua aplicabilidade
poderá ser com calma. Em nosso estágio supervisionado em
alguns colégios, por exemplo, já notamos isto. Além disso, a
contação de estórias, pequenas excursões e aulas
extraclasses podem auxiliar muito o pensar filosófico, por
meio de gincanas, jogos, brincadeiras, partilha e troca de
afetos. O aluno, no ócio criativo, poderá exercer o pensar
filosófico, na dança da vida.
REFERÊNCIAS
BORGES, Jorge Luis. Esse ofício do verso. Org. Calin-Andrei
Mihailescu. Trad. José Marcos Macedo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000.
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