O CAFÉ FILOSÓFICO COMO POSSIBILIDADE DE REFLETIR A SOCIEDADE Elcione Leite de Paula1 Orientador: Dr. Tiago Adão Lara Resumo: O café filosófico iniciou-se no ano de 1992, em Paris. Em Juiz de Fora ganhou vida por meio do casal de professores graduados em Filosofia: Tiago Adão Lara e Maria Helena Falcão Vasconcelos. Estes promovem uma das modalidades existentes nesta cidade. Na mesa do bar, o participante degusta as expressões contemporâneas da Filosofia com linguagem musical, artística e até poética. Este trabalho visa incentivar a participação da sociedade nos cafés filosóficos, haja vista sua preocupação em atender as demandas do solo rugoso da vida. Palavras-chave: Degustar. Pensamento.Llinguagem. Movimento. Resumen: El café filosófico empezó al año 1992, en Paris. En Juiz de Fora logró vida por médio del pareja de maestros graduados en Filosofia, Tiago Adão Lara e Maria Helena Falcão Vasconcelos. Ellos promoven una de lãs modalidades del café en esta ciudad. A la mesa del bar, el participante degusta expresiones contemporâneas de la Filosofia por la lenguaje musical, artistica e mismo poetica. Esto trabajo proponese incitar a la participación de la sociedad a los cafés filosóficos, ya que tienen la preocupación de atender a lãs demandas del suelo pliegoso de la vida. Palabras-llave: Degustar, pensamiento, lenguaje, movimiento. 1 Graduado em Filosofia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. [email protected] Revista Eletrônica Print by http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.13, 2011 64 | P a g e PAULA, Elcione Leite de 1 Introdução O café filosófico como possibilidade de refletir a sociedade é uma hipótese ruminada numa luta entre gigantes: o eu que é cada um na disputa do poder com os “monstros interiores” do ativismo hodierno. Dentre muitas leituras, este trabalho conta com a contribuição de filósofos brasileiros como: Marcondes em Perca tempo: é no lento que a vida acontece, Adão Lara em A escola que não tive... o professor que não fui e Silva em seu texto Função social do filósofo. 2 HISTÓRICO CONTRIBUIÇÃO DOS CAFÉS FILOSÓFICOS PARA O ÓCIO CRIATIVO Hodiernamente, além das aulas de professor pode incentivar o aluno a participar modalidades de café filosófico, que podem nestes o prazer do pensar filosófico nas horas ócio criativo. filosofia, o das variadas proporcionar livres, i.é, de 2.1 Origem do Café Filosófico como Possibilidade de Atividade Livre O café filosófico teve como parteiro o Café de Phares em 1992, aos domingos, na Praça da Bastilha de Paris, organizado pelo filósofo Marc Saltet. Em 2001, surgiu em Natal, tendo como principal idealizador Oscar Federico Bauchwitz, o Café Potiguar. Este, a exemplo dos demais eventos do gênero que têm se espalhado pelo país, inspirouse nos cafés franceses, em especial no Café de Phares. Na mesma época, o café filosófico tomou corpo nas ruas (cafeterias, bares e restaurantes) extra-acadêmicos paulistas e no dia vinte de fevereiro de 1993 inaugurou-se em Juiz de Fora a Nova Acrópole; ONG Internacional com matriz na Argentina desde 1957. Revista Eletrônica Print by http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.13, 2011 65 | P a g e PAULA, Elcione Leite de 2.1.1 Histórico Do Café Filosófico Em Juiz De Fora Em 2003, o café filosófico juizforano ganhou vida por meio do casal de professores de Filosofia: Tiago Adão Lara e Maria Helena Falcão Vasconcellos. No ano de 2005, a Coordenação de Filosofia da UFJF iniciou o Café no Restaurante Boulevard 40 no Bairro São Pedro, atualmente orientado pelos professores de Filosofia da Universidade Laélia Cardoso e Juarez Sofiste. Em 2006, ambos os professores, junto com a psicóloga clínica Rosângela Rossi, promoveram Quartas Filosóficas na Casa de Cultura. O curso, que pode ser identificado como mais uma modalidade de Café, é realizado em módulos, com o objetivo geral de pensar bem para viver melhor. O professor Tiago nos lembra que o cafezinho faz parte da identidade nacional e é um convite a um bate-papo democrático, visto que a filosofia nasceu na Praça de Atenas. 2.2 Ao Sabor de cada Café Filosófico Apoiada pelos cafés filosóficos, a Filosofia vence o estigma de que é um exercício de abstração desprovido de valor, fora da realidade. Para o professor Lara, tal rótulo pejorativo pode ter sido disseminado a partir do golpe militar com o interesse político de coibir a influência do espírito crítico da disciplina. Com a volta da amiga do saber ao cotidiano, pretendemos, com este trabalho, demonstrar que a Filosofia não é mera verborréia, mas pode ser uma acessível atividade coletiva do filosofar. Da doméstica ao professor de Filosofia, todos são parteiros de suas idéias. A Filosofia é exercício de cidadania. Ilza Matias de Souza (UFRN) ressalta que a importância do café filosófico se deve ao fato de que ele inaugurou o comportamento de audiência de textos filosóficos nas ruas, fora dos limites dos muros frios da universidade. Revista Eletrônica Print by http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.13, 2011 66 | P a g e PAULA, Elcione Leite de Tornou-se tradição, sempre renovada e democratizada. A disciplina, segundo Tiago, é a reflexão sobre a maneira racional de viver. É a razão que motiva e dá sentido, sabor e cor à vida. O projeto do café filosófico não visa nenhum vínculo institucional de extensão, mas visa abordar a filosofia de forma viva e dinâmica, uma vez que o ser humano é naturalmente filosófico e fazer sempre as perguntas básicas sobre o sentido da vida, por exemplo. O Café não pode se pretender uma terapia, mas ser suporte emancipador. A filosofia no café parece sem dor, mas muito nos questiona, pois sua preocupação é responder às demandas do solo rugoso da vida. A filosofia pode ser mais que o discurso acadêmico das salas de aula. Contudo, não é preciso defender uma esquemática oposição entre vida e universidade para se investir no café. É importante reconhecer que a filosofia tem seu espaço tanto no café como na universidade. 2.3 Como são os Cafés Mas, como saber se um tema é ou não filosófico? Acompanhadas por um cafezinho do costume popular e informal do brasileiro, as discussões filosóficas essenciais acerca da existência humana, com êxito, são aguçadas por alguns professores graduados em filosofia. Os mesmos orientam, interpelam e apimentam a temática em voga. A fim de motivar as discussões, os professores utilizam de recursos diversos como pintura, performance, música e poesia. Esta não tenta transformar um discurso lógico em mágica, mas procura conduzir a linguagem do sentido às suas fontes. Logo, num Café em que se discute a filosofia contemporânea, há a possibilidade do pensamento enquanto movimento na literatura poética. Revista Eletrônica Print by http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.13, 2011 67 | P a g e PAULA, Elcione Leite de O Café é exatamente para frisar que há diferença entre fazer filosofia e não fazer. O professor que intermedeia prova isso. A leitura extra-acadêmica, no espaço público dos cafés, serve para expressar a diferença. 2.4 Objetivo de cada Modalidade O Café Filosófico “Potiguar” tem características próprias de filosofar — a começar pela constatação de que ocorre numa região e num país com outro contexto histórico, geográfico, cultural, político e climático. Tem em comum com o evento francês o fato de reunir, semanalmente, um grupo de pessoas interessadas em discutir temas de várias áreas da cultura, ciência e arte, com base em uma perspectiva filosófica. Uma das diferenças fundamentais é que, no Café de Paris, o tema do amor, por exemplo, é sugerido na hora da reunião. Se for aceito pelo animador e demais participantes, inicia-se um debate livre no qual os interessados expressam sua opinião concordando ou não com quem sugeriu o assunto. Já, no Café de “Natal”, o tema é divulgado com antecedência e os interessados se dirigem ao local para ouvir o palestrante abordar a questão em pauta abrindo-se, em seguida, o debate com o público. A necessidade de definir o assunto previamente se deve, entre outros critérios, ao fato de que posteriormente, as palestras são reunidas em livro. Logo, esta modalidade se caracteriza por palestras onde após a exposição do tema, é que se oferece oportunidade para dúvidas e contribuições. A “Nova Acrópole” promove aulas à maneira clássica, busca resgatar os valores humanos por meio de obras que tratam da ética, da sociopolítica e da filosofia da história. Seu estilo se assemelha com a logosofia. No bar “Mezcla”, por meio da arte, discutir democraticamente um tema por ano. Há uma partilha de experiências com o tema. Na modalidade de café do Mezcla não há aula nem palestra, e sim um bate-papo com reflexão filosófica Revista Eletrônica Print by http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.13, 2011 68 | P a g e PAULA, Elcione Leite de acompanhada de apresentações de dança, música, vídeo, teatro, poesia ou artes plásticas, com intervenções dos professores no intuito de evitar a dispersão do assunto discutido. Enfim, é apresentado e discutido um texto, que é a porta da percepção do mundo, intermediado pelos professores com interesse de que todos os participantes, dentre eles, donas-de-casa, professores ou estudantes participem. No “Boulevard 40”, em meio ao bate-papo ou a um filme, discute-se semanalmente um tema escolhido pelo grupo participante. Na “Casa de Cultura”, por meio de aulas e de filmes, discute-se sobre temas pertinentes à história da filosofia; ou melhor, são aulas de introdução à filosofia, com caráter mais místico-oriental. 3 ATUALIZAÇÃO DO PENSAR FILOSÓFICO Torna-se importante fazermos uma explanação do processo do pensar filosófico, a fim de evitar anacronismo, ao afirmar que na época de nossos pais, por exemplo, a vida era melhor, uma vez que a sociedade brasileira era mais rural, mais familiarizada, ecológica e a violência ainda não era tão sofisticada como agora. No entanto, é interessante lembrarmos que atualmente somos produtores duma sociedade mais urbana, com luz elétrica, nanotecnológica, com possibilidades cada vez maiores de intervirmos no perigo de morte com uma cirurgia ou retardarmos nossa morte biológica. Sendo assim, podemos seguir o exemplo de Aristóteles, ao dialogar com os sofistas de sua época, caso utilizemos o melhor dos recursos tecnológicos que nós mesmos produzimos. Logo, não seria de bom tom desconsiderarmos os instrumentos tecnológicos que também fazem parte de nosso veio humano. Daí a importância de dialogarmos ainda com os diferentes modos de expressão do pensamento. Revista Eletrônica Print by http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.13, 2011 69 | P a g e PAULA, Elcione Leite de 3.1 Exemplo Clássico do Filosofar O exercício socrático é normalmente apresentado em dois momentos interpenetrantes que lhe são constitutivos. O primeiro é denominado ironia. Esta é um apontamento de contradições. Ou seja, o interlocutor de Sócrates, na tentativa de se fazer compreender, se auto-avalia e expõe de si mesmo também contradições que o fazem incompreensível. Na esperança de desfazer-se de tais, instaura outras mais. Neste emaranhado por ele próprio confessado, sente-se vítima da ignorância, que o faz considerar: “só sei que nada sei”. Neste momento, morre mais um “sábio” para gestação dolorosa, mas importante, de mais um amigo do saber. A maiêutica, que significa “parto”, tem por sustentação essa crise instaurada pela ironia: incide num momento “doloroso de desconstrução”, em conformidade com a gestação, culminadas no “parto de idéias”. Todo esforço do parto é bem expresso no “conhece-te a ti mesmo”. A crítica, no procedimento filosófico socrático não é ato que vem de fora, mas de dentro de quem dá à luz: contra os sofistas que vivem de informações agradáveis, de “senso comum”, Sócrates apela para que saia de nós apenas o que é nosso, depurado pela nossa consciência. Grávidos do mundo, cabe a cada um de nós a gestação de tudo o que foi colhido, fazendo-o como que nosso, transformando-o na identidade do múltiplo, num esforço sempre renovado. Dentre tudo o que tomamos por verdade, o que é a “Verdade” pela qual tomamos tudo isso? Aquele que exercita a crítica “forte” mantém uma abertura ao “outro”, reconhecendo-se limitado, não dono da verdade. Percebemos que esse procedimento socrático tem o diálogo como sua condição de possibilidade. É ao querer se fazer compreender a outrem que alguém se expõe igualmente para si mesmo, percebendo uma identidade que, embora constituída de dobras, busca perfazer-se agora Revista Eletrônica Print by http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.13, 2011 70 | P a g e PAULA, Elcione Leite de frequentemente, pretensamente sem qualquer salto. Pela inquietação das incompreensões que possa suscitar, necessariamente se refaz por conservação e por mudança, reparações na constante busca do melhor “conhecimento de si mesmo”. Um homem fechado em si tende a tomar-se como “universal”, promotor de ações intolerantes. O filosofar de tendência histórica é expressão inquestionável duma intenção de ruptura, pois enquanto as instituições sociais objetivam a regularidade que nos subtrai a insegurança de nossa existência, este filosofar, por sua vez, nos subtrai de tal regularidade, denunciando-a como conjectura humana de causas e efeitos apenas psicológicos e sociais. Avessa, conseqüentemente, a toda forma de “controle”, qualquer previsão se faz inadmissível à filosofia. Contra a cultura de “arquibancada de pão-e-circo”, o filosofar é uma atividade radicalmente livre. Esta atitude compreende o outro a partir das condições de suas lentes. 3.2 A Experiência e a Produção da Tolerância Desde seu início, a filosofia esteve preocupada com a problemática da ética (morada ou, aqui, tolerância). Sócrates, em especial, se preocupou em relação aos sofistas, os quais pareciam querer demoli-la, na medida em que relativizavam costumes, tornando-os destituídos de valor absoluto. O esforço de Sócrates e de toda a filosofia grega, sobretudo com Platão, foi o de encontrar bases racionais sólidas para a tecedura de tal abrigo. Este distingue o ser humano dos animais. Enquanto o ser humano convive com a angústia de buscar razões para seus questionamentos, os instintos delimitam os animais. Conforme Lara, eis a diferença entre a consciência humana e o instinto animal: Revista Eletrônica Print by http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.13, 2011 71 | P a g e PAULA, Elcione Leite de A pujança da vida humana não acontece apenas no trabalho e pelo trabalho. Acontece também, e com igual valor, como instinto celebrativo da alegria de viver; como expressão da capacidade de ir ao encontro das coisas numa perspectiva de jogo, explorando a possibilidade de explodir o já constituído e de entregar-se ao risco do novo, pelo prazer de assim fazer. Brincar com as coisas, com o próprio corpo (o que os animais também fazem), com a capacidade de fantasiar, pensar, sentir e agir levou a humanidade a descobrir um mundo de formas que estão muito além daquelas oferecidas pela natureza e muito além daquelas cobradas pela utilidade. A arte é essa capacidade de fazer o novo acontecer... (LARA, 1996, 95). Logo, só o ser humano é capaz de “curtir” o desafio da tolerância ao diferente, a qual perfaz a crítica “forte”, abrindose ao diálogo com as demais perspectivas do pensar.2 Assim, pode acontecer, no jogo da vida, o pensar filosófico. 4 FUNÇÃO SOCIAL DO FILÓSOFO Segundo Leopoldo e Silva, as relações entre filosofia e sociedade não se reduzem à explicação das condições histórico-sociais da produção teorizada da filosofia. Para ele, há o risco duma relação mecanicista, via negligência de mediações (várias forças histórico-sociais), entre a história e a subjetividade enquanto agente histórico. 2 Este capítulo foi tecido a partir do resumo produzido a partir de textos do Prof. Rodrigo R. A. da Silva, citado nas referências. Revista Eletrônica Print by http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.13, 2011 72 | P a g e PAULA, Elcione Leite de Todavia, Silva delimita a questão da função social do filósofo por meio de duas perspectivas. A primeira questiona a história sobre a função social do filósofo, e de que modo a reflexão é inserida na história vivida por aquele que escolheu o saber filosófico para a apreensão da realidade. A segunda perspectiva prescreve a função do filósofo frente à convivência e reflexão sobre o processo histórico. Ambas as perspectivas podem se complementar caso se obtenham elementos facilitadores da inserção, na história, da filosofia. A segunda perspectiva deixa abertura para o questionamento da própria inserção histórica da filosofia, uma vez que os objetivos que ela pretende elucidar se encontram na escala do absoluto, por causa da contemplação duma realidade transcendente e não na efemeridade das relações sociais e políticas do processo histórico. Uma dificuldade relativa à primeira perspectiva se dá no critério da seleção dos interlocutores. Dá escape para questionamento às respostas, baseado em outra escolha que delimita respostas diversas e contraditórias. Conforme Silva, dificilmente, imagina-se um filósofo mais comprometido com a vida política e a prática política da cidade e seus problemas do que Sócrates. Desde o início da filosofia nota-se a não-excludência da Verdade e da inserção social na esfera do Saber, a fim de não confundir o caráter contingente do proveito particular com as condições da condução da coisa pública, do Bem Geral. É a partir do signo da universalidade que o filósofo mantém-se no plano da indagação, sem deixar escapar seu vínculo com a concretude da contingência humana no solo rugoso da vida, em severa oposição aos Sofistas. É sob a perspectiva da universalidade que se entende a condição do filósofo em Platão. E o Mito da Caverna ensina que é necessário fugir do mundo das sombras e encontrar fora da caverna o real mundo dos objetos e o sol que os clarifica no seu autêntico ser. A dialética, enquanto método, Revista Eletrônica Print by http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.13, 2011 73 | P a g e PAULA, Elcione Leite de garante que esta busca se dá numa direção que caracteriza a idéia do Bem, fonte de realidade. Para Platão a morte pode ser a conversão da alma, constitui a passagem da obscuridade à clarividência, se o filósofo retornar à sua antiga morada. A volta daquele que atingiu a contemplação da luz é voluntária ou forçada? Há algo de condutor no espírito filosófico. Faz-se necessário que este retorno esteja de algum modo incluso na própria tarefa do filósofo enquanto contemplação da verdade. No plano real do humano, o filósofo é o mantenedor da justiça que deve reinar. Em Platão, existe apenas a preocupação de retirar o fundamento da vida política da esfera do contingente e colocá-lo sob aval da universalidade. Pela manutenção da justiça o filósofo é um homem entre outros homens, é aquele que conduz a si e ao outro, por meio de si próprio, à autonomia (pedagogia) espiritual que para Platão é a consciência da relatividade do mundo sensível. Na justiça, a sociedade será naturalmente harmoniosa e o poder, um acréscimo quase despercebido à organização social. A teoria política de Platão é um desdobramento do retorno à Caverna, da preocupação com os outros homens. A partir de Descartes, a inserção do filósofo na sociedade passou a ser mais indireta. A filosofia cartesiana é o fundamento da civilização moderna, do produto imediato e matematizado da ciência moderna. A inserção na história, na atitude filosófica de Pascal, para Silva, não se baseia pela consciência da necessidade de impor a norma da razão a todos os aspectos da vida humana para que ele se beneficie da universalidade da teoria, mas da vivência da incapacidade da razão em resolver as contradições inerentes à vida. A inserção na história ocorre pela aceitação da irracionalidade da história, que é, em especial, a aceitação da contradição que a razão historicamente constituída procura maquiar. O compromisso do filósofo é com a manutenção da errância, com a Revista Eletrônica Print by http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.13, 2011 74 | P a g e PAULA, Elcione Leite de peregrinação pelas contradições e com a divindade oculta. É percorrendo meio errante um caminho marcado por determinações religiosas, político-sociais que os homens se inserem na história e que a consciência filosófica tramita entre a grandeza e a miséria. A inserção histórica e a função social de alguma forma estão presas à nostalgia do infinito. Se o homem é corrupto, o valor da história também está irremediavelmente comprometido com esta corrupção. Em todo caso, sendo a história marca da finitude, ao menos não corremos o risco de tentar superar a finitude pela harmonia entre a história e a razão (SILVA, Franklin. 1996, 18-19). O filósofo que almeja resignificar a realidade para além dos sentidos que ela dá conta deve, por meio duma crítica procedente, desmistificar o conhecimento, a história e a cultura enquanto produções exclusivas duma razão ordenadora, dissolvendo as ideologias racionais, tais como a universalidade, a ordem e a própria verdade. O filósofo, que tem o ofício de dar sentido à reflexão do vivido, que incorpora o nível da subjetividade operante e que postula a inserção crítica na realidade, não pode desconsiderar a complexidade da relação homem (individual)/história (totalidade) e deve acrescentar ao pensamento e à ação a vivência refletida das dicotomias que conformam a existência histórica em todos os planos: acaso/necessidade; contingência / determinação. A compreensão desta espécie particular de dialética produz as possibilidades de compreender o devir histórico, produz a racionalidade imanente da história, que é fruto da afetação da liberdade do sujeito com o curso da história. Revista Eletrônica Print by http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.13, 2011 75 | P a g e PAULA, Elcione Leite de Para Silva, Platão iludiu-se ao entender que a mudança da história pelo homem poderia ser uma imobilização da verdade histórica. Do mesmo modo, Descartes, ao acreditar que o método salva o homem do devir, ao fixar uma essência atemporal na figura da razão soberana. Nietzsche teria visto a forma de viver a autenticidade da existência a partir da negação do valor que a própria razão confere à existência, valor manifesto na inserção racional da existência na história. Nietzsche afirma que o filósofo é o legislador-dançarino. No entanto, para Silva, Merleau-Ponty dá uma lição talvez mais próxima de nós: o sentido da história é plural, contingente e dolorosamente apreendido na dicotomia do fazer e do sofrer a história. A segunda perspectiva apontada por Silva quer nos mostrar que o filósofo tem, deve exercer uma função social. É pelo mesmo motivo de Silva que vemos a contribuição dos cafés filosóficos enquanto possibilidade de ser ensaio e exercício livre de produzir outros conhecimentos que não sejam deterministicamente àqueles produzidos pelo trabalho assalariado regido pelo sistema capitalista. Uma doceira, por exemplo, tem muito mais liberdade em seu trabalho manual ao modelar seus quitutes conforme sua criatividade. Isto é o que chamamos de ócio criativo: quanto maior o número de compossíveis uma atividade abarca, mais livre e criativa ela é. Assim, percebe-se que a discussão produzida nos cafés filosóficos é parte do compromisso com o processo histórico-social: Por isto, o engajamento nunca pode se dar a partir da segurança daquele que detém as respostas, mas sempre a partir da perplexidade daquele que sabe que a razão e o sentido não excluem a imprevisibilidade, os desvios e as angústias, uma vez que o homem está na história como quem se procura, não Revista Eletrônica Print by http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.13, 2011 76 | P a g e PAULA, Elcione Leite de como quem já se encontrou (SILVA, Franklin. 1996, 22). O “negócio”, na Grécia, era um tipo de trabalho indispensável à sobrevivência material. O ócio era para o senhor que possuía escravos. Estes, com seus trabalhos, acumulavam riqueza para seus proprietários. Enquanto a classe operária se envolvia com seus trabalhos físicos, enquanto a mulher tinha a obrigação de manter a espécie e criar os filhos, os cidadãos tinham tempo para o ócio: trabalho político, intelectual, artístico. Com o mesmo tempo de duração, podemos optar por exercer o “negócio”, talvez com o objetivo frenético de lucrar e obter produção material em grande escala ou optar pela reflexão nos cafés filosóficos. Estes são uma tentativa de criar um “ócio” para filosofar, sair da Caverna, contemplar a luz e cumprir o papel social do filósofo, que é retornar à Caverna, mesmo se arriscando sem querer, sem ser compreendido, mas exercendo a missão intrínseca do filósofo: guiar-se a si mesmo e aos outros homens pela incontigência da Justiça na peregrinação do devir humano rumo à luz do infinito. CONCLUSÃO Encontramo-nos numa cultura com informações globalizadas e ao mesmo tempo com uma superespecialização desenfreada. Tantas informações prontas são ansiolíticas, em vez de pensamento crítico-desenformado. Aprender a conhecer é inserir-se numa pedagogia dialética que percebe a importância da história em seu pretérito, presente e futuro. O pensamento nunca deve perder-se no momentâneo. Precisamos lembrar que nosso micro-conhecimento está contido no macro-conhecimento do cosmos. É este pensar transversal-lateral que as escolas buscam para o sucesso da Revista Eletrônica Print by http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.13, 2011 77 | P a g e PAULA, Elcione Leite de transdisciplinaridade, a qual foge da caduca regra da hierarquia que torna o conhecimento estéril. Vemos que pensar filosoficamente implica conexão entre os elementos diversos e significa autoquestionar-se frente à realidade complexa a fim de não se ocultar no escuro da nossa especialização fragmentada. Trata-se de ensinar e aprender entre nós a arte para a problematização. Podemos também nos educar para frequentarmos os pensadores nas bibliotecas acessíveis na escola, na cidade ou nos sítios da Internet. E nada de nos contentarmos com a mediocridade de ler apenas os resumos das grandes obras! Isto significa que aprenderemos a fazer uma leitura profunda acerca dos discursos que nos são apresentados. Há uma sabedoria das coisas. Há uma riqueza simbólica oculta no coração delas. Sabemos que contemplar é observar, saber para realizarmos o que idealizamos. Já o pensar filosófico é o analisar e o sintetizar. É separar e unir. A inteligência analítica procura perceber em que uma realidade não é outra. A inteligência sintética tenta recuperar dessas análises os pontos de comunhão, de aproximação. Na análise, um não é o outro. Na síntese, um é o outro, embora sob perspectivas diferentes. Acostumar-se ao diálogo do sim e do não produz a arte de refletir criticamente. Esta é cultivada pela nossa capacidade de saber se relacionar com o diferente. Afirmações como estas acirram nosso pensamento: “O todo é mais que a soma das partes”; “o todo é inferior à soma das partes”. Ou seja, esta contradição combate Max Weber e significa que quando cada pessoa assume sua função equilibradamente, a sociedade torna-se sadia. Nesta sociedade do know-how, i.é, de conhecimento técnico, ao sabermos nos perguntar e nos relacionar, estaremos no processo de aprendizes do pensamento e da vida. Estes se inserem no processo que consiste fundamentalmente na preocupação de não acumular Revista Eletrônica Print by http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.13, 2011 78 | P a g e PAULA, Elcione Leite de conhecimentos “vampirizados”, mas entendê-los em contextos mais amplos. Esta é a tática de desacelerar, auscultar para nos conduzir à produção de conhecimento no pensar filosófico, o qual difere do senso comum da mera reprodução de conhecimento. Se for pelo prazer que o conhecimento acontece, o professor de filosofia poderá preparar seu plano de curso juntamente com os professores de outras disciplinas da escola, a fim de que a filosofia não seja um apêndice ou mais uma gaveta na mente do aluno. O professor pode elaborar seu plano de curso em conjunto, conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s). Contudo, sua aplicabilidade poderá ser com calma. Em nosso estágio supervisionado em alguns colégios, por exemplo, já notamos isto. Além disso, a contação de estórias, pequenas excursões e aulas extraclasses podem auxiliar muito o pensar filosófico, por meio de gincanas, jogos, brincadeiras, partilha e troca de afetos. O aluno, no ócio criativo, poderá exercer o pensar filosófico, na dança da vida. REFERÊNCIAS BORGES, Jorge Luis. Esse ofício do verso. Org. Calin-Andrei Mihailescu. Trad. José Marcos Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. DE MONTAIGNE, Michel. Pedantismo. In: ____. Ensaios. São Paulo: Abril Cultural, 1972 (Os Pensadores). FILHO, Ciro Marcondes. Perca tempo: é no lento que a vida acontece. São Paulo: Paulus, 2005. LARA, Tiago Adão. A produção da riqueza material e o trabalho. In: ____ A escola que não tive — o professor que não fui: temas de filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1996, p. 75-84. ____ A produção dos símbolos. In: ____. A escola que não tive — o Revista Eletrônica Print by http://www.ufsj.edu.br/revistalable Μετάνοια, São João del-Rei/MG, n.13, 2011 79 | P a g e PAULA, Elcione Leite de professor que não fui: temas de filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1996, p. 92-96. ____ A experiência e a produção éticas. In: ____. A escola que não tive — o professor que não fui: temas de filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1996, p. 102-103. LIBANIO, João Batista. Aprender a conhecer e a pensar. In: ____. A arte de formar-se. CES, 2. ed. São Paulo: Loyola, 2001, p. 17-41. PLATÃO. Defesa de Sócrates. Trad. Jaime Bruna. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980 (Os pensadores). SILVA, Franklin Leopoldo e. Função social do filósofo. In: MUCHAIL, Salma Tannus (Org.). A Filosofia e seu ensino. 2. ed. São Paulo: EDUC, 1996, p. 9-22. SILVA, Rodrigo Rodrigues Alvim da. Aula. Juiz de Fora: s/d. KOAN, Walter O. (Org.). Filosofia: caminhos para seu ensino. Rio de Janeiro: DP & A, 2004. 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