CAPÍTULO IV RESISTÊNCIA E RECRIAÇÃO CAMPONESA: AS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO 138 4 RESISTÊNCIA E RECRIAÇÃO CAMPONESA: AS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO Nosso esforço analítico recai nas evidências de que a recriação da classe camponesa de Nova Floresta e Teixeira é uma expressão do desenvolvimento contraditório do capital. Essa compreensão descarta a idéia da inexorabilidade do desenvolvimento capitalista em expropriar os camponeses dos seus meios de produção, haja vista que a realidade das comunidades rurais de ambos os municípios, expressam exatamente o contrário deste caminho cujo fim seria o desaparecimento do campesinato. Neste capítulo abordamos a resistência e a recriação camponesa nos municípios de Nova Floresta e Teixeira pelo viés das formas de organização da produção buscando evidenciar tal assertiva. Partimos de uma caracterização dos camponeses desses municípios realizada com base na pesquisa empírica. 4.1 Caracterização do campesinato de Nova Floresta e Teixeira Caracterizamos a população que compõe o universo das famílias camponesas que responderam aos questionários nos dois assentamentos e nas 26 comunidades visitadas em ambos os municípios. Além da visita ao Sítio Canteiro Cheiro Verde localizado na sede do município de Nova Floresta. Levou-se em consideração para o cálculo do tamanho médio das famílias o número de pessoas residentes no domicílio e os filhos que já saíram de casa. Verificamos que o tamanho médio das famílias em Nova Floresta é de 4,7 pessoas e em Teixeira é de 6,6 pessoas. Considerando apenas a população residente no momento da pesquisa nas unidades de produção camponesas de Nova Floresta, verificamos a predominância de crianças na faixa etária de menos de 4 até 14 anos de idade (58,4%), o que é indicador da jovialidade dessa população (v. gráfico 5). A distribuição segundo o sexo ressalta uma ligeira predominância dos homens (51,5%) sobre as mulheres (48,5%). 139 Gráfico 5 Fonte: Pesquisa de campo em Nova Floresta-PB em 05/02/2011. Org. Silvana Cristina Costa Correia. A relação entre sexo e idade permite fazer algumas inferências interessantes, tais como: a) a população que compõe as famílias camponesas investigadas é dominantemente jovem, com 44,4% do total inserida nas faixas etárias entre menos de 1 a 24 anos; b) embora os homens representem um número maior na faixa de 25 a 34 anos, percebemos uma presença maior de mulheres nas faixas etárias de 10 a 14 anos e um retorno da preponderância feminina entre 20 e 34 anos. Podemos inferir a diminuição do número de pessoas do sexo masculino na faixa de 35 a 44 anos, à saída dos filhos da casa dos pais por motivo de casamento ou a migração dos homens em idade produtiva em busca de trabalho noutros lugares; c) o número de idosos é pequeno, apenas 8 pessoas com mais de 65 anos de idade, sendo 3 homens e 5 mulheres. Em Teixeira, conforme o gráfico 6, verificamos também a jovialidade da população camponesa, com a predominância de crianças e jovens na faixa etária de 10 a 17 anos de idade (16,3%) e de adultos na faixa entre 25 e 44 anos (33,3%). A distribuição da população segundo o sexo, de forma semelhante a de Nova Floresta, ressalta uma ligeira predominância dos homens (51,%) sobre as mulheres (49%). 140 Gráfico 6 Fonte: Pesquisa de Campo em Teixeira. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 11/01/2011. Algumas constatações sobre a relação entre sexo e idade também foram feitas em Teixeira, a saber: a) os homens representam um número maior na faixa entre 10 a 14 anos, entre 20 a 24 anos e um retorno entre 40 a 44 anos; b) as mulheres são predominantes na faixa de 25 a 34 anos; c) os idosos acima de 65 anos de idade representam somente 7 pessoas, sendo 4 homens e 3 mulheres. Os mesmos motivos encontrados em Nova Floresta para explicar a saída dos homens da casa de seus pais em idade produtiva, também foram identificados em Teixeira: o casamento1 e a migração para outras regiões. Todavia, é preciso ressalvas para compreender a questão da migração dos camponeses, pois em determinados casos específicos, ao invés de indicar a desintegração do campesinato, pode surgir como efeito de resistência para garantir a sua condição de ser camponês. Esse é o caso da migração temporária2, movimento tradicional 1 É comum a permanência dos filhos depois de casados no campo, geralmente, eles herdam ou compram pequenas propriedades em comunidades próximas dos pais e formam novas famílias camponesas. Observou-se durante nossas visitas, o interesse dos pais em indicar as propriedades dos seus filhos para que fôssemos aplicar os questionários. Constatou-se também, de forma reduzida, a saída dos filhos depois de casados para a sede dos municípios de Nova Floresta e Teixeira, ou para outros municípios do estado da Paraíba. 2 Até mesmo no caso da migração definitiva para as regiões Sul e Sudeste, pois o dinheiro enviado dos filhos para os pais assegura em parte a recriação deles como camponeses. 141 que caracteriza a vida camponesa. Conforme Fabrini (2003) esse movimento se apresenta de forma contraditória: Quase sempre o trabalhador migra temporariamente para assegurar a permanência de seu pequeno mundo camponês; migra para assegurar com ganhos extraordinários as carências que já não podem ser supridas pela própria unidade de produção familiar (p. 3). Para Fabrini (2003) as migrações são formas de resistências que devem ser estudadas num contexto de crise do sistema capitalista de produção, no qual a crise é sempre caracterizada pelo movimento migratório das pessoas em busca de melhores condições de sobrevivência para suas famílias. Tal assertiva explica o que verificamos em Nova Floresta: do total das 41 famílias camponesas entrevistadas, 8 delas possuem pelo menos um membro da família que migra temporariamente. Durante as entrevistas, uma camponesa de 26 anos de idade, declarou que o seu marido se encontrava em Goiás trabalhando no corte da cana. Nas palavras da jovem camponesa: No momento só tá eu e meu filho em casa, será que eu sirvo prá responder as entrevista que a senhora tem? Porque meu marido faz seis mês que tá em Goiás trabalhando na cana (...). Ele já foi também pro Mato Grosso, geralmente ele passa uns seis mês lá e depois volta pra casa, aí só fica eu e ele de dois anos e seis meses. Eu toco o roçado do meu jeito, planto um pouco de feijão e milho, às vezes o meu pai vem me ajudar aqui, crio 3 galinhas e tenho um garrote novo que o meu marido comprou o ano passado depois de trabalhar fora, longe daqui. (...) As vez eu vendo castanha do caju, pra dá uma ajudinha financeira antes que ele chegue com dinheiro em casa (...) geralmente ele vem com uns dois mil reais (Depoimento concedido pela camponesa Josineide dos Santos Silva da Comunidade de Boi Morto em Nova Floresta-PB, 04/02/2011). Em outras palavras, o marido da jovem camponesa migra temporariamente para outras regiões do país para trabalhar na atividade canavieira e depois retorna para o seu sítio para no próximo ano viajar outra vez. Fato que explica que “a migração em si não se constitui na libertação, mas num potencial onde se busca a fixação num determinando lugar” (FABRINI, 2003, p. 4). Ou seja, é no retorno à pequena unidade de produção camponesa que o camponês se liberta das relações de subordinação impostas pelo modo de produção capitalista e garante a sua autonomia como camponês permanecendo na sua terra. Neste caso, a migração é uma forma de resistência construída pelo próprio camponês (migrante temporário) que se recria contraditoriamente à lógica capitalista. 142 Essa compreensão se contrapõe a idéia de José Graziano da Silva (1994) de que a própria dinâmica do desenvolvimento do capitalismo no campo do Brasil provocaria a passagem do trabalho assalariado temporário dos camponeses para o trabalho assalariado permanente. Porém, o que vimos em Nova Floresta foi o contrário, a saída do camponês migrante temporário para o Centro-Sul do país não expressa nenhuma debilidade do capital, e sim o movimento contraditório deste que precisa desta relação de trabalho para se reproduzir. Dando continuidade à caracterização das famílias camponesas de Nova Floresta e de Teixeira, a maior parte dos membros das famílias é natural3 dos próprios municípios ou das mesorregiões em que os mesmos se situam. O nível de escolaridade dos chefes de família é muito baixo, em Teixeira 68,5% deles cursaram somente a primeira fase do ensino fundamental e nem todos chegaram a concluí-la. Verificamos ainda que quatro são analfabetos e somente um dos 35 chefes de família possui curso superior de Pedagogia, leciona numa escola no centro de Teixeira, mas continua morando em seu sítio. Em Nova Floresta dos 41 chefes de famílias, 41,4% não conseguiram terminar o ensino fundamental I, 12 deles declararam nunca terem estudado, e apenas uma família tem um filho formado em Agronomia e mais um se preparando para o vestibular deste ano. Tratase justamente da família cuja unidade produtiva localiza-se na sede do município. Em contrapartida em ambos os municípios, todas as crianças de 7 a 15 anos de idade encontram-se freqüentando a escola e no nível de escolaridade compatível com a sua faixa etária, portanto, são contempladas com o Programa Bolsa Família, cujos valores variam entre R$ 90,00 a R$ 120,00. Constatamos em Nova Floresta que 10 chefes de família (24,3%) estão aposentados, outros dois têm um parente em casa que recebe aposentadoria e que contribui com as despesas do sítio. Já em Teixeira encontramos um número maior de chefes de família aposentados, totalizando 15, o que representa 42,8% do total dos entrevistados. Apenas um camponês declarou não ser aposentado, mas em compensação, complementa a sua renda familiar com a aposentadoria e a pensão da mãe que reside com ele em seu sítio. 3 De acordo com os depoimentos dos camponeses de Nova Floresta, são naturais dos seguintes municípios: Cuité, Currais Novos, Frei Martinho, Picuí, Jaçanã-RN, Santa Cruz-RN, Rio de Janeiro-RJ e Itibiara-MG. Os camponeses de Teixeira declararam serem naturais da Mesorregião do Sertão paraibano dos municípios de Desterro, Cacimbas, Cacimbas de Areia, Imaculada, Pombal, Manaíra e Princesa Isabel. Vale destacar que é comum apenas o nascimento ter lugar nas maternidades destes municípios, mas o local de moradia é sempre a zona rural. 143 É nítida a contribuição da bolsa família e da aposentadoria no processo de recriação do campesinato dos municípios analisados. Este aspecto será melhor abordado no último subitem deste capítulo. O tamanho das unidades de produção camponesas das 35 famílias que responderam aos questionários em Teixeira varia de 0,5 a 50 hectares, sendo que 62,8% inserem-se na faixa de 2 a menos de 10 hectares (Gráfico 7). Apenas uma família mora em uma propriedade cedida por um parente cujo tamanho ultrapassa a média de nossas análises, com 112 hectares, porém eles produzem em somente 5 hectares. Gráfico 7 Fonte: Trabalho de campo em Teixeira-PB, 11/01/2011. Org. Silvana Cristina Costa Correia. Em Nova Floresta, o tamanho das unidades de produção camponesas das 41 famílias segue quase o mesmo padrão de Teixeira, varia de 0,5 a 20 hectares, com 83% deles inseridos na faixa de 1 a menos de 20 hectares (Gráfico 8). 144 Gráfico 8 Fonte: Trabalho de campo em Nova Floresta-PB, 05/02/2011. Org. Silvana Cristina Costa Correia. Em todas as comunidades visitadas nos dois municípios, as casas4 se encontram dispersas numa distância que não ultrapassa os 500 metros. Já os assentamentos estão organizados sob a forma de agrovila, na qual as casas dos camponeses assentados ficam afastadas de suas parcelas de terra. O Assentamento Poços de Baixo em Teixeira pertencia à fazenda Poços (sítio Poços) da família do ex-Deputado Federal da Paraíba João da Mata. O imóvel foi desapropriado no dia 05 de outubro de 2000 pelo o Instituto de Terras e Planejamento Agrícola da Paraíba (INTERPA) que assentou as 45 famílias no dia 22 de maio de 2001 (INCRA/PB). Algumas famílias hoje assentadas já trabalhavam antes para o antigo proprietário no sistema de parceria baseado na terça. Ou seja, os camponeses parceiros sem-terra, davam um terço da produção de bananas para o patrão. Eles cultivavam somente bananeiras conforme a vontade do patrão que além desta cultura criava gado. Anos mais tarde, não restava espaço nesta terra para os camponeses plantarem as culturas alimentares para sustentar suas famílias, então, saíram à procura de outros lugares para montarem seus roçados, deixando aquela terra que ficou improdutiva até o momento em que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Teixeira (STR) 4 No que se refere ao padrão de moradia, a maioria das casas em ambos os municípios são de alvenaria com mais de 5 cômodos dividido entre salas, quartos e cozinha. O banheiro em quatro casas em Nova Floresta foi construído no terreiro, ou seja, do lado de fora da casa. O chão de todas as casas foi feito de cimento liso, não verificamos nenhuma casa com piso de terra batida. Todas as casas possuem energia elétrica e na maioria água encanada por meio de cisterna de placas. 145 resolveu abrir um processo junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) solicitando a desapropriação do imóvel e o assentamento das famílias. No imóvel com 635,09 hectares, foi construída uma agrovila e cada família recebeu um lote de 12 hectares (Fig. 4). Figura 4 Assentamento Poços de Baixo no município de Teixeira-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 14/03/2008. Em Nova Floresta, além das comunidades rurais existe o assentamento da Associação Comunitária dos Produtores da União - APROUNI, conhecido popularmente como comunidade Pororoca. A mencionada associação adquiriu a área pelo Crédito Fundiário de Combate à Pobreza Rural (CFCPR) no dia 25 de março de 2004 por intermédio do Instituto de Terras e Planejamento Agrícola da Paraíba (INTERPA). No assentamento com 151 hectares, também foi construída uma agrovila e foram assentadas15 famílias as quais receberam lotes de 10,8 hectares (INTERPA, 2004). De acordo com os depoimentos dos camponeses assentados, a terra antes pertencia a um proprietário cujo nome é Nicesto da Costa Gomes que produzia sisal, com base no trabalho assalariado, criava gado e cultivava mandioca no sistema de parceria no qual os camponeses dividiam com o patrão a metade da produção. Com o passar do tempo, a família do antigo proprietário ficou reduzida por motivo de casamento dos filhos que saíram de sua casa para constituírem suas próprias famílias. Diante disso, o proprietário sem os filhos para lhe ajudar não conseguiu dar conta da propriedade e resolveu vendê-la. O Estado comprou a área e o INTERPA assentou as famílias. Todavia, é nítida a insatisfação dos assentados quanto à qualidade de vida que eles têm se comparado com a vida dos camponeses das 146 comunidades rurais vizinhas que possuem as suas casas construídas dentro do próprio lote. Acreditam que a organização do assentamento em forma de agrovila (Figura 5) deixa a parcela de plantio e de criação de animais com possibilidades de furtos por falta de vigilância constante devido às casas ficarem localizadas muito distantes de suas parcelas. Figura 5 Assentamento APROUNI em Nova Floresta-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 04/02/2011. Além disso, para eles a aglomeração de casas altera as relações de vizinhança uma vez que permite o surgimento de fofocas e intrigas entre vizinhos. Depois a gente se arrependeu muito em ter aceitado calado esse estilo de casa, em agrovila, era pra ter falado que queria a casa na parcela de terra. Mas a gente na hora até pensou que ia ser uma boa idéia viver junto um do outro, mas na verdade depois só causou problema, as vez nossos pertence é roubado na parcela e a gente não sabe quem rouba porque não tamos lá pra ver, as nossa plantação as vez é saqueada pelos próprios vizinho, mas a gente não pode afirmar porque não temos prova. Era bom que fosse cada um no seu lote e pronto, só assim também evitaria as encrencas que rola aqui entre os vizinho (Depoimento do camponês Claudemir Gomes da Silva do Assentamento APROUNI em Nova Floresta, 04/02/2011). Atualmente, o que se ouve falar tanto nas comunidades rurais como no assentamento em Nova Floresta é a questão da violência no campo sob a forma de furtos e algumas vezes seguido de homicídio. Este fato é atribuído a moradores da cidade que estão praticando no campo ondas de assaltos assustando as famílias camponesas em suas unidades produtivas. 147 Constatamos que algumas famílias estão abandonando suas casas nas comunidades rurais com receio de serem as próximas vítimas (Fig. 6). Figura 6 Unidade de produção camponesa abandonada em Nova Floresta. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 05/02/2011. Com efeito, dos 10 camponeses de Nova Floresta que responderam as entrevistas semiestruturadas, dois deles abandonaram o campo e foram morar na cidade e atualmente trabalham na feira local aos domingos vendendo produtos comprados dos antigos vizinhos da comunidade onde moravam. Três deles afirmaram que foram morar na cidade, mas continuam trabalhando no campo em terras de terceiros no sistema de parceria. Ou seja, dois se transformaram em atravessadores e os outros três passaram da condição de camponês proprietário para serem somente parceiros de outros proprietários. Não apenas os camponeses entrevistados informalmente, mas também aqueles que responderam aos questionários fechados, afirmarem que as motos são furtadas com freqüência no campo do município de Nova Floresta. Diante disso, constatamos que 50% das 41 famílias camponesas possuem motocicletas, o que explica o porquê do campo ser hoje alvo de tantos assaltos se comparado com a realidade do campo de décadas atrás, cujo principal meio de locomoção se restringia a carroças a tração animal, a cavalos e a jumentos. Neste caso, o abandono de algumas unidades de produção camponesas está relacionado à questão da segurança pública do município de Nova Floresta. Os camponeses após serem assaltados registram a ocorrência na delegacia local, mas não recuperam seus 148 pertences. A polícia ao tomar conhecimento do fato, faz rondas nas comunidades rurais por dois ou três dias e depois não aparece mais. Um fato nos chamou a atenção: a morte de um camponês que sofreu um assalto a mão armada em frente à propriedade de seus pais. Os assaltantes levaram a sua moto e deixaram o corpo estirado no chão e nunca foram pegos. Os pais inconformados com o falecimento do filho foram morar na sede do município de Nova Floresta. Diante disso, podemos afirmar que a violência hoje é uma das causas do processo de descamponeização no município de Nova Floresta, o que não significa dizer que o campesinato analisado está em vias de extinção, mas indica que este problema de ordem social do município está impossibilitando a reprodução e continuidade de algumas famílias camponesas. Em Teixeira, apesar de 50% dos camponeses possuírem motos, não se verificou essa onda de assaltos no campo, talvez porque as comunidades rurais estão localizadas distantes da sede do município, o que dificulta o acesso dos assaltantes nas unidades de produção. A partir dessas breves considerações sobre o perfil do campesinato de Nova Floresta e Teixeira, constatamos a permanência e a recriação das famílias camponesas apesar das ondas de violência em Nova Floresta. Isto pode ser justificado, entre outras razões que serão apresentadas a seguir, pela jovialidade da família camponesa, pela migração temporária dos chefes de família, pela permanência dos filhos depois de casados nas comunidades rurais, e principalmente, pela existência de um assentamento rural em cada município que caracteriza um processo de territorialização do campesinato. Quando perguntamos sobre o significado da terra para os camponeses, verificamos que ela ainda é uma possibilidade positiva de recriação das famílias. Nas palavras da camponesa Mariinha da região serrana de Nova Floresta: Não consigo imaginar meus filhos sendo criado na cidade, lá só tem o que não presta, tenho medo deles se meter em confusão. Todo dia eu digo sempre pra eles que se eles se dedicar em trabalhar na terra não vão precisar de patrão futuramente, a terra é tudo na vida da gente, é dela que tiramos quase tudo que precisamos pra viver, mas é preciso muita dedicação porque o trabalho é pesado, quem é preguiçoso não agüenta (...). É por isso, que criei meus quatro filhos ajudando meu marido no roçado, hoje são adolescente e não reclama de nada porque desde pequeno são acostumado a trabalhar na terra, até as meninas também ajuda a gente no plantio (Depoimento cedido pela camponesa Maria das Dores da Silva. Nova Floresta-PB, 29/07/07). 149 Em outras palavras, o fato de não ter patrão e ter a própria terra para trabalhar e tirar o sustento da família significa ter liberdade e autonomia no processo produtivo. Essa autonomia será apresentada a seguir pelo viés da organização da produção como forma de resistência que permite a recriação dos camponeses dentro do território capitalista. 4.2 A autonomia camponesa no processo produtivo: a organização da produção Como já mencionamos em capítulos anteriores, a autonomia a qual nos referimos não significa que os camponeses de Nova Floresta e Teixeira estão livres de fatores externos provenientes do capitalismo, mas a liberdade e o controle que os mesmos têm no processo produtivo de qualquer cultura agrícola. O controle do próprio tempo e do próprio espaço dos camponeses contribuiu para o desenvolvimento deste trabalho na medida em que não foi preciso agendar um horário prévio para as nossas visitas em suas unidades de produção. Durante a temporada dos trabalhos de campo, de 2006 a 2011, fomos recebidos de dia à noite em seus sítios independente de quaisquer fases do processo de trabalho. O fato de não ter patrão possibilitou aos mesmos nos receber sem precisar pedir autorização a ninguém. Portanto, essa peculiaridade da autonomia camponesa nos deu liberdade de realizar os trabalhos de campo em qualquer horário e dia, inclusive aos domingos e feriados. 4.2.1. A organização da produção Em Nova Floresta, as unidades de produção camponesas estão atualmente voltadas para a fruticultura, principalmente para a produção de maracujá, do cajueiro anão precoce, da goiaba, da pinha, da graviola e do limão. Além dessas lavouras o camponês cultiva feijão, fava, milho, mandioca, macaxeira, abóbora, alguns ainda produzem sisal, palma e capim. Há uma diferença na pauta dos produtos agrícolas cultivados nas duas5 regiões distintas de Nova Floresta, condicionada fundamentalmente pelas condições de solo e clima. Tal fato pode ser observado pela diferença relatada por um camponês que já morou nas duas áreas: É muito bom aqui, eu acho bom por causa que é o seguinte: porque é diferente de onde que eu morava, na caatinga seca. Porque lá a terra só é boa pro feijãozinho macaçar, e aqui dá pra gente plantar o maracujá, o feijão carioca, a manga, o caju e a goiaba. (...) tem tudo, até água permanente. E 5 Na área de transição, predomina a atividade pecuária, a produção de grãos e a fruticultura de sequeiro em pouca quantidade. 150 quando a gente morava lá, a mulher saía de manhã para pegar água, e só chegava de meio dia carregando a água num jumento. E, aqui, na região serrana, graças a Deus é tudo facilitado. Depois fizeram essas cisternas, que é a água de beber e que tem que dá pro ano todinho. (...)por isso, é que eu digo que é melhor nessa região porque a gente tem água pra beber e plantar (Depoimento concedido pelo camponês da região serrana Genário Francisco dos Santos. Nova Floresta, 14 de maio de 2006). Dito de outra forma, na região subúmida a produção é mais intensa devido à maior fertilidade do solo e à irrigação. Nesta área predomina o solo LatossoloVermelho Amarelo, apto ao cultivo de fruticultura e culturas alimentares por ser muito profundo, textura argilosa, fertilidade natural média a alta e fortemente drenado ( EMBRAPA, 1995). Por isso, que as unidades de produção camponesas localizadas nesta região (Mapa 4) estão produzindo mais as frutíferas irrigadas, como: o maracujá, o cajueiro pré-franco, o cajueiro anão-precoce, a pinha, a graviola e o limão. As culturas alimentares produzidas nesta área são o feijão mulatinho (carioca), o milho, a mandioca e a macaxeira. Na região semiárida, predominam os solos Brunos Não Cálcicos, Regossolos e Litossolos (Mapa 4). Os dois primeiros se caracterizam por serem poucos desenvolvidos, pedregosos e com baixa textura de argila, são aptos somente para algumas culturas alimentares, como o milho, o feijão, a mandioca e a macaxeira. Os Litossolos são rasos, pedregosos com exposição da rocha mãe, aptos apenas para a pecuária. Os camponeses desta área não se restringem apenas ao cultivo do milho, do feijão macaçar (principal produto agrícola da região), e da mandioca, vão além e cultivam frutas no sistema de sequeiro, como o caju tradicional (pré-franco), o maracujá, a manga e a pinha. Na pesquisa de campo percebemos que o território camponês se organiza estrategicamente de forma diversificada em função da realidade climática existente para viabilizar a sua recriação. Por exemplo, o feijão macacar (Fig. 7) é bastante cultivado pelos camponeses da região semiárida, uma vez que ele consegue se adequar às condições adversas dessa região, como: a seca, a carência de água, a falta de irrigação e a falta de nutrientes do solo. 151 Mapa 4 MAPA PEDOLÓGICO DE NOVA FLORESTA Área urbana Lagoa de Montevidéu Estrada carroçável Hidrografia R ch M Estrada não pavimentada on te Estrada pavimentada A leg r Litossolo e Açude Monte Alegre Bruno Não cálcico Latossolo Vermelho Amarelo Regossolo N E W 570 S ESCALA - 1:500.000 Escala Gráfica 5 0 10 15 20 25 m Datum Horizontal: Córrego Alegre Sistema de Projeção UTM: Meridiano Central 34° Elaboração: Silvana Cristina Costa Correia Fonte: Mapa pedológico do Estado da Paraíba na Escala 1:500.000. Convênio MMARHAL/SRH - Governo do Estado/SEPLAN-PB N° 015/95 152 Já o feijão mulatinho necessita de uma maior quantidade de água para se desenvolver devido suas raízes serem superficiais, por isso, não observamos o seu cultivo nesta região seca e sim na região subúmida devido o solo ser mais apto para o seu cultivo. Figura 7 Feijão macaçar produzido pelos camponeses da região semiárida de Nova Floresta-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 14/05/2006. Da mesma forma do feijão, há uma diferenciação referente à qualidade do maracujá cultivado nas duas regiões de Nova Floresta. Na região semiárida, os camponeses cultivam o maracujá de sequeiro, e por não existir reserva de água, a produção é menor, verifica-se uma notável diminuição no peso da fruta. Na região subúmida, o maracujá é irrigado e de melhor qualidade, sobretudo no sabor e no peso. O cajueiro pré-franco, o cajueiro anão precoce e a graviola também são plantados na região subúmida onde a produção é mais intensa devido à aptidão do solo e à irrigação. O maracujá (Fig. 8) é considerado o produto de maior destaque nas combinações agrícolas do município, porém, na região serrana, se produz um maracujá irrigado de melhor qualidade enquanto na região de caatinga, por não existir reserva de água, a produção é menor, o maracujá é de sequeiro e verifica-se uma notável diminuição no peso da fruta. 153 Figura 8 Maracujá cultivado na região serrana de Nova Floresta-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 06.02.2011 Tal diferenciação pode ser verificada através dos relatos de um camponês da região mais seca deste município. A terra aqui é boa, só não é melhor porque é muito seca. Já, as terra da serra é melhor, é úmida. Lá, dá de tudo que se planta. Aqui a gente só planta: gerimum, melancia, mandioca, palma, capim, a pinha, o feijão macaçar, que é a salvação da gente e crio um gadinho. Sim, a gente planta o maracujá, tombém. Só que aqui ele não é tão bom como lá na serra, (...) aqui a terra é pobre e ele pesa menos (depoimento de um camponês da região semiárida, Pedro Guedes de Lima. Nova Floresta-PB, 14 de maio de 2006). Vê-se que o camponês utiliza o termo pobre para indicar que o solo da região semiárida não tem aptidão para a produção do maracujá e interfere diretamente na qualidade do produto. Assim, pode-se afirmar que existe uma forte influência do meio natural na determinação da produção agrícola dos camponeses deste município, que se reflete na paisagem imprimindo características bem particulares e diferenciadas às duas regiões: a subúmida e a semiárida. Nesta última, como não há tanta disponibilidade de água no subsolo, por se tratar de uma região de terrenos cristalinos, a água existente é proveniente de pequenos barreiros, poços tubulares (Fig. 9) e tanques naturais represados em rochas (Fig. 10). No caso de água para o consumo humano, utiliza-se a de cisterna. 154 Figura 9 Tipo de poço tubular de uma propriedade camponesa da região semiárida de Nova Floresta-PB. Arquivo: Ana Maria Gomes Santos. 14/05/2006. Figura 10 Tanque natural em fenda de rocha da Associação Comunitária dos Trabalhadores Unidos (ACOTUN) da Comunidade Boi Morto, região semiárida de Nova Floresta-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 07/ 02/2011. Diante da ausência de recursos hídricos na região e da falta de recursos financeiros para investir no sistema de irrigação, os camponeses organizam a sua produção de acordo com as condições naturais existentes e dependem da estação chuvosa para plantar culturas que têm uma boa adaptação à região seca do município. De fato, nos trabalhos de campo realizados em 2006 e 2007 foi notória a produção do maracujá nas duas regiões com o predomínio na região serrana. Porém, no retorno ao campo em 2011, percebemos que os camponeses da 155 região semiárida reduziram a produção do maracujá e voltaram-se quase que completamente para a produção da pinha (Fig. 11), deixando a região subúmida com o predomínio quase que total da produção do maracujá. Nota-se aqui a autonomia na substituição de uma cultura para outra sem pedir autorização a ninguém, versatilidade que caracteriza o campesinato desta região. Figura 11 Pinha colhida na região semiárida de Nova Floresta. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 07/02/2011. Em Teixeira, a produção do maracujá não se destaca e não é devido à aptidão ou não do solo, pois além dos produtos tradicionais cultivados nas unidades de produção camponesas, como o feijão, a fava, o milho, a batata-doce, a mandioca, a palma forrageira e o capim, também se cultivam frutas e hortaliças. Na verdade são as frutas e hortaliças atualmente as lavouras mais cultivadas no município devido à existência de açudes que torna favorável o seu cultivo. Dentre as frutas, destacam-se o cajueiro, a pinha, a manga, a serigüela, a laranja, o limão e a melancia. Nas unidades de produção camponesas visitadas (situadas em diferentes comunidades, conforme apresenta o mapa 5) não verificamos a produção do maracujá, mas o caju se faz presente em quase todas sem o sistema de irrigação, como no caso das demais frutas. Predominam no município, quatro tipos de solos: a) os Regossolos (poucos desenvolvidos, pedregosos com baixa textura de argila); b) os Litossolos (são os mais fracos, rasos e pedregosos com a rocha mãe aparente); c) os Cambissolos (são poucos profundos, cascalhentos, e têm baixa permeabilidade); d) os Latossolos (considerados os melhores, são permeáveis, profundos e com textura argilosa) (EMBRAPA, 1995) (Mapa 5). Eles 156 influenciam diretamente na produção agrícola do município e com exceção dos solos Litossolos que são mais aptos para a pecuária, os demais são aptos para os cultivos da mandioca, da batata-doce, do feijão e do milho. A prática da horticultura se faz presente nas margens dos açudes de São Francisco e de Poços localizados na zona rural, e em unidades de produção camponesas localizadas próximas (Fig. 12). Figura 12 Horta organizada em canteiros em terra arrendada localizada próxima do açude São Francisco em Teixeira-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia, 13/05/2008. Mapa 5 MAPA PEDOLÓGICO DE TEIXEIRA N E W Teixeira S ol é Ca t do Ri ac h 157 Área urbana Estrada carroçável Hidrografia Estrada não pavimentada Estrada pavimentada ESCALA - 1:500.000 Litossolo Escala Gráfica Cambissolo Latossolo Vermelho Amarelo Regossolo Fonte: Mapa pedológico do Estado da Paraíba na Escala 1:500.000. Convênio MMARHAL/SRH - Governo do Estado/SEPLAN-PB N° 015/95 o 5 0 10 15 20 25 m Datum Horizontal: Córrego Alegre Sistema de Projeção UTM: Meridiano Central 34° Elaboração: Silvana Cristina Costa Correia 158 Observou-se o cultivo de hortas em 3 unidades de produção camponesas localizadas nas comunidades de Fava de Cheiro e São Francisco e no assentamento de Poços de Baixo. Nelas a produção é estruturada em canteiros de coentro, cebolinha, alface, cenoura, beterraba, pimentão, couve e gerimum. O sistema de produção é semi-orgânico e irrigado através do sistema de microaspersão. A maioria dos camponeses não trabalha com a horticultura por não poderem acompanhar a parte técnica que a produção exige, portanto não utilizam a água para este fim mesmo morando em áreas próximas dos açudes. Neste caso, se limitam à produção de culturas que se adéquam ao solo existente, como a batata-doce, a mandioca, o feijão, o milho além das fruticulturas de sequeiro com destaque para o caju. Então, a realidade dos camponeses do município de Teixeira é a seguinte: a minoria que tem condições financeiras para adotar o sistema de irrigação pratica a horticultura com destaque para a produção da cenoura (Fig. 13), portanto se recria de forma mais estável porque os produtos provenientes da horticultura possibilitam uma renda maior do que os produtos de sequeiros. E, a maioria que não tem recursos financeiros para investir no sistema de irrigação6 se dedica aos cultivos de sequeiros que depende exclusivamente das chuvas. Neste caso, se recria fundamentalmente com a produção voltada para o autoconsumo da família (Fig. 14), comercializando apenas o excedente (quando existe) de algumas frutas de estação cultivadas em sua propriedade. Essa realidade, parece se aproximar da tese de Veiga (1994) de que os camponeses que foram capazes de se adequar às novas tecnologias, inclusive ao sistema de irrigação, ficarão para sempre no mercado e permanecerão na agricultura, enquanto os camponeses pobres retardatários serão prejudicados pela incompatibilidade nas relações mercantis, por isso desaparecerão do campo. Acontece que o município de Teixeira, da mesma forma que o município de Nova Floresta, não sofreu tanto impacto com o desenvolvimento do capitalismo no campo uma vez que ele se desenvolveu, conforme Silva (1980), de forma espacialmente desigual. 6 A adoção do sistema de irrigação na horticultura ou fruticultura além de requerer disponibilidade de água em quantidade exige mão-de-obra contratada, o que representa custos para aqueles que não têm recursos financeiros para investir nestas atividades. 159 Figura 13 Camponês que cultiva cenoura irrigada na Comunidade São Francisco em Teixeira-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 13/05/2008. Figura 14 Camponês em seu roçado de milho na Comunidade Riacho Verde em Teixeira-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 14/03/2008. No caso da Paraíba, o processo de dominação do capital no campo se concentrou mais na Mesorregião da Mata Paraibana e no Brejo Paraibano e quase não atingiu as demais regiões. Isso pode ser esclarecido, entre outras razões, pelo fato dos camponeses de Teixeira não terem incorporado tanta tecnologia na produção agrícola, pois a existência do sistema de irrigação na horticultura em três unidades de produção camponesas é insuficiente para 160 explicar à tese de Veiga, haja vista que a mesma é baseada no pressuposto da diferenciação social da teoria leninista cujo fim do campesinato é inevitável. Em Nova Floresta, os camponeses da região subúmida estão mais inseridos ao mercado devido à comercialização do maracujá irrigado que é o principal produto comercial do município como de toda região do Curimataú Ocidental. Enquanto isso, os camponeses da região semiárida, conscientes da dificuldade de comercialização do maracujá de sequeiro, por eles produzido devido à sua qualidade inferior7, estão agora se interessando por outras culturas alternativas como a pinha. Como o solo desta região é mais apto para o cultivo dessa fruta, ela se desenvolve com melhor qualidade obtendo assim um melhor preço no mercado. Em ambos os municípios, o que se observa é que o campesinato se recria de forma diversificada conforme as condições naturais, econômicas e sociais existentes. De fato, existe um processo de diferenciação social entre os camponeses dos municípios analisados, porém, diferente daquele concebido por Lênin e reafirmado por José Graziano da Silva, Caio Prado Júnior, Alberto Passos Guimarães, Ricardo Abramovay e José Eli Veiga. É evidente que eles apresentaram abordagens distintas sobre o campesinato, mas como já vimos em capítulos anteriores. Ou seja, esses autores caminham na mesma direção quando classificam os camponeses a partir do processo de diferenciação social dado pela sua inserção ou não no mercado ou pela sua integração ou não às atividades não agrícolas. Todavia, entendemos que a produção do maracujá em Nova Floresta e da cenoura em Teixeira, embora restrita somente aos camponeses que possuem recursos financeiros, em hipótese alguma significa uma distinção entre capitalistas e camponeses, uma vez que não é o destino final da produção que o caracteriza como camponês ou não, mas um conjunto de fatores que estão além da sua inserção ao mercado, como: o trabalho familiar, a pouca contratação do trabalho assalariado e a autonomia no processo de produção. É o que ainda veremos no decorrer deste capítulo. Em relação à criação de gado, o camponês de Nova Floresta e de Teixeira possui sempre uma cabeça de gado com o objetivo de usá-la como transporte puxando a carroça ou a capinadeira e, às vezes, uma vaca de leite para o consumo da família e até para auferir uma renda complementar através da comercialização do leite. Não há um tipo específico de gado para corte, a finalidade da produção é mista sendo maior a tendência leiteira (Fig. 15). 7 Se comparado com o maracujá irrigado da região subúmida, cujo peso é maior, 161 Em campo foi possível identificar nas unidades de produção camponesas o cultivo da palma forrageira, do capim e do sisal destinado a alimentação do gado (Figs. 16,17 e 18), o que indica que é costume articular a criação de animais a alguma cultura. Figura 15 A criação de gado numa unidade de produção camponesa como complemento da renda familiar. Nova Floresta-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 08/02/2011. Figuras 16 e 17 Camponês após o corte do miolo do sisal e miolo do sisal pronto para alimentação do gado. Nova Floresta-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 08/02/2011. 162 Figura 18 Camponês alimentando o gado com o miolo do sisal produzido por ele. Nova Floresta-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 08/02/2011. Mesmo diante de pouca terra, os camponeses costumam destinar uma parte dela aos pastos para o gado como garantia de recursos financeiros caso tenham algum prejuízo durante o ano. Como lembra seu José, camponês de Nova Floresta: Quando a senhora me perguntou se no ano passado a gente teve prejuízo, lembra do que eu disse? Que o ano foi ruim de chuva, um sofrimento só porque perdemo todo feijão e milho também. (...) aí o que foi que eu fiz pra não deixar a mulher e as meninas passando necessidade aqui em casa: vendi dois garrote que eu criava aqui em casa, e fiquei somente com a vaca. (...) com o dinheiro comprei logo feijão e milho a granel na feira, pra garantir o ano todo, e ainda deu pra comprá semente para o plantio desse ano e algumas besteira pras meninas, porque elas estuda e precisa sempre de alguma coisa ( Depoimento do camponês José Félix Xavier de Nova Floresta-PB, 07/02/2011). A fala do camponês expressa que a presença do gado nas unidades de produção camponesas significa uma situação mais estável da família. Conforme Paulino (2006), “Mesmo que sejam poucas cabeças, o incremento de renda é notável: além da sobrevivência direta, o esterco se presta à fertilização da lavoura e os bezerros se constituem uma espécie de poupança dos camponeses” (p. 239). Então, a criação de gado representa uma forma de recriação camponesa na medida em que permite a sua combinação8 com outras culturas no 8 Se o gado se alimenta da palma e do sisal produzido na propriedade camponesa, significa que a sua criação não é tão onerosa à família, além do mais ele também fornece o esterco para fertilizar o solo de qualquer cultura. 163 interior da unidade de produção camponesa para não dá tanto custo à família. Da mesma forma encontramos a criação de porcos, patos e galinhas articulada ao cultivo do milho e a criação de coelhos e preás articulada a fruticultura e ao capim (Figs. 19, 20, 21 e 22). Através da pesquisa de campo em Nova Floresta, identificamos a criação de gado9 em 23 unidades de produção camponesas, o que representa 56% do total das 41 que foram visitadas. Em Teixeira das 35 famílias, nenhuma delas cria gado, fato que chamou nossa atenção, pois do ponto de vista financeiro, se a presença de uma vaca leiteira, de um boi ou de um bezerro indica uma recriação mais equilibrada da família, então, os camponeses de Nova Floresta estão se recriando em situação mais propícia. Até mesmo na criação de aves as unidades de produção camponesas de Nova Floresta se destacam com 13 delas criando, enquanto que em Teixeira identificamos apenas 5 unidades de produção. Figuras 19 e 20 Coelhos e preás se alimentando do capim e de restos de frutas e galinhas se alimentando do milho. Teixeira-PB. Arquivo: Yasmin Costa Correia. 12/01/2011. 9 Encontramos um número reduzido de cabeças de gado entre: boi, vaca leiteira e garrote (bezerro). 164 Figuras 21 e 22 Porcos se alimentando de restos de culturas e patos procurando frutas caídas no chão. Nova Floresta. Silvana Cristina Costa Correia. 09/02/2011. Embora o limite da produção camponesa dos municípios analisados dependa de fato do tamanho da propriedade, e mesmo sabendo que tanto em Nova Floresta como em Teixeira a maioria das unidades de produção visitadas não possuem nem mesmo 50 hectares, mesmo assim constatamos uma diversificação de culturas e de animais de criação que são organizados nas unidades de produção camponesas de forma a possibilitar a recriação das famílias. Por essa razão, apresentaremos a seguir o processo de produção das culturas que mais se destacam no campesinato dos dois municípios a fim de mostrar mais detalhadamente as formas de resistência que viabilizam a recriação das famílias camponesas. 4.2.1.1 O calendário agrícola e as etapas do processo produtivo O calendário agrícola da microrregião do Curimataú Ocidental bem como da microrregião da Serra do Teixeira está correlacionado às condições climáticas (Quadro 1). Estas se caracterizam por apresentar basicamente duas estações: uma chuvosa, que corresponde ao inverno e se estende de março a agosto e outra seca que corresponde ao verão, e se estende de setembro a fevereiro. Os municípios de Nova Floresta e de Teixeira como partes integrantes destas microrregiões, refletem o mesmo quadro climático. Nos dois 165 municípios, conforme os depoimentos dos camponeses entrevistados é comum ocorrer algumas chuvas esparsas no período do verão. Ainda de acordo com os mesmos, existem nos municípios, diferenças entre o que se planta no período das chuvas que precedem o inverno e o que é plantado no inverno propriamente dito quando as chuvas caem constantemente. Ou seja, quando eles plantam logo nas primeiras chuvas do ano, nos meses de janeiro e fevereiro, corre o risco de ter prejuízo, pois o inverno pode atrasar ou mesmo não se concretizar, como afirma um dos camponeses entrevistados: Aqui em Teixeira a maioria dos agricultor deixa pra plantar mais depois de março, e ainda corremo o risco de perder as lavoura. O ano passado eu perdi dois hectare da lavoura do milho consorciado com o feijão. Pra num dizer que perdi tudo, ainda conseguí colher um saco de cada, mas só deu pra tirar a semente pro plantio desse ano. (...) tô só esperando a chuva cair de verdades, (...) essa chuvinha que tá caindo agora eu num confio não, porque já me dei mal. Eu já plantei, num vou mentir, mais a experiência foi ruim porque deu aquela chuva no mês de janeiro, como essa agora que a senhora tá vendo, aí eu fui e plantei e depois a chuva parou e demorou demais a cair de novo, só veio de novo entre março e abril, aí a minha lavoura nova já tava morta. Mas também, eu só fiz isso porque uma vez deu certo, mas dessa vez não deu, então só planto quando o inverno chega. O meu terreno já tá preparado esperando só o momento certo pra plantar. (Depoimento do camponês José Alves da Comunidade de Flores. Teixeira-PB. 13/01/2011). A partir do exposto, nota-se que os cultivos agrícolas são praticados em regime de sequeiro, os quais dependem da estação do inverno para iniciar o ciclo produtivo. Por essa razão, eles estão sujeitos a grandes riscos devido à ocorrência de estiagens na estação chuvosa. Garcia Júnior (1989), ao estudar o calendário agrícola dos camponeses das regiões do Brejo-Agreste paraibano, percebeu que os camponeses desta região chamam as chuvas de janeiro a fevereiro de “inverno que não se confia” e as chuvas de março e abril de “inverno que se confia”. Levando em conta esses aspectos pode-se concordar que no caso dos camponeses de Teixeira e de Nova Floresta ocorre o mesmo que foi identificado por Garcia Júnior no Brejo e Agreste paraibano, ou seja, que a dualidade inverno-verão acaba por comandar o ritmo do trabalho agrícola bem como o período de fartura e escassez dos produtos. Isto à exceção dos produtos irrigados cujo ciclo produtivo independe dos fatores da natureza. Contudo, tendo em vista que a agricultura desenvolvida no sistema de sequeiro não obedece a um calendário agrícola regularmente programado, devido à má distribuição das chuvas durante o ano todo, 166 todavia, achamos por bem, em elaborar um calendário agrícola para os dois municípios com base na experiência dos camponeses relatada para nós durante a pesquisa de campo. No que se refere às etapas do processo produtivo os camponeses de Teixeira e de Nova Floresta realizam as seguintes: a) o preparo do solo para o plantio; b) o plantio; c) os tratos culturais; d) a colheita; e) o beneficiamento de algumas culturas; e) a comercialização dos produtos. (Organograma 01). Todas são determinadas não somente pela natureza, mas também pelo mercado e pelo Estado como bem nos lembra Shanin (1983): La unidad doméstica campesina funciona como uma pequeña unidad de producción de recursos muy limitados, estando sujeta em gran manera a lãs poderosas fuerzas de la naturaleza, el mercado y el Estado (apud BOMBARDI, 2004, p. 240). Quadro 01 – Calendário agrícola das principais culturas de Nova Floresta e Teixeira Culturas Feijão Jan. * Pa Fev. * Pa Fava Pa Pa Mandioca PS PL Milho Pa Pa Macaxeira PS Batata-doce PS Manga CFE L Pa Maracujá Caju Pinha Graviola Goiaba Jaca Mar ** PL L PL L PL Abr. ** PL L PL L L Mai. ** C B L PL L PL L OS PL L PL OS PL PL Pa PL L CFE L L CFE L CFE L CFE L PL L Jun. ** C B C B L Jul. ** Ago. ** C B L C B L L C B L C B L L C C C L L L L C C C F L L F L L L L C CFE L C CFE L OS F L CFE L F L F L CFE L F L CFE L F L CFE L L L L CFE L CFE L CFE L CFE L CFE L Set. * L L F L F L F L F L F L Out. * C F L Nov. * OS Dez * PS OS OS C PS OS OS 167 Seriguela CFE L CFE L F L F L Acerola Abóbora CFE L OS CFE L PL PL Melancia OS PL PL Limão CFE L Cajá F Umbu Palma CFE L CFE L PS CFE L OS Capim PS OS Abacate F L C L C L CFE L F L C L C L F L C L C L CFE L F L CFE L L CFE L CFE L CFE L F F L CFE L PL Cd1 PL F L F L F L F L F L CFE L F L L PpP Fonte: Pesquisa de campo Organização: Silvana Cristina Costa Correia. 15/06/2011. Notas: * Verão ** Inverno PS - Preparo do Solo; PL - Plantio; L - Limpa; F - Florescimento; C - Colheita; CFE – Colheita de Frutas de Estação; CD1 - Colheita depois de 1 ano de plantio; B – Beneficiamento da Cultura; PpP – Pronto para o Pasto 168 Organograma 1 – Esquema das tarefas agrícolas nas unidades de produção camponesas de Teixeira e Nova Floresta-PB Preparo do solo Cortar o Fazer a gradagem da terra mato Destocar (Eliminar tocos) Plantio Abrir o buraco na cova Plantar (colocar a semente) Limpas (Tratos culturais) Colheita Beneficiamento Comercialização Tarefas agrícolas Tarefas integrantes Fonte: Pesquisa de campo Organização: Silvana Cristina Costa Correia. 15/06/2011. 169 Sendo assim, ao longo deste capítulo, analisaremos o processo de produção realizado nas unidades de produção camponesas dos mencionados municípios a partir dos dois fatores indicados por Shanin: natureza (calendário agrícola) e mercado (comercialização da produção somados aos fatores relacionados a estrutura familiar10) conforme assinalou Chayanov (1974), que se dá através da combinação do número dos membros da família e a idade produtiva de cada um deles para saber o quanto se deve produzir. O Estado (políticas públicas), também assinalado por Shanin será objeto de análise no próximo capítulo. Trataremos agora das fases do processo produtivo. Conforme os depoimentos fornecidos pelos camponeses dos dois municípios durante a pesquisa de campo realizada, sucessivamente, em 2006, 2007, 2008 e 2011, foi possível construir um quadro expondo o esquema de seqüência das atividades agrícolas das principais culturas dos municípios de acordo com os meses do ano. O preparo do solo inicia regra geral, com o corte do mato efetuado pelos homens entre os meses de novembro a dezembro, se estendendo entre os meses de janeiro a fevereiro. Então, como a maioria dos camponeses entrevistados são proprietários de suas próprias terras, significa que eles têm liberdade e autonomia total na escolha do mês que deseja iniciar o processo de trabalho. Nesta operação os camponeses utilizam como instrumento agrícola a foice e o enxadeco para cortar “os pés de pau” existentes em seu roçado, e a capinadeira (também denominada de cultivador), o boi, e os instrumentos de trabalho menores que regra geral os pertencem. Em seguida, existem duas variáveis de atividades cujas práticas vão depender do tipo de roçado que os camponeses desejam montar. Referem-se, justamente, as operações chamadas por eles de gradagem da terra e coivara que neste trabalho merecem ser bem explicadas: Aqui é só destocá a terra, é a mesma coisa de desbrocá, a gente derruba o mato com a foice ou com um enxadeco, e depois manda passar o tratô por cima com a grade de disco. A gente nem sempre faz a coivara, é muito difícil, porque o tratô passa por cima dos pau mais resistente. Agora tem vez, que a gente vê muito pau grosso como a jurubeba, que é um mato muito grosso, sabe? Aí é o jeito queimar, porque o mato grosso o tratô não consegue derrubar, aí faz a coivara antes de alugar o tratô pra fazê a gradagem da terra. A gente faz uma arruma dos mato, juntando tudinho com um gancho de pau, a chibanca, o enxadeco e depois queima. Mas, aqui na região, a gente só faz a coivara uma vez quando se vai montar um roçado, dá um trabalho danado porque se encoivara até duas ou três vez pra poder o terreno ficar limpo (Depoimento do camponês Francinaldo da Silva. Nova Floresta. Julho de 2007). 10 Essa relação entre consumidores e trabalhadores será apresentada no item que trata da organização do trabalho. 170 Na maioria dos roçados de Teixeira e Nova Floresta, por se tratar de terrenos que já vêm sendo cultivados anualmente e por isso não possuem vegetação arbustiva, é necessário fazer apenas a gradagem da terra. De acordo com Ormond11 (2006), esta é uma técnica de limpeza de terreno efetuado por um implemento agrícola chamado grade que consiste em cortar e enterrar a vegetação com o objetivo de promover a mobilização do solo e incorporar os restos culturais existentes. Neste município, a gradagem é realizada com o uso da grade de disco através do aluguel do trator a um camponês vizinho que cobra entre R$60,00 e R$65,00 pelo uso de uma hora. É importante acrescentar também, sobre a ajuda de uma hora de gradagem grátis fornecida pela Prefeitura local aos camponeses no momento do preparo do solo para iniciar o ano agrícola. Esta ajuda é bem aceita por todos, mas é julgada insuficiente pelo pouco tempo de disponibilização do trator. A prática da coivara não é freqüente entre os camponeses de ambos os municípios, sendo realizada apenas uma vez ou periodicamente em situações completamente diferentes, como: no início de montagem de um roçado em área de vegetação nativa ou secundária ou em terreno que foi cultivado com o sisal ou quando se trata de um roçado que tenha muitos galhos grossos que o trator no ato da gradagem não consegue derrubar. Nestas situações, a coivara, que são os “restos de capina ou montinhos de gravetos a que se põe fogo para limpar terreno de cultura” (ORMOND, 2006, p. 76) provavelmente será repetida tantas vezes quanto for suficiente para deixar o terreno limpo. Depois da coivara ficam os restos de tocos e raízes que não foram queimados completamente e serão removidos na destoca para serem encoivarados e queimados de novo. É este processo de encoivarar, que corresponde ao “ato de empilhar (os troncos e galhos não queimados de todo), para de novo lançar-lhes fogo (...)” (ORMOND, 2006, p. 77) que exige um maior esforço do camponês que tem o objetivo de deixar o terreno limpo e já preparado para o plantio. Mas como já foi dito, a coivara não é muito usada nas unidades de produção camponesas de Nova Floresta e de Teixeira, os camponeses acham que se trata de uma técnica agrícola extremamente rudimentar e que leva ao rápido esgotamento do solo, fazendo com que as terras precisem ficar em descanso por um longo tempo. Então, por possuírem poucos hectares de terra dão preferência à técnica da gradagem que além de cortar os paus mais resistentes ainda complementa a adubação do solo incorporando os restos culturais existentes. 11 José Geraldo Pacheco Ormond, é técnico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. Ele elaborou um glossário reunindo conceitos e explicações de verbetes, termos e expressões bastante usados em atividades da agricultura, da pecuária, da economia, do manejo florestal e das ciências do meio ambiente, com o objetivo de auxiliar profissionais que desempenham trabalhos nestas áreas. 171 Esse fato é muito importante para efeito deste trabalho, uma vez que deixa nítida nesta operação agrícola a liberdade e a autonomia que os camponeses têm na escolha de suas técnicas a serem utilizadas de forma mais ou menos equilibrada com a natureza (solo). Depois da gradagem se faz a “risca”, utilizando tração animal (usam muito o trabalho do boi), para “alinhar” o solo, facilitando o trabalho do camponês, que encontra a terra “preparada”, economizando seu tempo para o cultivo (Fig. 23). Figura 23 Preparo do solo feito a tração animal. Teixeira-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 13/03/2008. O plantio é uma operação na qual as sementes ou as mudas das plantas são colocadas no solo depois do mesmo ser revolvido com a gradagem. É justamente nesta etapa que existe a participação da força-de-trabalho12 de todos os membros da família, inclusive, das mulheres e das crianças. O chefe da família vai na frente abrindo o buraco na cova, vai coviando, com o enxadeco, e a mulher e os filhos vai atrás jogando as sementes no buraco, e depois vai entupindo o buraco com a terra. Com a mesma terra que foi tirada do buraco, a gente entope com o pé. Agora, quem tem a matraca uma pessoa só resolve (depoimento da camponesa Josineide e Silva Araújo, residente na região semi-árida de Nova Floresta-PB. 28/07/2007). 12 O trabalho familiar será mais detalhado no item que trata da organização do trabalho. 172 Conforme a fala da camponesa acima, nota-se que existem duas práticas de plantio, uma é realizada com a ajuda de todos os membros da família quando o pai vai abrindo a cova e a mãe e os filhos vão em seguida colocando as sementes dentro e cobrindo imediatamente com a terra que já foi tirada, o que geralmente é feito com os pés. A outra é efetuada com o uso do instrumento chamado por eles de “matraca”, uma espécie de plantadeira manual que cava e solta às sementes ao mesmo tempo e seu manuseio é feito somente por uma pessoa. Observou-se no campo dos dois municípios, que as covas de todos os roçados são cavadas de maneira que formam carreiras e as distâncias existentes entre os buracos e as carreiras variam de acordo com o tipo de cultura. As sementes que são utilizadas podem ser compradas ou estar guardadas desde a colheita anterior, ou seja, quando se dispõe de depósitos apropriados como o silo ou outros (Fig. 24). Quando não estocam as sementes, recorrem à compra, insatisfeitos porque preferem a utilização das sementes provenientes dos seus roçados, não somente pela economia, mas pela certeza de ter existido uma seleção cuidadosa das melhores. Neste caso, eles têm autonomia na escolha da semente certa para o plantio de suas culturas. Apesar do armazenamento de sementes ser uma tradição camponesa que atualmente está ameaçada devido aos efeitos das novas técnicas provenientes da modernização da agricultura que lançou no mercado as sementes híbridas ou sementes melhoradas, ainda encontramos camponeses, como mostra a figura acima, que dão preferência pelas sementes por eles selecionadas, como forma de garantir o plantio na hora certa bem como reserva de alimentos em períodos de estiagens. Todos os 76 camponeses entrevistados em Teixeira e Nova Floresta, afirmaram dar à preferência a estocagem de sementes, o que nos permite compreendê-la conforme as interpretações de Moreira (2010), isto é, como uma forma de resistência camponesa ao avanço da modernização da agricultura imposta pelo capital industrial e financeiro. 173 Figura 24 Camponesa com as sementes selecionadas por ela em sua propriedade. Teixeira-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 11/01/2011. As limpas e as colheitas variam conforme o ciclo vegetativo de cada cultura (Quadro 1), o que significa que a própria natureza influencia o ritmo de trabalho nas unidades de produção camponesas. O beneficiamento pode ser manual ou através do uso da máquina mecânica13 que é restrito somente as culturas do feijão, e do milho. A produção do feijão, da fava, do milho, da macaxeira, da mandioca e da batata-doce é destinada em sua maior parte para o consumo da família e quando há excedente é destinada à comercialização. Um fato nos chamou a atenção em Teixeira, pois dos 35 camponeses que responderam aos questionários 30 (85,7%) declararam não comercializar tais produtos devido nunca haver excedente. Isto os distingue dos camponeses de Nova Floresta, pois do total de 41 camponeses, 37 (90,2%) declararam comercializar o excedente dos produtos acima citados, principalmente o feijão macaçar14 produzido na região semiárida. Em ambos os municípios, o milho é em sua maior parte destinado a ração animal, a mandioca é beneficiada e a farinha é quase toda destinada ao consumo. Tanto em Teixeira como em Nova Floresta, os animais de pequeno porte e a produção de ovos são usados para o consumo da família. Alguns vendem ovos e outros também comercializam o leite. Os produtos provenientes da 13 Maiores informações sobre a debulhadeira mecânica será exposta no item que faz a descrição das culturas que são beneficiadas com o uso desta máquina. 14 As duas variedades de feijão: o mulatinho e o macáça são comercializados quando há sobra do produto, pois na mioria das vezes são guardados para o plantio da próxima safra e para o consumo da família. 174 horticultura e da fruticultura têm como principal finalidade a comercialização, os camponeses consomem apenas uma pequena parte deixando a maior parte para a venda no intuito de obter recursos financeiros para adquirir outros produtos que não produzem em seus roçados e para investir na produção do ano seguinte. Na pesquisa de campo observamos que o feijão macaçar produzido na região semiárida e o maracujá produzido na região subúmida são as principais fontes de renda monetária dos camponeses de Nova Floresta. Enquanto que em Teixeira15, apenas as frutas tem como finalidade a comercialização e mesmo assim não se compara com o volume da produção e da comercialização do maracujá no outro município. A comercialização, via de regra, é efetuada diretamente na unidade camponesa através dos atravessadores do próprio município ou de municípios vizinhos sendo os mesmos quem determina o preço. A ausência de uma intermediação do Estado no sentido de possibilitar a venda direta dos produtos ao consumidor justifica o fato dos camponeses não terem um maior poder de preço junto aos atravessadores. A tentativa de vender a produção diretamente à Ceasa não tem dado certo nos dias atuais, uma vez que já existem atravessadores que vendem o produto em grande quantidade e com regularidade, o que não é possível para os camponeses que dependem das condições meteorológicas e de outros fatores que as vezes interferem no volume dos produtos e na regularidade da comercialização. Além disso, depois de pago o frete para o transporte da mercadoria, quando os camponeses chegam na Ceasa o preço que conseguem acaba sendo o mesmo ou mais baixo do que aquele que normalmente obtém na venda do produto ao atravessador. Então, de fato, concordamos com Shanin (1983) quando o mesmo afirma que os camponeses não estão apenas sujeitos às condições da natureza, mas também às determinações do mercado e o apoio ou não do Estado. Com efeito, observamos que esses três fatores imbricados entre si definem a forma como se dá a recriação do campesinato de Teixeira e de Nova Floresta (Organograma 2) . A relação que os camponeses mantêm com o mercado se faz de forma subordinada ao capital comercial, industrial e financeiro. Podemos citar como exemplo a produção do maracujá em Nova Floresta cuja renda da terra é apropriada na maioria das vezes pelo capital industrial e comercial. Vejamos: a primeira apropriação ocorre logo no início do processo 15 De fato, este município tem uma boa vocação para a horticultura e fruticultura irrigada, porém a maioria dos camponeses analisados não possui recursos financeiros para investir na produção. 175 produtivo através da compra de insumos (fertilizantes químicos), equipamentos para a irrigação e alguns instrumentos de trabalho que sejam necessários para viabilizar a produção. Aqui a renda da terra é apropriada pelo capital industrial, haja vista que a compra de insumos e ferramentas de trabalho não se faz em grandes quantidades e não tem muita freqüência. Organograma 2 Fatores externos que (re)definem a forma de recriação do campesinato. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 09/06/2011. A segunda apropriação acontece pela relação estabelecida entre os camponeses e os atravessadores na comercialização do maracujá. Aqui a apropriação da renda da terra camponesa se dá pelo capital comercial que subordina a produção. Aliás, esta é uma forma de monopolização do capital na circulação do maracujá que os camponeses não conseguem evitar. Quando os mesmos vendem o maracujá para os atravessadores que o revende para as Ceasas que imediatamente o revende para outros setores antes de chegar ao consumidor, nesta movimentação ambos adicionam uma margem de lucro ao maracujá antes do produto final chegar à sociedade. Neste caso, a renda da terra que foi gerada pelo trabalho familiar dos camponeses de Nova Floresta está contida no maracujá que ao ser lançado ao mercado foi apropriado pelos atravessadores e os demais segmentos que não pagaram aos camponeses pelo seu trabalho efetuado durante a produção do maracujá, mas que ao comprá-lo o transforma em mercadoria que ao ser vendido é convertido em dinheiro. Esse é o processo que Oliveira (2002) denomina de produção de capital feito por meio do trabalho camponês. Não se trata da subordinação do trabalho ao capital, mas da subordinação da produção ao 176 capital durante a sua circulação. Não é o trabalho do camponês, mas o maracujá que gera taxa de lucro (a mais-valia) aos atravessadores e aos demais segmentos na circulação. Em suma, este foi um exemplo no qual a renda da terra camponesa foi apropriada somente pelo capital industrial e comercial, porém existem casos em que os camponeses se endividam com o banco por meio de políticas de crédito agrícola e transferem a renda da terra também ao capital financeiro16. É importante destacar que é somente na circulação do produto (maracujá ou outros produtos) que acontece a metamorfose da renda da terra em capital, pois durante o processo de produção os camponeses se recriam com autonomia controlando o seu próprio trabalho e os meios de produção. O que significa que eles mantém a territorialização camponesa através de diferentes formas de resistência que minimiza a subordinação da renda da terra ao capital. Podemos destacar algumas já apresentadas até então, como: a) a diversificação da produção evitando a penetração de monoculturas; b) a preferência em cultivar produtos conforme a aptidão dos solos existentes; c) a criação de animais como complemento da renda familiar e articulada a alguma cultura como forma de evitar maiores gastos; d) a migração temporária como forma de manter-se enquanto camponês; e) a autonomia camponesa no processo de trabalho. Todos esses elementos são materializados nas unidades de produção camponesas. 4.2.1.2 As principais culturas agrícolas, seus ciclos e seu processo de produção e comercialização Em virtude da grande diversidade dos produtos agrícolas produzidos pelos camponeses dos municípios analisados, optamos neste item em fazer somente à descrição dos produtos agrícolas que são destinados em maior parte ao consumo familiar, como o feijão, o milho, a fava, a mandioca, a macaxeira e a batata-doce, bem como das frutas que são destinadas à comercialização, como o maracujá, o caju, a pinha e a manga. É importante ressaltar, que as descrições foram baseadas nos relatos dos próprios camponeses complementados sucintamente por alguma leitura pertinente a cada cultura. 16 No item que trata do papel do Estado e as políticas públicas será abordado alguns exemplos que mostra a transferência da renda da terra camponesa ao capital, industrial, comercial e financeiro. 177 a) Cultura do feijão As unidades de produção camponesas de Teixeira e de Nova Floresta produzem geralmente três variedades de feijão, quais sejam: o mulatinho; o macaçar e a fava. Eles são semeados no início do inverno entre os meses de março a abril ou nos meses que precedem o inverno: janeiro e fevereiro. Do total dos 76 camponeses entrevistados nos dois municípios apenas 1 não cultiva feijão em sua propriedade17, e os demais cultivam e o considera como sendo o produto mais importante na alimentação da família. O feijão macaçar também é chamando pelos camponeses de feijão de corda pela forma de sua vargem ser bastante comprida e semelhante a uma corda. De acordo com Oliveira18 (2000), seu nome científico é “Vigna Unguiculata” da família das leguminosas “Fabáceas”. Ele tem uma boa adaptação ao clima semiárido e a diferentes tipos de solos em função das suas raízes poderem atingir até dois metros de profundidade o que facilita a captação de umidade no subsolo. Talvez seja por apresentar esses aspectos que o feijão macaçar consegue se adequar às condições adversas como a seca, a carência de água, a falta de irrigação, a falta de nutrientes dos solos (Regossolo e Bruno não-cálcico) da região semiárida em Nova Floresta. Foi justamente nesta região que os dados coletados em campo comprovaram o seu cultivo em todas as unidades de produção camponesas. Conforme os depoimentos dos camponeses da região semiárida de Nova Floresta bem como os do município de Teixeira, o feijão macaçar tem um ciclo vegetativo de 70 a 90 dias e o seu plantio é feito exclusivamente por sementes após a gradagem do terreno. Durante seu crescimento são realizadas três limpas com a utilização da enxada e do cultivador manual. Porém, nas entrevistas observamos que a relação que os camponeses têm com o tempo durante o ciclo biológico das culturas é muito peculiar. Todos afirmaram que os tratos culturais são realizados quantas vezes são necessárias para evitar o crescimento de ervas daninhas. Neste caso, o tempo de trabalho é determinado por dois fatores fundamentais: a necessidade da reprodução da família e a força da natureza pelas condições climáticas existentes ou que seja pelo ciclo vegetativo das culturas. Assim, os camponeses têm tempo livre determinado pelo ciclo do cultivo e pelo fato de não ter patrão. Recordamos que no primeiro trabalho de campo realizado em maio de 2006 chegamos numa comunidade, a Boi Morto, em plena fase do beneficiamento do feijão 17 Trata-se da propriedade localizada na sede do município de Nova Floresta a qual se dedica somente a horticultura. 18 Professor Dr. do Centro de Ciências Agrárias da UFPB - Areia. 178 macaçar. Então, a primeira vista resolvemos não aplicar os questionários, mas apenas observar para não atrapalhar o trabalho deles. Mas, quando os camponeses notaram a nossa presença, deram as boas vindas e ficaram a nossa disposição sem que tivéssemos pedido que deixassem o trabalho. Então, tivemos uma conversa informal e comunicamos que voltaríamos no outro dia para aplicar os questionários conforme o horário mais conveniente para eles. Então, o que vimos é que eles têm autonomia para determinar o seu tempo, embora o beneficiamento do feijão seja uma etapa cujas paradas tenham que ser mais restritas devido ao pagamento pelo uso da máquina debulhadeira, mas se houver necessidade de interromper o trabalho se faz sem pedir autorização a nenhum patrão. O que significa que não há separação entre o trabalho e a vida camponesa. Conforme afirma Bombardi (2004): Ao contrário dos trabalhadores urbanos, que atribuem aos finais de semana o tempo de “vida”, ou seja, aquele em que eles podem ser eles mesmos, no meio camponês não é desta forma, a própria família tem maleabialidade para impremir a si mesma um determinado ritmo de trabalho em função dos cultivos que escolhe e da capacidade de trabalho que possui (p. 206). Na época da colheita do feijão macaçar o ritmo de trabalho é maior, pois é realizada manualmente podendo ser feita em duas fases do crescimento dos grãos: quando as vargens ainda estão com os grãos verdes19 e quando as vargens já estão com os grãos secos. Em ambos os municípios os camponeses dão preferência a colheita dos grãos secos que acontece entre os meses de maio a junho. Depois de colhido o feijão macaçar passa pelo processo de beneficiamento (separação do grão da casca) que tradicionalmente era feito de forma manual e atualmente é mais realizado com a utilização da máquina debulhadeira (Fig. 25). A máquina debulhadeira20 é acoplada ao trator, possibilitando o seu transporte para todas as unidades de produção. Nesse caso, o feijão em vargem é inserido na máquina que possui um sistema de dentes para quebrá-la deixando o feijão solto. A vargem quebrada é lançada fora através de um sistema de ventilação e o feijão desce limpo por um conduto para ser depositado em recipientes (latas, baldes), que depois é colocado em saco e pesado para ser vendido. 19 Quando os grãos estão já desenvolvidos mas apresentam ainda a cor verde, sendo tradicionalmente denominado no Nordeste de feijão verde. 20 São poucos os camponeses que tem instrumentos de trabalho mais robustos como o trator e a debulhadeira, constatamos apenas dois em cada município, o que cria uma relação de dependência entre camponeses que não tem recursos financeiros para comprá-los em relação aos que já compraram. 179 Figura 25 Processo de beneficiamento do feijão com o uso da debulhadeira. Nova Floresta-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 13/05/2006. Constatamos na pesquisa de campo que os camponeses aproveitam uma parte da vargem quebrada para a alimentação dos animais e a outra parte mais fina é misturada ao solo servindo de adubação natural, o que nos revela mais uma forma de resistência ao capital industrial ao evitar a adubação química em seus cultivos. A debulhadeira mecânica é alugada no sistema de “conga” no qual de cada 100kg de feijão debulhado 10 kg (10%) é pago ao proprietário da máquina. Este sistema de pagamento é antigo, é tanto que o mesmo já foi descrito por Heredia em 1979 quando estudou a forma de organização interna de algumas unidades de produção camponesa na Zona da Mata de Pernambuco. A conga descrita por ela funcionava como pagamento em troca do uso da casa de farinha pelos camponeses. E, esse pagamento poderia ser feito em farinha de mandioca, em 180 dinheiro ou conforme a imposição do dono. Conforme a autora, regra geral, “(...) o preço estabelecido é uma cuia de farinha para cada dez cuias que se produzam ou, se é pago em dinheiro, corresponde a um cruzeiro para dez cuias” (HEREDIA. 1979. p. 63). No debulhamento através do sistema manual21, os camponeses batem com uma vara na vargem e depois passa o feijão de um recipiente (balde, lata, etc.) para o outro criando um sistema natural de ventilação. Esse processo manual é pouco utilizado pelos camponeses, devido à demora na separação dos grãos da vargem. Em Teixeira, a produção do feijão macaçar22 é destinada principalmente ao consumo da família camponesa, pois do total das 35 unidades de produção visitadas somente 5 comercializam o excedente da produção. Enquanto que em Nova Floresta o excedente é comercializado nas próprias unidades de produção com os atravessadores (Figs. 26 e 27) no valor que varia de R$80,00 a R$150,00 reais o saco de 60 kg23. Figura 26 Escoamento do feijão macaçar pelos atravessadores. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia, 14/05/2006. 21 Duas famílias camponesas do município de Teixeira ainda preferem o sistema manual para debulhar o feijão. Somente 5 famílias declaram comercializar o feijão macáça e as outras variedades de feijão aos atravessadores ao preço de R$ 90,00 a R$ 130,00 o saca de 60kg. Conforme os camponeses, normalmente são vendidos entre 1 a 3 sacos do excedente que é escoado para a feira livre de Patos-PB. 23 Valores de fevereiro de 2011. 22 181 Figura 27 Atravessador negociando à produção do feijão macaçar. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 14/05/2006. A autonomia dos camponeses é observada até a fase do beneficiamento do feijão macaçar (ou de qualquer produto que é lançado ao mercado), já que na comercialização são os atravessadores quem estabelecem o preço e iniciam o processo de apropriação da renda da terra que será continuada na circulação do produto até o destino final (Organograma 3). Organograma 3 Unidade de produção camponesa Feira livre Nova Floresta-PB Atravessador Feira livre Jaçanã-RN Consumidor Feira livre Cuité-PB Circulação do feijão macaçar e de outras variedades de feijão até o seu destino final. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 12/06/2011. 182 Em cada propriedade camponesa é comum os atravessadores adquirir entre 4 a 6 sacos (60 kg) da produção excedente do feijão macaçar ao valor determinado por eles que varia entre R$ 80,00 a R$ 150,00 reais cada saco. Este valor será reajustado quando o produto for distribuído para os comerciantes das feiras livres de Nova Floresta, de Cuité e de Jaçanã-RN, bem como quando for revendido para o consumidor final. Então, mesmo diante da transferência da renda da terra para o capital comercial (atravessadores e comerciantes), o feijão macaçar proporciona aos camponeses uma renda média anual de R$ 320,00 a R$ 600,00 reais. O que revela que a agricultura camponesa que analisamos é regida por princípios opostos ao da agricultura capitalista e está inserida na lógica de produção simples de mercadoria, na qual os camponeses não visam fundamentalmente o lucro, mas apenas comercializam o excedente da produção para comprar outros produtos que são considerados necessários para a recriação da família e o que os mesmos não produzem. Outra variedade do feijão bastante cultivada em Teixeira e Nova Floresta é o mulatinho, que segundo Oliveira (2000) faz parte da mesma família das leguminosas “fabáceas”, porém seu nome científico é “Phaseolus Vulgares”. Trata-se de um tipo de feijão completamente diferente do feijão macaçar, pois necessita de uma maior quantidade de água para se desenvolver devido suas raízes serem superficiais. Por isso, que durante as entrevistas a maioria dos camponeses da região semiárida declararam não cultivá-lo devido o solo não ser muito apto para o seu cultivo. Constatamos a sua produção em 25 unidades de produção camponesas de Nova Floresta localizadas nas comunidades rurais da região subúmida. Em Teixeira somente as 35 unidades de produção camponesas que visitamos produzem o feijão mulatinho e seu destino é quase que totalmente para o consumo familiar. Conforme os relatos dos camponeses de ambos os municípios, o feijão mulatinho cresce em forma de pequenos arbustos e durante seu crescimento são realizadas de duas a três limpas. O seu ciclo é igual ao do feijão macaçar entre 70 a 90 dias e o seu plantio também é realizado nos meses de março e abril ou conforme os meses que precedem o inverno. Porém, existem duas características específicas que o diferencia completamente do feijão macaçar, quais sejam: a forma de colher e o seu amadurecimento uniforme. A colheita é realizada de uma só vez arrancando-se toda a planta pelo pé. Por isso, que localmente ele é denominado de “feijão de arranca” como afirma a camponesa Dona das Dores: A colheita do feijão mulatinho é arrancando pé por pé com as mãos. A gente arranca fazendo uma ruma, um paió, sabe? E depois agente coloca tudo junto pra secar pra depois debulhar com a máquina. Já o feijão macaçar, a gente apanha baje por baje com as mãos, é mais trabalhoso do quê o outro. 183 (Depoimentos da camponesa Maria das Dores da Silva. Nova Floresta-PB, 29/07/2007). A média do excedente que se vende em cada propriedade camponesa é entre 3 a 5 sacos no valor que varia entre R$ 80,00 a R$ 100,00 reais o saco pesando 60 kg, proporcionando uma renda média anual de R$ 240,00 a R$ 400,00. O sistema de comercialização e escoamento é o mesmo do feijão macaçar, o atravessador compra o feijão e depois revende para os comerciantes das feiras livres dos municípios vizinhos. A fava também é cultivada nos dois municípios, é caracterizada pelos camponeses como sendo uma leguminosa que produz vargens grandes e seus grãos são completamente diferentes das outras variedades de feijão: são grossos, ovulados e achatados. O seu plantio inicia-se na mesma época do feijão macaçar e do feijão mulatinho, entre os meses de março a abril. O seu ciclo vegetativo é de 90 dias, precisando de três limpas durante o seu crescimento. A colheita é realizada da mesma forma que o feijão mulatinho: arrancando-se o pé completo da planta. A comercialização do excedente não ultrapassa de dois sacos vendidos mais caro do que as outras variedades, custa em média de R$ 100,00 a R$ 150,00 reais o saco de 60 kg. O escoamento da produção se faz conforme o organograma 3, o qual mostra a circulação das variedades de feijão cultivada em Nova Floresta. Em Teixeira a comercialização do excedente do feijão macaçar, do feijão mulatinho e da fava é muito baixa, somente 5 unidades de produção comercializam com os atravessadores que escoam a produção para o município de Patos-PB. Entretanto, na pesquisa de campo foi notória a diferença no que se refere ao percentual das unidades de produção camponesas de Nova Floresta e Teixeira que comercializam o excedente das variedades de feijão. Em nova Floresta, por exemplo, das 41 unidades de produção camponesas que visitamos 37 (90%) delas consomem e comercializam o excedente (Gráfico 9). Enquanto que em Teixeira do total de 35 unidades de produção somente 5 (14%) consomem e comercializam, as demais produzem apenas para o consumo direto da família (Gráfico 10). 184 Gráfico 9 Fonte: Pesquisa de campo. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 12/06/2011. Gráfico 10 Fonte: Pesquisa de campo. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 12/06/2011. A comercialização do excedente das variedades de feijão proporciona uma renda média anual aos camponeses de R$ 760,00 a R$ 1.300,00. 185 b) Culturas do milho, da mandioca e da batata-doce O milho nos municípios estudados é produzido em consórcio com a cultura do feijão (Fig. 28). O seu plantio ocorre no início do inverno entre os meses de março e abril e seu ciclo produtivo dura aproximadamente três meses. Figura 28 Produção consorciada de milho e feijão. Nova Floresta-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 07/02/2011. A colheita do milho é feita manualmente retirando-se espiga por espiga e apresenta semelhança com a colheita do feijão macácar porque pode ser realizada em duas fases do crescimento das espigas: ou ainda verde ou quando estiver seca. Conforme as observações e entrevistas realizadas durante os trabalhos de campo, constatamos a preferência pela colheita do milho verde, devido seu consumo in natura ser maior, sobretudo nos meses de junho e julho que coincide com as festas juninas. A outra parte das espigas que são colhidas secas quebra-se o talo de sua planta e deixa no roçado por mais três meses. Em seguida, o milho seco é colhido e beneficiado igual ao feijão através do aluguel da máquina debulhadeira. A produção do milho em Teixeira é totalmente destinada ao consumo da família e dos animais de criação de pequeno porte. Enquanto que em Nova Floreste 9 (22%) camponeses declararam vender o excedente do milho para os atravessadores (Gráfico 11) no valor de R$ 50,00 o saco de 60 kg. Geralmente são vendidos de 3 a 4 sacos que proporciona uma renda anual de R$ 150,00 a R$ 200,00. 186 O predomínio das unidades de produção que não comercializam o excedente do milho é explicado entre outras razões pelo fato delas possuírem animais de criação, como: gado, porcos, aves e outros que se alimentam do milho ou de derivados provenientes dele. Outra cultura cuja produção é destinada quase que exclusivamente ao consumo familiar é a mandioca. Em ambos os municípios se cultiva duas variedades: a mandioca amarga e a mandioca mansa conhecida como macaxeira. Gráfico 11 Fonte: Pesquisa de campo. Org. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 12/06/2011. De acordo com Heredia (1979): Ambas são semelhantes tanto no seu aspecto como por possuírem um mesmo ciclo agrícola. A diferença consiste em que a mandioca amarga deve passar por um processo que extrai dela a substância tóxica, sendo consumida como farinha depois de moída, enquanto a macaxeira pode ser aproveitada sem que seja necessária essa transformação (HEREDIA, 1979.p. 61). Conforme os depoimentos dos camponeses o plantio da mandioca é iniciado logo após o início da chuva, no período compreendido entre janeiro e fevereiro, e ainda se estende até o mês de julho. O desenvolvimento vegetativo da planta apresenta uma variação de 12 a 18 meses a depender de vários fatores, tais como: a) o tipo de solo; b) a freqüência de chuva; c) os adubos utilizados no solo; d) o cultivo consorciado de outras culturas. Durante o crescimento da mandioca são realizadas até cinco limpas logo após cada chuva. A sua colheita se dá a partir de sua maturação. Porém, no decorrer dos relatos, verificamos uma 187 particularidade no processo de produção da mandioca denominado pelos camponeses de “esgotar a mandioca”. “Esgota-se a mandioca” quebrando-se o seu talo caso ela não seja colhida quando estiver madura. Essa operação foi encontrada entre os camponeses estudados por Heredia (1979) a qual foi explicada da seguinte forma: Se a mandioca não vai ser colhida quando madura, logo após alguma chuva arranca-se o talo (maniva), deixando o bulbo enterrado, esta operação é chamada de “esgotar a mandioca”. Neste caso, o esgotamento favorece o crescimento da raiz enquanto os talos cortados são utilizados como sementes para novas plantas. (...) após algumas limpezas, dentro de quatro ou cinco meses, a planta já apresenta novas folhas e então o tubérculo estará novamente em condições de ser colhido (HEREDIA. 1979. p.61-62). Assim, a semente da mandioca é proveniente do pedaço do talo arrancado, denominado de maniva. De acordo com Heredia existem duas formas de obtê-la na colheita: a) uma é quando se arranca toda a planta cortando-se os talos que serão guardados e conservados até no máximo quatro meses para serem plantados; b) a outra consiste no ato de cortar os talos deixando-os enterrados no roçado sendo essa forma a que assegura um maior rendimento à nova planta. A colheita da mandioca em Nova Floresta e em Teixeira é realizada pelos chefes de famílias de duas maneiras: uma manualmente e a outra através do uso da matraca (picareta). Porém, a forma manual é a mais utilizada entre eles, através do arranquio das raízes da planta. Após ser colhida é beneficiada na casa de farinha. Em Teixeira a comunidade Fava de Cheiro se destaca na produção de mandioca. Segundo os camponeses o tipo de solo (Regossolo) existente é apto ao cultivo desta cultura, por isso que eles dedicam a maior parte de seu roçado ao seu plantio. A maior parte da produção é destinada ao consumo da família em forma de farinha, a qual também é vendida aos camponeses de comunidades próximas. Nas primeiras semanas de cada mês alguns camponeses desta comunidade organizam a festa “Saberes e Sabores da Mandioca” em que os produtos derivados desta cultura são comercializados localmente, como: a farinha, a goma para fazer tapioca, o polvilho, o beju, o bolo de mandioca, além de outros produtos que proporciona uma pequena renda monetária que ajuda na reprodução da família. A casa de farinha desta comunidade é utilizada pelas famílias que contribuem mensalmente com um valor de R$ 3,00 reais à Associação dos Pequenos Agricultores da Comunidade de Fava de Cheiro. Das 4 unidades de produção que visitamos todas produzem 188 a mandioca e comercializam o excedente ao valor de R$ 1,50 reais o saco de 1 kg. Os camponeses não souberam informar quantos sacos são vendidos por safra, por isso não sabemos informar o valor da renda média anual que este produto proporciona a cada família. Em Nova Floresta das 41 famílias, 20 produzem a mandioca, mas somente duas possuem casa de farinha onde os vizinhos produzem farinha em troca do pagamento de uma conga equivalente à terça parte da produção do produto beneficiado. A produção é totalmente voltada para a alimentação da família e dos animais de criação. Em ambos os municípios também se cultiva a macaxeira (Figs. 29 e 30) que tem o mesmo ciclo vegetativo da mandioca e as etapas do processo produtivo são iguais. A sua importância nos roçados está relacionada ao consumo direto da raiz sem que seja beneficiada. Figuras 29 e 30 Cultivo de macaxeira e macaxeira após ser colhida manualmente pelo camponês. Nova Floresta-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 08/02/2011. Na pesquisa de campo observamos que nas mesmas unidades de produção em que se produz a mandioca também se cultiva a macaxeira. Em Nova Floresta as 20 famílias que declararam cultivar a mandioca também produzem a macaxeira, enquanto que em Teixeira o seu cultivo se faz presente na comunidade Fava de Cheiro na qual entrevistamos 4 famílias 189 que afirmaram cultivá-la em seus roçados. A concentração da produção de mandioca numa única comunidade é explicada pela preferência dos camponeses das outras comunidades pelo cultivo da batata-doce. O seu plantio ocorre no início das chuvas entre os meses de março a abril e consiste na etapa de enterrar manualmente uma parte da rama (muda) no solo (Fig. 31). Normalmente são realizadas de 3 a 5 limpas até a colheita que ocorre entre 110 a 150 dias após o plantio. Entre as unidades de produção camponesas que visitamos em Nova Floresta não identificamos o cultivo da batata-doce. A sua produção nas unidades de produção que visitamos no outro município é totalmente voltada para o consumo direto da família. Figura 31 Plantio da batata-doce no Assentamento Poços de Baixo em Teixeira-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 14/03/2011. Em suma, das culturas alimentares que foram descritas até então, verifica-se que somente o excedente das variedades de feijão cultivadas em Nova Floresta proporciona uma pequena renda monetária as famílias que comercializam o excedente dos produtos. As demais culturas, via de regra, são destinadas ao consumo das famílias e dos animais de criação. Em Teixeira identificamos um campesinato quase sem relação mercantil, pois com exceção da venda do excedente da farinha de mandioca e de seus derivados na Comunidade de Fava de Cheiro e do excedente das variedades de feijão que identificamos em 5 unidades de produção, os demais produtos não são comercializados. Os camponeses preferem comercializar algumas frutas como veremos a seguir. 190 c) Cultura do maracujá Na pesquisa de campo não identificamos o cultivo de maracujá no município de Teixeira, mas apenas no município de Nova Floresta. Neste município, do total dos camponeses entrevistados 28 cultivam o maracujá em suas terras, sendo que 22 fazem o cultivo na região subúmida e somente 6 cultivam na região semiárida (Gráfico 12). Gráfico 12 Pesquisa de campo. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 15/06/2011. Dos 28 que cultivam o maracujá, 20 utilizam a irrigação na região subúmida e somente 2 fazem o cultivo de sequeiro nesta mesma região. Dos 6 que cultivam na outra região todos produzem no sistema de sequeiro por não terem recursos financeiros para investir no sistema de irrigação que exige equipamentos modernos e mão-de-obra contratada. O método de irrigação utilizado no cultivo do maracujá na região subúmida é denominado de “xique-xique”. Utiliza-se uma mangueira que acompanha a fileira de plantas e que tem pequenos orifícios por onde a água passa e cai em forma de gotejamento. Os camponeses por questão de economia fazem apenas duas ou três irrigações semanais para a planta ficar sempre molhada. O plantio do maracujá de forma irrigada pode ser feito em qualquer época do ano, mas se for ao sistema de sequeiro as mudas devem ser plantadas logo no início das primeiras chuvas (Quadro 1). Conforme os camponeses, o plantio é realizado por meio de sementes que podem ser compradas ou retiradas da própria fruta. Para fazer as mudas os camponeses usam sacos plásticos para colocar a mistura da terra com o esterco do gado do próprio curral. Em 191 seguida, coloca-se a semente dentro do saco e depois de 30 a 45 dias quando estiverem com 15 a 25 centímetros de altura estarão prontas para serem transplantadas. Os camponeses colocam o adubo numa cova medindo 40 cm de largura por 40 cm de comprimento. A muda do maracujá só é plantada a partir de 15 a 20 dias devido ao risco de amarelar ou da planta morrer devido à fermentação do solo. Após o plantio com aproximadamente 30 dias a planta começa a se desenvolver. São realizadas três limpas até o período de colheita. Dito de outra forma: No plantio do maracujá a gente faz as mudas, compra as sacolinhas pra botar o adubo de esterco do gado (...). Depois a semente é colocada dentro e depois de uns 45 dias a muda já tá com uns 15 ou 25 centrímetro de tamanho, e, aí se faz o transplante. A gente coloca lá dentro da cova que já tá feita e adubada. A gente prepara a cova e vai colocando o adubo orgânico, sabe? Do mesmo jeito que se fez na sacola. Sempre preparo a cova por 40 cm de largura e 40cm de comprimento, essa cova é onde planta a muda. Assim, a gente prepara o terreno, limpa ele e cava e bota o esterco e só depois de uns 15 dias que a gente bota a muda, porque se plantar logo a muda amarela e morre. Os técnicos explicou pra gente que é devido a fermentação, sabe? Aí a planta vai crescer, e se precisar de mais adubo a gente bota. Depois de seis mês é que tá bom (depoimento do camponês Genário Francisco dos Santos. Nova Floresta-PB, 14 de maio de 2006). De acordo com os camponeses, quando o maracujá se encontra maduro ele cai espontaneamente do pé e é colhido no chão. A produção tem duas safras por ano sendo realizadas duas colheitas anualmente. O destino da produção é puramente comercial, os camponeses consumem apenas o excedente caso a produção não seja comercializada totalmente. A comercialização, via de regra, é realizada através dos atravessadores24 que adquirem a produção dos camponeses em suas unidades de produção para revender na CEASA de Natal – RN, na EMPASA de Campina Grande-PB, nas feiras livres de Caicó-RN, Acarí- RN, e numa indústria de polpa de fruta localizada no município de Jaçanã - RN (Organograma 4). O preço do quilo do maracujá varia entre R$ 0,90 a R$ 1,50 reais. Neste caso, de acordo com os técnicos da EMATER, um camponês que destina 2 hectares de terra para a produção do maracujá poderá ter uma produtividade de 15 toneladas do produto. O que proporciona uma renda média anual de R$ 13.500,00 a R$ 22.500,00 reais. 24 Conforme já foi dito anteriormente, a produção do maracujá passa de mãos em mãos até chegar ao consumidor final, o que explica que vários segmentos da sociedade se apropriam da renda da terra contida no produto feito pelo trabalho dos camponeses. 192 Do ponto de vista econômico os camponeses que cultivam o maracujá na região serrana de Nova Floresta por estarem mais vinculados ao mercado diferem dos camponeses da região semiárida e dos camponeses de Teixeira que vivem num sistema econômico mais voltado para a produção de culturas tradicionais para atender as necessidades básicas das famílias. Todavia, os camponeses maracujazeiros de Nova Floresta estão mais subordinados ao capital industrial e comercial do que os camponeses da região semiárida e de Teixeira. Em contrapartida estes estão com mais autonomia no processo produtivo do que aqueles, dado que ao se conformar com a realidade econômica existente ficam quase livres da sujeição do capital industrial, comercial e financeiro. Por isso que para efeito deste trabalho não achamos oposição entre conformismo e resistência, ao contrário, são dimensões imbricadas num mesmo processo. Afirmamos isso porque encontramos uma maior diversificação de culturas e maior presença da força de trabalho familiar nas unidades de produção que não produzem o maracujá. Não queremos dizer que os camponeses maracujazeiros estão em processo de enriquecimento e que vão se transformar em capitalistas conforme os prognósticos da diferenciação social defendida por Lênin (1982), pois acreditamos que o destino final da produção não é capaz de defini-los como camponês ou não, mas a presença do trabalho familiar, a pequena utilização da mão-de-obra contratada e autonomia no processo de produção é que são elementos determinantes para caracterizá-los como camponeses. O que estamos evidenciando é que os camponeses de Teixeira estão se recriando sem que haja a sujeição da renda da terra ao capital por resistirem ao se conformar com a situação econômica que o circunda desde tempos remotos. O maracujá cultivado pelos camponeses de Nova Floresta é o da espécie amarela, o preferido na fabricação de sucos, de polpas e remédios naturais. É por isso que ele tem uma boa aceitação no mercado, geralmente os atravessadores passam duas vezes por semana nas unidades de produção camponesas para comprá-los. 193 Organograma 4 CEASA RECIFE-PE Unidade de produção camponesa EMPASA Campina Grande PB Atravessador Consumidor CEASA Natal RN Indústria de polpa de fruta Jaçanã - RN Supermercados Mercadinhos Feiras livres: Caicó-RN Acarí-RN Circulação da produção do maracujá de Nova Floresta-PB. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 15/06/2011. 194 d) Culturas do caju, da pinha e da manga O caju também ocupa lugar de destaque dentre as plantas frutíferas dos municípios analisados. Conforme os questionários aplicados na pesquisa de campo, identificamos a produção do caju em regime de sequeiro em 29 unidades de produção camponesas em Nova Floresta (contendo em média de 3 a 5 pés por unidades de produção), sendo 20 localizadas na região semiárida, 9 na região serrana e 23 no município de Teixeira. Segundo os camponeses de ambos os municípios os cajueiros foram germinados por sementes e passaram em média três anos para começar a produzir. A cada ano tem uma safra, com exceção do cajueiro anãoprecoce cultivado em Nova Floresta que tem duas safras anualmente. Como se trata de uma cultura permanente, os tratos culturais são realizados depois do florescimento da planta que consiste: na retirada de ervas daninhas; na adubação com o esterco do gado e no coroamento nas proximidades da base das plantas. Em Teixeira a produção do caju é destinado para fins comerciais, a colheita é feita manualmente após 4 meses do florescimento (Quadro 1). A fruta é colhida no chão (Fig. 32) e vendida aos atravessadores que vão até as unidades de produção camponesas para comprar a fruta in natura e a castanha para revendê-las nas feiras livres dos municípios paraibanos de Patos e Maturéia, na Paraíba e São José do Egito em Pernambuco. Figura 32 Colheita do caju numa unidade de produção camponesa de Teixeira-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 12/01/2011. Na pesquisa de campo os camponeses declararam comercializar o quilo da castanha do caju ao preço de R$ 1,00 real, assim o saco de 60 kg custa R$ 60,00 reais. Então se eles 195 vendem entre 10 a 15 sacos por ano como afirmaram, pressupõe-se que obtêm uma renda média anual entre R$ 600,00 a R$ 900,00 reais. O pedúnculo comestível é vendido ao preço de RS 2,00 reais cada caixa de 20 kg. Normalmente, são vendidas entre 15 a 20 caixas, o que proporciona uma renda anual de R$ 30,00 a R$ 40,00 reais. Em Nova Floresta o caju é um produto totalmente comercial, sua produção se faz presente nas duas regiões naturais com destaque para o cultivo na região semiárida. A colheita é feita da mesma forma do município de Teixeira, os camponeses colhem os frutos caídos no chão. A comercialização, via de regra, também é realizada através dos atravessadores que compram a castanha ao preço de R$ 78,00 o saco de 60 kg. Os camponeses declararam vender de 15 a 20 sacos de castanha, o que lhes rende em média anual de R$ 1.170,00 a R$ 1.560,00 reais. A castanha é escoada para as feiras livres dos municípios vizinhos do Rio Grande do Norte, quais sejam: Caicó, Acarí, e Parnamirim. Já o pendúculo é vendido a R$ 2,20 a caixa de 20 kg. Eles vendem em média de 10 a 20 caixas que proporciona uma simbólica renda de R$ 22,00 a R$ 44,00. O pendúculo é escoado para uma fábrica de polpa de fruta localizada no município de Jaçanã no Rio Grande do Norte denominada de “Incaju”. Outra fruta que se destaca nas unidades de produção camponesas dos dois municípios é a pinha, sobretudo na região semiárida do município de Nova Floresta, onde vem sendo cultivada em substituição ao cultivo de maracujá de sequeiro. De acordo com a pesquisa de campo, a produção de pinha se faz presente em apenas 15 unidades de produção camponesas em Nova Floresta, sendo 11 na região semiárida e somente 4 na região serrana. Em Teixeira esse número baixa para apenas 9 unidades de produção. Em ambos os municípios são em média de 2 a 3 pés plantados por propriedade. A propagação foi feita de forma extensiva (sem nenhum uso de tecnologias) e em áreas esparsas nos quintais ou nos arredores das casas. Segundo os camponeses entrevistados, a pinha é germinada por sementes e demora 3 anos para produzir. A fruta amadurecida é apanhada manualmente no pé da planta e destinada ao consumo da fruta in natura pela própria família camponesa em Teixeira e comercializada em Nova Floresta. A venda é feita diretamente ao atravessador que escoa a produção para o estado do Rio Grande do Norte. As pinhas são vendidas ao preço de R$13,00 a caixa com 80 pinhas grandes, e a R$ 8,00 a caixa com 200 pinhas pequenas. As mesmas proporcionam uma renda anual aos camponeses de R$ 120,00 a R$ 221,00 reais, já que são comercializadas em média de 15 a 17 caixas. Como se trata de uma lavoura permanente, a colheita inicia-se 4 meses depois do florescimento (Quadro 1) e depois que as folhas caem, os camponeses se dedicam aos tratos culturais com a retirada de alguns matos, a adubação (feita uma vez por ano utilizando o esterco do curral) e após a colheita procede-se a poda de limpeza. 196 Da mesma forma que a pinha, a manga também é pouco produzida pelos camponeses de Nova Floresta e de Teixeira. Conforme a pesquisa de campo, a mesma se encontra em áreas esparsas nas unidades de produção camponesas de ambos os municípios. Em Nova Floresta identificamos a mangueira em apenas 9 unidades de produção, sendo 3 na região semiárida e 6 na região serrana. Já em Teixeira observou-se a presença de um número maior de mangueira (encontramos em 12 unidades de produção as quais não comercializam a fruta). Nas unidades de produção camponesas de ambos os municípios encontramos em média de 1 a 2 pés de mangueira. Segundo os camponeses, o plantio foi realizado através de mudas das variedades espada e rosa. Geralmente, a primeira colheita ocorre a partir do segundo ano depois do plantio e se prolonga por dois meses. Os tratos culturais são realizados depois do florescimento e da colheita e compreende as seguintes tarefas: a) a retirada de ervas daninhas; b) a adubação com o esterco do gado; c) a poda de limpeza. É comum em Nova Floresta os camponeses venderem de 4 a 5 sacos de mangas ao preço de R$ 70,00 reais o saco de 60 kg. Neste caso a produção desta fruta proporciona uma renda média anual de R$ 280,00 a R$ 350,00 reais. A fruta é consumida in natura e comercializada através da mediação dos atravessadores que escoa para as feiras livres de Cuité-PB, Jaçanã-RN e Picuí-PB. A comercialização é entendida neste trabalho como necessária para a recriação dos camponeses, uma vez que os produtos provenientes do roçado não cobrem todo o conjunto de bens reconhecidos socialmente como necessários ao consumo da família, isto é, existem bens que se consomem, mas que não são produzidos por eles, como o café, a carne, o açúcar, o sal, além das roupas, dos calçados, dos materiais escolares entre outros. Portanto, para a aquisição destes produtos é necessária a venda do excedente da produção e das frutas que são produzidas com esta finalidade. Os camponeses analisados estão inseridos na lógica de produção simples de mercadoria, os quais comercializam parcialmente os seus produtos para adquirir bens que são necessários à recriação da família. A organização da produção nas unidades de produção camponesas de Nova Floresta e de Teixeira expressa formas de resistência e de recriação camponesa contraditórias à lógica capitalista de produção, como: a) o aproveitamento das vargens quebradas do feijão macaçar na alimentação dos animais e na adubação do solo; b) o pagamento pelo uso da debulhadeira mecânica através do sistema de conga que possibilita aos camponeses beneficiarem o feijão e pagar com o próprio produto beneficiado, c) a comercialização do excedente do feijão macaçar, do feijão mulatinho, da fava, da mandioca, do maracujá, do caju, da pinha e da manga, d) o aproveitamento da produção do milho na alimentação dos animais de criação de 197 pequeno porte, e) o cultivo no sistema de sequeiro. Todos esses elementos são materializados na organização interna das unidades de produção camponesas. A partir dessas breves considerações sobre os principais produtos agrícolas cultivados pelos camponeses nos mencionados municípios, concluímos que a diversificação de culturas é uma das principais formas de recriação camponesa porque assegura colheitas em épocas diferentes entre si. Por exemplo, o cultivo das frutas no sistema de sequeiro garante colheitas em épocas diferentes das colheitas do feijão macaçar, do feijão mulatinho, da fava, do milho, da macaxeira, da mandioca e da batata-doce (Quadro 1). Na pesquisa de campo, conforme mostra a foto abaixo, identificamos um modelo de ordenamento territorial numa propriedade camponesa de Nova Floresta que mostra a versatilidade na diversificação das culturas. Nesta propriedade encontramos o chefe da família no período da tarde colhendo a macaxeira de seu roçado após ter passado o período da manhã preparando o solo para o plantio do milho consorciado com o feijão. O solo preparado aguardando a chuva cair para ser plantado o feijão e o milho está localizado entre as lavouras da macaxeira e do maracujá irrigado. Este garante colheitas em épocas que as demais culturas não estão sendo cultivadas ou não estão em fase de colheita. Perto do maracujá, no lado direito da figura 33, está localizado o cultivo de palma forrageira destinada a alimentação de três cabeças de gado existentes na propriedade: um boi, uma vaca e um bezerro. Ao lado do curral25 dos animais encontra-se o cultivo de capim elefante também destinado para o pasto dos animais de criação. As frutas encontram-se espalhadas ao redor da casa e no quintal. 25 O curral dos animais de criação, as frutas e as aves não está visível na fig. 30, mas será apresentada em forma de croqui posteriormente. 198 Figura 33 Maracujá irrigado Palma forrageira Solo preparado para o plantio do milho consorciado com o feijão Macaxeira Ordenamento territorial de uma unidade de produção camponesa da região serrana de Nova Floresta-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 08/02/2011. 199 A forma de organização interna das unidades de produção camponesas de Nova Floresta e de Teixeira foi recuperada através de uns croquis que mostram a diversificação de culturas como uma forma de resistência ao capital que permite a recriação do campesinato analisado. (Croquis 1, 2, 3).