CAPÍTULO IV
RESISTÊNCIA E RECRIAÇÃO CAMPONESA: AS
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO
138
4 RESISTÊNCIA
E
RECRIAÇÃO
CAMPONESA:
AS
FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DA PRODUÇÃO Nosso esforço analítico recai nas evidências de que a recriação da classe camponesa
de Nova Floresta e Teixeira é uma expressão do desenvolvimento contraditório do capital.
Essa compreensão descarta a idéia da inexorabilidade do desenvolvimento capitalista em
expropriar os camponeses dos seus meios de produção, haja vista que a realidade das
comunidades rurais de ambos os municípios, expressam exatamente o contrário deste
caminho cujo fim seria o desaparecimento do campesinato. Neste capítulo abordamos a
resistência e a recriação camponesa nos municípios de Nova Floresta e Teixeira pelo viés das
formas de organização da produção buscando evidenciar tal assertiva. Partimos de uma
caracterização dos camponeses desses municípios realizada com base na pesquisa empírica.
4.1 Caracterização do campesinato de Nova Floresta e Teixeira
Caracterizamos a população que compõe o universo das famílias camponesas que
responderam aos questionários nos dois assentamentos e nas 26 comunidades visitadas em
ambos os municípios. Além da visita ao Sítio Canteiro Cheiro Verde localizado na sede do
município de Nova Floresta. Levou-se em consideração para o cálculo do tamanho médio das
famílias o número de pessoas residentes no domicílio e os filhos que já saíram de casa.
Verificamos que o tamanho médio das famílias em Nova Floresta é de 4,7 pessoas e em
Teixeira é de 6,6 pessoas.
Considerando apenas a população residente no momento da pesquisa nas unidades de
produção camponesas de Nova Floresta, verificamos a predominância de crianças na faixa
etária de menos de 4 até 14 anos de idade (58,4%), o que é indicador da jovialidade dessa
população (v. gráfico 5). A distribuição segundo o sexo ressalta uma ligeira predominância
dos homens (51,5%) sobre as mulheres (48,5%).
139
Gráfico 5
Fonte: Pesquisa de campo em Nova Floresta-PB em 05/02/2011.
Org. Silvana Cristina Costa Correia.
A relação entre sexo e idade permite fazer algumas inferências interessantes, tais
como: a) a população que compõe as famílias camponesas investigadas é dominantemente
jovem, com 44,4% do total inserida nas faixas etárias entre menos de 1 a 24 anos; b) embora
os homens representem um número maior na faixa de 25 a 34 anos, percebemos uma presença
maior de mulheres nas faixas etárias de 10 a 14 anos e um retorno da preponderância feminina
entre 20 e 34 anos. Podemos inferir a diminuição do número de pessoas do sexo masculino na
faixa de 35 a 44 anos, à saída dos filhos da casa dos pais por motivo de casamento ou a
migração dos homens em idade produtiva em busca de trabalho noutros lugares; c) o número
de idosos é pequeno, apenas 8 pessoas com mais de 65 anos de idade, sendo 3 homens e 5
mulheres.
Em Teixeira, conforme o gráfico 6, verificamos também a jovialidade da população
camponesa, com a predominância de crianças e jovens na faixa etária de 10 a 17 anos de
idade (16,3%) e de adultos na faixa entre 25 e 44 anos (33,3%). A distribuição da população
segundo o sexo, de forma semelhante a de Nova Floresta, ressalta uma ligeira predominância
dos homens (51,%) sobre as mulheres (49%).
140
Gráfico 6
Fonte: Pesquisa de Campo em Teixeira. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 11/01/2011.
Algumas constatações sobre a relação entre sexo e idade também foram feitas em
Teixeira, a saber: a) os homens representam um número maior na faixa entre 10 a 14 anos,
entre 20 a 24 anos e um retorno entre 40 a 44 anos; b) as mulheres são predominantes na faixa
de 25 a 34 anos; c) os idosos acima de 65 anos de idade representam somente 7 pessoas,
sendo 4 homens e 3 mulheres.
Os mesmos motivos encontrados em Nova Floresta para explicar a saída dos homens
da casa de seus pais em idade produtiva, também foram identificados em Teixeira: o
casamento1 e a migração para outras regiões. Todavia, é preciso ressalvas para compreender a
questão da migração dos camponeses, pois em determinados casos específicos, ao invés de
indicar a desintegração do campesinato, pode surgir como efeito de resistência para garantir a
sua condição de ser camponês. Esse é o caso da migração temporária2, movimento tradicional
1
É comum a permanência dos filhos depois de casados no campo, geralmente, eles herdam ou compram
pequenas propriedades em comunidades próximas dos pais e formam novas famílias camponesas. Observou-se
durante nossas visitas, o interesse dos pais em indicar as propriedades dos seus filhos para que fôssemos aplicar
os questionários. Constatou-se também, de forma reduzida, a saída dos filhos depois de casados para a sede dos
municípios de Nova Floresta e Teixeira, ou para outros municípios do estado da Paraíba.
2
Até mesmo no caso da migração definitiva para as regiões Sul e Sudeste, pois o dinheiro enviado dos filhos
para os pais assegura em parte a recriação deles como camponeses.
141
que caracteriza a vida camponesa. Conforme Fabrini (2003) esse movimento se apresenta de
forma contraditória:
Quase sempre o trabalhador migra temporariamente para assegurar a
permanência de seu pequeno mundo camponês; migra para assegurar com
ganhos extraordinários as carências que já não podem ser supridas pela
própria unidade de produção familiar (p. 3).
Para Fabrini (2003) as migrações são formas de resistências que devem ser estudadas
num contexto de crise do sistema capitalista de produção, no qual a crise é sempre
caracterizada pelo movimento migratório das pessoas em busca de melhores condições de
sobrevivência para suas famílias. Tal assertiva explica o que verificamos em Nova Floresta:
do total das 41 famílias camponesas entrevistadas, 8 delas possuem pelo menos um membro
da família que migra temporariamente. Durante as entrevistas, uma camponesa de 26 anos de
idade, declarou que o seu marido se encontrava em Goiás trabalhando no corte da cana.
Nas palavras da jovem camponesa:
No momento só tá eu e meu filho em casa, será que eu sirvo prá responder as
entrevista que a senhora tem? Porque meu marido faz seis mês que tá em
Goiás trabalhando na cana (...). Ele já foi também pro Mato Grosso,
geralmente ele passa uns seis mês lá e depois volta pra casa, aí só fica eu e
ele de dois anos e seis meses. Eu toco o roçado do meu jeito, planto um
pouco de feijão e milho, às vezes o meu pai vem me ajudar aqui, crio 3
galinhas e tenho um garrote novo que o meu marido comprou o ano passado
depois de trabalhar fora, longe daqui. (...) As vez eu vendo castanha do caju,
pra dá uma ajudinha financeira antes que ele chegue com dinheiro em casa
(...) geralmente ele vem com uns dois mil reais (Depoimento concedido pela
camponesa Josineide dos Santos Silva da Comunidade de Boi Morto em
Nova Floresta-PB, 04/02/2011).
Em outras palavras, o marido da jovem camponesa migra temporariamente para outras
regiões do país para trabalhar na atividade canavieira e depois retorna para o seu sítio para no
próximo ano viajar outra vez. Fato que explica que “a migração em si não se constitui na
libertação, mas num potencial onde se busca a fixação num determinando lugar” (FABRINI,
2003, p. 4). Ou seja, é no retorno à pequena unidade de produção camponesa que o camponês
se liberta das relações de subordinação impostas pelo modo de produção capitalista e garante
a sua autonomia como camponês permanecendo na sua terra. Neste caso, a migração é uma
forma de resistência construída pelo próprio camponês (migrante temporário) que se recria
contraditoriamente à lógica capitalista.
142
Essa compreensão se contrapõe a idéia de José Graziano da Silva (1994) de que a
própria dinâmica do desenvolvimento do capitalismo no campo do Brasil provocaria a
passagem do trabalho assalariado temporário dos camponeses para o trabalho assalariado
permanente. Porém, o que vimos em Nova Floresta foi o contrário, a saída do camponês
migrante temporário para o Centro-Sul do país não expressa nenhuma debilidade do capital, e
sim o movimento contraditório deste que precisa desta relação de trabalho para se reproduzir.
Dando continuidade à caracterização das famílias camponesas de Nova Floresta e de
Teixeira, a maior parte dos membros das famílias é natural3 dos próprios municípios ou das
mesorregiões em que os mesmos se situam.
O nível de escolaridade dos chefes de família é muito baixo, em Teixeira 68,5% deles
cursaram somente a primeira fase do ensino fundamental e nem todos chegaram a concluí-la.
Verificamos ainda que quatro são analfabetos e somente um dos 35 chefes de família possui
curso superior de Pedagogia, leciona numa escola no centro de Teixeira, mas continua
morando em seu sítio.
Em Nova Floresta dos 41 chefes de famílias, 41,4% não conseguiram terminar o
ensino fundamental I, 12 deles declararam nunca terem estudado, e apenas uma família tem
um filho formado em Agronomia e mais um se preparando para o vestibular deste ano. Tratase justamente da família cuja unidade produtiva localiza-se na sede do município.
Em contrapartida em ambos os municípios, todas as crianças de 7 a 15 anos de idade
encontram-se freqüentando a escola e no nível de escolaridade compatível com a sua faixa
etária, portanto, são contempladas com o Programa Bolsa Família, cujos valores variam entre
R$ 90,00 a R$ 120,00.
Constatamos em Nova Floresta que 10 chefes de família (24,3%) estão aposentados,
outros dois têm um parente em casa que recebe aposentadoria e que contribui com as despesas
do sítio. Já em Teixeira encontramos um número maior de chefes de família aposentados,
totalizando 15, o que representa 42,8% do total dos entrevistados. Apenas um camponês
declarou não ser aposentado, mas em compensação, complementa a sua renda familiar com a
aposentadoria e a pensão da mãe que reside com ele em seu sítio.
3
De acordo com os depoimentos dos camponeses de Nova Floresta, são naturais dos seguintes municípios:
Cuité, Currais Novos, Frei Martinho, Picuí, Jaçanã-RN, Santa Cruz-RN, Rio de Janeiro-RJ e Itibiara-MG. Os
camponeses de Teixeira declararam serem naturais da Mesorregião do Sertão paraibano dos municípios de
Desterro, Cacimbas, Cacimbas de Areia, Imaculada, Pombal, Manaíra e Princesa Isabel. Vale destacar que é
comum apenas o nascimento ter lugar nas maternidades destes municípios, mas o local de moradia é sempre a
zona rural.
143
É nítida a contribuição da bolsa família e da aposentadoria no processo de recriação do
campesinato dos municípios analisados. Este aspecto será melhor abordado no último subitem
deste capítulo.
O tamanho das unidades de produção camponesas das 35 famílias que responderam
aos questionários em Teixeira varia de 0,5 a 50 hectares, sendo que 62,8% inserem-se na faixa
de 2 a menos de 10 hectares (Gráfico 7). Apenas uma família mora em uma propriedade
cedida por um parente cujo tamanho ultrapassa a média de nossas análises, com 112 hectares,
porém eles produzem em somente 5 hectares.
Gráfico 7
Fonte: Trabalho de campo em Teixeira-PB, 11/01/2011.
Org. Silvana Cristina Costa Correia.
Em Nova Floresta, o tamanho das unidades de produção camponesas das 41 famílias
segue quase o mesmo padrão de Teixeira, varia de 0,5 a 20 hectares, com 83% deles inseridos
na faixa de 1 a menos de 20 hectares (Gráfico 8).
144
Gráfico 8
Fonte: Trabalho de campo em Nova Floresta-PB, 05/02/2011.
Org. Silvana Cristina Costa Correia.
Em todas as comunidades visitadas nos dois municípios, as casas4 se encontram
dispersas numa distância que não ultrapassa os 500 metros. Já os assentamentos estão
organizados sob a forma de agrovila, na qual as casas dos camponeses assentados ficam
afastadas de suas parcelas de terra.
O Assentamento Poços de Baixo em Teixeira pertencia à fazenda Poços (sítio Poços)
da família do ex-Deputado Federal da Paraíba João da Mata. O imóvel foi desapropriado no
dia 05 de outubro de 2000 pelo o Instituto de Terras e Planejamento Agrícola da Paraíba
(INTERPA) que assentou as 45 famílias no dia 22 de maio de 2001 (INCRA/PB). Algumas
famílias hoje assentadas já trabalhavam antes para o antigo proprietário no sistema de parceria
baseado na terça. Ou seja, os camponeses parceiros sem-terra, davam um terço da produção
de bananas para o patrão. Eles cultivavam somente bananeiras conforme a vontade do patrão
que além desta cultura criava gado. Anos mais tarde, não restava espaço nesta terra para os
camponeses plantarem as culturas alimentares para sustentar suas famílias, então, saíram à
procura de outros lugares para montarem seus roçados, deixando aquela terra que ficou
improdutiva até o momento em que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Teixeira (STR)
4
No que se refere ao padrão de moradia, a maioria das casas em ambos os municípios são de alvenaria com mais
de 5 cômodos dividido entre salas, quartos e cozinha. O banheiro em quatro casas em Nova Floresta foi
construído no terreiro, ou seja, do lado de fora da casa. O chão de todas as casas foi feito de cimento liso, não
verificamos nenhuma casa com piso de terra batida. Todas as casas possuem energia elétrica e na maioria água
encanada por meio de cisterna de placas.
145
resolveu abrir um processo junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA) solicitando a desapropriação do imóvel e o assentamento das famílias.
No imóvel com 635,09 hectares, foi construída uma agrovila e cada família recebeu
um lote de 12 hectares (Fig. 4).
Figura 4
Assentamento Poços de Baixo no município de Teixeira-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 14/03/2008.
Em Nova Floresta, além das comunidades rurais existe o assentamento da Associação
Comunitária dos Produtores da União - APROUNI, conhecido popularmente como
comunidade Pororoca. A mencionada associação adquiriu a área pelo Crédito Fundiário de
Combate à Pobreza Rural (CFCPR) no dia 25 de março de 2004 por intermédio do Instituto
de Terras e Planejamento Agrícola da Paraíba (INTERPA).
No assentamento com 151
hectares, também foi construída uma agrovila e foram assentadas15 famílias as quais
receberam lotes de 10,8 hectares (INTERPA, 2004).
De acordo com os depoimentos dos camponeses assentados, a terra antes pertencia a
um proprietário cujo nome é Nicesto da Costa Gomes que produzia sisal, com base no
trabalho assalariado, criava gado e cultivava mandioca no sistema de parceria no qual os
camponeses dividiam com o patrão a metade da produção. Com o passar do tempo, a família
do antigo proprietário ficou reduzida por motivo de casamento dos filhos que saíram de sua
casa para constituírem suas próprias famílias. Diante disso, o proprietário sem os filhos para
lhe ajudar não conseguiu dar conta da propriedade e resolveu vendê-la. O Estado comprou a
área e o INTERPA assentou as famílias. Todavia, é nítida a insatisfação dos assentados
quanto à qualidade de vida que eles têm se comparado com a vida dos camponeses das
146
comunidades rurais vizinhas que possuem as suas casas construídas dentro do próprio lote.
Acreditam que a organização do assentamento em forma de agrovila (Figura 5) deixa a
parcela de plantio e de criação de animais com possibilidades de furtos por falta de vigilância
constante devido às casas ficarem localizadas muito distantes de suas parcelas.
Figura 5
Assentamento APROUNI em Nova Floresta-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 04/02/2011.
Além disso, para eles a aglomeração de casas altera as relações de vizinhança uma vez
que permite o surgimento de fofocas e intrigas entre vizinhos.
Depois a gente se arrependeu muito em ter aceitado calado esse estilo de
casa, em agrovila, era pra ter falado que queria a casa na parcela de terra.
Mas a gente na hora até pensou que ia ser uma boa idéia viver junto um do
outro, mas na verdade depois só causou problema, as vez nossos pertence é
roubado na parcela e a gente não sabe quem rouba porque não tamos lá pra
ver, as nossa plantação as vez é saqueada pelos próprios vizinho, mas a gente
não pode afirmar porque não temos prova. Era bom que fosse cada um no
seu lote e pronto, só assim também evitaria as encrencas que rola aqui entre
os vizinho (Depoimento do camponês Claudemir Gomes da Silva do
Assentamento APROUNI em Nova Floresta, 04/02/2011).
Atualmente, o que se ouve falar tanto nas comunidades rurais como no assentamento
em Nova Floresta é a questão da violência no campo sob a forma de furtos e algumas vezes
seguido de homicídio. Este fato é atribuído a moradores da cidade que estão praticando no
campo ondas de assaltos assustando as famílias camponesas em suas unidades produtivas.
147
Constatamos que algumas famílias estão abandonando suas casas nas comunidades rurais com
receio de serem as próximas vítimas (Fig. 6).
Figura 6
Unidade de produção camponesa abandonada em Nova Floresta.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 05/02/2011.
Com efeito, dos 10 camponeses de Nova Floresta que responderam as entrevistas
semiestruturadas, dois deles abandonaram o campo e foram morar na cidade e atualmente
trabalham na feira local aos domingos vendendo produtos comprados dos antigos vizinhos da
comunidade onde moravam. Três deles afirmaram que foram morar na cidade, mas continuam
trabalhando no campo em terras de terceiros no sistema de parceria. Ou seja, dois se
transformaram em atravessadores e os outros três passaram da condição de camponês
proprietário para serem somente parceiros de outros proprietários.
Não apenas os camponeses entrevistados informalmente, mas também aqueles que
responderam aos questionários fechados, afirmarem que as motos são furtadas com freqüência
no campo do município de Nova Floresta. Diante disso, constatamos que 50% das 41 famílias
camponesas possuem motocicletas, o que explica o porquê do campo ser hoje alvo de tantos
assaltos se comparado com a realidade do campo de décadas atrás, cujo principal meio de
locomoção se restringia a carroças a tração animal, a cavalos e a jumentos.
Neste caso, o abandono de algumas unidades de produção camponesas está
relacionado à questão da segurança pública do município de Nova Floresta. Os camponeses
após serem assaltados registram a ocorrência na delegacia local, mas não recuperam seus
148
pertences. A polícia ao tomar conhecimento do fato, faz rondas nas comunidades rurais por
dois ou três dias e depois não aparece mais. Um fato nos chamou a atenção: a morte de um
camponês que sofreu um assalto a mão armada em frente à propriedade de seus pais. Os
assaltantes levaram a sua moto e deixaram o corpo estirado no chão e nunca foram pegos. Os
pais inconformados com o falecimento do filho foram morar na sede do município de Nova
Floresta. Diante disso, podemos afirmar que a violência hoje é uma das causas do processo de
descamponeização no município de Nova Floresta, o que não significa dizer que o
campesinato analisado está em vias de extinção, mas indica que este problema de ordem
social do município está impossibilitando a reprodução e continuidade de algumas famílias
camponesas.
Em Teixeira, apesar de 50% dos camponeses possuírem motos, não se verificou essa
onda de assaltos no campo, talvez porque as comunidades rurais estão localizadas distantes da
sede do município, o que dificulta o acesso dos assaltantes nas unidades de produção.
A partir dessas breves considerações sobre o perfil do campesinato de Nova Floresta e
Teixeira, constatamos a permanência e a recriação das famílias camponesas apesar das ondas
de violência em Nova Floresta. Isto pode ser justificado, entre outras razões que serão
apresentadas a seguir, pela jovialidade da família camponesa, pela migração temporária dos
chefes de família, pela permanência dos filhos depois de casados nas comunidades rurais, e
principalmente, pela existência de um assentamento rural em cada município que caracteriza
um processo de territorialização do campesinato.
Quando perguntamos sobre o significado da terra para os camponeses, verificamos que
ela ainda é uma possibilidade positiva de recriação das famílias. Nas palavras da camponesa
Mariinha da região serrana de Nova Floresta:
Não consigo imaginar meus filhos sendo criado na cidade, lá só tem o que
não presta, tenho medo deles se meter em confusão. Todo dia eu digo
sempre pra eles que se eles se dedicar em trabalhar na terra não vão precisar
de patrão futuramente, a terra é tudo na vida da gente, é dela que tiramos
quase tudo que precisamos pra viver, mas é preciso muita dedicação porque
o trabalho é pesado, quem é preguiçoso não agüenta (...). É por isso, que
criei meus quatro filhos ajudando meu marido no roçado, hoje são
adolescente e não reclama de nada porque desde pequeno são acostumado a
trabalhar na terra, até as meninas também ajuda a gente no plantio
(Depoimento cedido pela camponesa Maria das Dores da Silva. Nova
Floresta-PB, 29/07/07).
149
Em outras palavras, o fato de não ter patrão e ter a própria terra para trabalhar e tirar o
sustento da família significa ter liberdade e autonomia no processo produtivo. Essa autonomia
será apresentada a seguir pelo viés da organização da produção como forma de resistência que
permite a recriação dos camponeses dentro do território capitalista.
4.2 A autonomia camponesa no processo produtivo: a organização da produção
Como já mencionamos em capítulos anteriores, a autonomia a qual nos referimos não
significa que os camponeses de Nova Floresta e Teixeira estão livres de fatores externos
provenientes do capitalismo, mas a liberdade e o controle que os mesmos têm no processo
produtivo de qualquer cultura agrícola. O controle do próprio tempo e do próprio espaço dos
camponeses contribuiu para o desenvolvimento deste trabalho na medida em que não foi
preciso agendar um horário prévio para as nossas visitas em suas unidades de produção.
Durante a temporada dos trabalhos de campo, de 2006 a 2011, fomos recebidos de dia
à noite em seus sítios independente de quaisquer fases do processo de trabalho. O fato de não
ter patrão possibilitou aos mesmos nos receber sem precisar pedir autorização a ninguém.
Portanto, essa peculiaridade da autonomia camponesa nos deu liberdade de realizar os
trabalhos de campo em qualquer horário e dia, inclusive aos domingos e feriados.
4.2.1. A organização da produção
Em Nova Floresta, as unidades de produção camponesas estão atualmente voltadas
para a fruticultura, principalmente para a produção de maracujá, do cajueiro anão precoce, da
goiaba, da pinha, da graviola e do limão. Além dessas lavouras o camponês cultiva feijão,
fava, milho, mandioca, macaxeira, abóbora, alguns ainda produzem sisal, palma e capim. Há
uma diferença na pauta dos produtos agrícolas cultivados nas duas5 regiões distintas de Nova
Floresta, condicionada fundamentalmente pelas condições de solo e clima. Tal fato pode ser
observado pela diferença relatada por um camponês que já morou nas duas áreas:
É muito bom aqui, eu acho bom por causa que é o seguinte: porque é
diferente de onde que eu morava, na caatinga seca. Porque lá a terra só é boa
pro feijãozinho macaçar, e aqui dá pra gente plantar o maracujá, o feijão
carioca, a manga, o caju e a goiaba. (...) tem tudo, até água permanente. E
5
Na área de transição, predomina a atividade pecuária, a produção de grãos e a fruticultura de sequeiro em pouca
quantidade.
150
quando a gente morava lá, a mulher saía de manhã para pegar água, e só
chegava de meio dia carregando a água num jumento. E, aqui, na região
serrana, graças a Deus é tudo facilitado. Depois fizeram essas cisternas, que
é a água de beber e que tem que dá pro ano todinho. (...)por isso, é que eu
digo que é melhor nessa região porque a gente tem água pra beber e plantar
(Depoimento concedido pelo camponês da região serrana Genário Francisco
dos Santos. Nova Floresta, 14 de maio de 2006).
Dito de outra forma, na região subúmida a produção é mais intensa devido à maior
fertilidade do solo e à irrigação. Nesta área predomina o solo LatossoloVermelho Amarelo,
apto ao cultivo de fruticultura e culturas alimentares por ser muito profundo, textura argilosa,
fertilidade natural média a alta e fortemente drenado ( EMBRAPA, 1995). Por isso, que as
unidades de produção camponesas localizadas nesta região (Mapa 4) estão produzindo mais
as frutíferas irrigadas, como: o maracujá, o cajueiro pré-franco, o cajueiro anão-precoce, a
pinha, a graviola e o limão. As culturas alimentares produzidas nesta área são o feijão
mulatinho (carioca), o milho, a mandioca e a macaxeira.
Na região semiárida, predominam os solos Brunos Não Cálcicos, Regossolos e
Litossolos (Mapa 4). Os dois primeiros se caracterizam por serem poucos desenvolvidos,
pedregosos e com baixa textura de argila, são aptos somente para algumas culturas
alimentares, como o milho, o feijão, a mandioca e a macaxeira. Os Litossolos são rasos,
pedregosos com exposição da rocha mãe, aptos apenas para a pecuária. Os camponeses desta
área não se restringem apenas ao cultivo do milho, do feijão macaçar (principal produto
agrícola da região), e da mandioca, vão além e cultivam frutas no sistema de sequeiro, como o
caju tradicional (pré-franco), o maracujá, a manga e a pinha.
Na pesquisa de campo percebemos que o território camponês se organiza
estrategicamente de forma diversificada em função da realidade climática existente para
viabilizar a sua recriação. Por exemplo, o feijão macacar (Fig. 7) é bastante cultivado pelos
camponeses da região semiárida, uma vez que ele consegue se adequar às condições adversas
dessa região, como: a seca, a carência de água, a falta de irrigação e a falta de nutrientes do
solo.
151
Mapa 4
MAPA PEDOLÓGICO
DE NOVA FLORESTA
Área urbana
Lagoa de Montevidéu
Estrada carroçável
Hidrografia
R ch M
Estrada não pavimentada
on
te
Estrada pavimentada
A
leg
r
Litossolo
e
Açude Monte Alegre
Bruno Não cálcico
Latossolo Vermelho Amarelo
Regossolo
N
E
W
570
S
ESCALA - 1:500.000
Escala Gráfica
5
0
10
15
20
25 m
Datum Horizontal: Córrego Alegre
Sistema de Projeção UTM: Meridiano Central 34°
Elaboração: Silvana Cristina Costa Correia
Fonte: Mapa pedológico do Estado da Paraíba na Escala 1:500.000.
Convênio MMARHAL/SRH - Governo do Estado/SEPLAN-PB N° 015/95
152
Já o feijão mulatinho necessita de uma maior quantidade de água para se desenvolver
devido suas raízes serem superficiais, por isso, não observamos o seu cultivo nesta região seca
e sim na região subúmida devido o solo ser mais apto para o seu cultivo.
Figura 7
Feijão macaçar produzido pelos camponeses da região semiárida de Nova Floresta-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 14/05/2006.
Da mesma forma do feijão, há uma diferenciação referente à qualidade do maracujá
cultivado nas duas regiões de Nova Floresta. Na região semiárida, os camponeses cultivam o
maracujá de sequeiro, e por não existir reserva de água, a produção é menor, verifica-se uma
notável diminuição no peso da fruta. Na região subúmida, o maracujá é irrigado e de melhor
qualidade, sobretudo no sabor e no peso. O cajueiro pré-franco, o cajueiro anão precoce e a
graviola também são plantados na região subúmida onde a produção é mais intensa devido à
aptidão do solo e à irrigação.
O maracujá (Fig. 8) é considerado o produto de maior destaque nas combinações
agrícolas do município, porém, na região serrana, se produz um maracujá irrigado de melhor
qualidade enquanto na região de caatinga, por não existir reserva de água, a produção é
menor, o maracujá é de sequeiro e verifica-se uma notável diminuição no peso da fruta.
153
Figura 8
Maracujá cultivado na região serrana de Nova Floresta-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 06.02.2011
Tal diferenciação pode ser verificada através dos relatos de um camponês da região
mais seca deste município.
A terra aqui é boa, só não é melhor porque é muito seca. Já, as terra da serra
é melhor, é úmida. Lá, dá de tudo que se planta. Aqui a gente só planta:
gerimum, melancia, mandioca, palma, capim, a pinha, o feijão macaçar, que
é a salvação da gente e crio um gadinho. Sim, a gente planta o maracujá,
tombém. Só que aqui ele não é tão bom como lá na serra, (...) aqui a terra é
pobre e ele pesa menos (depoimento de um camponês da região semiárida,
Pedro Guedes de Lima. Nova Floresta-PB, 14 de maio de 2006).
Vê-se que o camponês utiliza o termo pobre para indicar que o solo da região
semiárida não tem aptidão para a produção do maracujá e interfere diretamente na qualidade
do produto. Assim, pode-se afirmar que existe uma forte influência do meio natural na
determinação da produção agrícola dos camponeses deste município, que se reflete na
paisagem imprimindo características bem particulares e diferenciadas às duas regiões: a
subúmida e a semiárida. Nesta última, como não há tanta disponibilidade de água no subsolo,
por se tratar de uma região de terrenos cristalinos, a água existente é proveniente de pequenos
barreiros, poços tubulares (Fig. 9) e tanques naturais represados em rochas (Fig. 10). No caso
de água para o consumo humano, utiliza-se a de cisterna.
154
Figura 9
Tipo de poço tubular de uma propriedade camponesa da região semiárida de Nova
Floresta-PB. Arquivo: Ana Maria Gomes Santos. 14/05/2006.
Figura 10
Tanque natural em fenda de rocha da Associação Comunitária dos Trabalhadores Unidos
(ACOTUN) da Comunidade Boi Morto, região semiárida de Nova Floresta-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 07/ 02/2011.
Diante da ausência de recursos hídricos na região e da falta de recursos financeiros
para investir no sistema de irrigação, os camponeses organizam a sua produção de acordo com
as condições naturais existentes e dependem da estação chuvosa para plantar culturas que têm
uma boa adaptação à região seca do município. De fato, nos trabalhos de campo realizados
em 2006 e 2007 foi notória a produção do maracujá nas duas regiões com o predomínio na
região serrana. Porém, no retorno ao campo em 2011, percebemos que os camponeses da
155
região semiárida reduziram a produção do maracujá e voltaram-se quase que completamente
para a produção da pinha (Fig. 11), deixando a região subúmida com o predomínio quase que
total da produção do maracujá. Nota-se aqui a autonomia na substituição de uma cultura para
outra sem pedir autorização a ninguém, versatilidade que caracteriza o campesinato desta
região.
Figura 11
Pinha colhida na região semiárida de Nova Floresta.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 07/02/2011.
Em Teixeira, a produção do maracujá não se destaca e não é devido à aptidão ou não
do solo, pois além dos produtos tradicionais cultivados nas unidades de produção
camponesas, como o feijão, a fava, o milho, a batata-doce, a mandioca, a palma forrageira e o
capim, também se cultivam frutas e hortaliças. Na verdade são as frutas e hortaliças
atualmente as lavouras mais cultivadas no município devido à existência de açudes que torna
favorável o seu cultivo. Dentre as frutas, destacam-se o cajueiro, a pinha, a manga, a
serigüela, a laranja, o limão e a melancia.
Nas unidades de produção camponesas visitadas (situadas em diferentes comunidades,
conforme apresenta o mapa 5) não verificamos a produção do maracujá, mas o caju se faz
presente em quase todas sem o sistema de irrigação, como no caso das demais frutas.
Predominam no município, quatro tipos de solos: a) os Regossolos (poucos desenvolvidos,
pedregosos com baixa textura de argila); b) os Litossolos (são os mais fracos, rasos e
pedregosos com a rocha mãe aparente); c) os Cambissolos (são poucos profundos,
cascalhentos, e têm baixa permeabilidade); d) os Latossolos (considerados os melhores, são
permeáveis, profundos e com textura argilosa) (EMBRAPA, 1995) (Mapa 5). Eles
156
influenciam diretamente na produção agrícola do município e com exceção dos solos
Litossolos que são mais aptos para a pecuária, os demais são aptos para os cultivos da
mandioca, da batata-doce, do feijão e do milho.
A prática da horticultura se faz presente nas margens dos açudes de São Francisco e de
Poços localizados na zona rural, e em unidades de produção camponesas localizadas próximas
(Fig. 12).
Figura 12
Horta organizada em canteiros em terra arrendada localizada próxima do açude São Francisco
em Teixeira-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia, 13/05/2008.
Mapa 5
MAPA PEDOLÓGICO DE TEIXEIRA
N
E
W
Teixeira
S
ol
é
Ca t
do
Ri
ac h
157 Área urbana
Estrada carroçável
Hidrografia
Estrada não pavimentada
Estrada pavimentada
ESCALA - 1:500.000
Litossolo
Escala Gráfica
Cambissolo
Latossolo Vermelho Amarelo
Regossolo
Fonte: Mapa pedológico do Estado da Paraíba na Escala 1:500.000.
Convênio MMARHAL/SRH - Governo do Estado/SEPLAN-PB N° 015/95
o
5
0
10
15
20
25 m
Datum Horizontal: Córrego Alegre
Sistema de Projeção UTM: Meridiano Central 34°
Elaboração: Silvana Cristina Costa Correia
158
Observou-se o cultivo de hortas em 3 unidades de produção camponesas localizadas
nas comunidades de Fava de Cheiro e São Francisco e no assentamento de Poços de Baixo.
Nelas a produção é estruturada em canteiros de coentro, cebolinha, alface, cenoura, beterraba,
pimentão, couve e gerimum. O sistema de produção é semi-orgânico e irrigado através do
sistema de microaspersão.
A maioria dos camponeses não trabalha com a horticultura por não poderem
acompanhar a parte técnica que a produção exige, portanto não utilizam a água para este fim
mesmo morando em áreas próximas dos açudes. Neste caso, se limitam à produção de
culturas que se adéquam ao solo existente, como a batata-doce, a mandioca, o feijão, o milho
além das fruticulturas de sequeiro com destaque para o caju.
Então, a realidade dos camponeses do município de Teixeira é a seguinte: a minoria
que tem condições financeiras para adotar o sistema de irrigação pratica a horticultura com
destaque para a produção da cenoura (Fig. 13), portanto se recria de forma mais estável
porque os produtos provenientes da horticultura possibilitam uma renda maior do que os
produtos de sequeiros. E, a maioria que não tem recursos financeiros para investir no sistema
de irrigação6 se dedica aos cultivos de sequeiros que depende exclusivamente das chuvas.
Neste caso, se recria fundamentalmente com a produção voltada para o autoconsumo da
família (Fig. 14), comercializando apenas o excedente (quando existe) de algumas frutas de
estação cultivadas em sua propriedade.
Essa realidade, parece se aproximar da tese de Veiga (1994) de que os camponeses
que foram capazes de se adequar às novas tecnologias, inclusive ao sistema de irrigação,
ficarão para sempre no mercado e permanecerão na agricultura, enquanto os camponeses
pobres retardatários serão prejudicados pela incompatibilidade nas relações mercantis, por
isso desaparecerão do campo. Acontece que o município de Teixeira, da mesma forma que o
município de Nova Floresta, não sofreu tanto impacto com o desenvolvimento do capitalismo
no campo uma vez que ele se desenvolveu, conforme Silva (1980), de forma espacialmente
desigual.
6
A adoção do sistema de irrigação na horticultura ou fruticultura além de requerer disponibilidade de água em
quantidade exige mão-de-obra contratada, o que representa custos para aqueles que não têm recursos financeiros
para investir nestas atividades.
159
Figura 13
Camponês que cultiva cenoura irrigada na Comunidade São Francisco em Teixeira-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 13/05/2008.
Figura 14
Camponês em seu roçado de milho na Comunidade Riacho Verde em Teixeira-PB. Arquivo:
Silvana Cristina Costa Correia. 14/03/2008.
No caso da Paraíba, o processo de dominação do capital no campo se concentrou mais
na Mesorregião da Mata Paraibana e no Brejo Paraibano e quase não atingiu as demais
regiões. Isso pode ser esclarecido, entre outras razões, pelo fato dos camponeses de Teixeira
não terem incorporado tanta tecnologia na produção agrícola, pois a existência do sistema de
irrigação na horticultura em três unidades de produção camponesas é insuficiente para
160
explicar à tese de Veiga, haja vista que a mesma é baseada no pressuposto da diferenciação
social da teoria leninista cujo fim do campesinato é inevitável.
Em Nova Floresta, os camponeses da região subúmida estão mais inseridos ao
mercado devido à comercialização do maracujá irrigado que é o principal produto comercial
do município como de toda região do Curimataú Ocidental. Enquanto isso, os camponeses da
região semiárida, conscientes da dificuldade de comercialização do maracujá de sequeiro, por
eles produzido devido à sua qualidade inferior7, estão agora se interessando por outras
culturas alternativas como a pinha. Como o solo desta região é mais apto para o cultivo dessa
fruta, ela se desenvolve com melhor qualidade obtendo assim um melhor preço no mercado.
Em ambos os municípios, o que se observa é que o campesinato se recria de forma
diversificada conforme as condições naturais, econômicas e sociais existentes. De fato, existe
um processo de diferenciação social entre os camponeses dos municípios analisados, porém,
diferente daquele concebido por Lênin e reafirmado por José Graziano da Silva, Caio Prado
Júnior, Alberto Passos Guimarães, Ricardo Abramovay e José Eli Veiga. É evidente que eles
apresentaram abordagens distintas sobre o campesinato, mas como já vimos em capítulos
anteriores. Ou seja, esses autores caminham na mesma direção quando classificam os
camponeses a partir do processo de diferenciação social dado pela sua inserção ou não no
mercado ou pela sua integração ou não às atividades não agrícolas.
Todavia, entendemos que a produção do maracujá em Nova Floresta e da cenoura em
Teixeira, embora restrita somente aos camponeses que possuem recursos financeiros, em
hipótese alguma significa uma distinção entre capitalistas e camponeses, uma vez que não é o
destino final da produção que o caracteriza como camponês ou não, mas um conjunto de
fatores que estão além da sua inserção ao mercado, como: o trabalho familiar, a pouca
contratação do trabalho assalariado e a autonomia no processo de produção. É o que ainda
veremos no decorrer deste capítulo.
Em relação à criação de gado, o camponês de Nova Floresta e de Teixeira possui
sempre uma cabeça de gado com o objetivo de usá-la como transporte puxando a carroça ou a
capinadeira e, às vezes, uma vaca de leite para o consumo da família e até para auferir uma
renda complementar através da comercialização do leite. Não há um tipo específico de gado
para corte, a finalidade da produção é mista sendo maior a tendência leiteira (Fig. 15).
7
Se comparado com o maracujá irrigado da região subúmida, cujo peso é maior,
161
Em campo foi possível identificar nas unidades de produção camponesas o cultivo da
palma forrageira, do capim e do sisal destinado a alimentação do gado (Figs. 16,17 e 18), o
que indica que é costume articular a criação de animais a alguma cultura.
Figura 15
A criação de gado numa unidade de produção camponesa como complemento da renda familiar.
Nova Floresta-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 08/02/2011.
Figuras 16 e 17
Camponês após o corte do miolo do sisal e miolo do sisal pronto para alimentação do gado.
Nova Floresta-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 08/02/2011.
162
Figura 18
Camponês alimentando o gado com o miolo do sisal produzido por ele.
Nova Floresta-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 08/02/2011.
Mesmo diante de pouca terra, os camponeses costumam destinar uma parte dela aos
pastos para o gado como garantia de recursos financeiros caso tenham algum prejuízo durante
o ano. Como lembra seu José, camponês de Nova Floresta:
Quando a senhora me perguntou se no ano passado a gente teve prejuízo,
lembra do que eu disse? Que o ano foi ruim de chuva, um sofrimento só
porque perdemo todo feijão e milho também. (...) aí o que foi que eu fiz pra
não deixar a mulher e as meninas passando necessidade aqui em casa: vendi
dois garrote que eu criava aqui em casa, e fiquei somente com a vaca. (...)
com o dinheiro comprei logo feijão e milho a granel na feira, pra garantir o
ano todo, e ainda deu pra comprá semente para o plantio desse ano e
algumas besteira pras meninas, porque elas estuda e precisa sempre de
alguma coisa ( Depoimento do camponês José Félix Xavier de Nova
Floresta-PB, 07/02/2011).
A fala do camponês expressa que a presença do gado nas unidades de produção
camponesas significa uma situação mais estável da família. Conforme Paulino (2006),
“Mesmo que sejam poucas cabeças, o incremento de renda é notável: além da sobrevivência
direta, o esterco se presta à fertilização da lavoura e os bezerros se constituem uma espécie de
poupança dos camponeses” (p. 239). Então, a criação de gado representa uma forma de
recriação camponesa na medida em que permite a sua combinação8 com outras culturas no
8
Se o gado se alimenta da palma e do sisal produzido na propriedade camponesa, significa que a sua criação não
é tão onerosa à família, além do mais ele também fornece o esterco para fertilizar o solo de qualquer cultura.
163
interior da unidade de produção camponesa para não dá tanto custo à família. Da mesma
forma encontramos a criação de porcos, patos e galinhas articulada ao cultivo do milho e a
criação de coelhos e preás articulada a fruticultura e ao capim (Figs. 19, 20, 21 e 22).
Através da pesquisa de campo em Nova Floresta, identificamos a criação de gado9 em
23 unidades de produção camponesas, o que representa 56% do total das 41 que foram
visitadas. Em Teixeira das 35 famílias, nenhuma delas cria gado, fato que chamou nossa
atenção, pois do ponto de vista financeiro, se a presença de uma vaca leiteira, de um boi ou de
um bezerro indica uma recriação mais equilibrada da família, então, os camponeses de Nova
Floresta estão se recriando em situação mais propícia. Até mesmo na criação de aves as
unidades de produção camponesas de Nova Floresta se destacam com 13 delas criando,
enquanto que em Teixeira identificamos apenas 5 unidades de produção.
Figuras 19 e 20
Coelhos e preás se alimentando do capim e de restos de frutas e galinhas se alimentando do
milho. Teixeira-PB. Arquivo: Yasmin Costa Correia. 12/01/2011.
9
Encontramos um número reduzido de cabeças de gado entre: boi, vaca leiteira e garrote (bezerro).
164
Figuras 21 e 22
Porcos se alimentando de restos de culturas e patos procurando frutas caídas no chão. Nova
Floresta. Silvana Cristina Costa Correia. 09/02/2011.
Embora o limite da produção camponesa dos municípios analisados dependa de fato
do tamanho da propriedade, e mesmo sabendo que tanto em Nova Floresta como em Teixeira
a maioria das unidades de produção visitadas não possuem nem mesmo 50 hectares, mesmo
assim constatamos uma diversificação de culturas e de animais de criação que são
organizados nas unidades de produção camponesas de forma a possibilitar a recriação das
famílias. Por essa razão, apresentaremos a seguir o processo de produção das culturas que
mais se destacam no campesinato dos dois municípios a fim de mostrar mais detalhadamente
as formas de resistência que viabilizam a recriação das famílias camponesas.
4.2.1.1 O calendário agrícola e as etapas do processo produtivo
O calendário agrícola da microrregião do Curimataú Ocidental bem como da
microrregião da Serra do Teixeira está correlacionado às condições climáticas (Quadro 1).
Estas se caracterizam por apresentar basicamente duas estações: uma chuvosa, que
corresponde ao inverno e se estende de março a agosto e outra seca que corresponde ao verão,
e se estende de setembro a fevereiro. Os municípios de Nova Floresta e de Teixeira como
partes integrantes destas microrregiões, refletem o mesmo quadro climático. Nos dois
165
municípios, conforme os depoimentos dos camponeses entrevistados é comum ocorrer
algumas chuvas esparsas no período do verão.
Ainda de acordo com os mesmos, existem nos municípios, diferenças entre o que se
planta no período das chuvas que precedem o inverno e o que é plantado no inverno
propriamente dito quando as chuvas caem constantemente. Ou seja, quando eles plantam logo
nas primeiras chuvas do ano, nos meses de janeiro e fevereiro, corre o risco de ter prejuízo,
pois o inverno pode atrasar ou mesmo não se concretizar, como afirma um dos camponeses
entrevistados:
Aqui em Teixeira a maioria dos agricultor deixa pra plantar mais depois de
março, e ainda corremo o risco de perder as lavoura. O ano passado eu perdi
dois hectare da lavoura do milho consorciado com o feijão. Pra num dizer
que perdi tudo, ainda conseguí colher um saco de cada, mas só deu pra tirar a
semente pro plantio desse ano. (...) tô só esperando a chuva cair de verdades,
(...) essa chuvinha que tá caindo agora eu num confio não, porque já me dei
mal. Eu já plantei, num vou mentir, mais a experiência foi ruim porque deu
aquela chuva no mês de janeiro, como essa agora que a senhora tá vendo, aí
eu fui e plantei e depois a chuva parou e demorou demais a cair de novo, só
veio de novo entre março e abril, aí a minha lavoura nova já tava morta.
Mas também, eu só fiz isso porque uma vez deu certo, mas dessa vez não
deu, então só planto quando o inverno chega. O meu terreno já tá preparado
esperando só o momento certo pra plantar. (Depoimento do camponês José
Alves da Comunidade de Flores. Teixeira-PB. 13/01/2011).
A partir do exposto, nota-se que os cultivos agrícolas são praticados em regime de
sequeiro, os quais dependem da estação do inverno para iniciar o ciclo produtivo. Por essa
razão, eles estão sujeitos a grandes riscos devido à ocorrência de estiagens na estação
chuvosa. Garcia Júnior (1989), ao estudar o calendário agrícola dos camponeses das regiões
do Brejo-Agreste paraibano, percebeu que os camponeses desta região chamam as chuvas de
janeiro a fevereiro de “inverno que não se confia” e as chuvas de março e abril de “inverno
que se confia”.
Levando em conta esses aspectos pode-se concordar que no caso dos camponeses de
Teixeira e de Nova Floresta ocorre o mesmo que foi identificado por Garcia Júnior no Brejo e
Agreste paraibano, ou seja, que a dualidade inverno-verão acaba por comandar o ritmo do
trabalho agrícola bem como o período de fartura e escassez dos produtos. Isto à exceção dos
produtos irrigados cujo ciclo produtivo independe dos fatores da natureza. Contudo, tendo em
vista que a agricultura desenvolvida no sistema de sequeiro não obedece a um calendário
agrícola regularmente programado, devido à má distribuição das chuvas durante o ano todo,
166
todavia, achamos por bem, em elaborar um calendário agrícola para os dois municípios com
base na experiência dos camponeses relatada para nós durante a pesquisa de campo.
No que se refere às etapas do processo produtivo os camponeses de Teixeira e de
Nova Floresta realizam as seguintes:
a) o preparo do solo para o plantio;
b) o plantio;
c) os tratos culturais;
d) a colheita;
e) o beneficiamento de algumas culturas;
e) a comercialização dos produtos. (Organograma 01).
Todas são determinadas não somente pela natureza, mas também pelo mercado e pelo
Estado como bem nos lembra Shanin (1983):
La unidad doméstica campesina funciona como uma pequeña unidad de
producción de recursos muy limitados, estando sujeta em gran manera a lãs
poderosas fuerzas de la naturaleza, el mercado y el Estado (apud
BOMBARDI, 2004, p. 240).
Quadro 01 – Calendário agrícola das principais culturas de Nova Floresta e Teixeira
Culturas
Feijão
Jan.
*
Pa
Fev.
*
Pa
Fava
Pa
Pa
Mandioca
PS
PL
Milho
Pa
Pa
Macaxeira
PS
Batata-doce
PS
Manga
CFE
L
Pa
Maracujá
Caju
Pinha
Graviola
Goiaba
Jaca
Mar
**
PL
L
PL
L
PL
Abr.
**
PL
L
PL
L
L
Mai.
**
C
B
L
PL
L
PL
L
OS
PL
L
PL
OS
PL
PL
Pa
PL
L
CFE
L
L
CFE
L
CFE
L
CFE
L
PL
L
Jun.
**
C
B
C
B
L
Jul.
**
Ago.
**
C
B
L
C
B
L
L
C
B
L
C
B
L
L
C
C
C
L
L
L
L
C
C
C
F
L
L
F
L
L
L
L
C
CFE
L
C
CFE
L
OS
F
L
CFE
L
F
L
F
L
CFE
L
F
L
CFE
L
F
L
CFE
L
L
L
L
CFE
L
CFE
L
CFE
L
CFE
L
CFE
L
Set.
*
L
L
F
L
F
L
F
L
F
L
F
L
Out.
*
C
F
L
Nov.
*
OS
Dez
*
PS
OS
OS
C
PS
OS
OS
167
Seriguela
CFE
L
CFE
L
F
L
F
L
Acerola
Abóbora
CFE
L
OS
CFE
L
PL
PL
Melancia
OS
PL
PL
Limão
CFE
L
Cajá
F
Umbu
Palma
CFE
L
CFE
L
PS
CFE
L
OS
Capim
PS
OS
Abacate
F
L
C
L
C
L
CFE
L
F
L
C
L
C
L
F
L
C
L
C
L
CFE
L
F
L
CFE
L
L
CFE
L
CFE
L
CFE
L
F
F
L
CFE
L
PL
Cd1
PL
F
L
F
L
F
L
F
L
F
L
CFE
L
F
L
L
PpP
Fonte: Pesquisa de campo
Organização: Silvana Cristina Costa Correia. 15/06/2011.
Notas:
* Verão
** Inverno
PS - Preparo do Solo; PL - Plantio;
L - Limpa;
F - Florescimento; C - Colheita; CFE – Colheita de Frutas de Estação; CD1 - Colheita depois
de 1 ano de plantio; B – Beneficiamento da Cultura; PpP – Pronto para o Pasto
168
Organograma 1 – Esquema das tarefas agrícolas nas unidades de produção camponesas de
Teixeira e Nova Floresta-PB
Preparo do solo
Cortar o
Fazer a
gradagem da
terra
mato
Destocar
(Eliminar
tocos)
Plantio
Abrir o buraco
na cova
Plantar
(colocar a semente) Limpas
(Tratos culturais)
Colheita
Beneficiamento
Comercialização
Tarefas agrícolas
Tarefas integrantes
Fonte: Pesquisa de campo
Organização: Silvana Cristina Costa Correia. 15/06/2011.
169
Sendo assim, ao longo deste capítulo, analisaremos o processo de produção realizado
nas unidades de produção camponesas dos mencionados municípios a partir dos dois fatores
indicados por Shanin: natureza (calendário agrícola) e mercado (comercialização da produção
somados aos fatores relacionados a estrutura familiar10) conforme assinalou Chayanov (1974),
que se dá através da combinação do número dos membros da família e a idade produtiva de
cada um deles para saber o quanto se deve produzir. O Estado (políticas públicas), também
assinalado por Shanin será objeto de análise no próximo capítulo. Trataremos agora das fases
do processo produtivo.
Conforme os depoimentos fornecidos pelos camponeses dos dois municípios durante a
pesquisa de campo realizada, sucessivamente, em 2006, 2007, 2008 e 2011, foi possível
construir um quadro expondo o esquema de seqüência das atividades agrícolas das principais
culturas dos municípios de acordo com os meses do ano. O preparo do solo inicia regra geral,
com o corte do mato efetuado pelos homens entre os meses de novembro a dezembro, se
estendendo entre os meses de janeiro a fevereiro. Então, como a maioria dos camponeses
entrevistados são proprietários de suas próprias terras, significa que eles têm liberdade e
autonomia total na escolha do mês que deseja iniciar o processo de trabalho. Nesta operação
os camponeses utilizam como instrumento agrícola a foice e o enxadeco para cortar “os pés de
pau” existentes em seu roçado, e a capinadeira (também denominada de cultivador), o boi, e
os instrumentos de trabalho menores que regra geral os pertencem.
Em seguida, existem duas variáveis de atividades cujas práticas vão depender do tipo
de roçado que os camponeses desejam montar. Referem-se, justamente, as operações
chamadas por eles de gradagem da terra e coivara que neste trabalho merecem ser bem
explicadas:
Aqui é só destocá a terra, é a mesma coisa de desbrocá, a gente derruba o
mato com a foice ou com um enxadeco, e depois manda passar o tratô por
cima com a grade de disco. A gente nem sempre faz a coivara, é muito
difícil, porque o tratô passa por cima dos pau mais resistente. Agora tem vez,
que a gente vê muito pau grosso como a jurubeba, que é um mato muito
grosso, sabe? Aí é o jeito queimar, porque o mato grosso o tratô não
consegue derrubar, aí faz a coivara antes de alugar o tratô pra fazê a
gradagem da terra. A gente faz uma arruma dos mato, juntando tudinho com
um gancho de pau, a chibanca, o enxadeco e depois queima. Mas, aqui na
região, a gente só faz a coivara uma vez quando se vai montar um roçado, dá
um trabalho danado porque se encoivara até duas ou três vez pra poder o
terreno ficar limpo (Depoimento do camponês Francinaldo da Silva. Nova
Floresta. Julho de 2007).
10
Essa relação entre consumidores e trabalhadores será apresentada no item que trata da organização do
trabalho.
170
Na maioria dos roçados de Teixeira e Nova Floresta, por se tratar de terrenos que já
vêm sendo cultivados anualmente e por isso não possuem vegetação arbustiva, é necessário
fazer apenas a gradagem da terra. De acordo com Ormond11 (2006), esta é uma técnica de
limpeza de terreno efetuado por um implemento agrícola chamado grade que consiste em
cortar e enterrar a vegetação com o objetivo de promover a mobilização do solo e incorporar
os restos culturais existentes. Neste município, a gradagem é realizada com o uso da grade de
disco através do aluguel do trator a um camponês vizinho que cobra entre R$60,00 e R$65,00
pelo uso de uma hora. É importante acrescentar também, sobre a ajuda de uma hora de
gradagem grátis fornecida pela Prefeitura local aos camponeses no momento do preparo do
solo para iniciar o ano agrícola. Esta ajuda é bem aceita por todos, mas é julgada insuficiente
pelo pouco tempo de disponibilização do trator.
A prática da coivara não é freqüente entre os camponeses de ambos os municípios,
sendo realizada apenas uma vez ou periodicamente em situações completamente diferentes,
como: no início de montagem de um roçado em área de vegetação nativa ou secundária ou em
terreno que foi cultivado com o sisal ou quando se trata de um roçado que tenha muitos galhos
grossos que o trator no ato da gradagem não consegue derrubar. Nestas situações, a coivara,
que são os “restos de capina ou montinhos de gravetos a que se põe fogo para limpar terreno
de cultura” (ORMOND, 2006, p. 76) provavelmente será repetida tantas vezes quanto for
suficiente para deixar o terreno limpo. Depois da coivara ficam os restos de tocos e raízes que
não foram queimados completamente e serão removidos na destoca para serem encoivarados
e queimados de novo. É este processo de encoivarar, que corresponde ao “ato de empilhar (os
troncos e galhos não queimados de todo), para de novo lançar-lhes fogo (...)” (ORMOND,
2006, p. 77) que exige um maior esforço do camponês que tem o objetivo de deixar o terreno
limpo e já preparado para o plantio.
Mas como já foi dito, a coivara não é muito usada nas unidades de produção
camponesas de Nova Floresta e de Teixeira, os camponeses acham que se trata de uma técnica
agrícola extremamente rudimentar e que leva ao rápido esgotamento do solo, fazendo com
que as terras precisem ficar em descanso por um longo tempo. Então, por possuírem poucos
hectares de terra dão preferência à técnica da gradagem que além de cortar os paus mais
resistentes ainda complementa a adubação do solo incorporando os restos culturais existentes.
11
José Geraldo Pacheco Ormond, é técnico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social –
BNDES. Ele elaborou um glossário reunindo conceitos e explicações de verbetes, termos e expressões bastante
usados em atividades da agricultura, da pecuária, da economia, do manejo florestal e das ciências do meio
ambiente, com o objetivo de auxiliar profissionais que desempenham trabalhos nestas áreas.
171
Esse fato é muito importante para efeito deste trabalho, uma vez que deixa nítida nesta
operação agrícola a liberdade e a autonomia que os camponeses têm na escolha de suas
técnicas a serem utilizadas de forma mais ou menos equilibrada com a natureza (solo).
Depois da gradagem se faz a “risca”, utilizando tração animal (usam muito o trabalho
do boi), para “alinhar” o solo, facilitando o trabalho do camponês, que encontra a terra
“preparada”, economizando seu tempo para o cultivo (Fig. 23).
Figura 23
Preparo do solo feito a tração animal. Teixeira-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 13/03/2008.
O plantio é uma operação na qual as sementes ou as mudas das plantas são colocadas
no solo depois do mesmo ser revolvido com a gradagem. É justamente nesta etapa que existe
a participação da força-de-trabalho12 de todos os membros da família, inclusive, das mulheres
e das crianças.
O chefe da família vai na frente abrindo o buraco na cova, vai
coviando, com o enxadeco, e a mulher e os filhos vai atrás jogando as
sementes no buraco, e depois vai entupindo o buraco com a terra. Com
a mesma terra que foi tirada do buraco, a gente entope com o pé.
Agora, quem tem a matraca uma pessoa só resolve (depoimento da
camponesa Josineide e Silva Araújo, residente na região semi-árida de
Nova Floresta-PB. 28/07/2007).
12
O trabalho familiar será mais detalhado no item que trata da organização do trabalho.
172
Conforme a fala da camponesa acima, nota-se que existem duas práticas de plantio,
uma é realizada com a ajuda de todos os membros da família quando o pai vai abrindo a cova
e a mãe e os filhos vão em seguida colocando as sementes dentro e cobrindo imediatamente
com a terra que já foi tirada, o que geralmente é feito com os pés. A outra é efetuada com o
uso do instrumento chamado por eles de “matraca”, uma espécie de plantadeira manual que
cava e solta às sementes ao mesmo tempo e seu manuseio é feito somente por uma pessoa.
Observou-se no campo dos dois municípios, que as covas de todos os roçados são
cavadas de maneira que formam carreiras e as distâncias existentes entre os buracos e as
carreiras variam de acordo com o tipo de cultura. As sementes que são utilizadas podem ser
compradas ou estar guardadas desde a colheita anterior, ou seja, quando se dispõe de
depósitos apropriados como o silo ou outros (Fig. 24). Quando não estocam as sementes,
recorrem à compra, insatisfeitos porque preferem a utilização das sementes provenientes dos
seus roçados, não somente pela economia, mas pela certeza de ter existido uma seleção
cuidadosa das melhores. Neste caso, eles têm autonomia na escolha da semente certa para o
plantio de suas culturas.
Apesar do armazenamento de sementes ser uma tradição camponesa que atualmente
está ameaçada devido aos efeitos das novas técnicas provenientes da modernização da
agricultura que lançou no mercado as sementes híbridas ou sementes melhoradas, ainda
encontramos camponeses, como mostra a figura acima, que dão preferência pelas sementes
por eles selecionadas, como forma de garantir o plantio na hora certa bem como reserva de
alimentos em períodos de estiagens. Todos os 76 camponeses entrevistados em Teixeira e
Nova Floresta, afirmaram dar à preferência a estocagem de sementes, o que nos permite
compreendê-la conforme as interpretações de Moreira (2010), isto é, como uma forma de
resistência camponesa ao avanço da modernização da agricultura imposta pelo capital
industrial e financeiro.
173
Figura 24
Camponesa com as sementes selecionadas por ela em sua propriedade. Teixeira-PB. Arquivo:
Silvana Cristina Costa Correia. 11/01/2011.
As limpas e as colheitas variam conforme o ciclo vegetativo de cada cultura (Quadro
1), o que significa que a própria natureza influencia o ritmo de trabalho nas unidades de
produção camponesas. O beneficiamento pode ser manual ou através do uso da máquina
mecânica13 que é restrito somente as culturas do feijão, e do milho.
A produção do feijão, da fava, do milho, da macaxeira, da mandioca e da batata-doce é
destinada em sua maior parte para o consumo da família e quando há excedente é destinada à
comercialização. Um fato nos chamou a atenção em Teixeira, pois dos 35 camponeses que
responderam aos questionários 30 (85,7%) declararam não comercializar tais produtos devido
nunca haver excedente. Isto os distingue dos camponeses de Nova Floresta, pois do total de
41 camponeses, 37 (90,2%) declararam comercializar o excedente dos produtos acima
citados, principalmente o feijão macaçar14 produzido na região semiárida. Em ambos os
municípios, o milho é em sua maior parte destinado a ração animal, a mandioca é beneficiada
e a farinha é quase toda destinada ao consumo. Tanto em Teixeira como em Nova Floresta, os
animais de pequeno porte e a produção de ovos são usados para o consumo da família. Alguns
vendem ovos e outros também comercializam o leite. Os produtos provenientes da
13
Maiores informações sobre a debulhadeira mecânica será exposta no item que faz a descrição das culturas que
são beneficiadas com o uso desta máquina.
14
As duas variedades de feijão: o mulatinho e o macáça são comercializados quando há sobra do produto, pois
na mioria das vezes são guardados para o plantio da próxima safra e para o consumo da família.
174
horticultura e da fruticultura têm como principal finalidade a comercialização, os camponeses
consomem apenas uma pequena parte deixando a maior parte para a venda no intuito de obter
recursos financeiros para adquirir outros produtos que não produzem em seus roçados e para
investir na produção do ano seguinte.
Na pesquisa de campo observamos que o feijão macaçar produzido na região
semiárida e o maracujá produzido na região subúmida são as principais fontes de renda
monetária dos camponeses de Nova Floresta. Enquanto que em Teixeira15, apenas as frutas
tem como finalidade a comercialização e mesmo assim não se compara com o volume da
produção e da comercialização do maracujá no outro município.
A comercialização, via de regra, é efetuada diretamente na unidade camponesa através
dos atravessadores do próprio município ou de municípios vizinhos sendo os mesmos quem
determina o preço. A ausência de uma intermediação do Estado no sentido de possibilitar a
venda direta dos produtos ao consumidor justifica o fato dos camponeses não terem um maior
poder de preço junto aos atravessadores.
A tentativa de vender a produção diretamente à Ceasa não tem dado certo nos dias
atuais, uma vez que já existem atravessadores que vendem o produto em grande quantidade e
com regularidade, o que não é possível para os camponeses que dependem das condições
meteorológicas e de outros fatores que as vezes interferem no volume dos produtos e na
regularidade da comercialização.
Além disso, depois de pago o frete para o transporte da mercadoria, quando os
camponeses chegam na Ceasa o preço que conseguem acaba sendo o mesmo ou mais baixo do
que aquele que normalmente obtém na venda do produto ao atravessador. Então, de fato,
concordamos com Shanin (1983) quando o mesmo afirma que os camponeses não estão
apenas sujeitos às condições da natureza, mas também às determinações do mercado e o apoio
ou não do Estado. Com efeito, observamos que esses três fatores imbricados entre si definem
a forma como se dá a recriação do campesinato de Teixeira e de Nova Floresta (Organograma
2) .
A relação que os camponeses mantêm com o mercado se faz de forma subordinada ao
capital comercial, industrial e financeiro. Podemos citar como exemplo a produção do
maracujá em Nova Floresta cuja renda da terra é apropriada na maioria das vezes pelo capital
industrial e comercial. Vejamos: a primeira apropriação ocorre logo no início do processo
15
De fato, este município tem uma boa vocação para a horticultura e fruticultura irrigada, porém a maioria dos
camponeses analisados não possui recursos financeiros para investir na produção.
175
produtivo através da compra de insumos (fertilizantes químicos), equipamentos para a
irrigação e alguns instrumentos de trabalho que sejam necessários para viabilizar a produção.
Aqui a renda da terra é apropriada pelo capital industrial, haja vista que a compra de insumos
e ferramentas de trabalho não se faz em grandes quantidades e não tem muita freqüência.
Organograma 2 Fatores externos que (re)definem a forma de recriação do campesinato.
Org. Silvana Cristina Costa Correia. 09/06/2011.
A segunda apropriação acontece pela relação estabelecida entre os camponeses e os
atravessadores na comercialização do maracujá. Aqui a apropriação da renda da terra
camponesa se dá pelo capital comercial que subordina a produção. Aliás, esta é uma forma de
monopolização do capital na circulação do maracujá que os camponeses não conseguem
evitar.
Quando os mesmos vendem o maracujá para os atravessadores que o revende para as
Ceasas que imediatamente o revende para outros setores antes de chegar ao consumidor, nesta
movimentação ambos adicionam uma margem de lucro ao maracujá antes do produto final
chegar à sociedade. Neste caso, a renda da terra que foi gerada pelo trabalho familiar dos
camponeses de Nova Floresta está contida no maracujá que ao ser lançado ao mercado foi
apropriado pelos atravessadores e os demais segmentos que não pagaram aos camponeses
pelo seu trabalho efetuado durante a produção do maracujá, mas que ao comprá-lo o
transforma em mercadoria que ao ser vendido é convertido em dinheiro. Esse é o processo
que Oliveira (2002) denomina de produção de capital feito por meio do trabalho camponês.
Não se trata da subordinação do trabalho ao capital, mas da subordinação da produção ao
176
capital durante a sua circulação. Não é o trabalho do camponês, mas o maracujá que gera taxa
de lucro (a mais-valia) aos atravessadores e aos demais segmentos na circulação.
Em suma, este foi um exemplo no qual a renda da terra camponesa foi apropriada
somente pelo capital industrial e comercial, porém existem casos em que os camponeses se
endividam com o banco por meio de políticas de crédito agrícola e transferem a renda da terra
também ao capital financeiro16.
É importante destacar que é somente na circulação do produto (maracujá ou outros
produtos) que acontece a metamorfose da renda da terra em capital, pois durante o processo
de produção os camponeses se recriam com autonomia controlando o seu próprio trabalho e
os meios de produção. O que significa que eles mantém a territorialização camponesa através
de diferentes formas de resistência que minimiza a subordinação da renda da terra ao capital.
Podemos destacar algumas já apresentadas até então, como: a) a diversificação da produção
evitando a penetração de monoculturas; b) a preferência em cultivar produtos conforme a
aptidão dos solos existentes; c) a criação de animais como complemento da renda familiar e
articulada a alguma cultura como forma de evitar maiores gastos; d) a migração temporária
como forma de manter-se enquanto camponês; e) a autonomia camponesa no processo de
trabalho. Todos esses elementos são materializados nas unidades de produção camponesas.
4.2.1.2 As principais culturas agrícolas, seus ciclos e seu processo de produção e
comercialização
Em virtude da grande diversidade dos produtos agrícolas produzidos pelos
camponeses dos municípios analisados, optamos neste item em fazer somente à descrição dos
produtos agrícolas que são destinados em maior parte ao consumo familiar, como o feijão, o
milho, a fava, a mandioca, a macaxeira e a batata-doce, bem como das frutas que são
destinadas à comercialização, como o maracujá, o caju, a pinha e a manga. É importante
ressaltar, que as descrições foram baseadas nos relatos dos próprios camponeses
complementados sucintamente por alguma leitura pertinente a cada cultura.
16
No item que trata do papel do Estado e as políticas públicas será abordado alguns exemplos que mostra a
transferência da renda da terra camponesa ao capital, industrial, comercial e financeiro.
177
a) Cultura do feijão
As unidades de produção camponesas de Teixeira e de Nova Floresta produzem
geralmente três variedades de feijão, quais sejam: o mulatinho; o macaçar e a fava. Eles são
semeados no início do inverno entre os meses de março a abril ou nos meses que precedem o
inverno: janeiro e fevereiro. Do total dos 76 camponeses entrevistados nos dois municípios
apenas 1 não cultiva feijão em sua propriedade17, e os demais cultivam e o considera como
sendo o produto mais importante na alimentação da família.
O feijão macaçar também é chamando pelos camponeses de feijão de corda pela forma
de sua vargem ser bastante comprida e semelhante a uma corda. De acordo com Oliveira18
(2000), seu nome científico é “Vigna Unguiculata” da família das leguminosas “Fabáceas”.
Ele tem uma boa adaptação ao clima semiárido e a diferentes tipos de solos em função das
suas raízes poderem atingir até dois metros de profundidade o que facilita a captação de
umidade no subsolo. Talvez seja por apresentar esses aspectos que o feijão macaçar consegue
se adequar às condições adversas como a seca, a carência de água, a falta de irrigação, a falta
de nutrientes dos solos (Regossolo e Bruno não-cálcico) da região semiárida em Nova
Floresta. Foi justamente nesta região que os dados coletados em campo comprovaram o seu
cultivo em todas as unidades de produção camponesas.
Conforme os depoimentos dos camponeses da região semiárida de Nova Floresta bem
como os do município de Teixeira, o feijão macaçar tem um ciclo vegetativo de 70 a 90 dias e
o seu plantio é feito exclusivamente por sementes após a gradagem do terreno. Durante seu
crescimento são realizadas três limpas com a utilização da enxada e do cultivador manual.
Porém, nas entrevistas observamos que a relação que os camponeses têm com o tempo
durante o ciclo biológico das culturas é muito peculiar. Todos afirmaram que os tratos
culturais são realizados quantas vezes são necessárias para evitar o crescimento de ervas
daninhas. Neste caso, o tempo de trabalho é determinado por dois fatores fundamentais: a
necessidade da reprodução da família e a força da natureza pelas condições climáticas
existentes ou que seja pelo ciclo vegetativo das culturas.
Assim, os camponeses têm tempo livre determinado pelo ciclo do cultivo e pelo fato
de não ter patrão. Recordamos que no primeiro trabalho de campo realizado em maio de 2006
chegamos numa comunidade, a Boi Morto, em plena fase do beneficiamento do feijão
17
Trata-se da propriedade localizada na sede do município de Nova Floresta a qual se dedica somente a
horticultura.
18
Professor Dr. do Centro de Ciências Agrárias da UFPB - Areia.
178
macaçar. Então, a primeira vista resolvemos não aplicar os questionários, mas apenas
observar para não atrapalhar o trabalho deles. Mas, quando os camponeses notaram a nossa
presença, deram as boas vindas e ficaram a nossa disposição sem que tivéssemos pedido que
deixassem o trabalho. Então, tivemos uma conversa informal e comunicamos que voltaríamos
no outro dia para aplicar os questionários conforme o horário mais conveniente para eles.
Então, o que vimos é que eles têm autonomia para determinar o seu tempo, embora o
beneficiamento do feijão seja uma etapa cujas paradas tenham que ser mais restritas devido ao
pagamento pelo uso da máquina debulhadeira, mas se houver necessidade de interromper o
trabalho se faz sem pedir autorização a nenhum patrão. O que significa que não há separação
entre o trabalho e a vida camponesa.
Conforme afirma Bombardi (2004):
Ao contrário dos trabalhadores urbanos, que atribuem aos finais de semana o
tempo de “vida”, ou seja, aquele em que eles podem ser eles mesmos, no
meio camponês não é desta forma, a própria família tem maleabialidade para
impremir a si mesma um determinado ritmo de trabalho em função dos
cultivos que escolhe e da capacidade de trabalho que possui (p. 206).
Na época da colheita do feijão macaçar o ritmo de trabalho é maior, pois é realizada
manualmente podendo ser feita em duas fases do crescimento dos grãos: quando as vargens
ainda estão com os grãos verdes19 e quando as vargens já estão com os grãos secos. Em
ambos os municípios os camponeses dão preferência a colheita dos grãos secos que acontece
entre os meses de maio a junho. Depois de colhido o feijão macaçar passa pelo processo de
beneficiamento (separação do grão da casca) que tradicionalmente era feito de forma manual
e atualmente é mais realizado com a utilização da máquina debulhadeira (Fig. 25).
A máquina debulhadeira20 é acoplada ao trator, possibilitando o seu transporte para
todas as unidades de produção. Nesse caso, o feijão em vargem é inserido na máquina que
possui um sistema de dentes para quebrá-la deixando o feijão solto. A vargem quebrada é
lançada fora através de um sistema de ventilação e o feijão desce limpo por um conduto para
ser depositado em recipientes (latas, baldes), que depois é colocado em saco e pesado para ser
vendido.
19
Quando os grãos estão já desenvolvidos mas apresentam ainda a cor verde, sendo tradicionalmente
denominado no Nordeste de feijão verde.
20
São poucos os camponeses que tem instrumentos de trabalho mais robustos como o trator e a debulhadeira,
constatamos apenas dois em cada município, o que cria uma relação de dependência entre camponeses que não
tem recursos financeiros para comprá-los em relação aos que já compraram.
179
Figura 25
Processo de beneficiamento do feijão com o uso da debulhadeira. Nova Floresta-PB. Arquivo:
Silvana Cristina Costa Correia. 13/05/2006.
Constatamos na pesquisa de campo que os camponeses aproveitam uma parte da
vargem quebrada para a alimentação dos animais e a outra parte mais fina é misturada ao solo
servindo de adubação natural, o que nos revela mais uma forma de resistência ao capital
industrial ao evitar a adubação química em seus cultivos.
A debulhadeira mecânica é alugada no sistema de “conga” no qual de cada 100kg de
feijão debulhado 10 kg (10%) é pago ao proprietário da máquina. Este sistema de pagamento
é antigo, é tanto que o mesmo já foi descrito por Heredia em 1979 quando estudou a forma de
organização interna de algumas unidades de produção camponesa na Zona da Mata de
Pernambuco. A conga descrita por ela funcionava como pagamento em troca do uso da casa
de farinha pelos camponeses. E, esse pagamento poderia ser feito em farinha de mandioca, em
180
dinheiro ou conforme a imposição do dono. Conforme a autora, regra geral, “(...) o preço
estabelecido é uma cuia de farinha para cada dez cuias que se produzam ou, se é pago em
dinheiro, corresponde a um cruzeiro para dez cuias” (HEREDIA. 1979. p. 63).
No debulhamento através do sistema manual21, os camponeses batem com uma vara
na vargem e depois passa o feijão de um recipiente (balde, lata, etc.) para o outro criando um
sistema natural de ventilação. Esse processo manual é pouco utilizado pelos camponeses,
devido à demora na separação dos grãos da vargem.
Em Teixeira, a produção do feijão macaçar22 é destinada principalmente ao consumo
da família camponesa, pois do total das 35 unidades de produção visitadas somente 5
comercializam o excedente da produção. Enquanto que em Nova Floresta o excedente é
comercializado nas próprias unidades de produção com os atravessadores (Figs. 26 e 27) no
valor que varia de R$80,00 a R$150,00 reais o saco de 60 kg23.
Figura 26
Escoamento do feijão macaçar pelos atravessadores.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia, 14/05/2006.
21
Duas famílias camponesas do município de Teixeira ainda preferem o sistema manual para debulhar o feijão.
Somente 5 famílias declaram comercializar o feijão macáça e as outras variedades de feijão aos atravessadores
ao preço de R$ 90,00 a R$ 130,00 o saca de 60kg. Conforme os camponeses, normalmente são vendidos entre 1
a 3 sacos do excedente que é escoado para a feira livre de Patos-PB.
23
Valores de fevereiro de 2011.
22
181
Figura 27
Atravessador negociando à produção do feijão macaçar.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 14/05/2006.
A autonomia dos camponeses é observada até a fase do beneficiamento do feijão
macaçar (ou de qualquer produto que é lançado ao mercado), já que na comercialização são os
atravessadores quem estabelecem o preço e iniciam o processo de apropriação da renda da
terra que será continuada na circulação do produto até o destino final (Organograma 3).
Organograma 3
Unidade de
produção
camponesa
Feira livre
Nova
Floresta-PB
Atravessador
Feira livre
Jaçanã-RN
Consumidor
Feira livre
Cuité-PB
Circulação do feijão macaçar e de outras variedades de feijão até o seu destino final.
Org. Silvana Cristina Costa Correia. 12/06/2011.
182
Em cada propriedade camponesa é comum os atravessadores adquirir entre 4 a 6 sacos
(60 kg) da produção excedente do feijão macaçar ao valor determinado por eles que varia
entre R$ 80,00 a R$ 150,00 reais cada saco. Este valor será reajustado quando o produto for
distribuído para os comerciantes das feiras livres de Nova Floresta, de Cuité e de Jaçanã-RN,
bem como quando for revendido para o consumidor final. Então, mesmo diante da
transferência da renda da terra para o capital comercial (atravessadores e comerciantes), o
feijão macaçar proporciona aos camponeses uma renda média anual de R$ 320,00 a R$
600,00 reais. O que revela que a agricultura camponesa que analisamos é regida por
princípios opostos ao da agricultura capitalista e está inserida na lógica de produção simples
de mercadoria, na qual os camponeses não visam fundamentalmente o lucro, mas apenas
comercializam o excedente da produção para comprar outros produtos que são considerados
necessários para a recriação da família e o que os mesmos não produzem.
Outra variedade do feijão bastante cultivada em Teixeira e Nova Floresta é o
mulatinho, que segundo Oliveira (2000) faz parte da mesma família das leguminosas
“fabáceas”, porém seu nome científico é “Phaseolus Vulgares”. Trata-se de um tipo de
feijão completamente diferente do feijão macaçar, pois necessita de uma maior quantidade de
água para se desenvolver devido suas raízes serem superficiais. Por isso, que durante as
entrevistas a maioria dos camponeses da região semiárida declararam não cultivá-lo devido o
solo não ser muito apto para o seu cultivo. Constatamos a sua produção em 25 unidades de
produção camponesas de Nova Floresta localizadas nas comunidades rurais da região
subúmida. Em Teixeira somente as 35 unidades de produção camponesas que visitamos
produzem o feijão mulatinho e seu destino é quase que totalmente para o consumo familiar.
Conforme os relatos dos camponeses de ambos os municípios, o feijão mulatinho
cresce em forma de pequenos arbustos e durante seu crescimento são realizadas de duas a três
limpas. O seu ciclo é igual ao do feijão macaçar entre 70 a 90 dias e o seu plantio também é
realizado nos meses de março e abril ou conforme os meses que precedem o inverno. Porém,
existem duas características específicas que o diferencia completamente do feijão macaçar,
quais sejam: a forma de colher e o seu amadurecimento uniforme. A colheita é realizada de
uma só vez arrancando-se toda a planta pelo pé. Por isso, que localmente ele é denominado de
“feijão de arranca” como afirma a camponesa Dona das Dores:
A colheita do feijão mulatinho é arrancando pé por pé com as mãos. A gente
arranca fazendo uma ruma, um paió, sabe? E depois agente coloca tudo junto
pra secar pra depois debulhar com a máquina. Já o feijão macaçar, a gente
apanha baje por baje com as mãos, é mais trabalhoso do quê o outro.
183
(Depoimentos da camponesa Maria das Dores da Silva. Nova Floresta-PB,
29/07/2007).
A média do excedente que se vende em cada propriedade camponesa é entre 3 a 5
sacos no valor que varia entre R$ 80,00 a R$ 100,00 reais o saco pesando 60 kg,
proporcionando uma renda média anual de R$ 240,00 a R$ 400,00. O sistema de
comercialização e escoamento é o mesmo do feijão macaçar, o atravessador compra o feijão e
depois revende para os comerciantes das feiras livres dos municípios vizinhos.
A fava também é cultivada nos dois municípios, é caracterizada pelos camponeses
como sendo uma leguminosa que produz vargens grandes e seus grãos são completamente
diferentes das outras variedades de feijão: são grossos, ovulados e achatados. O seu plantio
inicia-se na mesma época do feijão macaçar e do feijão mulatinho, entre os meses de março a
abril. O seu ciclo vegetativo é de 90 dias, precisando de três limpas durante o seu crescimento.
A colheita é realizada da mesma forma que o feijão mulatinho: arrancando-se o pé completo
da planta.
A comercialização do excedente não ultrapassa de dois sacos vendidos mais caro do
que as outras variedades, custa em média de R$ 100,00 a R$ 150,00 reais o saco de 60 kg. O
escoamento da produção se faz conforme o organograma 3, o qual mostra a circulação das
variedades de feijão cultivada em Nova Floresta. Em Teixeira a comercialização do excedente
do feijão macaçar, do feijão mulatinho e da fava é muito baixa, somente 5 unidades de
produção comercializam com os atravessadores que escoam a produção para o município de
Patos-PB.
Entretanto, na pesquisa de campo foi notória a diferença no que se refere ao percentual
das unidades de produção camponesas de Nova Floresta e Teixeira que comercializam o
excedente das variedades de feijão. Em nova Floresta, por exemplo, das 41 unidades de
produção camponesas que visitamos 37 (90%) delas consomem e comercializam o excedente
(Gráfico 9). Enquanto que em Teixeira do total de 35 unidades de produção somente 5 (14%)
consomem e comercializam, as demais produzem apenas para o consumo direto da família
(Gráfico 10).
184
Gráfico 9
Fonte: Pesquisa de campo.
Org. Silvana Cristina Costa Correia. 12/06/2011.
Gráfico 10
Fonte: Pesquisa de campo.
Org. Silvana Cristina Costa Correia. 12/06/2011.
A comercialização do excedente das variedades de feijão proporciona uma renda
média anual aos camponeses de R$ 760,00 a R$ 1.300,00.
185
b) Culturas do milho, da mandioca e da batata-doce
O milho nos municípios estudados é produzido em consórcio com a cultura do feijão
(Fig. 28). O seu plantio ocorre no início do inverno entre os meses de março e abril e seu ciclo
produtivo dura aproximadamente três meses.
Figura 28
Produção consorciada de milho e feijão. Nova Floresta-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 07/02/2011.
A colheita do milho é feita manualmente retirando-se espiga por espiga e apresenta
semelhança com a colheita do feijão macácar porque pode ser realizada em duas fases do
crescimento das espigas: ou ainda verde ou quando estiver seca. Conforme as observações e
entrevistas realizadas durante os trabalhos de campo, constatamos a preferência pela colheita
do milho verde, devido seu consumo in natura ser maior, sobretudo nos meses de junho e
julho que coincide com as festas juninas. A outra parte das espigas que são colhidas secas
quebra-se o talo de sua planta e deixa no roçado por mais três meses. Em seguida, o milho
seco é colhido e beneficiado igual ao feijão através do aluguel da máquina debulhadeira. A
produção do milho em Teixeira é totalmente destinada ao consumo da família e dos animais
de criação de pequeno porte. Enquanto que em Nova Floreste 9 (22%) camponeses
declararam vender o excedente do milho para os atravessadores (Gráfico 11) no valor de R$
50,00 o saco de 60 kg. Geralmente são vendidos de 3 a 4 sacos que proporciona uma renda
anual de R$ 150,00 a R$ 200,00.
186
O predomínio das unidades de produção que não comercializam o excedente do milho
é explicado entre outras razões pelo fato delas possuírem animais de criação, como: gado,
porcos, aves e outros que se alimentam do milho ou de derivados provenientes dele.
Outra cultura cuja produção é destinada quase que exclusivamente ao consumo
familiar é a mandioca. Em ambos os municípios se cultiva duas variedades: a mandioca
amarga e a mandioca mansa conhecida como macaxeira.
Gráfico 11
Fonte: Pesquisa de campo. Org. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 12/06/2011.
De acordo com Heredia (1979):
Ambas são semelhantes tanto no seu aspecto como por possuírem um
mesmo ciclo agrícola. A diferença consiste em que a mandioca amarga deve
passar por um processo que extrai dela a substância tóxica, sendo consumida
como farinha depois de moída, enquanto a macaxeira pode ser aproveitada
sem que seja necessária essa transformação (HEREDIA, 1979.p. 61).
Conforme os depoimentos dos camponeses o plantio da mandioca é iniciado logo após
o início da chuva, no período compreendido entre janeiro e fevereiro, e ainda se estende até o
mês de julho. O desenvolvimento vegetativo da planta apresenta uma variação de 12 a 18
meses a depender de vários fatores, tais como: a) o tipo de solo; b) a freqüência de chuva; c)
os adubos utilizados no solo; d) o cultivo consorciado de outras culturas. Durante o
crescimento da mandioca são realizadas até cinco limpas logo após cada chuva. A sua colheita
se dá a partir de sua maturação. Porém, no decorrer dos relatos, verificamos uma
187
particularidade no processo de produção da mandioca denominado pelos camponeses de
“esgotar a mandioca”. “Esgota-se a mandioca” quebrando-se o seu talo caso ela não seja
colhida quando estiver madura. Essa operação foi encontrada entre os camponeses estudados
por Heredia (1979) a qual foi explicada da seguinte forma:
Se a mandioca não vai ser colhida quando madura, logo após alguma chuva
arranca-se o talo (maniva), deixando o bulbo enterrado, esta operação é
chamada de “esgotar a mandioca”. Neste caso, o esgotamento favorece o
crescimento da raiz enquanto os talos cortados são utilizados como sementes
para novas plantas. (...) após algumas limpezas, dentro de quatro ou cinco
meses, a planta já apresenta novas folhas e então o tubérculo estará
novamente em condições de ser colhido (HEREDIA. 1979. p.61-62).
Assim, a semente da mandioca é proveniente do pedaço do talo arrancado,
denominado de maniva. De acordo com Heredia existem duas formas de obtê-la na colheita:
a) uma é quando se arranca toda a planta cortando-se os talos que serão guardados e
conservados até no máximo quatro meses para serem plantados; b) a outra consiste no ato de
cortar os talos deixando-os enterrados no roçado sendo essa forma a que assegura um maior
rendimento à nova planta.
A colheita da mandioca em Nova Floresta e em Teixeira é realizada pelos chefes de
famílias de duas maneiras: uma manualmente e a outra através do uso da matraca (picareta).
Porém, a forma manual é a mais utilizada entre eles, através do arranquio das raízes da planta.
Após ser colhida é beneficiada na casa de farinha. Em Teixeira a comunidade Fava de Cheiro
se destaca na produção de mandioca. Segundo os camponeses o tipo de solo (Regossolo)
existente é apto ao cultivo desta cultura, por isso que eles dedicam a maior parte de seu
roçado ao seu plantio.
A maior parte da produção é destinada ao consumo da família em forma de farinha, a
qual também é vendida aos camponeses de comunidades próximas. Nas primeiras semanas de
cada mês alguns camponeses desta comunidade organizam a festa “Saberes e Sabores da
Mandioca” em que os produtos derivados desta cultura são comercializados localmente,
como: a farinha, a goma para fazer tapioca, o polvilho, o beju, o bolo de mandioca, além de
outros produtos que proporciona uma pequena renda monetária que ajuda na reprodução da
família.
A casa de farinha desta comunidade é utilizada pelas famílias que contribuem
mensalmente com um valor de R$ 3,00 reais à Associação dos Pequenos Agricultores da
Comunidade de Fava de Cheiro. Das 4 unidades de produção que visitamos todas produzem
188
a mandioca e comercializam o excedente ao valor de R$ 1,50 reais o saco de 1 kg. Os
camponeses não souberam informar quantos sacos são vendidos por safra, por isso não
sabemos informar o valor da renda média anual que este produto proporciona a cada família.
Em Nova Floresta das 41 famílias, 20 produzem a mandioca, mas somente duas
possuem casa de farinha onde os vizinhos produzem farinha em troca do pagamento de uma
conga equivalente à terça parte da produção do produto beneficiado. A produção é totalmente
voltada para a alimentação da família e dos animais de criação.
Em ambos os municípios também se cultiva a macaxeira (Figs. 29 e 30) que tem o
mesmo ciclo vegetativo da mandioca e as etapas do processo produtivo são iguais. A sua
importância nos roçados está relacionada ao consumo direto da raiz sem que seja beneficiada.
Figuras 29 e 30
Cultivo de macaxeira e macaxeira após ser colhida manualmente pelo camponês.
Nova Floresta-PB. Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 08/02/2011.
Na pesquisa de campo observamos que nas mesmas unidades de produção em que se
produz a mandioca também se cultiva a macaxeira. Em Nova Floresta as 20 famílias que
declararam cultivar a mandioca também produzem a macaxeira, enquanto que em Teixeira o
seu cultivo se faz presente na comunidade Fava de Cheiro na qual entrevistamos 4 famílias
189
que afirmaram cultivá-la em seus roçados. A concentração da produção de mandioca numa
única comunidade é explicada pela preferência dos camponeses das outras comunidades pelo
cultivo da batata-doce. O seu plantio ocorre no início das chuvas entre os meses de março a
abril e consiste na etapa de enterrar manualmente uma parte da rama (muda) no solo (Fig. 31).
Normalmente são realizadas de 3 a 5 limpas até a colheita que ocorre entre 110 a 150 dias
após o plantio. Entre as unidades de produção camponesas que visitamos em Nova Floresta
não identificamos o cultivo da batata-doce. A sua produção nas unidades de produção que
visitamos no outro município é totalmente voltada para o consumo direto da família.
Figura 31
Plantio da batata-doce no Assentamento Poços de Baixo em Teixeira-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 14/03/2011.
Em suma, das culturas alimentares que foram descritas até então, verifica-se que
somente o excedente das variedades de feijão cultivadas em Nova Floresta proporciona uma
pequena renda monetária as famílias que comercializam o excedente dos produtos. As demais
culturas, via de regra, são destinadas ao consumo das famílias e dos animais de criação. Em
Teixeira identificamos um campesinato quase sem relação mercantil, pois com exceção da
venda do excedente da farinha de mandioca e de seus derivados na Comunidade de Fava de
Cheiro e do excedente das variedades de feijão que identificamos em 5 unidades de produção,
os demais produtos não são comercializados. Os camponeses preferem comercializar algumas
frutas como veremos a seguir.
190
c) Cultura do maracujá
Na pesquisa de campo não identificamos o cultivo de maracujá no município de
Teixeira, mas apenas no município de Nova Floresta. Neste município, do total dos
camponeses entrevistados 28 cultivam o maracujá em suas terras, sendo que 22 fazem o
cultivo na região subúmida e somente 6 cultivam na região semiárida (Gráfico 12).
Gráfico 12
Pesquisa de campo. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 15/06/2011.
Dos 28 que cultivam o maracujá, 20 utilizam a irrigação na região subúmida e
somente 2 fazem o cultivo de sequeiro nesta mesma região. Dos 6 que cultivam na outra
região todos produzem no sistema de sequeiro por não terem recursos financeiros para investir
no sistema de irrigação que exige equipamentos modernos e mão-de-obra contratada. O
método de irrigação utilizado no cultivo do maracujá na região subúmida é denominado de
“xique-xique”. Utiliza-se uma mangueira que acompanha a fileira de plantas e que tem
pequenos orifícios por onde a água passa e cai em forma de gotejamento. Os camponeses por
questão de economia fazem apenas duas ou três irrigações semanais para a planta ficar sempre
molhada.
O plantio do maracujá de forma irrigada pode ser feito em qualquer época do ano, mas
se for ao sistema de sequeiro as mudas devem ser plantadas logo no início das primeiras
chuvas (Quadro 1). Conforme os camponeses, o plantio é realizado por meio de sementes que
podem ser compradas ou retiradas da própria fruta. Para fazer as mudas os camponeses usam
sacos plásticos para colocar a mistura da terra com o esterco do gado do próprio curral. Em
191
seguida, coloca-se a semente dentro do saco e depois de 30 a 45 dias quando estiverem com
15 a 25 centímetros de altura estarão prontas para serem transplantadas.
Os camponeses
colocam o adubo numa cova medindo 40 cm de largura por 40 cm de comprimento. A muda
do maracujá só é plantada a partir de 15 a 20 dias devido ao risco de amarelar ou da planta
morrer devido à fermentação do solo. Após o plantio com aproximadamente 30 dias a planta
começa a se desenvolver. São realizadas três limpas até o período de colheita.
Dito de outra forma:
No plantio do maracujá a gente faz as mudas, compra as sacolinhas pra
botar o adubo de esterco do gado (...). Depois a semente é colocada dentro e
depois de uns 45 dias a muda já tá com uns 15 ou 25 centrímetro de
tamanho, e, aí se faz o transplante. A gente coloca lá dentro da cova que já
tá feita e adubada. A gente prepara a cova e vai colocando o adubo orgânico,
sabe? Do mesmo jeito que se fez na sacola. Sempre preparo a cova por 40
cm de largura e 40cm de comprimento, essa cova é onde planta a muda.
Assim, a gente prepara o terreno, limpa ele e cava e bota o esterco e só
depois de uns 15 dias que a gente bota a muda, porque se plantar logo a
muda amarela e morre. Os técnicos explicou pra gente que é devido a
fermentação, sabe? Aí a planta vai crescer, e se precisar de mais adubo a
gente bota. Depois de seis mês é que tá bom (depoimento do camponês
Genário Francisco dos Santos. Nova Floresta-PB, 14 de maio de 2006).
De acordo com os camponeses, quando o maracujá se encontra maduro ele cai
espontaneamente do pé e é colhido no chão. A produção tem duas safras por ano sendo
realizadas duas colheitas anualmente. O destino da produção é puramente comercial, os
camponeses consumem apenas o excedente caso a produção não seja comercializada
totalmente.
A comercialização, via de regra, é realizada através dos atravessadores24 que adquirem
a produção dos camponeses em suas unidades de produção para revender na CEASA de Natal
– RN, na EMPASA de Campina Grande-PB, nas feiras livres de Caicó-RN, Acarí- RN, e
numa indústria de polpa de fruta localizada no município de Jaçanã - RN (Organograma 4). O
preço do quilo do maracujá varia entre R$ 0,90 a R$ 1,50 reais. Neste caso, de acordo com os
técnicos da EMATER, um camponês que destina 2 hectares de terra para a produção do
maracujá poderá ter uma produtividade de 15 toneladas do produto. O que proporciona uma
renda média anual de R$ 13.500,00 a R$ 22.500,00 reais.
24
Conforme já foi dito anteriormente, a produção do maracujá passa de mãos em mãos até chegar ao consumidor
final, o que explica que vários segmentos da sociedade se apropriam da renda da terra contida no produto feito
pelo trabalho dos camponeses.
192
Do ponto de vista econômico os camponeses que cultivam o maracujá na região
serrana de Nova Floresta por estarem mais vinculados ao mercado diferem dos camponeses da
região semiárida e dos camponeses de Teixeira que vivem num sistema econômico mais
voltado para a produção de culturas tradicionais para atender as necessidades básicas das
famílias. Todavia, os camponeses maracujazeiros de Nova Floresta estão mais subordinados
ao capital industrial e comercial do que os camponeses da região semiárida e de Teixeira. Em
contrapartida estes estão com mais autonomia no processo produtivo do que aqueles, dado
que ao se conformar com a realidade econômica existente ficam quase livres da sujeição do
capital industrial, comercial e financeiro. Por isso que para efeito deste trabalho não achamos
oposição entre conformismo e resistência, ao contrário, são dimensões imbricadas num
mesmo processo. Afirmamos isso porque encontramos uma maior diversificação de culturas e
maior presença da força de trabalho familiar nas unidades de produção que não produzem o
maracujá.
Não queremos dizer que os camponeses maracujazeiros estão em processo de
enriquecimento e que vão se transformar em capitalistas conforme os prognósticos da
diferenciação social defendida por Lênin (1982), pois acreditamos que o destino final da
produção não é capaz de defini-los como camponês ou não, mas a presença do trabalho
familiar, a pequena utilização da mão-de-obra contratada e autonomia no processo de
produção é que são elementos determinantes para caracterizá-los como camponeses. O que
estamos evidenciando é que os camponeses de Teixeira estão se recriando sem que haja a
sujeição da renda da terra ao capital por resistirem ao se conformar com a situação econômica
que o circunda desde tempos remotos.
O maracujá cultivado pelos camponeses de Nova Floresta é o da espécie amarela, o
preferido na fabricação de sucos, de polpas e remédios naturais. É por isso que ele tem uma
boa aceitação no mercado, geralmente os atravessadores passam duas vezes por semana nas
unidades de produção camponesas para comprá-los.
193 Organograma 4
CEASA
RECIFE-PE
Unidade de
produção
camponesa
EMPASA
Campina Grande
PB
Atravessador
Consumidor
CEASA Natal
RN
Indústria de
polpa de fruta
Jaçanã - RN
Supermercados
Mercadinhos
Feiras livres:
 Caicó-RN  Acarí-RN Circulação da produção do maracujá de Nova Floresta-PB. Org. Silvana Cristina Costa Correia. 15/06/2011.
194
d) Culturas do caju, da pinha e da manga
O caju também ocupa lugar de destaque dentre as plantas frutíferas dos municípios
analisados. Conforme os questionários aplicados na pesquisa de campo, identificamos a
produção do caju em regime de sequeiro em 29 unidades de produção camponesas em Nova
Floresta (contendo em média de 3 a 5 pés por unidades de produção), sendo 20 localizadas na
região semiárida, 9 na região serrana e 23 no município de Teixeira. Segundo os camponeses
de ambos os municípios os cajueiros foram germinados por sementes e passaram em média
três anos para começar a produzir. A cada ano tem uma safra, com exceção do cajueiro anãoprecoce cultivado em Nova Floresta que tem duas safras anualmente. Como se trata de uma
cultura permanente, os tratos culturais são realizados depois do florescimento da planta que
consiste: na retirada de ervas daninhas; na adubação com o esterco do gado e no coroamento
nas proximidades da base das plantas.
Em Teixeira a produção do caju é destinado para fins comerciais, a colheita é feita
manualmente após 4 meses do florescimento (Quadro 1). A fruta é colhida no chão (Fig. 32) e
vendida aos atravessadores que vão até as unidades de produção camponesas para comprar a
fruta in natura e a castanha para revendê-las nas feiras livres dos municípios paraibanos de
Patos e Maturéia, na Paraíba e São José do Egito em Pernambuco.
Figura 32
Colheita do caju numa unidade de produção camponesa de Teixeira-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 12/01/2011.
Na pesquisa de campo os camponeses declararam comercializar o quilo da castanha do
caju ao preço de R$ 1,00 real, assim o saco de 60 kg custa R$ 60,00 reais. Então se eles
195
vendem entre 10 a 15 sacos por ano como afirmaram, pressupõe-se que obtêm uma renda
média anual entre R$ 600,00 a R$ 900,00 reais. O pedúnculo comestível é vendido ao preço
de RS 2,00 reais cada caixa de 20 kg. Normalmente, são vendidas entre 15 a 20 caixas, o que
proporciona uma renda anual de R$ 30,00 a R$ 40,00 reais.
Em Nova Floresta o caju é um produto totalmente comercial, sua produção se faz
presente nas duas regiões naturais com destaque para o cultivo na região semiárida. A colheita
é feita da mesma forma do município de Teixeira, os camponeses colhem os frutos caídos no
chão. A comercialização, via de regra, também é realizada através dos atravessadores que
compram a castanha ao preço de R$ 78,00 o saco de 60 kg. Os camponeses declararam vender
de 15 a 20 sacos de castanha, o que lhes rende em média anual de R$ 1.170,00 a R$ 1.560,00
reais. A castanha é escoada para as feiras livres dos municípios vizinhos do Rio Grande do
Norte, quais sejam: Caicó, Acarí, e Parnamirim. Já o pendúculo é vendido a R$ 2,20 a caixa
de 20 kg. Eles vendem em média de 10 a 20 caixas que proporciona uma simbólica renda de
R$ 22,00 a R$ 44,00. O pendúculo é escoado para uma fábrica de polpa de fruta localizada no
município de Jaçanã no Rio Grande do Norte denominada de “Incaju”.
Outra fruta que se destaca nas unidades de produção camponesas dos dois municípios
é a pinha, sobretudo na região semiárida do município de Nova Floresta, onde vem sendo
cultivada em substituição ao cultivo de maracujá de sequeiro. De acordo com a pesquisa de
campo, a produção de pinha se faz presente em apenas 15 unidades de produção camponesas
em Nova Floresta, sendo 11 na região semiárida e somente 4 na região serrana. Em Teixeira
esse número baixa para apenas 9 unidades de produção. Em ambos os municípios são em
média de 2 a 3 pés plantados por propriedade. A propagação foi feita de forma extensiva (sem
nenhum uso de tecnologias) e em áreas esparsas nos quintais ou nos arredores das casas.
Segundo os camponeses entrevistados, a pinha é germinada por sementes e demora 3 anos
para produzir. A fruta amadurecida é apanhada manualmente no pé da planta e destinada ao
consumo da fruta in natura pela própria família camponesa em Teixeira e comercializada em
Nova Floresta. A venda é feita diretamente ao atravessador que escoa a produção para o
estado do Rio Grande do Norte. As pinhas são vendidas ao preço de R$13,00 a caixa com 80
pinhas grandes, e a R$ 8,00 a caixa com 200 pinhas pequenas. As mesmas proporcionam uma
renda anual aos camponeses de R$ 120,00 a R$ 221,00 reais, já que são comercializadas em
média de 15 a 17 caixas. Como se trata de uma lavoura permanente, a colheita inicia-se 4
meses depois do florescimento (Quadro 1) e depois que as folhas caem, os camponeses se
dedicam aos tratos culturais com a retirada de alguns matos, a adubação (feita uma vez por
ano utilizando o esterco do curral) e após a colheita procede-se a poda de limpeza.
196
Da mesma forma que a pinha, a manga também é pouco produzida pelos camponeses
de Nova Floresta e de Teixeira. Conforme a pesquisa de campo, a mesma se encontra em
áreas esparsas nas unidades de produção camponesas de ambos os municípios. Em Nova
Floresta identificamos a mangueira em apenas 9 unidades de produção, sendo 3 na região
semiárida e 6 na região serrana. Já em Teixeira observou-se a presença de um número maior
de mangueira (encontramos em 12 unidades de produção as quais não comercializam a fruta).
Nas unidades de produção camponesas de ambos os municípios encontramos em média de 1 a
2 pés de mangueira.
Segundo os camponeses, o plantio foi realizado através de mudas das variedades
espada e rosa. Geralmente, a primeira colheita ocorre a partir do segundo ano depois do
plantio e se prolonga por dois meses. Os tratos culturais são realizados depois do
florescimento e da colheita e compreende as seguintes tarefas: a) a retirada de ervas daninhas;
b) a adubação com o esterco do gado; c) a poda de limpeza. É comum em Nova Floresta os
camponeses venderem de 4 a 5 sacos de mangas ao preço de R$ 70,00 reais o saco de 60 kg.
Neste caso a produção desta fruta proporciona uma renda média anual de R$ 280,00 a R$
350,00 reais. A fruta é consumida in natura e comercializada através da mediação dos
atravessadores que escoa para as feiras livres de Cuité-PB, Jaçanã-RN e Picuí-PB.
A comercialização é entendida neste trabalho como necessária para a recriação dos
camponeses, uma vez que os produtos provenientes do roçado não cobrem todo o conjunto de
bens reconhecidos socialmente como necessários ao consumo da família, isto é, existem bens
que se consomem, mas que não são produzidos por eles, como o café, a carne, o açúcar, o sal,
além das roupas, dos calçados, dos materiais escolares entre outros. Portanto, para a aquisição
destes produtos é necessária a venda do excedente da produção e das frutas que são
produzidas com esta finalidade. Os camponeses analisados estão inseridos na lógica de
produção simples de mercadoria, os quais comercializam parcialmente os seus produtos para
adquirir bens que são necessários à recriação da família.
A organização da produção nas unidades de produção camponesas de Nova Floresta e
de Teixeira expressa formas de resistência e de recriação camponesa contraditórias à lógica
capitalista de produção, como: a) o aproveitamento das vargens quebradas do feijão macaçar
na alimentação dos animais e na adubação do solo; b) o pagamento pelo uso da debulhadeira
mecânica através do sistema de conga que possibilita aos camponeses beneficiarem o feijão e
pagar com o próprio produto beneficiado, c) a comercialização do excedente do feijão
macaçar, do feijão mulatinho, da fava, da mandioca, do maracujá, do caju, da pinha e da
manga, d) o aproveitamento da produção do milho na alimentação dos animais de criação de
197
pequeno porte, e) o cultivo no sistema de sequeiro. Todos esses elementos são materializados
na organização interna das unidades de produção camponesas.
A partir dessas breves considerações sobre os principais produtos agrícolas cultivados
pelos camponeses nos mencionados municípios, concluímos que a diversificação de culturas é
uma das principais formas de recriação camponesa porque assegura colheitas em épocas
diferentes entre si. Por exemplo, o cultivo das frutas no sistema de sequeiro garante colheitas
em épocas diferentes das colheitas do feijão macaçar, do feijão mulatinho, da fava, do milho,
da macaxeira, da mandioca e da batata-doce (Quadro 1).
Na pesquisa de campo, conforme mostra a foto abaixo, identificamos um modelo de
ordenamento territorial numa propriedade camponesa de Nova Floresta que mostra a
versatilidade na diversificação das culturas. Nesta propriedade encontramos o chefe da família
no período da tarde colhendo a macaxeira de seu roçado após ter passado o período da manhã
preparando o solo para o plantio do milho consorciado com o feijão. O solo preparado
aguardando a chuva cair para ser plantado o feijão e o milho está localizado entre as lavouras
da macaxeira e do maracujá irrigado. Este garante colheitas em épocas que as demais culturas
não estão sendo cultivadas ou não estão em fase de colheita. Perto do maracujá, no lado
direito da figura 33, está localizado o cultivo de palma forrageira destinada a alimentação de
três cabeças de gado existentes na propriedade: um boi, uma vaca e um bezerro. Ao lado do
curral25 dos animais encontra-se o cultivo de capim elefante também destinado para o pasto
dos animais de criação. As frutas encontram-se espalhadas ao redor da casa e no quintal.
25
O curral dos animais de criação, as frutas e as aves não está visível na fig. 30, mas será apresentada em forma
de croqui posteriormente.
198 Figura 33
Maracujá irrigado
Palma forrageira
Solo preparado para o
plantio do milho
consorciado com o
feijão
Macaxeira
Ordenamento territorial de uma unidade de produção camponesa da região serrana de Nova Floresta-PB.
Arquivo: Silvana Cristina Costa Correia. 08/02/2011.
199
A forma de organização interna das unidades de produção camponesas de Nova
Floresta e de Teixeira foi recuperada através de uns croquis que mostram a diversificação de
culturas como uma forma de resistência ao capital que permite a recriação do campesinato
analisado. (Croquis 1, 2, 3).
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as formas de organização da produção