P.º n.º R.P.70/2012 SJC-CT Revogação de doação entre casados. Eficácia quanto a terceiros. PARECER 1. Pela Ap. …/20120523 foi pedida por G…, advogado, na Conservatória do Registo Predial de …, a aquisição do prédio descrito sob o nº … da freguesia de … concelho de … e da fração autónoma “E” do prédio descrito sob o nº … freguesia de …, concelho de …, a favor da recorrente, separação de bens, tendo sido apresentada da casada com Joaquim …, na para titular o facto uma escritura de revogação de doações de 11 de maio de 2012, lavrada no Cartório Notarial da Notária L…, sito em …, outorgada pela recorrente. Os referidos prédio e fração autónoma encontravam-se definitivamente inscritos a favor do dito Joaquim … pela Ap. …/2011/01/19, por doação do indicado cônjuge, e inscritos provisoriamente por dúvidas1 a favor de “…, Unipessoal, Lda” pela Ap. …/2012/02/03, por compra a àquele Joaquim … A recorrente refere que pediu pela Ap. …/20120206 aquisição a favor de Joaquim … passasse a constar que da inscrição de que as doações eram livremente revogáveis, a todo o tempo, pedido esse que foi recusado pelo facto de a livre revogabilidade resultar da lei e não de convenção das partes. 2. Aquele registo foi lavrado provisoriamente por natureza nos termos do art. 92º/2/b) do Código do Registo Predial(CRP), por incompatibilidade com o referido registo de aquisição a favor de “… Unipessoal, Lda.”, tendo a notificação da qualificação a data de 30 de maio de 2012. 3. No dia 14 de junho de 2012 foi interposto o presente recurso hierárquico (pela Ap. …), em extenso requerimento, onde se invocou e citou diversa doutrina, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual, em breve síntese, se alegou que: a) O disposto no nº 1 do art. 1765º do Código Civil (CC), de livre revogabilidade 1 das doações entre casados, sem necessidade de qualquer Esta inscrição de aquisição foi entretanto convertida pela Conservatória do Registo Predial de ... já depois de interposto o presente recurso, pela Ap. …/2012/07/27. justificação e sem possibilidade de renúncia ao direito de revogação, constitui exceção ao regime geral das doações constante dos artigos 940º a 979º do CC; b) A livre revogabilidade assenta num princípio de interesse e ordem pública, o qual se sobrepõe aos vários interesses privados em jogo, ainda que de terceiros, e é a expressão do equilíbrio entre dois valores, por um lado o de a doação poder ter caráter compensatório, até de natureza sucessória e, por outro, o da imutabilidade das convenções antenupciais; c) A livre revogabilidade constitui verdadeira condição resolutiva legal, pelo facto de ser irrenunciável e poder ser exercida a todo o tempo, mesmo após a morte do donatário, tendo consequentemente efeitos retroativos (art. 276º do CC) e tornando ineficazes quaisquer atos de disposição praticados pelo donatário( art. 274º/1 do CC); d) A ineficácia dos atos de disposição praticados pelo donatário opera automaticamente com a revogação e é oponível a terceiros, ainda que estes tenham o seu direito previamente registado, pois esses terceiros adquiriram um direito condicional; e) Assim, levadas a registo as revogações das doações, deviam ter sido canceladas as inscrições de aquisição a favor de “…Unipessoal, Lda.” e efetuado definitivamente o registo de aquisição a favor da recorrente; f) A não ser assim, é possível a fraude a lei; g) No caso não se pode dizer que o terceiro esteja de boa fé, pois trata-se de sociedade unipessoal detida pelo donatário; h) Que os registos tidos por incompatíveis estão lavrados provisoriamente por dúvidas, pelo não se presume a propriedade a favor do sujeito ativo. 4. A senhora conservadora recorrida sustentou a qualificação impugnada nos seguintes termos: “Todos os argumentos expendidos estão corretos e o registo a favor da doadora seria definitivo se não tivesse havido registo de alienação dos prédios a favor de terceiro. O artigo 1761º do Código Civil dispõe: «As doações entre casados regem-se pelas disposições desta secção e, subsidiariamente, pelas regras dos artigos 940º a 979».. A revogação da doação não afeta terceiros que hajam adquirido anteriormente direitos reais sobre os bens doados sem prejuízo das regras relativas ao registo(art.979º do Código Civil), o que significa que os direitos reais que tenham sido constituídos por terceiros e que se mostrem devidamente registados, como é o caso, têm que ser respeitados. A doação não é anulada, mas sim objeto de revogação e esta não arrasta automaticamente a revogação dos atos subsequentes validamente registados ou cancelamento de todas e quaisquer inscrições. Se o prédio permanecesse na posse do donatário e sem qualquer encargo a revogação da doação tinha como consequência a aquisição a favor do doador. No caso em concreto o donatário já alienou os bens doados a terceiros. A revogação da doação não afeta a venda feita já que este ato está registado (artigo 6º do C.R.P.)”. Saneamento: O processo é o próprio, as partes legítimas, o recurso tempestivo, e inexistem questões prévias ou prejudiciais que obstem ao conhecimento do mérito. Pronúncia: 1. A questão em tabela reconduz-se a saber se o disposto no art. 979º do Código Civil (C.C.)2 – “A revogação da doação não afeta terceiros que hajam adquirido, anteriormente à demanda, direitos reais sobre os bens doados, sem prejuízo das regras relativas ao registo; neste caso, porém, o donatário indemnizará o doador” - se aplica ou não às doações entre casados, tendo em conta, por uma lado, que o art. 1761º dispõe que “As doações entre casados regem-se pelas disposições desta secção e, subsidiariamente, pelas regras dos artigos 940º a 979º” e, por outro, que o art.- 1765º/1 dispõe que “As doações entre casados podem a todo o tempo ser revogadas pelo doador, sem que lhe seja lícito renunciar a este direito”. A qualificação impugnada, e sustentada, assenta numa resposta afirmativa defendendo-se o contrário na impugnação. 2. A revogação da doação por ingratidão do donatário (cfr. art.s 970º e 974º a 979º) – a que se pode chamar regime comum da revogação do contrato de doação - não tem efeitos retroativos , ou seja , o efeito extintivo só opera ex nunc, sem prejuízo da retroação à data da propositura da ação. Os bens são restituídos ao doador no estado em que se encontrarem e, tendo sido alienados ou se não puderem ser restituídos em espécie por causa 2 Todas as disposições legais que daqui em diante se mencionarem sem indicação do respetivo diploma pertencem ao Código Civil (C.C.). imputável ao donatário, são restituídos apenas pelo valor que tinham ao tempo em que foram alienados ou se verificou a impossibilidade da restituição. Relativamente a terceiros que hajam adquirido anteriormente à data da ação, os mesmos não são afetados pela extinção da doação, “sem prejuízo das regras do registo”, ou seja, relativamente a imóveis ou móveis sujeitos a registo, decorre do princípio da prioridade (art. 6º) que se a ação da revogação de doação for registada primeiro, o direito de revogação prevalece relativamente ao direito do terceiro. Para Pires de Lima e Antunes Varela 3 , este regime de efeitos fica “ a meio termo entre a resolução e a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa”. 3. Afastando-se daquele regime comum, e subsidiário, de revogação vinculada, o art. 1765º/1 prevê a livre revogabilidade, não carecendo o doador de motivar ou fundamentar a revogação; é o regime também designado por revogabilidade ad nutum( a um aceno ou a um sinal) ou ad libitum( a bel-prazer). À opção legal pela livre revogabilidade costuma a doutrina apontar as mesmas razões que estão na base da opção legal pelo regime da imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens resultante da lei: fundamentalmente o risco de um dos cônjuges se aproveitar do ascendente psicológico sobre o outro e os interesses de terceiros. Como referem os autores anteriormente indicados 4 , “O facto de o Código português não ter enfileirado entre os diplomas que recusam validade às doações entre casados não significa que o legislador tenha omitido ou subestimado as razões que minam a força de tais liberalidades e que são, no fundo, as mesmas que fundamentam o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais”. 4. Não incluindo a Secção do CC que trata da doação entre casados qualquer disposição que se refira aos efeitos da revogação e sendo subsidiário o regime comum das doações, importa aferir se do facto de a revogabilidade ser livre e poder ser exercida a todo o tempo, sem que seja lícito ao doador renunciar a este direito, é possível retirar um sentido interpretativo que se traduza em dar por afastada a aplicação do regime dos art.s 978º 979º . 3 In Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª Ed., pág. 298. 4 Ob. Cit., Vol.IV, pág. 485. Isto é: que natureza tem o regime da livre revogabilidade em relação à doação? 4. 1. Há que assinalar, desde logo, que se a intenção da lei foi conferir à livre revogabilidade da doação entre casados a natureza de condição resolutiva (legal), é admissível que se considere que expressou essa intenção de forma imperfeita, já que incluiu na remissão do art. 1761º as regras dos artigos 978º e 979º, das quais não resulta atribuída tal natureza à comum revogação da doação, sendo certo que a Secção relativa às doações entre casados é omissa quanto aos efeitos da revogação. Tal circunstância não deve, no entanto, ser dada à partida por determinante, já que pode vir a resultar dos restantes elementos interpretativos que foi efetivamente aquele o pensamento legislativo e que o mesmo é apesar dela suportado por “um mínimo de correspondência verbal”( art. 9º/2 ), interpretando a remissão como tendo caráter amplo e genérico, mediante a utilização disposição inicial(art. 940º) e a disposição final( art. 979º) do Capítulo da dedicado ao contrato de doação( Capítulo II, do Título II, do Livro II do CC). 5. Já na vigência do Código Civil de Seabra, cujo regime, nos pontos aqui mais pertinentes, transitou para o CC atual, a resposta dada à questão não era pacífica. 5.1. A Procuradoria-Geral da República, embora a propósito de questão fiscal - saber qual o momento da transmissão para efeitos de liquidação do imposto sobre sucessões e doações - abordou a questão nos seguintes termos: “ Esta revogabilidade funcionará dentro do negócio jurídico como condição resolutiva? Em rigor, não. É que a condição resolutiva é uma cláusula acessória dos negócios jurídicos que tem de ser introduzida pela vontade das partes 5, e nas doações entre casados o facto futuro e incerto – revogação pelo doador – deriva diretamente da lei. Nem sequer pode dizer-se, para o efeito de poder considerá-lo convencional, que os outorgantes tenham aderido ao regime da revogação estabelecido no art. 1181º6, porque este é imperativo, não pode ser afastado por cláusula em contrário e é irrelevante estipulá-lo no contrato to de doação. 5 Art. 680º, hoje art. 270º. 6 Hoje art. 1765º. Também não constitui uma conditio juris, porque ficando a doação imediatamente perfeita e operando-se ipso facto a transmissão dos bens doados, a revogação não é um pressuposto da existência da doação. (…) Também não se está perante uma condição meramente potestativa, apesar de a revogação depender inteiramente do arbítrio do doador, porque nem a existência nem sequer a eficácia imediata do contrato ficam em suspenso. Esta impossibilidade de integrar a revogabilidade nos quadros clássicos das cláusulas acessórias dos negócios jurídicos ou das conditiones júris não impede que a aproximemos das condições resolutivas, na medida e só na medida em que estamos perante uma produção imediata de efeitos – transferência dos bens para o donatário – sujeita a haver-se por desfeita desde um facto futuro e incerto dependente da vontade do doador”. (…) Trata-se efetivamente de um regime especial cujos efeitos coincidem com os das condições resolutivas.” O parecer dava por afastada a aplicação do regime comum da revogação da doação e, embora não atribuísse ao regime da revogabilidade das doações entre casados a natureza de condição resolutiva em sentido próprio, conferia-lhe os mesmos efeitos. 5.2. Já Cunha Gonçalves7 considerava que “(…) a) o exercício da faculdade de revogação não é uma condição resolutiva propriamente dita, porque não é por efeito da convenção que as cousas regressam à situção anterior; é por efeito da lei, inspirada em motivos de ordem pública; b(…)nos termos do art. 16º 8, sendo omissa a lei, temos de recorrer a casos análogos nela previstos; e, no presente caso, a analogia encontra-se nos ars. 1484º e 1485º 9, que tratam da revogação da doação em casos especiais, que estão compreendidos na amplitude do art. 1181º, e não no art. 680º, que só trata da condição resolutiva convencionada, antecipadamente aceite pelo contraente que a estipulou, enquanto que o donatário nunca espera a surpresa da revogação do benefício que lhe fora feito”. Ao contrário do indicado parecer, este autor retirava da natureza imprópria da condição resolutiva, por falta de convenção, a inaplicabilidade do 7 In Tratado de Direito Civil, Vol. VI, pág. 759. 8 Hoje art. 10º. 9 Hoje artigos 978º e 979º. regime de efeitos da condição resolutiva (própria), dando por aplicável o regime comum da revogação da doação. 6. Já na vigência do atual CC, a questão é igualmente controvertida. 6.1. Pires de Lima e Antunes Varela 10 retiram da referida inexistência de norma própria e da consideração de que “ não há nenhuma razão suficientemente forte para impedir que à revogação livremente exercida pelo doador no caso da doação entre cônjuges, se apliquem as normas definidoras das efeitos da revogação vinculada, quanto ao comum das doações”, o entendimento de que se aplica, “em princípio”, o regime constante dos artigos 978º e 979º. 6.2. Diverso é o entendimento de Guilherme de Oliveira, entre cônjuges dependentes 11 Francisco Pereira Coelho e que defendem que “(…) pode dizer-se que as doações produzem imediatamente os seus efeitos mas estes ficam de uma condição resolutiva legal (a revogação pelo doador), cuja verificação opera retroactivamente, de um modo geral. Um regime em face do qual se vê bem como é precária, na verdade a situação do donatário nas doações entre cônjuges: revogada a doação, a qualquer tempo, os bens doados revertem para o doador livres de quaisquer encargos que o donatário tenha constituído sobre eles”. 7. Como já realçamos, a letra da norma remissiva (art.1761º), conjugada com a ausência de norma própria que expressamente se refira aos efeitos da revogação da doação entre casados, parece à partida apontar no sentido de dar por aplicável o regime comum da revogação da doação. A divergência doutrinal que, de forma não esgotante, procurámos evidenciar, permite perceber como é complicada a tarefa de dar resposta à questão em tabela, a qual passa nomeada e necessariamente por averiguar do sentido que emana das normas que, embora não se referindo expressamente àqueles efeitos, constituem especificidade em relação ao regime da doação a “estranhos”. 7.1. Como ponto de partida, importa referir que não existe norma que dê a doação entre casados por incondicionável, nem da sua natureza resulta incompatibilidade com a incerteza da sua eficácia, que impeçam as partes de a condicionar resolutivamente, para efeito do disposto no art. 270º. E se resultar da lei que a doação entre casados fica condicionada resolutivamente pela incerteza de futura revogação pelo doador? Deixará a doação 10 Ob. cit. , Vol. IV, pág. 495. 11 In Curso de Direito de Família, Vol. I, 2ª Ed., pág. 462. de ficar condicionada pelo facto de doador e donatário não o terem expressamente convencionado? Isto é, se for de se considerar que a livre revogabilidade é pressuposto legal (conditio iuris12) da celebração de doação entre casados, como inequivocamente é, e que resulta da lei que a resolução dos efeitos da doação fica retroactivamente subordinada a essa revogação, estará impedida a consideração da mesma doação como condicional, pelo facto de as partes não o terem convencionado? Afigura-se-nos que não; a livre revogabilidade será pressuposto da celebração do contrato – o que assegura o mínimo de “convencional” assumirá simultaneamente e natureza resolutiva( legal). Mesmo que se entenda que aquele mínimo não permite considerá-la uma condição em sentido próprio, isso só por si não impedirá que se lhe atribuam os mesmos efeitos. Pacífico é o facto de que a livre revogabilidade não constitui condição suspensiva do contrato de doação. 7.2. Como referem alguns autores13, as doações entre casados perderam grande parte da sua utilidade, a partir do momento em que o cônjuge passou a ser herdeiro legitimário, na mesma classe que os descendentes, já que anteriormente, porque assim não acontecia, elas visavam sobretudo efeitos “quase sucessórios”. A finalidade remuneratória ou compensatória é igualmente apontada pela doutrina como motivação da opção legal da admissibilidade das doações entre casados, em desfavor do que imporia o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais e do regime de bens resultante da lei. Mas a lei procurou compensar aquela cedência, com a consagração de um regime de extinção totalmente distinto do regime comum das doações, determinando a livre revogabilidade, a todo o tempo, por parte do doador, o qual não pode renunciar a esse direito (art. 1765º), e prevendo casos de caducidade da doação (art. 1766º). 12 Heinrich Ewald Hörster, In A Parte Geral do Código Civil Português, vol. I, pág.491, refere que: “A condição é uma elemento querido pelas partes, acrescentado ao negócio. Por ser voluntária, ela distingue-se das «condições legais» ( conditio iuris) que não são condições verdadeiras, mas exigências da lei como pressupostos para a verificação de determinados efeitos jurídicos( ver, por ex. os arts 687º e 1669º)”. 13 V.g. Rita Lobo Xavier, in Limites À Autonomia Privada Na Disciplina Das Relações Patrimoniais Entre Os Cônjuges, pág.s 207 e 208. A morte do doador é o limite temporal de exercício do direito da revogação, já que o mesmo não se transmite aos seus herdeiros. Falecendo o donatário antes do doador, a doação só não caduca se for confirmada por aquele no prazo legalmente previsto. Se o casamento for declarado nulo ou for anulado ou se for dissolvido por divórcio ou separação judicial de pessoas e bens por culpa do donatário a doação caduca. No caso da doação comum a revogação é vinculada (por ingratidão) e o direito de revogação tem que ser exercido judicialmente e dentro de determinado prazo (art. 976º) e não está prevista a caducidade do contrato. 7.3. Afigura-se-nos, naturalmente com dúvidas, ser de acompanhar a indicada doutrina de Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira 14 - que, no fundo (no plano dos efeitos, já não no dos conceitos) já tinha sido a defendida no mencionado parecer da Procuradoria Geral da República, na vigência do Código Civil de Seabra - , no sentido de que se trata de uma condição resolutiva (legal), potestativa15. 8. O registo de aquisição causado por negócio jurídico sujeito a condição resolutiva não pode omitir a existência da condição, porque a isso obriga o efeito da verificação da condição quanto a terceiros, conjugado com a finalidade conferida por lei ao registo predial, da qual decorrem os princípio da oponibilidade a terceiros, da presunção e da prioridade (art.s 1º, 5º , 6º e 7º do Código do Registo Predial(C.R.P.)). O registo da condição resolutiva própria (cláusula resolutiva) está previsto no art. 94º/b) do C.R.P.. In casu trata-se de condição resolutiva imposta por lei (condição resolutiva legal), compreendida no regime legal da doação entre casados, situação que não cabe na previsão do dito art. 94º, cabendo ao registo publicitar que se tratou dessa 14 Os quais, coerentemente com a natureza que atribuem à livre revogabilidade, defendem a invalidade de cláusula de não rectroactividade da revogação( ob. e local cit.). 15 Utilizando uma das classificações das condições utilizadas por Mota Pinto, in Teoria geral do Direito Civil, 4ª ed., pág.565, subdividindo-as em potestativas, casuais e mistas. subespécie do contrato de doação, sendo suficiente que traduza essa 16 circunstância . No mesmo sentido se pronunciou a recorrente, alegando que decorrendo a livre revogabilidade imperativamente da lei, “o terceiro adquirente de um imóvel anteriormente adquirido por quem o recebeu do seu cônjuge, sabe que está a adquirir um direito que pode a todo tempo ser revogado (…) porque é público que esse imóvel foi adquirido por doação entre casados, publicidade essa dada pelo registo”, não podendo invocar a seu favor a ignorância ou má interpretação da lei (art.6º do Código Civil). Mas terá sido na convicção de que não bastaria a menção do estado civil no registo de aquisição efetuado com base na doação que num dado momento (antes da revogação e precisamente na data em que o donatário vendeu o prédio e a fração autónoma à sociedade unipessoal) a recorrente pediu alteração da inscrição, no sentido de publicitar o regime da livre revogabilidade, a qual veio a ser recusada (cfr. último parágrafo do ponto 1 do relatório supra), com o argumento de que esse regime decorre da lei. Acontece que para a recorrida o regime que decorre da lei é um e para a recorrente é outro, e daí a impugnação da qualificação do registo como provisório por natureza. 9. Tratando-se, como defendemos, de uma doação sujeita a condição resolutiva (legal), a verificação da condição (revogação), com eficácia retroativa, é tabularmente traduzida no cancelamento da inscrição17 a favor do donatário e não numa inscrição de aquisição, como foi pedido pela recorrente. Essa circunstância não deve, no entanto, constituir obstáculo à procedência da impugnação, assim como não o teria constituído à oportuna convolação do pedido; haverá agora que proceder à devida adequação, “transformando” o registo de aquisição em averbamento de cancelamento. 16 O que não quer dizer que consideremos má prática a de acrescentar a menção de que se trata de doação entre casados, permitindo uma mais imediata perceção do regime manifestado pela identificação dos sujeitos. Não acompanhamos, assim, Rita Lobo Xavier, ob. cit., pág, 619, que defende que o regime deve ser publicitado “através da menção e registo do «ónus» da livre revogabilidade”, entendimento a que falta cobertura legal, tanto no plano do direito substantivo como no do direito registral. 17 dos Solos. Cfr. Pº C.P. 31/97 DSJ-CT, in BRN nº 6/98(II), a propósito da reversão no âmbito da Lei 10. A eficácia retroativa da revogação não afeta unicamente o registo de aquisição a favor do donatário, mas também o registo de aquisição efetuado com base na venda feita, igualmente sob a mesma condição, pelo donatário a terceiro, ou seja o registo que determinou a qualificação desfavorável. Mas, a não poder (dever) ser oficiosamente cancelada a inscrição a favor do terceiro, existiria uma obstáculo no plano do princípio do trato sucessivo – que nesta concreta manifestação mais rigorosamente se poderá designar por “trato regressivo” - já que com a procedência da impugnação retomaria vigência a inscrição a favor do doador e se manteria igualmente em vigor a inscrição de aquisição a favor daquele terceiro. Ora, afigura-se-nos que a especialidade da situação permite dá-la por incluída na previsão de oficiosidade do art. 97º/1 do C.R.P., ainda que esta norma se refira a registo oficioso de extinção de facto que acompanhe registo de aquisição ou mera posse, já que a primeira extinção tem o efeito de fazer ressurgir uma anterior inscrição de aquisição. Em consonância com o exposto, propomos a procedência da impugnação, retirando as seguintes Conclusões 1. A doação entre casados tem como pressuposto (conditio iuris) a livre revogabilidade, a todo o tempo da vida do doador, sendo a faculdade de revogação irrenunciável (art. 1765º do C.C.). 2. A existência daquele pressuposto e aquele regime de revogabilidade conferem à doação entre casados a natureza de negócio jurídico sujeito a condição resolutiva (legal), o que afasta a aplicação subsidiária (genericamente prevista no art. 1761º do C.C.) do regime da revogação de doação entre não casados, por ingratidão, previsto nos artigos 978º e 979º do C.C. e torna aplicável o regime dos art.s 274º a 276º do C.C.. 3. A sujeição àquele regime legal da doação entre casados é registralmente manifestada pela conjugação da causa da aquisição com a identificação dos respetivos sujeitos como casados um com o outro. 4. Cabe na previsão do nº 1 do art. 97º do C.R.P. a extinção da aquisição a favor de terceiro, decorrente do registo de cancelamento da inscrição de aquisição a favor do donatário, efetuado com base na revogação da doação entre casados. Parecer aprovado em sessão do Conselho Técnico de 22 de novembro de 2012. Luís Manuel Nunes Martins, relator, António Manuel Fernandes Lopes, Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, Maria Madalena Rodrigues Teixeira, José Ascenso Nunes da Maia. Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Diretivo em 08.01.2013.