Universidade Federal da Bahia Instituto de Letras Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística Curso de Doutorado em Letras CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E SOCIEDADE por NORMA DA SILVA LOPES Orientadora: Profa. Dra. Myrian Barbosa da Silva Salvador 2001 2 Universidade Federal da Bahia Instituto de Letras Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística Curso de Doutorado em Letras CONCORDÂNCIA NOMINAL, CONTEXTO LINGUÍSTICO E SOCIEDADE por NORMA DA SILVA LOPES Orientadora: Profa. Dra. Myrian Barbosa da Silva Co-orientadora: Profa. Dra. Maria Marta Pereira Scherre Tese de Doutoramento apresentada ao Programa de Pós-Graduação de Letras e Linguística do Instituto de Letras da Um iversidade Federal da Bahia, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Doutor em Letras. Salvador 2001 3 A Deus e ao mundo espiritual, que me deram condições para a elaboração deste trabalho, Aos meus pais, Jaime e Julita, pela base, Aos meus filhos, Alessandra, Maurício e Mariana, pela paciência de saber esperar. 4 AGRADECIMENTOS Ao Dr. Alan Norman Baxter, pela orientação deste trabalho durante a realização da Bolsa Sanduíche, em Macau, pela confiança na minha produtividade, pela amizade e disponibilidade, de papel decisivo no percurso de elaboração desta tese. À Dra. Myrian Barbosa da Silva, pela orientação recebida, imprescindível à elaboração deste trabalho, além da atenção dispensada durante todo o curso. À Dra. Maria Marta Pereira Scherre, pela disponibilidade, pela atenção, pela orientação e por todo o carinho com que passou a sua experiência sobre a concordância. À Dra. Rosa Virgínia Mattos e Silva, pelo encorajamento, desde o início do curso, tendo servido de ponto de partida para muitas das ações que levaram à apresentação desta tese. A Emília Helena Portella Monteiro de Souza, Constância Maria Borges de Souza e Olímpia Ribeiro de Santana, amigas de muitos anos, pela companhia e apoio constantes. A Maria Cristina Burgos de Paula por ter servido de veículo de tantos ensinamentos. 5 Aos meus pais, Jaime Teixeira Lopes e Julita da Silva Lopes, e aos meus irmãos Antônio Alberto, Jaime, Maria Ângela, Emanuel Carlos, Marlene, Carlos Antônio e Marco Antônio, por terem suportado, com paciência, a minha ausência. À Universidade do Estado da Bahia pela minha liberação para a realização da Bolsa Sanduíche e pela compreensão e colaboração durante os anos de curso. Ao CNPQ, por ter possibilitado a realização da Bolsa Sanduíche, em Macau, na China, que foi um marco de grande importância no percurso da elaboração desta tese. À Dra Maria Antónia Espadinha, diretora do Departamento de Língua Portuguesa da Universidade de Macau, pela confiança, apoio e atenção dispensados durante a minha atividade naquela instituição. Aos meus alunos, amigos de hoje e de sempre, que vibram com cada uma das minhas conquistas. 6 SINOPSE Análise da relação entre estrutura lingüística dos enunciados, características sociais dos falantes, procedência étnica dos diversos grupos e a variação da concordância de número entre os elementos flexionáveis do sintagma nominal em Salvador, Bahia. Estabelecimento da conexão entre a constituição do povo, a aquisição de língua e a variação da concordância no português brasileiro. 7 SUMÁRIO Índice das Tabelas e Quadros Abreviaturas Índice dos Gráficos Introdução 1. A Formação do Português do Brasil 1. 1 Introdução 1. 2 A hipótese da língua crioula 1. 3 Os lingüistas atuais 1. 4 As controvérsias 1. 5 Um pouco sobre a Cidade do Salvador, a região de estudo 1. 5. 1 Contexto sócio-histórico 1. 5. 2 Considerações finais 1. 6 Português europeu e português brasileiro: uma ou duas línguas? 1. 7 Conclusões 2. Pressupostos teórico-metodológicos 2. 1 Fundamentação teórica 8 2. 1. 1 Linhas gerais da sociolingüística variacionista 2. 1. 2 A aquisição 2. 1. 2. 1 A aquisição em condições especiais de movimentação populacional 2. 1. 3 Competição de gramáticas e mudança lingüística 2. 2 Aspectos Metodológicos 2. 2. 1 Constituição da amostra 2. 2. 2 Realização dos inquéritos PEPP 2. 2. 3 Dados sociais dos informantes 2. 2. 4 Descrição das variáveis independentes 2. 2. 4. 1 Formação de plural 2. 2. 4. 2 Tonicidade 2. 2. 4. 3 Posição linear 2. 2. 4. 4 Categoria morfológica 2. 2. 4. 5 Grau dos substantivos e adjetivos 2. 2. 4. 6 Posição relativa 2. 2. 4. 7 Marcas precedentes 2. 2. 4. 8 Contexto fonológico subseqüente 2. 2. 4. 9 A coexistência com o Tudo 9 2. 2. 4. 10 Escolaridade 2. 2. 4. 11 Gênero 2. 2. 4. 12 Faixa etária 2. 2. 4. 13 Tempo 2. 2. 4. 14 Etnia (a partir dos sobrenomes) 2. 3 Suporte computacional: o Varbrul 3. Análise dos dados: a década atual 3. 1 Variáveis sociais 3. 1. 1 Escolaridade 3. 1. 2 Gênero 3. 1. 3 Faixa etária (Tempo aparente) 3. 1. 4 Tempo (Tempo real) 3. 1. 5 Etnia (a partir dos sobrenomes) 3. 2 Variáveis lingüísticas 3. 2. 1 Saliência fônica 3. 2. 1. 1 Processos de formação de plural 3. 2. 1. 2 Tonicidade e número de sílabas 3. 2. 1. 3 A saliência, análise geral 3. 2. 1. 4 A saliência – Grupos POP e UNI 10 3. 2. 1. 5 Saliência – Grupos de escolaridade 3. 2. 1. 6 Saliência – Grupos de sobrenome 3. 2. 1. 7 A Saliência nos substantivos, adjetivos e categoria substantivadas 3. 2. 2 Posição linear 3. 2. 3 Classe gramatical 3. 2. 4 Classe gramatical e Posição 3. 2. 5 Classe, Posição linear e Posição relativa 3. 2. 5. 1 Classe, Posição linear e Posição relativa e concordância – Todos os dados 3. 2. 5. 2 – Classe, posição linear e posição relativa e concordância nos Grupos POP e UNI 3. 2. 5. 3 Classe, Posição linear e Posição relativa – Grupos de escolaridade 3. 2. 5. 4 Classe, Posição linear e Posição relativa – Grupos de sobrenomes 3. 2. 5. 5 - Conclusões 3. 2. 6 Grau 3. 2. 7 Marcas precedentes 3. 2. 7. 1 Marcas precedentes – Todos os elementos 3. 2. 7. 2 Marcas precedentes – Grupos POP e UNI 11 3. 2. 7. 3 Efeito da variável Marcas precedentes na concordância dos grupos diferentes de escolaridade 3. 2. 7. 4 Efeito da variável Marcas precedentes na concordância dos grupos diferentes de sobrenome 3. 2. 8 Contexto fonológico subseqüente 3. 2. 8. 1 Contexto fonológico subseqüente – Análise geral, separando itens de plural regular e itens terminados em -/s/ 3. 2. 8. 2 Contexto fonológico subseqüente aos itens de plural regular – Grupos POP e UNI 3. 2. 8. 3 Contexto fonológico subseqüente na concordância e escolaridade. A tabela 63 apresenta os resultados de análises de cada nível de escolaridade, feitas separadamente 3. 2. 8. 4 Contexto fonológico posterior – Grupos de sobrenomes 3. 2. 9 Coexistência com o Tudo 3. 2. 9. 1 A variável coexistência com tudo – Todos os dados 3. 2. 9. 2 A variável coexistência com tudo – Grupos de escolaridade 3. 2. 9. 3 Efeito da variável coexistência com tudo na concordância dos grupos de sobrenome 3. 3 A Concordância Nominal em quatro variedades 12 3. 3. 1 – Comparação entre o efeito da Saliência Fônica na concordância em Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul 3. 3. 2 - Comparação entre o Efeito da Classe, posição linear e relativa na concordância em Salvador, no Rio de Janeiro, em João Pessoa e na Região Sul 3. 3. 3 – Efeito da variável Marcas precedentes sobre a concordância em Salvador, no Rio de Janeiro, na Paraíba e na Região Sul 3. 3. 4 – Efeito da variável Contexto fonológico subseqüente sobre a concordância em Salvador, no Rio de Janeiro, na Paraíba e na Região Sul 3. 3. 5 Conclusões 4. Conclusões finais 5. Bibliografia 13 ÍNDICE DE TABELAS E QUADROS Número da Tabela 01 Título da Tabela Página Distribuição dos tipos de sobrenomes entre os níveis de 154 escolaridade 02 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função 162 da Escolaridade 03 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função 163 do Gênero 04 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função 165 do Gênero e da Escolaridade 05 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função 169 da Faixa Etária 06 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função 171 da Faixa etária e do Gênero 07 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função 173 da Faixa etária e da Escolaridade 08 Taxas de concordância em função da Faixa etária e do Tempo 179 – Dados do NURC 70 e NURC 90 09 Taxas de concordância em função do Tempo real – Dados dos 180 Universitários 10 Efeito da variável tempo entre os grupos de gêneros 182 14 11 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função 183 do sobrenome – amostra geral 12 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função 184 dos Sobrenomes – Apenas os dados dos falantes de escolaridade Fundamental e Média, sem os dados dos universitários (apenas o grupo POP) 13 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função 185 dos Sobrenomes – apenas o grupo da última faixa etária: POP4 14 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função 187 da Faixa etária – Comparação entre os grupos de sobrenome 15 Taxas de uso da concordância no sintagma nominal em função 191 do Sobrenome e da Escolaridade 16 Dados comparativos entre a fala iletrada e a letrada do Rio de 197 Janeiro e textos medievais portugueses 17 Efeito dos Processos de Formação de Plural sobre a 201 concordância 18 Efeito da tonicidade na concordância 206 19 Efeito da tonicidade na concordância – Sem os Monossílabos 208 de uso átono 20 Processos de formação de plural e Tonicidade 210 21 Efeito da saliência fônica (resultante do cruzamento das 213 variáveis Processos de formação de plural e Tonicidade) na concordância de número no sintagma nominal 15 22 Efeito da Saliência Fônica sobre a concordância – Comparação 215 entre o Português Popular (POP) e o Universitário (UNI) 23 Efeito da Saliência Fônica na concordância da última faixa etária dos grupos do Português Popular – POP 4 – e 219 do Português Universitário – UNI 4 24 Efeito da Saliência fônica nos três níveis de escolaridade 223 25 Efeito da Saliência na concordância – Comparação entre os 226 grupos de sobrenomes 26 Efeito da Saliência na concordância dos grupos de sobrenome 229 de nível de escolaridade Fundamental 27 Efeito da Saliência na concordância dos grupos de sobrenome 230 de nível de escolaridade Médio 28 Efeito da Saliência na concordância – Análise apenas com 235 Substantivos, Adjetivos e Categorias substantivadas – Análise Geral 29 Efeito da Saliência fônica na concordância nominal das classes 236 dos Substantivos, Adjetivos e Categorias substantivadas – Comparação entre o Português Popular (POP) e o Universitário (UNI) 30 Saliência fônica nos substantivos e adjetivos – Grupos POP e 239 UNI, considerando apenas a última faixa etária (POP 4 e UNI 4) 31 Efeito da Saliência na concordância dos substantivos, adjetivos e categorias substantivadas – Grupos de sobrenome 241 16 32 Efeito da Posição linear sobre a concordância no sintagma 245 nominal – Todos os dados 33 Efeito da Classe gramatical na concordância 248 34 Classe gramatical e Posição linear – Distribuição das classes 250 nas diversas posições 35 Classe gramatical associada à Posição linear na concordância – 252 Freqüência 36 Efeito da Classe, posição linear e posição relativa – Análise 256 geral 37 Efeito da Classe, posição linear e posição relativa – Todos os 259 dados, observando a adjacência ao núcleo e detalhando a posição linear dos elementos não nucleares à direita do núcleo 38 Efeito da Classe, posição linear, posição relativa nos grupos 269 POP e UNI 39 Efeito da Classe, posição linear e posição relativa na 272 concordância dos grupos POP4 e UNI4 40 Efeito da Classe, posição linear, posição relativa na 276 concordância dos grupos com níveis diferentes de escolaridade 41 Classe, posição linear, posição relativa / Comparação entre o 280 efeito da variável entre os grupos de sobrenomes 42 Efeito da variável Grau sobre a concordância – Todos os dados 284 43 Efeito da variável Grau na Concordância (juntando itens de 286 classes diferentes nos graus aumentativo e diminutivo) 17 44 Posição dos Substantivos, Adjetivos e Categorias 287 Substantivadas nos graus Normal, Aumentativo e Diminutivo 45 Efeito da variável Grau sobre a concordância, independente da 288 classe gramatical 46 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos 291 elementos em segunda posição 47 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos 294 elementos em 3a, 4a ou quinta posições 48 Efeito das marcas precedentes na concordância dos elementos 297 em 2a posição/ com amalgamação de fatores 49 Efeito das marcas precedentes na concordância / com 298 amalgamação de fatores – 3a, , 4a ou quinta posições 50 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos 299 grupos POP e UNI – 2a posição 51 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos 300 grupos POP e UNI – 3a ou outra posições 52 Efeito das marcas precedentes na concordância dos itens em 2a 302 posição dos grupos POP 4 e UNI 4 53 Efeito das marcas precedentes na concordância dos itens em 3 ª 303 ou outra posições dos grupos POP 4 e UNI 4 54 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens 305 em segunda posição nos grupos de escolaridade diferente 55 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens 306 18 em 3a, 4a ou 5a posições dos grupos de escolaridade diferente 56 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens 307 em segunda posição dos grupos diferentes de sobrenome 57 Efeito da Marcas precedentes sobre a concordância dos itens 308 em 3ª ou outra posições dos grupos de sobrenome diferente 58 Efeito do Contexto fonológico subseqüente sobre a 312 subseqüente sobre a 313 concordância – Análise inicial 59 Efeito do Contexto fonológico concordância – Análise inicial amalgamando Final interno e Final de sentença 60 Efeito do Contexto subseqüente na concordância, análise 315 inicial, considerando a sonoridade da consoante 61 Efeito do contexto fonológico subseqüente na concordância 318 em Itens de plural regular e Itens em -/s/, considerando a sonoridade da consoante subseqüente –– Análise geral 62 Efeito do Contexto subseqüente aos itens de plural regular na 321 concordância dos grupos POP e UNI 63 Efeito do Contexto subseqüente na concordância dos itens de 323 plural regular dos grupos de escolaridade diferente 64 Efeito da Contexto fonológico subseqüente sobre a 325 concordância dos itens de plural regular dos grupos de Sobrenome 65 Efeito da Coexistência com o Tudo no valor de todos, todas, na concordância entre os outros elementos do sintagma - Análise 335 19 sem os universitários. 66 Efeito da Coexistência com o Tudo, na concordância entre os 337 outros elementos do sintagma, separando-se os níveis Fundamental e Colegial 67 Efeito da Coexistência com o Tudo na concordância dos 339 grupos de sobrenome no nível Fundamental e o português dos Tongas 68 Efeito da Coexistência com o Tudo na concordância dos 341 grupos de sobrenome de escolaridade Média 69 Efeito da variável Saliência fônica na concordância em 345 Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul 70 Efeito da Classe e posição na concordância em Salvador e no 349 Rio de Janeiro, considerando a adjacência em elemento à esquerda do núcleo 71 Efeito da Classe e posição na concordância em Salvador, Rio 352 de Janeiro e Região Sul - Considerando a posição linear (não a adjacência) nos elementos à esquerda do núcleo 72 Efeito da Classe, posição linear e relativa na concordância em 354 Salvador e em João Pessoa - Considerando a posição do elemento à esquerda do núcleo (não a adjacência ao núcleo) 73 Efeito da variável Marcas precedentes sobre a concordância de 357 elementos em segunda posição – Comparação entre resultados do POP/Salvador, do Rio de Janeiro e da Região Sul 74 Efeito da variável Marcas precedentes sobre a concordância de 359 20 elementos em 3a, 4a ou 5a posições em Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul 75 Efeito da variável Marcas precedentes na concordância dos 360 elementos de segunda posição em Salvador e em João Pessoa 76 Efeito da variável Marcas precedentes na concordância dos 362 elementos de 3a, 4a ou 5a posições em Salvador e em João Pessoa 77 Efeito da variável Contexto fonológico subseqüente em 364 Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul 78 Efeito do Contexto subseqüente na concordância em Salvador 366 e em João Pessoa Número do Quadro 01 Título do Quadro Página Distribuição da população de Salvador pela cor em 1808 e 1872 63 (em %) 02 Demonstrativo geral dos inquéritos da amostra atual 118 03 Processos de Formação de plural: fatores 128 04 Tonicidade: fatores 130 05 Posição linear no sintagma: fatores 131 06 Categoria morfológica: fatores 133 07 Posição relativa ao núcleo: fatores 135 21 08 Grau dos substantivos e adjetivos: fatores 136 09 Marcas precedentes: fatores 138 10 Contexto fonológico subseqüente: fatores 139 11 A coexistência com o Tudo: fatores 142 12 Escolaridade: fatores 143 13 Gênero: fatores 143 14 Faixa etária: fatores 143 15 Tempo: fatores 144 16 Tipos de sobrenome: fatores 144 17 Tipos de sobrenomes adotados por escravos alforriados nos 148 séculos XVIII e XIX 22 ABREVIATURAS A aum Adjetivo em grau aumentativo A dim Adjetivo em grau diminutivo A normal Adjetivo em grau normal Adj Elemento adjacente ao núcleo. Adjetivo 1 Adjetivo assim considerado pela gramática normativa. Adjetivo 2 Alguns elementos não nucleares que são considerados indefinidos pela gramática normativa que trazem informação restritiva, como determinados, certos, mesmos. À dir. Elemento não nuclear à direita do núcleo À esq. Elemento não nuclear à esquerda do núcleo C sonora Consoante sonora C surda Consoante surda CV Consoante/Vogal D2, D3, D4, D5 Elemento não nuclear à direita do núcleo, na 2a, 3a, 4a ou 5a posições D Duplo F Escolaridade Fundamental H2C21 Essa seqüência identifica o informante: H/M: 23 Homem ou Mulher; 1, 2, 3, 4: Faixas etárias de 15 a 24 anos; 25 a 35 anos; 45 a 55 anos ou acima de 65 anos; F/C/U escolaridade Fundamental, Colegial ou Média, Universitária ou Superior. Em seguida, informa-se o número do inquérito. Irr. Plural irregular J. Pessoa João Pessoa L1 Primeira língua L2 Segunda língua M Escolaridade Média Mon. Át. Monossílabo de uso átono N0_ Numeral e zero antecedentes N1, N2, N3, N4, N5 Elemento nuclear em 1a, 2a, 3a, 4a ou 5a posições NNs(N)_ Numeral de mais de uma palavra, com -/s/ final, antecedente. NN(N)_ Numeral de mais de uma palavra, sem -/s/ final, antecedente. NS_ Numeral e marca antecedentes. NURC 70/90 Projeto Norma Urbana Culta (década de 70 ou década de 90) 0S_ Zero e marca antecedentes. 24 Ox. Oxítono Parox. Paroxítono P1, P2, P3, P4 ou P5 1a, 2a, 3a, 4a ou 5a posições PEPP Programa de Estudo do Português Popular de Salvador P. final Pausa final P. interna/P. int. Pausa interna PLD Dados lingüísticos primários POP Português Popular de Salvador POP 4 Português Popular de Salvador, acima de 65 anos P. R. Peso relativo Prop. Proparoxítono Reg. / R. Plural regular R. J. Rio de Janeiro S Escolaridade Superior S0_ Marca de plural e zero antecedentes Sign. Significância S aum Substantivo em grau aumentativo S dim Substantivo em grau diminutivo 25 SM_ Marca e modificador antecedentes SN_ Marca e numeral antecedentes S nor Substantivo em grau normal S0M_ Marca, zero e modificador antecedentes SS_ Duas marcas antecedentes SSA Salvador SSM_ Marcas e modificador antecedentes Subs. Substantivo Ton. Tônico UNI Português universitário de Salvador UNI 4 Português universitário de Salvador, acima de 65 anos Vog. Vogal 26 ÍNDICE DOS GRÁFICOS Número do Gráfico Título do Gráfico Página 01 Distribuição dos sobrenomes no nível Fundamental 154 02 Distribuição dos sobrenomes no nível Médio 155 03 Distribuição dos sobrenomes no nível Superior 155 04 Efeito da Escolaridade na concordância 162 05 Efeito do Gênero na concordância 164 06 Efeito das variáveis Escolaridade e Gênero, associadas, sobre 166 a concordância 07 Efeito da Faixa etária sobre a concordância 170 08 Efeito da Faixa etária e Gênero sobre a concordância 172 09 Efeito da Faixa etária e da Escolaridade sobre a concordância 174 10 Efeito do Tempo aparente e Tempo real na concordância 180 11 Efeito do Tempo real na concordância 181 12 Efeito do Tipo de sobrenome na concordância 183 13 Efeito do Tipo de sobrenome na concordância - POP 184 14 Efeito do Tipo de sobrenome na concordância POP4 186 15 Efeito da Faixa etária e Tipo de sobrenome na concordância 188 27 16 Efeito da variável Sobrenomes na concordância dos níveis 192 Fundamental e Média 17 Taxas de uso da concordância em função dos Processos de 202 formação de plural 18 Taxas de uso da concordância em função da Tonicidade 206 19 Efeito da Saliência fônica na concordância – Análise Geral 214 20 Efeito da Saliência na concordância dos grupos POP e UNI 216 21 Efeito da Saliência na concordância - POP 4 e UNI 4 220 22 Efeito da Saliência na concordância - Grupos de escolaridade 224 23 Efeito da Saliência na concordância - Grupos de sobrenome 227 24 Efeito da Saliência fônica na concordância dos grupos de 230 sobrenome de nível Fundamental 25 Efeito da Saliência fônica na concordância dos grupos de 232 sobrenome de escolaridade Média 26 Efeito da Saliência na concordância dos grupos POP e UNI - 237 apenas substantivos, adjetivos e categorias substantivadas 27 Efeito da Saliência na concordância dos grupos POP4 e UNI4 240 – apenas substantivos, adjetivos e categorias substantivadas 28 Efeito da Saliência na concordância dos substantivos, 242 adjetivos e categorias substantivadas nos grupos de Sobrenome 29 Efeito da Posição linear na concordância 246 28 30 Efeito da Classe, posição linear e posição relativa na 257 concordância 31 Efeito da Classe, posição linear e posição relativa, detalhando 261 a adjacência do elemento à esquerda e a posição linear do elemento à direita 32 Efeito da Classe, posição linear e posição relativa na 271 concordância dos grupos POP e UNI 33 Efeito da Classe, posição linear e posição relativa na 274 concordância dos grupos POP4 e UNI4 34 Efeito da Classe, posição linear e posição relativa sobre a 278 concordância nos níveis diferentes de escolaridade 35 Efeito da Classe, posição linear e posição relativa na 282 concordância dos grupos de sobrenome 36 Efeito do Grau na concordância dos substantivos e adjetivos 285 (1) 37 Efeito do Grau na concordância dos substantivos e adjetivos 286 (2) 38 Efeito do Grau na presença de concordância dos substantivos 288 e adjetivos (3) 39 Efeito das Marcas precedentes na concordância dos 298 elementos em segunda posição 40 Efeito das Marcas precedentes na concordância dos itens em 2a posição nos grupos POP e UNI 300 29 41 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens 301 em 3a, 4a ou 5a posições nos grupos POP e UNI 42 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens 302 em segunda posição dos grupos POP4 e UNI4 43 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens 304 em 3a., 4a ou 5a posições dos grupos POP4 e UNI4 44 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância nos itens 305 em segunda posição dos grupos de escolaridade 45 Efeito das Marcas precedentes na concordância dos itens em 307 segunda posição dos grupos de sobrenome diferente 46 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância nos itens 309 em 3a, 4a ou 5a posições dos grupos de sobrenome 47 Efeito do Contexto subseqüente sobre a concordância 312 Análise inicial 48 Efeito do Contexto subseqüente na concordância - Análise 314 inicial, sem distinguir pausas interna e final 49 Efeito do Contexto subseqüente, análise inicial, considerando 316 a sonoridade da consoante 50 Efeito do Contexto subseqüente na concordância dos itens de 319 plural regular e dos itens terminados em -/s/ 51 Efeito do Contexto fonológico subseqüente na concordância 322 dos grupos POP e UNI 52 Efeito do Contexto fonológico subseqüente na concordância 324 30 dos itens de plural regular dos grupos de escolaridade diferente 53 Efeito do Contexto fonológico subseqüente na concordância 326 dos itens de plural regular dos grupos de sobrenome 54 Efeito da coexistência com o Tudo na concordância 336 55 Efeito da coexistência com o Tudo na concordância da 338 escolaridade Média 56 Efeito da Saliência fônica na concordância em Salvador, no 346 Rio de Janeiro e na Região Sul 57 Efeito da Classe e posição linear e relativa sobre a 348 concordância em Salvador e no Rio de Janeiro 58 Efeito da Classe e posição linear e relativa sobre a 351 concordância em Salvador, Rio de Janeiro e Região Sul 59 Efeito da Classe e posição linear e relativa na concordância, 355 não considerando a adjacência 60 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância em 357 Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul 61 Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância em 361 elementos em 2a posição em Salvador e em João Pessoa 62 Efeito das marcas precedentes sobre a concordância em itens 362 em 3a, 4a ou 5a posições em Salvador e em João Pessoa 63 Efeito do Contexto subseqüente na concordância em Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul 365 31 64 Efeito do Contexto subseqüente sobre a concordância em Salvador e em João Pessoa 367 32 INTRODUÇÃO Fala-se muito em variação do português, especialmente na que caracteriza os falares dessa língua no Brasil e em outros países. Mas o que identifica a língua utilizada neste país? Que aspectos da língua sofrem variação e que fatores motivam a escolha das variantes por cada um dos falantes? É facilmente percebida a diferença entre os diversos usos que se fazem da língua, nos centros urbanos e em localidades rurais, e entre as peculiaridades da língua portuguesa no Brasil e em Portugal. A que se deve essa variação? À própria língua – elementos estruturais – ou a fatores externos? Entre os diversos aspectos da variação no português do Brasil, talvez a concordância de número – verbal ou nominal – seja um dos que mais chama a atenção de qualquer observador, mesmo não muito preocupado com a linguagem, nem profundo conhecedor da norma preconizada pela escola. A não realização da concordância prevista, sem dúvida, é traço dos mais estigmatizados, sendo considerado como indicador de falta de escolarização ou de desprestígio social. Dessa forma, é comum pressupor que os falantes de nível universitário façam a concordância em qualquer situação ou contexto. Sem acreditar muito que a escolaridade seja o único fator responsável por essa variação, esse trabalho se iniciou. O presente estudo, dentro de uma visão da sociolingüística variacionista, pretende buscar possíveis relações entre a realização da concordância dentro do sintagma nominal e fatores lingüísticos e sociais. A teoria variacionista considera que a variação é inerente a todo processo 33 lingüístico e as mudanças, segundo essa teoria, têm também motivações sociais. Este trabalho toma como ponto de partida Scherre (1988), que utilizou o corpus Censo do PEUL, do Rio de Janeiro, e considera outras pesquisas que propõem, como explicação para o fenômeno da variação da concordância no Brasil, o processo de aquisição de língua. Pretende-se, nesta pesquisa, 1) analisar a concordância de número no sintagma nominal nas falas popular e culta atuais de Salvador, em quatro diferentes faixas etárias, três graus de escolarização, nos dois gêneros, e em dois diferentes grupos de etnia, identificando fatores lingüísticos e sociais que mais condicionam a sua variação; 2) comparar os resultados relativos à escolaridade superior atual (NURC/SSA/90) com o mesmo fenômeno estudado na realização culta da década de 70 (NURC/SSA/70), buscando observar se a variação mostra-se estável ou se há indicação de um processo de mudança lingüística; 3) analisar a possibilidade de a variação da concordância em Salvador refletir uma competição entre gramáticas; 4) fazer comparações entre os resultados encontrados na análise com outras pesquisas sobre a realização da concordância no sintagma nominal em regiões diferentes do país; 5) refletir, com base na análise dos dados, sobre a possibilidade de o português de Salvador estar relacionado a um processo de aquisição de língua diferente de outras regiões. Este trabalho constitui-se de quatro capítulos, assim distribuídos: 34 O primeiro capítulo trata da formação do português do Brasil e das diversas abordagens que se vêm dando ao tema. São apresentados dados relativos à contribuição dos três principais componentes étnicos, o índio, elemento nativo; o branco, português, o colonizador; e o negro, para cá transplantado na escravidão, na construção da nacionalidade brasileira e na formação das particularidades do português nesse novo continente. Além desse aspecto, é apresentada a hipótese, defendida por muitos lingüistas, de que no Brasil existiram processos de crioulização. Focaliza-se o debate existente em torno desse tópico: apresentam-se argumentos em favor da crioulização e as controvérsias. Faz-se, também, uma rápida abordagem a respeito da formação da população de Salvador, da sociedade urbana dessa cidade do período colonial ao período que sucedeu a abolição da escravidão no Brasil. Finalmente, é também abordada nesse capítulo a possibilidade de o português do Brasil, com a diferenciação existente, ser reconhecido como uma língua distinta do português europeu. O segundo capítulo trata do suporte teórico-metodológico utilizado na pesquisa. São apresentados os princípios da sociolingüística variacionista, que toma como pressuposto que a variação é um aspecto inerente a todas as línguas e que existe uma relação entre a variação e a mudança lingüística. São tomados, também, como suporte teórico, aspectos relativos à aquisição de uma língua, ou aquisição de uma gramática, e a competição de gramáticas, dentro da visão de Lightfoot (1999). Considera-se o tipo de dados lingüísticos a que a criança tem acesso, na aquisição da linguagem, como de fundamental importância para o tipo de gramática que será fixada por ela. Dessa forma, neste trabalho, quando se faz referência à aquisição com muita variação ou diversidade de dados, é a um contexto em que os dados apresentados à criança constituem-se de informações lingüísticas de várias origens, de falantes que aprenderam a língua portuguesa como 35 segunda língua (L2), não como falantes nativos. Esses dados se caracterizam, pois, por expressarem diferentes direções, orientações ou parâmetros, à criança. Ainda o segundo capítulo trata da teoria dos 4M, de Myers-Scotton & Jake (2000a), que se refere a uma tipologia de morfemas, que este trabalho considera como de grande interesse para o entendimento do fenômeno da concordância no sintagma nominal no português. Segundo essa teoria, a ordem em que os morfemas são adquiridos numa língua está relacionada a uma tipologia que, assim como explica a aquisição desses elementos, pode servir para entender o processo da variação dos mesmos. Levando em conta esse pressuposto, esta pesquisa procura, com o auxílio dessa teoria, buscar explicação que dê conta do fenômeno da variação da concordância no sintagma nominal do português. São dadas, ainda, informações sobre a metodologia utilizada, são descritas as variáveis observadas na presente pesquisa e são apresentados dados sobre o Programa de Estudos sobre o Português Popular de Salvador – o PEPP – e o Projeto Norma Urbana Culta de Salvador – o NURC, que são a fonte de todo o material lingüístico utilizado. No terceiro capítulo, apresenta-se o resultado da análise das variáveis sociais e lingüísticas observadas no corpus, com a amostragem das que são consideradas como mais relacionadas ao fenômeno em estudo em Salvador. Nesse mesmo capítulo, analisa-se se o fenômeno da concordância mostrase apenas em variação ou se, ao contrário, há a constatação de que existem indícios de um processo de mudança. É feita, também, uma comparação entre os resultados desta pesquisa e outros estudos realizados sobre a concordância no sintagma nominal em diferentes regiões do Brasil. 36 Finalmente, apresentam-se as conclusões a que se chegou com o estudo realizado. Nesse momento, conclui-se a respeito das variáveis lingüísticas que mais estão ligadas à concordância de número no sintagma nominal e sobre as diferenças entre os resultados de pesquisas que estudaram o fenômeno da concordância no sintagma nominal em outras regiões. Diante das diferenças entre as observações nos diversos grupos, avalia-se a possibilidade de coexistência e competição de gramáticas, de o fenômeno da concordância estar em processo de mudança lingüística e a veracidade da hipótese de que as peculiaridades do português do Brasil tenham alguma relação com a forma de aquisição dessa língua, na sua fase de constituição. 37 1 - A FORMAÇÃO DO PORTUGUÊS DO BRASIL 1. 1 Introdução No Brasil, a língua portuguesa chegou desde que Portugal iniciou aqui o processo de colonização. Como os indígenas eram maioria e, além disso, possuíam muitos sistemas lingüísticos diferentes, a língua transplantada não foi utilizada imediatamente pela população nativa. Os jesuítas, sentindo a necessidade de uma língua de contato, instituíram para essa finalidade uma das línguas da costa, o tupi, falada pelos guaranis, tupiniquins, tupinambás, que passou a ser utilizada pelos índios e brancos, na comunicação. Além dessa língua indígena, considera-se que tenha havido outras, as línguas travadas, faladas por outros grupos, dentre os quais os gês, cariris, nuaruaques, panos, guaicurus. A língua geral foi descrita primeiramente pelo padre José de Anchieta, em 1595, na Arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil, e foi através dela que se passou a dar o ensino escolar ministrado pelos religiosos aos nativos. O tupi foi língua geral no Brasil, “necessária a todos: aos mercadores nas suas viagens, aos aventureiros em suas expedições, sertão adentro, aos habitantes das vilas em suas relações com o gentio ...” (Silva Neto, 19761:68) e há registros que indicam que essa língua passou a ser a língua materna, inclusive, de muitas crianças filhas de portugueses, cuidadas por mulheres indígenas. Sobre a língua geral, Câmara Jr. (1975:76) diz que: “... como lìngua de intercurso, despojou-se de seus traços fonológicos e gramaticais mais típicos para se adaptar à consciência lingüística dos brancos e o português nela atuou, assim, impressivamente, como superstrato. É o que 1 A 1a edição da Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil, de Serafim da Silva Neto, é de 1950. 38 explica a sua fácil difusão entre os brancos, de que temos testemunho em documentos oficiais.” Assim como os indígenas, os portugueses tiveram também que se permitir algumas mudanças: “ ... teriam de renunciar a muitos dos seus hábitos hereditários, de suas formas de vida e de convívio, de suas técnicas, de suas aspirações e, o que é mais significativo, de sua linguagem. E foi, em realidade, o que ocorreu.” (Holanda, 1978). Séculos depois, o tupi passou a ser a língua de utilização ampla e o português, a língua oficial; o governo, então, começou a exigir o português, buscando refrear o uso da língua geral. Dentro desse ideal é que o ensino teria que deixar de ser ministrado na língua geral e os portugueses, principalmente com cargo público, tinham uma nova função: a difusão da língua portuguesa. É o que se vê nas palavras de Barros, Borges & Meira (mimeo), “Pela nova orientação, o Português deveria ser difundido pelos portugueses com cargo público nos novos povoados, principalmente os diretores de Índios, que tinham entre suas funções a criação de escola nas povoações, com objetivo de ensinar o Português.” Mesmo tendo havido, durante tanto tempo, uma convivência tão íntima entre a língua geral - o tupi - e o português, sendo falado por quase toda a população, não se reconhece que o tupi tenha deixado muitas marcas 39 na língua portuguesa do Brasil2. Apesar disso, sobre a influência da língua indígena, há posicionamentos diferentes. Há quem considere a necessidade de pesquisa, acreditando na possibilidade de outras influências além da contribuição dada ao léxico. Houaiss (1985) diz ser possível que tenha havido influência no sistema vocálico e Elia (1979), na pronúncia, na entoação e no sistema de redução das flexões: “Até onde, nessa área, terá ou não terá havido influência da língua geral, das línguas indígenas (e de outras influências, em áreas outras) na regionalização brasileira? Os sistemas vocálicos existentes dialetalmente no Brasil são ainda, genealogicamente ou diacronicamente, enigmas por elucidar, como o são os fatos tonais mais sentidos (nordestino, baiano, carioca, paulistano, gaúcho)” Houaiss (1985: 67-8). O autor citado evidencia uma consciência de que há, ainda, muita coisa que ser estudada no campo das influências indígenas nos diversos falares que caracterizam o português brasileiro. Sobre o assunto, Elia (1979) apresenta uma idéia semelhante, evidenciando a certeza da necessidade de pesquisa nesse campo: “A influência do tupi no português do Brasil ainda está por estudar. Por enquanto temo-nos limitado à difusão dos empréstimos, nem sempre com a segurança desejável. Todavia, na pronúncia e entoação brasileiras, mormente de 2 “Na verdade, o tupi missionário só trouxe para o português do Brasil empréstimos lexicais, que se adaptaram à fonologia e à gramática portuguesa. Nenhum fonema indígena entrou para o português do Brasil ...” (Câmara Jr., 1975-76). 40 caráter regional (Nordeste, Amazônia), há toda a probabilidade de presença de um influxo indígena. Do ponto de vista morfológico, temos a redução de flexões, fenômeno comum aos falares crioulos.” (Elia, 1979:41). Mas o português, no Brasil, não manteve contato apenas com a linguagem dos índios. Foi muito forte o confronto com várias línguas dos africanos que aqui aportaram com a escravidão, quando o Brasil passou a receber uma população escrava oriunda de regiões diversas da África. Essa diversidade lingüística intencional entre os escravos teve o objetivo de evitar uma possível unidade nos grupos, para manter neles a submissão (Rodrigues, 1983). As diferentes ascendências dos africanos que para cá vieram é atestada por Rodrigues (1988), como se vê no trecho: “Na Bahia, fortemente se fez sentir a ascendência dos negros sudaneses, ao passo que em Pernambuco e no Rio de Janeiro prevaleceram sobretudo os negros austrais do grupo banto. (...) As nações africanas mais utilizadas no Rio de Janeiro são: os benguelas, os minas, os ganguelas ou banguelas, os minas-nejôs, minas-maí, os sás, rebolas, caçanjes, minas-cavalos, cabindas d‟água doce, cabindas massudás, congos, moçambiques. Estes compreendem grande número de nações vendidas no mesmo ponto da costa Artres.” Essa diversidade impedia que entre eles pudesse haver comunicação nas suas línguas maternas e esse fato tem interesse nessa discussão, para que se avaliem as conseqüências dessa possível ausência de língua comum na aprendizagem que os africanos tiveram do português. 41 Apesar dessa particularidade da população africana vinda para o Brasil, havia também entre eles os ladinos, de origem também diversa, mas já iniciados na língua portuguesa por terem passado por outras colônias portuguesas. Por vezes, esses eram aproveitados como capatazes das fazendas, ou em outras funções, servindo de elo de comunicação entre os portugueses e os outros africanos, no comando desses últimos. De início, o número de africanos no território brasileiro era menor que o de portugueses e índios, mas, no século XVIII, com a intensificação do comércio de escravos, em algumas regiões eles passaram a ser maioria. Não se tem dados precisos sobre a chegada dessa população nem sobre a língua que eles usavam aqui, se a língua geral indígena, o português ou alguma língua geral africana. Sabe-se, no entanto, que, como as chegadas de escravos eram sucessivas, e eles eram principalmente levados para as plantações, havia sempre muitos deles se iniciando no português nas regiões em que eles eram inseridos. É de se imaginar que, como nas plantações não havia muitos portugueses, o contato que os recémtransplantados tinham com a língua portuguesa trazida pelos colonizadores era muito pouco, senão com um português transmitido por outros africanos, aprendido por eles como segunda língua (L2). Os africanos são considerados por alguns estudiosos da língua como responsáveis pelas diferenças existentes entre o português do Brasil, hoje, e o de Portugal. Dentre eles, Mendonça (1936:189) diz que, apesar da profunda diferença entre o português e as línguas africanas, o negro deixou no português do Brasil alguns vestígios, por exemplo, na linguagem dos caipiras, com a ausência da concordância nominal nos sintagmas nominais. Nessa variedade do português, ele observa que o plural é apenas indicado pelo artigo, deixando o substantivo invariável: “as casa”, “os caminho”, 42 “aquelas hora”. Ele refere-se também à falta de concordância no adjunto predicativo: “as criança tavum quetu”, “as criação ficarum pestiadu”. Da mesma opinião, Andrade (1989: 16), que não é lingüista, mas um estudioso da influência da África no Brasil, diz: “Na linguagem, na forma de falar o português do Brasil, observa-se também uma grande influência da cultura negra, que se manifesta através da utilização de diminutivos, da colocação de pronomes e de uma série de atentados à sintaxe portuguesa ortodoxa.” A expressão “atentados”, por ele utilizada para se referir ao uso da língua portuguesa pelos africanos, reflete o estigma de que foi objeto o falar dos negros no Brasil, principalmente devido ao desprestígio social dos seus usuários. Apesar disso, não se considera (pelo menos nos estudos até então realizados – sem levar em conta, nesse momento, a hipótese de Guy (1981), que será apresentada mais adiante – que houve na língua portuguesa influência de lìnguas africanas ou indìgenas, mas da “tosca aprendizagem” (Silva Neto, 1976:96-7) que eles tiveram da língua. Pelo exposto, tem-se uma idéia de quão particular foi o contexto histórico cultural e lingüístico dos primeiros séculos vividos nesse país. De início, o país, com uma imensa variedade de línguas indígenas, enfrenta a chegada dos portugueses, com uma língua européia, o português. O tupi assume a posição de língua geral e inicia-se a chegada dos africanos, com suas muitas línguas, que continua durante séculos seguidos. Ocorre em seguida a “proibição” do uso do tupi, a lìngua geral, pelo governo português, até que a língua portuguesa assume o lugar que ocupa hoje entre os brasileiros. 43 1. 2 A hipótese da língua crioula Alguns estudiosos do português citam um falar crioulo, ou dialeto crioulo ou simplesmente crioulo na história do português do Brasil. Entre os autores, há mais divergências na forma de entenderem o crioulo do que a respeito das influências dos africanos ou indígenas no português do Brasil. A existência desse crioulo é a explicação que alguns deles dão para um português diferenciado no Brasil. Coelho (1967), Silva Neto (1976), Câmara Jr (1975) e Houaiss (1985) têm uma visão talvez parecida do crioulo e, para eles, existiu um “falar crioulizante”, o português simplificado. A referência que esses autores fazem não é à lìngua crioula, mas a um “dialeto crioulo” ou “crioulizado” ou um “falar crioulo”, usado para a comunicação, ou uma “tendência reducionista tipo crioulizante”. Desde Coelho (1967), em fins do século XIX, colocou-se a variedade do português do Brasil em meio a diversos falares crioulos do português. A variação da concordância nominal foi, inclusive, referida por ele para justificar a aproximação que fez: “Diversas particularidades caracterìsticas dos dialectos crioulos repetem-se no Brasil; tal é a tendência para a supressão das formas do plural, manifestada aqui, que, quando se seguem artigo e substantivo, adjectivo e substantivo, etc., que deviam concordar, só um toma o sinal do plural.” (Coelho, 1967: 43). Dentro dessa visão, Silva Neto (1976:36) considera que existiam muitas semelhanças entre o português dos índios e negros, na época da colonização do Brasil, e diz que a razão da proximidade se identifica no 44 tipo de contato que eles tiveram do português: “aprenderam o português como lìngua de emergência, obrigados pela necessidade.” Ele observa que muitos africanos que foram transplantados para o Brasil já trouxeram um crioulo-português, oriundo das costas da África.3 A conclusão de que houve aqui esse crioulo é pautada, segundo ele mesmo diz, nas características do próprio português do Brasil e de línguas crioulas: “... rigorosa observação dos nossos falares rurais, aliada ao estudo comparado, das adaptações do português feitas na África e na Ásia, levarnos-ia à aceitação de um estado lingüístico paralelo no Brasil-Colônia.” (Silva Neto, 1976: 48). O “grau” desse falar crioulizado varia, dependendo do grau de imersão na cultura européia da região em que o português é falado e do percentual de brancos em relação aos ìndios, negros e mestiços. A fala dos “matutos ou caipiras”, segundo o autor, hoje no Brasil, apresenta vestìgios desse crioulo. Diante das interpenetrações entre as populações rurais e urbanas, nas cidades, há marcas desse falar nos iletrados ou em pessoas de pouca escolarização. Como é a escola, na sua opinião, que promove o “reaportuguesamento”, ele é mais intenso nas cidades. Um dos vestìgios apontado desse crioulo é o “desaparecimento da flexão numérica por meio de –/s/: os livro, as mesa” (Silva Neto, 1976:135), um dos contextos examinados na presente pesquisa. Sobre esse assunto, e concordando com essa mesma idéia, Houaiss (1985: 119) acrescenta que a existência de um falar “tipo crioulizante” é indiscutível: 3 Por crioulo ou semicrioulo ele entende que é “ ... uma adaptação do português no uso de mestiços, aborígenes e negros. Caracterizava-se, como em geral esse tipo de linguajares, pela extrema simplificação de formas, e, talvez nos primeiros anos, algum traço lingüístico devido a fenômenos de interferência de outra lìngua.” (Silva Neto, 1976:48). 45 “O fato de que houve uma tendência reducionista panbrasileira de tipo crioulizante é aparentemente incontestável – tendo havido (e havendo ainda) contestação quanto às „causas‟ do fenômeno: seria por causa do substrato e adstrato indígenas, seria por causa do substrato africano, seria por ambos os casos ou seria por causa das derivas portuguesas? Ou seria por causa do concurso dessas e outras causas?” São algumas das caracterìsticas “pan-brasileiras” do português, que ele considera de uso quase geral nos iletrados, apresentadas no seu texto, como indícios desse crioulo: o desaparecimento do r final; a presença de marca de plural no sintagma uma única vez, eliminando a redundância; a “instabilização” do -/l/ final; a redução dos ditongos ou e ei, dentre outras. Ele diz que os crioulos sempre tendem à redução das redundâncias.4 Considerando a existência desse crioulo, Houaiss diz que a língua de uso comum no Brasil passou depois, apesar da deficiência da educação, por uma descrioulização, processo de distanciamento do crioulo, de perda desses traços e aproximação do português: “ ... vê-se que, a partir do início do século XX, os registros orais supérstites mostram que a nossa oralidade – já a meramente profissional, já a (dita) califásica – se achava muito longe de uma crioulidade. Houvera, 4 “Por seu isolamento e por suas limitações de necessidades fìsicas e mentais, os crioulos tenderam sempre à eliminação das chamadas redundâncias do sistema linguageiro de origem. Idealmente é como se examinassem a frase „os meninos precisam ter dois pães‟ e chegassem às seguintes conclusões: „os meninos‟ é redundante, basta „os menino‟ (pois o plural continua aì marcado mais economicamente); „os menino precisam‟ é ainda redundante, basta „os menino precisa‟ (pois o plural continua aí marcado mais e mais economicamente)...” (Houaiss, 1985:116). 46 presumivelmente, mesmo através do mero processo oral, um tipo de policiamento social que buscava afastar-se da massa. Essa tendência teria ido em crescendo tal que, da segunda metade do século XIX em diante, o „ideal‟ linguageiro postulado chegou a ser ostensivamente lusitanizante ...” (Houaiss, 1985:132). Essa idéia da descrioulização é a tese defendida pelos crioulistas atuais e será mais adiante discutida. Nessa situação, no Brasil, busca-se a língua alvo, o português, com a perda do caráter reducionista crioulizante. Câmara Jr. (1975:77), mostrando-se de acordo com a existência desse “falar”, no Brasil, acredita que, de inìcio, deve ter havido interferência dele no português: “Os escravos negros adaptaram-se ao português sob a forma de um falar crioulo. Nos latifúndios, ou fazendas, da época colonial e do império o contato dos senhores brancos com seus escravos negros foi intenso e estreito. As crianças eram confiadas aos cuidados de amas escravas, as chamadas „mães-pretas‟, e devem ter tomado, de inìcio, sem sentir, elementos do português crioulo que elas usavam.” Ao contrário desses autores, vê-se em Révah (1959:273-291) referência a leis fonéticas naturais para explicar um aspecto da morfologia do português do Brasil, a perda da concordância verbal e nominal (considerado pelos defensores de língua crioula como um traço remanescente dessa língua). Segundo ele, essa ocorrência é registrada também em Portugal, em Barrancos, e ele utiliza isso como argumento de que a falta de concordância no Brasil não pode ser entendida como um 47 resquício de existência de qualquer crioulo, de substrato indígena ou africano. Sobre a atuação dos aloglotas no português do Brasil, os autores antes mencionados restringem seu papel a “um efeito de gatilho”, para Mattoso Câmara Jr., usando expressão de Weinreich; ou fator de “precipitação de mudanças”, para Serafim da Silva Neto; ou como elemento de “eliminação das chamadas redundâncias”, para Antônio Houaiss. Nos três casos, o que ocorreu com o português, no Brasil, já era previsto pelo sistema. O contato com os aloglotas, segundo esses autores, não trouxe grandes mudanças, mas a aceleração de um processo. 1. 3 Os lingüistas atuais Na atualidade, os lingüistas também entendem o crioulo como uma língua resultante de simplificação e fazem uma distinção entre pidgins5 e crioulos. Enquanto os pidgins “são sistemas lingüìsticos reduzidos, sem falantes nativos, usados em contextos funcionalmente restritos de comunicação interétnica”, o crioulo “é mais complexo, „full fledged‟, e variedade funcionalmente irrestrita” De Graff (1999b:3)6. Na visão de Bickerton, segundo De Graff (1999b), enquanto na pidginização ocorre uma aprendizagem de segunda língua com input reduzido, na crioulização há uma primeira aprendizagem de língua com input reduzido. Há autores que não consideram imprescindível a existência de falantes nativos para a existência do crioulo. Segundo eles, pidgins podem tornar-se crioulos sem terem passado por nativização, bastando para isso tornarem-se de uso primário numa comunidade. 5 Assim como em Lucchesi & Baxter (no prelo), o termo pidgin, utilizado neste trabalho, tem o mesmo valor de interlíngua, referindo-se a uma segunda língua em processo de formação. Diferenças que se podem identificar dizem respeito a aspectos exteriores ao contexto estrutural. 48 DeGraff (1999b:6) faz uma distinção entre pidgins e crioulos, envolvendo aspectos históricos, funcionais e lingüísticos: A distinção entre pidgins e crioulos está na combinação de critérios históricos, funcionais e lingüísticos, tais como ausência versus presença de falantes nativos, aquisição por adultos versus crianças; extensão das funções comunicativas, extensão do repertório lingüístico, complexidade estrutural, consistência de padrões e compatibilidade com restrições universais (UG).7 Os estudiosos relacionam o crioulo a um processo de invasão e escravização, envolvendo uma língua européia, sempre a língua alvo, e línguas africanas, que se tornam substrato da formada. A língua do dominador, nessa situação, é considerada alvo porque o objetivo do escravizado é aproximar-se dela. Para a existência dessa língua, é preciso que algumas condições sejam satisfeitas, dentre elas, segundo Bickerton (1988), que o número de não-europeus, em determinado momento, seja superior ao de europeus, o que ele chama de “evento único”. A extensão de tempo entre o inìcio do contato entre as lìnguas e o “evento único” define a maior ou menor “diluição” da lìngua alvo nessas lìnguas. Quanto mais se retardar o “evento único”, mais traços da lìngua alvo o crioulo terá. Considera-se a possibilidade de aqui terem existido processos de crioulização no Brasil porque este país viveu durante muitos séculos a situação de escravidão, apesar de o “evento único” não ter ocorrido no paìs 6 “According to standard definitions, (early) pidgins (and jargons) are elementary reduced, simplified systems, without native speakers, and used in functionally restrict contexts of interethnic communication. (…) [creole] is a more complex, „ full fledge‟ , and functionally unrestricted variety.” 7 “ The distinction between pidgins and creoles has relied on a combination of historical, functional, and linguistic criteria, such as absence versus presence of native speakers, acquisition by adults versus 49 como um todo, mas em apenas alguns pontos isolados. Sabe-se que, para que um crioulo se forme, é preciso que não haja um outro sistema lingüístico em comum e essa parece ter sido a situação vivida no Brasil (mas não nos centros urbanos) e na maior parte das concentrações de escravos no mundo, formadas por falantes de diversas origens e utilizando línguas diferentes. Esses dados é que levam os pesquisadores à suposição da crioulização prévia no português do Brasil. É preciso que se observem as teorias existentes sobre a gênese do crioulo para que se possam interpretar os traços das línguas resultantes de um processo de crioulização. DeGraff cita três teorias da gênese do crioulo: a universalista, a substratista e a superstratista. Na primeira dessas teorias, as gramáticas crioulas tendem a manter especificados valores “defeituosos” devido a 1) função privilegiada da criança em formação e a 2) natureza restrita, variável, do input do pidgin não ser regida por regras. Para os substratistas, crioulos trazem marcas sintáticas e semânticas dos seus substratos, enquanto aspectos fonológicos do léxico remontam ao superstrato. Na teoria superstratista, pela ausência de fortes pressões normativas, e com interferência limitada das línguas nativas dos falantes, os crioulos seriam versões de seus superstratos, originadas de várias camadas de aproximações do coloquial (DeGraff, 1999b:7). Pelo apresentado por DeGraff, a depender da idéia que o pesquisador faz da gênese do crioulo, ele pode apresentar diferentes explicações para as características de uma língua crioula: 1) ou aponta para os universais, teoria children, rang of communicative functions, extent of linguistic repertoire, structural complexity, consistency with universal (UG) constraints.” 50 defendida por Bickerton, dentre outros, 2) ou se constituem explicações as marcas do substrato ou 3) do superstrato. O termo “crioulo”, ou “falar crioulizado”, utilizado nos discursos de Mattoso Camara, Serafim da Silva Neto e Antonio Houais, parece estar mais relacionado à teoria superstratista, segundo a qual, diante da ausência de fortes pressões normativas, os crioulos seriam versões de seus superstratos, como uma visão deturpada do português, mas sem influência das línguas utilizadas pelos africanos. DeGraff (1999b) defende a posição de que não existem traços lingüisticos determinados que serviriam como critério para um status crioulo. Essas lìnguas são simplesmente “o produto de certos fatores externos extraordinários unidos à base lingüística ordinária (interna) inerente à faculdade humana da linguagem.”8 No Brasil, as zonas rurais, durante a colonização, receberam grande quantidade de africanos, principalmente para as plantações. Nessas regiões, pode ter havido concentrações deles, talvez em maioria, com pouco acesso à língua-alvo, o português, senão através de outros africanos que a aprenderam como segunda língua. Ferreira (1994:22) considerou a comunidade de Helvécia, no sul da Bahia, como um possível remanescente de um crioulo de substrato africano. A história da comunidade apresenta um dado curioso. Fazia parte da Colônia Leopoldina, que perdurou de 1818 até a abolição, um núcleo em que, em 1858, existiam “40 fazendas, 200 brancos (na maioria alemães, suíços, alguns franceses e brasileiros) e 2000 negros; os últimos, na maior parte, já nascidos na futura Helvécia.” Baxter (1998:112) observa que 8 “ … creoles would simply be the product of certain extraordinary external (sociohistorical) factors coupled with ordinary (internal) linguistic resources inherent to the human faculte de langage.” (p 11) 51 muitos dos escravos que fizeram parte do grupo inicial nasceram na África e, segundo os descendentes, falavam o gege e o iorubá. Com o declínio da agricultura, fonte de riqueza da localidade, os europeus abandonaram a região, lá ficando os negros, com a linguagem remanescente do período anterior. Nessa comunidade, Ferreira constatou, em estudo realizado em 1961, que a língua usada naquela década pelos mais velhos trazia uma série de marcas que ela separou em dois tipos: as comuns a outras áreas rurais e as peculiares a Helvécia, não registradas até então na Bahia. Com base no conhecimento dos dados da história da região, pode-se levantar a hipótese de ter havido aí aprendizagem de primeira língua (L1) pelos filhos dos escravos com base em dados lingüísticos primários (PLD) de um português aprendido como segunda língua (L2) dos pais, oriundos da África. Observe-se que os europeus a que os negros tinham acesso não tinham, na maior parte, o português como L1 e ofereciam-lhes um português talvez deficiente (Baxter, 1998:113). Baxter (1998: 113) acredita que o contexto de Helvécia indica que podem ter sido muitos os modelos de dados primários colocados à disposição dos escravos adultos e dos nascidos na colônia. “Nas primeiras épocas da Colônia Leopoldina, diversas variedades de português teriam constituído modelos estímulos (input) para a aquisição do português como L2 e L1 entre os escravos. Variedades de português L2 teriam sido faladas por muitos dos colonos, e os brasileiros teriam falado um português L1. Contudo, duas variedades de português constituído modelos-estìmulos afro-brasileiro significativos teriam (…) 52 variedade de português afro-brasileiro falada como L2 (…) variedade do português afro-brasileiro falada como L1, influenciada pelo português afro-brasileiro L2 e, também, afastada ou próxima do português L1 falado pela população livre.” Dentre os aspectos lingüísticos próprios do falar de Helvécia, Ferreira (1994) aponta os seguintes: - a vogal nasal /õ/ ao invés do ditongo /ãu/ final; - a líquida vibrante simples em posição intervocálica; - a ausência de artigo ou a ocorrência mais comum de artigo masculino, pelo de feminino; - a existência de indefinido [una], com o [u] nasal ao lado de [uma] e [ua] sempre com o [u] nasal; - a falta de concordância interna de gênero no sintagma nominal; - a utilização da 3a pessoa verbal no lugar da 1a, entre outros. Os achados de Ferreira (1994) implementam as discussões sobre a existência de processos de crioulização na aquisição do português do Brasil. Alan Baxter e Dante Lucchesi visitaram Helvécia na década de oitenta e, dentro do projeto Vestígios, do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, buscaram, com os dados do português atual, traços que estabelecessem alguma relação com a existência de processos de crioulização no Brasil, em diversos estágios de 53 desenvolvimento e revelando os diversos tipos de acesso à língua-alvo porventura ocorridos no processo de aquisição do português desses grupos. Baxter e Lucchesi (1999:135), estudando a variação da concordância sujeito/verbo e a de gênero no sintagma nominal no dialeto de Helvécia, consideram que as especificidades desse dialeto se justificam por 1) modelos de português L2 falado por escravos africanos, 2) modelos de português L1 falado por escravos nascidos no Brasil, e influenciados, por sua vez, por 3) modelos de português L2 falado por colonos europeus, 4) português brasileiro da região em questão e, possivelmente, 5) línguas africanas, conforme o período. Gregory Guy e John Holm tomam a hipótese da crioulização prévia do português do Brasil como uma das principais preocupações e, utilizando-se de referências a traços morfológicos do português do Brasil, defendem a existência de processos de formação de crioulos ou semicrioulos na formação do português do Brasil. Apesar de não encontrar provas históricas da existência do crioulo, Gregory Guy (1981:5), estudando a variação da língua portuguesa no Brasil, caracteriza o português das classes mais populares como um remanescente de processos de crioulização de base lexical portuguesa e substrato africano. No português atual, esse remanescente apresenta, segundo o autor, evidências de estar se descrioulizando, com a incorporação de traços do português standard. Sobre essa variedade do português, ele diz que 54 “É a linguagem das massas, que são constituìdas predominantemente por negros e mestiços com pouca escolarização, que mostra traços que estamos considerando como caracteristicamente brasileiros e possivelmente de origem crioula.” 9 Guy, diante do contexto histórico da formação do português no Brasil, acha totalmente improvável a não existência de processos de crioulização: “Do ponto de vista histórico-social, nossa pergunta provavelmente não seria „Foi o Português crioulizado?‟, mas „Como seria possìvel evitar a crioulização?‟ ” (Guy, 1981:309)10 Segundo ele, o processo de redução da concordância nominal é um indício de processo de crioulização, e explica o seu posicionamento com dados de formação de plural em línguas africanas, que marcam o plural com elementos pré-nominais, o que teria resultado na tendência no português popular brasileiro de marcar os elementos em primeira posição do sintagma. Em parte discordando de Guy, e sendo mais cauteloso que ele, Holm (1992) defende que há mais evidências para a formação de semicrioulos, diante do fato de que os africanos não eram maioria durante os primeiros séculos. A história do Brasil teve, segundo ele, as condições para a formação de línguas crioulas apenas em algumas zonas rurais, 9 “It is the language of the masses, who are predominantly black or mestiço and who have historically had very little education and a high rate of iliteracy, that shows the features that we are considering characteristically Brazilian and possibly of creole origin.” (Guy, 1981:5). 10 “From the social historical standpoint, our question probably would not be „Was Portuguese creolized in Brazil?‟, but rather „How could it possibly have avoided creolization?” (Guy, 1981:309) 55 principalmente nas plantações e nas minas, em que a proporção de negros foi desde cedo maior que a de brancos. Com postura semelhante a Holm, e estudando aspectos do português, Lucchesi & Baxter (no prelo) consideram que, apesar da inexistência de “dados sócio-históricos da transmissão lingüística irregular de tipo pidginizante e/ou crioulizante”, na formação do português brasileiro ocorreram processos de pidginização e crioulização de tipo leve. Comparando a aplicação da regra de concordância de gênero em dois dialetos do português, o de Helvécia e o do Parque Nacional do Xingu 11, esses lingüistas observam que as duas variedades da língua estão em fase respectivamente de descrioulização e despidginização, tendo como alvo o português (a primeira, de substrato africano, já referida, e a segunda, de substrato indígena). Baxter e Lucckesi (1997:76) e Baxter (1998:114:28) identificam traços do português rural brasileiro que consideram como “propensões morfossintáticas que apontam para um processo de transmissão irregular”, muitas delas compartilhadas pelas línguas crioulas: 1) No sintagma nominal, a) concordância de número variável b) concordância de gênero variável c) oração relativa introduzida com o relativo que multifuncional e com cópia pronominal 11 O português de contato do Alto Xingu, no Estado de Mato Grosso, Brasil Central, funciona como uma espécie de língua franca numa região em que são faladas pelo menos nove línguas indígenas. Com a criação do Parque Nacional do Xingu, houve a conseqüente necessidade de comunicação, e o português passou a cumprir esse papel. Ver estudos de Emmerich (1984). 56 d) pronomes usados como sujeito e como objeto e baixa incidência de reflexivos e) variação na marcação da referência definida. 2) No sintagma verbal, a) redução drástica da morfologia de pessoa e número e conseqüente presença do sujeito; b) variação na morfologia de tempo e modo e redução de uso do subjuntivo; c) preferência pelo futuro perifrástico; d) uso reduzido de estrutura passiva; uso de pronomes sujeitos em função de objeto; e) verbo ter indicando posse e existência; redução do uso de reflexivos e ocorrência de negação dupla descontínua preverbal. 3) Outros fenômenos relacionados com o sintagma e com a cláusula: a) negação dupla (pré-verbal e final) e apenas final; b) não inversão sujeito-verbo nas interrogativas; c) tendência a não utilizar advérbios interrogativos no início da sentença; d) uso da preposição em com função de lugar e destino 57 Guy (1981 e 1989) refere-se a uma base crioula na história do português brasileiro, ou a um crioulo, e Naro & Scherre (1993, 1999 e 2000), discordando dele, negam a possibilidade da existência dessa língua crioula na constituição dessa variedade da língua. Baxter (1998) trata de “processos variáveis de crioulização” ou de “transmissão L2 para L1”, que poderiam ter ocorrido de forma diferenciada em diversos lugares, com graus de aproximação diferentes do português de Portugal. A transmissão irregular, assim, não teria que acontecer da mesma forma, e nem poderia, diante de cada condição demográfica que particularizou a sócio-história de cada região. Essa perspectiva, assim, leva em consideração os fatores particularizantes de cada localidade, em que houve contatos com maior ou menor grau de aproximação entre o português europeu e as diversas etnias, levando a processos diferentes, conforme cada caso. Isensee (1964) e Callou (1998), no entanto, ao estudar uma comunidade isolada de etnia branca da Bahia, o povoado de Mato Grosso, na Chapada Diamantina, referem-se a aspectos do português dos informantes pesquisados; os aspectos detectados nessa comunidade branca são os mesmos considerados por alguns lingüistas como resultantes de transmissão irregular, como constatação da existência de uma língua crioula. Dentre eles, o apagamento da marca de plural em elementos do sintagma nominal: “-s final normalmente conserva-se. Como marca de plural, ocorre quando a palavra aparece isolada (...). Quando a palavra vem precedida de um determinante o morfema pode aparecer, com grande freqüência, apenas neste [no determinante] (...) mas pode ocorrer também em ambos...” Isensee (1964:50) 58 As pesquisas de Isensee e Callou tomaram como material a fala de uma comunidade de origem portuguesa, sem história de aquisição do português como segunda língua. Embora sem o objetivo de entrar na discussão que ora se faz, os estudos acabam por se inserir no debate a respeito da hipótese de que a origem da variação da concordância pode estar relacionada a um processo de crioulização, na fase da constituição do português no Brasil. Os resultados dessas duas pesquisas podem ser tomados, pois, como contra-argumentos à crioulização prévia, enfraquecendo a hipótese de que os traços observados sejam motivados pela existência de uma língua usada pelos escravos africanos . 1. 4 As controvérsias Indo de encontro ao que os crioulistas apresentam, Naro e Scherre (1993:437-454), baseando-se em estudos da variação da concordância no português, dizem não estar de acordo com a hipótese da existência de processos do tipo crioulizante no português popular do Brasil. Eles não consideram o papel do português L2 como um processo de crioulização: assumem a visão de crioulização clássica e, dessa forma, consideram que o fenômeno da variação da concordância, no Brasil, segue um processo natural de deriva da língua. Esses autores dizem não ter fundamento a argumentação de Guy (1981) e apresentam como contra-argumento, semelhante à posição de Révah, que a perda da concordância no português brasileiro é a continuidade de uma tendência já presente na história da língua: “Admitindo que a mudança lingüìstica que envolve a concordância verbo-sujeito tenha se iniciado na 59 fonologia, precisamente através da desnasalação, concluímos que suas origens remontam pelo menos até os tempos pré-clássicos. (...) Embora sejam raras as menções à ausência do –s final no português Europeu, temos evidências históricas do comportamento variável do –s, desde o latim antigo até as línguas românicas ocidentais modernas.” (Naro & Scherre, 1993:442-443). Naro e Scherre afirmam não desconsiderarem o contexto históricosocial do país, que decerto provocou marcas na língua, principalmente na riqueza lexical, mas argumentam que houve no português uma “confluência de motivos”, que seria como “uma atração de forças de diversas origens – algumas oriundas da Europa, outras da América, outras, ainda, da África – que juntas se reforçaram para produzir o português popular do Brasil” (Naro & Scherre, 1993:437). Em Naro e Scherre (2000), há a utilização de dados do português europeu atual e de textos antigos medievais para atestar, também em Portugal, a existência da variação da concordância sujeito/verbo e a variação entre os elementos do sintagma nominal, com o objetivo também de evidenciar que esse fenômeno não tem qualquer relação com a hipótese da existência de uma crioulização prévia no português brasileiro. A pesquisa conclui que as diferenças entre o fenômeno europeu e o brasileiro são uma questão de grau, não de tipo12. Apesar de essa variação ocorrer em percentuais mínimos, ao se fazer a mesma análise de pesos relativos aplicados à análise do estudo da variação no português do Brasil, a pesquisa chega a resultados muito próximos dos resultados brasileiros. 12 The differences between the European and Brazilian phenomena are a matter of degree, not type. The general diachronic picture is preservation of the hierarchical effect of the conditioning factors, accompanied by an increase over time in Brazil of the overall average level of the use of the unmarked variant of the verb in the context of a plural subject. No radical, or even light, restructuring has occurred 60 Tarallo (1996b) também refuta a hipótese da crioulização / descrioulização. Diante da análise de dados do português brasileiro antigo (cartas e textos de teatro) e moderno (com os dados do NURC), ele conclui que não está havendo mudança a caminho do português europeu, como se pode prever em uma descrioulização: “Os dados históricos sobre o PB [português brasileiro] (...) mostraram que a reversão da posição assimétrica de sujeitos e objetos foi muito lenta; pelo menos um século foi necessário para que a mudança ocorresse (1975-1892). Se a crioulização aconteceu no Brasil, teria levado 350 anos para que tivesse ocorrido alguma simetria entre as posições de sujeito e de objeto ( ... )? E mesmo se isso acontecera, e a descrioulização tivesse começado (digamos por volta de 1885), por que o PB teria começado a mudar na direção oposta ao PE [português europeu]?” (Tarallo, 1996b:61). O autor, nesse caso, tomando como base textos escritos antigos, questiona a hipótese dos crioulistas, pois seus dados mostram que está havendo o distanciamento, não a aproximação, do português lusitano, que nessa proposta seria o alvo, como se poderia prever pela hipótese apresentada. Observa-se que Tarallo (1996b) demonstra uma “visão monolìtica” de “um crioulo”, como se o fenômeno tivesse que ocorrer da mesma forma, com unidade, em todo o território. Para que a sua análise pudesse levar a resultados concretos a respeito da crioulização, considera-se que seus dados deveriam ser retirados do uso popular, não de textos escritos antigos. Sabein Brazil since the types of structures used have not changed; the change was basically in the frequency of use of the available types. (p. 248) 61 se que a modalidade escrita urbana (mesmo de textos de teatro) nunca se desvinculou totalmente do ideal europeu. Além disso, o NURC, apesar de ser amostra de oralidade, não é dos melhores exemplos de português usado pelo povo, que abarque a população das classes mais populares (embora alguns dos informantes do NURC sejam originários de classes populares, o universo social do grupo não é o mesmo que caracteriza a massa mais pobre da população, a que se poderia associar uma história de crioulização). Seria necessário que se buscasse uso remanescente de português africanizado ou influenciado pela fala dos negros africanos, ou indígenas, falar descrioulizante ou não, no uso oral popular no português do Brasil. A única mudança que poderia ser encontrada era exatamente o lento distanciamento, na escrita, do padrão europeu, conseqüência da expansão da fala popular. Apesar dessa polêmica crescente em torno da possibilidade de uma base crioula no português brasileiro, Mussa (1991) diz que não há diferenças formais entre os dois processos, o de crioulização e o da mudança natural, pois são “em essência os mesmos para qualquer espécie de relação fonológica entre morfemas que derivam de um mesmo étimo, seja na ramificação, na crioulização ou no contato” e não caracterizam qualquer situação histórica exclusiva. (Mussa, 1991:106). Analisando alguns processos fonológicos que ocorreram no português do Brasil, Mussa (1991) chega à conclusão de que houve, em todos eles, principalmente simplificação fonética e fonológica e fuga às formas socialmente estigmatizadas, ou seja, não consideradas como de prestígio na sociedade. Para concluir dessa forma, ele analisa alguns traços do português popular do Brasil, inclusive a variação da concordância no sintagma nominal, em comparação com os correlatos do português europeu e os das línguas africanas. Mostra que, quando no português há competição 62 entre formas diferentes das línguas concorrentes, é a forma mais simples (a ausência da concordância, por exemplo) e/ou a menos estigmatizada que prevalece. Segundo o autor, é apenas coincidência o fato de alguns aspectos do português brasileiro parecerem ter origem no “português africanizado”. A explicação é que no processo de formação ocorreu a busca do mais simples e as formas do português usadas pelos negros se caracterizavam por “ ... formas de superfìcie menos opacas e mais simples. Não se deve confundir isso com uma teoria substratista, que explica a presença de um traço x pela incorporação e assimilação pura e simples de estrangeiros a um grupo populacional. É, pois, bastante diferente da „influência de substrato‟ pressupor que as formas de superfìcie produzidas por africanos entram na dinâmica histórica do PPB por fazerem parte do corpus de dados à disposição dos falantes.” (Mussa, 1991:235). O autor considera, pois, que o português do Brasil não é resultado de influência de substrato africano. Ele observa que, coincidentemente, as tendências do português brasileiro caminham em busca do mais simples e o português africanizado13 se caracterizava exatamente por formas com esse traço. Dessa forma, apesar de as formas “preferidas” pelo português brasileiro terem sido formas do hipotético português africanizado, Mussa não considera que isso tenha sido nada além de uma tendência de escolher, entre formas concorrentes, as mais simples, quando não estigmatizadas socialmente. 13 Mussa considera o “português africanizado” um português interferido por muitos traços das lìnguas africanas. Ele chegou a esse falar hipotético após pesquisas sobre línguas africanas e confronto com documentos com registros de português usado por escravos. 63 Interpretando as idéias de Mussa (1991): embora ele não afirme que as línguas substratos usadas pelos africanos tenham deixado marcas no português, ele considera que ficaram marcas, sim, no português, das escolhas feitas por esses falantes, dentre as possibilidades que se lhes apresentavam. 1. 5 Um pouco sobre a Cidade do Salvador, a região de estudo 1. 5. 1 Contexto sócio-histórico Lobo (2000) registra que os portugueses chegados à Bahia, no século XIX, eram de diversas regiões de Portugal e tinham, na maioria, ocupações bem simples. Esses dados levam à suposição de que a língua transplantada para o Brasil foi a das camadas mais populares e, além disso, com marcas de muita diversidade diatópica. Lobo (2000) também documenta que a maioria dos imigrantes portugueses em Salvador, entre 1852 e 1889 tinham entre 9 e 25 anos (9 a 14 anos – 34,20%; 15 a 25 anos – 42,50%). Essas informações também mostram que essa população, por ser muito jovem, chega com muita propensão ainda à incorporação de dados do contexto lingüístico ao conhecimento que eles traziam da sua língua materna. A cidade do Salvador, ao lado dos portugueses, contou com os negros, principalmente, para a formação da sua população. Essa cidade é, hoje, referida normalmente pelas pessoas como um exemplo de mistura racial no país. É nela que a mistura de raças torna-se evidente, na diversidade de traços que compõem o tipo físico variado da população. Ao lado do maioria mestiça, nesta cidade, o negro permaneceu, o que não aconteceu com o índio, que, nas palavras de Viana Filho (1988:167), “foi assimilado, morreu ou desertou para as matas”. 64 Viana Filho (1988:40) afirma que os negros que vieram para a Bahia procediam, em maioria, de grupos sudaneses e bantos e que, em 1775, esses negros e seus descendentes constituíam a maioria esmagadora da população. De um total de 33.686 habitantes, Salvador tinha 10.720 brancos, contra 4.324 pardos (ou mulatos) e 18.338 pretos. Já nessa época, havia negros ou mestiços livres. Mattoso (1992:119) refere-se a dois recenseamentos realizados em Salvador, o de 1808 e o de 1872, para entender a distribuição dos diversos tipos raciais na população da cidade. A seguir as informações são reproduzidas em um quadro comparativo: Quadro 1: Distribuição da população de Salvador pela cor em 1808 e 1872 (em %) População livre Cor Brancos População escrava Índios e Negros e caboclos mulatos Negros e mulatos 1808 20,4% 1,3% 43% 35,3% 1872 24% 3,6% 60,2% 12,2% A autora observa que, apesar de, nesse intervalo de quase setenta anos, ter havido grande imigração portuguesa, os brancos continuam a ser minoria, não chegando a um terço da população da cidade. Mas o número de mulatos mostra que a miscigenação, nesse período, atuou, de maneira que os mulatos praticamente passaram a ser quase a metade da população. 65 Como a mistura racial é quase sempre acompanhada de mistura cultural, a cidade tornava-se a cada dia mais miscigenada em todos os aspectos. Mattoso (1992:596-8) caracteriza a sociedade de Salvador, entre os fins do século XVIII e início do XIX, como dividida em quatro grupos sociais: No primeiro grupo, situam-se altos funcionários graduados da administração real (governador-geral, chanceler, desembargadores, etc.), oficiais das patentes mais elevadas (coronéis, tenentes-coronéis, etc.), o clero secular (arcebispo e o alto clero.), os grandes negociantes, os proprietários de terras, senhores de engenho ou pecuaristas. Esses formavam a elite da época. No segundo grupo, funcionários de nível médio (juiz e procurador da Coroa, escrivães etc.), oficiais de nível médio (capitães, tenentes etc.), membros do baixo clero (párocos, vigários), representantes das casas portuguesas, distribuidores de mercadorias importadas, alguns proprietários rurais, profissionais liberais (médicos, advogados etc.), os que viviam de rendas, incluindo aí os aposentados e os que viviam de aluguéis (de casas ou de escravos). No terceiro grupo, estavam os funcionários de baixo escalão, os profissionais liberais secundários (barbeiros, sangradores, etc.), os artesãos, os comerciantes de frutas, verduras, os ambulantes (a maioria era formada por alforriados), os pescadores, etc. O quarto grupo era formado pela maioria da população. Era constituído pelos escravos, vagabundos, mendigos: eram os marginais da sociedade. Desses, o escravo era o marginal legalizado, pois, apesar de não 66 ter qualquer direito civil, desempenhava um papel importante como força capital no desenvolvimento econômico. As famílias não tinham muitos filhos, entre um e quatro filhos, apenas as mais abastadas tinham um número maior (Mattoso, 1992:148). As famílias de alforriados tinham uma média de 2,9 e as mulheres solteiras alforriadas tinham 1,9 filhos. Aos escravos e aos seus filhos era vedado o acesso à escola. Mattoso (1992:201) registrou que em Salvador, em 1872, apenas 37% da população geral era alfabetizada. Os homens, mais que as mulheres (43 e 30%, respectivamente). Até o século XIX, havia imprecisão a respeito da área de Salvador, não se sabendo até onde era a zona urbana e onde iniciava a zona rural. Localidades habitadas por agricultores dispersos faziam parte da área de Salvador, a exemplo de sete paróquias de zonas rurais muito próximas da cidade, cujos habitantes precisavam vir à cidade para registros de testamentos, certidões, reconhecimentos de filhos, etc. Mas em 1872, segundo dados de Mattoso (1988:26-8), a zona urbana de Salvador tinha onze paróquias (ou distritos): Sé, São Pedro, Santana, Conceição da Praia, Vitória, Passo, Pilar, Santo Antônio Além do Carmo, Brotas, Mares e Penha. O escravo e o ex-escravo, no século XIX, em Salvador, estavam em toda a parte. O número médio de escravos entre as residências de cada bairro variava. As paróquias em que havia maior concentração de escravos nas residências eram Sé (16,8 escravos), São Pedro (18,8), Vitória (17,9); as paróquias de Santana, de Brotas e do Passo se destacaram por terem um número médio muito baixo de escravos em cada residência: (3,7; 4,7; e 3,5, 67 respectivamente). Entre a população livre, havia mais homens (52,8%) que mulheres (47,2%). É interessante observar que os escravos libertos em Salvador, no século XIX, de 1800 a 1860 (segundo a pesquisa referida em Mattoso (1988), a partir de testamentos e inventários), eram, em maioria, africanos, não crioulos (ou seja, não eram negros nascidos no Brasil). Eles já vieram para o Brasil com uma língua e aprenderam o português como segunda língua. Era esse português aprendido como segunda língua que era a língua usada e transmitida para seus descendentes e outros, com os quais mantinham contato. Segundo dados realizados nessa mesma pesquisa, entre 1851 e 1860, 51,9% dos escravos existentes já eram nascidos no Brasil, ao lado de 48,1% escravos africanos, na maioria nagôs (Mattoso, 1988:112). E, diante do desgaste constante de suas atividades, a sua vida era curta, daí a necessidade constante de novas levas. Havia, ainda, grande quantidade de escravos com português L2, convivendo com crianças que aprendiam um português como primeira língua. Havia entre os escravos uma preferência de escolha de parceiros da mesma origem. Raramente havia união entre africanos e crioulos ou mulatos, mantendo-se, também, muitas vezes, rivalidades antes existentes entre as nações da África. Assim, o mais comum era haver uniões de brasileiros com brasileiros e, além disso, quase nunca alforriado com escrava ou vice-versa. Como o número de alforriadas era maior que o de alforriados, havia mais dificuldade entre as mulheres alforriadas de conseguirem um parceiro (Mattoso, 1992:164). 68 Quanto ao número de filhos desses escravos, observando-se as diversas origens, a autora chegou aos seguintes dados do recenseamento de 1872: - de mães brasileiras – 56 crianças; - de mães africanas (de diversas origens) – 167 crianças (Mattoso, 1988:114). Esses dados ajudam a entender o contexto lingüístico das crianças nascidas em Salvador, no referido período. Eles indicam que a maioria das crianças tinha acesso a um português utilizado por falantes de outra língua. Esses dados fortalecem a hipótese de que a maioria dos descendentes de escravos de Salvador pode ter tido como dados primários para a sua aquisição não o português europeu, mas um outro aprendido com falantes de português L2, já com interferência. Em meados dos século XVIII, era o auge da importação de escravos e já se percebia uma mudança na utilização do trabalho escravo. “À proporção que a cidade crescia, também crescia a proporção de escravos. Já não eram apenas empregados para os serviços domésticos, para o cuidado das roças, para o transporte das cadeirinhas. Inventara-se para o negro uma nova modalidade de exploração econômica, mais imediata, mais direta. Punham-no na rua, „de ganho‟ (…) Havia também os que se obrigavam a uma contribuição diária ou semanal fixa para o senhor. O que excedesse seria deles.” (Viana Filho, 1988:174). Dessa forma, em Salvador, como em outros grandes centros, o negro era vendido a toda hora, estava à disposição da sociedade, oferecendo, ele 69 próprio, os seus serviços. E assim ele passou a circular mais, se oferecendo e tendo cada vez mais liberdade na cidade, sempre com o sonho da alforria, que era preparada a cada dia. É que o escravo tinha possibilidade de comprar sua alforria com o dinheiro excedente do que ele tinha que repassar para seu dono (Era costume entre eles guardar, para esse fim, todo o dinheiro que sobrava). Havia, ainda, escravos artesãos (às vezes de donos também artesãos) e eram competidores do ofício livre, que, muitas vezes, era muito rentável, daí o interesse dos donos em investir na preparação do escravo. (Gorender, 1992). “A instrução de um artesão levava tempo, porém se compensava com a valorização do escravo e com os aluguéis mais altos que seu amo passava a receber.” (Gorender, 1992:474). Ter negros passou a ser um negócio cada vez mais vantajoso. Gorender (1992) mostra que até famílias pobres tinham interesse na compra de escravo, às vezes apenas um, como um grande investimento. Quem pudesse ter no ganho alguns negros poderia viver bem. O negro conquistava, nesse caminho, o progresso, não só através da instrução que ele passou a conquistar, mas pela alforria a que muitos tiveram acesso. Nesse processo, também o branco se modificou. Viana Filho diz que “Rindo do negro, achando-lhe graça nos costumes, nas superstições, considerando-o um elemento passivo, distante, inferior, incapaz de transmitir qualquer coisa, o branco não sentiu que ia sendo contaminado, assimilando hábitos de que se havia rido, mas que de um momento 70 para outro se estampavam indeléveis no seu „eu‟.”14 (Viana Filho, 1988:177) Ao lado disso, podem ser observadas as ocupações das mulheres escravas em Salvador. Segundo Mattoso (1988:26), a mulher escrava é preferida em Salvador, pela versatilidade de poder passar dos serviços domésticos para o trabalho “de ganho” sem dificuldade, enquanto os homens tinham mais dificuldade em adaptar-se a outros serviços menos grosseiros, caso houvesse necessidade. As negras de ganho eram, de fato, cozinheiras, costureiras, lavadeiras, ou vendedoras de comidas que elas próprias preparavam. A maioria, a serviço dos seus donos ou donas. (Gorender, 1992). Gorender (1992:479-81) refere-se à prostituição de escravas, a serviço do dono. Era a instituição do comércio do corpo, com a proteção do governo, uma vez que as leis não interferiam, como era de se esperar, dando liberdade à escrava que tivesse que se sujeitar a essa condição. Na zona rural dos engenhos do Recôncavo baiano, a sociedade era diferente. Cada engenho constituía uma comunidade rural autônoma, circunscrita em suas terras, diferente das comunidades de cultura de fumo e de gêneros de subsistência. O contexto da escravidão, nessas comunidades do Recôncavo, era marcado pelo grande número de negros, que eram maioria absoluta, diante dos brancos, e trabalhavam principalmente nas plantações, em situação bastante diferente da vivida pelos escravos urbanos. Toda a atividade das plantações era desempenhada pelos escravos, enquanto “os senhores de engenho amoleciam preguiçosamente” (Viana Filho, 1988:185). Os homens escravos eram maioria, nos engenhos, numa proporção de dois homens para uma mulher (Mattoso 1988:26). Como 14 Grifos nossos. 71 eram poucos os brancos, esses escravos não tiveram a mesma possibilidade que os escravos urbanos tiveram de contato com a língua e com os costumes europeus. Além disso, entre a população escrava e os donos das fazendas havia sempre a figura do feitor, que, muitas vezes, não era branco. Por vezes era um ex-escravo ou um descendente de escravo, ou negro ou mestiço. Segundo Ribeiro (1995:220), nessas circunstâncias, “A primeira tarefa cultural do negro brasileiro foi a de aprender a falar o português que ouvia nos berros do capataz. Teve de fazê-lo para comunicar-se com seus companheiros de desterro, oriundos de diferentes povos. Fazendo-o, se reumanizou, começando a sair da condição de bem semovente, mero animal ou força energética para o trabalho. Conseguindo miraculosamente dominar a nova língua, não só a refez, emprestando singularidade ao português do Brasil, mas também possibilitou sua difusão por todo o território, uma vez que nas outras áreas se falava principalmente a língua dos índios, o tupiguarani.”15 Muitas vezes dava-se a aproximação entre alguns negros e os „sobrados‟, “os negros haviam impregnando-os enriquecendo-lhes subido com as a até marcas língua, os „sobrados‟, da sua cultura, dando-lhes novas superstições… (…) A fusão se iniciava desde o berço, 15 Grifos nossos. 72 com a mãe preta. E continuava pela vida afora.” (Gorender, 1992:192-3). Nas plantações de fumo, contudo, havia uma estrutura social mais simples que nos engenhos, era pequeno o número de escravos que trabalhavam em uma plantação e havia uma aproximação maior entre os senhores e seus escravos (Mattoso, 1992:592-5). Esse é um dado que pode ajudar a concluir que, nesses contextos, o acesso dos africanos ao português tivesse sido maior do que em outros tipos de cultura, em que o distanciamento entre senhores e escravos era maior. Após a Abolição, ocorreu a ida em massa de grande parte dos escravos da zona rural principalmente para a zona urbana, em busca de trabalho. Dessa forma, a cidade do Salvador, como todos os centros urbanos, passou a conviver com um número muito grande de ex-escravos da zona rural e, diante da proximidade, possivelmente recebeu os exescravos das fazendas do Recôncavo baiano. Nesse momento, os negros urbanos e toda a população branca e mestiça passaram a conviver com aqueles negros que viviam nas fazendas de localidades como Santo Amaro, Marapé (hoje São Francisco do Conde), Maragogipe, Cachoeira, entre outras. Pode-se prever que essa leva nova de negros e mestiços, brasileiros ou não, oriundos da zona rural, modificasse o quadro da população da cidade do Salvador. Eles não tinham a “urbanidade” que os outros, não tinham trabalho nem onde morar. Passaram a viver pelas ruas buscando ocupação para poderem se manter, iniciando o processo de inchaço da população, caracterizado por mendicância de boa parte dela, e dando início aos núcleos populacionais que fizeram a periferia urbana. Ribeiro (1995) faz referência a esse quadro de pós-abolição e a sua conseqüência para as cidades: 73 “A abolição, dando alguma oportunidade de ir e vir aos negros, encheu as cidades do Rio e da Bahia de núcleos chamados africanos, que se desdobraram nas favelas de agora.” (Ribeiro, 1995:194). Não é à toa que Ribeiro (1995:222) diz que o “negro urbano” se formou sobre “precárias bases”, a partir de uma mistura com os negros rurais que, ao chegar às capitais no pós-abolição, “…transladado às favelas, tem de aprender os modos de vida da cidade, onde não pode plantar. Afortunadamente, encontram negros de antiga extração nelas instalados, que já haviam construído uma cultura própria, na qual se expressavam com alto grau de criatividade. Uma cultura feita de retalhos…” A chegada de imigrantes europeus para suprir a falta do trabalho escravo nas fazendas, logo após a abolição, por certo ampliou e diversificou o quadro populacional do Brasil. Eles aprendiam o português principalmente dos ex-escravos, ainda nas localidades de trabalho, e possivelmente tinham acesso ao português dessa população, segundo Lucchesi (2000a). Apesar de esses imigrantes terem o objetivo inicial de trabalhar no campo, eles conquistaram, posteriormente, a cidade, como comerciantes, contribuindo, também, para a variação do português na população urbana não negra nem mestiça. Para os negros, a abolição mostrava-se como a liberdade, mas, ao sair de um mundo de proibições e de limites, ingressaram num outro, em Salvador. Nesse novo contexto, não é mais a diferença entre escravos e homens livres. Agora o que vale é a cor da pele. Mattoso (1982:240) diz: 74 “Então negros e mestiços são excluìdos de todos agrupamentos brancos; e isto ocorre em Salvador, ela que, ao tempo da escravidão, soubera criar passarelas entre as duas comunidades. (…) O racismo dissimulado é presente em toda parte, negado em toda parte, no esforço por fazer esquecido o sangue africano. O „embranquecimento‟ é imperativo para qualquer ascensão social.” O século XX, no Brasil, traz uma crescente urbanização, provocada pela industrialização e pelo êxodo rural, conseqüência, principalmente, do latifúndio e de grandes áreas improdutivas. Nesse processo, levas de pessoas da zona rural procuram a zona urbana, em busca de emprego e de melhores condições de vida (Ribeiro, 1995:200-03). Salvador, como todas as outras capitais, recebe a diversidade de culturas e de dialetos formados nas diversas regiões do estado. É preciso, no entanto, que seja tratado um aspecto que parece importante: no século XX, a população brasileira ficou mais branca, conforme informações de Ribeiro (1995:230), a partir de dados de recenseamentos (38% em 1872, 62% em 1950 e 55% em 1990). Como isso se explica, se não houve grandes levas de europeus que justificassem esse aumento? O autor mostra que esse aspecto está relacionado à miscigenação (que muitas vezes obscurece as raças que, ao se envolverem com o branco, levam a produtos humanos com aparência de branco) e à relação da avaliação racial influenciada pela situação social das pessoas. As melhores condições sociais “embranquecem” a população. No Brasil, hoje, a maior distância social que existe é a que separa ricos e pobres, ao lado de uma enorme discriminação “que pesa sobre negros, mulatos e ìndios, sobretudo 75 os primeiros” (Ribeiro, 1995: 219). Nesse sentido, há muitos que têm ancestrais negros e índios na população considerada branca. 1. 5. 2 Considerações finais Os dados apresentados sobre Salvador envolvem alguns aspectos que devem ser alvo de atenção: 1. Salvador foi um grande núcleo urbano de concentração escrava; 2. Aqui os escravos e seus descendentes, negros e mestiços, viveram séculos servindo aos brancos nas suas casas e nas ruas; 3. Até fins do século XIX, havia ainda em Salvador negros oriundos da África que não tinham o português como língua materna ou já traziam um pidgin ou uma língua crioula de base portuguesa; 4. Os escravos brasileiros, nessa época, falavam o português aprendido como primeira língua através de seus pais ou outros escravos, brasileiros e africanos, atuando conjuntamente; 5. Muitos filhos de escravos tinham pai e mãe africanos, com português L2, mesmo até fins do século XIX; 6. O número de africanos e crioulos, juntos, era bem maior que o número de portugueses; 76 7. Os escravos e a maioria da população branca e mestiça eram analfabetos; 8. As atividades desenvolvidas pelos escravos e mestiços não exigiam, normalmente, o português padrão; 9. No Recôncavo baiano, os escravos tiveram, possivelmente, muito pouco acesso ao português europeu, muito menos que em Salvador; 10. O português europeu que chegou a Salvador era muito diversificado, diante das variadas origens e condições sociais dos falantes, por isso distante do padrão; 11. Com o fim da escravidão, a população escrava rural oriunda do Recôncavo misturou-se com a população urbana, diversificando ainda mais o quadro. 12. Os imigrantes por certo acabaram por contribuir para a difusão da linguagem das zonas rurais nas zonas urbanas, nas diversas classes sociais. 13. Além disso, observa-se que o português que era aprendido a cada dia pelos escravos oriundos da África e pelas crianças dessa cidade que conviviam com esses negros, crianças brancas (em suas casas, com as escravas), mestiças ou negras de Salvador, era um português de diversos contornos, em vários estágios de redução, reflexo de diferentes contatos e tipos de aprendizagens. 77 Com as informações que se tem da formação da população de Salvador, é de se esperar que esse povo carregue, de alguma forma, marcas desse encontro de raças e de culturas. Esta pesquisa não pretende negar que a variação da concordância nominal, fenômeno lingüístico aqui observado, já fosse prevista na deriva da língua, como atestam estudos de Naro e Scherre no português de Portugal atual e em dados do português arcaico. Pretende-se, contudo, estudar se, no Brasil, o fenômeno da variação da concordância no Brasil tem alguma relação com a implantação do português no Brasil, que se deu de forma muito específica, diante da escravização e do contexto que caracterizou o contato entre as culturas, no período de colonização. 1. 6 Português europeu e português brasileiro: uma língua ou duas? No século XIX, no Brasil, com o nacionalismo desencadeado pela independência, aliado aos ideais do Romantismo, surge uma preocupação entre escritores e lingüistas em considerar as particularidades da língua usada no Brasil, de forma a instituir a língua brasileira. Os defensores desse ideal sentiram a necessidade de reconhecimento de uma língua nacional e buscaram nela características que a distinguissem de Portugal. Mendonça (1936) considera principalmente que o português, na fala dos índios e negros, sofreu radicais mudanças na sua morfologia e pronúncia que o transformaram numa nova língua. Ele observa que o português do Brasil, pelas diferenças em relação à língua mãe, não pode ser chamado de “dialeto brasileiro”, ainda porque apresenta, nas várias regiões em que é usado, vários dialetos. Segundo ele, em Cabo Verde e em Ceilão, as alterações produzidas no português pelos negros foram muito fortes, 78 mas, no Brasil, não se pode dizer que as mudanças ocorreram nas mesmas proporções. Uma análise rápida entre as três línguas revela uma “diferenciação em escala decrescente, na qual o Brasil ocupa a posição mais próxima de Portugal”. As mudanças, no entanto, fizeram da lìngua no Brasil algo diferente, com tendência a ir se separando, segundo ele, gradativamente, da língua original. Interessado em estudar a tese da língua brasileira, Tarallo (1996b) buscou fundamentos lingüísticos para essa idéia que, segundo ele, foi, emocionalmente apenas, defendida principalmente por ideais do século passado. Utilizando-se de metodologia sociolingüística e com referencial teórico da gramática gerativa, com base no estudo de parâmetros, foram observadas quatro mudanças sintáticas ocorridas no português do Brasil, em corpus dos séculos XVIII, XIX e XX: a re-organização do sistema pronominal; mudança nas estratégias de relativização; a re-organização dos padrões sentenciais básicos; e os padrões sentenciais em perguntas diretas e indiretas. O trabalho apresentado dá como evidente a existência de diferenças suficientes a favor de uma gramática brasileira. Tendo a consciência de que seria necessário aliar o seu estudo, que foi puramente lingüístico, a um aprofundamento “à luz de evidências sociais”, Tarallo (1996b:99) afirma que “Sem vias de dúvidas, entretanto, pode ser afirmado que o cidadão brasileiro já estava de posse, ao final do século XIX, de sua própria lìngua/gramática.” Contrapondo-se à idéia da língua brasileira, Serafim da Silva Neto, Révah, Joaquim Mattoso Câmara Júnior e Antônio Houaiss defendem que as diferenças entre o português do Brasil e o de Portugal não afetam a unidade da língua. Apesar de todos eles reconhecerem a existência de 79 traços característicos a cada um dos dois usos que se fazem da língua, identificam uma estrutura comum, inquestionável e indiscutível. As diferenças entre as duas variedades da língua, na argumentação feita, são mais no nível da pronúncia e do léxico. As oposições fonológicas, no entanto, são as mesmas, apresentando o mesmo número de fonemas vocálicos e consonânticos. Na morfologia, são utilizados os mesmos recursos, faz-se o plural nos verbos e nos nomes da mesma forma, no português do Brasil e no de Portugal. Assim como a língua varia, a depender das regiões, ocorre a variação entre o português europeu e o americano. Eles usam como argumento o fato de que entre as duas realidades há mais semelhanças que diferenças e que, mesmo dentro do Brasil há muitas diferenças no léxico e na pronúncia. Na verdade todos esses autores defendem que a variação existe mais na língua oral, idéia inicial de Silva Neto, que assim se posiciona: “Se assim é na lìngua falada [muita variedade entre as duas línguas], importa acentuar que na língua escrita os fatos são muito diferentes. Esta, graças ao seu caráter conservador e tradicional, e à dependência do ensino gramatical, está acima de todas as variedades sociais e regionais, dominando e absorvendo tudo. Ela é uma seleção, uma escolha para a qual concorrem as pessoas mais finas e mais cultas da sociedade luso-brasileira. ( ... ) É claro que quanto mais cultos são os indivíduos mais se acercam de uma língua geral, padrão, quer estejam no Brasil, em Timor, em Goa, em Angola ou em Portugal.” (Silva Neto, 1976:21-3). 80 Révah (1959:278-279.), concordando com a proclamada unidade, diz que o português do Brasil conservou mais a língua adquirida no século XVI do que no continente europeu, daí algumas divergências entre as duas realidades atuais da língua. Segundo ele, “Até que se prove o contrário, nós consideraremos os falares populares brasileiros como os falares portugueses, cujo testemunho poderá ser invocado para a reconstituição do português dos séculos XVI e XVII.” (Révah, 1959:273-291).16 Na visão de Révah (1959), dessa forma, as diferenças entre as duas realidades continuam tendências já existentes no português do século XVI e, por isso, ele considera indevida a relação dessa variedade com a possível influência de negros ou índios, e, sim, com o próprio português antigo, não vendo, assim, duas línguas, mas uma só, com variedades que remontam a fases diferentes da mesma língua. Nesse universo, o português brasileiro estaria mais próximo que o europeu de um estágio anterior da língua. Segundo Mattoso Câmara Jr, apesar de que uma lìngua, “segregada em outro meio, possa determinar ... a formação de uma verdadeira nova lìngua”, no Brasil, não se fala uma lìngua diferente de Portugal: “Podemos dizer que a unidade lingüística está, em essência, na identidade das oposições fundamentais, quer de ordem fonológica, quer de ordem gramatical.” (Câmara Jr.,1975:80). Mesmo considerando que as realidades lingüísticas do português brasileiro e do europeu não se constituem duas línguas diferentes, Câmara distingue dois blocos dialetais grandes, não contínuos, o europeu, e o 16 “Jusqu‟a preuve du contraire, nous considérerons les parlers populaires brásiliens comme des parlers portugais dont le témoignage pourra être invoqué pour la reconstituition du portugais des XVIe – XVIIe siècles.” (Rëvah, 1959:273-291). 81 americano e, em cada um deles, uma extensa continuidade dialetal. Dessa forma, a distinção entre o português brasileiro e o europeu é bastante forte. Mattoso Câmara diz que “A lìngua está de tal modo ligada à sociedade e à cultura, que a diferenciação cultural e social entre a população européia e a sua congênere americana, desde a época em que uma representava a metrópole e a outra a colônia, determinou uma dicotomia lingüística. Não é uma ficção falar num português americano, em bloco, em face do bloco do português europeu.” (Câmara Jr., 1975:81). Houaiss (1985:17), referindo-se aos que defendem o português brasileiro como uma língua diferente do português de Portugal, diz: “A crìtica básica a esse critério de oposição de diferenças é que se confere às diferenças um peso desproporcional, se comparado ao peso que deveria dar às igualdades.” Ele cita, entre outros, elementos estruturais da sintaxe, morfologia, como se vê na seguinte passagem: “Entre os elementos de igualdade que podem ser balanceados está, além dos sintáticos e morfológicos, o vocabulário – tanto do ponto de vista da estrutura fonológica significante, quanto da estrutura semântica do significado. São iguais, por exemplo, as imensas maiorias dos campos terminológicos, na medicina, no direito, na economia, nas matemáticas, na física, na química, na astronomia, na botânica, na zoologia etc, etc.” (Houaiss 1985: 21). 82 Houaiss (1985:17), ao defender a unidade da língua, diz que ela existe enquanto língua de cultura17, não enquanto língua natural. Nesse sentido, ele também está de acordo com a existência de uma mesma língua não no nìvel da lìngua popular, comum, oral, mas no que ele chama “lìngua de cultura”. Com outras palavras, parece que Houaiss concorda com a existência de línguas de uso oral, popular, diferentes. Só há uma mesma língua na escrita, o que considera língua de cultura. A argumentação de Houaiss (1985) não procede, uma vez que toma como base a escrita da língua, não o oral, e perde, pois, em valor argumentativo. Apesar de considerar que as diferenças do português nos dois continentes situam- se na “norma”, não na lìngua, Cunha (1975:73) defende programas de governo que, se não impeçam a separação dela em duas lìnguas, mas pelo menos que tentem “reduzir” ou “adiar” os “efeitos” do “permanente fator de diferenciação”, “que só aos cegos pode passar despercebido”. Marroquim (1996: 10-20) trata o português do Brasil como o “dialeto brasileiro”, criticando a denominação “brasileirismos” para as particularidades da língua neste país. Sendo dialeto entendido como uma forma regional da língua, o Brasil, diante da sua extensão, não tem um dialeto, mas vários. Reconhecer a existência desse dialeto, “força viva que surge das massas populares ao impulso de tendências lógicas e naturais” (Marroquim: 1996::10), é fundamental para que se façam estudos sistemáticos das suas tendências. Amaral (1976), sendo o pioneiro ao estudar o dialeto caipira, 17 Para Houaiss, lìngua de cultura é “sustentada por um aparato escrito (...) [que] se aprende, do nascimento até a morte, sempre e necessariamente, por uma poderosa rede escolar especìfica ...” (Houaiss, 1985:140). 83 “abriu resolutamente o caminho, dando um exemplo que deve ser imitado” (Marroquim: 1996::10). Pinheiro Lobato (2001) reconhece o português brasileiro como possuidor de uma gramática com seus próprios parâmetros, definidos, principalmente, devido a fatores externos, relacionados ao contato entre as diversas línguas, na fase de sua constituição. Segundo a autora, a razão principal das diferenças é que dados resultantes da aquisição como segunda língua foram utilizados como modelo para aquisição de português como primeira língua. “A mudança [do português europeu para o português brasileiro] foi um processo instantâneo para cada um dos aprendizes do português como segunda língua (escravos africanos e falantes não-portugueses das línguas gerais), o que significa que a mudança na gramática foi abrupta. O PB [português brasileiro] surgiu aí e essa nova gramática foi transmitida às gerações seguintes. (...) os produtos da nova gramática têm surgido lentamente desde então, no decorrer dos séculos.” Conforme as palavras de Pinheiro Lobato (2001), o português brasileiro não se associa diretamente aos africanos ou aos indígenas, mas à aquisição do português a partir de dados de L2 a que essa população foi submetida. A autora ressalta que a contribuição da população descendente dos escravos teve grande participação na formação dessa nova língua diante da grande massa “aprendiz de origem africana ter adquirido o português como segunda língua em idade adulta e em condições adversas”. (Pinheiro Lobato, 2001). 84 Galves (1998:80) considera o português brasileiro e o europeu, numa perspectiva gerativa, como duas línguas-I diferentes. A língua-I é definida como um “objeto mental, o saber que as pessoas têm da lìngua”, que corresponde a uma definição de parâmetros da faculdade da linguagem; enquanto a língua-E é entendida como “a totalidade dos enunciados que podem ser produzidos numa comunidade de fala”. Nessa concepção, a autora Galves (2001:93) afirma que “se “ „Lìngua‟ for definido como „Lìngua-I‟, o PE [português europeu] e o PB [português brasileiro] são exemplos de duas lìnguas diferentes”. 1. 7 Conclusões A formação do português do Brasil, como se explanou nesse capítulo, ainda é muito discutida. Apesar dos diversos estudos feitos em épocas diferentes, a polêmica continua. Um dos traços do português brasileiro tomado com muita freqüência, por muitos dos estudiosos, para a referência à realidade lingüística brasileira é a variação da concordância no sintagma nominal, fenômeno raro no português europeu. O atual estudo, dedicandose à observação desse aspecto do português do Brasil, considera não só inserir-se nessa discussão, como contribuir, com as observações aqui feitas, para o debate já existente. 85 2. PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS 2. 1 Fundamentação teórica 2. 1. 1 Linhas gerais da sociolingüística variacionista Neste capítulo, são feitas considerações sobre a sociolingüística variacionista, linha teórico-metodológica utilizada neste trabalho, e sobre aquisição e a mudança lingüística. Em seguida, é feito um detalhamento das variáveis (dependente e independentes) e são apresentados dados sobre a utilização do suporte estatístico, o pacote de programas Varbrul. O objeto de estudo da sociolingüística é a fala viva em seu contexto real, não a língua apenas idealizada, objeto de outros tipos de estudo. Essa ciência estuda fatos lingüísticos propriamente ditos em seus contextos e tem como preocupação explicar a variabilidade lingüística e sua relação com diversos fatores (lingüísticos e sociais) e a interferência dessa variação na mudança lingüística. A sociolingüística considera a heterogeneidade não só comum, mas como uma situação natural ou normal da língua, conforme se pode conferir em Labov (1983: 259): “... nos últimos anos, temos chegado a nos dar conta de que esta é a situação normal: que a heterogeneidade não só é comum senão que é o resultado de fatores lingüísticos básicos. O que sustentamos é que a ausência de variação estilística e de sistemas de comunicação multiestratificados é que resultaria disfuncional.” Segundo Labov (1982: 17), a heterogeneidade, objeto do estudo sociolingüístico, é vista como uma heterogeneidade ordenada. Sendo parte 86 integrante da economia lingüística da comunidade, é necessária para satisfazer as demandas lingüísticas da vida cotidiana e deve ser entendida como distinta da variação livre. A ocorrência de variantes relaciona-se a traços do ambiente interno e a características externas, do falante e da situação (estilo contextual, status e mobilidade social, etnicidade, sexo, idade). Segundo (Labov, 1982: 18), os estudos demonstram como a escolha de variantes identifica o falante, seu grupo social, sua faixa etária, sexo etc. Labov (1983: 31) afirma que as pressões sociais operam continuamente sobre a linguagem, não desde um passado remoto, mas como uma força imanente que atua constantemente no presente18. O objeto da descrição lingüística é a gramática da comunidade discursiva: o sistema de comunicação usado na interação social. Um estudo sociolingüístico envolve observação de uma comunidade, levantamento de hipóteses de trabalho, seleção de informantes, coleta, análise e interpretação de dados. Ao analisar uma amostra de língua coletada em uma determinada sincronia, com objetivos de observar a variação/mudança no uso da comunidade, é imprescindível que ela represente a forma comum como essa língua é usada, o seu registro informal. Na teoria variacionista, a mudança lingüística não é vista como exterior ao sistema, mas como integrante do seu caráter heterogêneo. Para se fazer o estudo da mudança, segundo a teoria variacionista, existe a necessidade de se considerar essa característica da língua, pois toda mudança pressupõe variação (Labov, 1982:20). Dessa forma, podem-se identificar mudanças em progresso, observando-se a concorrência de variantes velhas e novas, fase da mudança em que poderão ser identificados 18 “... las presiones sociales están operando continuamente sobre el lenguaje, no desde un punto remoto del pasado, sino como una fuerza social inmanente que actúa en el presente vivido”. 87 contextos favorecedores da nova forma e situações em que a forma velha é mantida. A observação da variação em uma sincronia pode, pois, apresentar dados indicadores da mudança. Na visão de Labov (1994:9), a estabilidade deveria ser a principal característica das línguas, diante do fato de elas serem usadas como instrumento de comunicação. As línguas, no entanto, mudam e a mudança não está associada simplesmente ao desgaste ou erosão devido ao uso. Uma resposta a que se quer chegar é o que as mudanças buscam. É comum dizer-se que todas elas levam à simplificação, mas, se isso fosse verdade, as línguas estariam cada vez mais simples, mas nem todas as mudanças parecem caminhar nessa direção. Outro aspecto importante a se observar é a avaliação que os falantes fazem sobre a mudança, pois existe a pressuposição de que, sendo considerada como positiva ou como negativa, isso possa interferir no curso de uma mudança. Os dados dos informantes mais jovens têm propensão de indicar tendências de mudança nas línguas; a observação dos falantes mais velhos, por outro lado, podem ser ricos em registros que sirvam para caracterizar a conservação de traços que caminham para o desuso. Assim, através desse estudo em que se tem acesso a amostras de fala dos dois grupos, pode-se ter um indicador de dados do passado e projeções para o futuro daquela língua. Esse estudo da mudança, com a observação das faixas etárias em uma sincronia, é o que se denomina estudo em tempo aparente (Labov, 1994: 45-6). Para que se confirmem as inferências de mudança feitas nesse tipo de estudo, é necessário que se faça o estudo em tempo real, com a observação de dados de mais de uma sincronia (Labov, 1994:73). Ao se fazer um estudo em tempo real, pode-se optar pelo panel study, com o recontato dos mesmos informantes em outro período de tempo, ou pelo 88 trend study, em que se contatam outros informantes com as mesmas características do primeiro grupo, em outra época. Como o primeiro deles é viabilizado normalmente com bem mais dificuldade, ele não é feito com freqüência, pois deve haver uma distância de em média vinte anos entre as sincronias. Ocorre que, nesse período, muitos informantes morrem ou se desinteressam de colaborar com a pesquisa feita anos atrás. Ainda há outros problemas, como mudança de cidade ou de condições, como perda de lucidez, de dentes, etc. Com o estudo em tempo real, pode-se observar se a mudança, prevista no estudo em tempo aparente, se confirmou, se continua o seu percurso, ou se é, ao contrário, a mesma variação atestada anteriormente, demonstrando, dessa forma, ser uma variação estável. O estudo através das faixas etárias também leva a elucidação de fatos da história da língua e pode-se, dessa forma, utilizar dados do presente para estudar o passado. O uso do presente para explicar o passado depende da identificação de pontos de contato entre fatos lingüísticos, similaridade ou divergência entre eles. É dessa forma que estudos da variação, da mudança e da reconstituição histórica da língua, hoje, fazem parte de uma mesma área. O estudo da mudança em progresso em uma sincronia, através de dados de gerações diferentes, pode demonstrar: 1) uma variação estável, em que co-ocorrem variantes diversas, sem evidenciar mudança em progresso; 2) uma mudança tomando lugar e conduzindo à diferenciação estrutural significante em duas ou três gerações. A variação entre os gêneros também é um dado que pode ajudar no estudo da mudança. Segundo Labov (1991:211), em situação de variação 89 estável, o gênero masculino normalmente usa uma freqüência mais alta de formas da linguagem não padrão que o gênero feminino, e as mulheres são geralmente inovadoras em situação de mudança lingüística (Labov, 1991:215). Mas Labov (1983:374) adverte que será um erro grave construir um princípio geral segundo o qual são as mulheres que encabeçam sempre a mudança lingüística. Lopes (2000) estudou a variação/mudança em tempo aparente e em tempo real da concordância de número no sintagma nominal, na fala de informantes universitários de Salvador. Nesse trabalho, apesar de a diferença encontrada entre as duas sincronias (décadas de 70 e de 90) ser muito pequena, considerou-se a possibilidade de mudança diante do comportamento dos mais jovens, em comparação com os mais velhos, e da constatação de que as mulheres se mostraram mais inovadoras que os homens. Labov (1983: 374) observa que as mulheres exercem um papel mais direto na transmissão da língua para as crianças: “Se é certo que se dá uma influência dos pais na linguagem inicial dos meninos, a das mulheres é ainda maior; certamente as mulheres falam aos meninos pequenos mais que os homens e têm uma influência mais direta durante os anos em que as crianças estão formando regras lingüísticas com mais rapidez e eficácia. Parece provável que o ritmo na progressão e na orientação da mudança lingüística devem muito à especial sensibilidade das mulheres diante do conjunto do processo.” Apesar de Labov (1983:374) referir-se a pesquisas que mostram as mulheres na frente em mudanças fonéticas do inglês, o autor afirma que o 90 correto não seria generalizar que as mulheres estão sempre encabeçando as mudanças, mas que “... a diferenciação sexual da fala desempenha com freqüência um papel primordial no mecanismo da evolução lingüìstica”. (Labov, 1983:374). O nível de escolarização pode ser um dado favorecedor da variação ou da mudança lingüística. Os estudos já realizados mostram que, em casos de mudança, os falantes mais escolarizados privilegiam a forma socialmente mais valorizada e, ao contrário, na fala desses informantes há o desfavorecimento de formas características da fala popular. Silva e Paiva (1996) falam de três tendências básicas de efeito da escolarização em relação à substituição da forma não padrão pela padrão: “a) Podem ocorrer casos em que os falantes entram na escola oscilando entre um grande e um pequeno uso da variante padrão, mas a escola „poda‟ a variante nãopadrão (...); b) em outros casos, em que a maioria dos falantes entra na escola sem usar a variante padrão, esta é adquirida durante sua escolarização sem que desapareça, porém, a variante não-padrão (...); c) finalmente, uma terceira modalidade ocorre quando os falantes entram na escola apenas com a variante que se considera nãopadrão, mas, paulatinamente, substituem essa variante pela considerada padrão.” (Silva e Paiva, 1996:348-9). O estigma social que as variantes sofrem concorre grandemente para que o efeito da escolarização seja mais ou menos garantido pela atuação dessa instituição. Aquelas variantes mais estigmatizadas são priorizadas 91 pelo trabalho dos professores, que têm como papel preservar a forma padrão e impedir a mudança, ou seja, a generalização da variante desvalorizada, mas concorrente na língua. Quando a variação/mudança envolve um traço não estigmatizado, comumente não é alvo da escola e, assim, não sofre o efeito da pressão escolar. As mulheres têm se mostrado mais sensíveis à escolarização que os homens, ou seja, quando mais escolarizadas, elas apresentam mais fortemente que os homens o efeito regulador que esse processo representa. Silva e Paiva (1996:349-50) observam que isso se dá pela forma diferente como os dois grupos se comportam no ambiente escolar: enquanto as meninas, mais freqüentemente, se interessam em ser as melhores alunas, isso não se dá com os meninos, que normalmente se interessam mais pela parte social que a escola traz, o recreio e a camaradagem entre os colegas. Essas variáveis, como se pode supor, interferem conjuntamente nos usos lingüísticos, não de forma isolada. 2. 1. 2 A aquisição A hipótese de que a variação da concordância no sintagma nominal do português brasileiro tem como explicação o tipo de aquisição da língua portuguesa pelos negros e pelos índios, no processo de colonização, no Brasil, faz surgir, nessa tese, a necessidade de se fazer um estudo sobre a aquisição. Nesta seção, de início, trata-se de aspectos relativos à aquisição lingüística de uma maneira geral. Em seguida, dar-se-á enfoque à aquisição com dados provenientes de aquisição como segunda língua, com mais divergência e variação e, finalmente, serão observados dados de um 92 contexto de aquisição com mais de uma gramática, dentro de uma visão gerativa. Lightfoot (1999) defende que gramática é uma entidade individual e que as pessoas desenvolvem gramáticas, que são representadas nas suas mentes e que caracterizam seu conhecimento lingüístico19. Dessa forma, as gramáticas variam de uma pessoa para outra, resultado de diferentes experiências lingüísticas. Esse autor mostra que, a despeito de dados tão reduzidos a que a criança se expõe, o que ele chama a “pobreza de estìmulos” (“the poverty of the stimulus”), a gramática é fixada (Lightfoot, 1999:63). O mistério se situa exatamente nesse ponto, pois a criança adquire muito mais do que a experiência apresenta como input. “Ninguém nega que a criança deva extrair informação do seu meio; isso não quer dizer que exista “aprendizagem” no sentido técnico. Meu ponto é que a aquisição da linguagem é muito mais que isso. Crianças reagem a evidências conforme princípios específicos. Não é de todo claro que papel a indução assume. Ela não capacita a criança a determinar qual é a sentença bem formada nem explica como crianças “aprendem” o significado das mais simples palavras. Crianças não têm evidência suficiente para induzir o significado de casa, livro, ou cidade ou de expressões complexas (…)”20 (Lightfoot, 1999:63) 19 “Individuals grow grammars, which are biological entities represented in people‟s brains and which characterize their linguistic knowledge.” (p. 49) 20 “Nobody denies that the child must extract information from her environment; it is no revelation that there is “learning” in that technical sense. My point is that is more to acquisition than this. Children react to evidence in accordance with specific principles. It is not at all clear what role induction plays. 93 Apesar da “pobreza do estìmulo”, a criança adquire a gramática, devido a certas propriedades do seu equipamento genético que fazem o desenvolvimento da linguagem. O estímulo do ambiente é apenas um “engatilhador”, pois muito do que é obtido no processo é determinado por princípios genéticos, ativados pela experiência. Lightfoot compara a aquisição da gramática ao crescimento dos pêlos: assim como eles nascem sob certas condições, como nìvel de luz, ar e proteìna, “assim, também, um organismo lingüístico regulado biologicamente emerge sob exposição a uma comunidade discursiva qualquer”21. Na fase de aquisição da linguagem, as características dos dados a que a criança tem acesso são de fundamental importância para a definição do produto final a ser adquirido. A sua competência lingüística, ou seu “fenótipo”, será, pois, o resultado do processamento dos dados lingüísticos primários (DLP), ou triggers, acrescido de facilitações, modificações ou conclusões chegadas a partir de dados da sua faculdade de linguagem, ou seu “genótipo” (Lightfoot, 1999:66), inerente, pois, a todo indivíduo. Myers-Scotton & Jake (2000a:1054) relacionam a ordem de aquisição da linguagem aos diversos tipos de morfemas, encontrados na estrutura da língua. Os autores apresentam quatro tipos de morfemas: 1) os content morphemes, ou morfemas de conteúdo (os substantivos, os adjetivos, os verbos são exemplos de content morphemes); e os system morphemes, ou morfemas sistêmicos, podendo ser de três tipos: Induction does not enable a child to determine what a well-formed sentence is; nor does it explain how children “learn” the meanings of even the simplest words. Children do not have sufficient evidence to induce the meaning of house, book, or city, or of more complex expressions (…)” (Lightfoot, 1999:63). 21 “( …) just as hair emerges with a certain level of light, air, and protein, so, too, a biologically regulated language organ emerges under exposure to a random speech community.” (Lightfoot, 1999:74). 94 2) os early system morphemes (em inglês, out e at, em to look out e to look at); 3) os bridge system morphemes (o morfema de plural –s, em two tables); 4) os outsider system morphemes (o –s indicador de 3a pessoa em he works). Os autores consideram que esse estudo revela a hierarquia em que os diversos fatos da estrutura lingüística são adquiridos tanto em aprendizagem de primeira como de segunda língua. Segundo Myers-Scotton & Jake (2000a:1055), a produção lingüística inicia-se no nível conceptual (pré-lingüístico), onde são ativados conjuntos de traços semântico-pragmáticos lingüisticamente específicos. Lemas, intermediários entre as intenções e a produção de estruturas sintáticas, são selecionados por esses conjuntos. Os lemas diretamente escolhidos no nível conceptual são a base para os content morphemes, ou morfemas lexicais. Além desse tipo de morfemas, os morfemas de conteúdo, definidos no nível dos lemas, outros são utilizados para concretizar as diversas intenções dos falantes, pois esses primeiros não são suficientes para fazê-lo: são os system morphemes, ou morfemas gramaticais. Esses, apesar de não serem morfemas de conteúdo, podem ser selecionados também no nível dos lemas ou, como a maior parte deles, no nível gramatical, ou no formulator. Esse nível é o responsável pela definição das estruturas gramaticais superficiais, pelas relações puramente sistêmicas ou estruturais. São dois os aspectos que fazem as diferenças básicas entre os content e os system morphemes: 95 1) o status com respeito à ativação conceptual (ou a fase em que eles são selecionados); 2) a forma como os elementos participam na construção dos constituintes22. Lemas subjazem os morfemas de conteúdos e são a relação direta entre intenções dos falantes e unidades lingüísticas. Esses lemas, no léxico mental, são diretamente eleitos pelos conjuntos de traços pragmáticosemânticos abstratos, salientes no nível conceptual. Outros lemas subjazem a um tipo de system morphem “indiretamente eleito”, o “early system morphem”, que contém estrutura conceptual essencial para atender às intenções do falante.23 Podem-se encontrar exemplos do primeiro tipo, content morphemes, ou morfemas de conteúdo, em (1) Stella is interested in horticulture. (Myers Scotton & Jake, 2000a:1058). Stella, interested, horticulture são content morphemes (morfemas de conteúdo). São elementos que recebem ou projetam regras temáticas (argumento ou predicado). O modelo identifica três tipos de system morphemes: os early system morphemes (já referidos), os bridge late system morphemes e os outsider late system morphemes. Os early system morphemes, apesar de serem ativados no nível dos lemas, juntamente com os morfemas de conteúdo, são 22 “First, morphemes are classified as to their status with respect to conceptual activation. Second, they are classified according to how their forms participate in building larger constituents.” (Myers-Scotton and Jake, 2000b:3). 23 “The lemmas underlying content morphemes are the direct link between speakers‟intentions and linguistic units. These lemmas in the mental lexicon are directly elected by the bundles of abstract semantic and pragmatic features salient at the conceptual level. These directly-elected lemmas can point to other lemmas that further realize the bundles of semantic and pragmatic features. These other lemmas underlie one type of system morpheme, endirectly-elected early sustem morphemes. In combination with content morphemes, these early system morphemes contain essential conceptual structure for conveying 96 elementos da estrutura funcional, são elementos estruturais, sistêmicos, não são predicados nem argumentos. Um exemplo desse tipo de morfema é up e o the em (2) Bora chewed up Lena‟s toy yesterday. (3) I found the book that you lost yesterday. (Myers Scotton & Jake, 2000a:1063). Tanto o the, quanto o up estão cumprindo diretamente as intenções do falante. A idéia de definitude do book já é determinada no nível das intenções do falante, assim como o up, que dá uma idéia diferente a chewed também foi definida no mesmo nível (daí serem early). Apesar disso, esses morfemas não recebem nem projetam regras temáticas, não são argumentos nem predicados (daí serem system). Os early system morphemes, então, são morfemas sistêmicos, estruturais, mas que são definidos mais cedo, na fase em que são definidos os morfemas de conteúdo, os content morphemes, para atender a necessidade desses morfemas, no nível das intenções. Os content morphemes e os early system morphemes, juntos, enviam direções para a estruturação das sentenças, no nível gramatical, ou formulator. Nesse último nível, outros morfemas sistêmicos ou estruturais também são ativados, os late system morphemes. Os late system morphemes são definidos apenas no nível funcional ou sistêmico, e são de dois tipos: 1) bridge late system morphemes, para o que Myers-Scotton & Jake (2000a:1064) apresentam como exemplos as preposições e outros elementos que fazem as relações, atendem apenas às exigências the speaker‟s intentions. Together, content morphemes and indirectly-elected system morphemes send directions to the formulator to build larger linguistic units.” (Myers Scotton & Jake, 2000b:3) 97 gramaticais. A análise da concordância no sintagma nominal do português que aqui se faz considera que esse fenômeno estrutural envolve, principalmente, morfemas do tipo bridge late system, além, também, de early system morphemes, conforme se discute neste trabalho, na análise dos dados. São, pois, tratados como early system morphemes os morfemas de plural nos nomes quando são os primeiros ou os únicos elementos pluralizáveis do sintagma ou aqueles em elementos anteriores imediatamente ao nome. Consideram-se bridge system morphemes todos os outros morfemas de plural do sintagma, pois eles são pluralizáveis apenas para cumprir orientação gramatical, a da concordância. 2) outsider late system morphemes, que são caracterizados como os morfemas que dependem de informação gramatical fora do sintagma em que eles ocorrem24. Incluem morfemas verbais como os que indicam pessoa, em Inglês, um elemento de concordância. Em português, a concordância verbal é expressa, também, com outsider system morphemes. Eles são considerados como dependentes de relação fora da projeção máxima, ou fora do sintagma (daí a denominação outsider), pois, nesse caso, dependem da relação do verbo com o sujeito. O modelo dos 4 M, ou quatro tipos de morfemas, pressupõe que, na aquisição das línguas, primeiramente os content morphemes são aprendidos. Entre os system morphemes, os early são aprendidos antes dos late system morphemes, e, desses, os que não dependem de relações fora da sua projeção máxima são aprendidos antes dos que dependem de orientação de fora (por exemplo, os morfemas de concordância verbal). Myers-Scotton 24 “They depend on grammatical information OUTSIDE of the immediate maximal projection in which they occur. This information is only available when the formulator sends directions to the positional/surface level for how maximal projections are unified in a larger construction.” (Scotton & Jake, 2000:1064). 98 & Jake (2000b:5) defendem que o status diferente dos diferentes tipos de morfemas afetam a sua produção: “Isto é, existe uma relação entre lemas subjacentes aos content morphemes e a performance. Colocado de outra maneira, lemas contêm todas as especificações necessárias para projetar constituintes maiores e construir projeções. (…) content morphemes são adquiridos mais cedo e perdidos mais tarde que system morphemes. Similarmente, como morfemas que são também salientes conceitualmente, early system morphemes diferem de late system morphemes.25 Em Myers-Scotton & Jake (2000b:4), os autores chamam à atenção para o fato de que os mesmos traços não são necessariamente codificados pelos mesmos tipos de morfemas nas diversas línguas26. Analisando a forma apresentada por Myers-Scotton & Jake (2000a, e 2000b), o presente trabalho considera, pois, que a morfologia referente à concordância dentro do sintagma nominal, no português, estaria ora entre os early system morphemes, ora estaria se comportando como os late system morphemes. Nesse entendimento, num sintagma nominal do tipo “os meninos”, em “Os meninos saìram”, o morfema de plural de “os” é inserido logo, ele deve ser considerado um early system; o “s” de “meninos” parece não ser gerado no mesmo momento, pode ser considerado um tipo de late system. Essa pode ser a explicação para o morfema de plural –s de meninos ser 25 “That is, there is a relationship between abstract lemmas underlying content morphemes and performance. Put another way, lemmas contain all the specifications needed to project langer constituents and build CPs. (…) content are acquired earlier and lost later than system morphemes. Similarly, as morphemes that are also conceptually-salient, early system morphemes differ from late system morphemes.” 99 registrado com menos freqüência em processos de variação, e ser fixado mais tarde em processos de aquisição. 2. 1. 2. 1 A aquisição em condições especiais de movimentação populacional Esta seção trata especificamente da aquisição da língua em situações especiais de contato entre populações, que dão origem a processos de formação de línguas de início de emergência, tipo pidgin27, e, posteriormente, crioulos, já referidos no capítulo 1, e também de dialetos que são modificações da língua de superstrato, que se distanciaram da língua inicial como resultado de situação semelhante, embora menos radical, em processo de nativização. Quando a criança passa por uma exposição a dados de mais de uma gramática, ou de diversas gramáticas, com inputs mistos, sob condições especiais de movimentos populacionais, normalmente ela será levada à formação de uma gramática diferente das gerações anteriores. Nesse caso poderá haver uma mudança de gramática (Lightfoot, 1999), é o que ocorre quando línguas crioulas se formam. Lightfoot (1999) considera que crianças utilizam-se da exposição ao ambiente lingüístico para, dali, tirar “pistas” para a aquisição de lìngua. Considerando-se a formação de línguas crioulas, em comparação com a aquisição de línguas não-crioulas, a diferença é que na formação de crioulos ocorre que, a partir da interpretação do que as crianças ouvem, o mais “empobrecido” possìvel de pistas da lìngua alvo, novas lìnguas completas podem surgir, e de forma rápida. Essas línguas, ou simplesmente esses dialetos, são resultantes de aquisição com poucos dados, diante da 26 “It is important to note that the same features are not necessarily encoded by the same type of morpheme cross-linguistically.” 27 Ou uma interlíngua, como aqui já se observou. 100 situação especial vivida pelas populações. Nesse tipo de aquisição da linguagem, há precariedade de input e a transmissão da língua muitas vezes é feita por falantes não-nativos, que não adquiriram a língua como primeira língua, mas o fizeram já na sua fase adulta. A língua surgida desse processo caracteriza-se “pela redução gramatical da lìngua considerada alvo e a manutenção, principalmente, de elementos essenciais necessários ao preenchimento das funções comunicativas básicas” (Lucchesi, 2000c:99). Lucchesi apresenta três razões básicas para a redução da estrutura gramatical relacionadas à formação dos modelos de aquisição da língua alvo, ou seja, da língua de superstrato, a que as populações tiveram acesso: “(i) o difìcil acesso dos falantes das outras lìnguas aos modelos da língua alvo, sobretudo nas situações em que os falantes dessa língua alvo são numericamente muito inferiores aos falantes das outras línguas; “(ii) o fato de os falantes dessas outras lìnguas serem, em sua maioria, adultos, não havendo, pois, o acesso aos dispositivos da faculté du language, que atuam naturalmente no processo de aquisição da língua materna; (iii) a ausência de uma ação normatizadora, ou seja, de uma norma ideal que oriente e restrinja o processo de aquisição/nativização, já que esse processo tem como objetivo o de fundamentalmente [ser] a comunicação emergencial com os falantes da lìngua alvo.” (Lucchesi, 2000c:99). 101 Embora esses processos de aprendizagem de língua tenham ocorrido em várias partes do mundo, houve, a depender de aspectos sóciodemográficos de cada situação, formações lingüísticas que se distanciavam da língua-alvo em graus diferentes. A respeito disso, Lucchesi (2000c:104) afirma que “A transmissão irregular constitui um contìnuo de nìveis diferenciados de socialização/nativização de uma segunda língua, adquirida massivamente, de forma mais ou menos imperfeita, em contextos sócio-históricos especìficos.” A depender da relação da língua nativizada com a língua-alvo, ela será, pois, uma língua distinta ou apenas uma variedade da língua-alvo, com marcas da sua formação, mas que, apesar disso, não se distanciará tanto da primeira. As línguas crioulas são caracterizadas por Myers-Scotton (no prelo) como compostas por um léxico e um conjunto de princípios de boa formação, que funcionam acoplados, e, juntos, constituem a gramática. Esse léxico e esse aparato gramatical são dois sistemas diferentes, e a autora diz que “existem dois sistemas e eles interagem de importantes maneiras nos nìveis abstratos do processamento e produção”28. Mufwene (2000) considera que a crioulização é um processo que não se diferencia do processo de formação regular de língua senão no que diz respeito a aspectos sociais, não estruturais. Dessa forma, não se justificam as tentativas de explicar como se formam os crioulos, pois a diferença é 28 There are two systems, and the interact in important ways at abstract levels of processing and production. (op. cit, p. 2) 102 apenas a velocidade e a extensão das reestruturações que ocorrem nos dois tipos de produtos formados. “Desde que a fórmula de reestruturação é aparentemente a mesma – a velocidade e a extensão variam de acordo com os diversos fatores ambientais – parece arbitrário assumir que crioulos vernaculares desenvolveram-se por processos diferentes da mudança lingüìstica normal.” (Mufwene, 2000:69). Esse autor não considera que a transmissão lingüística insuficiente ou irregular seja algo específico dos crioulos, pois a aquisição de qualquer língua é carregada de imperfeições, resultado da heterogeneidade interindividual e, também, do input (Mufwene, 2000:73). Nos crioulos, contudo, ocorre uma aprendizagem com mais imperfeição e a reestruturação é mais rápida e extensiva que em outros tipos de contato de língua (Mufwene, 2000:69). Processos de reestruturação como a gramaticalização têm sido utilizados no desenvolvimento de crioulos e de não crioulos e “morfemas ou construções que têm sido idiomatizadas para funções gramaticais específicas iniciam-se de modelos disponìveis (…) na lìngua base.” (Mufwene, 2000:69). Embora não se esteja tratando de nenhum crioulo, o tópico da aquisição com dados com muita diversidade e divergência tem relevância diante da história de aprendizagem de língua na cidade do Salvador, cuja população foi formada por três diferentes raças, relacionadas entre si, durante séculos, por um processo de escravidão. Independente de terem havido línguas crioulas, em alguma parte do Brasil, tem-se a certeza 103 de que processos variados de aquisição do português ocorreram no decorrer da história desse país, envolvendo aquisição de Português L1 com dados divergentes ou insuficientes oriundos de contatos com falantes que aprenderam essa língua como L2. Em aquisição de primeira ou de segunda língua, dessa forma, os content e os early system (ou morfemas lexicais e morfemas gramaticais early - introduzidos na fase dos lemas) são aprendidos primeiramente, seguidos dos bridge late system e, finalmente, dos outsider late system. Em processos de crioulização, observam-se perdas do tipo de preposições, conjunções, pronomes, todos morfemas gramaticais ou system morphemes; mas as maiores perdas se localizam principalmente na morfologia flexional, que desaparece totalmente ou fica muito comprometida (MyersScotton, no prelo). Myers-Scotton (no prelo) apresenta cinco hipóteses que, no seu entender, caracterizam a formação das línguas crioulas e são de fundamental importância para a compreensão do processo de constituição dessas línguas. São elas: 1) As variedades de substrato contribuem para a formação do crioulo, com uma estrutura gramatical “invisìvel”, a Matrix Language29; 2) Content morphemes do superstrato são mais freqüentes no crioulo do que content morphemes do substrato30; 29 “The ML [matrix language] is best thought of as the abstract grammatical frame of bilingual CP, not as a language itself. (…) ML happens to be synonymous with the frame of one of the participating varieties." Scotton & Jake (no prelo) 30 O inverso disso acontece em Cafundó, uma comunidade negra encontrada no Brasil. Na linguagem desse grupo, há utilização de muitos morfemas lexicais de línguas africanas e gramática do português, ao contrário das línguas crioulas conhecidas, 104 3) Content morphemes do superstrato podem ser reconfigurados como morfemas gramaticais para satisfazer as necessidades da estrutura abstrata; 4) Early system morphemes do superstrato podem aparecer em crioulos, com seus content morphemes principais; 5) Late system morphemes do superstrato não são aproveitados no crioulo, apenas content morphemes e seus early system morphemes. Para a presente discussão, interessam, particularmente, as hipóteses 4 e 5. Segundo essa teoria, os early system morphemes são apenas “satélites” dos morfemas de conteúdo, só são utilizados quando os de conteúdo a que eles se associam são acessados, e são ativados, por isso, na sua fase de produção, conjuntamente com eles. Nos crioulos, apesar de não ser regular a existência desse tipo de morfema, eles ocorrem em algumas dessas línguas. Myers-Scotton (no prelo) diz que eles podem surgir na forma de morfemas aglutinados ao nome, como um morfema pré-nominal, a exemplo das partículas du, de la francesas, presentes nos crioulos de Reunião, de Ile de France, do Haiti e no Mauriciano, de base francesa. “Um conjunto de dados do francês monolìngüe deixa claro que os nomes do francês não ocorrem categoricamente com seus artigos definidos ou partitivos. Essa é a evidência de que os nomes e esses early system morphemes não compartilham de um único lema no léxico mental, mas pertencem a diferentes lemas. Assim, um content morpheme e seu 105 early system morpheme é que são inseridos como um só em uma estrutura crioula. (…)”31 Crioulistas já observaram que, em crioulos que têm como substrato línguas bantas [anteriormente citados, de Reunião, de Ile de France, do Haiti, o Mauriciano] é comum a existência dessas formas aglutinadas, que Myers-Scotton (no prelo) classifica agora como formadas por early system morphemes e content morphemes. A semelhança, pois, entre os substratos e os crioulos resultantes mostra a relação que se sugere existir entre as gramáticas das duas línguas (o crioulo e o substrato). Myers-Scotton (no prelo) acrescenta que, nas línguas envolvidas, esses morfemas gramaticais que se acoplam aos morfemas de conteúdo são early system morphemes, tanto nas Banto como nos superstratos, daí o aproveitamento de estrutura semelhante no crioulo criado: “A conexão entre essas formas (det+nome) em crioulos e a população Banto de escravos é que as línguas Banto são caracterizadas por um conjunto de classes de nomes mais marcados, uma classe de prefixos que obviamente relembram os determinantes franceses em sua posição pre-nominal. O modelo 4-M acrescenta o argumento de que tanto os determinantes franceses quanto as classes de prefixos de nomes Banto são early system morphemes.32 31 “Any data set of monolingual French data makes it clear that French nouns do not occur categorically with either definite articles or partitives. This is evidence that the nouns and these early system morphemes do not share a single lemma in the mental lexicon, but rather are in separate lemmas. Yet, it is a content morpheme and its early system morpheme that are inserted as one in a creole frame. (…)” (p.24) 32 “The connection between these [det+noun] forms in creoles and a Bantu population of slaves is that Bantu languages are characterized by a set of noun classes, most marked with class prefixes that obviusly resemble the French determiners in their prenominal position. The 4-M model adds the argument that both the French determiners and the Bantu noun class prefixes are early system morphemes”. (p. 24-25). 106 Embora essa junção entre um morfema funcional e um morfema de conteúdo seja a explicação para a manutenção de um morfema gramatical em um crioulo, Myers-Scotton (no prelo) deixa claro que o fato de ser um early system morpheme foi a condição ou exigência para que isso acontecesse. Isso não teria ocorrido entre um late system morpheme e um content morpheme. Segundo a autora, esse estado de coisas dá base para se dizer que “os early system morphemes são conceituamente ligados a suas cabeças, dependendo desses elementos de sua projeção máxima para as determinações sobre sua forma [A definitude é explicitamente marcada e é atribuída pelo determinante, que também carrega a informação de plural]. Esta característica distingue early system morphemes de late system morphemes e pode explicar porque o falante crioulo percebe as partes da unidade com suas cabeças” (Myers-Scotton, no prelo)33. Scherre (1988:366-7), ao estudar a presença de marca de concordância em elementos antecedentes ou pospostos aos núcleos, considera que existe uma relação de coesão estrutural mais forte entre o núcleo e os seus antecedentes, mas não entre o núcleo e os elementos pospostos a ele: “... os elementos antepostos ao núcleo apresentam entre si e o núcleo uma relação mais coesa do que a que é estabelecida entre os elementos pospostos e o núcleo correspondente. É, portanto, possível postular a existência de dois graus de coesão dentro do segundo nível (...) 33 “early system morphemes are conceptually-linked to their heads, depending on the heads of their maximal projection for direcions about their form (e. g., Is definiteness marked overtly? Is is conveyed by a determiner?). This characteristic distingishes early system morphemes from late system morphemes and can explain why the creole speaker perceives them as part of a unit with their heads.”(p. 25). 107 somente os constituintes pospostos ao núcleo admitem a possibilidade de inserção de elementos entre eles e os seus núcleos correspondentes e, coerentemente, são estes constituintes os menos marcados.” Em Detges (2000), são encontrados exemplos de formas com resíduos dos artigos franceses: zozo, lapli, do francês “les oiseaux”, presentes no crioulo de Reunião; zozo, zuazo, do francês “les oiseaux”, no crioulo mauriciano; nãm, do francês “un âme”, no crioulo haitiano. Detges, no entanto, não considera que tenha havido, simplesmente, uma aglutinação fonológica de itens morfológicos anteriormente separados ou distintos, mas a explicação é dada a partir de um princípio de reestruturação, um processo de reanálise morfológica, que não é, no seu entendimento, um fenômeno do falante, mas do ouvinte. Ao ouvir as duas formas, o artigo e o nome, o falante não interpreta a existência dos dois itens e faz a fixação da cadeia de som ouvida e a transmite, fazendo a sua expansão na língua crioula. “Eles simplesmente não são identificados como itens significantes. A transmissão material simultânea e a função perdida do artigo francês apresenta um exemplo simples de mecanismo cognitivo que governou o processo de reestruturação na gênese dos crioulos franceses.” (Detges, 2000:147-148).34 Segundo a teoria dos 4-M, os late system morphemes não são ativados no nível das intenções, apenas os content e os early system morphemes o 34 “They were simply not identified as meaning items. The simultaneos material transmission and functional loss of the French article forms provide a simple example of the cognitive mechanism which governed the process of restructuring in the genesis of the FrCr‟s [crioulos de base francesa]”. 108 são. Isso se dá pelo fato de os primeiros não “estarem em cena” quando conjuntos de traços semântico-pragmáticos, que ligam intenções a lemas, são ativados, senão mais tarde, no nível funcional ou gramatical. Dessa forma, os late system morphemes não podem ser escolhidos para cumprir qualquer intenção, nessa fase. Como uma evidência desse fato, da hierarquia e das implicações dessa diferença entre os morfemas, MyersScotton (2000a) apresenta o morfema existencial there em comparação com o locativo there. O primeiro é um late system morpheme, ele cumpre apenas uma função gramatical, não é um morfema de conteúdo, mas o segundo é um content morpheme. Prova disso constata-se na observação de que enquanto o existencial não se mantém nos crioulos, por ser um late system morpheme, o locativo aparece em muitos crioulos do inglês, embora reconfigurado como um marcador de tempo-modo-aspecto, ou seja, cumprindo valor de morfemas funcionais “late” (Myers-Scotton, 2000a : 25). Para a presente discussão, importa a diferença que se pode estabelecer entre os morfemas de plural que estão envolvidos na concordância dentro do sintagma nominal. Sendo o português uma língua que exige que a concordância se faça entre os vários elementos pluralizáveis do sintagma (no determinante pré-nominal, assim como no francês, referido por MyersScotton (no prelo), e em outros elementos) é de supor que os morfemas de plural não sejam todos ativados no mesmo nível e, por isso, tenham implicações na variação do fenômeno nessa língua. Com o suporte teórico-metodológico de que se dispõe neste trabalho, tem-se a certeza de que é possível relacionar a variação da concordância aqui estudada aos dois tipos diferentes de morfema envolvidos no fenômeno (os early system morphemes e os late system morphemes) e, ainda, à história de formação do português no Brasil. 109 2. 1. 3 Competição de gramáticas e mudança lingüística Na visão de Lightfoot (1999), de que falantes têm gramáticas individuais, a variação é uma indicação de que existem gramáticas em competição. Assim, traços das duas gramáticas do mesmo falante podem ocorrer, em contextos complementares, como em uma diglossia internalizada (Lightfoot, 1999:92). “Neste caso, a aparente opcionalidade seria uma função de gramáticas coexistentes. Melhor que, então, admitir que uma gramática gere opcionalmente as formas a e b, nós sustentamos que uma pessoa tem acesso a duas gramáticas, uma das quais gera a, a outra, a forma b; o falante tem a opção num determinado momento de usar uma ou outra das gramáticas.”35 Nesse ponto de vista, a aparente variação é uma oscilação entre dois ou mais pontos fixados. Os falantes que têm mais de uma gramática refletem que, no processo de aquisição de língua, tiveram acesso a mais de uma gramática. Línguas não têm variação nem livres alternâncias e, quando isso acontece, são línguas diacronicamente instáveis e representam uma transição até que uma das gramáticas cai em desuso.36 O que define se os falantes de uma língua terão ou não mais de uma gramática são os dados a que eles tiveram acesso na sua aquisição de língua. Lightfoot (1999:92) diz que essa é uma situação difícil de ser 35 “In that case, apparent optionallity would be a function of coexisting grammars. Rather than allowing one grammar to generate forms a and b optionanny, we would argue that a person has access to two grammars, one of which generates form a, the other form b; the speacker has the option at any given time os using one or other of the grammars. 36 “In general, grammars do not manifest optional, free alternations, and where languages have alternations, they are diachronicall unstable and represent a transition whereby one of the grammars is driven into desuse.” (Lightfoot, 1999: 94). 110 detectada pelo lingüista, pois é às vezes difícil saber se se deve ou não “invocar” a coexistência de gramáticas: “A dificuldade aqui não é para a criança, mas para o analista: o analista deve decidir quando a coexistência de gramáticas deve ser invocada. Apesar disso, não se tem razão para acreditar que a palavra foi designada de tal forma como para fazer a investigação mais fácil. Nem a linguagem.” (Lightfoot, 1999:92).37 Gramáticas em competição podem surgir de contatos entre duas ou mais comunidades, quando membros dessas comunidades adquirem traços lingüísticos da(s) outra(s) e as crianças têm acesso a usos de mais de um grupo, aprendidos através dos mais velhos. Nesse caso a criança terá mais de um conjunto de parâmetros, iniciando o processo de diglossia (Lightfoot, 1999: 92). Quando as formas aprendidas nessa situação são funcionalmente distintas e têm significados diferentes, elas podem permanecer, mas quando não são funcionalmente distintas, uma delas desaparece. É o que é conhecido como o Blocking effect, segundo o qual não há possibilidade de existirem doublets (elementos que têm o mesmo significado e o mesmo valor funcional). A língua faz desaparecerem os elementos que estão concorrendo, quando têm o mesmo valor. Kroch (1994:185) diz que os doublets, para resistirem, precisam ter significados diferentes, deixando, pois, de competir: “Doublets crescem através do dialeto e contato lingüístico e competem no uso até que uma ou outra forma vence. Devido a suas origens sociolingüísticas, 37 “The difficult here is not for the child but for the analist: the analist must decide when coexisting grammars must be invoked. However, we have no reason to believe that the world was designed in such a way as to make its investigation easy. Nor language.” 111 as duas formas aparecem em diferentes registros, estilos, ou dialetos sociais; mas eles podem coexistir estavelmente na comunidade de fala se eles se diferenciam quanto ao significado, deixando, dessa forma, de ser doublets.”38 Ao considerar que a gramática é uma entidade individual, considera-se que a mudança lingüística ocorre também a partir desse mesmo plano, individual. É o conjunto de dados lingüísticos primários que provoca a mudança. Se, por qualquer motivo, são apresentados dados à criança que diferem dos dados lingüísticos primários (PLD) a que seus pais tiveram acesso quando crianças, certamente a gramática dessa criança será diferente da gramática dos seus pais e ela, por certo, também será uma fonte de onde essa sua gramática será difundida, pois ela fornecerá outros PLD que servirão de base para outras crianças e assim a mudança social ocorre, a partir de um uso individual (cf. Lightfoot, 1999:101). Lightfoot (1991), apud Lightfoot (1999:105), identifica seis traços da mudança gramatical: 1) cada nova propriedade gramatical é manifestada por um grupo de novos fenômenos; 2) existe uma reação em cadeia desses novos fenômenos; assim a nova gramática difere da anterior não em um, mais em diversos aspectos; 3) essas mudanças com novas propriedades gramaticais espalham-se rapidamente e manifestam a curva em S; 38 “Doublets arise through dialect and language contact and compete in usage untilone or the other form wins out. Due to their sociolinguistic origins, the two forms often appear in different registers, styles, or social dialects; but they can only coexist stably in the speech community if they differentiate in meaning, thereby ceasing to be doublets.” 112 4) a obsolescência dos antigos padrões faz a aceitação das novas propriedades gramaticais; 5) uma mudança de significado é uma conseqüência das novas propriedades gramaticais, pelo mesmo motivo da obsolescência da estrutura; 6) novas propriedades gramaticais ocorrem como conseqüência de mudanças em dados simples, com “pistas” que ocorrem unicamente em domínios não encaixados. Apesar de a mudança iniciar-se sempre no plano da gramática individual, e, sendo difundida, chegar ao plano coletivo, da mudança social, as duas mudanças são consideradas diferentes por Lightfoot quanto ao fato de serem graduais ou abruptas. No plano individual, a mudança ocorre abruptamente, mas na gramática vista como entidade do grupo ela parece ser gradual. Quanto a isso, ele diz: “Eu tenho sustentado que depende da lente que se usa. Experiência é geralmente fluida. E se alguém está preocupado exclusivamente com a descrição de diferenças na experiência, em termos do que se encontra em textos de diferentes gerações, então mudança parece ser fluida, gradual, por partes, e caótica. Similarmente, se se pensa em termos de alguma espécie de gramática social em que a gramática (mítica, eu considero) é uma espécie de codificação dos textos produzidos por algum grupo de falantes, então novamente a mudança parece ser gradual. Também, se alguém pensa em termos de uma mudança lingüística, considerando a língua 113 como um fenômeno grupal, mudança parece ser gradual, como água fluindo. Contudo, (…) para um entendimento coerente da aquisição da linguagem, nós devemos pensar em termos de gramática abstrata; mudança decorre, então, de diferentes gramáticas emergindo em diferentes pessoas. (…) em termos de gramática biológica representada em mentes individuais, então gramáticas diferem uma das outras abruptamente, em função da variação limitada permitida pela GU.”39 (Lightfoot, 1999:107) A proposta da sociolingüística variacionista não nega que a gramática seja uma entidade individual, e Lightfoot reconhece isso. Nesse caso, a gramática do falante incorpora conhecimento sobre formas variantes e a sua probabilidade de ocorrência. “A gramática de Labov é claramente biológica. A diferença entre sua gramática e as outras que eu tenho descrito é que a sua incorpora muito mais informação. Labov introduz em seu modelo de conhecimento lingüístico de uma pessoa informação sobre a variabilidade social.”40 (Lightfoot, 1999:82) 39 “I have argued here that it depends on the lens that one uses. Experience is generally fluid, and if one is concerned excludively with describing differences in experience, in terms of what one finds in comparable texts of different generations, then, change appears to be fluid, gradual, piecemeal, and chaotic. Similarly, if one things in terms of some kind of social grammar, where the “grammar” (mytical, I believe) is some kind of codification of the texts produced by some group of speakers, then again change appears to be gradual. Also, if one thinks in terms of a language changing, taking to be a group phenomenon, change appears to be gradual, like water folwing. However, (…) for a plausible account of language acquisition, we must think in terms of abstract grammars; change is then a function of different grammars emerging in different people. (…) in terms of biological grammars represented in individual mind/brains, then grammars differ from each other abruptly, a function of the limited variation allowed by UG.” 40 “Labov‟s grammars are clearly biological. The difference between his grammars and the ones I have described is that his incorporate much more information. Labov builds into his model of a person‟s linguistic knowledge information about social variability.” 114 Nesta tese, apesar de elaborada sobre bases da sociolingüística variacionista e de serem tomados como objetivos fundamentais a definição das variáveis envolvidas no processo da variação da concordância no sintagma nominal, são, também, utilizados fundamentos da teoria dos 4 M, de Scotton & Jake (2000a) e de Lightfoot (1999) na interpretação dos resultados alcançados. É dessa forma que se consegue, neste trabalho, dar conta do fenômeno estudado. A seguir, serão apresentadas informações sobre a metodologia da constituição da amostra e da análise estatística dos dados. 2. 2. Aspectos Metodológicos 2. 2. 1 Constituição da amostra Numa pesquisa sociolingüística, a seleção dos informantes deve refletir as hipóteses iniciais e orientar a constituição de uma amostra representativa das variáveis sociais em estudo. A amostra pode ser constituída de forma completamente aleatória, pode-se formar as células do jeito que se preferir, fazendo uma escolha aleatória dos informantes, correndo-se o risco de formar um grupo de informantes com número desigual de representantes de cada célula. Pode-se também definir com antecedência as categorias sociais, os fatores extra-lingüísticos que a pesquisa observará e o número de indivíduos necessários em cada célula. Dessa forma, os informantes podem ser, posteriormente, selecionados mais ou menos ao acaso, até completar o número desejado para a amostra. A coleta de dados é, hoje, normalmente, feita através de conversas gravadas, numa situação que Labov (1983: 266) chamou de „o paradoxo do observador‟41, pois se esperam registros de fala informal, descontraída, mas 41 “Nos encontramos asì com la Paradojo del Observador: el objetivo de la comunicación lingüìstica de la comunidad há de ser hallar cómo habla la gente cuando no está siendo sistemáticamente observada; y sin embargo nosotros sólo podemos obtener tales datos mediante la observación sistemática”. 115 o contexto oferecido ao informante é de entrevista, que se constitui numa situação formal. Nesta pesquisa, são usados como amostra alguns inquéritos do Projeto Norma Urbana Culta/70 (NURC/70), com informantes de nível universitário (Mota & Rollemberg, 1994:11-24), parte do NURC/90 e os inquéritos do Programa de Estudos sobre o Português Popular de Salvador, o PEPP (Lopes:2000c). O Projeto NURC/90 é resultado de um trabalho que, em Salvador, vem propiciando novos contatos com informantes gravados na década de 70, de forma a dar condições de estudos envolvendo as duas sincronias. Para compor a nova faixa etária, de 25 a 35 anos, os mais jovens, para a qual, naturalmente, não se tem falantes já gravados naquela etapa do Projeto, são contatados outros informantes, obedecendose aos mesmos critérios. O Projeto NURC foi implantado no Brasil a partir de 1969, com o objetivo de fazer a descrição “dos padrões reais de uso na comunicação oral adotados pelo estrato social composto por indivíduos de escolaridade superior” (Mota & Rollemberg, 1994:11). O Projeto NURC foi realizado em cinco capitais brasileiras, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, tendo como objetivos principais: a) fazer um levantamento sistemático da modalidade oral culta; b) ajustar o ensino escolar da língua a essa modalidade, de forma a propiciar um trabalho adequado às diferenças culturais e lingüísticas reais do país. O PEPP, um projeto interinstitucional de pesquisa, inicialmente apenas da Universidade do Estado da Bahia, posteriormente também da Universidade Federal da Bahia, visa a dar condições de análise atualizada e 116 diversificada da fala popular de Salvador. Fazem parte do grupo de trabalho do PEPP as professoras Norma da Silva Lopes, Constância Maria Borges de Souza e Emília Helena Portella Monteiro de Souza, sob a orientação da professora Myrian Barbosa da Silva. A primeira etapa do trabalho, a da constituição do PEPP, da responsabilidade conjunta de todo o grupo, teve como objetivo elaborar um corpus de quarenta e oito inquéritos, com falantes de quatro faixas etárias e dois graus de escolaridade diferentes (Fundamental e Média). Este grupo também tem colaborado com o projeto de recontato do projeto NURC/SSA, aqui referido como NURC/90, fazendo novas entrevistas. A amostra total observada nesta pesquisa é formada por setenta e quatro inquéritos, com a seguinte constituição: 1) Década de 70: Essa parte da amostra envolve apenas os informantes de escolaridade superior, todos do projeto NURC, num total de doze informantes; 2) Década de 90, com representantes da fala popular e da fala culta : a) Os representantes da fala popular são todos do PEPP, em dois níveis de escolaridade, num total de 48 informantes, vinte e quatro de cada nível: Escolaridade Fundamental, de 1 a 5 anos de escolarização; e Escolaridade Média, 2º grau completo, 11 anos de escolarização; 117 b) Os representantes do nível de Escolaridade Superior são todos informantes do projeto NURC/90, num total de 18 informantes. Os informantes do NURC da década de 70 estão assim distribuídos: Faixa etária de 25 a 35 anos: - dois homens - duas mulheres Faixa etária de 45 a 55 anos: - dois homens - duas mulheres faixa etária acima de 55 anos: - dois homens - duas mulheres Os informantes do NURC da década de 90 estão com a seguinte distribuição: Faixa etária de 25 a 35 anos: - três homens - três mulheres Faixa etária de 45 a 55 anos: - três homens 118 - três mulheres faixa etária acima de 55 anos: - três homens - três mulheres Os informantes do PEPP, da década atual, estão distribuídos em quatro faixas etárias: de 15 a 24 anos, de 25 a 35 anos, de 45 a 55 anos e de 65 anos em diante. Diante da precariedade de tempo na constituição da amostra, para não haver prejuízo na observação dos fatos a serem estudados, decidiu-se pela existência de um intervalo de dez anos entre as três faixas do PEPP, que poderá, com a continuidade do trabalho e a ampliação das gravações, ser reduzido ou desfeito. A escolaridade dos informantes dessa amostra variou, pois, entre a mínima de 1 a 4 anos de permanência na escola, e a escolaridade máxima, curso superior completo. A seguir, se apresenta um quadro geral dos informantes da década de 90, com a distribuição dos informantes, por célula. 119 Quadro 2: Demonstrativo Geral dos inquéritos da Amostra Atual (década de 90) IDADE ESCOLARIZAÇÃO Fundamental HOMEM MULHER PEPP/42 PEPP/43 PEPP/47 PEPP/44 PEPP/18 PEPP/05 PEPP/48 PEPP/02 PEPP/20 PEPP/12 PEPP/04 PEPP/03 PEPP/40 PEPP/19 PEPP/22 PEPP/45 PEPP/09 PEPP/29 PEPP/13 PEPP/10 PEPP/33 PEPP/23 PEPP/28 PEPP/21 NURC/009N NURC/014N NURC/006N NURC/013N NURC/010N NURC/011N De 15 a 24 anos) Média Fundamental De 25 a 35 anos) Média Superior 120 FAIXA ETÁRIA ESCOLARIZAÇÃO HOMEM Fundamental De 45 a 55 anos) Média Superior Fundamental De 65 anos em Média diante Superior MULHER PEPP/30 PEPP/31 PEPP/32 PEPP/36 PEPP/37 PEPP/46 PEPP/26 PEPP/07 PEPP/24 PEPP/08 PEPP/15 PEPP/17 NURC/002R NURC/011R NURC/003R NURC/004R NURC/015N NURC/012N PEPP/34 PEPP/38 PEPP/35 PEPP/39 PEPP/06 PEPP/01 PEPP/14 PEPP/41 PEPP/16 PEPP/27 PEPP/11 PEPP/25 NURC/012R NURC/005R NURC/006R NURC/008R NURC/007R NURC013/R 121 2. 2. 2 Realização dos inquéritos PEPP Local A escolha do local das gravações das entrevistas procurou atender sempre as condições de cada situação. Algumas gravações ocorreram na residência do entrevistado, ou no seu local de trabalho e outras na casa do inquiridor. Se a casa do entrevistado fosse a opção de local indicada por ele e permitisse a tranqüilidade da gravação, sem o risco de interferências, esse seria o espaço escolhido. O mais adequado para o trabalho, no entanto, nem sempre foi a casa do informante, nem o seu local de trabalho. Cada caso foi estudado, e se buscou o que se considerou que levava a menos perdas. Situação Procurou-se criar, para a recolha do material do PEPP, uma situação o mais próxima possível da coloquial, embora os informantes soubessem que iriam ser gravados. Tentou-se fazê-los despreocupar-se com esse detalhe, dizendo que a gravação só teria unicamente o interesse de registro das informações para a “pesquisa sobre educação”. O recurso da gravação, foi dito, se devia à impossibilidade de anotar e participar da conversa, ao mesmo tempo. A divulgação do objetivo real do trabalho, estudo da fala, com certeza, comprometeria o tom de informalidade que se queria adotar. O tema escolhido, A educação do passado em oposição à educação dos nossos dias, contribuiu bastante para o clima informal das conversas, pois falar do tempo de criança, de como foi tratado pelos pais, pelos primeiros professores, mostrou-se um assunto com o poder de quebrar o formalismo da situação e os indivíduos que, no início da entrevista, se preocuparam com a linguagem, ao falar desse assunto, deram indícios de terem esquecido a postura inicial e ficaram mais à vontade. Foi assim que 122 até lágrimas surgiram nos olhos de muitos dos entrevistados quando lembraram de fatos de sua infância. Apesar de constrangido, muitas vezes, por ter provocado a situação, o inquiridor se sentiu vitorioso por haver conseguido que o informante se “desarmasse” totalmente e assim se obtivesse uma amostra mais próxima do vernáculo. Assunto / Guia-questionário Na realização dos inquéritos, alguns procedimentos foram adotados com a finalidade de levar o informante a se comportar o mais naturalmente possível. Dessa maneira, procurou-se fazer contatos com o informante antes do dia da entrevista para que, no dia acertado, no mínimo o segundo momento, já se tivesse reduzido o grau de formalidade na relação entre o informante e o documentador responsável pelo trabalho. Como já foi observado, nenhum dos entrevistados do PEPP sabia que a entrevista teria o objetivo de estudos lingüísticos, pois todos tinham sido convidados a participar de uma conversa para dar opiniões sobre educação. Isso não ocorreu com os informantes da NURC da década de 70 e regravados na década de 90, pois já sabiam, desde que foram gravados pela primeira vez, que estavam contribuindo para um estudo de natureza lingüística; no recontato, sabiam que o trabalho atual tinha o mesmo objetivo do anterior, cujo tema seria mantido. Assim, os inquéritos do PEPP não tiveram como tema os mesmos de alguns do NURC, quando envolveram informantes já gravados na sincronia passada.42. Nos inquéritos do NURC com informantes de 25 a 35 anos, totalmente “novos” no projeto, o tema foi o mesmo desenvolvido nos inquéritos do PEPP. Para garantir que a conversa seguisse o rumo previsto e se conseguisse atingir os objetivos propostos, foi elaborado um guia-questionário a ser 42 Para o presente trabalho, não se constitui problema, como se verá adiante, a ocorrência de inquéritos do NURC com tema diferente dos realizados no PEPP. 123 aplicado. Como as pessoas inquiridas tinham idade e escolaridade diferentes, foram feitas adaptações ao guia-questionário, tentando atender a essas diferenças. Para os mais jovens, por exemplo, não se procurou inquirir sobre educação dos filhos, sobre a vida de antigamente. Além disso, não se procurou entrevistar os pouco escolarizados sobre muitas de suas vivências na prática escolar, senão quanto às suas vontades, impedimentos e os poucos contatos com a escola. Não houve, também, um compromisso de ser exaustivo no cumprimento dos questionamentos do guia, que funcionou realmente apenas como um auxílio. Equipamento utilizado Como as entrevistas tiveram uma duração de trinta a quarenta minutos, seu registro original foi feito em fitas cassettes BASF Ferro Extra, de 90 minutos de duração, visando a evitar que se obtivessem originais com interrupções. Para as gravações, foram utilizados gravadores Lenox Sound AM/FM Stereo Cassette Recorder, Modelo CT-731, mas as cópias foram feitas em rádio gravador CCE, com fitas de marcas diversas, de sessenta minutos. Transcrição grafemática dos inquéritos Considerou-se que a coleta de dados deveria se iniciar a partir dos textos transcritos dos inquéritos, como um momento de preparação da observação. Esse trabalho, contudo não dispensou a audição posterior dos mesmos. Para as transcrições dos inquéritos, tomaram-se como orientação as normas definidas para os inquéritos do NURC/70, de Salvador, divulgadas em Mota e Rollemberg (1994: 16-24). Todos os pesquisadores do programa 124 se envolveram nesse processo, transcrevendo os textos, e, como foram admitidos auxiliares para o trabalho, todas as transcrições passaram por revisão do grupo responsável. Os inquéritos do Projeto NURC da década de 70 utilizados nessa amostra já tinham sido transcritos antes do início dessa pesquisa. Seleção dos informantes Adotou-se para a seleção de informantes do PEPP os mesmos critérios do projeto NURC, a fim de tornar as amostras o mais intercomparáveis possível. Assim, a primeira exigência foi que eles fossem naturais de Salvador e, além disso, que tivessem permanecido nesta cidade a maior parte de suas vidas. Para excluir a interferência de outros dialetos, seus pais também deveriam ser de Salvador ou que era exigência que tivessem vindo para esta cidade ainda muito pequenos. Além das informações referentes a dados de identificação, como idade, sexo e escolaridade, outras informações foram catalogadas em ficha para que, posteriormente, se pudesse estabelecer alguma relação entre esses dados e a fala do informante. Assim, a ficha cadastral registrou do entrevistado a sua residência, profissão, tipo de diversão, nível de escolaridade dos amigos mais próximos, viagens, contatos com línguas estrangeiras, idade de filhos, casamentos anteriores etc. 2. 2. 3 Dados sociais dos informantes da amostra atual Local de residência Da amostra PEPP, os informantes com pouca escolarização se situam mais em regiões periféricas: Tancredo Neves (5 pessoas), Mata Escura, 125 Pernambués (3 pessoas), São Caetano, Itapajipe, Sussuarana (3 pessoas), Periperi e Simões Filho (cidade vizinha) (2 pessoas). Esses locais se situam em pontos distantes, tiveram crescimento demográfico bastante rápido nos últimos anos, muitos surgiram há poucos anos e são habitados principalmente por uma população de baixa renda. Apenas um informante mora na Barra, um no Tororó, outro na Vasco da Gama, bairros próximos ao centro da cidade. Parte dos que têm segundo grau residem também em bairros mais distantes do centro, a exemplo de Saboeiro, Plataforma, Paripe, Mussurunga, Massaranduba e Cabula VI. Mas muitos deles moram em bairros em que residem também pessoas de classe média; são bairros mais próximos do centro e, portanto, considerados bons lugares para morar. Entre eles, o Lanat, Baixa de Quintas, IAPI, e outros que, apesar de distantes, concentram muitas pessoas de classe média e, também, classe alta: Caminho das Árvores, Monte Serrat, Boca do Rio, Itapagipe. A maior parte dos informantes de nível universitário reside na parte mais valorizada da cidade. São bairros dos mais centrais e tradicionais, a exemplo de Graça, Barra, Barra Avenida; outros moram em bairros mais novos, onde se concentra a classe média alta, como Jardim Apipema; alguns residem em bairros distantes, mas valorizados da cidade, como Amaralina, Itaigara, Monte Serrat; e outros, moram em bairros como Brotas e Matatu, tradicionalmente preferidos pela classe média, pela tranqüilidade e relativa proximidade do centro. A amostra, pelo que aqui se apresenta, contempla diversos bairros da cidade, o que pode resultar numa visão panorâmica do verdadeiro falar de Salvador. 126 Ocupação Os informantes têm ocupações diversas. Entre os homens do primeiro nível de escolarização, 1 a 5 anos de contato com a escola, há dois alfaiates, um vendedor-representante (ex-gerente de empresa comercial), um contínuo, um encanador, um inspetor de alunos (de escola de curso médio), um lavador de carros, um porteiro, um responsável por serviços gerais e um vendedor de cafezinho. As mulheres com a mesma escolaridade têm as seguintes ocupações: duas desempregadas, uma ajudante de cozinha, quatro faxineiras de residências e uma de prédios, uma servente de escola, uma mãe de santo (dona de terreiro de candomblé) e uma escrevente de cartório aposentada. A maior parte dessas ocupações não são atividades fixas, somente sete dos informantes (quatro homens e três mulheres) têm salário fixo, são empregados ou aposentados. Com segundo grau completo (escolaridade média) há, entre os homens, as profissões: instrutor de informática, jogador de futebol, inspetor de alunos (que atua como auxiliar de disciplina), ex-controlador de vôo aposentado, motorista, funcionário de escritório de supermercado, porteiro, estudante e contador autônomo (que faz serviços esporádicos). Entre as mulheres, há as ocupações: auxiliar de enfermagem, estudante, técnico em fotografia e locução free-lance, professora primária aposentada, estagiária, dona-de-casa, ou membro de grupo de 3a idade. Com nível superior, há, entre os homens, dois professores de Eletrônica (curso médio), um arquiteto que atua como assistente administrativo, um engenheiro agrônomo, dois juízes que também são professores universitários, um veterinário, dois professores universitários; entre as mulheres há duas professoras de dança, uma delas aposentada, uma 127 professora de história, uma orientadora educacional, uma enfermeira, uma ceramista, que também é professora, uma orientadora educacional, e duas professoras universitárias. Conforme se prevê, parece existir entre os que têm de 1 a 4 anos de estudo maior dificuldade de conseguir emprego estável. A solução é o trabalho sem vínculo, que se pode chamar de informal: atividades realizadas como serviços prestados, a exemplo de faxineiro, alfaiate e encanador. Com segundo grau, há duas pessoas também sem vínculo, que fazem prestação de serviços. Com terceiro grau, na amostra estudada, todos estão trabalhando, desempenhando suas funções em empregos fixos, mesmo fora da atividade para a qual estudou ou se especializou, a exemplo do arquiteto (a se graduar dali a alguns meses), que atua como assistente administrativo de empresa pública43. Outro aspecto a se observar é que os informantes do sexo masculino se mostram mais propensos a terem relação mais efetiva com empregos que o sexo feminino. Com segundo grau, somente três mulheres aparentam ter estabilidade em emprego: duas são professoras aposentadas e uma é auxiliar de enfermagem. Enquanto isso, entre os homens com a mesma escolaridade, há três aposentados, sete com empregos fixos variados, um jogador e um contador autônomo. Com escolarização menor, os homens e as mulheres da amostra vivem igualmente, na maioria dos casos, de serviços esporádicos. Todos os informantes de nível universitário da amostra têm vínculo empregatício, inclusive com mais de um emprego, como é o caso se engenheiros e advogados, que também são professores universitários ao mesmo tempo; além desses, alguns que são professores 43 No caso específico, é preciso esclarecer que esse informante, na ocasião da entrevista, era concluinte do curso de Arquitetura, único caso dentre todos do NURC cujo curso superior ainda não tinha sido concluído, o que iria ocorrer depois de poucos meses. 128 atuam no ensino médio e no ensino superior ao mesmo tempo, tendo, assim, dois empregos. 2. 2. 4 - Descrição das variáveis independentes A análise dos dados envolve: 1) a definição do fenômeno em estudo (a variável dependente), nesse caso a concordância no sintagma nominal; 2) a definição das variáveis independentes - grupos de fatores, que são consideradas como possivelmente relacionadas ao fenômeno em estudo - e dos fatores de cada uma delas; 3) a codificação – etapa preparatória para utilização do suporte computacional ; 4) a quantificação e 5) a interpretação dos dados. As variáveis independentes utilizadas por Scherre (1988), pioneira nos estudos da variação da concordância nominal no Brasil, nas quais Carvalho (1997), estudando a fala de João Pessoa, e Fernandes (1996), a fala da Região Sul, se basearam, foram também tomadas aqui como ponto de partida para a definição dos grupos de fatores trabalhados. Apesar de objetivar a intercomparação dos dados, as variáveis do presente trabalho não foram exatamente as mesmas, devido ao tempo para realização dessa pesquisa, às condições em que ela se realizou e a outros interesses do trabalho. Na presente investigação, define-se, pois, como variável dependente a presença ou ausência de marca de plural nos elementos do sintagma 129 nominal. Chama-se variável dependente o fenômeno que está sendo estudado. Considera-se dependente por se ter como pressuposto que a presença de marca não é aleatória, mas condicionada por (ou dependente de) outras variáveis, as independentes. A análise que se faz neste trabalho restringe-se a observar a presença de marca de concordância em cada elemento do sintagma. A pesquisa, pois, é apenas “atomìstica”, nas palavras de Scherre (1988), ou “mórfica”, na classificação de Lucchesi (2000c). A análise “não atomìstica”44, ou seja, do tipo que observa o todo do sintagma, que foi estudada por Scherre (1988), no Rio de Janeiro, será alvo de observação em fases posteriores do estudo do fenômeno da concordância. Tomou-se como hipótese inicial que a presença de marca pode estar relacionada a quinze variáveis independentes, apresentadas a seguir. 2. 2. 4. 1 Formação de plural A variável processos de formação de plural contém inicialmente sete fatores, que se referem à quantidade de substância fônica na distinção entre as formas de singular e plural: Quadro 3: Processos de formação de plural: fatores Plural regular Casa / casas Singular em –s País / países 44 Nesse tipo de análise, observa-se a realização da concordância em todos os elementos do sintagma, em bloco. Considera-se haver a concordância quando em todos os elementos do sintagma, em que se prevê a concordância, ela se realiza; a ausência de marca de plural em algum dos elementos leva à consideração de ausência de concordância. 130 Singular em –r Par / pares Singular em –l Possível / possíveis Singular –ão com plural regular Mão / mãos Singular em –ão com plural não Pão / pães regular Plural metafônico ou duplo Ovo / ovos Os fatores representam um crescente de complexidade que vai do plural regular, com um acréscimo do –s, até o plural metafônico ou duplo, com duas marcas. Entre esses extremos, há os singulares –/s/, –/r/, –/l/, -ão regular e –ão não regular. A expectativa que se tem é que elementos que fazem o plural com menos substância, com oposição singular / plural menos saliente, sejam menos marcados (ou devido a ausência de percepção desses elementos na fase de aquisição de língua ou devido ao fato de a variação se iniciar por essas formas menos salientes, conforme será visto na análise dessa variável no próximo capítulo); da mesma forma, espera-se que a probabilidade de marca cresça proporcionalmente ao aumento da substância fônica da oposição singular / plural. Os resultados de Scherre (1988), no Rio de Janeiro, tomando por base o corpus da fala dos adultos, indicam que são mais marcados os plurais duplos (maravilhoso / maravilhosos) e menos marcados os regulares (pequenininha / pequenininhas) e os outros, em escala decrescente de probabilidade de marca, são: em –/r/, em –/l/, em –/s/ e em –ão. 131 2. 2. 4. 2 Na variável tonicidade, são considerados quatro fatores, referentes à forma de singular, mostrados no quadro a seguir. Quadro 4: Tonicidade: fatores 1) Monossílabos átonos 2) Oxítonos e monossílabos tônicos AS amigas dela quatro IRMÃOS; primos MEUS, assim 3) Paroxítonos 4) Proparoxítonos. MUITOS problemas em relação as coisas BÁSICAS. Ao trabalhar essa variável, pressupõe-se que os vocábulos oxítonos e monossílabos tônicos tenham mais propensão a ter marcas, tendo em vista que nessas formas a oposição singular/plural recai sobre a sílaba tônica, sendo, pois, uma oposição mais saliente. Os paroxítonos, nessa lógica, devem ser mais marcados que os proparoxítonos, pois nestes a oposição se situa ainda mais distante da sílaba tônica. Dessa forma, espera-se que palavras como correntões nos sintagmas como “daqueles CORRENTÕES” (M3U0445) sejam mais marcadas que ano em “uns ANOS” (M2U03) e ainda mais que doméstico em “os afazeres DOMÉSTICO” (M2U03). Os resultados de Scherre indicam que, na fala dos adultos, são mais marcados os oxítonos e monossílabos tônicos (país/países, pé/pés); em seguida, reduzindo a probabilidade, os proparoxítonos (fábrica / fábricas); 45 De cada sintagma apresentado do corpus, serão informados o gênero do informante (Homem – H – ou Mulher –M), faixa etária (1, 2, 3, ou 4), a escolaridade (primária –F -, segundo grau, colegial ou escolaridade Média – C - , universitário –U) e o número do informante. 132 e, por último, os paroxítonos (coisa/coisas) e monossílabos átonos, (o/os), esses dois últimos trabalhados conjuntamente por ela. 2. 2. 4. 3 Posição linear A variável posição diz respeito à posição linear do elemento no sintagma. Na presente análise, esta variável tem cinco fatores, de acordo com a posição do elemento em observação. Quadro 5: Posição linear no sintagma: fatores Primeira Posição MUITAS dificuldades Segunda Posição Esssas COISAS Terceira Posição Uns nove ANOS Quarta Posição todos os primos JUNTOS, eh, nesse fim Quinta Posição os meus dois outros PRIMOS, mas eu nunca Num SN como “esses argumentos todos” (M2U03), o elemento “esses” está na primeira posição, e os outros estão, respectivamente, na segunda e na terceira posição. Em ocorrências com modificadores ou outras palavras entre os elementos, são consideradas as posições lineares, contando-se todos os elementos inseridos no SN. Em “as profissões mais 133 almejadas” (M2U03), por exemplo, o elemento “almejadas” ocupa a quarta e não a terceira posição linear no sintagma. Scherre (1988) constata que existe uma tendência a marcar mais a primeira posição no sintagma, mas mostra que a posição em relação ao núcleo (V. item 2. 3. 5, que fará a explanação dessa variável), não a posição linear, exerce a maior influência na concordância no sintagma nominal. Observando apenas a posição linear, é de se esperar que os elementos em primeira posição tenham a marca, que deve ser dispensada nas demais posições, já que a informação semanticamente relevante, segundo a teoria funcionalista, deve ser retida na estrutura superficial. Nesse sentido, qualquer classe deve ser marcada nessa posição. Na segunda posição, os substantivos devem ser menos marcados que os adjetivos. Na observação de Scherre, apesar de a primeira posição ser a mais marcada, as diversas classes assumem, em cada posição, comportamentos diferentes. 2. 2. 4. 4 Categoria morfológica Para trabalhar a categoria morfológica, foram definidos onze fatores, baseando-se, na maior parte deles, nas categorias utilizadas pela gramática normativa. Na categoria de artigo, foram agrupados os artigos definidos e os indefinidos; foram também listados dessa forma “um” e “uns” em que não se conseguiu definir se se tratavam de pronomes indefinidos ou artigos indefinidos. 134 Quadro 6: Categoria morfológica: fatores CLASSES EXEMPLOS DE SINTAGMAS Artigo NOS seus cursos preparatórios Adjetivo 1 As roupas COLORIDAS Adjetivo 2 Das PROPRIAS coisas Numeral Os PRIMEIROS dia Possessivo SUAS médias Demonstrativo ESSAS coisas Indefinido ALGUMAS palavras Quantificador TODAS as vezes Substantivo As CRIANÇAS Categoria Substantivada Os OUTROS Pronome pessoal de terceira pessoa Todos ELES Foram considerados como Adjetivo 1 todos os tradicionalmente considerados adjetivos; como Adjetivo 2 foram listadas palavras como mesmo, próprio, outro, determinado (classificados tradicionalmente de formas diferentes, ora como indefinidos, ora adjetivos), em sintagmas em que essas formas acompanham o substantivo. 135 Entre os numerais foram considerados ordinais, multiplicativos e fracionários, em sintagmas plurais. Nos sintagmas com cardinais, estes, apesar de serem de interesse da análise para se avaliar o efeito da presença da concordância, não foram observados diretamente, pela razão de não se prever para eles variação de número. Foram classificados como demonstrativos, possessivos e indefinidos os elementos normalmente considerados dessa forma pela tradição gramatical. Não se consideraram outras formas de indicar a informação de posse, além dos possessivos, a exemplo de utilizar expressões como “deles” ou “delas”. Como quantificador, o que a tradição considera como indefinidos, foram classificadas as formas todos, o feminino correspondente, e variantes, inclusive a forma neutra tudo acompanhando o núcleo do sintagma. Como categoria substantivada, foram rotulados os elementos que, não sendo substantivos nem pronomes, ocuparam a posição de núcleo do sintagma, na ausência do substantivo. 2. 2. 4. 5 Posição relativa ao núcleo A variável posição em relação ao núcleo estuda o efeito da posição dos elementos não nucleares em relação ao elemento nuclear do sintagma: se anterior ao núcleo (à esquerda), mas não imediatamente; se imediatamente anterior ao núcleo; se posterior ao núcleo. 136 Quadro 7: Posição relativa ao núcleo: fatores Posição Sintagmas Anterior, mas não imediatamente DAS próprias coisas Imediatamente anterior ao núcleo ESSAS cores clarinhas Posição de núcleo essas VIOLÊNCIA tudo Posterior ao núcleo Passeios MARAVILHOSOS A observação da posição relativa ao núcleo segue a trajetória percorrida por Scherre (1988). Em seu trabalho, a autora conclui que as classes antepostas ao núcleo tendem a ser mais marcadas do que as pospostas a ele. Seu estudo, porém, não distingue as classes imediatamente anteriores ao núcleo das não imediatamente anteriores ao núcleo, mas anteriores ao núcleo em primeira posição e anteriores ao núcleo em segunda posição. A diferença entre as duas análises é que, em primeira posição são incluídos tanto os itens em adjacência com o núcleo (ex.: OS meninos), quanto os não adjacentes (ex.: OS melhores alunos). A hipótese inicial aqui desenvolvida é a de que, além da posição à esquerda da núcleo, a adjacência ao núcleo seja um dado favorecedor da marcação. Scherre (1988) estudou essa variável conjuntamente com a variável posição e com a variável categoria morfológica. Embora nesse trabalho se inicie observando separadamente essas variáveis, posteriormente adota-se o mesmo procedimento de Scherre (1988), como será detalhado no capítulo seguinte. 137 2. 2. 4. 6 Grau dos substantivos e adjetivos. A variável grau é observada nessa pesquisa, considerando-se, inicialmente, seis fatores, a seguir apresentados: Quadro 8: Grau dos substantivos e adjetivos: fatores Substantivo grau normal os VIZINHO, pronto, começa Adjetivo 1 grau normal os pés DESCALÇO, e, e, criança Substantivo grau aumentativo daqueles FARDÃO assim Adjetivo 1 grau aumentativo nos berço GRANDÃO, a gente Substantivo grau diminutivo uns GRUPINHOS né, que estão estudando Adjetivo grau diminutivo meninas tudo PEQUENININHA assim que tem onze Tendo conhecimento dos resultados a que Scherre (1988) chegou, nos seus dados, considerando que os graus aumentativo e diminutivo desfavoreciam a concordância, a hipótese inicial é de que isso também seja encontrado nos dados de Salvador. 138 2. 2. 4. 7 marcas precedentes A variável marcas precedentes analisa a relação entre a presença ou ausência de marca de plural em cada elemento do sintagma e a presença ou ausência de marca em elementos anteriores a ele, dentro do sintagma. A idéia é observar se a presença de marcas anteriores inibe ou favorece a ocorrência de outros elementos marcados. Segundo a teoria funcionalista, há uma tendência na língua de reter a informação que for relevante e não reter o que for dispensável. Dessa forma espera-se que a informação redundante deva ser um traço favorecedor do apagamento da marca ou inibidor da regra de concordância. Os fatores dessa variável, como o quadro 9 apresenta, são muitos, em número de oito, que podem ser agrupados em quatro tipos. Os elementos podem ser: 1) com antecedente (s) com marca formal ou semântica, 2) com antecedente (s) sem marca nem numeral, 3) com antecedentes com e sem marca ao mesmo tempo. No primeiro, se não há antecedente, não se observa esta variável, é o que foi tratado como o “não se aplica”, que mais adiante será explicado, quando se fará a explicação da utilização do programa Varbrul. No segundo tipo, com antecedente (s) com marca formal ou numeral, há cinco fatores, variando o elemento em primeira: ou (1) uma marca formal (-s), ou (2) numeral terminado em s, ou (3) numeral não terminado em s , ou (4) mais de um elemento anterior marcado formal ou elemento marcado e numeral, ou (5) com marca (s) e mais modificador. No terceiro tipo, com antecedente sem marca, há um fator, quando o elemento está na segunda posição e não há elemento marcado na primeira posição. 139 No quarto tipo, os fatores prevêem elementos com marca e sem ela ao mesmo tempo. Estão envolvidos elementos em terceira, quarta ou quinta posição, sendo dois fatores: (1) quando há presença e ausência de marca, sem modificador e (2) quando isso ocorre e ainda há algum modificador. Quadro 9: Marcas precedentes: fatores Contextos Precedentes no sintagma Exemplos Sem antecedente Não se aplica Uma marca formal Uns ROMBO Numeral terminado em –s Dois ANO Numeral não terminado em –s Cinco VEZES Mais de um elemento anterior marcado Nessas longas FÉRIAS e/ou numeral sem modificador Elemento anterior marcado seguido de Uns três METRO numeral Numeral seguido de elemento marcado Mais de um elemento marcado duas linhas IMAGINARIAS e As profissões mais ALMEJADAS modificador Elemento não marcado na 1a posição Mistura de marca sem modificador Mistura de marca e modificador Meu FILHOS Os outro MENOR Aquelas sapatona assim NUA 140 Scherre (1988) observa que ausência de marcas no primeiro elemento leva a marca categórica no segundo, parecendo confirmar a teoria funcionalista46. Esses casos, contudo, são atestados por ela predominantemente em estruturas do tipo “do meus pais”, que são vistos como casos específicos, pois a presença de marca no possessivo independe da marca no artigo ou demonstrativo que o antecede. Outro aspecto visto por Scherre é que duas ou mais marcas precedentes é fator favorecedor e não o contrário, entrando em desacordo com o previsto pela hipótese funcionalista. Isso fez com que ela concluísse que, no universo trabalhado, marcas levam a marcas e zeros a zeros. 2. 2. 4. 8 Contexto fonológico subseqüente Espera-se que em ambiente posterior vocálico a a forma explícita de plural ocorra mais freqüência do que com consoante, por propiciar a formação de uma nova sílaba, com padrão CV. Os fatores considerados neste trabalho, referentes a essa variável, são apresentados a seguir. Quadro 10: Contexto fonológico subseqüente: fatores Vogal NAS igrejas Pausa interna nas REUNIÕES, naturalmente Pausa final interesses FINANCEIROS? 141 Consoantes: /b/ AS bandeirantes /d/ MUITAS dificuldades /f/ OS filhos /g/ AQUELES grupos /ž/ os PRIMEIROS jogos /k/ ESSAS coisas /l/ os SEUS lavradores /m/ PASSEIOS maravilhosos /n/ UNS nove anos /p/ OS primeiros dias /r/ AS roupas coloridas /s/ NOS seus cursos preparatórios /t/ ROUPAS todas brancas /v/ OS velhos /š/ ROUPAS chiques47 Nos estudos do Rio de Janeiro empreendidos por Scherre (1988), chegou-se à conclusão de que a pausa é o que mais favorece a 46 Scherre considera, depois, isso como um falso efeito funcionalista (Scherre, 1988) 142 concordância, só em segundo lugar o contexto subseqüente vocálico e, por último, o menos favorecedor, o contexto consonântico. Nesta pesquisa, fazse a distinção entre pausa interna e pausa final, postura inicialmente tomada por Scherre (1988), mas depois modificada, passando a considerar apenas um único fator de pausa, analisando conjuntamente pausa interna e final. 2. 2. 4. 9 A coexistência com o tudo A forma “Tudo”, quantificador neutro, com esse valor, não foi considerada neste trabalho, senão o “Tudo” no valor de “Todos” ou “Todas”, como no exemplo “aqueles bicho lá TUDO, um bocado de bicho”. Dessa forma, esse “Tudo” é, nessa pesquisa, interpretado como o quantificador sem marca, diante de estar presente em contexto previsto para a forma plural: “TODOS aqueles bichos lá, um bocado de bicho” ou Aqueles bichos lá TODOS, um bocado de bicho. O tudo usado no valor de todos, todas é um traço que, como será visto mais adiante ao analisarem as variáveis lingüísticas, caracteriza um tipo de linguagem resultante de transmissão com dados divergentes. Nessa variável, dessa forma, observa-se se a coexistência com essa forma do quantificador iniba a presença do morfema de plural em outros elementos do sintagma nominal. 47 A codificação foi o mais detalhada possível para propiciar, nas diversas análises, condições de variados agrupamentos entre as consoantes. 143 Quadro 11 A coexistência com o tudo: fatores Em coexistência com o tudo AQUELES bicho lá Tudo, um bocado de bicho Não coexistente com o tudo UNS padre, tinha uns padres Essa variável não foi observada por Scherre (1988), Carvalho (1997) nem Fernandes (1996). A inclusão da observação desse grupo de fatores constitui-se, pois, uma novidade no estudo da concordância dentro do sintagma nominal. A composição da amostra de informantes desta pesquisa dá condições de estudo das variáveis sociais abaixo. 2. 2. 4. 10 Escolaridade: São três os níneis de escolaridade observados, nessa pesquisa, conforme apresentados no quadro a seguir. Quadro 12: Escolaridade: fatores Fundamental entre 1 e 4 anos de escolarização; Média, ou segundo grau 1 1 anos de escolarização; Superior completo 15 ou mais anos de escolarização. 144 2. 2. 4. 11 Gênero. Os informantes estão distribuídos nos dois gêneros. Quadro 13: Gênero: fatores Masculino; Feminino. 2. 2. 4. 12 Faixa etária: Quadro 14: Faixa etária: Fatores entre 15 a 24 anos; entre 25 e 35 anos; entre 45 e 55 anos; de 65 anos em diante. 2. 2. 4. 13 Tempo A variável tempo consiste no confronto entre as sincronias década de 70, a partir de Lopes (2000a) e década de 90. O estudo dessa variável restringe-se a uma parte da amostra, pois ocorrerá através da comparação entre os registros da fala dos informantes de nível superior dessa amostra, e doze inquéritos do NURC/70, com gravações feitas na década de setenta. Aplica-se aqui o “trend study”, tipo de estudo lingüìstico da variação em 145 tempo real, referido por Labov (1994), em que se faz a observação de um mesmo fenômeno numa comunidade em sincronias diferentes, envolvendo falantes distintos, mas conversando as mesmas características sociais. Quadro 15: Tempo: Fatores Década de 70 Década de 90 2. 2. 4. 14 Variável etnia O estudo dessa variável é feito através da observação dos sobrenomes. Os informantes são classificados em um dos grupos abaixo: Quadro 16: Tipos de sobrenome: fatores 1) Sobrenome religioso; 2) Sobrenome não religioso. Essa idéia de relacionar a análise dos dados à origem racial dos informantes parte da pressuposição de que, caso tenha havido processos de aquisição diferente do português por parte dos filhos dos africanos aqui no 146 Brasil, as pessoas, hoje, que têm como ancestrais essa população devem, de alguma forma, fazer uso de uma linguagem que contenha traços, em maior proporção que outros que não o são, que remontem aquela aquisição. Dada a mistura que caracterizou a formação do povo brasileiro e as múltiplas origens raciais dos baianos, tem-se uma grande dificuldade de identificar a ancestralidade dos informantes, pois o fenótipo48 não é suficiente para o reconhecimento de descendentes dos negros nem é um traço revelador de ancestralidade, podendo a aparência branca ocultar a existência de ancestral negro ou índio. Dessa forma, entrando em contato com o grupo de genética da Universidade Federal da Bahia e após o conhecimento do critério usado em muitas pesquisas da área de saúde para relacionar a raça a algumas patologias, a seguir detalhado, optou-se por dele fazer uso. O estudo da origem racial a partir dos sobrenomes A informação sobre a origem racial das pessoas é um dado necessário a várias áreas da pesquisa científica. Não só lingüistas interessam-se em saber que origem étnica tem a população que eles estudam. Profissionais da área de saúde, por exemplo, procuram estudar a relação existente entre a freqüência de determinadas patologias e a origem étnica das pessoas estudadas. Foi assim que se iniciou o estudo do significado dos sobrenomes no Laboratório de Genética Médica, da Universidade Federal da Bahia, liderado por Dra. Eliane Azevedo (Azevedo: no prelo). 48 Fenótipo é uma palavra de uso freqüente pelos geneticistas e se refere à parte aparente da composição genética dos organismos. Assim, em se tratando de aparência racial, o fenótipo é a aparência física da pessoa. 147 A história do trabalho, em Salvador Após a implantação do referido laboratório, nos anos setenta, o grupo responsável passou a fazer um estudo de variações genéticas de enzimas e proteínas, com anotações de nomes e sobrenomes dos envolvidos, o que fez iniciar um banco de dados que chegou a 6002 nomes de pessoas. Esse material foi o ponto de partida para o trabalho que interessa para a presente pesquisa. Uma das observações iniciais era a alta freqüência, em Salvador, de alguns sobrenomes, como Jesus e Conceição, raros em outras populações portuguesas. Uma hipótese levantada era de que esses e outros sobrenomes religiosos49 poderiam ter sido adquiridos por descendentes de índios ou de negros. Para testar essa hipótese, o grupo procurou analisar a relação entre os sobrenomes e a informação da classificação étnico-racial de que dispunham nas fichas (a classificação abrangia cinco possibilidades: branco, mulato claro, mulato escuro e negro)50. Dessa forma, ao se buscar observar a distribuição dos sobrenomes religiosos entre os grupos étnico-raciais, chegou-se aos seguintes números: Em homens: Em mulheres: branco = 12% branca = 17% mulato claro = 23% mulata clara = 31% mulato médio = 38% mulata média = 38% 49 “Sobrenomes religiosos encontrados em homens e mulheres: Aflitos, Ajuda, Amor Divino, Amparo, Anjos, Anunciação, Arcanjo, Assis, Assunção, Batista, Bispo, Boa Morte, Bonfim, Cardeal, Carmo, Chagas, Conceição, Cruz, Encarnação, Espírito Santo, Evangelista, Hora, Jesus, Luz, Mercês, Natividade, Nascimento, Paixão, Palma, Passos, Piedade, Prazeres, Purificação, Ramos, Reis, Ressurreição, Rosário, Sacramento, Santana, Sant‟Anna, Santa Rita, Santiago, Santos, São Pedro, Socorro, Soledade, Trindade, Virgem, Virgens, Xavier.” (Azevedo: no prelo). 50 A pesquisa não tem a classificação de índio pois não havia, entre as fichas, pessoa com essa aparência (pelo menos registrado em ficha). (Azevedo: no prelo.) 148 mulato escuro = 46% negro = 48% mulata escura = 51% negra = 55% Nessa etapa da pesquisa, as mulheres foram analisadas separadamente dos homens, diante de observação de que, muitas vezes, as mulheres negras não conservaram os sobrenomes da família, só os homens. Às vezes os sobrenomes nada tinham a ver nem com o sobrenome do pai nem da mãe. Mas, dos sobrenomes surgidos nessa situação, Jesus era o preferido. O grupo passou a estudar a razão da associação entre o aumento da freqüência de sobrenomes religiosos e a ancestralidade negra, chegando a alguns dados importantes. Não são encontrados sobrenomes de origem africana entre os descendentes dos africanos, o que mostra que eles adotaram sobrenomes de língua portuguesa. Ao observarem cartas de alforria de ex-escravos, os pesquisadores constataram que a maioria deles passava à condição de livres sem sobrenomes ou com sobrenomes em língua portuguesa. Dentre esses últimos, “Os resultados mostraram que adotar sobrenome religioso diferente do nome do “senhor”, tanto no século XVII (39,1%), quanto no século XIX (52,3%), foi a forma mais freqüente de adoção de sobrenomes pelos escravos. A adoção de sobrenome idêntico ao “senhor”, quer religioso ou não, foi preferida por apenas 23,9% dos alforriados no século XVIII e 21,5% no século XIX. Esse fato contradiz um dito popular prevalente no Brasil de que os escravos passaram a usar os sobrenomes dos seus “senhores”. (Azevedo: no prelo)51 51 A autora adverte: “Todavia, é de fundamental importância relembrar que associações observadas a nível populacional só têm valor científico para inferências quando se trata de grupo de pessoas e não de 149 O estudo mostrou, ainda, que, mesmo livres, muitos descendentes de escravos continuaram sem sobrenomes; hoje, no entanto, todos os seus descendentes já os têm. A tabela a seguir, retirada de Azevedo (1983:105), apresenta dados interessantes sobre origens dos sobrenomes adotados por ex-escravos, na Bahia, nos séculos XVIII e XIX: Quadro 17: Tipos de sobrenome adotado por escravos alforriados nos séculos XVIII e XIX Tipo de Sobrenome adotado e Identidade com o do Número Freqüência “Senhor” Não religioso, igual ao “Senhor” 35 13,46% Religioso, igual ao “Senhor” 21 8,08% Não religioso, diferente do “Senhor” 68 26,15% Religioso, diferente do “Senhor” 136 52,31% Total 260 100% A pesquisa defende que, assim como no passado se associava a ausência de sobrenomes aos negros, hoje a associação se faz entre os sobrenomes religiosos e os descendentes dessa população ex-escrava. indivíduos isoladamente. Existem pessoas no Brasil, em Portugal e em outras comunidades portuguesas, que têm sobrenome religioso e não têm ancestralidade negra. Até que surjam evidências em outras comunidades afro-portuguesas, a associação entre ancestralidade negra e sobrenomes religiosos é inerente à população brasileira”. (Azevedo, no prelo). 150 Segundo Azevedo (no prelo) e Azevedo (1983), a freqüência dos três genes que determinam o grupo sangüíneo, ABO, isto é, o gene A, o gene B e o gene O, varia de uma população para outra. O gene A é mais freqüente em brancos (30% em brancos portugueses e 16% em negros africanos), e os genes B (7% em portugueses e 15% em negros africanos) e O em negros (63% em brancos portugueses e 69 em negros africanos). Para testar, mais uma vez, a associação entre a ancestralidade negra e sobrenomes religiosos, o grupo estudou 3602 amostras de sangue de doadores do sexo masculino. O que se objetivava mostrar era que, no grupo de brancos com sobrenomes religiosos, deveria haver mais ancestralidade negra que no grupo de brancos sem sobrenomes religiosos, conseqüentemente estes deveriam ter índice maior dos genes B e O, mais freqüente em negros52. Assim, chegouse aos resultados que, na Bahia, “... doadores brancos com sobrenome de conotação religiosa têm freqüência de grupo sangüíneo ABO indicativa de maior mistura negróide que brancos com outros tipos de sobrenome.” (Azevedo (1983:105). Os resultados obtidos indicavam o que se previa: o grupo de sobrenomes religiosos demonstrou ter índices maiores dos genes B e O do que o grupo sem sobrenomes religiosos (Tavares-Neto & Azevedo, 1978). 52 Os pesquisadores afirmam que os índios têm, todos, o sangue com o gene do tipo O. Quando isso não se confirma, afirma-se que houve mistura racial. 151 Sobrenomes religiosos e realidade social Em outra fase da pesquisa, somente crianças brancas e mulatas claras foram observadas em Aracaju e em Maceió, para relacionar 1) os sobrenomes, 2) o fenótipo, ou seja, a aparência racial, e 3) o tipo de escola que freqüenta. O grupo partiu do pressuposto, segundo ele evidente, de que só crianças de boas condições econômicas freqüentam escolas particulares e pretendeu “desenvolver um ìndice capaz de traduzir em percentagem a ancestralidade negra do grupo.” Os resultados encontrados foram os seguintes: Em Aracaju Freqüência de sobrenomes religiosos Índice fenotípico negróide Em escolas municipais = 54,1% 44% Em escolas estaduais = 43,3% 27,9% Em escolas particulares = 28,6% 14,5% 152 Em Maceió Freqüência de sobrenomes religiosos Índice fenotípico negróide Em escolas municipais = 22% 20,5% Em escolas estaduais = 19,9% 23,1% Em escolas particulares = 14,5% 7,2% Azevedo conclui que a pesquisa apenas confirma a impressão que se tem de que os descendentes de negros estão menos nas escolas particulares que os que não o são e que as melhores oportunidades, mesmo entre crianças claras, são dadas àquelas que não são descendentes dos negros. “Em outras palavras, as crianças claras das escolas municipais têm mais ancestrais negros que as crianças claras das escolas particulares. (…) Considerando que as escolas municipais (que geralmente são as piores) são mais accessíveis aos menos favorecidos, demonstra-se aqui também que as crianças claras descendentes de negros têm oportunidades educacionais inferiores às das demais crianças claras.” (Azevedo: no prelo). A pesquisa feita mostra que os resultados de observação tomando como base que os sobrenomes religiosos são indicadores de ancestralidade negra têm coerência e credibilizam o critério como uma variável estatisticamente confiável. 153 Os sobrenomes dos descendentes dos índios Da mesma maneira que os descendentes dos negros, os descendentes de índios não conservaram seus sobrenomes. Azevedo e sua equipe elaboraram a hipótese de que essa população, na sociedade atual, adotou preferencialmente sobrenomes portugueses com significado de animal ou de plantas. Para testar essa hipótese, fez-se um estudo envolvendo a população escolar em dezesseis localidades da Bahia, com metodologia semelhante ao anteriormente realizado sem envolver o elemento com aparência de índio, que agora se encontra presente nessas localidades. Assim, o fenótipo “cara de ìndio” foi acrescentado. Observou-se que, com crianças com aparência de índio, a freqüência de sobrenomes relacionados a animal ou planta é maior que com crianças com aparência de branco, de mulato ou de negro. Azevedo (no prelo) conclui que “Com esses dados, é possìvel agora relacionar-se as três raças, que deram origem aos nordestinos, com os três tipos de sobrenomes: sobrenomes religiosos, ligados à ancestralidade negra; sobrenomes animal/planta, ligados à ancestralidade indígena e os outros sobrenomes, ligados à ancestralidade branca.” (p.76). Apesar de a pesquisa de sobrenomes, no grupo de Genética da Universidade Federal da Bahia, dividir os sobrenomes em três grupos (religiosos, animal/planta e outros), na presente pesquisa far-se-á a oposição entre sobrenome religioso e sobrenome não religioso. Isso se deve ao fato de que, na amostra trabalhada, principalmente no grupo que compreende os níveis de escolaridade fundamental e média, o número de informantes com sobrenome animal/planta mostrou-se reduzido, não sendo muito representativo. É provável que esteja refletindo a pouca 154 representatividade do elemento índígena na formação da população da capital baiana. As sessenta e seis pessoas cuja fala foi observada tiveram seus nomes completos analisados53. Essas informações foram codificados como uma das variáveis, com o objetivo de verificar a que grupo étnico cada informante pode estar relacionado. Esse material foi submetido à análise do Varbrul e obtiveram-se os resultados a seguir apresentados. Todos os informantes se enquadraram em um dos quatro grupos a seguir, conforme explanado no capítulo 4: 1) Sobrenomes não religiosos: a) nomes sem referência especial (considerados como indicadores de origem portuguesa); b) nomes com sobrenome animal/planta (considerados como possuidores de ancestralidade indígena). 2) Sobrenomes religiosos: nomes com um ou dois sobrenomes religiosos (considerados como mais relacionados à ancestralidade negra que o grupo com um sobrenome); A expectativa era que, caso houvesse alguma relação entre a concordância na fala de Salvador e a origem étnica negra dos falantes, isso deveria transparecer nas análises estatísticas feitas para estudar a interferência das variáveis no fenômeno da concordância. Caso a concordância no sintagma nominal se relacionasse a processos de aquisição com dados divergentes ou insuficientes, alguma das variáveis deveria revelar qualquer resquício, ou algum traço revelador, desse tipo de aprendizagem. A tabela a seguir mostra a distribuição desses grupos entre os níveis de escolaridade. 53 Trabalho que contou com a ajuda do Professor Doutor José Tavares Neto, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, um dos pesquisadores que estudou os sobrenomes. 155 Tabela 01: Distribuição dos Tipos de Sobrenomes entre os Níveis de Escolaridade Tipos de Sobrenomes Fundamental Média Superior Total 12 12 11 35 12 4 27 0 3 4 Não religioso Religioso 11 Sobrenome incompleto 1 Gráfico 57: Efeito da Classe e Posição linear e relativa sobre a concordância em Salvador e no Rio de Janeiro 1 0,9 0,8 0,7 0,6 SSA 0,5 R. J. 0,4 0,3 0,2 0,1 0 Esq não adj Esq adj Dir2 Dir3 Dir4 Dir5 N1 N2 N3 N4 No nível Fundamental, a distribuição entre os sobrenomes está bem coerente, é quase o mesmo número de informantes em cada um dos grupos, possibilitando uma comparação adequada entre os grupos. 156 Gráfico 2: Distribuição dos sobrenomes no nível Médio Religioso Não religioso No nível Médio, há o mesmo número nos dois grupos (12 informantes com sobrenome religioso e 12 com sobrenome não religioso). Gráfico 3: Distribuição dos sobrenomes no nível superior Sobrenome incompleto Religioso Não religioso No nível superior, em contrapartida, há poucos informantes com sobrenome religioso, apenas 4 de um grupo de 18 pessoas. A partir da observação da tabela e dos gráficos, vê-se que a distribuição reflete o pouco acesso dos negros e de seus descendentes (sobrenome religioso) ao ensino de nível superior. Aos descendentes dessa 157 etnia, em Salvador, é permitido o acesso aos níveis Fundamental e, quando muito, ao colegial, ou nível Médio. O curso Superior é quase inacessível. 2. 4 - Suporte computacional: o Varbrul Todo trabalho que utiliza o suporte teórico-metodológico da sociolíngüística variacionista trabalha com dados quantificados. Para fazer essa quantificação, passa-se pela fase da codificação – etapa preparatória para utilização do suporte computacional; pela quantificação propriamente dita, feita normalmente com auxílio de programas computacionais; e pela interpretação dos dados. O suporte estatístico usado para essa pesquisa é o pacote de programas Varbrul54, de uso específico para o estudo da variação lingüística. Ele é composto de vários programas (Checktok, Readtok, Makecell, Ivarb e Tvarb ou Varb2000) que têm funções distintas. Para iniciar a utilização do Varbrul, faz-se a codificação dos dados e, havendo erro de codificação, o CHECKTOK, primeiro programa constante do pacote, faz a revisão do arquivo de dados e localiza erros. Depois os dados são submetidos ao READTOK, que faz a preparação para eles serem lidos pelo MAKECELL, que determina os percentuais de ocorrências do fato em estudo e organiza os dados em células para que se faça a análise pelo VARB2000 ou IVARB. Na saída de um desses programas, já se apresentam os resultados da análise estatística, na forma de pesos relativos. Outros programas também inseridos no pacote Varbrul dão outros suportes, o TSORT, o TEXTSORT, o CROSSTAB, mas não são de uso obrigatório na análise, apesar de serem auxiliares da mais alta importância. 54 As orientações básicas para utilização do pacote Varbrul foram obtidas através de: Pintzuk (1989) e Scherre (1992). 158 A codificação dos dados, etapa necessária para utilização dos programas, se realiza sobre a análise sucessiva dos dados, de acordo com os fatores das variáveis independentes que foram estabelecidos, com base nas hipóteses do trabalho. Para se fazer a codificação dos dados, utiliza-se uma coluna para cada variável e, no caso específico da concordância numa perspectiva atomística, alvo dessa pesquisa, há necessidade de codificar cada sintagma tantas vezes quantos forem os elementos em que se espera a marca de plural no sintagma. Dessa forma, procura-se analisar o efeito de cada variável em cada um desses elementos. No sintagma “nos cursos preparatórios”, por exemplo, existem três elementos a serem codificados: nos, cursos e preparatórios: (SRM/KGI1M3U NOS cursos preparatórios M3U04 (SRPPPN02M3U nos CURSOS preparatórios M3U04 (SRPZFAU3M3U nos cursos PREPARATÓRIOS M3U04 No sintagma, em caixa alta apresenta-se o elemento em análise, a que a cadeia de sinais do código se refere e, em caixa baixa, as outras palavras que compõem o sintagma. Pelo exemplo, tem-se a idéia dessa etapa. O primeiro símbolo da cadeia da codificação refere-se às variantes da variável dependente: presença (S) ou ausência (0) do morfema de plural. Na primeira linha, pode-se ler que, no primeiro elemento (NOS), há marca de plural (S). O plural regular de nos é codificado com (R). Sendo um monossílabo de uso átono, há essa indicação com (M). Os contextos anterior e posterior são indicados nas colunas seguintes com (/), informando que no sintagma não há elemento precedente e (k), informando que, no contexto fonológico posterior, há um fonema / k /. A forma em 159 observação está imediatamente anterior ao núcleo do sintagma (I), na primeira posição linear (1), e o falante é uma mulher, (M), da faixa etária 3, (3), universitária, (U), está inserido no nível 2 (2) do mercado ocupacional, e é falante do corpus da década de noventa (Z). Para a quantificação, os programas só lêem as informações constantes da abertura do parêntese até o primeiro espaço em branco. As informações restantes são importantes para que o pesquisador possa identificar o dado dentre todos os outros e utilizá-lo para ilustração ou para outra finalidade. Na linha dois, já há outras informações, expressas através de outros sinais, dessa feita sobre CURSOS e, na linha três, sobre o elemento PREPARATÓRIOS, componentes do mesmo sintagma. 160 3. ANÁLISE DOS DADOS Fazer análise de dados numa perspectiva sociolingüística é normalmente entendido como buscar razões, no contexto social, para os diversos usos lingüísticos. É seguindo essa idéia que este capítulo inicia o estudo da concordância nominal fazendo o exame minucioso das variáveis sociais Escolaridade, Gênero e Faixa etária. Juntamente a essas variáveis sociais, também examina-se uma outra, a origem étnica, com o objetivo de estabelecer uma possível relação entre a concordância de grupos étnicos diferentes e a história de aquisição do português dos seus ancestrais. Faz-se de início a análise do efeito de cada uma dessas variáveis tomadas isoladamente e, posteriormente, busca-se o efeito cruzado entre elas. Após a análise das variáveis sociais, são tratadas as variáveis lingüísticas. 3. 1 Variáveis sociais A escola sempre deu enfoque à concordância. Os compêndios de gramática dedicam muito espaço a regras e cuidados a serem tomados, tanto com a concordância nominal quanto a verbal. Os livros didáticos também refletem o interesse da escola em garantir a “boa concordância”, quando se trata de cultivar a língua padrão. Esta pesquisa busca, pois, observar o efeito do número de anos de exposição à escola no fenômeno em observação. Outro aspecto que é necessário controlar é a diferença entre os gêneros. Esta é uma variável que tem muita importância quando se deseja estabelecer uma relação entre a variação e a mudança lingüística. Há mudanças que são encabeçadas por mulheres e há mudanças encabeçadas 161 por homens. O prestígio ou desprestígio das formas pode contribuir para que elas estejam à frente, ou não, no uso das variantes mais novas (Labov, 1991: 211-215). É possível estudar a mudança com dados de uma única sincronia quando se controla o efeito da variável Faixa etária. Os falantes mais novos comumente são mais inovadores e, através dos seus registros, e em comparação com a realidade lingüística das pessoas mais velhas, pode-se ter a indicação de possíveis tendências de mudança. Do mesmo jeito, através da observação das faixas etárias mais avançadas, pode-se ter conhecimento de variantes mais antigas, inexistentes na fala das pessoas da faixa etária mais nova, indicando tendência ao desaparecimento na língua. Diante disso, o estudo das faixas etárias é de grande importância para esta pesquisa, pois contribui para entender o dinamismo da língua e para analisar a possibilidade de mudança do fenômeno em observação. O conhecimento da origem étnica de uma comunidade pode auxiliar o entendimento da existência de fenômenos lingüísticos varíaveis. Assim, nessa pesquisa procura-se relacionar essa variável à observação da concordância no sintagma nominal, com o objetivo de analisar possíveis diferenças lingüísticas, no que diz respeito ao fenômeno estudado, entre pessoas de descendência africana e os não descendentes desse grupo étnico. A caracterização étnica do informante é observada a partir dos sobrenomes, considerando os de origem religiosa como mais relacionados a origem africana; os de sobrenome não religioso como não relacionados a essa origem. Esse aspecto da pesquisa, cuja metodologia utilizada é objeto de explanação no capítulo 2, na seção 2. 2. 4. 14, constitui-se como a variável origem étnica. 162 3. 1. 1 A variável escolaridade A variação da concordância de número no sintagma nominal no português é um fenômeno que tem sido alvo de estudos em vários trabalhos de Braga & Scherre (1976), Scherre (1988), Naro & Scherre (1994), observando a fala do Rio de Janeiro, Fernandes (1996), observando a fala da Região Sul, e Carvalho (1997), a de João Pessoa. Ao lado de outras variáveis, essas pesquisas estabelecem uma relação entre a variação documentada e a escolaridade. Na presente pesquisa, o número de anos de estudo constitui um dos grupos de fatores que realmente mais interfere na concordância no sintagma nominal, sendo a primeira variável social selecionada. A tabela e o gráfico a seguir apresentam os resultados encontrados a partir da observação dos grupos de informantes de três níveis de escolaridade diferentes: a) nível Fundamental ou primário, 1 a 5 anos de escolarização; b) nível Médio, 11 anos de escolarização, ou segundo grau completo; c) nível Superior, ou curso universitário completo. A análise estatística dos dados forneceu os seguintes resultados apresentados na tabela 2. Vê-se que existe nos dados, conforme outros estudos atestam, uma relação proporcional entre o aumento de tempo de exposição à pressão escolar e a maior probabilidade de se fazer a concordância no sintagma nominal. O crescente que se constata na probabilidade de concordância entre os elementos do sintagma à proporção que aumentam os anos de escolarização é tão forte que pode levar à suposição de que o fenômeno da concordância ocorre, não por fazer parte do vernáculo dos informantes, mas apenas como resultado de um esforço institucional da escola, refletindo uma exigência extra-lingüística da pressão social. 163 Tabela 2: Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função da Escolaridade Sign=.000 Fatores Freqüência P. R. Fundamental – 1 a 5 anos 2832/4431 64% .18 Média - 11 anos 3814/4657 82% .46 Superior– mínimo de 15 anos 4605/4817 96% .82 TOTAL 11251/13905 81% Apesar de até mesmo o não escolarizado fazer alguma concordância, atestada por Carvalho (1997), por Scherre (1978) e Naro Gráfico 4: Efeito da Escolaridade na Concordância 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 Fundamental Média Superior 164 (1981:81), a sua realização é mínima, como se pode prever, ao observar a freqüência dos pouco escolarizados da presente amostra. Sabe-se, contudo, que o quadro brasileiro é bastante complexo. É comum entre os lingüistas portugueses fazer-se referência à concordância verbal e nominal como categórica em Portugal, mesmo entre os pouco escolarizados e até entre os analfabetos. Apesar de Naro e Scherre (2000) ter desfeito esse mito, o percentual mínimo de variação existente no português europeu pode ser interpretado como indicando que, nesta variedade da língua, a concordância não seja resultante de uma força exterior, mas como fazendo parte do vernáculo de quase a totalidade das populações das diversas regiões, independente do tempo de exposição à aprendizagem escolar. 3. 1. 2 A variável gênero O efeito da variável gênero sobre a presença de marcas de plural pode ser observado, inicialmente, a partir da tabela e gráfico a seguir. Tabela 3: Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função do gênero Sign. =.006 Gênero Freqüência Peso Relativo Masculino 5678/ 7101 80% .47 Feminino 5573/6804 82% .53 Total 11251/13905 81% 165 Na análise geral, essa variável foi selecionada e, como se vê, a diferença entre os pesos relativos é pequena (da ordem de 0,6), mas existe uma tendência levemente maior entre as mulheres de realizarem mais formas com o morfema de plural, característico da concordância, do que os homens. Gráfico 5: Efeito do gênero na concordância 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0 Masculino Feminino Mas, para entendimento mais aprofundado dessa variável, a tabela 4 faz uma amostragem da observação da relação do gênero com a escolaridade. Ao analisar os resultados apresentados, nota-se que o efeito da variável Gênero depende da sua relação com a escolaridade, ou seja, a diferença entre os grupos de gênero, no que diz respeito à concordância, vai depender do grau de escolaridade das pessoas que os compõem. 166 Tabela 4: Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função do gênero e da escolaridade Gênero Fundamental Freqüência Masculino 1504/2306 P. R. Média Freqüência Universitária P. R. Freqüência P. R. .20 1771/2281 78% .38 2403/2514 96% .81 .17 2043/2376 86% .58 2202/2303 96% .81 65% Feminino 1328/2125 62% TOTAIS 2832/4431 64% 3814/4657 82% 4605/4817 96% Entre os informantes de escolaridade Fundamental, quase não há diferença entre os pesos relativos dos dois grupos de gênero. No grupo de nível universitário, os dois gêneros têm um fator igual de favorecimento (P. R. .81). Entre os informantes de escolaridade Média, no entanto, nota-se que as mulheres têm um peso relativo de concordância bem maior (.58) do que os homens (.38). 167 Gráfico 6: Efeito das variáveis Escolaridade e Gênero, associadas, na concordância 1 0,9 0,8 0,7 0,6 Masculino Feminino 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 Fundamental Média Superior Pelo que se apresenta, se a relação entre gênero e concordância varia a depender dos anos de escolarização, é necessário que se busquem, no contexto em que vivem homens e mulheres, razões para isso. Será que a diferença entre a realização lingüística entre os gêneros se relaciona às diferenças entre as cobranças sociais feitas aos homens e mulheres? Então, nesse caso, o gênero feminino sofre mais pressão social quando apenas tem o nível de segundo grau, na busca de empregos, por exemplo, e essa pressão se atenua no nível superior, daí a preocupação das mulheres daquele nível com o seu padrão lingüístico? E as de nível Fundamental e 168 Superior sofrem relativamente a mesma pressão que os elementos do gênero masculino, não demonstrando, por isso, grande diferença? Quem tem apenas a escolaridade Média, em Salvador, apesar de teoricamente já poder assumir cargos públicos de nível médio, e inserir-se em vários campos do mercado, não tem facilidade de conseguir emprego. A concorrência tem sido grande, na prática, pois essas pessoas não têm grande especialização e lutam por poder contribuir com sua força de trabalho, mas esbarram na dura competição; muitas vezes são pessoas de nível superior que assumem, através de concurso público, cargos previstos para profissionais de nível médio. Como ilustração, pode-se apresentar aqui um fato concreto, vivido pela autora deste trabalho que, recentemente, foi convidada para dar aulas a pessoas aprovadas em concurso público para o preenchimento de vagas de “agente de polìcia técnica”, função conhecida popularmente como “rapa” (fiscal de comércio ambulante), em Salvador, mas acabou trabalhando com um grupo predominantemente de nível superior, aprovado nas provas. Anteriormente esse cargo era destinado a pessoas de nível primário e, nessa oportunidade, a prefeitura da cidade achou por bem definir a exigência de escolaridade de segundo grau, mas não foi esse o público que teve acesso ao preenchimento das vagas, pelo menos dessa vez. O exemplo apresentado tem como objetivo unicamente salientar a dificuldade que têm as pessoas de nível médio de participarem da competição com os oriundos dos bancos das universidades, diante da falta de emprego em todos os níveis. O esforço na utilização da linguagem considerada padrão pode ser um reflexo da constante luta em que essas pessoas vivem. No material ora analisado, são as mulheres do segundo grau que demonstram ter um uso, no que diz respeito à concordância, que 169 suplanta, quanto à proximidade do padrão, a probabilidade de aplicação da regra pelos homens. As mulheres têm um papel importante, segundo Labov (1991:21148), na implementação das mudanças. É o gênero feminino que encabeça as mudanças “de cima para baixo”, ou seja, as mudanças que envolvem fenômenos não estigmatizados. Quando a variante é estigmatizada socialmente, são os homens que encabeçam. No tipo de variação em estudo, a ausência de marca de concordância no sintagma nominal é traço estigmatizado, principalmente em alguns tipos de sintagmas e em algumas situações. Assim, o resultado apresentado não se parece coerente quando se trata das escolaridades mínima e máxima, ou seja, nível primário e nível superior. No nível intermediário, o segundo grau, as mulheres são mais conservadoras, ela fazem mais a concordância de número no sintagma nominal que os homens, conforme a previsão de Labov, mas nos outros níveis, isso não ocorre. Lucchesi (2000) constata que os homens estão à frente na fixação da regra de concordância de gênero no dialeto descrioulizante de Helvécia – Ba. A esse fato ele relaciona a exposição maior do homem aos diversos contextos sociais, viagens, enquanto as mulheres daquela localidade se mantêm mais dedicadas ao trabalho da educação dos filhos e às tarefas do lar. Na presente pesquisa, o comportamento das mulheres do nível colegial parece refletir o esforço desse grupo, ao lado dos homens, de encontrarem seu espaço. Se essa busca ocorre em todos os níveis, ela é muito mais feroz no nível colegial, que é, como se salientou, particularmente mais competitivo. 170 3. 1. 3 Tempo aparente - Estudo da variação entre as faixas etárias. A tabela a seguir apresenta o resultado da análise estatística referente aos grupos etários estudados na pesquisa. Tabela 5: Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função da Faixa Etária Sign.=.000 Faixa etária Freqüência Peso Relativo De 15 a 24 anos 1717/2280 75% .49 De 25 a 35 anos 3193/3926 81% .45 De 45 a 55 anos 3100/3896 80% .46 > 65 anos 3241/3803 85% .59 TOTAL 11251/13905 81% Pelo que se pode notar, a faixa etária mais velha é a única favorecedora do uso da concordância, pois é a que mais tende a marcar mais os elementos do sintagma nominal com o morfema de plural; a primeira faixa, os mais jovens, têm um peso relativo de concordância bem menor que os mais velhos, uma diferença de .12. O quadro parece caracterizar indício de mudança levando à perda de marcas explícitas. 171 Gráfico 7: Efeito da faixa etária sobre a concordância 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 15 a 24 25 a 35 45 a 55 > 65 Ao lado da observação das faixas etárias, Naro (1981:86-7) estudou a orientação cultural, distinguindo informantes como de “orientação vicária” – os que têm muitas experiências fora do seu meio, através principalmente de novelas televisivas – e orientação experencial – os que não assistem a essas novelas e vivem restritos ao seu próprio meio. O autor considerou que a orientação tem um efeito muito maior que a idade e, ainda, que os mais jovens são mais sensíveis a essa variável que os mais velhos55. Na presente pesquisa, para entender melhor essa variável, é necessário fazer a observação separando-se os informantes por gênero e por escolaridade. 55 “Note that the orientation variable has a much greater effect than the age variable. (...) The orientation variable, on the hand, reflects a resurgence in the use of this same rule that comes from within the speaker, depending upon his or her own cultural orientation. (...) I have the impression that the vicarious orientation is much more prevalent among the young than among the old”. (Naro, 1981:87-8). 172 A tabela a seguir mostra que efeito têm os dois gêneros, combinados com a faixa etária, sobre a presença de marca de plural nos sintagmas. Tabela 6: Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função da Faixa etária e do gênero Sign.=.006 Homens Mulheres Faixa etária Freqüência P. R. Freqüência P. R. De 15 a 24 anos 833/1149 72% .48 884/1131 78% .51 De 25 a 35 anos 1677/2106 80% .45 1576/1820 83% .41 De 45 a 55 anos 1338/1768 76% .37 1763/2120 83% .55 De 65 anos em diante 1830/2078 88% .67 1411/1726 82% .51 TOTAL 5678/7101 80% 5573/6804 82% Os resultados da análise parecem indicar que as mulheres mais jovens tendem a seguir o padrão estabelecido ligeiramente mais que os homens. Isso talvez possa ser justificado com o período em que há a relação mais forte com o ingresso no mercado trabalho, ou durante a sua fase mais produtiva no mercado de trabalho (3a Faixa etária). Essa pressão parece não mais atingi-las na última faixa etária. As mulheres mais velhas tiveram possivelmente menos contato com o trabalho e com o mundo exterior, na época da juventude, e possivelmente menos pressão 173 normatizante, o que talvez justifique a menor realização da concordância. Com os homens, parece ocorrer outra coisa. Apenas os mais velhos mostraram-se com mais probabilidade de concordância. Gráfico 8: Efeito da Faixa etária e gênero sobre a concordância 1 0,8 0,6 Homens 0,4 Mulheres 0,2 0 15 a 24 25 a 35 45 a 55 > 65 Nas faixas anteriores, existe desfavorecimento, e ele é grande na faixa 3, quando já existe, talvez, menos preocupação com os estudos e com o trabalho. É necessário que se observe também o efeito da variável faixa etária associada à escolaridade, sobre a concordância. A seguir, a tabela apresenta o cruzamento entre as variáveis faixa etária e escolaridade. 174 Tabela 7 : Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função da Faixa etária e da escolaridade. Faixa etária Fundamental Média Superior Sign.=.000 Sign.=.000 Sign.=.000 Freqüência P. R. Freqüência P. R. Freqüência P. R. 15 a 24 602/1037 .09 1115/1243 .59 ______ ___ anos 58% 90% 25 a 35 665/1022 .18 950/1253 76% .34 1578/1651 .75 anos 65% 45 a 55 738/1209 anos 61% > 65 anos 827/1163 96% .14 1026/1241 .54 83% .35 723/920 79% 2832/4431 64% .68 92% .35 71% TOTAIS 1336/1446 1691/1720 .94 98% 3814/4657 82% 4605/4817 96% 175 Gráfico 9: Efeito da faixa etária e da escolaridade sobre a concordância 1 0,9 0,8 0,7 0,6 Universitária 0,5 Média 0,4 Fundamental 0,3 0,2 0,1 0 14 a 24 25 a 35 45 a 55 > 65 Nos grupos de escolaridade Fundamental e Superior, percebe-se uma tendência de aumento do peso relativo das faixas etárias mais jovens, em direção aos mais velhos. Entre esses, a diferença entre algumas faixas é muito pequena, mas o quadro sugere mudança muito lenta, levando à perda de concordância (os mais velhos com mais concordância e os mais novos com menos). Apesar disso, no grupo de informantes de escolaridade média, ocorre outro fato: a faixa mais nova tem tendência a mais marcação mas, nas outras faixas, existe uma oscilação grande, demonstrando que a proximidade da relação com a escola e, ainda, a exigência da norma padrão pelo mercado de trabalho levam a primeira faixa a ter uma probabilidade grande de marcar os elementos do sintagma. A faixa que seguem é, dessa forma, desfavorecedora. Na terceira faixa, apesar de corresponder a um período em que as pessoas já não têm grandes perspectivas em relação a trabalho, nesse nível de escolaridade a aplicação da regra de concordância 176 tem um aumento de probabilidade, mas esse se reduz bastante na última faixa, período correspondente à aposentadoria. Comparando os dois primeiros grupos, os de escolaridade Fundamental e de escolaridade Média, grupos em que estão inseridos os falantes do português falado pela classe mais popular, nota-se que parece haver convivência de forças contrárias, aquisição e perda da concordância. No primeiro grupo, de escolaridade fundamental, constata-se uma perda, pois os mais velhos demonstram fazer mais a concordância do que os mais novos. No segundo grupo, os de escolaridade média, segundo grau, ocorre o contrário, os mais novos fazem mais concordância que os mais velhos, o que pode caracterizar um quadro de aquisição da regra. Naro & Scherre (1991: 15) apresentam uma situação em que detectam convivência de forças contrárias na variação da concordância verbal. Referindo-se à fala carioca, dizem: “Acreditamos que os resultados apresentados sugerem fortemente que é fácil encontrar fluxos e contrafluxos envolvendo a variação e a mudança na comunidade de fala carioca. O que está mudando para algumas pessoas pode estar estável para outras pessoas e o que está aumentando para alguns pode estar diminuindo para outros.” (Naro & Scherre, 1991: 15). Esses dados mostram exatamente a mistura de influências em diversas direções que compõem o quadro de cidade grande, com movimentos “above” (“acima da consciência”), caracterizado pela busca do que é valorizado, a busca pelas melhorias sociais, o distanciamento do que se considera atrasado; e com o movimento inverso, a mudança “below” 177 (“abaixo da consciência”), a crescente influência da massa desprestigiada, através do contato, da proximidade física, sobre o que se considera prestígio (Labov, 1991:213-15). Pode-se considerar que a variável escolaridade, nesse caso, funciona de forma relativamente semelhante ao que Naro (1981: 86-8) observou com o estudo da variável orientação cultural, na fala do Rio de Janeiro. Ao se observar a freqüência e o peso relativo da concordância no grupo de escolaridade superior, nota-se que o grupo dos mais velhos é o que tem maior probabilidade de concordância. Essa última faixa é compreendida por profissionais de nível superior que estudaram em uma época em que só os de boa condição econômica poderiam fazê-lo e, ao observar a influência dessa escolaridade, vê-se que essa situação envolve um aspecto: esse é um grupo formado por pessoas em que a concordância, diferentemente dos outros, parece estar no vernáculo. Estão aí talvez aqueles descendentes das antigas famílias mais abastadas da cidade, cujos ancestrais provavelmente tiveram uma história de aquisição da língua portuguesa através de dados lingüísticos primários mais próximos do português europeu, bem diferente dos elementos que caracterizam a massa popular. No geral, entre os universitários, a concordância decresce, diante do contexto lingüístico atual, ao invés de aumentar, pois os mais novos tendem a fazer bem menos concordância. Esse quadro pode ser interpretado como um indicador de mudança, tendendo a perda de marcas explícitas de concordância nesses grupos. O fato que se constata entre os grupos das três faixas etárias do nível superior está relacionado diretamente a uma mudança no quadro educacional brasileiro, ocorrida nos últimos 30 ou 40 anos. Com a grande urbanização que ocorreu nesse período (Segundo Ribeiro (1995:198), no Brasil, a população urbana, em 1940, era de 12,8 milhões de pessoas, e, em 178 1980, 80,5 milhões), aliada à Reforma do Ensino, com a Lei 5692, a população teve maior acesso aos bancos escolares. O acesso à universidade passou a ser possível às pessoas de classe média, apesar de toda a dificuldade ainda existente. Antes disso, apenas pessoas de grande poder aquisitivo conseguiam ter curso superior. Dessa forma, o público da universidade mudou, passou a ter características bastante diferentes do grupo restrito que freqüentou a universidade na primeira metade do século ou um pouco mais. É pelo fato relatado que, aqui, se diz que esse grupo dos mais velhos (última faixa etária) com nível superior são pessoas com uma história de vida diferente dos que não estão nessa faixa de idade. Pelo visto, o quadro de nível superior tem duas situações a serem tratadas: 1) um grupo específico, composto por pessoas mais velhas, que parece estar à parte, com uma concordância quase categórica, caracterizando uma situação social diferente dos demais; 2) um grupo em que a variação da concordância se associa a outro contexto social, mais representativo da massa popular que chega à universidade a partir dos anos setenta. É possível que o quadro aqui descrito possa ser explicado por uma existência de uma outra gramática, divergente do grupo POP. O grupo mais velho com escolaridade superior é possuidor de uma gramática em que a concordância é quase sempre freqüente (freqüência de 98%, peso relativo de .94). O grupo jovem com escolaridade Fundamental tem uma outra gramática, em que a concordância existe bem pouco (freqüência de 58% e peso relativo de .09), e pode-se interpretar, ainda, a hipótese de pessoas que 179 têm as duas gramáticas, são as que estão incluídas nos outros grupos, intermediários entre os dois extremos. O quadro, por outro lado, pode indicar que no grupo de mais idade, nível superior, a variação está apenas se iniciando. A análise das variáveis lingüísticas vai ajudar a refletir se os grupos têm uma mesma gramática ou se existem gramáticas divergentes entre eles. 3. 1. 4 Tempo real Para observar a possibilidade de mudança, numa observação em tempo real, utiliza-se, nesta pesquisa, resultados de pesquisa anterior, Lopes (2000), em que se fez análise da variação da concordância em dados do português universitário recolhidos na década de setenta, integrante do projeto Norma Urbana Culta de Salvador (NURC/SSA)56. Em Lopes (2000), observaram-se dados do projeto NURC/70 e do NURC/90, comparando-se apenas os falantes das faixas etárias de 25 e 35 anos (faixa etária 1 do NURC) e acima de 55 anos (faixa etária 3 do NURC). Aos resultados da referida pesquisa se acrescentou mais uma faixa etária, para possibilitar confronto com os dados da fala atual. A seguir apresentam-se os resultados desse estudo. 56 Esses resultados foram apresentados em Congresso da ABRALIN, em 1999, no texto da comunicação intitulada …, e publicado nas atas do Congresso. 180 Tabela 8: Taxas de concordância em função da faixa etária e do tempo – Dados do NURC 70 e NURC 90. Década de 70 – Sign.=.000 Faixas etárias 25 a 35 anos Fala Atual - Sign.=.000 Freqüência P. R. Freqüência P. R. 792/829 96% .38 1578/1651 .47 96% 45 a 55 anos 649/684 95% .35 1336/1446 .33 92% > 65 anos 1206/1223 99% .67 1691/1720 .67 98% TOTAIS 2647/2736 97% 4605/4817 96% A comparação entre as taxas de concordância nas duas épocas mostra muitas semelhanças entre os pesos das diversas faixas etárias. Nas duas amostras, a observação dos grupos dos mais velhos e dos mais novos parece indicar perda da concordância. Como isso se repete nas duas épocas, pode-se estar, contudo, diante de apenas uma variação etária ou geracional, não uma mudança em progresso. O gráfico possibilita melhor visualização. 181 Gráfico 10: Efeito do Tempo aparente e tempo real na concordância 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0 70 90 Fe 2 Fe 3 Fe 4 Ao se utilizar análise estatística para avaliar o efeito do tempo real, chegou-se aos seguintes resultados. Tabela 9: Taxas de concordância em função do Tempo real – Dados dos Universitários. Sign.=.012 Freqüência P. R. Década de 70 2647/2736 97% .55 Dados Atuais 4605/4818 96% .47 Total 7252/7554 96% Entre as duas épocas, há uma redução, que não é grande, mas o programa estatístico de regras variáveis, o programa Varbrul, selecionou a variável tempo, ou seja, considerou que o tempo tem um efeito 182 estatisticamente significativo sobre o fenômeno da concordância no sintagma nominal, embora a magnitude da diferença seja pequena (.08). Diante disso, a hipótese de possibilidade de mudança, surgida da observação em tempo aparente, através das faixas etárias, tem, agora, ainda mais fundamento, uma vez que, na comparação entre uma sincronia anterior e a atual, já houve a redução, que poderá continuar ou não a acontecer. Gráfico 11: Efeito do Tempo real na concordância 1 0,5 0 Década de 70 Dados atuais Na pesquisa inicial dos dados de 70, Lopes (2000) constatou que o gênero feminino se mostrava à frente da variação, o que levava à sugestão de mudança, diante do papel que se considera caber às mulheres, como encabeçadora de muitas mudanças, principalmente as que não são estigmatizadas, o que não é o caso. Para observar se se mantém o que foi observado com os dados da década de 70, a tabela a seguir faz uma comparação dos resultados da análise estatística da concordância nos dois gêneros. 183 Tabela 10: Efeito da variável tempo entre os grupos de gêneros. Dados 70 – Sign.=.198 Dados Atuais Sign.=.006) Gêneros Freqüência Freqüência P. R Masculino 1403/1444 97% 2403/2514 96% .50 Feminino 1244/1292 96% 2202/2304 96% .50 TOTAIS 2647/2736 97% 4605/4818 96% A variável gênero foi excluída na análise separada com os dados da década de 70, por isso os resultados não podem ser levados em conta para qualquer conclusão a respeito. Nos dados atuais, os dois gêneros fazem igualmente a variação, mostrando que, se as mulheres, no nível de escolaridade superior, iniciaram a variação, os dois gêneros já a têm como um fenômeno concreto. 3. 1. 5 Os sobrenomes, analisados como variável etnia Numa primeira análise, buscou-se observar o efeito da variável sobrenomes envolvendo todos os informantes de todos os três graus de escolaridade. Os resultados a que se chegou são mostrados a seguir, na tabela 11. 184 Tabela 11: Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função do sobrenome – amostra geral Tipos de sobrenomes Freqüência Peso Relativo Sobrenome não religioso 6256/7422 84% .53 Sobrenome religioso 4266/5671 75% .46 Sign=.000 TOTAL 10522/13093 80% Gráfico 12: Efeito do Tipo de Sobrenome na concordância 1 0,5 0 Não religioso Religioso Nessa primeira análise, constatou-se um quadro de baixa concordância entre os informantes de sobrenome religioso, o único fator, nessa variável, desfavorecedor. Como o nível superior não tem condições de dar muita contribuição ao estudo da interferência dessa variável, uma vez que a amostra contém poucos sobrenomes religiosos e há nomes abreviados, não se podendo fazer 185 adequadamente a classificação, esse grupo foi excluído da análise seguinte, cujos resultados são apresentados na tabela a seguir. Tabela 12: Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função dos Sobrenomes – Apenas os dados dos falantes de escolaridade Fundamental e Média, sem os dados dos universitários (apenas o grupo POP). Tipos de Sobrenomes - Freqüência Peso Relativo Sobrenome não religioso 3083/4071 76% P. R. .55 .55 Sobrenome religioso 3422/4813 71% P. R. .46 .46 Sign=.000 TOTAL 6505/8884 73% Gráfico 13: Efeito do Tipo de sobrenome na concordância - POP 1 0,5 0 Não religioso Religioso Sem os dados dos falantes do nível superior, a diferença entre os dois grupos de sobrenomes se ampliou de .07 para .09. 186 Diante de se imaginar que os mais velhos pudessem dar mais subsídios para a análise que se precisa ter dos dados, por possibilitarem um contato com uma fala ainda mais antiga, e por isso mais rica em respostas para as perguntas que se fazem sobre as razões da variação da concordância, optou-se por observar a última faixa etária do grupo POP. Este grupo, pois, é formado por falantes de escolaridades Fundamental e Média, faixa etária de 65 anos em diante. A tabela 13 apresenta os resultados. Os dados parecem indicar que, no grupo do português popular, aqui considerado o formado pelos níveis de escolaridade Fundamental e Média, existe relação entre a origem étnica, aqui analisada através dos sobrenomes, e a variação da concordância: as pessoas descendentes dos africanos têm mais probabilidade de usarem a variante zero de plural. Tabela 13: Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função dos Sobrenomes – apenas o grupo da última faixa etária: POP4. Tipos de sobrenomes Freqüência Peso Relativo Sobrenome não religioso 905/1080 84% .68 Sobrenome religioso 645//1003 64% .31 Sig.=.000 TOTAL 1550/2083 74% 187 Gráfico 14: Efeito do Tipo de sobrenome na concordância POP4 1 0,5 0 Não religioso Religioso Mas ela não ocorre da mesma forma em todas as faixas etárias. É mais forte, com oposição maior entre os fatores, na última faixa etária do que no grupo como um todo. Apesar de não se ter previsto inicialmente que essa variável tivesse tão grande relação com o fenômeno em estudo, ela ficou bem clara no grupo de falantes de maior idade, de 65 anos em diante. Explorando separadamente os grupos de sobrenome, em todas as faixas etárias, e analisando a relação entre a faixa etária e a concordância, chega-se a um resultado interessante. A tabela 14 mostra os resultados encontrados. Esses resultados indicam que os dois grupos revelam situações diferentes, em relação ao fenômeno da concordância. Os informantes de sobrenome religioso, aqui considerados como de descendência negra, estão adquirindo a regra de concordância, ao invés da perda: os mais jovens estão fazendo mais concordância que os mais velhos, o que parece indicar um processo de mudança em andamento. 188 Tabela 14: Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função da Faixa etária – Comparação entre os grupos de sobrenome Não religioso - Sign.=.000 Religioso – Sign.=.000 Faixa etária Freqüência P. R. Freqüência De 15 a 24 1059/1499 71% .40 658/781 84% .67 De 25 a 35 179/382 47% .17 1436/1893 76% .56 De 45 a 55 1081/1314 85% .61 824/1340 61% .37 > 65 anos 905/1080 84% .64 645/1003 64% .42 TOTAL 3224/4275 75% P. R. 3563/5017 71% Ao contrário dessa aquisição da concordância, ocorre o inverso no grupo não religioso: os mais velhos fazem mais concordância e os mais jovens tendem a fazer menos, o que pode sugerir que o grupo está em processo de apagamento da regra, ou perda da concordância. Esse quadro está em consonância com o previsto por Naro (1981:87) e de acordo com Naro & Scherre (1991:16). 189 Gráfico 15: Efeito da Faixa etária e tipo de sobrenome na concordância 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0 Não religioso Religioso 15 a 24 25 a 35 45 a 55 > 65 No grupo de sobrenome não religioso, as faixas mais novas são desfavorecedoras da concordância e, além disso, há uma redução grande da primeira para a segunda faixa etária, mas, posteriormente, as duas faixas mais velhas favorecem a presença de marca de plural nos elementos do sintagma; a terceira, apesar de ser ainda faixa em que os falantes estão vinculados ao mercado de trabalho, mas perto de aposentarem, há favorecimento menor da concordância que a quarta, período provavelmente de mais inatividade em relação ao trabalho produtivo. Dessa forma, nesse grupo, a concordância parece tender à redução, com os mais velhos fazendo mais concordância e os mais novos, menos. Baxter (2001:3), no estudo da concordância no sintagma nominal português dos Tongas, identifica a faixa etária dos mais velhos (ou primeira geração) como a mais desfavorecedora da concordância, diante de terem sido expostos a dados lingüísticos primários mais deficientes e incompletos. Há, em seguida, um crescente de favorecimento entre as faixas mais novas (consideradas segunda e terceira geração). Ele diz: 190 “A geração 1 faz minimamente a marcação de plural, e os mais velhos deles têm uma baixíssima freqüência de marca. Parece razoável e indiscutível assumir que esta situação reflete a natureza dos dados lingüísticos primários predominantes oferecidos a essa geração (as gerações iniciais) que aprenderam a língua, em português L2 [segunda aquisição] adquirido por adultos. Esses dados lingüísticos primários foram insuficientes para o conjunto da concordância de número como ocorreria no português europeu. Sucessivas gerações, com exposição a dados lingüísticos primários de uma natureza diferente, e com um contato cada vez maior com variedades L1 do português (…) houve a aquisição da concordância, como uma regra variável.”57 A referência ao português dos Tongas, numa possível comparação com o português do grupo de sobrenome religioso, justifica-se diante de esse grupo ter como ancestral a população escrava e, ainda, da possibilidade da aquisição do português com muita variação nos dados primários a que os falantes tiveram acesso. Dessa forma, as primeiras gerações, diante dessa situação, têm propensão a demonstrarem mais relação estreita com essa história de aprendizagem. As gerações posteriores, com o contato com as diversas utilizações da linguagem e, ainda, com o convívio escolar com o padrão, tendem a incorporar, cada vez mais, traços da língua comum, perdendo vestígios da língua inicial. 57 “Generation 1 is minimally disposed towards plural marking, and the oldest of the speakers within this group display an exceedingly low frequency of marking. It seems reasonable and uncontroversial to assume that this situation reflects the nature of predominant PLD available to this generation (and prior generations) of language learners, in the L2 Portuguese acquired by adults. This PLD was insuficient to set number Agr as it would occur in European Portuguese. Sucessive generations, with exposure to PLD of a different nature, and with a growth in contact with L1 varities of Portuguese (…) display acquisition of Agr, as a variable rule.” 191 Ainda em Baxter (2001), é feito um estudo da interferência da origem dos pais dos falantes da última geração, os mais novos (entre 20 e 40 anos), na aplicação da regra de concordância. Foram consideradas duas possibilidades: se os pais são da África (então com um português L2) ou se são de Monte Café (nesse caso com um português L1). Baxter (2001:3) observou um desfavorecimento na concordância dos que têm pais da África (peso relativo de concordância de .36) e um favorecimento dos que têm pais nascidos em Monte Café (peso relativo de concordância de .63). Esse dado pode ser aproveitado para analisar aspectos do contexto de Salvador, na população escrava e ex-escrava, no século passado. Conforme informaçãoes apresentadas no capítulo 1, mesmo entre meados e fins do século XIX, ainda havia muitos escravos africanos, convivendo com escravos e libertos crioulos. Nessa cidade, eram encontradas crianças que eram filhos ainda desses africanos e filhos de escravos crioulos (ou brasileiros) que aprendiam, a todo o momento, o português dos pais e dos outros adultos (aprendido como L1 ou L2). Em regiões rurais esse quadro certamente ocorria, e havia, com certeza, menos acesso que na cidade ao português europeu. Esses dados podem levar a supor que, em Salvador, a diversidade existente, mesmo no grupo de sobrenome religioso, pode indicar também relação com esse aspecto: os dados lingüísticos da primeira geração dos africanos aqui chegados e de outras podem ter sido dados provenientes de uma L1 ou de uma L2. Em seguida, faz-se o cruzamento entre a variável sobrenomes e a escolaridade, confrontando grupo de sobrenome religioso com grupo de sobrenome não religioso. 192 Tabela 15: Taxas de uso da concordância no Sintagma Nominal em função do Sobrenome e da Escolaridade Fundamental – Média – Sign.=000 Sign.=000 Tipos de Sobrenome Freqüência P. R. Freqüência P. R. Sobrenome não religioso 1281/1981 65% .34 1802/2090 86% .75 Sobrenome religioso 1410/2246 63% .32 2012/2576 78% .57 Totais 2691/4227 64% 3814/4657 82% A tabela apresentada mostra que, no nível primário, existe uma grande aproximação, tanto de freqüência quanto de peso relativo, entre o grupo de sobrenome religioso e o grupo de sobrenome não religioso. Com o grupo de escolaridade colegial, contudo, a diferença entre os dois grupos é bem forte. Esse resultado demonstra que, neste grupo, já tendo, com a escola, a experiência e o contato mais acirrado com o padrão, podem ser percebidas as diferenças entre os dois grupos, o que tem sobrenome religioso, ou ancestralidade negra, fazendo menos concordância, e o grupo com outros sobrenomes, ou não ancestralidade negra, fazendo bem mais concordância, demonstrando ser mais sensível ao efeito da escolarização que o grupo de sobrenome religioso. 193 Efeito da variável Sobrenomes na concordância dos níveis Fundamental e Média 1 0,9 0,8 0,7 0,6 Não religioso Religioso 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 Fundamental Média As análises feitas com os grupos de sobrenome mostraram uma relação de sobrenome não religioso e mais concordância e sobrenome religioso menos concordância. Como, através do estudo dos sobrenomes, estuda-se a variável etnia, este trabalho vê uma relação entre ancestralidade negra e menor realização de concordância no sintagma nominal. Além disso, como, nesse grupo, constata-se maior realização de sintagmas com marcas de plural nas faixas etárias mais novas e menor realização de marcas nas faixas mais velhas, considera-se que esse grupo demonstra aquisição da regra de concordância, não perda. Fenômeno contrário é percebido no grupo de sobrenome não religioso, através da observação no tempo aparente, pois nesse grupo o peso relativo da concordância sobe à proporção que os falantes têm mais idade, revelando que o grupo tende a reduzir a realização da concordância. 194 3. 2 Variáveis Lingüísticas Através da análise das variáveis sociais, pode-se entender a relação entre a variação da concordância no sintagma nominal e os diversos grupos estudados nessa pesquisa e, ainda, estabelecer hipóteses sobre a formação do português brasileiro e fazer prognósticos sobre a possibilidade de mudança do fenômeno estudado. É necessário que, em seguida, se busque relação entre a variação referida e a estrutura lingüística. São focalizados, a partir de então, as variáveis lingüísticas que se tomam como possíveis grupos de fatores a interferir na variação da concordância no sintagma nominal, conforme detalhado no capítulo 2. 3. 2. 1 Saliência Fônica A saliência fônica foi introduzida nos estudos do português por Naro & Lemle (1976), inicialmente na concordância verbal, e posteriormente incorporada aos estudos concordância verbal e nominal de Braga & Scherre (1976), de Braga (1977), de Scherre (1978, de Naro (1981), assim como de Guy (1981) e de Scherre (1988). Segundo Naro e Lemle (1976), a quantidade de material existente na oposição entre singular e plural interfere na possibilidade de se fazer a concordância. Dessa forma, os itens em que a oposição é mais saliente (mais material fônico perceptível na oposição singular/plural) devem ser os mais marcados com o morfema de plural. Scherre (1988:64), apoiando-se em Naro & Lemle (1976) e Naro (1981), diz que “esse princìpio consiste em estabelecer que as formas mais salientes, e por isso mais perceptíveis, são mais prováveis de serem marcadas do que as menos salientes.” 195 “A mudança então fixa-se no ponto zero de diferenciação entre o sistemas velho e novo, e espalha-se para outros pontos com mínima diferenciação de superfície. Esta visão do processo reforça e confirma a idéia geral da mudança sintática como um fenômeno de superfìcie (...)”58 (Naro, 1981:96-7). Guy (1981:296), ao estudar a saliência fônica na concordância na fala carioca, estabeleceu uma relação entre a quantidade de material fônico e a percepção do ouvinte, no momento da aquisição da regra (numa situação de suposta descrioulização), daí considerar os mais facilmente percebidos, ou mais salientes, como os inicialmente aprendidos ou incorporados. As formas em que a oposição singular/plural é mais saliente são, por isso, mais marcadas com o morfema. “Um padrão de variação de concordância dependente da saliência da oposição singular-plural é exatamente o que se esperaria encontrar em uma população descrioulizante, que tem mudado de um suposto padrão proto-crioulo de não concordância em direção ao padrão standard de concordância categórica.” 59 Essa variável, pois, possibilita identificar o fenômeno da perda e o da aquisição: segundo Naro (1981) é a partir dos itens com concordância menos saliente que a variação se inicia; e segundo Guy (1981) é a partir dos itens com concordância mais saliente que se dá a percepção, na fase de aquisição. 58 The change thus sets in at the zero point of surface differentiation between the old and the new systems, and spreads to other points along the path of least surface differentiation. This view of the process reinforces and confirms the general idea of syntactic change as a surface phenomenon (...)”. 59 “A varying rate of agreement dependent upon the salience of the singular-plural opposition is exactly what we would expect yo find in a decreolizing population qhich has moved par-way from the 196 A saliência fônica tem sido, pois, considerada como importante para o estudo da variação e da mudança que envolve a concordância, assim como de outros aspectos da língua e, ao mesmo tempo, para o estudo da aquisição que se faz desses fenômenos. Nesse caso, são duas situações contrárias que interessam a essa pesquisa, a da perda e a da aquisição da concordância, que podem ser constatadas através da mesma variável. A variável ora estudada tem um papel importante no estudo da aquisição de língua com muita variação. Como em situações desse tipo são as informações mais salientes as que são percebidas em primeiro lugar, a língua resultante desse tipo de observação deve trazer mais marcas da aprendizagem dos elementos mais salientes e a ausência dos menos salientes. Na área de estudos sobre a aquisição de primeira língua (L1) e de segunda língua (L2), também o que é mais irregular e mais freqüente muitas vezes é o que se aprende primeiro. A freqüência dessas formas é, pois, também um fator significante para a aprendizagem: a irregularidade, associada à freqüência, é um forte condicionador para que a aprendizagem seja mais rápida. Nesses contextos, há, por outro lado, regularizações de formas ou irregulares ou complexas. No campo das formas e conjugações verbais, por exemplo, surgem formas como ponhar e, também, ocorre a preferência pelo uso de formas neutras, como tudo, ao invés das formas variáveis todos, todas. Naro (1981:96-7) mostra que o papel da saliência na mudança envolve dois aspectos: a) a atuação, que indica o ponto onde se inicia o processo de mudança; e a (presumed) proto-creole pattern of no-agreement, toward the standard pattern of categorical agreement.” (Guy, 1981:296). 197 b) difusão ou espalhamento da mudança para outros contextos. Com respeito ao português brasileiro, observando a fala carioca, Naro (1981:96) diz que a perda da concordância se inicia em contextos em que a oposição singular/plural é quase imperceptível (come/comem). Com o “colapso” da concordância nesse contexto, há a difusão desse processo em outros contextos, obedecendo ao mesmo princípio da saliência, em outras dimensões60. O autor refere-se à possibilidade de, numa comunidade lingüística, se detectarem diferentes estágios da mudança nos grupos de falantes, até que possíveis restrições lingüísticas sejam neutralizadas61. Naro & Scherre (2000), ao comparar o português do Brasil e o de Portugal, apresentam um estudo da saliência fônica na concordância sujeito/verbo nas falas letrada e iletrada do Rio de Janeiro, evidenciando menos concordância nas formas menos salientes e o mesmo ocorre, segundo a pesquisa, em textos portugueses medievais. O quadro a seguir transcreve os resultados de Naro & Scherre (2000:244): 60 “Two aspects of the over-all process of linguistic change may be distinguished for analytical purposes: (a) actution, i. e. the beginning point, or first context, of a change; and (b) diffusion, i. e. the susequent spread of the change to other environments. In the loss of verbal concord, I have argued above that the linguistic actuating force was a low-level phonetic rule of desnasalization of final vowels. For the verbs of Morfological Class 1a, this rule, operating upon a plural form such as comem [mómin], proces a form that coincides exactly with the singular. Thus, for speakers having this rule, the singular/plural opposition collapses on the surface in a certain part of the language. The diffusion of the non-agreeing system thoughout the language then proceeds, in accord with the principle of saliency, along several distinct dimensions – extending itself most strongly in those contexts where it envolves the smallest (i. e. least noticeable) change in surface form.” (Naro, 1981:96). 61 “Since salience is a general property of the linguistic system, one would not normally expect groups of speakers at differents stages of evolution to exhibit confliting orderings of variable constraints in the 198 Tabela 16: Dados comparativos entre a fala iletrada e a letrada do Rio de Janeiro e textos medievais portugueses. Categoria R. J. (fala de pessoas R. J. (fala de pessoas Textos semi-escolarizadas – com 1 a 11 anos de medievais antigo Mobral) escolaridade) portugueses - saliente 27% P. R. .22 62% P. R. .32 P. R. .33 + saliente 74% P. R. .78 85% P. R. .71 P. R. .75 (Comparação feita por Naro e Scherre, 2000:244) Os autores confrontam os resultados, dizendo que “(…) mostram que em textos portugueses antigos, assim como no português brasileiro moderno, a marcação de plural era menos usada com formas verbais menos salientes. Apesar de as freqüências serem muito diferentes nos três casos, os pesos relativos são essencialmente iguais e mostram que os fatores que controlavam a variação são os mesmos, tanto no português medieval como no português moderno.” (Naro & Scherre, 2000:245)62 Scherre (1988), analisando a variação da concordância no sintagma nominal da fala não universitária do Rio de Janeiro, tomou como uma das hierarchized dimensions, although such constraints can be neutralized under certain circumstances (Naro, 1981:96). “The results (…) demonstrate that in ancient Portuguese texts, just as in modern spoken Brasilan Portuguese, plural marking was used less frequently with low saliency verb forms. Even though the frequencies may vary widely in the three cases, the relative weights are essentially equal, and show that the factors that controlled the variation were the same in medieval Portugal as they are today in modern Brazil.” 199 variáveis lingüísticas a saliência fônica, estudada em três dimensões: processos de formação de plural, tonicidade e número de sílabas da forma singular da palavra. Como o número de silabas se mostrou irrelevante, apenas processos e tonicidade foram detalhadamente analisados. A pesquisadora constata mais variação nas formas em que há menos material fônico na oposição singular e plural: “(…) podemos verificar que os falantes adultos, com referência a Processos, evidenciam mais marcas de concordância nos itens lexicais que apresentam mais diferença material fônica entre as suas respectivas formas singulares e plurais. Os plurais duplos favorecem-nas com 0,86 e os regulares inibem-nas com 0,24. São exatamente estes casos que possuem, respectivamente, maior e menor diferença material fônica na relação singular/plural. (Scherre, 1988:7980). Estudando o “português xinguano”, Emmerich (1984) utiliza-se do princípio da saliência para observar e explicar a ordem em que são adquiridos morfemas flexionais do verbo português. Ela mostra que “Ela [a saliência] atua sobretudo no nìvel morfofonológico, embora se manifeste também no nível sintático. Assim, como formas estruturalmente mais salientes tendem a ser incorporadas primeiro pelo falante xinguano (…) Também Lucchesi (2000) relaciona a aquisição ao grau de saliência das formas ao estudar a concordância de gênero na fala da comunidade de Helvécia. Ele conclui que 200 “Os constituintes cuja forma de feminino é formada alterando-se o radical da palavra são aqueles que apresentam os maiores índices de marcação do gênero entre os constituintes flexionáveis do SN. Isso demonstra que os falantes de Helvécia – Ba, no processo de mudança no sentido de fixação de uso da regra de concordância de gênero, se mostram mais sensíveis às formas femininas mais morfologicamente salientes. (Lucchesi, 2000:274). Independentemente de se identificar perda ou aquisição do fenômeno em observação, o estudo da relação entre a saliência fônica e a realização da concordância no sintagma nominal tem, pois, como hipótese que os falantes realizam mais concordância em formas cuja saliência da oposição singular/plural se faz com mais material fônico. Dentre os grupos de fatores, dois deles, trabalhados nesta pesquisa, contribuem para o que Scherre (1988) considera saliência fônica: 1) processos de formação de plural e 2) tonicidade dos elementos do sintagma. Conforme já referido, Scherre (1988), apesar de ter observado também o número de sílabas, conclui que essa variável não tem efeito sobre o fenômeno observado: “As diferenças entre as probabilidades associadas ao número de sílabas são irrelevantes, ou seja, os valores para os três fatores [monossílabo, dissílabo e mais de três] são praticamente iguais 0,50, o que mostra a 201 neutralidade desta variável sobre a concordância nominal.” (Scherre, 1988:81). 3. 2. 1. 1 Processos de formação de plural Na presente pesquisa, foram consideradas sete possibilidades de formação de plural: a) plural duplo, com metafonia e acréscimo do -/s/ (ovo / ovos); b) plural de palavras de singular terminado em -/l/ (papel / papéis). c) plural de palavras de singular terminado em -/r/ (mar / mares); d) plural de palavras de singular terminado em -/ão/ irregular, com mudança do ditongo final e acréscimo do -/s/ (coração / corações); e) plural de palavras de singular terminado em -/s/ (vez / vezes); f) plural de palavras de singular terminado em -/ão/ regular, com acréscimo apenas do -/s/ (mão / mãos); g) plural regular, com acréscimo apenas do morfema –/s/ de plural à forma de singular (menino / meninos); 202 Dessa forma, esta pesquisa inicia-se com a expectativa de que os plurais duplos, ou metafônicos, e os plurais de palavras com singular terminado em -/l/ e em -/r/ devem ser aqueles em que se deve detectar mais marca de plural. Os itens que fazem plural com menos acréscimos à forma de singular, que são os regulares, devem tender a ser menos marcados. A seguir, apresentam-se os resultados obtidos na análise dessa variável. Tabela 17: Efeito dos Processos de Formação de Plural sobre a concordância Sign.=.000 Fatores Freqüência Peso Relativo Duplo, com metafonia (ovo / ovos) 61/69 88% .84 Em /l/ (papel / papéis) 209/238 88% .63 Em /r/ (mar / mares) 302/336 90% .58 Em /ão/ c/ plural irreg (coração / corações) 166/191 87% .54 Plural Reg (menino / meninos) 10091/12479 81% .50 Em /s/ (vez / vezes) 376/499 75% .39 Em /ão/ c/ plural reg (mão / mãos) 47/95 49% .21 TOTAL 1251/13907 81% 203 Taxas de uso da concordância em função dos Processos de formação de plural 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0 D /l/ /r/ Reg ão irr /s/ ão reg Nessa primeira análise, são os plurais metafônicos, como se previa, diante do fato de terem duas marcas, uma interna e outra no final da palavra, os que se mostram como maiores favorecedores da concordância (PR .84), seguidos dos plurais em -/l/ (PR .63), dos terminados em -/r/ (PR .58). Mostram-se no ponto neutro (PR .50) os regulares e próximos a ele, apresentando também efeito intermediário, os em -/ão/ irregular (PR .54); e desfavorecedores os em -/s/ (PR .39) e os em -/ão regular (PR .21). Pelo que se apresenta, os resultados mostram-se de acordo com a expectativa inicial: os plurais metafônicos, ou plurais duplos, são as formas que têm a maior probabilidade de serem marcados com o plural e as com menor probabilidade são as que têm o singular -/ão/ e fazem o plural regular. Esses resultados confirmam as expectativas de que há uma relação entre mais saliência e mais concordância. 204 Nos dados analisados, mostraram-se desfavorecedores os plurais em formas cujo singular é terminado em -/s/ e em –ão que fazem o plural de forma regular, só com acréscimo de -s (ãos). No caso das formas terminadas em -/s/, era esperado, diante da saliência da oposição singular/plural, que elas tivessem uma probabilidade maior de concordância. Uma possibilidade a considerar é que a redução de concordância nessas formas se dá pela interpretação analógica de que o -/s/ final já dá a indicação de plural e, aí, o acréscimo do morfema não acontece. A analogia é muito comum em contextos de aprendizagem com dados divergentes ou insuficientes, embora não ocorra apenas nesses contextos. Lucchesi (2000:237), estudando a concordância do gênero, observou também o fenômeno da analogia e esse autor fez uma relação com a transmissão irregular, mostrando que é comum, nesse tipo de situação, o falante fazer interpretações resultantes analógicas: “Em um processo de transmissão irregular do português, a analogia atuaria no sentido de generalizar a interpretação de que as palavras terminadas em –a seriam quanto ao gênero femininas e as terminadas em –o ou em –ão seriam quanto ao gênero masculinas, com as seguintes motivações: (i) a homonímia entre o que se definiu modernamente como a vogal temática – a, em por exemplo cama, vaca, etc, e o morfema de gênero –a, em por exemplo menina (feminino de menino); (ii) a predominância de nomes femininos na classe dos nomes em –a e de nomes masculinos na classe dos nomes de tema em –o.” (Lucchesi, 2000:237). 205 No caso das formas em ão que fazem o plural regular, considerandose que elas são, em maioria, oxítonas, como se poderá constatar mais adiante, a explicação poderia ser outra. Scherre (1988:123) observa que os itens em –ão tendem a fazer menos concordância possivelmente pela concordância flutuante desses formas. Elas podem fazer o plural em - ões, -ães ou -ãos. Na incerteza do tipo de plural, o falante mantém a forma de singular. Scherre (1988:124) dá como possibilidade também a tendência de interpretar como de plural regular formas que fazem o plural tradicionalmente em –ões e, com isso, se dá a redução da concordância, num “processo de regularização dessas formas”. Essa sugestão de Scherre (1988:124) é paralela ao apresentado por Naro (1981:75, nota 8), sobre a concordância de plural em formas como veio/vieram. Mas o estudo da tonicidade, que será feito mais adiante, será de utilidade para entender melhor a variável saliência fônica. 3. 2. 1. 2 Tonicidade / número de sílabas A tonicidade é um outro aspecto que é necessário ser observado ao estudar a saliência fônica, uma vez que é um dos componentes para a maior oposição fônica entre as formas. Apesar de ser esse um dado estudado em análises da variação de muitos fenômenos lingüísticos, constatando que a perda começa em formas em que a oposição é feita com menos saliência quanto à tonicidade, segundo estudos já realizados, também a aquisição inicia-se por formas mais salientes quanto à oposição entre sílabas átonas ou tônicas. A tonicidade é aqui observada em quatro fatores, considerandose a forma de singular dos itens: 1) Monossílabos de uso átono: OS tecidos sintéticos, eu já me referi… H4U009R UNS esculacho porque ela disse pra mim… M1F44 206 2)Oxítonos e Monossílabos de uso tônico: …dos TROPICAIS ingleses, das casemiras… H4U009R …algumas MULHERES, então ele usa… H4U009R 3) Paroxítonos …aqueles OUTRO fechado chamavam gaiola… M4C41 …várias MOÇAS, e A... L... M4C41 4) e Proparoxítonos …esses ÚLTIMOS dias! M4C41 …aquelas MÚSICA de crente… M3F36 A expectativa é de que os itens oxítonos e monossílabos de uso tônico devem ser mais alvo da concordância, diante de a oposição se fazer em uma sílaba já saliente, devido à tonicidade. As outras formas, em que essas sílabas são átonas, cujos morfemas de plural são quase imperceptíveis diante da tonicidade, espera-se menos concordância. Com efeito, na análise geral, o fator Oxítonos e monossílabos de uso tônico foi o que obteve o maior peso relativo (P.R .72), seguido do fator Monossílabos de uso átono (P.R .65) e, finalmente, os Proparoxítonos e os Paroxítonos (com P.R .41 e P.R .37, respectivamente). Esse resultado confirma a previsão, pois a acentuação é um traço que concorre muito para a saliência fônica. A oposição entre o singular e o plural nessas formas recai exatamente sobre a sílaba mais saliente na forma de singular. 207 Tabela 18: Efeito da tonicidade na concordância Sign.=.000 Fatores P. R. Peso Relativo Oxítonos e Monossílabos de uso 1806/2120 85% .72 Monossílabos de uso átono 3751/3771 99% .65 Proparoxítonos 184/246 75% .41 Paroxítonos 5511/7769 71% .37 tônico TOTAL 11252/13906 81% Gráfico 18: Taxas de uso da concordância em função da tonicidade 1 0,5 0 Ox M Mon át Prop Parox tôn Esse dado, somado à observação de mais concordância nas formas com maior oposição fônica relacionada aos diversos processos de formação de plural, reflete, ao mesmo tempo: 208 1) uma perda da concordância, inicialmente nas formas menos salientes; 2) um processo de aquisição do fenômeno, ou de parte dele, resultante de percepção parcial, em que formas com plural mais saliente foram as primeiras a serem percebidas (ou as únicas a serem percebidas) e a serem alvo da concordância. Os monossílabos de uso átono do corpus fazem o plural de forma regular, daí se pode considerar estranho que eles tenham um peso relativo tão alto de concordância. Deve-se observar, contudo, que essas formas, na sua realização, podem ser comparadas, pelo contexto em que aparecem, como elementos proclíticos dos substantivos por eles determinados, o que pode condicionar a sua preservação, não a tonicidade. Pode-se conferir a importância dessa condição até na interpretação que falantes em processo de aquisição fazem dos itens artigos. O plural dos artigos é, as vezes tão freqüente e tão firme na percepção que se faz deles, na fase de aquisição, que são comuns realizações como “zóio”, “uma amoto”, entre crianças em fase de aquisição ou falantes com história de aprendizagem a partir de poucos dados, ou dados divergentes ou inconsistentes. Essas palavras proclíticas são interpretadas como sílabas iniciais das palavras seguintes, nas quais a definitude e a informação de plural ficam perdidas, mas fica a conservação do /s/ como partícula proclítica. Esse fato pode ser comparado a casos semelhantes ocorridos em crioulos de base francesa, referidos na seção 2. 1. 1. É o processo de gramaticalização através da reanálise que ocorre. Essa situação dos monossílabos de uso átono, todos artigos, como se verá adiante, será alvo de discussão, ao se trabalharem as variáveis posição linear e posição relativa, em seções posteriores. 209 Scherre (1988), diante do mascaramento que considerou acontecer com os Monossílabos de uso átono, e de esse grupo ser composto unicamente por elementos que têm uma posição única (artigos, que são sempre usados no mesmo contexto, na maioria em primeira posição), preferiu agrupar essas formas com os paroxítonos. Em seguida, faz-se uma análise da tonicidade sem os Monossílabos de uso átono para ter condições de avaliar se esse fator tem ou não interferido a análise. A tabela a seguir apresenta os resultados dessa análise. Tabela 19: Efeito da tonicidade na concordância – Sem os Monossílabos de uso átono Fatores Freqüência P. R. Oxítonos e Monossílabos de uso tônico 1806/2120 85% .76 Proparoxítonos 184/246 75% .47 Paroxítonos 5510/7769 71% .42 TOTAL 7500/10135 74% Os pesos relativos dos fatores da análise sem os monossílabos de uso átono, como se poderia prever, são diferentes. Mas a diferença entre os pesos relativos dos Paroxítonos e dos Proparoxítonos é quase a mesma (.05 na análise sem os monossílabos de uso átono e .04 na análise com os monossílabos de uso átono); entre os Proparoxítonos e Oxítonos e monossílabos de uso tônico é praticamente a mesma nas duas análises (.29 na análise sem os monossílabos de uso átono e .31 com essas formas). A 210 análise mostra que a presença dos Monossílabos de uso átono não prejudica a análise, uma vez que as tendências constatadas na análise com esses itens se mantêm quando eles são retirados. Os paroxítonos e os proparoxítonos, em cujas sílabas átonas finais ocorre a oposição, têm pesos relativos baixos de concordância, como era de se esperar. A ausência de acentuação nessas sílabas enfraquece a oposição entre o singular e o plural dessas palavras e a ausência de marca de plural em palavras desse tipo é bem menos perceptível que em uma palavra oxítona ou em um monossílabo de uso tônico. Faz-se, em seguida, um cruzamento entre as duas variáveis responsáveis pela saliência fônica, processos de formação de plural e tonicidade e número de sílabas para que seja possível observar se há dados em todos os sub-grupos que são criados. A tabela 20 mostra, no entanto, que em muitos grupos não há dados. A tabela apresentada mostra que, dentre os proparoxítonos e monossílabos de uso átono, só há itens regulares e os itens que terminam em ão irregular, assim como os terminados em -/s/ são todos oxítonos. Nota-se que as freqüências de concordância dos oxítonos e palavras com outras tonicidades variam a depender do processo de formação de plural. Os oxítonos e monossílabos de uso tônico que são regulares, e os que terminam em /r/ ou em /l/ e –ão irregular têm maior freqüência de concordância. Os proparoxítonos, todos regulares, se situam um pouco acima dos paroxítonos. 211 Tabela 20: Processos de Formação de plural e tonicidade Processos Oxít e mon. Monossílabos Proparoxítonos Paroxítonos de uso tônico de uso átono Duplo 13/13 100% 0 0 48/56 86% Em -/l/ 190/215 88% 0 0 19/23 83% Em -/r/ 296/327 91% 0 0 5/8 63% Regular 719/782 92% 3751/3771 184/246 75% 5439/7682 99% 71% Em ão irreg 166/191 87% 0 0 0 Em -/s/ 375/498 75% 0 0 0 Em ão reg. 47/94 50% 0 0 0/1 0% Apesar de a análise estatística indicar os oxítonos e monossílabos de uso tônico como os mais marcados, só há possibilidade de usar a tonicidade como variável de comparação, entre os diversos processos, como se vê, entre os regulares (pois só eles têm palavras com os três tipos de tonicidade) e parcialmente entre os terminados -/r/, em -/l/ e os de plural duplo, pois não há, entre eles, formas Proparoxítonas ou Monossílabos de uso tônico. Nas formas terminadas em -/l/, a diferença entre os Oxítonos ou monossílabos de uso tônico e os Paroxítonos ou não é tão forte quanto entre as formas de plural regular ou o número de itens não é grande. Nas formas terminadas em -/r/, a diferença entre os Oxítonos ou monossílabos de uso 212 tônico e os Paroxítonos não pode ser feita com muita segurança, diante de o número de paroxítonos ser pequeno (oito casos apenas). Scherre, ao cruzar essas duas variáveis, Processos e Tonicidade, só considerou os itens de plural regular. Diante dessa constatação de que basicamente entre os itens regulares se faz a oposição entre os fatores relativos à tonicidade, essas duas variáveis, processos e tonicidade, foram transformadas em uma única também no presente trabalho, seguindo Scherre (1988)63, variável que doravante será tratada como saliência fônica, cruzando a tonicidade apenas entre os itens que fazem o plural através do referido processo. Dessa forma, os itens de plural regular foram agrupados em 1) Regular monossílabo de uso tônico ou oxítono; 2) regular paroxítono ou 3) regular proparoxítono; Enquanto isso, os outros processos de formação de plural foram considerados, sem levar em conta a tonicidade: 1) itens de plural metafônico ou duplo, 2) itens de terminação em -/r/, 3) em -/s/, 4) em -/l/, 5) em –ão irregular, 63 Apesar de nessa variável ter-se seguido a orientação de Scherre (1988), foram mantidos separadamente itens em -ão irregular e -ão regular. Isso deveu-se à observação dos resultados das primeiras análises, quando os itens demonstraram ter restrições diferentes de concordância, como será observado. 213 6) em –ão regular. Todas as análises seguintes, assim, já consideram, conjuntamente, os processos de formação de plural e a tonicidade, juntos, como a variável saliência. O fator Monossílabos de uso átono, que poderia ser observado como mais um dos tipos de plural regular, não será envolvido nessa variável nas análises posteriores, por ter-se assumido como hipótese que a variação desses itens não está associada à variável Saliência. Os monossílabos de uso átono serão alvo de observação mais acurada ao tratar-se da variável Classe, posição linear e posição relativa. 3. 2. 1. 3 A saliência, análise geral – A tabela 21 apresenta a análise da saliência fônica, de início com a totalidade dos informantes e, posteriormente, será observado o efeito dessa variável em alguns grupos. Têm maior peso relativo, na análise geral, os fatores relativos a graus maiores de saliência. Nessa análise, observando-se conjuntamente processos e tonicidade como uma única variável, há uma mudança no que se percebia quanto ao destaque dos itens de plural metafônico, ou duplo, pois têm maior peso relativo de concordância os itens em -/l/, seguidos dos em -/r/ e dos de de plural duplo, havendo entre eles muita proximidade. Seguindo, vêm, em ordem decrescente, os oxítonos regulares, os itens em ão irregular, e os itens em -/s/. Os itens em –ão regular, os regulares paroxítonos e os proparoxítonos são desfavorecedores. Os itens em -/s/, nessa análise, tiveram um peso relativo bem maior do que quando foram considerados apenas os processos de formação de plural. Dessa forma, a interpretação dada a esses itens anteriormente não procede, nessa análise geral. 214 Tabela 21: Efeito da saliência fônica (resultante do cruzamento das Variáveis Processos de Formação de Plural e Tonicidade) na concordância de número no sintagma nominal Fatores Regular Oxítono Sign.= .000 ex.: minhas IRMÃ pra praia 719/781 92% P. R. .78 H2F22 Regular Paroxítono ex.: algumas COISA ruim 5438/7681 71% .42 R Proparoxítono ex.: as MAQUINAS 184/246 75% .46 Plural Duplo ex.: muitos JOGOS eletrônico 61/69 88% .80 Em /r/ ex.: os PROFESSORES 301/335 90% .82 Em /l/ Ex.: dez REAIS era o quê? 209/238 88% .84 Em ão irregular ex.: esses GARRAFÃO 166/191 87% .76 Em /s/ ex.: duas VEZES, começa 375/498 75% .69 Em ão regular ex.: meus outros IRMÃO 47/95 49% .46 TOTAL 7500/10134 74% 215 Gráfico 19: Efeito da Saliência fônica na concordância - Análise Geral 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 R Ox R par R pro D /l/ /r/ ão irr /s/ ão reg Dessa forma, a variável saliência mostra-se como um grupo de fatores com grande influência sobre a concordância: os itens mais salientes, quanto a processos (itens em -/l/, -/r/, duplo, ão irregular, -/s/,) ou quanto a processos e tonicidade (regulares oxítonos) têm realmente maior peso na probabilidade de marca que os menos salientes (ão regular, os regulares proparoxítonos e os regulares paroxítonos). Naro (1981:96-7) diz que, entre os diversos grupos de uma comunidade discursiva, encontram-se diferentes estágios da mudança de uma língua. Acreditando nisso, dar-se-á início à observação do efeito da saliência na concordância nominal nos diversos grupos de falantes envolvidos na pesquisa. De início serão observados dois grupos de falantes: o português popular (POP - escolaridades fundamental e colegial juntas) e o português universitário (UNI). 216 3. 2. 1. 4 Saliência fônica – Grupos POP e UNI A tabela a seguir apresenta os resultados de duas análises feitas separadamente com cada um dos grupos, o POP e o UNI. Tabela 22: Efeito da Saliência Fônica sobre a concordância – Comparação entre o Português Popular (POP) e o Universitário (UNI). Fatores POP Sign.=.000 P. R. UNI Sign.=.000 P. R. R Oxítono 483/542 89% .79 236/239 98% .75 R Paroxítono 2960/5016 59% .41 2478/2665 93% .43 R Proparoxítono 62/114 54% .46 122/132 92% .48 Duplo 31/38 82% .83 30/31 97% .65 Em /l/ 121/150 81% .84 88/88 100% Em /r/ 161/192 84% .83 140/143 98% .81 ão irregular 71/95 75% .76 95/96 99% .87 Em /s/ 275/394 70% .70 100/104 96% .71 ão regular 38/85 45% .47 9/10 90% .52 TOTAIS 4202/6626 63% 3210/3420 94% 217 Gráfico 20: Efeito da Saliência na concordância dos grupos POP e UNI 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 POP 0,4 UNI 0,3 0,2 0,1 0 R ox R par R pro D /l/ /r/ ão irr /s/ ão reg Comparando os dois grupos, nota-se que há um reflexo semelhante do efeito da saliência fônica na concordância. No grupo POP, no entanto, há uma distância maior entre os mais e os menos salientes. Formas em –ão irregular, -/l/, que têm plural com saliência relativamente grande, tendem a ser mais marcadas no grupo universitário64. Os plurais duplos, que têm o maior grau de saliência, têm o maior peso de concordância no grupo não universitário; os em /r/, em /s/ e os oxítonos regulares, todos com grande saliência, têm peso semelhante nos dois grupos. Apesar de a variável saliência fônica interferir nos dois grupos, no primeiro, no português popular, 64 chama a atenção os pesos diferentes dos plurais duplos, Os em /l/ não variaram no grupo UNI, daí a não indicação do peso relativo. 218 considerado como o fator de maior grau de saliência. Essa tendência de a concordância se dar mais em itens desse tipo pode indicar duas coisas: 1) que pode ter havido, na transmissão geracional do português desse primeiro grupo, uma história de aquisição talvez mais radical de dados mais variáveis, daí, ainda hoje, haver reflexo na concordância no grupo POP. No outro grupo (UNI), esse processo pode não ter sido tão forte quanto no POP; 2) que no grupo POP há mais variação da concordância nas formas com oposição singular/plural menos saliente, num processo de perda da concordância. Assim, o processo de variação tem se dado inicialmente nas formas de menor saliência e tem tido maior incidência de concordância nas formas em que a oposição é mais perceptível ou mais saliente. (Naro, 1981:96-7). Diante dos resultados, com a indicação de uma diferença de comportamento entre o português popular e o universitário, em seguida, para melhor entender o processo nos dois grupos, haverá a comparação entre os mesmos grupos, mas envolvendo apenas os falantes mais velhos, faixa etária acima de 65 anos. Os universitários mais velhos, como se constatou na análise das variáveis sociais, fizeram supor a existência de restrições diferentes na concordância nominal. Dessa forma, a análise que se segue procura comparar os dois grupos: a) dos falantes universitários da última faixa (UNI - 4) e b) dos falantes de escolaridade fundamental e escolaridade média, representantes do português popular, também da última faixa (POP– 4). 219 A análise procura identificar se, nas últimas faixas etárias dos dois grupos ora trabalhados, pode haver uma indicação mais precisa a respeito da relação entre a saliência e a concordância. Além disso, diante da suposição de aquisição mais variável no grupo POP, os falantes mais velhos desse grupo podem apresentar mais indícios desse tipo de aquisição, uma história de mais divergência de dados primários, relacionada a uma história de aquisição com mais diversidade que os informantes mais jovens. Essas análises têm como hipótese que, assim como na junção de todos os falantes a saliência fônica se mostrou como uma variável importante, principalmente no grupo dos informantes mais velhos do POP, os resultados poderão servir como indicação mais clara e precisa do fenômeno, de forma a acentuar ou reduzir as tendências já percebidas. Os resultados do grupo UNI 4 e do POP 4, porém, não podem ser integralmente comparados, na forma de confronto entre pesos relativos, uma vez que o grupo UNI faz concordância categórica em quase todos os fatores. Nesse grupo, a concordância no sintagma nominal é quase categórica, só havendo variação entre os itens paroxítonos e proparoxítonos de plural regular. A tabela 23 apresenta os resultados da análise do efeito da Saliência da concordância nos dois grupos. A concordância dos dois grupos demonstra relacionar-se à saliência fônica. No grupo POP 4, os itens paroxítonos de plural regular e os itens em –ão regular estão bem próximos, como se, nesse caso, a regularidade do plural fosse o dado definidor dos grupos, não se considerando o fato de itens em –ão regular serem, principalmente oxítonos. No grupo UNI 4, a concordância é categórica nos fatores de maior grau de saliência, só existindo variação quando os fatores estão relacionados aos menores graus de saliência. 220 Tabela 23: Efeito da Saliência Fônica na concordância da última faixa etária dos grupos do Português Popular – POP 4 – e do Português Universitário – UNI 4. Fatores POP-4 P. R. UNI-4 Sign.=.005 P. R. Sign.=.000 R Oxítono 108/119 91% .85 52/52 100% R Paroxítono 729/1195 61% .40 970/997 97% .49 R Proparoxítono 15/28 54% .48 61/62 98% .65 Duplo 6/6 100% Em /l/ 34/38 89% .86 41/41 100% Em /r/ 28/29 97% .97 55/55 100% Em ão irregular 17/20 85% .84 32/32 100% Em /s/ 63/88 72% .65 22/22 100% Em ão regular 8/16 50% .39 1/1 100% Totais 14/14 100% 11002/1533 65% 1595/1624 98% (fatores em que há na variação) 221 Gráfico 21: Efeito da saliência na concordância POP 4 e UNI 4 1 0,8 0,6 POP 4 0,4 UNI 4 0,2 0 R R R D ox par pro /l/ /r/ ão /s/ ão irr reg Bayley (1994:167) diz que a análise de regras variáveis envolve pressupostos teóricos sobre a relação entre a competência gramatical e a natureza das comunidades discursivas. Entre esses pressupostos, ele diz que “1. Falares dos indivìduos podem diferir na sua freqüência de uso da regra variável, isto é, na sua probabilidade de input para a regra. “2. Indivìduos devem ser parecidos ou idênticos no que diz respeito aos valores dos fatores assinalados para a restrição lingüística da regra. (Esta afirmação geralmente referida diz respeito unicamente às pessoas que pertencem à mesma comunidade discursiva.)” 65 65 “Individuals speakers may differ in their basic rate of use of a variable rule, that is, in their input probability for the rule. Individuals should be similar or identical in the factor values assigned to 222 Partindo desses dois princípios, pode-se pressupor que diferentes efeitos dos fatores indicariam diferentes gramáticas, e, nesse caso, o falante que não faz parte de uma determinada comunidade discursiva teria outra gramática. Considerando as afirmações de Bayley, os dados, agora mostrados, indicam que o português do grupo universitário, última faixa etária, não se trata de gramática diferente, pois a variável saliência fônica restringe da mesma forma a concordância de número no sintagma nominal: no UNI 4, assim como no POP 4, quanto menos saliência, menos concordância. No grupo UNI 4, nos casos de mais saliência, houve concordância categórica, e é nisso que reside a diferença dos dois grupos. Considerando que a saliência é um dado importante na variação, assim como na aquisição de determinados fenômenos da linguagem (e a concordância é um deles), através dessa variável pode-se refletir a respeito do grupo universitário, última faixa etária. Se mais concordância em situação de dados com oposição mais saliente indica aquisição com mais diversidade, os dados mostram que os dois grupos poderiam ser considerados como tendo a mesma história. O grupo UNI 4, no entanto, não tem indicação de que isso pudesse ter ocorrido, uma vez que os informantes desse grupo, conforme hipótese apresentada na seção que trata de variáveis sociais, são, na maioria, descendentes da faixa mais abastada da cidade, logo sem relação com ancestralidade escrava. Outra hipótese que se pode levantar é que se detecta com esse quadro, não o fim de uma mudança, caminhando numa direção de concordância categórica, mas o início de uma outra que tende para uma direção de perda das marcas. Nesse segundo caso, as faixas etárias mais novas podem dar uma indicação mais precisa do quadro e a seção 3. 1 desta pesquisa confirma isso. No grupo de nível universitário, última faixa etária, constata-se que a variação está se linguistic constraints on the rule. (The assumption is usually qualified to apply just to people who belong to the same speech community)”. 223 iniciando entre os itens paroxítonos e proparoxítonos de plural regular, que são situações que envolvem oposição menos saliente entre o singular/plural, condizente com o quadro de actuation previsto por Naro (1981:96). Nas faixas etárias mais novas do mesmo grupo, a variação já se espalha - difusion - para outros contextos mais salientes, como apresentado na tabela 23, quando foi feita a comparação entre os grupos POP e UNI, incluindo todas as faixas etárias. É necessário que se avalie, em seguida, o efeito da atividade escolar. O estudo que se segue procura pesquisar, então, a relação entre a concordância e a Saliência fônica, considerando os diferentes grupos de escolaridade, observados em três análises independentes. 3. 2. 1. 5 Saliência fônica – Grupos de escolaridade A análise que nesse momento será apresentada busca observar se entre os grupos de escolaridade há diferenças no que diz respeito ao efeito da Saliência fônica na concordância. Nessa fase, estão incluídos os informantes de todas universitários, já as idades, conjuntamente. Os dados dos observados anteriormente, são mais uma vez apresentados, na tabela 24. Entre os três grupos, percebe-se o mesmo efeito da variável, mas em alguns fatores a probabilidade não é muito semelhante (oxítonos regulares, em ão, metafônicos ou duplos, em -/r/, e os itens em -/s/). A oposição entre mais saliência e mais concordância e menos saliência menos concordância, no entanto, ocorre nos três grupos, apesar de a freqüência de concordância ser sempre proporcional ao nível de escolaridade: mais escolaridade, mais concordância. 224 Tabela 24: Efeito da saliência fônica nos três níveis de escolaridade Fundamental P.R Sign.=.000 R Oxítono 220/262 84% Colegial P.R. Sign.=.000 .76 263/280 Universitário P.R. Sig.=.000 .80 236/239 99% .75 .40 2478/2665 .43 94% R Paroxítono 1152/2485 .42 46% 1808/2531 71% 93% Proparoxítono 18/53 34% .44 44/61 72% .47 122/132 92% .48 Duplo 12/18 67% .78 19/20 95% .88 30/31 97% .65 Em /l/ 51/77 66% .80 70/73 96% .96 88/88 100% Em /r/ 39/60 65% .81 122/132 .86 140/143 98% .81 92% Em ão irr Em /s/ 30/47 64% .75 41/48 85% .77 95/96 99% .87 118/191 62% .76 157/203 62 100/104 96% .71 .36 9/10 90% .52 77% Em ão regular TOTAIS 18/53 34% .49 1658/3246 51% 20/32 63% 2544/3380 75% 3210/3420 94% 225 Gráfico 22: Efeito da saliência na concordância - Grupos de escolaridade 1 0,9 0,8 0,7 0,6 Fundamental 0,5 Média Superior 0,4 0,3 0,2 0,1 0 R ox R par R pro D /l/ /r/ ão irr /s/ ão reg Percebe-se, mesmo assim, no nível superior peso relativo mais baixo em um fator em que era de se esperar ser mais marcado, ou mais alvo de concordância: os plurais duplos (peso .65 no nível superior, ao lado de .78 no fundamental e .88 no médio). Além disso, chama a atenção o peso dos itens em –ão com plural regular que, no nível superior, cresce em probabilidade de concordância. Esse fato pode ser associado à força da estigmatização: os itens em –ão parecem sofrer uma carga maior de observação social, resultando em maior uso da marca de plural entre os falantes de nível superior. Para entender ainda mais como a saliência opera em todos os grupos, procura-se, em seguida, observar o efeito dessa variável na concordância 226 dos grupos de sobrenome, buscando encontrar, na variável etnia, se há alguma relação diferente entre os grupos. Apesar de ser utilizado o critério de análise da etnia a partir dos sobrenomes, tem-se a consciência de que essa é apenas uma tentativa de poder trazer à baila, nesta tese, uma variável nova, aproveitando a experiência do grupo de estudos de genética. Sabe-se, contudo, que, embora esse critério possa servir como parâmetro, tem valor apenas como um dado a mais, relevante apenas no âmbito da estatística. 3. 2. 1. 6 A saliência fônica e os grupos de sobrenome Diante do que se observou na seção 3. 1. 4, e ainda da existência de estudos que defendem uma relação entre tipo de aquisição e saliência fônica, a expectativa é de que o grupo com os sobrenomes religiosos, representativo da etnia negra, pudesse revelar marcas de exposição da população dos negros a dados mais variáveis na aquisição do português como L2, na sua história de inserção na sociedade brasileira. Dessa forma, espera-se que o grupo de sobrenome religioso possa mostrar a variação da concordância mais diretamente relacionada à saliência que os outros grupos. A tabela a seguir permite comparar resultados da análise dos dados dos informantes de dois grupos: 1) sobrenome religioso (indicador de ancestralidade negra), nesse caso agrupando os que têm um ou dois sobrenomes religiosos e 2) sobrenome não religioso, ou seja, sobrenome animal/planta ou outros sobrenomes (indicadores de ancestralidade não negra). Os informantes de nível universitário foram excluídos da amostra, como foi explanado no item 3. 1, por isso ela só envolve o português popular. Isso se justifica, como já explicado antes, no fato de existirem 227 poucas pessoas com sobrenome religioso entre os informantes da amostra UNI. Tabela 25: Efeito da Saliência na Concordância – Comparação entre os grupos de sobrenomes Não religioso P. R. Sign.=000 R oxítono Religioso P. R. Sign.=.000) 201/223 90% .77 272/306 89% .80 1428/2247 64% .42 1470/2656 55% .41 R prop 33/62 53% .33 29/51 57% .54 Duplo 8/12 67% .70 23/26 88% .87 Em /l/ 52/66 79% .85 68/82 83% .86 Em /r/ 94/108 87% .88 63/78 81% .82 ão irreg 35/45 78% .78 31/43 72% .73 Em /s/ 120/165 73% .69 144/218 66% .67 Ão reg 13/37 35% .25 25/45 56% .57 R paroxítono TOTAIS 1984/2965 67% 2125/3505 61% Ao comparar o efeito da saliência na concordância dos dois grupos, nota-se que o resultado que reflete mais a expectativa quanto aos itens de 228 plural duplo são os referentes ao grupo de sobrenome religioso. O fator relativo aos itens de plural duplo, no grupo com sobrenome não religioso, tem um peso relativo mais baixo, comparando com o de sobrenome religioso, com uma diferença entre os pesos relativos, nos grupos, de .18, diante do que era de se esperar em relação à escala de saliência. Gráfico 23: Efeito da saliência na concordância Grupos de sobrenome 1 0,8 0,6 Não Religioso 0,4 Religioso 0,2 / re g /s ão irr /r/ ão /l / D pa r pr o R R R ox 0 Observa-se que os dois grupos têm peso relativamente aproximado de concordância em itens terminados em /l/, /r/ -ão irregular e -/s/, com alto grau de saliência na oposição singular/plural. Chama a atenção a diferença entre os pesos relativos dos itens em –ão regular: apesar de no grupo religioso esse fator ter um peso de .57, no grupo de sobrenome não religioso tem um peso de .25, numa diferença de .32. As palavras em –ão regular, como já foi observado, quanto à tonicidade são, em maioria, oxítonas, mas fazem o plural regular. Obedecendo ao princípio da saliência, deveria ser esperada, nessas formas, mais marca, mas isso tende a 229 ocorrer apenas no grupo de sobrenome religioso. A saliência, então, de fato, parece interferir mais na concordância das formas em –ão regular principalmente no grupo de sobrenome religioso, não no outro. Em seguida faz-se uma análise do efeito da saliência na concordância dos grupos de sobrenome de cada nível de escolaridade. Dessa forma, espera-se encontrar resultados em que se terá a certeza de que não há interferência entre as duas variáveis, sobrenome e escolaridade. As tabelas 26 e 27 apresentam os resultados alcançados, de início, no estudo do nível Fundamental e, em seguida, é feita a mesma observação no nível Médio. No nível Fundamental, observam-se principalmente diferenças detectadas nos mesmos fatores que opuseram os dois grupos na análise geral entre os grupos de sobrenome: os plurais Duplos e os itens terminados em –ão regular. No nível Fundamental, porém, tornam-se mais distantes os resultados referentes aos plurais duplos (.46 de diferença entre os grupos), pois eles são apenas favorecedores no grupo de sobrenome religioso. No grupo de escolaridade média, o fator referente aos plurais duplos tem concordância categórica no grupo de sobrenome Não religioso, e, no grupo de sobrenome religioso, um peso relativo de .91, sendo, dessa forma, o fator favorecedor nos dois grupos. Mantém-se, mesmo no nível de escolaridade Média, a mesma diferença no peso relativo aos itens em –ão final nos dois grupos: o de sobrenome religioso tem um peso próximo ao ponto neutro .48, enquanto o grupo não religioso apresenta grande desfavorecimento desse fator na concordância - .27. 230 Tabela 26: Efeito da Saliência na concordância dos grupos de sobrenome de nível de escolaridade Fundamental Fatores Não religioso Sign.=.000 Freqüência P. R. Religioso Sign.=.000 Freqüência P. R. R Oxítono 73/90 81% .67 137/159 86% .80 R Paroxítono 526/1095 48% .42 564/1277 44% .42 Proparoxítono 11/33 33% .40 7/19 37% .44 Duplo 2/6 33% .40 10/12 83% .86 Em /l/ 25/38 66% .88 25/37 68% .83 Em /r/ 20/33 61% .83 15/21 71% .86 Em ão irrr 13/22 59% .76 12/18 67% .72 Em /s/ 56/85 66% .84 51/95 54% .69 Ão regular 4/22 18% .29 14/28 50% .50 TOTAIS 730/1424 51% 835/1666 50% 231 Gráfico 24: Efeito da Saliência fônica na concordância dos grupos de sobrenome de nível Fundamental 1 0,9 0,8 0,7 0,6 Não religioso 0,5 Religioso 0,4 0,3 0,2 0,1 0 R ox R par Pro D /l/ /r/ ão irr /s/ ão reg Em seguida, a mesma análise no nível Médio. Tabela 27: Efeito da Saliência na concordância dos grupos de sobrenome de nível de escolaridade Médio. Fatores Não religioso Sign.=.000 Religioso Sign.=.000 Freqüência P. R. Freqüência P. R. R Oxítono 128/133 96% .79 135/147 92% .79 R Paroxítono 902/1152 78% .38 906/1379 66% .40 Proparoxítono 22/29 76% .30 22/32 69% .60 232 Cont... Fatores Não religioso Sign.=.000 Freqüência Religioso Sign.=.000 P. R. Freqüência P. R. 13/14 93% .91 Duplo 6/6 100% Em /l/ 27/28 96% .94 43/45 96% .96 Em /r/ 74/75 99% .96 48/57 84% .81 Em ão irrr 22/23 96% .97 19/25 76% .69 Em /s/ 64/80 80% .55 93/123 76% .65 Ão regular 22/23 96% .27 11/17 65% .48 TOTAIS 1248/1535 81% 1290/1839 70% Entre os grupos de sobrenome, portanto, é bem diferente o efeito da variável Saliência principalmente em dois fatores: os itens de plural duplo e os de singular –ão com plural regular. No grupo de sobrenome não religioso, o fenômeno da concordância no sintagma nominal tende a uma redução da concordância, como se observou na seção 3. 1. 5 deste trabalho, demonstrando um quadro de perda, não de aquisição. Dessa forma, os resultados da análise do grupo de escolaridade Média mostram os duplos como os de concordância categórica, outros fatores referentes a alto grau de saliência com grande probabilidade de marca, por serem esses os itens com concordância mais saliente e, em casos de perda de concordância, são esses os morfemas que mais dificilmente se perdem na língua. 233 Gráfico 25: Efeito da Saliência fônica na concordância dos grupos de sobrenome de escolaridade Média 1 0,9 0,8 0,7 0,6 Não religioso Religioso 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 R ox R par Pro D /l/ /r/ ão irr /s/ ão reg Com esses resultados, 1) o sobrenome religioso pode significar uma relação mais direta com um passado de aquisição do português com dados mais variáveis, dos quais só o que era mais saliente era percebido; e 2) o sobrenome não religioso pode significar uma relação com uma variação mais sensível ao efeito da saliência fônica, em que os itens com concordância menos perceptível são desobrigados de participarem do processo, ou, pelo menos, a ausência de concordância nesses é quase imperceptível e, por isso, o seu efeito social pode ser pequeno ou quase inexistente. 234 A lógica, parece, diante do conhecimento que se tem da formação da população de Salvador, é relacionar o grupo de sobrenome religioso à história de aquisição de língua com mais diversidade de dados e o sobrenome religioso à crescente variação, refletindo o efeito da Saliência. Para corroborar com essa idéia, deve-se associar a esse dado a análise feita com as faixas etárias diferentes, no estudo das variáveis sociais, que indicou que no grupo de sobrenome religioso, diferentemente do grupo de sobrenome não religioso, há uma tendência de aumento da concordância, com a população mais jovem apresentando maior probabilidade de marcar o plural nos itens do sintagma nominal; e na população mais velha há menor probabilidade de serem inseridas essas marcas. Os resultados, então, confirmam a expectativa inicial da relação entre a saliência e o tipo de aquisição de língua do referido grupo. Com a finalidade de fazer um estudo mais apurado da variável Saliência fônica, em seguida serão observados exclusivamente os substantivos e adjetivos, seguindo Scherre (1988), pois imagina-se que essas classes, pelo número de itens no material levantado, e por terem dados exemplificativos de quase todos os fatores, podem dar condições de uma análise com menos interferência. 3. 2. 1. 7 A Saliência nos substantivos, adjetivos e categoria substantivadas. Seguindo a mesma metodologia utilizada por Scherre (1988), essa próxima análise só inclui na amostra as classes dos substantivos, adjetivos e categorias substantivadas, sendo retirados todos os itens de outras classes gramaticais. Na primeira análise, são observados de uma só vez todos os informantes do corpus, em seguida, fazem-se análises com os grupos; de 235 início, são comparados os resultados referentes ao português popular e ao português universitário, analisados separadamente. Essa etapa tem como objetivo verificar se, nesses grupos, apenas com substantivos, adjetivos e categorias substantivadas, se mantém o que foi observado nas análises anteriores. Posteriormente, faz-se a análise desses mesmos grupos apenas na última faixa etária, por considerar que esse grupo, por ser constituído de pessoas mais velhas, tenha mais condições de, caso tenha havido alguma relação com aquisição com diversidade de dados e muita variação, ainda ser possível existirem marcas mais evidentes desse tipo de aquisição. A tabela 28 apresenta os resultados. Nessa análise apenas com substantivos, adjetivos e categorias substantivadas, os resultados não são muito diferentes da análise geral. Enquanto muitos dos fatores se mantiveram com o mesmo peso relativo de concordância nas duas análises, foram levemente aumentados os valores referentes aos oxítonos com plural regular e aos plurais duplos (diferença de .03 e .02, respectivamente, em relação à análise com todas as classes). Os fatores referentes a plurais duplos e em -/r/ têm o mesmo peso e, ainda, esses dois fatores estão muitíssimo próximos do fator referente a itens com plural em -/l/, com uma diferença de .02, indicando, os três, o mesmo condicionamento. Na análise com todas as categorias, feita anteriormente, os plurais duplos tinham um peso levemente menor (.02 de diferença entre duplo e -/r/ e a mesma diferença entre -/r/ e /l/, esse último com o mesmo peso nas duas análises). 236 Tabela 28: Efeito da Saliência na Concordância – Análise apenas com Substantivos, Adjetivos e Categorias substantivadas – Análise Geral Fatores Sign.=.000 Freqüência P. R. Regular Oxítono 309/359 86% .81 Regular Paroxítono 3863/6021 64% .41 R Proparoxítono 181/243 74% .45 Plural Duplo 61/69 88% .82 Em /l/ 209/238 88% .84 Em /r/ 301/335 90% .82 Em ão irregular 166/191 87% .77 Em /s/ 374/497 75% .69 Em ão regular 47/95 49% .46 TOTAL 5511/8048 68% Dessa forma, pode-se afirmar que, pelo que até então se percebe, é indiferente se todas as categorias gramaticais são observadas de uma só vez, ou apenas os substantivos, adjetivos ou categorias substantivadas, o efeito da variável Saliência fônica mostrou-se relativamente o mesmo. Em 237 seguida, faz-se a mesma observação da Saliência fônica apenas com as classes ora observadas, fazendo um confronto entre os grupos POP e UNI. Tabela 29: Efeito da Saliência fônica na concordância nominal das classes dos Substantivos, Adjetivos e Categorias substantivadas – Comparação entre o Português Popular (POP) e o Universitário (UNI). Fatores POP Sign.=.000 P. R. UNI Sign.=.000 R Oxítono 200/247 81% .81 109/112 97% .74 R Paroxítono 1901/3877 49% .41 1962/2144 92% .43 Proparoxítono 62/114 54% .44 119/129 92% .46 Duplo 31/38 82% .84 30/31 97% .64 Em /l/ 120/149 81% .83 88/88 100% Em /r/ 161/192 84% .82 140/143 98% .80 Em ão irr 71/95 75% .76 95/96 99% .87 Em /s/ 274/393 70% .69 100/104 96% .69 Ão regular 38/85 45% .46 9/10 90% .46 TOTAIS 2858/5190 55% P. R. 2565/2770 93% Assim como na primeira análise, com todos as categorias gramaticais, nessa comparação entre os grupos POP e UNI continua a se perceber que 238 nos dois grupos a Saliência fônica tem efeito semelhante na concordância. Mas no Português Popular é maior o peso relativo dos fatores referentes à saliência dos oxítonos e dos plurais duplos no grupo POP do que no grupo dos universitários e o fator que se refere às formas em -/l/, com grande probabilidade de marca no POP, teve a concordância categórica no segundo grupo. Há, contudo, alguns dados comuns aos dois grupos: os pesos relativos às formas em ão, e em -/s/, nos dois grupos, são os mesmos. Gráfico 26: Efeito da saliência na concordância dos grupos POP e UNI - apenas substantivos, adjetivos e categorias substantivadas 1 0,9 0,8 0,7 0,6 POP 0,5 UNI 0,4 0,3 0,2 0,1 0 R ox R par R pro D /l/ /r/ ão irr /s/ ão reg 239 No grupo UNI, tanto na presente análise, como na feita anteriormente com todas as classes, chama a atenção a redução do peso relativo dos plurais duplos, o que se constitui no diferencial entre os dois grupos. Em outras análises, há fatores que estão sempre próximos aos duplos: os em -/l/ e os em -/r/. Isso, no entanto, não acontece nas análises do grupo UNI (com todas as classes ou apenas com os substantivos, adjetivos e categorias substantivadas). Em seguida, na tabela 30, apresenta-se apenas a análise do efeito da variável na última faixa etária desses dois grupos. No grupo dos falantes mais velhos do POP, nessa nova análise percebe-se que alguns fatores da variável estudada têm peso relativo aumentado. São os oxítonos regulares, os de final em /r/, em /l/, e ão irregular, todos com mais saliência. Além desses, os plurais metafônicos têm concordância categórica nessa faixa etária mas, ao lado disso, os plurais em -/s/ sofrem uma pequena redução. No grupo universitário, observa-se que a significância é muito alta e que, nessa faixa de idade, apenas a oposição entre os itens regulares foi analisada, já que os outros processos tiveram concordância categórica, todos com grande saliência. Ao analisar os itens que fazem o plural regular, nota-se que o grupo UNI-4 faz concordância quase que categórica, só havendo variação entre os itens paroxítonos e proparoxítonos de plural regular. Observa-se, dessa forma, que nos fatores que se referem aos maiores graus de saliência, no UNI 4, não há variação. Isso revela que as restrições sejam as mesmas nos dois grupos, relação semelhante em acordo com o que se espera do efeito da saliência. Apesar de se ter criado a hipótese de que existem gramáticas diferentes nos dois grupos, isso não se confirma nessa análise: a saliência fônica, que produz um efeito importante 240 no grupo do português popular, tem o mesmo efeito no grupo universitário de faixa etária mais avançada. Tabela 30: Saliência fônica nos substantivos e adjetivos – Grupos POP e UNI, considerando apenas a última faixa etária (POP 4 e UNI 4). Fatores POP-4 Sign.=.000 UNI-4 Sign.=.220 P. R. R Oxítono 49/55 89% .88 23/23 100% R Paroxítono 494/939 53% .41 787/813 97% .49 Proparoxítono 15/28 54% .49 60/61 98% .65 Duplo 6/6 100% Em L 34/38 89% .87 41/41 100% Em R 28/29 97% .96 55/55 100% Em ão irr 17/20 85% .80 32/32 100% Em S 63/88 72% .63 22/22 100% ão regular 8/16 50% .38 1/1 100% TOTAIS 708/1213 58% 14/14 100% 868/896 97% Esta pesquisa descarta, pois, a existência de que haja duas gramáticas diferentes entre os grupos e que haja um quadro de competição de gramáticas, atuando no contexto social como um todo de Salvador. 241 Efeito da saliência na concordância - Apenas substantivos, adjetivos e categorias substantivadas - Grupos POP 4 e UNI 4. 1 0,9 0,8 0,7 0,6 POP 4 0,5 UNI 4 0,4 0,3 0,2 0,1 0 R ox R par R pro D /l/ /r/ ão irr /s/ ão reg Constata que no grupo do Português Popular e no Português Universitário a concordância é variável em itens que fazem o plural com menos material fônico. 1) Há pessoas de um grupo, o POP 4, com ampla variação governada, pelo que até então se observou, pela saliência fônica; 2) há outras, do grupo, o UNI 4, em que quase não há variação da concordância e, quando ela ocorre, parece ser governada pelo mesmo princípio. O quadro indica que o grupo UNI 4 apenas inicia o processo de variação da concordância no sintagma nominal, processo que já caracteriza o POP 4. 242 Em seguida, analisa-se a saliência apenas nos substantivos, categorias substantivadas e adjetivos, separando-se os grupos de sobrenome. A tabela a seguir apresenta os resultados. Tabela 31: Efeito da Saliência na concordância dos substantivos, adjetivos e categorias substantivadas – Grupos de Sobrenome (Sign.=.000) Fatores Não religioso R Oxítono 87/104 84% R Paroxítono Religioso P. R. .80 109/136 80% .84 966/1763 55% .42 902/2034 44 .41 Proparoxítono 33/62 53% .35 29/51 57% .51 Duplo 8/12 67% .68 23/26 88% .89 Em L 52/66 79% .88 67/81 83% .86 Em R 94/108 87% .86 63/78 81% .81 Em ão irrr 35/45 78% .81 31/43 72% .74 Em S 120/165 74% .70 143/217 66% .67 ão regular 13/37 35% .25 25/45 56% .60 TOTAIS 1408/2362 60% P. R. 1393/2712 51% Considerando-se apenas substantivos, categorias substantivadas e adjetivos, o quadro de oposição entre os dois grupos se mantém. Os plurais duplos e os itens em ão permanecem com maior peso no grupo de 243 sobrenome religioso, com maior diferença, em comparação com o de sobrenome não religioso nessa análise apenas com as classes referidas. No grupo de sobrenome não religioso, apesar de o fator referente aos plurais duplos ser favorecedor, o seu favorecimento é bem menor que os itens em -/l/ e os em -/r/, uma diferença de .20 e .18 entre os duplos e, respectivamente, em -/l/ e em -/r/. Gráfico 28: Efeito da saliência na concordância dos substantivos, adjetivos e categorias substantivadas nos grupos de Sobrenome 1 0,9 0,8 0,7 0,6 Não Religioso 0,5 Religioso 0,4 0,3 0,2 0,1 0 R ox R par R pro D /l/ /r/ ão irr /s/ ão reg Os fatores que aproximam os dois grupos são os referentes aos itens em /l/, em /r/ e em /s/. Os paroxítonos, que sempre se mostraram desfavorecedores, no grupo de sobrenome não religioso mostram-se no ponto neutro, na frente dos proparoxítonos, levemente diferente das outras análises feitas com os outros grupos da amostra. 244 Mais uma vez se encontram evidências de que o grupo de sobrenome religioso realmente apresenta mais indícios de que é possível que a aprendizagem de língua desse grupo tenha tido como dados primários mais diversidade de dados, com informações lingüísticas de várias origens pois, na concordância no sintagma nominal desse grupo, os itens em que a oposição singular/ plural é mais saliente (com destaque os duplos e os em – ão regular) têm mais probabilidade de concordância do que no outro grupo, o de sobrenome não religioso, estudado nessa pesquisa. 3. 2. 2 Posição Linear Os sintagmas da amostra foram analisados observando-se a relação entre a posição linear de cada elemento e a sua probabilidade de ter marca de plural. A expectativa era de que os itens em primeira posição fossem mais alvo de concordância, diante da informação nova de plural que eles trazem no sintagma. Em outras posições, tem-se a previsão de que a marca pode ser dispensada. Essa expectativa está de acordo com o princípio funcionalista, de que as informações relevantes tendem a ser conservadas e de que as outras têm uma tendência a serem dispensadas. Foram codificadas cinco posições, apresentadas e exemplificadas a seguir. Os itens em letras maiúsculas são os que estão em observação. 1a Posição “ESSAS coisa; eu faço pra mim” M3C17 2ª Posição: “as FACILIDADE melhores do que aquela” H4C11 3ª Posição: 245 “aquelas camisa BRANCA, com letreiro aqui” M1F05 4ª Posição: “os outros meninos MAIORES, também” H2C13 5ª ou outra Posição: “os meus dois outros PRIMOS, mas eu nunca” M1C12 Na análise geral, a primeira posição foi a mais marcada, confirmando as expectativas. Essa posição mostrou-se como a posição linear mais favorecedora, contra as outras, desfavorecedoras. Após a redução drástica da primeira para a segunda posição, existe uma tendência de aumento do favorecimento, até a 5a. posição. A tabela 32 mostra os resultados. O resultado confirma quase que totalmente os achados de outros pesquisadores quanto ao mesmo fenômeno em outras regiões do Brasil, a exemplo de Guy (1981: 17966). Scherre (1981), Scherre (1988), Fernandes (1996) e Carvalho (1997), além de terem constatado que a primeira posição linear é a favorecedora, relacionaram essa variável a outras, a classe gramatical do elemento, à posição em relação ao núcleo e às marcas precedentes no sintagma. Guy (1981) relacionou diretamente a posição linear à classe gramatical, chegando a considerar a primeira posição como a posição do determinante, a segunda, ele associou ao substantivo e a terceira, à classe do adjetivo. 66 Guy (1981), estudando a fala carioca, chegou aos pesos relativos .94, .47, .41, .10 para a 1 a, 2a, 3a, e 4a ou 5a posições, respectivamente. 246 Tabela 32: Efeito da posição linear no sintagma sobre a concordância no sintagma nominal – Todos os dados Significância: .000 Posições Freqüência P. R. 1a. Posição 5840/5885 99% .85 2a Posição 4552/6636 69% .22 3a. Posição 662/1070 62% .21 4a. Posição 146/246 59% .17 5a. Posição 51/68 75% .31 TOTAL 11251/13905 81% A associação feita não procede, nos dados ora analisados, como será visto na análise que será feita em seguida. Dessa forma, antes de outras considerações, passar-se-á agora à análise das variáveis classe gramatical, para, posteriormente associar essa variável com a posição linear. 247 Gráfico 29: Efeito da posição linear na concordância 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 P1 P2 P3 P4 P5 3. 2. 3 Classe gramatical Ao estudar a relação entre classe e concordância, tem-se a idéia de que as classes que são utilizadas como núcleos de sintagma conservariam mais as marcas de concordância que as outras. Mas a análise mostra que não é esse o princípio que rege o fenômeno, pelo menos no material analisado e nas análises feitas também por outros lingüistas (Scherre, 1988; Fernandes, 1996 ; Carvalho, 1997). Observando a relação entre classe gramatical e a concordância no sintagma nominal, os adjetivos 267 e os artigos são os fatores com maior 67 Ver seção 2. 3. 4, sobre Classes gramaticais. O adjetivo 2 corresponde a alguns itens considerados pronomes indefinidos pela tradição gramatical, mas considerados neste trabalho e em Scherre (1988), pela sua especificidade, como adjetivos 2, a exemplo de PRÓPRIAS em Das PROPRIAS coisas. 248 peso relativo na análise estatística realizada (PR .80 e .73, respectivamente). Em seguida, situam-se os possessivos (PR .67), os numerais (PR .66), os indefinidos (PR .58), os pronomes pessoais do caso reto (PR .56). Os menores pesos relativos foram os dos substantivos, quantificadores e categorias substantivadas (PR .35. .24 e .25, respectivamente). Os demonstrativos e os relativos não exibiram variação no material trabalhado. Uma análise geral da concordância nas diversas classes é apresentada na tabela 33. O fato de os artigos serem tão marcados, é fácil de se observar, está diretamente relacionado à sua posição no sintagma, normalmente na primeira posição. Mas nem só os determinantes estão em primeira posição, como Scherre (1981) bem observou no Rio de Janeiro, discordando da generalização radical feita por Guy, anteriormente referida, de que a primeira posição era a posição dos determinantes: “Considerando, agora, todos os dados que envolvem alguns „determinantes‟ (artigos, demonstrativos, indefinidos) e os substantivos e os adjetivos acompanhados por esses determinantes, é possível, não apenas reafirmarmos o comportamento diferenciado das classes em relação à posição como, também, evidenciarmos que o paralelo entre Classe e Posição não se pode estabelecer, nem em termos percentuais...” (Scherre: 1981: 157). 249 Tabela 33: Efeito da Classe Gramatical na Concordância Significância: .000 Classes gramaticais Artigos ex.: Freqüência P. R. AS 3896/3917 99% .76 as 4506/6692 67% .34 622/836 74% .33 502/520 97% .74 161/228 71% .26 162/291 56% .26 219/226 97% .81 coisas certas e erradas ne Substantivos ex.: MARINETES, horríveis, sempre superlotadas, inseguras Adjetivos 168 ex: aqueles peixezinho PEQUENININHO nas jaulas Possessivos ex.: MEUS irmão mais velho Quantificador ex.: pelas praia TODA ali Categorias substantivadas ex.: os MESMOS usados, agora tinha H4C11 Adjetivos 2 ex.: DETERMINADAS assistências de casa 68 M2U014/N Ver seção 2. 3. 4. Adjetivos 1 é o rótulo aqui dado a classe gramatical dos adjetivos, de acordo com a tradição gramatical. 250 Classes gramaticais Indefinidos ex.: MUITOS Freqüência P. R. 513/519 99% .60 colegas assim que acha assim M1C02 Demonstrativos ex.: 626/626 100% AQUELAS sandalinha que tem tamanco H1C04 Relativos ex.: CUJOS donos 2/2 100% provaram Numerais ordinais ex.: 13/15 87% .52 29/32 91% .80 nos PRIMEIROS meses ficou lá em casa M4C41 Pronomes pessoais caso reto ex.: todas ELAS, com a diretora H2F09 TOTAL 11251/13906 81% 3. 2. 4 Classe gramatical e Posição É necessário observar que itens se situam, no corpus, nas diversas posições e, assim, avaliar se cabe a generalização feita por Guy (1981). A tabela a seguir possibilita visualizar os números de dados de cada categoria gramatical, nas diversas posições. 251 Tabela 34: Classe gramatical e Posição linear – Distribuição das classes nas diversas posições Classes P1 P2 P3 P4 P5 Total Artigo 3791 118 8 0 0 3917 Substantivo 267 5691 587 131 15 6691 Adjetivo 1 62 281 351 96 48 838 Possessivo 324 185 10 0 0 519 Quantificador 146 10 54 14 4 228 Categoria substantivada 9 227 51 3 1 291 Adjetivo 2 143 82 0 1 0 226 Indefinido 506 6 7 0 0 519 Numeral 2 12 1 0 0 15 Pronome caso reto 18 14 0 0 0 32 Relativo 2 0 0 0 0 2 Demonstrativo 589 10 1 0 0 614 TOTAIS 5885 6636 1070 246 68 13905 252 Pelo que se observa na tabela apresentada, os artigos são localizados, na sua maioria, mais de 95%, na primeira posição e os nomes estão em mais de 85% na segunda posição. Mas a maioria dos adjetivos do tipo 1 está fora da terceira posição: só 41% deles está nessa posição (ocupada principalmente por substantivos) e quase 34% ocupa a segunda posição. A quarta posição é ocupada principalmente por substantivos, perfazendo 56,5% dos que estão nessa posição e 26,4% dos que estão na quinta ou outra posição. Dessa forma, os dados estudados também derrubam a hipótese apresentada por Guy (1981), que defende a relação direta entre classe e posição. A depender da posição, os itens da mesma classe têm freqüência diferente de concordância, e isso foi observado nos dados, como se vê na tabela 35. A análise mostra a 1a posição sempre como a mais favorecedora, para itens de qualquer classe. Os artigos diferem das demais classes por terem freqüência que não decresce na segunda posição, comparando-se com os substantivos (96%, 66%, 63%), adjetivos (97%, 85%, 66%), quantificadores (99%, 10%, 30%), ou possessivos (99%, 95%, 40%, respectivamente 1a., 2a. e 3a. posições). Diante das outras classes, é de estranhar que os possessivos sejam alvo tão freqüente de marca de plural em segunda posição, já que essa é uma posição que, como se viu, desfavorece a marca de plural em itens de outra classe. 253 Tabela 35: Classe Gramatical associada à Posição linear na concordância - Freqüência Classe / Posição Freqüência Artigo em 1a posição 99% ex.: AS 3770/3791 99% Artigo em 2a. posição ex.: todos OS lugares, 118/118 100% primeiras palavra que falou M3F46 roubava Substantivo em 1a posição ex.: PRIMOS 257/268 96% meus, assim eu M1C02 Substantivo em 2a posição ex.: algumas 3782/5691 66% PARTES assim de minha infância M1C02 Substantivo 3a em posição ex.: 367/587 63% Substantivo em 4a posição ex.: dos meus 85/131 65% todos os DIA, mas ela sai M1C02 catorze ANO de idade H2C13 Substantivo em 5a posição ex.: os meus dois 15/15 100% outros PRIMOS, mas eu nunca M1C12 Adjetivo em 1a posição ex.: ALTOS papo. 60/62 97% H1F42 Adjetivo em 2a DOBRADOS, H4U009R o posição tal ex.: punho punhos americano 239/281 85% 254 Classe / Posição Freqüência Adjetivo em 3a posição ex.: aquelas ferpazinhas PEQUENAS, então 231/349 66% aquilo H4U009R Adjetivo em 4a posição ex.: todas as boca 57/96 59% QUENTE que eu entro H3F30 Adjetivo em 5a posição ex.: as idéias dela 35/38 73% toda FORMADA, porque ela nasceu M3F46 Quantificador em 1a posição ex.: 144/146 99% TODOS os beneficio, mas para outros não H2C33 Quantificador em 2a posição ex.: eles TODO 1/10 10% no Pelourinho H3F32 Quantificador em 3a posição ex.: 16/54 30% os outros TODOS têm suas qualidade M3C17 Quantificador em 4a. posição ex.: aqueles 0/14 0% bicho la TUDO, um bocado de bicho H3F30 Possessivo em 1a posição ex.: MEUS avós, assim porque era a família M1C02 322/324 99% 255 Classe / Posição Possessivo em Freqüência 2a posição ex.: 175/185 95% colegas MINHA mesmo que acontece isso M1C02 Possessivo em 3a posição ex.: 4/10 40% vários colega MEU lá que fez H1C04 Observação: Nessa tabela foram incluídas apenas classes com um número grande de dados e em mais posições. Foram analisados os contextos desses possessivos em 2a e em 3a posições e constatou-se que eles, em relação ao núcleo do sintagma, se situavam ou antes ou após o núcleo, com a distribuição que se segue: 1) Em segunda posição posterior ao núcleo, são sete possessivos, sendo cinco marcados e dois não marcados, 71,43% de concordância, a exemplo de “colegas MINHAS pegaram” M3C08 “colegas MINHA mesmo que acontece isso” M1C02 2) Em segunda posição anterior ao núcleo, são 178 possessivos, sendo 8 sem concordância, perfazendo 96% de concordância, a exemplo de “os MEUS dois outros primos, mas eu nunca” M1C12 “as MINHA neta mesmo (inint) M4F38” H4C14 3) Em terceira posição, anterior ao núcleo, foram duas ocorrências, todas as duas com concordância, 100% de concordância, a exemplo de “as duas MINHAS filha, todas duas” M3F31 256 4) Em terceira posição, posterior ao núcleo, foram encontrados sete casos, dois com concordância e cinco sem concordância, 28,57% de concordância, a exemplo de “muitas colega MINHAS com mochila” M1C02 “varios colega MEU” lá que fez H1C04 Os dados indicam que, independente da posição linear do possessivo, a concordância é feita principalmente quando o possessivo é anterior ao núcleo e menos quando está depois dele. Diante das evidências de que a posição em relação ao núcleo tem um efeito importante sobre a presença da marca de plural nos possessivos, surge a necessidade de que se observe se, entre todos os outros elementos não nucleares, essa posição relativa tem o mesmo efeito, à semelhança do que foi observado por Scherre (1988), para a fala carioca; por Fernandes (1996), para a fala do Sul; por Carvalho (1997), para a fala de João Pessoa. 3. 2. 5 Classe, Posição linear e Posição relativa O próximo passo nessa análise é observar se, entre os elementos não nucleares do sintagma (incluindo artigos, demonstrativos, adjetivos 1, adjetivos 2, numerais, possessivos, indefinidos, quantificadores) se constata o mesmo que se observou entre os possessivos: posição à direita do núcleo (ou posterior a ele) como menos favorecedora da marca e à esquerda dele como a posição que mais favorece a sua presença. 257 Tabela 36: Efeito da Classe, posição linear e posição relativa – Análise geral Fatores Freqüência Elementos não nucleares à esquerda do núcleo ex.: 6001/6052 todas ESSAS pessoas do grupo de pagode M1C03 99% P. R. Elementos não nucleares à direita do núcleo ex.: 541/826 65% .89 .13 aquelas fardas ANTIGAS, eu acho que hoje em dia M1C12 Elementos nucleares em 1a posição ex.: 285/297 96% .55 COLEGAS minha mesmo que acontece isso M1C02 Elementos nucleares em 2a posição ex.: várias ESCOLA, mas não tenho muita lembrança assim não 3928/5944 .16 65% M1C02 Elementos nucleares em 3a posição ex.: umas 397/641 62% .15 três SEMANAS, um mês mais ou menos M1C03 Elementos nucleares em 4a posição ex.: as 83/129 64% .19 suas respectivas ALTITUDES, e tome o rumo H4C14 Elementos nucleares em 5a posição TOTAL 16/16 100% 11235/13889 81% 258 Gráfico 30: Efeito da classe, posição linear e posição relativa na concordância 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 à esq à dir N1 N2 N3 N4 Em relação aos itens em posição de núcleo, foram incluídos nesse grupo substantivos e outros elementos em função de núcleo do sintagma. Nessa situação, esses elementos foram observados quanto a sua posição linear, uma vez que, nas análises anteriores, essa variável mostrou-se relevante (Ver tabela Classe gramatical e posição II). Os elementos não nucleares, quando em posição anterior ao núcleo, são muito marcados, quase que categoricamente (99%, com peso relativo de .81). Quando eles estão à direita, ou seja, após o núcleo, a possibilidade de virem marcados é muito pequena (66%, com peso relativo de .22).A posição linear, nessa análise, foi levada em consideração apenas para os núcleos e se vê o desfavorecimento crescente da 1a. para as posições segunda e terceira e um ligeiro crescimento para a quarta. Na quinta posição a concordância nos núcleos apresentou-se como categórica, no sentido de presença de marca, o que mostra mais uma vez que a posição linear não tem a influência que se supunha ter. 259 3. 2. 5. 1 Classe, Posição linear e Posição relativa e concordância – Todos os dados Para melhor entender essa variável, a análise volta-se, em seguida, para observar os elementos não nucleares à esquerda quanto à contigüidade desses elementos em relação ao núcleo. Dessa forma, separam-se elementos à esquerda do núcleo em sintagmas como “ESSAS coisa toda” M2C21 em que o elementos ESSAS está junto ao núcleo, de elementos de sintagmas como “TODOS os problema, Deus” H2F40 em que o elemento TODOS está à esquerda do núcleo, mas não junto a ele. Procura-se, então, verificar a interferência dessas diferentes situações na concordância. Ao mesmo tempo, passa-se a observar a relação entre a concordância e a posição linear nos elementos não nucleares posteriores ao núcleo. Os resultados são apresentados na tabela 37. A análise revela que 1) a posição à esquerda do núcleo, adjacente a ele, como em “as MESMAS chance porque tem” M2C21 é que favorece bem mais a presença de marca do que a posição à esquerda, não adjacente ao núcleo, como em “DO outros dias, nós” H1C20 2) além de a posição posterior ao núcleo ser um fator altamente desfavorecedor da marca de plural, a posição linear ainda pode contribuir 260 mais para esse desfavorecimento: a segunda, a terceira e a quarta posições lineares são as mais desfavorecedoras em elementos posteriores ao núcleo; e, na quinta, há uma pequena elevação do peso relativo de concordância nesses elementos. Tabela 37: Efeito da Classe, posição linear e posição relativa – Todos os dados, observando a adjacência ao núcleo e detalhando a posição linear dos elementos não nucleares à direita do núcleo. (Significância=.000) Classe/Posição Freqüência P. R À esquerda, mas não adjacente ao núcleo ex.: “UMAS 605/624 97% .67 5396/5428 .91 três semanas, um mês mais ou menos” M1C03 À esquerda, adjacente ao núcleo ex.: “AS manga ela tinha dado” À direita ao núcleo em segunda posição ex: “castigos 99% 206/259 80% .16 244/407 60% .09 57/109 52% .06 34/51 67% .09 HORRÍVEIS, de se, de se ajoelhar” À direita ao núcleo em terceira posição ex.: “os problemas ATUAIS que existem” À direita ao núcleo em quarta posição ex.: “aquelas sapatona assim NUA viradas pra mim” À direita ao núcleo em quinta posição ex.: “aquelas sapatona assim nua VIRADAS pra mim” 261 Classe/Posição (cont.) Freqüência P. R Núcleo, 1a. posição ex.: “COLÉGIOS estaduais que 285/297 96% .52 3929/5944 .16 ganham” Núcleo, 2a. posição ex.: “muitas CENAS pesadas” 66% Núcleo, 3a. posição ex.: “todos os PRIMOS juntos, eh, 397/641 62% .11 83/129 64% .15 nesse fim” Núcleo, 4a. posição ex.: “dos meus catorze ANO de idade” Núcleo, 5a. posição ex.: “as mesmas quer dizer assim 16/16 100% PESSOAS que são” TOTAL 11251/13906 81% Quanto aos elementos anteriores aos núcleos, observa-se que, em alguns sintagmas, o elemento em posição anterior não adjacente ao núcleo não é marcado. O contexto em que os dados não apresentam concordância é semelhante, com elementos em segunda posição, sempre marcados, antecedidos por elementos não marcados em primeira posição. Scherre (1988) foi a primeira a constatar o fenômeno aqui observado. A sua análise registra que os possessivos preenchem sempre a segunda posição nesses sintagmas. Ela não faz referência à adjacência ao núcleo, mas estabelece uma oposição entre não nucleares à esquerda do núcleo na primeira e na segunda posição. 262 Gráfico 31: Efeito da Classe, posição linear e posição relativa, detalhando a adjacência do elemento à esquerda e a posição linear do elemento à direita 1 0,8 0,6 0,4 N4 N3 N2 N1 dir5 dir4 dir3 dir2 E adj 0 E não adj 0,2 Para possibilitar melhor entendimento, são identificados os sintagmas em que, na presente pesquisa, se encontram esses elementos sem concordância à esquerda não adjacente ao núcleo. São os seguintes: “A minhas correspondência, como eu” H4F06 “DO outros dias, nos” H1C20 “A minhas filha, ele traz” M2C23 “NO meus estudos, quando eu vim” H2F40 “NO meus olhos, para depois eu lançar” H2F40 “O meus filhos eu vou querer” M1C12 263 “NA minhas costa, aì ela aì "Mas meu pai..." H3C15 “A minhas coisinha que eu gostava” M3C17 “A minhas irmãs ninguém teve isso” M3C17 “DA minhas filhas, a única coisa” M3C17 “TODO meus irmão sempre teve muita liberdade” H4F34 “O meus peitinho estavam durinho” M1F45 “MUITO ras eh rapazes que procura logo” H1F47 “fazer TUDO aquelas coisas de errado de novo” H3F32 “A minhas duvida, como é” M2U014/N “DA minhas filha, não e?” M1F43 “NA minhas coisa, não gosto” M1F43 “NA minhas coisa, que não sei o que” M1F43 “A minhas filhas também eu criei assim” M4F39 Não se pode deixar de observar que foi em situação de mais distância do elemento nuclear que esses elementos anteriores a ele deixaram de ser marcados. Em grande parte desses sintagmas, da mesma forma observada por Scherre (1988), neste estudo percebe-se que, na posição à esquerda em adjacência ao núcleo havia possessivos (em quinze dos dezenove casos). Observa-se que esses elementos não marcados não se encontram ligados linearmente ao núcleo, em adjacência a ele. Pode haver associação entre ausência de marca e a estrutura (a presença de possessivo subseqüente), mas não parece ser apenas esse o elemento favorecedor – a 264 estrutura – e, sim, que, além da posição à esquerda do núcleo, a de adjacência a ele é um importante condicionador para a realização da concordância; em itens à esquerda do núcleo mas não adjacentes a ele há maior probabilidade de ausência de concordância. Dessa forma, os dados analisados coincidem com os resultados de Lucchesi (2000), em relação à concordância de gênero. No referido trabalho, Lucchesi vê uma relação entre mais proximidade do núcleo, à esquerda dele, e mais concordância de gênero. Parece ocorrer a mesma força, em relação à concordância nominal no sintagma: não é só o fato de estar à esquerda do núcleo que importa, mas também estar contíguo, ou adjacente, a ele. A análise da tabela dá a certeza de que a posição em relação ao núcleo é uma variável bastante forte para a concordância. A partir da análise mostrada, fica evidenciado que, associada à posição à esquerda, tem-se que considerar o aspecto da adjacência ao núcleo, por isso essa tabela é mais completa que a anterior, porque apresenta a diferença entre essas duas possibilidades de situação dos elementos à esquerda. É intrigante observar que a grande maioria desses itens sem marca sejam sucedidos por possessivos, mas isso parece ocorrer por serem os possessivos muito presentes em estruturas com mais de um elemento anterior ao núcleo De acordo com a teoria dos 4 M, de Myers-Scotton & Jake (2000), há morfemas funcionais, os early system morphems que se formam no mesmo nível dos lemas, juntamente com os morfemas de conteúdo, os content morphemes, dando a eles dados do tipo de definitude, por exemplo, que cumprem função importante no atendimento às intenções do falante. A observação da forma como a concordância no sintagma nominal se realiza 265 indica que a marca de plural do elemento imediatamente anterior ao núcleo é um early system morpheme, ou seja, é gerado juntamente com os content morphemes, daí a sua probabilidade maior de concordância que as outras marcas de plural, que são introduzidas posteriormente, puramente para atender a necessidades gramaticais. Nesse caso, as outras marcas atendem apenas à estrutura sintática, diferentemente daquela imediatamente anterior ao núcleo, em adjacência a ele: esta é uma exigência da necessidade intencional, foi gerada no mesmo nível das intenções. Nos sintagmas com possessivo ou outra classe na segunda posição antes do núcleo, listados anteriormente, a informação de definitude é expressa pelo possessivo. Em o meus filhos por exemplo, é o meus que apresenta, juntamente com a informação de definitude (o dado a respeito de quais filhos se trata, e se refere à idéia de que não é um filho apenas). Não é necessário que a definitude seja expressa também pelo artigo, pois não é necessário gerar duas vezes a mesma informação (isso é confirmado pela freqüência grande de não utilização de artigos antes de possessivo), por isso mantém-se aquela mais próxima do nome (já que os dois elementos – o elemento anterior ao nome, indicando definitude e número, e o nome - são gerados conjuntamente, no nível dos lemas) (Myers-Scotton & Jake, 2000: 1063). Essa explicação parece servir para quase todos os casos apresentados, não só com os possessivos mas também com outros (em do outros dias…) e em aquelas (em tudo aquelas coisas) na 2a. posição e ausência de marca na 1a. Apenas o sintagma muito ras eh rapazes que procura … em que fica clara a mudança de plano do falante: de inìcio quis realizar muito rapaz que procura… mas definiu-se depois para o plural. O sintagma, pois, foi modificado no seu percurso. A teoria dos 4 M, de Myers-Scotton & Jake (2000), indica que a ordem em que os morfemas são gerados é a mesma que ocorre na 266 aprendizagem de língua, tanto na primeira aquisição, como na segunda. Dessa forma, assim como se considerou aqui os morfemas anteriores ao núcleo, mais diretamente ligados a ele, como early system, ou seja, morfemas introduzidos no mesmo nível dos lemas, para atender às necessidades do falante, são esses os mesmos tipos de morfema que são primeiramente aprendidos. Os outros, considerados late system morphemes, por serem acessados posteriormente, no processo de produção, para atender apenas a aspectos gramaticais, são os que são alvo mais freqüentemente da variação e a análise estatística que aqui se faz vem confirmar isso. Baxter (2001), estudando a concordância no sintagma nominal do português em três gerações dos Tongas69, registra também probabilidade de concordância diferente entre as duas posições dos elementos à esquerda do núcleo: adjacente e não adjacente. Na primeira geração de falantes (formada logo após o contato entre a língua africana e o português, e a formação da interlíngua), não há itens na posição à esquerda não adjacente, apenas a adjacente, com um peso relativo de concordância de .95. A semana geração já realiza sintagmas maiores e já ocorre a posição à esquerda não adjacente e já existe a oposição entre as duas: não adjacente, peso de .80 e adjacente, .92. Na terceira geração, a posição à esquerda não adjacente tem um peso relativo de .75 e a adjacente, de .84. Considerando todos os informantes conjuntamente, sem separar por idade, Baxter (2001) registrou uma diferença de peso relativo de .16 entre os dois fatores: não adjacente, peso de .74 e adjacente, peso de .9. Os resultados de Baxter (2001) mostram um quadro que fortalece ainda mais um favorecimento da situação de adjacência ao núcleo, maior que a situação de não adjacência, semelhante ao que esta pesquisa observa na fala de Salvador. 69 267 São seis sintagmas com elementos à esquerda em não contigüidade com o núcleo que não têm marca de plural: TUDO issos padre. faze TODA essa coesas... TUDO os coisa ta tracado nonde que vo tira dinheiro pa dare istudo TUDO isso tres. ESSE trinta dia como e que O meu estudos mas tendo em conta Dos sintagmas, em apenas um deles há possessivo em segunda posição. Como se pode notar, há três demonstrativos, um artigo, um numeral e um possessivo. Assim, nos Tongas essa situação não é específica de possessivo, como também acredita-se não ser no material estudado nesta pesquisa. Baxter (2001) apresenta a posição à esquerda em contigüidade com o núcleo como a primeira posição a ser marcada nos Tongas com um peso relativo de .95, mesmo na fala dos informantes da última faixa etária, que têm, no geral, uma taxa de concordância de 25% e um peso relativo de concordância de .11. Dessa forma, na aquisição da língua, o informante inicia a marcação de plural por essa posição, e esses estudos reforçam o que aqui se defende: o morfema de plural do elemento à esquerda em contigüidade com o núcleo é um early system morpheme, ele é, por isso adquirido priomeiro; os outros já são late system morphemes, daí esses serem alvo de aprendizagem posterior, eles constituem um aparato puramente gramatical de concordância, conforme a aplicação que esta pesquisa faz da teoria de Myers-Scotton & Jake (2000). 268 Na fala do português dos Tongas, segundo Baxter (2001), apesar de, na última faixa etária, quase não haver presença de marca de concordância em núcleos nominais e em elementos à direita dele, constatase a freqüente presença de marcas de plural em elementos pré-nominais ligados diretamente ao núcleo. São sintagmas registrados nessa fala os casos a seguir: “ISSOS coesa” “MUITOS criança aqui di muçambique” “NAS costa. E panhare” “NAS costa. Quere dizere” “AS vêz quando que” “AS vêz, brango sabia” “OS fujido e coria pruque” “OS bandido ININT, qui faze” “ISSAS coesa.” “ESSAS coesa.” “ESSAS coesa. Novela” “MEUS filho, eu” “BOAS coesa aqui eu nõ sei “ESSAS moça.” “andare c'OS boi no mato” 269 “Tudo ISSOS coesa que ta vere aqui” “tudo ISSOS coesa pra ficá bõ.” “tudo ISSOS coesa que veio agora tudo” “Tudo OS coesa ta traçado.” Os últimos exemplos registram elementos não nucleares à esquerda do núcleo, imediatamente anteriores e não imediatamente anteriores, e os elementos imediatamente anteriores com a marca de plural. Não foram, nos dados dessa faixa etária (última faixa etária), encontrados registros de núcleo nominal em primeira posição. Eles sempre estão precedidos ou por numerais ou elementos não nucleares (determinantes, adjetivos, possessivos). Mas em faixas de informantes mais novos já há concordância em núcleos nominais, o que demonstra que a inserção da marca de plural nos núcleos é posterior à inserção nos elementos pré-nominais (ou seja, elementos não nucleares à esquerda do núcleo, em adjacência a ele). 3. 2. 5. 2 – Classe, posição linear e posição relativa e concordância nos Grupos POP e UNI Em seguida, observar-se-á o efeito dessa nova variável, em que se fez o agrupamento das variáveis classe, posição linear e relativa, separando os grupos representativos do português popular e do português universitário. A expectativa é que essa variável possa contribuir com mais informações a respeito dos dois grupos. No grupo POP, pode haver uma restrição a essa variável diferente da que se possa constatar no grupo UNI. A tabela a seguir faz uma amostragem dos resultados. 270 Tabela 38: Efeito da Classe, posição linear, posição relativa nos grupos POP e UNI Classe Posição Elementos não nucleares à esquerda não adjacente Elementos não nucleares POP (Sign.=.000) UNI (Sign.=.000) Freqüência P. R. Freqüência P. R .65 183/184 99% .76 . 92 1901/1909 .80 422/440 96% à 3495/3519 esquerda adjacente Elementos não nucleares à direita do núcleo / segunda posição 99% 70/111 63 99% .16 % Elementos não nucleares à direita 87/232 37% .08 159/175 91% .16 P. R. Elementos não nucleares à direita 11/60 18% .03 do núcleo / quarta posição do núcleo / quinta posição .21 P. R. do núcleo / terceira posição Elementos não nucleares à direita 136/148 92% 46/49 94% P. .27 R. 9/21 43% .09 25/30 83% P. R. .12 271 POP (Sign.=.000) UNI (Sign.=.000) Freqüência P. R Freqüência P. R .59 162/166 98% .43 .15 1782/1922 .28 Classe Posição Elementos nucleares em 1a posição 123/131 94 % Elementos nucleares em 2a posição 2146/4022 53% Elementos nucleares em 3a posição 214/437 93% .10 183/204 90% .14 .16 24/26 92% .14 49% Elementos nucleares em 4a posição 59/103 57% Elementos nucleares em 5a posição TOTAIS 12/12 100% 4/4 6646/9088 73% 4605/4817 96% Ao comparar os resultados dos dois grupos, nota-se que existe muita semelhança na relação entre os fatores: elementos não nucleares à esquerda fazem mais concordância; à direita, menos concordância; e, quanto ao núcleo, há uma redução crescente da marcação de concordância da 1ª até a 3ª posição; na 4ª, constata-se leve aumento, e, na 5ª , efeito categórico. Mas observa-se também que, no POP, há uma oposição maior do que no UNI entre as posições à esquerda e entre as posições lineares dos elementos à direita do núcleo e, também, entre as posições lineares dos elementos nucleares. 272 Gráfico 32: Efeito da Classe, posição linear e posição relativa na concordância dos grupos POP e UNI 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 POP 0,4 UNI 0,3 0,2 N4 N3 N2 N1 dir5 dir4 dir3 dir2 E adj 0 E não adj 0,1 A primeira posição no núcleo é um elemento mais favorecedor no POP, do que na fala universitária. Para melhor entendimento do efeito dessa variável, faz-se, em seguida, observação nos grupos de maior idade, POP 4 e UNI 4, com a expectativa de que os registros dos informantes mais velhos possam oferecer mais oposições entre eles. 273 Tabela 39: Efeito da Classe, posição linear, posição relativa na concordância dos grupos POP4 e UNI4 Classe, posição linear e posição relativa POP 4 Freqüência UNI 4 P. R. Freqüência P. R. Elementos não nucleares à 82/85 96% .71 60/60 100% .93 653/655 esquerda, não adjacentes ao núcleo Elementos não nucleares à 769/774 99% esquerda, adjacentes ao núcleo Elementos não nucleares .72 99% à 21/31 68% .18 82/83 99% .61 26/59 44% .06 71/74 96% .25 à 1/6 17% .01 19/19 100% à 2/4 50% .02 10/11 91% direita do núcleo – segunda posição Elementos não nucleares à direita do núcleo – terceira posição Elementos não nucleares direita do núcleo quarta posição Elementos não direita núcleo posição do nucleares – quinta .13 274 Classe, posição linear e posição relativa Elementos POP 4 UNI 4 Freqüência P. R. Freqüência P. R nucleares em 1a 33/35 94% .63 88/90 98% .47 nucleares em 2a 540/96156% .16 621/638 .33 nucleares em 3a 43/86 50% .05 71/74 96% .22 nucleares em 4a 25/34 74% .17 15/15 100% posição Elementos posição Elementos posição Elementos posição TOTAIS 1542/2075 74% 1595/1635 98% A comparação deixa claro que os dois grupos sofrem efeito em graus diferentes, com relação a influência desta variável. Não fazendo a distinção da concordância entre os elementos adjacentes e não adjacentes à esquerda do núcleo, o grupo UNI 4 apresenta um quadro em que as diferenças não são tão marcantes. Os elementos não nucleares à direita do núcleo constituem-se como sempre os desfavorecedores da concordância, em qualquer posição, nos dois grupos, com exceção da 4ª posição linear nos universitários, por se mostrar com concordância categórica. 275 Gráfico 33: Efeito da Classe, posição linear e posição relativa na concordância dos grupos POP4 e UNI4 1 0,9 0,8 0,7 0,6 POP4 UNI4 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 E não E adj dir2 adj dir3 dir4 dir5 N1 N2 N3 N4 Poder-se-ia pensar se, na 5ª posição, não seria engano da análise a ausência de concordância em um único dado, “aquelas mangas franzidas assim bem FOFONA” M4U008R perfazendo dez com concordância, de um total de onze. Se fosse marcado, poderia se detectar um favorecimento que estaria localizado nessas posições (4ª e 5ª). Mas a análise não confirma isso, deixando mais uma vez evidente que os itens à direita do núcleo têm mesmo uma forte tendência a serem menos alvo de concordância. Enquanto os falantes do português popular, nessa última faixa, deixam bem salientes as oposições entre os fatores da variável, 276 privilegiando a primeira posição dos elementos nucleares, isso não ocorre no grupo dos universitários mais velhos, e, além disso, a concordância apresenta-se como categórica nesses elementos a partir da quarta posição. Da primeira à terceira posição dos elementos nucleares, no entanto, nos grupos há um decréscimo semelhante. Para esses falantes, pois, com exceção da oposição entre os elementos anteriores ao núcleo como mais marcados que posteriores a ele, e um leve decréscimo entre algumas posições lineares (decréscimo quebrado pela concordância categórica na quarta posição dos elementos à direita do núcleo), as diferenças não são tão radicais como no primeiro. Somando-se os resultados da análise dessa variável aos resultados a que se chegou na análise da saliência, mais uma vez surgem evidências de que esses dois grupos têm histórias de aprendizagem do português com graus diversos de divergência de dados no português de Salvador. A existência dessa maior variação no grupo POP e menor no grupo UNI pode ser um reflexo da diversidade da população de Salvador e das diferentes histórias de aquisição de língua a que os falantes tiveram acesso, como dados primários, na constituição do português da Bahia, como um todo, além dos diferentes efeitos da ação da escola nos dois grupos, como se verá a seguir. 3. 2. 5. 3 Classe, Posição linear e Posição relativa – Grupos de escolaridade A análise que é feita em seguida diz respeito às escolaridades. O objetivo é saber o efeito da variável em estudo em cada um dos grupos. Para isso, serão retomados os dados dos universitários, já anteriormente apresentados. 277 Tabela 40: Efeito da Classe, posição linear, posição relativa na concordância dos grupos com níveis diferentes de escolaridade Classe, Fundamental Posição linear e Posição relativa À Média Sign=.000 UNI Sign=.000 Sign=.000 Freqüência esquerda, 197/208 95% P.R. Freqüência P.R Freqüência P. R .66 225/232 97% .62 183/184 99% .76 .93 1809/1816 .93 1901/1909 .80 não adjacente ao núcleo À esquerda, adjacente ao 1686/1703 99% 99% 99% núcleo À direita do núcleo, 12/35 34% .11 58/76 76% .16 136/148 92% .21 19/114 17% .06 66/118 56% .10 159/175 91% .16 1/30 3% .01 10/30 33% .03 46/49 94% .27 2ª posição À direita do núcleo, 3ª posição À direita do núcleo posição 4ª 278 Classe, Fundamental Posição linear e Posição relativa À direita do núcleo, Média Sign=.000 UNI Sign=.000 Sign=.000 Freqüência P.R. Freqüência P.R Freqüência P. R 1/9 11% .02 8/12 67% .13 25/30 83% .12 39/42 93% .64 84/89 94% .46 162/166 98% .43 789/2019 .16 1357/2003 .13 1782/1922 .28 5ª posição Núcleo em 1a posição Núcleo em 2a posição Núcleo em 3a 39% 68% 93% 61/211 29% .07 153/226 68% .15 183/204 90% .14 21/54 39% .09 38/49 78% .30 24/26 92% .14 posição Núcleo em 4a posição TOTAIS 2826/4425 64% 3808/4651 82% 4605/4817 96% 279 Gráfico 34: Efeito da Classe, posição linear e posição relativa sobre a concordância nos níveis diferentes de escolaridade 1 0,9 0,8 0,7 0,6 Fundamental 0,5 Média Superior 0,4 0,3 0,2 0,1 0 E E adj dir2 dir3 dir4 dir5 não adj N1 N2 N3 O efeito da variável é semelhante N4 em todos os níveis de escolaridade, embora entre os universitários a oposição entre os dois fatores que envolvem itens à esquerda do núcleo (posição anterior a ele), ou seja, em posição adjacente ao núcleo ou intermediado por algum elemento, tem uma diferença de peso relativo muito pequena (diferença de .04). Além disso, embora à direita do núcleo haja uma redução grande no peso relativo em relação à esquerda, como seria o esperado, o desfavorecimento não é tão grande nesse nível de escolaridade como nos níveis primário e secundário, e a redução proporcional à distância é pequena entre as posição lineares. Outro aspecto a observar é, nos níveis Médio e Superior, o peso relativo pequeno dos nomes em primeira posição e a elevação da 4 ª posição desses itens no nível médio, maior que nos outros grupos de escolaridade. 280 O que os dados apresentam é que o grau de escolaridade tem uma interferência, como se esperava, na concordância. A variável Classe, posição linear e posição relativa interfere nos três níveis, mas ela tem um efeito mais radical quando a escolaridade não é suficiente para aplacar ou reduzir a sua interferência. No colegial, já há uma interferência da escola, mas ela é mais radical no nível universitário. A escola é uma instituição formal de ensino, onde o padrão é apresentado a cada instante. Quanto mais exposição à orientação escolar se fizer e quando mais cedo isso ocorre, as marcas da interferência dessa variável são reduzidas. Os resultados diferentes dos grupos de falantes do Colegial e do Universitário são exemplos da existência da força da variável, mas, também, do efeito do trabalho escolar. São, pois, duas forças a exercer pressão sobre a concordância, uma externa e outra interna. 3. 2. 5. 4 Classe, Posição linear e Posição relativa – Grupos de sobrenomes Nessa seção, observa-se o efeito da variável ora estudada entre os dois grupos de sobrenome. A expectativa é a de que o grupo de sobrenome religioso apresente, através da observação do efeito da variável na concordância do grupo, nos seus resultados, alguma marca de sua história de aquisição do português. A tabela 41 mostra os resultados da análise. Os resultados mostram que nos dois grupos de sobrenome se mantém relativamente a mesma oposição entre posição à esquerda, mais favorecedora, e à direita do núcleo, fator desfavorecedor. Nos dois grupos, se observa o mesmo quadro nos núcleos: um decréscimo de favorecimento a partir da segunda posição. Quanto à 281 posição dos elementos à direita do núcleo, nos dois grupos, percebe-se que há um grande desfavorecimento. Tabela 41: Classe, posição linear, posição relativa / Comparação entre o efeito da variável entre os grupos de sobrenomes Fatores À esquerda Não religioso Religioso (Significância=.000) (Significância=.000) Freqüência P. R. Freqüência P. R. 170/177 96% .62 245/255 96% .69 1576/1587 99% .93 1838/1849 99% .94 41/55 75% .20 29/53 55% .11 49/104 47% .08 36/124 29% .08 4/22 18% .02 7/34 21% .04 7/9 78% .19 2/12 17% .02 não adjacente À esquerda adjacente À direita, 2ª posição À direita, 3ª posição À direita, 4ª posição À direita, 5ª posição 282 Não religioso Religioso (Significância=.000) (Significância=.000) Freqüência P. R. Freqüência P. R. 1ª 61/63 97% .63 59/65 91% .51 2a 1043/1829 57% .15 1056/2104 50% .13 3a 101/173 58% .10 111/256 43% .11 4a 28/48 56% P. R. .17 32/54 59% .15 Fatores Núcleo, posição Núcleo, posição Núcleo, posição Núcleo, posição TOTAIS .17 3079/4067 76% 3415/4806 71% Os resultados alcançados na observação dessa variável, como foram muito semelhantes nesses dois grupos, não acrescentam informações a respeito da hipótese de história diferente de aquisição de português entre os grupos de sobrenome. Apesar disso, relacionando os achados com o que foi observado no português dos Tongas, tem-se a indicação de que o processo da incorporação da morfologia de plural segue uma ordem que se inicia no elemento à esquerda adjacente ao núcleo. E, uma vez adquirido esse morfema, pode-se iniciar o processo da concordância. 283 Gráfico 35: Efeito da Classe, posição linear e posição relativa na concordância dos grupos de sobrenome 1 0,9 0,8 0,7 0,6 Não Religioso 0,5 Religioso 0,4 0,3 0,2 0,1 0 E E dir2 dir3 dir4 dir5 N1 não adj adj N2 N3 N4 A concordância, então, deverá se processar prioritariamente em elementos não nucleares à esquerda do núcleo não adjacentes ao núcleo, posteriormente se espalhará para os núcleos e, em seguida, os elementos à direita dele. Na posição à esquerda adjacente ao núcleo, pois, o morfema não é de concordância, nas outras posições, sim. 3. 2. 5. 5 - Conclusões Esta pesquisa, seguindo os passos de Scherre (1988), constatou que elementos não nucleares à esquerda do núcleo são mais marcados que à direita dele, e, ainda, acrescentou aos achados de Scherre (1988) que a adjacência ao núcleo, dos elementos à esquerda dele, é um forte condicionador de mais marcas. Segundo a teoria dos 4 M, a definitude é um 284 early system morpheme. Na língua portuguesa, a informação de definitude, que é dada pelo artigo e pelos determinantes, é acompanhada da informação de plural, que, nesse contexto, é muito mais freqüente que nos elementos nucleares dos sintagmas. Ele é, nessa situação, assim como a definitude, aqui entendida como um morfema sistêmico ou funcional, que cumpre intenções do falante (early system morpheme). O morfema de plural, é, em outros contextos, no nome em 2a, 3a, 4a ou 5a posição e em elementos não nucleares, um morfema puramente gramatical (late system morpheme), sendo gerado mais tarde (na fase do formulator), quando se definem as implicações puramente funcionais ou gramaticais. A informação de plural dada pelo early system morpheme não é morfema de concordância, o são os outros, que têm intenção puramente de fazer concordar os elementos do sintagma. Esses (os late) segundo a teoria, são os últimos a serem aprendidos e são os primeiros a sofrerem variação. É por essa razão que se constatou mais variação entre alguns desses morfemas e menos entre outros. A variação da concordância entre os elementos do sintagma, como já se observou, pode ser explicada pela teoria dos 4 M (Scotton e Jake: 2000). Os tipos de morfema diferem, segundo essa teoria, principalmente, no fato de serem ou morfemas de conteúdo ou morfemas funcionais e, dentre esses, alguns são gerados mais cedo, juntamente com os morfemas de conteúdo, os early system morphemes e outros, mais tarde, com intenções puramente gramaticais, os late system morphemes. A concordância dentro do SN, segundo o ponto de vista defendido nesse trabalho, envolve dois desses tipos de morfema, early e late system morphemes. 285 3. 2. 6 A variável Grau Ao estudar as classes gramaticais, controlou-se a oposição entre substantivos ou adjetivos em grau normal e substantivos ou adjetivos em graus aumentativo ou diminutivo. Como os graus aumentativo e diminutivo são muito associados a momentos de informalidade, Scherre (1988) considerou esse dado como mais um indicador de grau de formalismo do contexto. No atual trabalho, o grau é observado apenas como tal, sem, com isso, fazer qualquer generalização sobre o formalidade. A tabela a seguir apresenta os resultados iniciais da observação dessa variável. Tabela 42: Efeito da variável Grau sobre a concordância – Todos os dados Fatores Sign.=.000 Substantivo grau normal ex.: as MENINAS Substantivo grau aumentativo ex.: daqueles Freqüência P. R. 4464/6593 68% .50 5/9 56% .09 37/89 42% .24 617/825 75% .51 FARDÃO Substantivo grau diminutivo ex.: umas PORRADINHA Adjetivo grau normal ex.: lembranças BOAS Adjetivo grau aumentativo ex.: nos berço 0/2 0% GRANDÃO Adjetivo grau diminutivo ex.: as pedrinha assim 5/11 45% .24 MIUDINHA TOTAL 5128/7527 68% 286 Gráfico 36: Efeito do grau na concordância dos substantivos e adjetivos (1) 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 S nor S aum S dim A nor A aum A dim O número de casos de aumentativos e diminutivos é muito pequeno para que se pudesse chegar a conclusões a respeito da sua relação com a variação da concordância. Apesar disso, a observação que se faz aqui é de que os substantivos e os adjetivos no grau normal têm peso relativo de concordância mais elevado (P. R. 50 e P. R. 51, respectivamente) que os substantivos e adjetivos no grau aumentativo ou no diminutivo. Deve-se observar que essas classes no grau aumentativo têm probabilidades semelhantes de terem marca (P. R. 09, para nomes e adjetivos com freqüência de 0%); o mesmo ocorre com as mesmas no grau diminutivo (P. R. .24 para substantivos e adjetivos no grau diminutivo). Diante da pequena quantidade de dados e da proximidade dos pesos relativos entre as classes 287 estudadas nos dois graus, analisou-se em seguida o efeito desses graus sem separar as duas classes. O resultado dessa análise apresenta-se a seguir. Tabela 43: Efeito da Variável Grau na Concordância (juntando itens de classes diferentes nos graus aumentativo e diminutivo) Sign.=.000 Fatores Freqüência P. R. Substantivo grau normal 4464/6593 68% .51 Adjetivo grau normal 617/825 75% .52 Grau Aumentativo (Subs e 5/11 45% .06 42/100 42% .23 Adj) Grau Diminutivo (Subs e Adj) TOTAL 5120/7529 68% Gráfico 37: Efeito do Grau na concordância dos substantivos e adjetivos (2) 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0 S normal A normal Aumentativo Diminutivo 288 Esses resultados indicam desfavorecimento dos graus aumentativo e diminutivo, sendo maior o do grau aumentativo, menor do diminutivo e neutralidade em relação às duas classes em grau normal. Os substantivos e adjetivos nos graus aumentativo e diminutivo estão, no entanto, em posições que desfavorecem a marca, como se pode constatar no quadro a seguir: Tabela 44: Posição dos Substantivos, Adjetivos e Categorias Substantivadas nos graus Normal, Aumentativo e Diminutivo. Fatores 1ª P 2ª P 3ª P 4ª P 5ª P Substantivo 0 5/9 0 0 0 33/81 41% 2/6 33% 0 0 1/3 33% 0 aumentativo Substantivo diminutivo 2/2 100% Adjetivo aumentativo Adjetivo diminutivo 0/2 0% 0% 2/2 100% 2/6 33% Pode parecer que a posição desses substantivos e adjetivos nos graus aumentativo e diminutivo, não o grau, é o responsável pela ausência de marca. Os substantivos na 2a e 3a. posições têm freqüência de concordância relativamente baixa (66% e 63%, respectivamente) e os adjetivos no grau aumentativo ou diminutivo também estão em situação desfavorecedora: todos eles estão em posição posterior ao núcleo, situação altamente relacionada à não realização da concordância. A análise, no entanto, selecionou a variável grau, juntamente com todas as outras estudadas, na análise de todos os dados, inclusive juntamente com a posição relativa. Para melhor entender a influência dessa variável, na análise seguinte faz-se uma oposição entre grau normal, sem se 289 considerar os substantivos e adjetivos, e grau aumentativo e grau diminutivo. A tabela a seguir mostra os resultados. Tabela 45: Efeito da variável Grau sobre a concordância, independente da classe gramatical Fatores Freqüência P. R. Grau Normal 5081/7418 68% .51 Grau Aumentativo 5/11 45% .06 Grau Diminutivo 42/100 42% .23 TOTAL 5128/7529 68% Gráfico 38: Efeito do grau na presença de concordância dos substantivos e adjetivos (3) 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0 Grau normal Grau aum Grau dim A análise deixa indícios de que os graus diminutivo e aumentativo desfavorecem a concordância, e o grau normal dos adjetivos e substantivos constitui-se um fator neutro em relação a favorecimento da presença do morfema de plural. Como o número de dados dos graus diminutivo e 290 aumentativo é muito pequeno, não se pode apresentar conclusões sobre o efeito dessa variável sobre a concordância no sintagma nominal. Na análise estatística através do Varbrul em rodadas com grupos menores (apenas escolaridade Fundamental, apenas sobrenome, POP, UNI etc), essa variável não foi selecionada, diante do número de dados e, por essa razão, neste trabalho essa variável não se apresenta com o estudo detalhado nos referidos grupos, como se faz com as outras variáveis. 3. 2. 7 Marcas precedentes A variável marcas precedentes foi observada por muitos lingüistas que estudaram a concordância dentro do sintagma nominal no português e no espanhol, associando-a à variável posição linear. Nesta pesquisa, para estudar a concordância no sintagma nominal, analisa-se, dentro de cada sintagma, o contexto antecedente a cada um dos seus elementos. Os elementos em primeira posição não foram observados na análise, pela razão óbvia de, pelo fato de serem primeira posição, não terem elemento antecedente dentro do sintagma. Os elementos em 2a posição foram observados em alguns contextos específicos: 1) com antecedente com marca formal; 2) com antecedente sem marca formal; 3) com antecedente numeral terminado em /s/; 4) com antecedente numeral não terminado em /s/. Em sintagmas com elementos em terceira, quarta ou quinta posição, a análise procurou, entre outros aspectos, observar 1) se mais ou menos marcas de concordância interferem na maior ou menor realização subseqüente de concordância. Poplack (1990), analisando o espanhol, e Scherre (1988), o português, concluíram que, nos sintagmas de três elementos ou mais, a existência de marcas precedentes de plural favorece a ocorrência de mais 291 marcas em elementos subseqüentes do sintagma. Tendo conhecimento dos resultados a que se chegou nessas pesquisas, busca-se neste material verificar a existência do fenômeno anteriormente detectado; 2) que elementos precedentes podem interferir e, assim, observou-se o efeito da presença do modificador no sintagma. O modificador é aqui entendido como elementos não flexionáveis que intermediam elementos do sintagma, a exemplo dos elementos em itálico em “os mais VELHOS, a caçula” M3C08 “livros totalmente DIFERENTES, uma coisa” M3C08 “professores bem mais, mais PACIENTES” M3C08 “filmes muito VIOLENTOS” M2C10 Nos sintagmas apresentados, os elementos mais, totalmente, bem mais, mais e muito são, na análise, exemplos de modificadores que, apesar de estarem dentro do sintagma, não estão envolvidos no processo de concordância nominal, daí considerar-se, inicialmente, que é possível que a existência e intermediação desses modificadores acabem inibindo a realização da concordância nos elementos a eles subseqüentes. A tabela 46 apresenta os primeiros resultados, envolvendo todos os sintagmas. Pelo que se observa na tabela, em segunda posição, os itens mais marcados são os que têm zero na primeira (100%) e os que têm marca na primeira posição têm mais tendência a inibir a regra de concordância. Dessa forma, esse dado parece confirmar a hipótese funcionalista de que só o dado relevante é mantido, sendo descartado o redundante ou o desnecessário. A presença de marca de concordância no elemento em segunda posição, em sintagmas com zero em primeira posição, recupera e garante a informação de pluralidade. Sintagmas com numerais em primeira 292 posição foram observados separando-se numerais terminados em /s/ e não terminados em /s/, com a intenção de observar se esse dado interfere na realização da concordância. Tabela 46: Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos elementos em segunda posição Sign.=.000 Marcas precedentes Marca na primeira ex.: locais PRÓXIMOS Ausência de marca na primeira ex.: grande Freqüência 3780/5421 70% P. R. .48 43/43 100% CONDIÇÕES Numeral terminado em /s/ na primeira ex.: dois 385/591 65% .53 350/591 59% .56 ANOS de idade Numeral não terminado em /s/ na primeira ex.: sete FILHOS Considerou-se, como se vê na tabela, a possibilidade de o -/s/ poder interferir na maior presença de concordância diante de se ter como hipótese a possibilidade de interpretação pelo falante desse -/s/ como morfema de plural e, diante disso, esse elemento ser favorecedor ou desfavorecedor da concordância. Os elementos precedidos por numerais com final /s/ não demonstraram, contudo, favorecer a marca, como se poderia imaginar, pois o final das formas de numeral não se mostrou com qualquer importância no favorecimento ou inibição da regra de concordância (P. R. .53 e P. R. .55, com numerais terminados em /s/ e não terminados em /s/, respectivamente). A diferença entre os pesos relativos referentes aos contextos antecedentes 293 de numeral é muito pequena, mas os numerais, no entanto, mostraram-se com uma influência maior que itens marcados em 1a posição: enquanto o elemento precedente marcado tem um peso de .48, o numeral tem .53 ou .55, a depender do final em /s/. Esse dado pode indicar que a saliência semântica do numeral é um dado mais favorecedor do que a marca formal na primeira posição: o elemento com informação contável, numérica, condiciona o falante a fazer mais a concordância. Apesar de tão redundante quanto nos sintagmas em que existe uma marca na primeira posição, com o numeral em primeira posição (terminado ou não em /s/), o elemento tende a ser mais alvo de concordância em segunda posição. Nos sintagmas analisados, os numerais ocorreram em mais cinco outros contextos: SN_, NS_, NNs(N)_, NN(N)_, N0_. No último, não houve variação, contexto retirado da análise estatística do efeito das variáveis por não haver, em todos os casos, marca. A seguir se apresentam exemplos desses contextos. SN_ - “uns dois BOLSINHO do lado H1C20 NS_ “cinco navios DIFERENTES, hum. H4U006R NNs(N)_ - “setenta e duas mil TONELADAS, tem tres” H4U006R NN(N)_ - “trinta e cinco ANOS, meus...” M2U05 N0_ - “duas blusa LIMPA ai, tu vai pra escola” M4F38 Nos dois primeiros contextos apresentados, os sintagmas se caracterizam-se por terem não apenas numerais antecedendo o núcleo, mas também outros elementos marcados formalmente. Em um deles, o elemento marcado inicia o sintagma e, no outro, o elemento marcado se situa imediatamente anterior ao núcleo. O efeito desses contextos sobre a presença de marca não parece ser exatamente o mesmo, apesar de serem próximos os pesos relativos: (.53 e .48, respectivamente); esses pesos não permitem que eles sejam considerados como favorecedores ou inibidores da marcação do plural. fatores realmente 294 Nos dois sintagmas a seguir, há numerais de mais de uma palavra anteriores ao núcleo do sintagma, a exemplo de “três mil QUILÔMETROS na Rússia” H4U006R “vinte e um DIAS folgando” M1C03 Esses contextos diferem quanto à presença ou ausência de /s/ final em algum dos numerais que antecedem a terceira ou quarta posições. Imaginou-se que o final /s/ dos numerais poderia favorecer mais marca, diante da constatação de que mais marcas antecedentes levam a mais marcas subseqüentes. Essa hipótese não se confirmou nos sintagmas de dois ou três ou mais elementos: os pesos relativos dos dois grupos têm pouca diferença de peso relativo, indicando que quando os numerais terminam em /s/, o peso relativo de marca não é muito diferente de quando os numerais não terminam em /s/. Apesar de se perceber, entre os dois contextos com numerais antecedentes (com ou sem terminação -/s/), haver diferença maior nos pesos relativos de concordância em itens em terceira ou outra posição, testes estatísticos feitos indicaram que não havia necessidade de separar esses dois contextos como fatores diferentes. Foi essa a conclusão, também, a que chegou Scherre (1988:176). Dessa forma, passa-se, neste trabalho, a observar o efeito do contexto antecedente com numeral na presença da concordância sem mais considerar a terminação, se com ou sem /s/ final. Os elementos em 3a posição precedidos de dois ou mais elementos com marca têm mais probabilidade de concordância (peso de .61), e esse é um contexto que favorece a presença da marca de plural. Pelo que se apresenta, o peso relativo da presença de marca se reduz bastante quando, em sintagmas de três ou mais elementos, há ausência de marcas em elementos precedentes. 295 Tabela 47: Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos elementos em 3 a, 4a ou quinta posições Sign.=.000 Marcas precedentes Freqüência P. R Duas marcas precedentes SS_ ex.: aquelas saias 502/693 72% .61 PLISSADAS Um elemento sem marca e um com marca nas posições 7/20 35% .49 8/110 7% .06 28/40 70% .65 52/79 66% .58 antecedentes 0S_ ex.: a minhas CORRESPONDENCIA Um elemento com marca e outro sem marca nas posições antecedentes S0_ ex.: as sacola PRONTA Numerais de mais de uma palavra com S final em posição antecedente NNs(N)_ ex.: cinqüenta e duas FITAS Numerais de mais de uma palavra sem S final em posição antecedente NN(N)_ ex.: vinte e cinco ANOS Numeral e ausência de marca nas primeiras posições 0/2 0% (N0__) ex.: dois irmão HOMEM Marca e modificador antecedentes SM_ ex.: livros 49/80 61% .64 Marca e numeral nas posições antecedentes SN_ 84/156 54% .53 totalmente DIFERENTES ex.: umas três MELHORES escolas Numeral e elemento com marca nas posições 20/34 59% ..47 Mais de um elemento com marca e modificador 79/117 68% .64 antecedentes NS_ ex.: três vezes DIFERENTES antecedentes SSM.: as pessoas mais VELHAS Um elemento com marca, outro sem marca e um modificador nas posições antecedentes S0M_ ex.: as mão assim CHEIA de calo 2/20 10% .16 296 Com elementos cujo contexto anterior é um elemento marcado e um sem a marca no sintagma, a exemplo de “aquelas camisa BRANCA, com letreiro aqui” M1F05, a possibilidade de “branca” vir com marca de plural é muito pequena (P. R .06). Quando o ZERO não antecede imediatamente o elemento em terceira posição (contexto anterior 0S_), o peso relativo aumenta, mesmo existindo ZERO anterior (PR .49). São exemplos desse contexto: “a minhas COISINHA” M3C17 “a minhas IRMÃS” M3C17 “na minhas COSTA” H3C15 “do outros DIAS H1C20 “tudo aquelas COISAS H3F32 O modificador, apesar de ser um elemento sem marca de plural, foi considerado como constituinte de um outro contexto, diferentemente dos considerados não marcados, por não existir, como já se observou, a possibilidade de qualquer modificação na sua forma para adequar-se ao contexto. Nos sintagmas com modificadores, apresentados a seguir (os modificadores estão em itálico), “as cores mais VIVAS, mais berrantes.” M3U04 “trens tão CONFORTAVEIS quanto os” H4U006R os elementos VIVAS e CONFORTÁVEIS se situam nos contextos SSM_ e SM_, ou seja, inicialmente há um ou mais elementos com morfema de concordância, seguido(s) de modificador. Os dois contextos favorecem a presença da marca (.64). Esse dado indica que o modificador não inibe a aplicação da concordância, ao contrário de um elemento sem marca antecedente do elemento no sintagma. Nos casos apresentados, o terceiro elemento do sintagma tem como antecedentes um zero seguido de marca. Pela análise estatística feita com 297 os dados de que se dispõe, o zero em elementos na posição em destaque e contexto apresentados (terceira posição) é menos provável do que no contexto S0_. Esses dados confirmam a hipótese de Poplack (19...) e Scherre (1988) de que marcas conduzem a marcas e zeros a zeros. 3. 2. 7. 1 Marcas precedentes – Todos os elementos Diante da amalgação de vários dos fatores feita por Scherre (1988), no estudo dessa variável, e também da semelhança de resultados entre alguns deles, decidiu-se, após teste de significância estatística, reduzir essa variável aos sete fatores a seguir: 1) elementos em segunda posição: a) ausência de marca na primeira, b) presença de marca na primeira, c) numeral na primeira (sem considerar a terminação); 2) elementos em terceira ou outra posição: a) mais de uma marca, b) mistura de marca com marca antecedente, incluindo as seguintes possibilidades de contextos antecedentes (nesses contextos não há ausência de marca antecedendo diretamente o elemento em análise): - zero e marca; - marca e modificador ; - numeral e marca; - marca e numeral; - mais de uma marca e modificador. c) mistura de marcas com zero antecedente, incluindo as seguintes possibilidades de contextos antecedentes (nesses 298 contextos não há elemento marcado antecedendo diretamente o elemento em análise): - marca e zero; - zero e modificador; - numeral e zero; d) numeral de mais de uma palavra antecedente. O resultado dessa amalgamação apresenta-se nas duas tabelas e gráficos a seguir. Tabela 48: Efeito das marcas precedentes na concordância dos elementos em 2 a posição/ com amalgamação de fatores Sign.=.000 Marcas precedentes Freqüência P. R. Presença na primeira 3780/5421 70% .48 Ausência na primeira 43/43 100% Numeral na primeira 735/1182 62% .56 Os elementos em segunda posição são alvo de concordância categórica, como os resultados da análise evidenciam, quando são precedidos por elemento sem marca. Quando há marca no primeiro elemento, contudo, o peso relativo de concordância é muito próximo do ponto neutro, .48, não indicando favorecimento ou desfavorecimento. Os numerais antecedentes, ao lado disso, indicam pequeno favorecimento. Dessa forma, entre numerais ou marca antecedentes a elementos em segunda posição, é o numeral o elemento mais favorecedor da concordância. 299 Gráfico 39: Efeito das marcas precedentes na concordância dos elementos em segunda posição 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 Marca na 1a Numeral na primeira Em seguida, a análise dos elementos em terceira posição. Tabela 49: Efeito das marcas precedentes na concordância / com amalgamação de fatores – 3a, , 4a ou quinta posições. Sign.=.000 Marcas precedentes Freqüência P. R. Mais de uma marca antecedente SS_ 502/693 72% .63 Mistura de marcas com marca antecedente 239/407 59% .58 Mistura de marcas com zero antecedente 10/131 8% .08 Numeral de mais de uma palavra 80/119 67% .65 300 Nessa nova análise, com a amalgamação de várias marcas aos elementos em 3a, , 4a ou quinta posições, não se perdem as oposições já observadas: 1) numerais favorecem mais a concordância quando esses numerais são formados por mais de uma palavra, 2) marcas motivam mais marcas e 3) zeros imediatamente antecedentes favorecem a mais zeros. 3. 2. 7. 2 Marcas precedentes – Grupos POP e UNI Em seguida, para entender melhor o efeito da variável Marcas precedentes sobre a concordância, apresentam-se os resultados da análise separando os grupos do português popular (POP) e do português universitário (UNI). Os resultados indicam que os numerais que antecedem elementos em segunda posição levam a favorecimento de concordância apenas no grupo POP, não no grupo UNI. Tabela 50: Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos grupos POP e UNI – 2a posição Marcas precedentes POP Sign.=.000 UNI Sign.=.000 Freqüência P. R Freqüência P. R marca 1925/3435 56% .48 1855/1986 93% .49 Ausência de marca 34/34 100% Numeral 530/952 56% 9/9 100% .57 205/230 89% .42 301 Gráfico 40: Efeito das marcas precedentes na concordância dos itens em 2a posição nos grupos POP e UNI 1 0,9 0,8 0,7 0,6 Marca na 1a Numeral na 1a 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 POP UNI Entre os universitários, os numerais em primeira posição levam a mais desfavorecimento que marcas nessa posição a elementos em segunda posição. Tabela 51: Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos grupos POP e UNI – 3a ou outra posições Marcas precedentes POP Sign.=.000 UNI Sign.=.000 Duas marcas 208/372 56% .62 294/321 92% .61 Mistura com marca 120/276 43% .56 119/131 91% .56 Mistura com zero 5/120 4% .07 5/11 45% .07 .59 21/22 95% .78 Numeral de mais de uma 59/97 61% palavra 302 Gráfico 41: Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens em 3a, 4a ou 5a posições nos grupos POP e UNI 1 0,9 0,8 0,7 0,6 POP 0,5 UNI 0,4 0,3 0,2 0,1 0 Mais marcas Mistura com marca Mistura com Zero Numeral A análise do efeito das Marcas precedentes dos elementos em 3 ª ou outra posição dos grupos POP e UNI indica muita semelhança quanto ao maior favorecimento da concordância em situação de mais marcas antecedentes e menos favorecimento em situação de mais zeros antecedentes. Apesar de no grupo UNI o numeral antecedente não favorecer mais concordância para os itens em segunda posição, nos itens em terceira ou outra posição ele mostra mais favorecimento no UNI do que no grupo POP Em seguida, observa-se como a variável marcas precedentes atua na concordância dos falantes mais velhos desses dois grupos. As duas tabelas a seguir apresentam os resultados. Tabela 52: Efeito das marcas precedentes na concordância dos itens em 2a posição dos grupos POP 4 e UNI 4 303 Marcas precedentes POP 4 Sign.=.000 UNI 4 Sign.=.040 Freqüência Freqüência P. R. P. R. Marca 443/763 58% .45 689/704 98% .48 163/279 58% .53 71/74 96% .34 Ausência Numeral Gráfico 42: Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens em segunda posição dos grupos POP4 e UNI4 1 0,9 0,8 0,7 0,6 Marca Numeral 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 POP4 UNI4 O efeito da variável nos dois grupos parece ser o inverso: no grupo POP4, é o numeral na primeira posição o fator favorecedor da concordância em segunda posição, sendo a marca nessa posição um 304 desfavorecimento. No UNI4, ao contrário, o fator que inibe a concordância é o numeral na primeira posição. Apesar de os elementos em terceira terem favorecimento decrescente de concordância entre os fatores correspondentes a mais marcas, até o contexto menos favorecedor com menos zeros, as grandezas correspondentes ao grau de favorecimento é bem diferente entre os grupos: enquanto “duas marcas de plural antecedente” e “mistura de marcas com marca antecedente” favorecem a mais marcas no grupo POP4, com um peso de .82 e .75, respectivamente, no POP4, no grupo UNI4 os pesos desses fatores são de .70 e .51, respectivamente. As diferenças são de grandezas, mas há identidade quanto à curva de favorecimento ou desfavorecimento. Tabela 53: Efeito das marcas precedentes na concordância dos itens em 3 ª ou outra posições dos grupos POP 4 e UNI 4 Marcas precedentes POP 4 Sign.=.000 UNI 4 Sign.=.040 Freqüência P.R Freqüência P.R Duas marcas precedentes 44/67 66% .82 118/121 98% .70 Mistura com marca 30/62 48% .75 54/57 95% .51 Mistura com zero 2/28 7% .07 2/3 67% .07 .75 14/14 100% Numeral de mais de uma 29/37 78% palavra Os dois grupos coincidem totalmente quanto ao efeito de desfavorecimento da “mistura de marcas com zero imediatamente anterior” aos elementos nessas posições, pois esse fator é altamente inibidor nos dois grupos. O efeito do “numeral” antecedente a elementos nessas posições é 305 muito forte tanto no POP4 (.75) como no UNI4, e nesse grupo com concordância categórica. Gráfico 43: Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens em 3a., 4a ou 5a posições dos grupos POP4 e UNI4 1 0,9 0,8 0,7 0,6 POP4 0,5 UNI4 0,4 0,3 0,2 0,1 0 Mais marcas Mistura com Mistura com marca Zero Numeral 3. 2. 7. 3 Efeito da variável Marcas precedentes na concordância dos grupos diferentes de escolaridade Como a escolaridade exerce uma pressão grande sobre a concordância, em seguida observa-se se o maior número de anos de escolarização indica alguma mudança no efeito dessa variável. Assim, fazem-se, em seguida, separadamente, análises nos três grupos de escolaridade. A tabela a seguir apresenta os resultados. 306 Tabela 54: Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens em segunda posição nos grupos de escolaridade diferente Marcas Fundamental precedentes Sign.=.000 Freqüência Marca Média Sign.=.000 Sign.=.000 P. R. 669/1643 41% .48 Ausência 20/20 100% Numeral 225/513 44% Superior .58 Freqüência 1256/1792 P. R. Freqüência .48 1855/1986 70% 93% 14/14 100% 9/9 100% 305/439 69% .60 205/230 89% Gráfico 44: Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância nos itens em segunda posição dos grupos de escolaridade 1 0,9 0,8 0,7 0,6 Marca 0,5 Numeral 0,4 0,3 0,2 0,1 0 Fundamental Média Superior P. R. .49 .42 307 Tabela 55: Efeito da Marcas precedentes sobre a concordância dos itens em 3 ª ou outra posições dos grupos de escolaridade diferente Marcas precedentes Duas marcas precedentes Fundamental Média Superior Sign.=.000 Sign.=.000 Sign.=.000 48/143 .67 160/22 .52 294/321 .61 34% Mistura com marca 40/147 9 70% .65 80/129 .48 119/131 .56 27% Mistura com zero Numeral de mais de uma palavra 62% 1/87 1% .05 21/48 92% .68 44% 4/33 91% .07 5/11 12% 45% 38/49 .48 21/22 78% 95% .07 .78 A análise através dos percentuais deixa claro que o efeito da escolaridade é forte, os falantes de escolaridade primária têm um índice de 39% de concordância, os de 2o grau, 69% e os de escolaridade superior, um índice de 92%. Constata-se, no entanto, a semelhança do efeito de alguns dos fatores da variável marcas precedentes nas três faixas de escolaridade, resumindo-se da seguinte forma: 1. os elementos em segunda posição são categoricamente marcados quando são precedidos de elemento sem marca; 2. existe uma tendência de marcar mais em terceira ou outra posição quando elementos do contexto diretamente antecedente não têm Zero; 308 3. existe uma tendência de marcar radicalmente menos em terceira ou outra posição quando contextos diretamente antecedentes não são marcados nem mediados por elemento marcado. 3. 2. 7. 4 Efeito da variável Marcas precedentes na concordância dos grupos diferentes de sobrenome A análise que se segue procura observar, nos grupos de sobrenomes diferentes, como atua a variável Marcas. Tabela 56: Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância dos itens em segunda posição dos grupos diferentes de sobrenome Marcas Não religioso Sign.=.000 Religioso Sign.=.000 precedentes Freqüência P. R. Freqüência P. R. Marca 924/1562 59% .48 957/1789 53% .48 Ausência 100% Numeral 248/418 59% 100% .55 276/521 53% .62 Gráfico 45: Efeito das Marcas precedentes na concordância dos itens em segunda posição dos grupos de sobrenome diferente 1 0,8 Marca Numeral 0,6 0,4 0,2 0 Não Religioso Religioso Os resultados indicam efeito semelhante das marcas precedentes sobre a concordância dos itens em segunda posição, nos dois grupos. O 309 favorecimento do numeral, no entanto, é um pouco mais evidente no grupo de sobrenome religioso. Tabela 57: Efeito da Marcas precedentes sobre a concordância dos itens em 3 ª ou outra posições dos grupos de sobrenome diferente Marcas precedentes Duas marcas precedentes SS_ Não religioso Religioso Sign.=.000 Sign.=.000 Freqüência P. R. Freqüência P. R. 111/154 .75 97/212 46% .50 .55 63/161 39% .54 2/52 4% .04 3/65 5% .09 27/47 57% .53 31/48 65% .73 72% Mistura de marcas com marca antecedente Mistura de marcas com 55/108 51% zero antecedente Numeral de mais de uma palavra A concordância nos elementos em 3a, 4a ou 5a posições, nos dois grupos, não sofre o efeito da variável Marcas precedentes da mesma forma: enquanto mais marcas favorecem mais concordância no grupo de sobrenome religioso, isso não pode ser dito com respeito ao grupo de sobrenome religioso, pois esse fator não favorece, nesse grupo a concordância (.50, indicando neutralidade – não há favorecimento nem desfavorecimento da concordância. Quanto ao contexto antecedente de numeral, o seu favorecimento só é evidenciado no grupo de sobrenome religioso, não no de sobrenome não religioso. 310 Gráfico 46: Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância nos itens em 3a, 4a ou 5a posições dos grupos de sobrenome 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 Não religioso Religioso Duas marcas Mistura com Marca Mistura Numeral com Zero de mais de uma palavra No grupo de sobrenome religioso, então, o efeito da variável marcas precedentes mostra-se com algumas características comuns a todos os grupos, mas com algumas peculiaridades, conforme se apresentam a seguir: 1) elementos em segunda, terceira ou outra posição antecedidos por numerais (com ou sem /s/) são, sempre, mais marcados do que quando são antecedidos por elemento (s) marcado (s); 2) elementos em terceira ou outra posição antecedidos por numerais são os que têm o maior peso relativo de concordância, demonstrando ser muito forte o efeito da saliência semântica do numeral; 3) os contextos de mais marca formal (duas ou mais marcas antecedentes) não são grandes favorecedores de marcas, tendo pesos que não refletem favorecimento nem desfavorecimento da concordância. Para o grupo de sobrenome religioso, parece existir uma relação entre a saliência semântica dos numerais, maior do que a saliência do morfema do elemento marcado em primeira posição (cujo valor de plural 311 apresenta-se apenas formalmente) que promove mais realização da concordância. Tanto em sintagmas com morfema de plural como com numerais em primeira posição, a concordância não é uma informação relevante, no entanto os numerais exercem, nesse caso, um efeito muito mais decisivo na concordância do grupo em questão. Observa-se que o efeito dos numerais na concordância, que ocorre no grupo de sobrenome religioso, não tem exatamente a mesma explicação do efeito que se constata no grupo de sobrenome não religioso. Os fatos indicam que para o grupo de sobrenome não religioso parece que o contexto antecedente de numeral pode ser considerado análogo ao contexto de mais de uma marca precedente (é possível comparar os pesos relativos: .53 com antecedente numeral de mais de uma palavra e .55 contexto de mistura de marcas com marca antecedente). O contexto de mais de uma marca só é favorecedor para o grupo de sobrenome não religioso. No grupo de sobrenome religioso, a presença de outros morfemas de plural antecedentes não favorece a concordância (nenhum dos contextos de mais marca é favorecedor para esse grupo). Apenas o numeral de mais de uma palavra constitui-se favorecimento nesse grupo de sobrenome religioso, o que parece ter relação com a saliência semântica do numeral, mais explícita quanto à idéia de plural que a presença do -/s/, morfema de plural. Parece que esse quadro do efeito dessa variável no grupo de sobrenome religioso pode ser explicado conjuntamente: há mais concordância com antecedente numeral nos itens em terceira, quarta ou quinta posição e menos probabilidade de ela ocorrer em itens com antecedentes com mais de uma marca ou com mistura de marcas pela mesma razão – mais saliência semântica dos numerais e menos saliência semântica dos itens marcados. 312 3. 2. 8 Contexto fonológico subseqüente No presente estudo, observa-se o contexto fonológico subseqüente a cada elemento do sintagma e a sua interferência na concordância nominal. A hipótese inicial é de que deveriam ser mais favorecedores os contextos subseqüentes vocálicos, diante da tendência da busca do padrão silábico CV, comum a muitas línguas. Inicialmente, são quatro fatores observados: 1) Consoante - dez FITAS por ano H4F06 2) Vogal - três VEZES e eu ia H4F06 3) Pausa interna - outros SETORES, tudo que… M3C07 4) Pausa Final de sentença - muitos SONHOS. M3C07 Considera-se pausa interna uma distância de realização fônica que impeça a interferência entre os sons, entre o elemento em análise e o subseqüente, na elocução feita; a pausa final, no entanto, é mais longa, caracterizando um fim de sentença, ou de período. Não são considerados os seguintes contextos subseqüentes aos elementos em análise: /s/, /z/, /š/, /ž/, cujos dados são desprezados, diante da dificuldade de detectar a real presença ou ausência da marca de plural no elemento anterior. Os resultados da análise inicial são apresentados em seguida, na tabela 58. 313 Tabela 58: Efeito do Contexto fonológico subseqüente sobre a concordância – Análise inicial Contexto posterior (Significância= .000) P. R. Consoante 6985/8170 85% .48 Vogal 2219/2669 83% .54 Pausa interna 1604/2443 66% .51 418/580 .62 Pausa final TOTAL 72% 11226/13862 81% Gráfico 47: Efeito do Contexto subseqüente sobre a concordância Análise inicial 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 Consoante Vogal P interna P final Como se vê, a posição de final de sentença mostra-se como o contexto mais favorecedor de todos (P. R. .62) e as posições anterior a vogal (P. R. 54) e antes de pausa interna (P. R. .51) têm um peso relativo que indica que 314 esses fatores não interferem na concordância; quando o contexto seguinte é consoante, não há favorecimento nem desfavorecimento da concordância, o peso relativo indica proximidade do ponto neutro (P. R. 48). A diferença entre os pesos dos três últimos fatores referidos (contexto fonológico subseqüente vocálico, consonantal ou pausa interna) é tão pequena que poderia sugerir uma oposição entre dois pólos: final de sentença e não final de sentença. Apesar de Scherre (1988) ter feito a amalgamação entre pausa interna e pausa final, nesta pesquisa os dois fatores não se mostraram com peso aproximado, não apresentando, pois, motivo de isso ser feito. Mesmo tendo consciência de que a situação, nos dados, não indicava necessidade de juntar esses fatores, decidiu-se por fazê-lo apenas como teste, para verificar as conseqüências disso. A tabela a seguir apresenta os resultados. Tabela 59: Efeito do Contexto fonológico subseqüente sobre a concordância – Análise inicial amalgamando Final interno e Final de sentença Contexto posterior Freqüência Sign.= .000 P. R. Consoante 6985/8170 85% .48 Vogal 2019/2669 83% .54 Pausa 2022/3023 67% .53 TOTAL 11226/13862 85% 315 Gráfico 48: Efeito do Contexto subseqüente na concordância Análise inicial, sem distinguir pausas interna e final 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 Consoante Com essa Vogal amalgamação, desfaz-se Pausa a oposição, que era relativamente grande, entre a pausa final, que agora passou a ter um peso relativo bem menor, reduzindo bastante a diferença entre os fatores, chegando o peso relativo desse fator a ser menor que o da vogal. A amalgamação feita é, assim, de certa forma, prejudicial à análise. Dessa maneira, esses resultados mostram a necessidade de manter a oposição entre esses dois fatores, pausa interna e pausa final, no presente trabalho. Em seguida procura-se observar o efeito da variável contexto fonológico subseqüente, considerando também o traço sonoridade entre as 316 consoantes. A tabela a seguir mostra que as consoantes sonoras são mais desfavorecedoras da concordância do que as surdas. Tabela 60: Efeito do Contexto subseqüente na concordância, análise inicial, considerando a sonoridade da consoante. Contexto subseqüente Sign.= .000 Freqüência P. R. C Surda 3788/4218 89% .52 C Sonora 3247/3952 82% .44 Vogal 2219/2669 83% .54 P Interna 1604/2443 66% .50 P Final 418/580 72% .62 TOTAL 11226/13862 81% 317 Gráfico 49: Efeito do Contexto subseqüente, análise inicial, considerando a sonoridade da consoante 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 C Surda C Sonora Vog P interna P final Com essa análise, fica evidente que, entre as consoantes, o contexto subseqüente menos favorecedor da concordância é o de consoante sonora e, em seguida, no ponto neutro, estão os contextos de pausa interna e o de consoante surda. Mas de todos os contextos o que se mostra mais favorecedor continua sendo o final de sentença, com um peso de .62. 318 3. 2. 8. 1 Contexto fonológico subseqüente – Análise geral, separando itens de plural regular e itens terminados em -/s/ Motivada por Scherre (1988), esta pesquisa observa o efeito da variável Contexto fonológico subseqüente, estudando os itens de plural regular e os itens terminados em /s/, em análises independentes. Foram considerados apenas esses tipos de formação de plural e não os outros tipos de formação (duplo, em -/l/, em -/r/, em –ão regular ou -ão irregular (Ver seção 2. 3. 1 e seção 3. 2. 1. 1) por tomar esses elementos como itens em que o contexto subseqüente tem mais possibilidade de interferir na concordância: os de plural regular, pois, com o acréscimo do -/s/, se o contexto subseqüente é vocálico, há condições para a formação de nova sílaba; se é consonântico, não há formação de nova sílaba e, assim, a variação da concordância pode ser inibida; a concordância nos itens de final em -/s/, também, pode ser favorecida ou inibida pelo contexto, uma vez que, sendo vocálico ou consonântico, dentre outras possibilidades, o efeito fonológico do -/s/ final é diferente e pode provocar surgimento também de outra sílaba. Em todas as análises estatísticas apenas com itens em /s/, a significância da variável é muito alta, evidenciando que a análise não tem o mesmo nível de confiabilidade que nas demais análises feitas, além de a variável ser excluída, o que pode ter ocorrido devido ao número pequeno de dados em cada uma das rodadas. Diante disso, faz-se na atual pesquisa apenas a análise geral dos dados de itens em -/s/, deixando-se de fazer o confronto entre os grupos observados no estudo das outras variáveis. Os resultados da análise geral são apresentados na tabela 61, referentes a itens de plural regular e os resultados dos itens em -/s/. 319 Tabela 61: Efeito do contexto fonológico subseqüente na concordância em Itens de plural regular e Itens em -/s/, considerando a sonoridade da consoante subseqüente –– Análise geral Itens com plural regular Itens terminados em (Significância=.000) Contexto subseqüente /s/ (Significância=.032) Freqüência P. R. Freqüência P. R .53 71/99 72% .44 as 3038/3693 82% .44 72/93 77% .50 casos 1969/2341 84% .53 141/199 71% .46 seus 1362/2156 63% .50 64/77 83% .57 .61 24/27 92% .79 Consoante surda ex.: muitos 3552/3980 89% ANOS Que ele sonhou Consoante sonora ex.: MENINAS Gostavam Vogal ex.: muitos DESAGRADÁVEIS Aconteceram Pausa interna ex.: BRINQUEDOS, tem seu espaço Pausa final ex.: boas 358/509 70% LEMBRANÇAS. TOTAL 10279/12679 81% 538/685 79% 0 C Surda C Sonora Vog P int P final 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 Itens em -/s/ Itens de plural regular 0,6 0,7 0,8 0,9 1 Efeito do Contexto subseqüente aos itens de plural regular e itens em -/s/ sobre a concordância 320 A análise deixa claro que, em itens de plural regular, o traço surdo na consoante do contexto seguinte ao elemento é bem menos desfavorecedor da presença de marca de plural (P. R. 52) que o traço sonoro (P. R. .44). Considerando esse traço na consoante, a escala de favorecimento dá-se partindo da pausa final, reduzindo o favorecimento em direção às consoantes sonoras, contexto subseqüente mais desfavorecedor da marca de plural, passando pelas vogais, consoantes surdas e pausa interna, como fatores neutros, pois não inibem nem favorecem a concordância. Observando-se apenas os itens terminados em /s/, o efeito da variável é diferente. Apesar de a pausa final ser o contexto mais favorecedor da concordância dos itens em -/s/, como ocorre com os itens de plural regular, esse favorecimento é bem maior do que com os de plural regular. Além disso, observa-se desfavorecimento no contexto posterior com vogal, fator que não desfavorece (mas também não favorece) no grupo Gráfico 50: Efeito do Contexto subseqüente na concordância dos itens de plural regular e dos itens terminados em -/s/ 1 0,9 0,8 0,7 0,6 Itens de plural regular 0,5 Itens em -/s/ 0,4 0,3 0,2 0,1 0 C Surda C Sonora Vog P int P final 321 dos itens de plural regular. Outra diferença é que a consoante surda, que não é grande inibidora no grupo de dados com o plural regular, passa a desfavorecer quando o grupo fica restrito a itens terminados em /s/. A explicação que Scherre (1988) dá para o desfavorecimento do contexto subseqüente vocálico, para esses itens, é através do fenômeno da haplologia, em que o falante tende a fazer desaparecer sons repetidos. Em um sintagma como umas vezes ele vem [vezezele], para evitar a repetição do /ze/, o falante deixa de fazer a concordância: algumas vez ele vem. Essa explicação parece coerente para se entender a ausência de concordância nesses contextos. A análise ora feita mostra que o contexto fonológico posterior vocálico é desfavorecedor da marca de plural nesses itens, o que não deixa dúvida de que a explicação de Scherre está de acordo com a realidade dos fatos. Como no estudo das outras variáveis, faz-se, em seguida, uma observação do efeito da variável ora em estudo, Contexto fonológico subseqüente, entre os diversos grupos: POP, UNI, níveis de escolaridade e tipos de sobrenome. Como já se observou, o estudo não envolve a comparação do efeito da variável com os itens em -/s/, porque a variável não é selecionada, ao observar apenas os dados em -/s/ de cada grupo. 3. 2. 8. 2 Contexto fonológico subseqüente aos itens de plural regular – Grupos POP e UNI O passo seguinte na análise é observar como essa variável atua nos dois grandes grupos aqui trabalhados, o português popular e o português universitário. Para chegar à comparação entre os grupos, foram feitas 322 análises diferentes, com cada um deles, e o resultado observa-se na tabela 62. A análise revela que há exatamente o mesmo efeito da variável sobre a concordância nos dois grupos: é o fator referente ao contexto subseqüente com consoante sonora é o que mais inibe a concordância e a pausa final é o que mais a favorece. Tabela 62: Efeito do Contexto subseqüente aos itens de plural regular na concordância dos grupos POP e UNI Contexto posterior POP Sign.= .000 UNI Sign.=.000 Freqüência P. R. Freqüência P.R. C. surda 2198/2596 85% .53 1354/1384 98% .56 C. sonora 1888/2489 76% .44 1150/1204 96% .42 Vogal 1098/1439 76% .52 871/902 97% .52 Pausa interna 666/1405 49% .51 676/751 90% .47 Pausa final 188/329 57% .61 170/180 94% .61 TOTAL 6058/8258 73% 4221/4421 95% Os contextos de vogal e de pausa interna estão bem próximo ao ponto neutro e o contexto de consoante surda apresenta um pequeno favorecimento (.56). Através do estudo do efeito dessa variável na concordância, e a constatação de que o efeito é o mesmo nos dois grupos, 323 então tem-se a indicação de que a interferência do Contexto subseqüente na concordância é um fenômeno realmente estrutural, que independe do grupo observado e da sua freqüência de realização de concordância. Gráfico 51: Efeito do Contexto fonológico subseqüente na concordância dos grupos POP e UNI 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 C Surda POP UNI C Sonora Vog P interna P final Mas é importante que se observem os outros grupos dessa análise para que essa hipótese possa ser comprovada. 324 3. 2. 8. 3 Contexto fonológico subseqüente na concordância e escolaridade. A tabela 63 apresenta os resultados de análises de cada nível de escolaridade, feitas separadamente. Tabela 63: Efeito do Contexto subseqüente na concordância dos itens de plural regular dos grupos de escolaridade diferente Contextos Fundamental P.R. Sig=.000 C Surda Média P.R. Sig=.000 979/1245 79% .50 1219/1351 843/1208 70% .44 1045/1281 .54 461/664 69% .56 637/775 1354/1384 .56 98% .44 82% Vogal P.R. Sig.=.000 90% C Sonora Superior 1150/1204 .42 96% .49 871/902 97% .52 .52 676/751 90% .47 .66 170/180 94% .61 81% P. interna 247/739 33% .52 439/666 66% P. final 79/189 42% .63 109/140 78% Total 2609/4045 64% 3449/4213 82% 4221/4421 95% 325 Gráfico 52: Efeito do Contexto subseqüente na concordância dos itens de plural regular dos grupos de escolaridade diferente 1 0,9 0,8 0,7 0,6 Fundamental 0,5 Média Superior 0,4 0,3 0,2 0,1 0 C Surda C Sonora Vog P interna P final 3. 2. 8. 4 Contexto fonológico posterior – Grupos de sobrenomes Para concluir o estudo da variável Contexto subseqüente, resta observar o seu efeito nos grupos diferentes de sobrenome. A tabela 64 apresenta os resultados da análise. A análise dos dois grupos de sobrenome não revela nenhuma diferença quanto ao efeito da variável na concordância: mantém-se o contexto de Final de sentença como o mais favorecedor da concordância e o contexto subseqüente de consoante sonora como o mais inibidor da presença de marca. 326 Tabela 64: Efeito da Contexto fonológico subseqüente sobre a concordância dos itens de plural regular dos grupos de Sobrenome Não Religioso Sign.=.000 Religioso Sign.=.000 Contexto Freqüência P. R. Freqüência P. R. C. surda 1006/1152 87% .54 1141/1382 83% .52 C. sonora 861/1108 78% .43 996/1333 75% .45 Vogal 490/619 79% .52 579/789 74% .52 P. interna 343/635 54% .51 338/747 45% .51 P. final 108/180 60% .57 76/142 54% .61 Total 2808/3694 76% 3417/4798 71% Dessa forma, a variável Contexto subseqüente não atua de forma diferente nos dois grupos e o que foi revelado no grupo de escolaridade Fundamental, quanto a uma tendência de busca do padrão CV, isso não se apresenta em qualquer dos dois grupos de sobrenome. 327 Gráfico 53: Efeito do Contexto fonológico subseqüente na concordância dos itens de plural regular dos grupos de sobrenome 1 0,9 0,8 0,7 0,6 Não Religioso 0,5 Religioso 0,4 0,3 0,2 0,1 0 C Surda C Sonora Vog P interna P final O estudo feito sobre o efeito da variável Contexto subseqüente sobre a concordância mostra que existe uma relação entre o tipo de contexto subseqüente aos itens do sintagma e a probabilidade de ser feita a concordância entre os elementos do sintagma. Os itens de plural regular são mais alvo de concordância quando estão em final de sentença e menos quando são seguidos por consoante sonora. 328 3. 2. 9 A variável coexistência com tudo70 Nesta pesquisa, observa-se o efeito da coexistência do quantificador tudo, forma neutra do quantificador todo, TUDO, usado no valor de todos, todas, na concordância dentro do sintagma nominal. No corpus, são identificados casos, como os apresentados a seguir: “fazer TUDO aquelas coisas de errado de novo” H3F32 “os policiais TUDO em fileira” H2F40 “dos meus tio morava TUDO junto” M1C02 “os alunos saìram TUDO pra ver” M1F05 “as bonecas eram TUDO lá guardada no armário” M1C12 “meninas TUDO pequeninha assim que tem onze” M1C12 “as criança estão TUDO em casa” M1C12 “as menina TUDO chutando, pegando” H3C15 “os menino ficavam TUDO doido” M3C17 “os pezinho dele TUDO furado, aì quando” M3C17 “os colegas TUDO ficavam juntos” H2F09 “as pessoas saìam TUDO correndo” M2F29 “eles hoje estão TUDO perdido, porque lá” H4F35 70 O Tudo, utilizado no valor de todos, todas, foi observado por Pinto (1996), não com o intuito de estudo da concordância, mas sim de análise da utilização da forma substantiva neutra, tudo, registrada na fala carioca com valor de adjetivo. O objetivo do trabalho é 1) determinar os fatores que determinam o uso da forma substantiva em contextos em que se prevê a forma adjetiva; 2) comprovar se há ou não estigmatização no uso; 3) analisar se o fenômeno evidencia um processo de mudança. (Pinto, 1996:8). Esse uso da forma tudo com valor adjetivo, em sintagmas em se espera o todos ou todas é exatamente o 329 “os neto TUDO, mas não estou” H4F34 “quatro moram TUDO no Beiru” H4F34 “pegou nós TUDO e pro juizado” M1F45 O tudo no valor de todos, todas é também encontrado em dialetos que são resultado de processos de aquisição com grande divergência de dados. Na fala dos Tongas71, comunidade de ex-escravos, em São Tomé, na África, por exemplo, encontram-se sintagmas com o tudo no mesmo valor: “os avó TUDO veio de Angola” “os coisa TUDO” “TUDO os coisa tá traçado” “os criança TUDO…” “os médico TUDO foi embora” “TUDO os home foi embora” Nos exemplos “tudo os coisa tá traçado” e “tudo os home foi embora”, nota-se que o tudo está à esquerda do núcleo e, mesmo assim, aparece a forma neutra ao invés da forma flexionada. Nos outros exemplos, sem levar em conta a variação da concordância de gênero que os sintagmas exibem, o uso de tudo, situação interpretada como ausência de concordância do quantificador todo, a forma aparece à direita do núcleo, posição inibidora da presença de marca na amostra estudada nesta pesquisa na seção 3. 2. 4. No corpus observado neste trabalho, o tudo ocorre de tudo observado no presente trabalho, considerado, não como a forma neutra tudo, e, sim, como a forma pluralizável (já que a forma é usada no valor de todos ou todas, com ausência de marca). 71 A comparação foi feita graças ao professor Alan Baxter, que gentilmente cedeu as fitas com as entrevistas gravadas. 330 forma semelhante e fica evidente que o uso é perfeitamente comparável àquele dos Tongas72. No português descrioulizado de Macau também se atestou esse uso do TUDO, a exemplo de “pa veng visitar nóx TUDO domingo.” (ao invés de “nós todos”) “Mana, ávó, pai, irmang - qui justo morê - mãe, tudo bêbê.” (ao invés de “todos bebem”) “Madrinha leva iô, pocósa esti genti di Figueiredo tudo é parenti longe dela.” (no lugar de “todos são parentes”) “Ieu sabe vossa pai, mae tudo gosta bêbê, você nãong bebe?”73 (no lugar de “todos bebem”) Coelho (1967:62-5) também registra o tudo em texto escrito no dialeto macaísta, em cartas pessoais de 1865 a 1869: “Já intra anno novo; mutu bom anno, filicidade, vida, saúde para vós, vosso marido e tudo criança criança.” (1865) (ao invés de todas as crianças) “Como vôs lôgo querê sabe tudo novidade de Macáo, porisso que eu já pedi com tudo sium sium, parecero de jogo, pra trazê tudo novidade de fóra pra eu pôde escrevê pra vôs.” (1869) (no lugar de 72 “Tudo seems to function as a redundant reinforcer of plurality. Plural marking is inserted with the aid of this semantic trigger, in obvious contexts (cf. the role of numerals). While this role is relatively minor in the general data, it has implications for the nature of earlier L2 Tonga Portuguese. Thus, an additional dimension to tudo is that it mainly occurs in post nominal position, although prenominal position is also found.. In European Portuguese, inflecting todo may appear in both these positions. This suggests that the L2 Portuguese that provided PLD for F3, gave preference to the post-nominal position, but, as the suffixal inflectional morphology of E.P. todo was not transparent to L1 speakers of Umbundo, with its prefixal system, the bare form tudo was incorporated and principally in a post-nominal position coincidental with the unmarked Mbundo quantifier position.” (Baxter, 2001:17). 73 Dados retirados de transcrições de material coletado em Macau, China, cedido por Alan Baxter e Mário Nunes. Os informantes pesquisados são todos da última faixa etária, com mais de setenta anos. 331 toda a novidade; todos os senhores, ou todos os homens; todas as novidades ou toda a novidade). “Aquelle tolo de Boletim parte que dá peza sua viuva, vae dá pra tudo sua amigo amigo.” (1869) (ao invés de todos seus amigos). Os usos registrados do tudo, apesar de aparentemente não terem relação com nomes plurais, nota-se que alguns dos substantivos indicam claramente pluralidade, expressa pela sua duplicação: criança, criança; sium, sium; amigo, amigo, comum a diversos crioulos. No dialeto de Helvécia, na Bahia, Baxter, Lucchesi & Guimarães (1997:30) documentam o uso do TUDO, ao invés do quantificador flexionado: “Foi vendeno TUDO essas madeira” (ao invés de “TODAS essas madeiras”.) “três mãe de filho e ôtas tudo soltêra” (ao invés de “outras TODAS solteiras”.) Os autores observam que o quantificador TODOS, apesar de, no português, ser comumente utilizado em posição anterior ao núcleo, como “Todas as pessoas convidadas”, nesse dialeto o uso mais freqüente é como elemento posnominal, na sua forma neutra TUDO (“As meninas tudo foram embora”), e dizem que esse uso sugere “... a existência anterior de um sistema que usou uma forma invariável única do quantificador todo, neste caso derivado da forma neutra tudo, como é o caso em crioulos de Cabo Verde e São Tomé, com base no português. Na mesma situação como o 332 quantificador poderia aparecer, antes ou após o nome.”74 Careno (1997: 82, 88) também registra o TUDO com o mesmo valor (de todos, todas) em comunidades negras do Vale do Ribeira: “TUDU mi respeit‟I::: TUDU elis… segui [seja] … segui netu… segui bisnetu respeitu qu‟elis tem pur mim” (ao invés de “todos eles”) “eu digu tão ficandu Loco… purque tão vendendu TUDAS terra qui têm…”75 (ao invés de “vendendo todas as terras”) No primeiro caso, o TUDO refere-se a pessoas e não coisa, e tem o valor de todos eles, e, no TUDU elis, a concordância que se prevê no sintagma não é realizada (“todos eles”). O tudas, presente no exemplo que segue, mostra que essa forma, nesse dialeto, é, talvez, um elemento intermediário entre o TUDO e as formas variadas do quantificador, o todos e o todas. Existe, também, a possibilidade de que a realização tenha sido TUDO as terra, com o TUDO e não “tudas”. Mattos e Silva (1988) registra o TUDO no português Kamayurá76: “Saiu do mar TUDO os olho vermelho” (ao invés de “os olhos todos vermelhos”). “Aì cheguemo lá, aì Kalapalo vê nós TUDO” (ao invés de “nós todos”). 74 “… the former existence of a system which used a single invariable form of the quantifier todo „all‟, in this case deriving from the neutral form tudo, as is the case in the Portuguese-based creoles of Cape Verde and São Tomé. Such a quantifier could appear both before and after the noun.” (p.30) 75 Foram conservadas as grafias utilizadas por Careno (1997) 76 O português Kamayurá refere-se à língua utilizada pelos índios bilíngües Kamayurá, tribo do Parque Nacional do Xingu, no Estado do Mato Grosso. 333 “Aquele que foi junto nós, TUDO choraro, choraro” (no lugar de “todos choraram”). Nos dois primeiros casos, a concordância dentro do sintagma deixou de ser realizada (“os olhos todos vermelhos”, “nós todos”); no exemplo seguinte, o TUDO é utilizado no valor de todos, sendo o núcleo do sintagma, com antecedente humano. Mattos e Silva (1988:104), ao tratar as “simplificações” dos quantificadores TUDO e NADA, registradas nos Kamayurá, diz que esses casos “sugerem a confirmação da hipótese de que documentamos estágio da aprendizagem do português por uma comunidade de origem lingüística distinta. (…) No corpus de controle podemos observar, em certos contextos, uma redução maior, em favor de tudo.” A autora, com referência a esses casos de TUDO, diz que “… o quantificador TUDO, nesse dialeto, [tem um] contexto mais amplo, isto é, ocorre sem as restrições de traços semânticos e sintáticos que selecionam, pelo menos nos dialetos urbanos, as formas tudo, todos, toda. Nesses dialetos tudo tem um referente não animado e preenche a posição de núcleo do sintagma nominal; neste, (…) funciona na posição de núcleo do sintagma nominal ou com determinante.” (op.cit. p.104). 334 Como conclusão sobre essa realização e, também, sobre outros aspectos lingüísticos, Mattos e Silva (1988:110) faz uma relação entre esses fenômenos, o processo de aquisição e à sua fase de desenvolvimento: “Do que foi dito sobre os quantificadores e os dêiticos se pode admitir que o processo de aquisição desses elementos não parece se desenvolver num mesmo “ritmo de aprendizagem”, enquanto as regras de seleção dos indicadores dêiticos de lugar e tempo em relação ao momento da enunciação já aparecem bem dominadas pelos informantes, as de alguns quantificadores indefinidos [incluindo, nesse caso, o TUDO], do artigo e dos demonstrativos apresentam-se simplificadas e oscilantes.” Também foram encontrados registros do TUDO com as mesmas características em Emmerich (1984), também da língua de contato do Alto Xingu, dos quais foram transcritos alguns exemplos: “Aì Cláudio vem aì, entrô ali no Tu(a)tuari, veio espiá TUDU esses mato aì.” (Emmerich ,1984:256) “Aì nóis descemu. Aì nóis viu, lá no Awara‟ì, né. Aì nóis descemu TUDO lá.” (Emmerich, 1984:261) Nos sintagmas apresentados, “TUDU esses mato aì” e “nóis… TUDO”, encontra-se a mesma estrutura, em que o TUDO substitui a forma pluralizada correspondente TODOS, cumprindo a previsão de concordância. Mas há casos registrados também em Emmerich (1984) do TUDO no valor de todo mundo e todos, nesse caso desvinculado de 335 concordância, referindo-se indiferentemente a humanos e não-humanos, a exemplos de: “Aì Orlando tava assim barbudo. Leonardo, Cláudio, TUDO isso, todo mundo tava barbudo, né.” (Emmerich, 1984:248) “Aì todo mundo foi lá. Só quem num foi o Waurá e… e… Matipú, né. Matipú tava longe ainda. Agora não, agora TUDO tá aqui perto. Agora Kalapalo perto, Matipú, Waurá, TUDO aqui perto. Só ficô lá Kamaturá e Awetì.” (Emmerich, 1984:253). Pinto (1996) também registra o tudo na fala carioca: “as meninasTUDO queimadinhas” (p. 28); “com aqueles vestido TUDO aberto” (p. 32). A análise feita por Mattos e Silva (1988) e os casos encontrados em Emmerich (1984) e Careno (1997), registrando o TUDO no dialeto pidginizante do Xingu, e no português do Vale do Ribeira dão a esta pesquisa mais segurança ao fazer a relação entre a existência dessa forma, na fala de Salvador, e as características da sua história de contato e aquisição de língua, de alguma forma comparável com a que, ainda hoje, ocorre no Xingu e em outras comunidades negras. Os exemplos registrados por Pinto (1996) chamam a atenção de que, assim como foram registrados casos como esse no Brasil e no Rio de Janeiro, a pesquisa ora feita precisa continuar a ser realizada em outras regiões do Brasil. 3. 2. 9. 1 A variável coexistência com tudo – Todos os dados Em toda a amostra da presente pesquisa, o tudo nesse valor só ocorre em registros do português popular, não há qualquer caso no português universitário. Nos sintagmas encontrados, ao substituir todos ou todas, a 336 concordância prevista para o quantificador nesse caso não é realizada. A hipótese que se levanta é a de que, em sintagmas com o tudo usado nesse valor, a concordância entre os outros elementos do sintagma é também inibida. Dessa forma, além de se quantificar os casos sem concordância desse quantificador, o envolvimento do tudo foi observado como uma variável ao analisar os outros elementos do sintagma. Foram codificados dados com tudo com esse valor no sintagma e os resultados dessa observação, envolvendo apenas os não universitários, são apresentados na tabela 65. A análise estatística indica que a presença do quantificador na sua forma neutra, tudo, realmente inibe a concordância em outros elementos do sintagma. Enquanto sintagmas sem a forma tudo estão no ponto neutro, peso relativo .50, com esse elemento o peso relativo de concordância reduz-se para .31. Tabela 65: Efeito da Coexistência com o TUDO na concordância entre os outros elementos do sintagma - Análise sem os universitários. Sign.=.000 Fatores Freqüência P. R. Sintagma com tudo 48/78 62% .31 Sintagma sem tudo 6598/8969 74% .50 TOTAL 6646/9088 81% 337 Gráfico 54: Efeito da coexistência com o TUDO na concordância 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0 Com Tudo Sem Tudo Assim, é evidente que, em sintagmas com o tudo no valor aqui analisado, a probabilidade de concordância reduz-se. Para entender em que tipo de grupo essa forma ocorre mais e como dá-se a inibição da concordância, em seguida estuda-se a variável entre os dois níveis de escolaridade envolvidos. 3. 2. 9. 2 A variável coexistência com tudo – Grupos de escolaridade Para melhor entender o efeito da variável, em seguida faz-se uma observação separando-se os grupos Fundamental e Colegial, os únicos a 338 apresentarem, no corpus, dados com a forma observada. A tabela a seguir apresenta os resultados. Tabela 66: Efeito da Coexistência com o TUDO, na concordância entre os outros elementos do sintagma, separando-se os níveis Fundamental e Colegial Envolvimento com o Fundamental Média SIGNIFICANCE= .457 SIGNIFICANCE= .018 tudo Freqüência Freqüência P. R. Sintagma com tudo 39/62 63% 9/16 56% .10 Sintagma sem tudo 2793/4333 64% 3805/4636 82% .50 TOTAL 2532/4431 64% 3814/4652 82% No nível Fundamental, essa variável não é selecionada pelo programa de regras variáveis, indicando não interferência da coexistência com o tudo na concordância desse grupo. Esses resultados mostram que, a despeito da forma tudo ocorrer principalmente entre os informantes do nível Fundamental (de 78 sintagmas coexistentes com a forma, 62 estão nesse nível de escolaridade), o efeito dessa forma sobre a concordância não está diretamente associado à pouca escolaridade, uma vez que a sua presença afeta mais a concordância nos elementos do sintagma quando os falantes têm mais escolaridade do que com menos. 339 Gráfico 55: Efeito da coexistência com o Tudo na concordância da escolaridade Média 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0 Sem Tudo Com Tudo No grupo de escolaridade Média, a concordância em elementos do sintagma tem peso relativo bem pequeno (P. R. .10), apesar de a forma não ser freqüente na fala do grupo, o que deixa claro que o efeito do uso dessa forma na concordância, pois, não parece estar na falta de acesso à escola. Esses resultados podem indicar que a escolarização traz como conseqüência a redução da utilização dessa forma, mas que, quando ela resiste (nesse caso, na escolaridade Média), tem um efeito inibidor grande na concordância entre os outros elementos do sintagma. 3. 2. 9. 3 Efeito da variável coexistência com tudo na concordância dos grupos de sobrenome Com o objetivo de buscar respostas para a diferença entre os dois grupos, na análise que se segue procura-se examinar a variável estudada entre 340 os sobrenomes de escolaridade Fundamental, e faz-se uma comparação com Baxter (2001), que faz análise do efeito dessa variável nos Tongas. A análise referente à variedade de português foi comparada aos resultados do nível Fundamental e não ao do nível de escolaridade Média diante da pouca escolarização a que os Tongas tiveram acesso. A tabela 67 mostra os resultados com a freqüência da concordância em cada um dos fatores referentes aos três grupos. Não se apresentam os pesos relativos devido ao fato de a variável não ter sido selecionada em nenhum dos grupos. As freqüências indicam que, nos grupos de sobrenome Religioso e nos Tongas, existe muita proximidade entre os resultados dos fatores em cada grupo. Dessa forma, pode-se considerar que com o tudo ou sem ele a freqüência de concordância nesses grupos é a mesma, ou quase a mesma. No grupo Não religioso, há uma diferença entre os fatores: apesar de a forma ser pouco freqüente em relação ao grupo Religioso, há menos concordância (53%) em sintagmas com tudo que em sintagmas sem a forma (65%). Tabela 67: Efeito da Coexistência com o TUDO na concordância dos grupos de sobrenome no nível Fundamental e o português dos Tongas. Não religioso Religioso Tongas Freqüência Freqüência Freqüência Com tudo 9/17 53% 27/41 66% 26/47 55% Sem tudo 1272/1952 65% 1383/2183 63% 1809/3266 55% Totais 1281/1969 65% 410/2224 63% 1835/3313 55% Fatores 341 Os resultados parecem indicar que a forma não inibe a concordância em grupos que a utilizam com mais freqüência, mas apenas em grupos em que ela é menos freqüente. Assim como se detectou na observação do grupo de escolaridade Fundamental, já discutido anteriormente, nos Tongas a coexistência com o TUDO não se constitui desfavorecimento (Baxter, 2001). Comparando os dois grupos de sobrenome, nota-se que o grupo de sobrenome não religioso tem a sua taxa de concordância reduzida em elementos do sintagma em coexistência com o tudo, o que, no entanto, não ocorre no grupo de sobrenome religioso. O número de casos desse quantificador, apesar disso, é bem maior no grupo de sobrenome religioso, indicando que a freqüência de uso do tudo está associada ao sobrenome religioso, embora entre esses informantes a forma não iniba a concordância. No grupo de sobrenome não religioso de escolaridade Média, não foi encontrado qualquer caso do tudo estudado, conforme se pode observar na tabela a seguir. Esse dado mais uma vez indica que o tudo está associado muito diretamente ao grupo de sobrenome religioso em Salvador e ao tipo de dados a que os negros tiveram acesso nessa cidade. A análise, cujos resultados são mostrados na tabela 68, indica que no grupo de sobrenome religioso não só a freqüência de concordância é menor que a do grupo geral dessa escolaridade (79% - religioso de escolaridade Média; e 86% - na totalidade da escolaridade Média), como o tudo, nesse grupo, tem um efeito inibidor muito forte (56% de concordância e P. R. .10). 342 Tabela 68: Efeito da Coexistência com o TUDO na concordância dos grupos de sobrenome de escolaridade Média Relação com o tudo Não religioso Freqüência Religioso Sign.=.000 Frequência P. R. Com tudo Não há casos de tudo 9/16 56% .10 Sem tudo 1802/2090 86% 2003/2546 79% .50 TOTAIS 1802/2090 86% 2012/2562 79% Deve-se considerar que o pequeno número de casos de elementos em coexistência com a forma pode ter, de alguma forma, interferido nos resultados da análise. Pode-se, no entanto, interpretá-los da seguinte forma: apesar da atividade institucional da escola, a experiência e o contato acirrado com o padrão, são percebidas as diferenças entre os grupos, o que tem sobrenome religioso, ou ancestralidade negra, sendo alvo ainda da presença do tudo e da sua ausência inerente de concordância; e o grupo com outros sobrenomes, ou não ancestralidade negra, não usando o quantificador sem concordância tudo, ou o fazendo pouco, diante de não ter história dessa forma na sua aquisição de língua. Os resultados fazem levantar a hipótese de que o grupo de sobrenome religioso está mais ligado a uma história de aquisição lingüística com 343 diferentes dados em relação a outros grupos, e que, em alguma fase da sua história de língua, deve ter havido o uso geral do quantificador sem concordância, na forma do tudo. Hoje, obedecendo ao processo normal que governa a variação no sintagma nominal, essa forma ocorre substituindo todos ou todas, principalmente no grupo de sobrenome religioso, mesmo em região urbana, como a cidade do Salvador, com uso comparável ao que se encontra em comunidades como às que esta pesquisa teve acesso, em que houve uma história de contato de línguas e aprendizagem de português como primeira ou como segunda língua com muita diversidade e variação nos dados e sem muita força de controle e padronização. 3. 3 A Concordância Nominal em quatro variedades do português do Brasil. Nesta seção é feito um confronto entre os resultados da análise em Salvador e os resultados das seguintes pesquisas realizadas sobre a concordância no sintagma nominal em outras variedades do português do Brasil: Scherre (198877), Fernandes (1996) e Carvalho (1997). A concordância no sintagma nominal foi estudada por Scherre (1988), que observou a fala não universitária do Rio de Janeiro; por Fernandes (1996), que analisou não universitários da Região Sul; e por Carvalho (1997), a fala universitária e não universitária de João Pessoa. Como Scherre (1988) e Fernandes (1996) só envolveram dados de não universitários, os resultados da presente análise utilizados para confronto 77 Apesar de, na comparação feita nesse capítulo, serem utilizadas as discussões e todo o trabalho produzido em Scherre (1988), os resultados aqui mostrados nesta seção são resultado de atualização, em análises feitas recentemente, em Scherre (1997), (1998), (2001) e em análises feitas com o único fim de serem submetidos ao confronto com os resultados do presente trabalho. A atualização se deu porque, na época da realização da pesquisa foi utilizado um programa computacional que não ponderava os efeitos pelo número de dados, além de terem sido considerados fatores diferentes. Observando-se a ordenação, não as grandezas, os resultados apresentados nesta seção são semelhantes aos de 1988. 344 com esses trabalhos, nesse caso, são os do português popular (POP), não os referentes à amostra geral. Na comparação com Carvalho (1997), são usados resultados da amostra geral (envolvendo universitários e não universitários) da análise de Salvador, diante do fato de a observação feita na Região Sul ter envolvido falantes de três níveis de escolaridade trabalhados: fundamental, médio e superior. A seguir, a comparação entre os resultados do efeito de cada variável na concordância nominal em cada uma das regiões observadas. 3. 3. 1 – Comparação entre o efeito da Saliência Fônica na concordância em Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul. Apesar de haver mais semelhanças que diferenças entre as análises do efeito da Saliência fônica na concordância nominal, realizadas pelos estudos das diversas regiões, uma oposição entre o presente trabalho e os demais é o tratamento dado aos monossílabos de uso átono. Enquanto aqui esses itens são retirados da análise da Saliência Fônica (aspecto tratado na seção 3. 2. 1), em Scherre (1988), em Fernandes (1996) e em Carvalho (1997) esses elementos fazem parte da observação e são analisados conjuntamente com as formas Paroxítonas. Dessa forma, os resultados buscados para a comparação das quatro análises apenas envolvem substantivos, adjetivos e categorias substantivadas, para que os monossílabos de uso átono sejam, automaticamente, descartados. Dessa forma, estando os monossílabos de uso átono excluídos nas quatro análises, torna-se possível a comparação entre os seus resultados. Como o programa utilizado para as análises estatísticas de Scherre (1988) não possuía os mesmos recursos atualmente utilizados para a análise da variação, os cálculos estatísticos desse trabalho foram refeitos, com os recursos dos programas atuais, e para melhor confronto. Os resultados ora 345 apresentados são produto dessa atualização, com o único objetivo de possibilitar o quadro comparativo. Outro aspecto a se observar é que o fator correspondente aos itens terminados em –ão, de plural regular, em Fernandes (1996), foram considerados conjuntamente com os itens de plural regular. Diante disso, não se apresentam os resultados desse fator na Região Sul. Na tabela 69, apresentam-se os resultados da comparação feita entre o efeito da variável Saliência fônica na fala de Salvador, do Rio de Janeiro e da Região Sul. As três variedades se assemelham no que diz respeito ao efeito da Saliência fônica na concordância, de acordo com as referidas pesquisas. Ao comparar os três grupos, chama a atenção, na Região Sul, o peso relativo dos oxítonos (.54), que indica que não há favorecimento nem desfavorecimento do fator na concordância, diferente do resultado desse fator nas duas outras regiões (Salvador, P. R. .81, Rio de Janeiro .76 e Região Sul .54). Os oxítonos têm maior saliência, dada pela tonicidade, que os paroxítonos e proparoxítonos. É em palavras com esse tipo de tonicidade que, realmente, se espera mais concordância, ou pelo fato de a concordância desaparecer primeiro em formas menos salientes (então as palavras oxítonas tenderiam a conservar por mais tempo a concordância) ou, por ter morfologia mais perceptível, ela ser aprendida mais rapidamente. A observação mostra que, em Salvador e no Rio de Janeiro, os oxítonos têm um favorecimento muito forte de concordância, pelo menos no português popular, que é o que está sendo ora levado em conta. 346 Tabela 69: Efeito da variável Saliência Fônica na concordância em Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul POP (Salvador) Rio de Janeiro Região Sul Freqüência P. R. Freqüência P. R. Freqüência P. R. Duplo 31/38 82% .84 62/67 93% .93 25/35 71% .81 -/l/ 72/149 81% .83 79/91 87% .88 57/77 77% .77 -/r/ 161/192 84% .82 231/260 89% .87 85/116 73% .73 ão ir 71/95 75% .76 171/197 87% .84 79/103 74% .74 -/s/ 274/393 70% .69 213/258 83% .81 52/77 68% .58 38/85 45% .46 22/39 56% .52 R ox 200/247 81% .81 114/147 78% R par 1901/3877 .41 2584/5123 -ão r 49% Prop 62/114 54% .75 108/192 56% .54 .42 .46 50% .44 78/150 52% 1263/2487 51% .47 93/152 61% .45 347 Gráfico 56: Efeito da Saliência fônica na concordância em Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul 1 0,9 0,8 0,7 0,6 SSA 0,5 R. J. Sul 0,4 0,3 0,2 0,1 0 D /l/ /r/ ão irr /s/ ão r R ox R par R pro Os três grupos apresentam uma relação semelhante na ordem de favorecimento nos outros fatores. Há, apesar disso, entre as regiões, diferença de grandezas, nos pesos dos fatores considerados referentes a graus altos de saliência: o grupo POP de Salvador e o Rio de Janeiro têm em todos os fatores maior peso relativo de concordância que o grupo representativo da região Sul. Salvador e Rio de Janeiro, através dessa variável, demonstram que se assemelham bastante quanto ao efeito da variável Saliência fônica. A Região Sul, por outro lado, demonstra responder menos fortemente à influência dessa variável, pois a diferença entre o peso relativo dos fatores não é tão grande (pode-se observar, como exemplo disso, a diferença de peso entre os itens de plural regular com tonicidade diferente). 348 A comparação, nessa variável, com o estudo feito em João Pessoa não é feita pelo fato de, no referido trabalho, não se fazer uma análise exclusiva com substantivos, adjetivos e categorias substantivadas. Como em Carvalho (1997) os paroxítonos e monossílabos de uso átono foram tratados conjuntamente, os resultados a que se chegou não são comparáveis com os que são utilizados nesta seção. 3. 3. 2 - Comparação entre o Efeito da Classe, posição linear e relativa na concordância em Salvador, no Rio de Janeiro, em João Pessoa e na Região Sul Os resultados da variável resultante da junção entre classe, posição linear e posição relativa, aqui trabalhada, serão, em seguida, comparados com os resultados dos estudos de Scherre (1988) e Fernandes (1996) e, depois, com Carvalho (1997). A observação da variável classe e posição linear não tem exatamente os mesmos fatores nas quatro regiões: em Salvador, os elementos não nucleares são considerados à esquerda do núcleo ou à direita e os elementos à esquerda não são observados quanto à posição linear e, sim, quanto à adjacência ao núcleo (seção 3. 3. 4 deste trabalho); ou seja, na atual pesquisa observa-se se o elemento coloca-se exatamente adjacente ao núcleo, a exemplo de AS em “AS roupas coloridas” M3U011/R ou se ele está à esquerda do núcleo, mas não adjacente, com qualquer elemento interveniente, como o “AS” em “AS mais leves possìveis” M3U011/R Dessa forma, a adjacência ao núcleo é observada nesses elementos à esquerda, traço não observado nas outras pesquisas, que, além do traço à esquerda, observam apenas a posição linear desses elementos. Dessa forma, 349 a separação que Scherre (1988), Carvalho (1997) ou Fernandes (1996) fazem dos elementos à esquerda do núcleo não é a mesma adotada na pesquisa em Salvador. Apesar disso, no que diz respeito à posição dos elementos à direita do núcleo e dos elementos nucleares, considera-se que as comparações são perfeitamente possíveis. As tabelas a seguir apresentam resultados das análises, de início entre Salvador (grupo POP) e Rio de Janeiro e, depois, com a Região Sul; em seguida, os resultados de Salvador (geral) e os de João Pessoa. Para possibilitar uma comparação entre Salvador e Rio de Janeiro no efeito da variável com a observação da adjacência, Scherre fez uma adaptação a sua análise, em caráter extra oficial da sua linha de interesse, e chegou aos resultados que dão condições de confronto com os dados de Salvador. Assim, apesar de a adjacência não ter sido observada em Scherre (1988), a autora, nessa reanálise, chegou aos resultados apresentados a seguir, conjuntamente com os de Salvador. Gráfico 57: Efeito da Classe e Posição linear e relativa sobre a concordância em Salvador e no Rio de Janeiro 1 0,9 0,8 0,7 0,6 SSA 0,5 R. J. 0,4 0,3 0,2 0,1 0 Esq não adj Esq adj Dir2 Dir3 Dir4 Dir5 N1 N2 N3 N4 350 Tabela 70: Efeito da Classe e Posição na concordância em Salvador e no Rio de Janeiro, considerando a adjacência em elemento à esquerda do núcleo. Fatores Esq não adj Rio de Janeiro78 POP/Salvador 422/440 96% .65 667/747 89% .70 3495/3519 99% .92 113/116 97% .92 Dir2 70/111 63% .16 93/137 68% .27 Dir3 85/232 37% .08 121/339 36% .13 Dir4 11/60 18% .03 22/65 34% .20 Dir5 9/21 43% .09 5/12 42% .29 Núcleo1 123/131 94% .59 161/170 95% .66 Núcleo 2 2146/4022 53% .15 2777/5130 54% .21 Núcleo 3 214/437 49% .10 325/527 62% .24 Núcleo 4 59/103 57% .16 4/7 57% .36 Núcleo 5 100% Esq adj 100% A comparação deixa evidente que o efeito da variável na concordância é muito semelhante nas duas variedades. Os elementos à esquerda do núcleo se distinguem entre si, nos dois grupos, pelo grau de favorecimento da concordância. Os adjacentes ao núcleo têm, nos dois grupos, um 351 favorecimento bem maior que os não adjacentes. Isso indica que a adjacência é um traço que realmente tem efeito evidente na concordância nas duas variedades. Percebe-se, apesar disso, que os elementos não nucleares à direita (Dir2, Dir3, Dir4, Dir5) e os nucleares (N1, N2, N3 e N4, na tabela apresentada) têm pesos relativos sempre menores em Salvador. Os fatores mais e os menos favorecedores dos dois grupos, apesar disso, são os mesmos: o elemento à esquerda adjacente ao núcleo, o elemento à esquerda não adjacente ao núcleo e o elemento nuclear de 1 a posição são, em ordem decrescente, os favorecedores da concordância; os demais a desfavorecem. A análise a seguir faz, como Scherre (1988), a observação da posição linear dos elementos à esquerda, ao invés da adjacência, possibilitando melhor comparação com os dados apresentados em Scherre (1988), Fernandes (1996) e Carvalho (1997). Nos três grupos registra-se que, entre as duas posições à esquerda há uma redução do favorecimento que se inicia da 1a para a 2a posição. A diferença anteriormente percebida quanto a adjacência desaparece com a presente análise. As três variedades demonstram que a concordância tem as mesmas restrições, como ficou evidente na análise anterior. A variedade de Salvador, apesar disso, mostra-se com pesos menores nos fatores correspondentes a elementos não nucleares à direita (Dir2, Dir3, Dir4 e Dir5, na tabela). 78 . Agradeço a professora Maria Marta P. Scherre por ter possibilitado a comparação, refazendo as suas análises. 352 Gráfico 58: Efeito da Classe e posição linear e relativa sobre a concordância em Salvador, Rio de Janeiro e Região Sul 1 0,9 0,8 0,7 0,6 SSA 0,5 R. J. Sul 0,4 0,3 0,2 0,1 0 E1 E2 Dir2 Dir3 Di4 Dir5 N1 N2 N3 N4 O mesmo ocorre com os elementos nucleares (N1, N2, N3 e N4, na tabela). Isso coincide com o apresentado na tabela 70 (e o gráfico correspondente), resultante de análise com a definição diferente de fatores. 353 Tabela 71: Efeito da Classe e Posição na concordância em Salvador, Rio de Janeiro e Região Sul - Considerando a posição linear (não a adjacência) nos elementos à esquerda do núcleo. POP/Salvador79 Região Sul80 Rio de Janeiro À esq1 3645/3673 99% .92 4061/4163 98% .92 .85 À esq2 262/275 95% .72 220/233 94% .82 .72 Dir2 70/111 63% .16 93/137 68% .27 75/103 73% .32 Dir3 87/232 37% .08 121/339 36% .13 Dir4 11/60 18% .03 22/65 34% .20 Dir5 9/21 45% .09 5/12 42% .29 .29 N1 123/131 94% .59 161/170 95% .66 70/146 48% .25 113/120 .67 94% N2 2146/4022 53% .15 2777/5130 54% .21 1320/2554 .23 52% N3 214/437 49% .10 325/527 62% .24 N4 59/103 57% .16 4/7 57% .36 79 140/268 .22 52% Análise especial, com fins de comparação. Nesse caso, foram considerados dois fatores à esquerda da núcleo, em primeira e em segunda ou outra posição. Dessa forma, há possibilidade de comparar os resultados com os das outras pesquisas. 354 Ao observar os resultados das três regiões, nota-se que houve um ganho, na presente pesquisa, em separar elementos à esquerda do núcleo em adjacência a ele, dos não adjacentes. Esse dado trouxe ao estudo da concordância uma contribuição a mais, a indicação de que a adjacência é um importante elemento a ser observado na concordância no sintagma nominal, nas regiões. Os morfemas de plural previstos para os elementos à direita do núcleo e os nucleares, todos morfemas realmente de concordância, late system morphemes, na teoria de Myers-Scotton & Jake, são os que teriam mais probabilidade de sofrer variação e, além disso, os que são aprendidos posteriormente, como aqui já se observou, em situações de aquisição com mais divergência ou insuficiência nos dados. Os dados do POP/SSA, pois, apresentam mais indícios de que eles são resultados de uma situação inicial de aquisição em que foram adquiridos e fixados basicamente early system morphemes e muitos dos late system morphemes, no caso morfemas de plural previstos na concordância, deixam de ser realizados. Em seguida, a comparação com Carvalho (1997), que apresenta os resultados da fala em João Pessoa. Como a pesquisa envolve a fala universitária e a não universitária, utilizam-se os resultados da amostra geral de Salvador, não do POP, para o confronto. Além disso, o estudo neste momento apresentado de Salvador não considera a adjacência e, sim, a posição linear dos elementos à esquerda, já que os resultados disponíveis de João Pessoa apenas observam a posição, assim como Fernandes (1997). 80 Na análise da região Sul, considerou-se a posição linear entre os elementos não nucleares à esquerda do núcleo, chegando aos seguintes pesos relativos: não nuclear à esquerda, primeira posição, P. R. .85; segunda posição, .72. 355 Tabela 72: Efeito da Classe, posição linear e relativa na concordância em Salvador e em João Pessoa - Considerando a posição do elemento à esquerda do núcleo (não a adjacência ao núcleo). Salvador (Geral) Carvalho (1997) Freqüência Frequência À esq 1ª 5576/5609 99% .91 À esq 2ª 410/427 96% .66 0,80 .80 À dir P2 206/259 80% .14 72/102 71% .28 À dir P3 244/407 60% .12 71/199 36% .18 À dir P4 57/109 52% .07 19/47 40% .15 À dir P5 35/52 67% .11 Núcleo P1 284/296 96% .53 192/446 43% .46 Núcleo P2 3918/5933 66% .17 1515/3840 39% .17 Núcleo P3 394/638 62% .12 192/446 43% .14 Núcleo P4 87/135 64% .20 .88 356 Gráfico 59: Efeito da Classe e posição linear e relativa na concordância, não considerando a adjacência 1 0,9 0,8 0,7 0,6 SSA 0,5 J. Pessoa 0,4 0,3 0,2 0,1 0 E1 E2 Dir2 Dir3 Dir4 Dir5 N1 N2 N3 N4 A comparação deixa a certeza de que a posição de elementos não nucleares à esquerda é sempre favorecedora, nas três regiões do país, e que esses elementos, quando à direita do núcleo, tendem a inibir a marca de plural. Não se pode dizer, contudo, embora os dados pareçam revelar a mesma tendência observada em Salvador, que exista diferença entre os elementos que estão à esquerda do núcleo, mas não adjacentes a ele, quanto à probabilidade de serem marcados, e os que estão imediatamente ligados a ele. Mas os resultados aqui alcançados, juntamente com os referentes ao Rio de Janeiro, mostrados nesta seção, dão respaldo suficiente para afirmar que a posição à esquerda adjacente ao núcleo dos elementos não nucleares é a mais favorecedora da concordância. Os resultados de Baxter (2001), ainda, ratificam esses achados. Resta buscar comprovação nos dados da Região Sul e de João Pessoa. 357 3. 3. 3 – Efeito da variável Marcas precedentes sobre a concordância em Salvador, no Rio de Janeiro, na Paraíba e na Região Sul Apesar de a variável Marcas precedentes ter sido trabalhada nesta pesquisa seguindo os mesmos princípios de Scherre (1988), assim como o fizeram Fernandes (1996) e Carvalho (1997), a pesquisa em Salvador não optou pelo tratamento dos numerais como um único contexto antecedente. Um aspecto a ser levantado é que os numerais, em Salvador, foram considerados como contexto antecedente para elementos em segunda posição, como quatro PESSOAS, quer dizer M1C02 e, também, para elementos em terceira ou outra posição, quando os numerais são formados por mais de uma palavra, a exemplo de vinte e um DIAS folgando M1C03 Dessa forma, em Salvador observou-se como se comportam esses elementos de segunda posição, com numerais antecedentes e, separadamente, os de terceira ou outra posição (Ver seção 3.2.5 deste trabalho). Para efeito de confronto, no entanto, aqui apresentam-se resultados de análise em que os numerais são interpretados como um todo, assim como o fizeram Scherre (1988), Fernandes (1996) e Carvalho (1997). Também não se incluíram como objeto de observação, no estudo dessa variável, os sintagmas encaixados em estruturas preposicionais antecedentes, trabalhadas em Scherre (1988). As comparações se processam a seguir, de início entre os resultados do POP/Salvador, os do Rio de Janeiro e os da Região Sul e, posteriormente, entre os resultados gerais de Salvador e os de João Pessoa. 358 Tabela 73: Efeito da variável Marcas Precedentes sobre a concordância de elementos em segunda posição – Comparação entre resultados do POP/Salvador, do Rio de Janeiro e da Região Sul Contextos precedentes Marca Ausência Numeral Rio de Janeiro81 Salvador Região Sul Freqüência P. R. Freqüência P. R. Freqüência P. R. 1925/3435 .49 2200/3968 .49 1020/1970 .46 56% 55% 52% 34/34 100% 106/106 100% 55/55 100% 589/1049 56% .57 885/1527 58% .57 214/377 57% Gráfico 60: Efeito das Marcas precedentes sobre a concordância em Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 Marca 81 Dados dos adultos de Scherre (2001) SSA R. J. Sul Numeral .56 359 Os resultados deixam claro que existe o mesmo efeito do contexto antecedente com marca ou com numeral na concordância em cada uma das regiões: há mais probabilidade de ocorrerem marcas de plural em elementos com antecedente numeral do que com elemento marcado com o morfema de plural como antecedente (o numeral é mais favorecedor que a marca, o que foi interpretado neste trabalho – assim como em Scherre (1988) – como efeito da saliência semântica. Ver seção 3. 2. 5). Dessa forma, aproximando o tipo de análise, como se fez aqui, os resultados quanto a marcas precedentes aos elementos em 2a posição são similares nas três pesquisas. Em seguida, faz-se o mesmo confronto, com os itens em 3a, 4a ou 5a posições. Nos três grupos, o efeito é muito semelhante: mais de uma marca é um fator levemente favorecedor, mais no Rio de Janeiro do que em Salvador e na Região Sul; mistura de marcas com marca antecedente como elemento neutro, nem favorecedor nem, tampouco, desfavorecedor; e mistura com zero antecedente como o fator mais desfavorecedor. 360 Tabela 74: Efeito da variável Marcas Precedentes sobre a concordância de elementos em 3a, 4a ou 5a posições em Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul Contextos Rio de Janeiro82 Salvador precedentes Freqüência Duas marcas 208/372 P. R. Freqüência P. R. Freqüência P. R. .62 56% Mistura c/ 120/276 marca 43% Mistura c/ zero 5/120 4% Região Sul 257/365 .66 70% .54 208/386 13/200 6% .61 69% .47 54% .07 142/207 61/137 .47 46% .06 9/76 12% .10 As duas tabelas a seguir, as de números 75 e 76, buscam estabelecer um confronto entre o efeito da variável em Salvador (na análise geral, incluindo os universitários) e João Pessoa. Entre os resultados dos dois estudos, há muita semelhança: contextos com numerais antecedentes favorecem mais a concordância que os contextos antecedentes com marca formal de plural. Como no estudo de João Pessoa faz-se a distinção entre numerais terminados e não terminados em –/s/, a comparação não pode ser feita com a segurança. Mas pode-se considerar que nas duas regiões o efeito do numeral tende a se igualar. No estudo em Salvador, apesar disso, a oposição entre os fatores relativos à 361 terminação do numeral não se mostra significativa, por isso essa observação é descartada no estudo dos numerais (Ver seção 3. 2. 5). Com a semelhança das análises, fica evidente o que Scherre (1988) observou: contexto antecedente com marcas leva a mais marcas subseqüentes; e, o contrário, contextos com Zero imediatamente antecedente produzem uma inibição da regra, em todas as regiões. Scherre (1988) observa que é o efeito do paralelismo sintático, conseqüência talvez de um mecanismo mental que faz o ser humano ser levado a repetir estruturas, como levado à imitação do contexto. Tabela 75: Efeito da variável Marcas precedentes na concordância dos elementos de segunda posição em Salvador e em João Pessoa. Marcas precedentes Marca João Pessoa83 Salvador Freqüência 3780/5421 70% P.R .49 Ausência de marca 43/43 100% Numeral 82 815/1301 63% Freqüência 1421/3279 43% P.R .48 63/63 100% .55 em -/s/: 170/417 41% .51 sem -/s/: 187/456 41% .62 Dados dos adultos de Scherre (2001) O estudo de João Pessoa inclui o contexto antecedente com sintagma preposicionado, assim como o do Rio de Janeiro, contexto não incluído no presente estudo, cujos dados foram desprezados. 83 362 Gráfico 61: Efeito das marcas sobre a concordância em elementos em 2a posição em Salvador e em João Pessoa 1 0,9 0,8 0,7 0,6 SSA 0,5 J. Pessoa 0,4 0,3 0,2 0,1 0 Marca Numeral N sem -s Em seguida, faz-se a observação do efeito dessa variável entre os itens em 3a, 4a ou outra posição. A tabela 76 evidencia que o efeito da variável é semelhante nas duas regiões, confirmando a tendência de haver mais concordância em situação com mais marcas antecedentes e menos concordância em contextos com mais zeros. Apesar disso, esse favorecimento de marcas em contexto com mais marcas não se apresenta, em Salvador, com a mesma clareza (em Salvador o favorecimento é menor) que em João Pessoa e no Rio de Janeiro, como foi observado em tabela anterior. 363 Tabela 76: Efeito da variável Marcas precedentes na concordância dos elementos de 3a, 4a ou 5a posições em Salvador e em João Pessoa. Marcas João Pessoa84 Salvador precedentes Freqüência P.R Freqüência P.R duas marcas 502/693 72% .59 176/284 62% .67 Mistura c/ marca 239/407 59% .53 94/246 38% .51 10/131 8% .06 17/158 11% .22 Mistura c/ zero Gráfico 62: Efeito das marcas precedentes sobre a concordância em itens em 3a, 4a ou 5a posições em Salvador e em João Pessoa 1 0,9 0,8 0,7 0,6 SSA 0,5 J. Pessoa 0,4 0,3 0,2 0,1 0 Duas marcas 84 Mist c/ marca Mist c/ zero O estudo de João Pessoa inclui o contexto antecedente com sintagma preposicionado, assim como o do Rio de Janeiro, contexto não incluído no presente estudo, cujos dados foram desprezados. 364 3. 3. 4 – Efeito da variável Contexto fonológico subseqüente sobre a concordância em Salvador, no Rio de Janeiro, na Paraíba e na Região Sul A variável Contexto fonológico subseqüente é utilizada no presente confronto levando em conta apenas os itens de plural regular, pois, neste trabalho, ao estudar o efeito do Contexto subseqüente, em análises apenas com os itens em -/s/, essa variável não foi selecionada. Dessa forma, serão considerados das pesquisas ora utilizadas para confronto apenas os resultados referentes aos itens de plural regular. Ao estudar o Contexto subseqüente, Fernandes, na análise da Região Sul, não faz, como se fez no presente trabalho (Ver seção 3. 2. 6), a oposição entre o contexto de pausa interna e de pausa final. Entre a presente pesquisa e as outras pesquisas, também há diferenças quanto à observação do traço sonoridade da consoante, considerado em Salvador e no Rio de Janeiro, mas não nas demais análises. A seguir os resultados, apresentados nas duas tabelas a seguir. Apesar de as análises serem diferentes, observa-se que os resultados são muito semelhantes, apresentando uma única diferença: o fator referente à pausa interna, apenas no Rio de Janeiro, mostra-se como favorecedor, com um peso muito próximo do peso de pausa final. Mas os resultados referentes aos outros fatores refletem o mesmo efeito, nas diversas regiões: a vogal sonora é o contexto subseqüente desfavorecedor da concordância; a consoante surda, a vogal e a pausa interna (com exceção do Rio de Janeiro) são contextos em neutralidade, não favorecem nem desfavorecem; a pausa final é contexto favorecedor da concordância. 365 Tabela 77: Efeito da variável Contexto fonológico subseqüente em Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul Contextos Salvador R. de Janeiro Freqüência C Surda 2198/2596 Freqüência .53 85% C Sonora 1888/2489 4434/5976 Região Sul85 Freqüência .48 77% 2474/3346 .44 676/985 69% .42 74% .52 1569/2185 830/1142 .48 76% Vogal P interna 1098/1439 76% 72% 686/1405 49% .51 1006/1692 .51 .51 72% .59 61% 525/887 P final 85 188/329 57% .61 104/175 59% .57 .56 59% Em Fernandes (1996) não se fez a observação da sonoridade da consoante subseqüente e não se fez a separação entre Pausa interna e Pausa final. 366 Gráfico 63: Efeito do Contexto subseqüente na concordância em Salvador, no Rio de Janeiro e na Região Sul 1 0,9 0,8 0,7 0,6 SSA 0,5 R. J. Sul 0,4 0,3 0,2 0,1 0 C Surda C Sonora Vogal P interna P final A seguir, faz-se o confronto entre o efeito da variável em Salvador e em João Pessoa. A análise de João Pessoa, que envolveu, conjuntamente, todos os dados disponíveis, não indica favorecimento do contexto posterior final, única considerada, em todas as outras regiões, como favorecedora da concordância. Essa variável não parece contribuir para o entendimento da variação, pois, em João Pessoa. 367 Tabela 78: Efeito do Contexto subseqüente na concordância em Salvador e em João Pessoa Salvador João Pessoa Consoante surda 3738/4218 89% .52 Consoante sonora 3247/3952 82% .43 3947/5375 73% .49 Vogal 2219/2670 83% .52 829/1187 70% .52 Pausa interna 1604/2443 66% .52 406/978 42% .54 Pausa final 418/580 72% .62 425/970 44% .50 Nenhum dos fatores se mostra, na fala de João Pessoa, realmente favorecedor da concordância, diferente da análise de todos os dados da fala de Salvador, em que existe uma oposição mais forte entre contexto posterior de final de sentença, fator favorecedor, consoante surda, vogal e pausa interna, como indiferentes à realização da concordância e consoante sonora como contexto posterior desfavorecedor da presença de marca de plural. 368 Gráfico 64: Efeito do Contexto subseqüente sobre a concordância em Salvador e em João Pessoa 1 0,9 0,8 0,7 0,6 SSA 0,5 J. Pessoa 0,4 0,3 0,2 0,1 0 C surda C sonora Vogal P interna P final 3. 3. 5 Conclusões O confronto feito nessa seção constitui-se evidência de que as variáveis estudadas têm efeito semelhante nas diversas variedades observadas do português: 1) São mais alvo de concordância elementos com mais material fônico na oposição singular/plural; 2) Elementos à esquerda do núcleo recebem mais marca de plural que elementos nucleares; 3) Elementos à direita do núcleo têm menos probabilidade de receberem marca de plural; 369 4) Contextos antecedentes com numeral promovem mais concordância subseqüente em segunda posição que contextos com marca formal antecedente; 5) Elementos em 3a, 4a ou 5a posição tendem a fazerem mais concordância quando são antecedidos por mais de uma marca do que quando antecedidos por zero. 6) Elementos são mais alvo de plural quando finalizam a sentença; 7) Elementos com contexto subseqüente com vogal sonora têm mais probabilidade de não fazerem concordância que contexto com vogal surda. Por outro lado, notam-se alguns aspectos, referentes ao confronto feito, que merecem discussão. Em Salvador, a concordância dos elementos à direita do núcleo (Dir2, Dir2, Dir3, Dir4 e Dir5, na tabela) e os elementos nucleares em 2a, 3a, e 4a posições (N2, N3, N4) têm um peso sempre menor que os pesos referentes aos outros grupos. Esses são elementos em que, como se discute na seção 3. 2. 5, o morfema de plural é um late system morpheme, situação em que ele apenas cumpre intenções gramaticais. Em situação de aquisição com muita variação ou insuficiência de dados, são os morfemas desse tipo os que não são fixados ou o são posteriormente. Esses resultados estão em acordo com o contexto existente em Salvador, discutido na seção 1. 6 deste trabalho. A comparação feita nesta seção mostra que a variação da concordância no sintagma nominal, nas diversas regiões, está relacionada a contextos lingüísticos estruturais. Apesar disso, em cada uma das regiões, podem ser buscadas outras informações que sirvam de mais dados para o entendimento do processo da variação da concordância no sintagma 370 nominal. É o que essa pesquisa faz, indo além da busca da relação entre a variação da concordância e a estrutura lingüística. 371 4. CONCLUSÕES FINAIS Num mar de debates sobre a razão da existência da variação da concordância no sintagma nominal no português do Brasil, esta pesquisa procurou buscar meios de dar a sua contribuição. Entre as duas posições básicas assumidas pelos lingüistas, este trabalho iniciou-se na procura apenas de dados que pudessem ajudar a esclarecer a tão conturbada polêmica, envolvendo a concordância, entre a deriva lingüística e a crioulização. E o que se fez foi, principalmente, deixar que as evidências dissessem qualquer coisa, sem posicionamentos iniciais. A cidade do Salvador, ponto de recolha do material lingüístico trabalhado, tem uma singularidade quanto à sua formação étnica: é uma cidade cuja população em maioria é negra, e foi palco, durante a época de colonização, de um enlace de culturas: foi sede do primeiro governo geral, no estado da Bahia aportaram os primeiros portugueses, nessa cidade habitaram grandes figuras da corte portuguesa e ela foi centro de grande concentração escrava urbana, e era de onde eles eram distribuídos para outras regiões, chegados através do porto de Salvador. Como as levas de escravos eram sucessivas durante muito tempo, sempre nela eram encontrados negros africanos aportados recentemente da África com suas diferentes línguas de origem. Dessa forma, tomou-se como hipótese a possibilidade de que, em Salvador, tivesse havido por parte dos africanos um tipo de aquisição de língua com muita variação e que, mesmo sendo um contexto urbano, se pudesse, ainda hoje, identificar marcas dessa aquisição do português nos descendentes da população escrava. Não se buscou pesquisar a existência de uma língua crioula, pois os dados de um centro 372 urbano – com muitas confluências – não constituem objetos de observação para se fazer uma avaliação desse tipo. Os estudos de Scherre e Naro & Scherre já comprovam que a variação da concordância no sintagma nominal do português não é um fenômeno idiossincrático ao português do Brasil, nem ao português dos escravos. Mas esses mesmos pesquisadores reconhecem que, no Brasil, o contexto de mistura de línguas e culturas possibilitou uma aceleração de um processo de variação que já era previsto na língua. A variação da concordância no sintagma nominal foi, talvez, um aspecto central nessa aceleração. Esta pesquisa, observando variáveis lingüísticas e sociais, e identificando, dentre os sessenta e seis informantes da amostra da sincronia atual, grupos lingüísticos com características específicas, consegue estabelecer um quadro da variação do fenômeno estudado em Salvador, como o que se apresenta a seguir. A variação da concordância no sintagma nominal relaciona-se a, principalmente, quatro grupos de fatores lingüísticos ou estruturais: 1) a saliência fônica, 2) o contexto antecedente, 3) a classe, associada à posição linear e relativa e 4) o contexto subseqüente ao elemento do sintagma. A análise que aqui se faz deixa claro que a quantidade de material fônico na oposição entre a forma de singular e a de plural interferem na existência de concordância: as oposições mais salientes contribuem para mais concordância. Esse fato é observado na perda e na aquisição da 373 concordância, uma vez que deixam de ser marcados com o plural (na perda) primeiramente os menos salientes, como os que fazem o plural apenas com a inserção do -/s/ (plural regular). Assim também são adquiridos primeiramente os morfemas de plural mais salientes, como nos itens de plurais duplos, ou metafônicos, as oxítonas, dentre outras, diante da facilidade que eles proporcionam ao aprendiz, quanto à possibilidade de percepção da forma. A presença de determinados contextos antecedentes a elementos do sintagma nominal também interfere na concordância em itens subseqüentes. Assim, na segunda posição, é mais provável haver marca de concordância quando não há marca em itens de primeira posição, ou quando há numerais, do que quando há itens já marcados. Outro dado também interessante é que, diferentemente do que se poderia imaginar, zero antecedente a elementos de terceira, quarta ou quinta posição provoca mais ausência de marca nesses elementos. E marca de plural, em elementos que estão nessas mesmas posições, leva a mais presença de marca. Ao se analisarem conjuntamente classe, posição linear e posição relativa, observa-se que existe uma propensão a serem mais alvo de marcação de plural os elementos em adjacência ao núcleo à esquerda dele; em segundo lugar, os elementos não adjacentes também à esquerda do núcleo têm grande probabilidade de serem marcados; posteriormente são mais marcados os elementos nucleares em primeira posição. Em posição de grande desfavorecimento estão os elementos à direita do núcleo e os elementos nucleares em segunda, terceira ou quarta posição. Os resultados dessa variável estão em consonância com a interpretação que aqui se fez da teoria dos 4-M, de Myers-Scotton & Jake (2000), pois são mais marcados os elementos adjacentes à esquerda do núcleo, considerados early system morphemes e menos marcados os late system morphemes. Os elementos 374 nucleares em primeira posição são também mais marcados pois, na ausência dos pré-nucleares, a informação de pluralidade vem expressa nos nomes. Essa pesquisa conseguiu, assim, estabelecer empiricamente, com os dados ora trabalhados, essa distinção entre early system e late system morphemes, que só teoricamente foi apresentada por Myers-Scotton & Jake (2000). Os elementos do sintagma que têm um contexto posterior de final de enunciação têm mais probabilidade de serem marcados com o plural do que quando são seguidos por consoante, vogal ou uma pausa interna, sendo o contexto de consoante sonora o mais desfavorecedor da concordância no sintagma. A análise das variáveis e os resultados alcançados não deixam dúvidas de que a variação da concordância no sintagma nominal é um fenômeno regido por regras estruturais da língua. Ao mesmo tempo, a pesquisa feita consegue detectar grupos que dão mostras de fazerem variar diferentemente a concordância. A seguir, serão feitas algumas considerações a respeito desses aspectos: 1) A escolaridade é um grupo de fatores importante para o estudo da variação da concordância no SN, mas não é a única variável social que interfere na concordância. Em todas as análises, essa é uma variável que tem uma implicação muito grande sobre o entendimento da variação. Mas, analisando apenas falantes do mesmo nível de escolaridade, como os do nível primário, foram encontradas tendências diferentes entre grupos de sobrenomes e faixas etárias diferentes, conforme se faz referência mais adiante. 375 2) Os grupos de escolaridade primária e de escolaridade colegial, juntos, formam um grupo diferente do grupo de escolaridade superior. A análise das variáveis sociais revela que, apesar de nos dois grupos, aqui denominados POP e UNI, perceber-se o efeito das variáveis estudadas, esse efeito é, em alguns aspectos, menor no grupo dos universitários. Nesse último grupo, a saliência fônica e, por exemplo, a presença de numerais em posição anterior, não interferem com a mesma intensidade na concordância como ocorre no POP. Além dessas variáveis, no grupo UNI não se detectou o uso do tudo, objeto de observação nos grupos não universitários, um dos aspectos que faz mais a diferenciação entre os dois maiores blocos nos dados estudados. 3) No grupo do português popular, apesar de a variação da concordância ser regida pelas mesmas variáveis que no universitário, é mais evidente o efeito das variáveis sobre o fenômeno no grupo de maior faixa etária, como se os falantes, por serem mais velhos, estivessem revelando mais proximidade, talvez, de um tipo de contato com uma linguagem com mais variação, a que seus antepassados foram expostos, situação em que os dados mais salientes foram os primeiramente registrados. 4) Apesar de se formular a hipótese de existência de competição de gramáticas, na variação da concordância, esse fato não se confirma com a análise dos dados lingüísticos. Embora haja ampla diferença na freqüência da concordância, nos diversos grupos, as restrições à utilização do morfema de plural, em todos os grupos, é basicamente a mesma. 376 5) A observação através das faixas etárias mostra que os mais velhos tendem a utilizar mais marcas de concordância que os mais novos, como se a concordância tendesse à redução. A diferença entre a última faixa e as duas seguintes mostra redução constante da concordância, voltando a se elevar um pouco na primeira, diante da relação com a escola. 6) Nos grupos de escolaridade primária e superior, a faixa etária mais velha realiza mais concordância que as faixas mais novas, sugerindo perda da regra de concordância. No grupo de escolaridade de segundo grau a observação entre as faixas etárias sugere aquisição da regra, com os mais novos realizando mais concordância que os mais velhos. A tendência de perda que se percebia, pois, na análise geral, desaparece quando se analisam grupos diferentes de escolaridade. A concordância, pois, está envolvida em várias correntes que se cruzam no universo lingüístico que caracteriza um quadro de cidade grande, em que se misturam perdas e aquisições dos diversos tipos, histórias, tendências e objetivos diferentes, como no quadro referido por Naro (1981) e Naro & Scherre (1991). 7) O gênero feminino, na análise geral, aproxima-se mais do padrão, no que diz respeito à concordância. Observando-se, contudo, os três níveis de escolaridade, nota-se que isso ocorre apenas no nível colegial. No primário, por outro lado, as mulheres variam mais que os homens, na aplicação da concordância e, no nível superior, único grupo de escolaridade em que a variável não é selecionada, os dois gêneros fazem igualmente a concordância. 377 8) A variável etnia mostra que, independente da escolaridade, o grupo de sobrenome religioso, ou ancestralidade negra, faz menos concordância que o grupo de sobrenome não religioso. A variável etnia, pois, a partir do critério observado nessa pesquisa, mostra-se com um efeito bastante interessante. 9) A análise das faixas etárias no grupo de sobrenome religioso revela aumento de concordância nas faixas etárias mais novas, numa tendência que sugere aquisição da regra. Como o grupo de sobrenome religioso é considerado como de ancestralidade negra, é perfeitamente compreensível o fato de esse grupo estar adquirindo a concordância. O conhecimento das características da sociedade de Salvador, nos séculos de escravidão e logo após a abolição, conforme exposição apresentada no capítulo 1, leva à conclusão de que os descendentes de muitos dos negros escravos, em Salvador podem refletir um português com mais diversidade que o restante da população. Muitos dos seus antepassados não tiveram o português como L1, eram possuidores de variedades diversas do português, muitas vezes adquiridas a partir de dados primários apresentados por falantes que também não tinham o português como L1. A partir do momento em que o processo de escolarização, os meios de comunicação e o próprio contato com outros grupos iniciaram a ampliação da linguagem dessa população em direção ao padrão de uso em Salvador, a regra de concordância passou a ser, pouco a pouco, assumida. Dessa forma, apesar de o grupo de sobrenome religioso fazer menos concordância, ele demonstra aquisição da concordância e aproximação, pouco a pouco, da linguagem comum usada pelas pessoas em geral. 378 10) O grupo de sobrenome não religioso, por outro lado, evidencia uma redução da concordância: os mais novos fazem menos concordância que os falantes de mais idade. 11) De todos os grupos, a saliência fônica tem um maior efeito mais evidente na concordância do grupo de sobrenome religioso. Se esse é um grupo que teve, na sua história de ancestralidade escrava, a aquisição do português a partir de contatos diversos com grande variação nos dados primários, seria lógico que essa variável refletisse esse processo. São os itens mais salientes que, inicialmente, são alvo da concordância e os menos salientes, alvo da variação. 12) Análises diferentes sobre a concordância no Brasil (Scherre, 1988; Fernandes, 1996; e Carvalho (1997) estão em acordo quanto às variáveis que mais se relacionam com a variação do fenômeno. Isso mostra que a variação da concordância, em Salvador, não se distancia do que ocorre na língua portuguesa, como um todo. 13) Apesar de serem constatadas as mesmas restrições lingüísticas relacionadas com a concordância no sintagma nominal nas quatro regiões, constata-se que, nos dados de Salvador, os elementos em que há menos probabilidade de marcas (os que estão à direita do núcleo e os que são nucleares em 2a, 3a, ou 4a posições) são aqueles que, neste trabalho, são considerados como mais dificilmente adquiridos por serem late system morphemes. Dentre todas as regiões, é nos dados de Salvador que esses elementos têm menos probabilidade de marca, indicando que é possível que, nessa região, tenha havido mais 379 variação nos dados que foram utilizados como dados primários para a aquisição do português. 14) Na variável Marcas Precedentes, chama a atenção o efeito altamente favorecedor dos numerais na concordância do grupo de sobrenome religioso. Ao estudar o efeito das Marcas precedentes com todos os grupos, os numerais em posição antecedente sempre favorecem mais que em situação com uma marca formal de plural antecedente. Isso tem explicação no fato de os numerais terem mais saliência semântica, com informação de quantidade, do que um morfema –s de plural. Com o grupo de sobrenome religioso o efeito desse fator sobre a concordância é mais forte, como se esse dado, juntando-se à Saliência fônica, fosse mais uma indicação de que os mais salientes são registrados, não só saliência fônica no elemento alvo da marca, mas saliência semântica no elemento “ordenador”, digamos assim, da necessidade de se fazer a concordância. 15) Outro aspecto é que o contexto de mais de uma marca precedente, no grupo de sobrenome religioso, não é fator de favorecimento, constituindo-se num diferencial em relação ao grupo de sobrenome não-religioso. Se o que ocorre nos outros grupos é evidência de que existe um processamento mental que conduz à realização de estruturas semelhantes, é necessário que se observe, em pesquisas futuras, se no grupo de sobrenome religioso outros tipos de paralelismos ocorrem ou o porquê dessa particularidade do grupo de ancestralidade negra. 16) No grupo de sobrenome religioso, são mais baixos que no grupo de sobrenome não religioso os pesos relativos dos fatores 380 relacionados aos morfemas funcionais que são inseridos posteriormente, os late system morphemes. Isso também mostra uma relação com aquisição do português em ambiente lingüístico com muita variação e diversidade nos dados, pois nessa situação ficam mantidos como morfemas funcionais, principalmente, os early system morphemes. 17) O quantificador tudo, no lugar de todos, todas, sem concordância, foi encontrado apenas no português popular, e a sua presença no sintagma demonstrou, na análise geral, inibir a concordância de outros elementos coexistentes. O tudo no valor de todos, todas, no sintagma, é encontrado em dialetos resultantes de processo de aquisição crioulizante, a exemplo dos Tongas. Apesar de haver, no corpus, um número pequeno de dados desse tipo, é no grupo de sobrenome religioso que ele aparece em maior quantidade. 18) A variável coexistência do tudo no sintagma não é selecionada no grupo de escolaridade fundamental com sobrenome religioso, apesar de grande quantidade da forma estar concentrada nesse grupo, demonstrando que, nesse grupo, a coexistência do tudo, com sua inerente falta de concordância, não inibe a concordância. 19) O tudo inibe fortemente a concordância no grupo de escolaridade média com sobrenome religioso, apesar de serem poucos os dados com a referida forma. No grupo de escolaridade média com sobrenome não religioso não há qualquer dado com o tudo. Isso mais uma vez indica que a 381 forma associa-se ao grupo de sobrenome religioso, representativo, nesse trabalho, da ancestralidade negra. Pelo exposto nesta pesquisa, a variação da concordância no sintagma nominal, no português brasileiro, utilizando os resultados dos diversos estudos realizados nas diversas regiões aqui referidas, revela ser efeito de restrições da estrutura lingüística, conforme apresentado por Scherre (1988). Em todas as regiões, associada a essas restrições lingüísticas, a variável social relacionada a nível de escolaridade é, conforme se previa, um grupo de fatores de forte efeito na concordância: quanto mais escolaridade, mais concordância, demonstrando que o trabalho instutucional e sistêmático da escola, que busca a manutenção do padrão, ainda funciona. Como em Salvador a formação da população constituiu-se de um confronto de grupos com história de diferentes tipos de aquisição do português, com mais e menos variação, a variação da concordância nesta cidade apresentou reflexos desse tipo de aquisição. Apesar de serem detectadas diferenças com relação às restrições na variação da concordância no sintagma nominal, entre os diversos grupos não foram constatadas evidências de que as gramáticas são diferentes. Ao separar pessoas de diferentes etnias, nota-se, contudo, que enquanto os descendentes dos escravos cada vez demonstram fazer mais concordância, em um processo de aquisição da regra, os não descendentes dos escravos, em processo inverso, tendem a fazer menos concordância. O presente trabalho, ao estudar a variação da concordância no sintagma nominal considerando, entre outras, a variável etnia, indica que, mesmo nas regiões urbanas, podem se encontrar condições de chegar-se à 382 compreensão da contribuição da diversidade étnica nas pecularidades lingüísticas do português do Brasil. 383 5. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Guido de. Resgatando a contribuição da sociolingüística laboviana. D. E. L. T. A., Vol. 5, N. 1, 1989, (71-99). AMARAL, Amadeu. O dialeto caipira: gramática – vocabulário. 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Essas são as mesmas variáveis lingüísticas que se mostram mais associadas ao fenômeno em outras regiões do País, evidenciando que as restrições existentes no processo da variação da concordância no sintagma nominal no português, como um todo, são as mesmas. Analisando os diversos grupos sociais que compõem a amostra, observa-se que três variáveis sociais têm mais relação com a variação da concordância: 1) a escolaridade, 2) a faixa etária e 3) a etnia, neste trabalho observada através dos sobrenomes dos informantes. Os resultados indicam que 1) a presença de concordância é proporcional ao tempo de relação com a atividade escolar; 2) os mais jovens do grupo de sobrenome religioso, grupo considerado de ancestralidade escrava, fazem mais concordância que os mais velhos, indicando tendência de aumento da realização de concordância; 3) os mais novos do grupo de sobrenome não religioso, 406 grupo considerado de ancestralidade não escrava, tendem a realizar menos concordância que os mais velhos, indicando uma tendência de redução ou enfraquecimento da concordância. A diferença entre os resultados dos grupos de ancestralidade escrava e não escrava constitui evidência de que o português utilizado por descendentes da etnia negra, no Brasil, na sua fase inicial, foi caracterizado por pouca concordância, resultado de exposição a dados lingüísticos primários mais variados e divergentes, condizente com o contexto social em que os negros estiveram envolvidos. Enquanto essa população, aos poucos, aproxima-se do padrão, por situação diversa passam as pessoas que não tiveram essa mesma história: cada vez mais reduzem a concordância dentro do sintagma nominal, ampliando o quadro da variação. O estudo realizado revela, pois, que há forças diferentes em concorrência no universo lingüístico de Salvador, situação que se relaciona com o processo histórico em que essa cidade se envolveu na fase da constituição do seu povo e de sua língua. 407 ABSTRACT This work undertakes an analysis of variation in number agreement in the noun phrase of Portuguese, using a data-base of speech from Salvador, Bahia. The research adopts the perspective of the Variationist Sociolinguistics method and theory of William Labov, which considers variation to be inherent to the linguistic system, and sees the task of the sociolinguist as that of identifying the social variables related to the variable phenomenon under observation. In order to understand the process of variation, other complementary theories are also used in an auxiliary manner. Four linguistic variables are identified as being closely associated with variation in agreement in the noun phrase: 1) phonic salience, 2) grammatical class, and associated linear and relative position, 3) the presence of plural markers on preceding items in the noun phrase, and 4) the following phonic context. These are the same linguistic variables which have proven to be most significantly associated with the phenomenon in other regions of the country, demonstrating that, on the whole, the restrictions existing in relation to agreement variation in the noun phrase in Portuguese are the same. Analysing all the social groups in the sample, three particular social variables are observed to be more associated with agreement variation: 1) time in school, 2) age and 3) ethnicity, studied here by means of surnames. The results show that 1) the presence of agreement is proportional to the amount of time spent at school; 2) the youngest members of the religious surnames group, a group considered to have slave ancestors, display more agreement than the oldest members of this same group, showing a tendency 408 towards an increase in application of the agreement rule; 3) the youngest members of the non-religious surnames group, a group considered to not be of slave ancenstry, show an inclination to display less agreement than the oldest members of this same group, indicating tendency towards reduction or weakening of the agreement rule. The difference between the results for the groups with slave ancestry and those without slave ancestry constitutes evidence that the Portuguese language used by the descendents of slaves, in early phases of Brazil, chacteristically displayed little agreement, a result of exposure to variable and divergent primary linguistic data, a consequence of the social context of the negro. While, this population is gradually approaching the target language, the population which did not have this type of history is undergoing a different process, and is reducing agreement in the noun phrase, adding to the overall picture of variation. The study carried out thus reveals that there are different concurrent forces in the linguistic universe of Salvador, a situation which is linked to the historical process in which this city was involved during the constitution of its populace and its language.