AS FOTOGRAFIAS DE OSWALDO LEITE E A TRANSFORMAÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM LONDRINA – PR NA DÉCADA DE 1950. Fernanda Cequalini Frozoni (Mestranda em História SocialUniversidade Estadual de Londrina) Resumo: Esta comunicação é um recorte de uma das questões abordadas na pesquisa que vem sendo desenvolvida para a formulação de dissertação de mestrado em História Social na Universidade Estadual de Londrina. Nesta apresentação pretende-se apresentar a atividade de fotógrafo desenvolvida por Oswaldo Leite na cidade de Londrina (PR), enquanto trabalhava para a Prefeitura Municipal, durante a década de 1950. Através de suas fotografias, é possível perceber a ideia de progresso e transformação urbanas muito presentes neste período, devido ao rápido crescimento da urbe, motivado, sobretudo, pelo cultivo cafeeiro que se encontrava em seu auge nessa região. E junto a este crescimento, passaram a ser concretizadas diversas obras pela cidade, sobretudo na região central, como: construção de casas de alvenaria e prédios; asfaltamento e pavimentação de ruas; obras de saneamento. Sendo assim, objetiva-se, discutir nesse simpósio como essa transformação foi captada por Oswaldo Leite em suas fotografias. Pretende-se abordar igualmente a aproximação entre as imagens por ele retradas e aquelas produzidas em seu tempo, vindas desde o século XIX. Portanto, mostrar-se-á como este padrão de visualidade pode ter contribuído para a produção de suas imagens, levando-o a retratar as mudanças londrinenses, da maneira como o fez. Palavras-chave: Fotografia; Londrina; Transformação do espaço urbano; Anos 1950. Financiamento: CAPES. 732 Para iniciar este artigo é preciso, primeiramente, apresentar quem foi Oswaldo Leite. Não existem trabalhos específicos sobre ele, e suas fotografias começaram a ser trabalhadas há pouco tempo, sendo mais utilizadas em pesquisas acadêmicas1. As únicas fontes disponíveis sobre quem foi Oswaldo Leite são a memória de seu filho Otacílio Leite; os documentos de registro do seu trabalho na Prefeitura Municipal; e suas próprias fotografias, que se encontram arquivadas no Museu Histórico Padre Carlos Weiss, em Londrina. Sobre este acervo, ele conta com mais ou menos 20 mil imagens já digitalizadas. E a temática das mesmas é, em boa parte, sobre obras feitas pela cidade entre os anos de 1950 a 1990, quando Leite foi funcionário da Prefeitura Municipal londrinense. Tal acervo é fruto de uma doação do senhor Otacílio Leite, e da Prefeitura Municipal. As fotografias digitalizadas são todas oriundas da Prefeitura Municipal; já as doadas por Otacílio Leite ainda não foram digitalizadas, sendo que existem também algumas imagens em sua posse, que não foram repassadas ao Museu até o momento2. As mesmas têm seus negativos sempre em preto e branco, com formato 5.5x5.5 e 5.5x8.0; e no verso de algumas delas constam detalhes dados pelo próprio autor acerca das fotos, como por exemplo, o tema e a data em que foram feitas3. Ainda é preciso ressaltar que recentemente suas imagens vêm sendo empregadas em exposições locais, como a localizada no Terminal Rodoviário, em um painel com diversas fotos que fica ao lado das esteiras rolantes, implantadas em 20094. Este é uma espécie de acolhida aos passageiros que chegam a Londrina pela Rodoviária, e nele podem ser vistas fotografias de diversos autores, de diferentes períodos: desde a fundação da cidade na década de 1930, até mais 1 Exemplos destas pesquisas são: FROZONI, Fernanda C. Bosque Marechal Cândido Rondon (1950-1970): Referência e Patrimônio londrinense? Londrina, 2010. 93f. Monografia (especialização em História Social) - Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2010; SILVA, Sara Hermógenes e BONI, Paulo César. Avenida Higienópolis: um retrato da burguesia londrinense nas décadas de 30, 40,50 e 60. In: Anais VII Encontro Nacional de História da Mídia. 19 a 21/08/2009, Fortaleza. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/7o-encontro-20091/Avenida%20Higienopolis%20um%20retrato%20da%20burguesia%20londrinense%20nas%20decad as%20de.pdf>. Acesso em 03/08/2014, às 09h33min. 2 As imagens utilizadas em todo este trabalho são oriundas da doação feita pela Prefeitura Municipal. 3 Informações cedidas pela funcionária Célia Rodrigues de Oliveira, responsável pelo setor de Imagem e Som “Eugênio Brugin”, do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss. 4 Informação obtida no site do Jornal União: <http://www.jornaluniao.com.br/noticias.php?editoria=¬icia=OTcy>. Acesso em 20/03/2014, às 09h30min. 733 atuais. A fotografia de Leite presente nesta exposição foi feita em 22/07/1969, e mostra a Praça Rocha Pombo, na região central da cidade. É possível ver na imagem, também, a estação ferroviária, atual Museu Histórico, no plano de fundo. Oswaldo Leite tirou esta fotografia de um lugar mais alto, talvez algum edifício próximo, já que consegue enquadrar toda a praça na imagem. Também é notável a qualidade da mesma, com luminosidade e definição apropriadas. Imagem 01: Praça Rocha Pombo. 22/07/1969. Fotógrafo: Oswaldo Leite. Acervo do Museu Histórico de Londrina. Apresentando agora este fotógrafo, Oswaldo Leite nasceu em Itu, interior de São Paulo, em 28/09/1921, filho de Manoel Leite e Luiza Leite5. Seus pais eram pessoas de posse, donos de uma fazenda. Eles vieram de Muriaé, Minas Gerais, e posteriormente se instalaram em Itu. Como Leite não gostava do ofício de administrar e cuidar da fazenda, acabou se dedicando a outros serviços. Trabalhou como açougueiro e serviu o Exército por dois anos (desde os 18 anos de idade) quando ainda morava no interior paulista6. Sua vinda para Londrina ocorre logo após seu casamento em 03/12/1941, acompanhado da esposa Maria Vizzi Leite e de seus sogros. Aliás, Leite veio para Londrina por influência deles. Seu sogro era pedreiro, e ouviu falar sobre o 5 Informações obtidas em Ficha Funcional, disponível em Caixa Arquivo n.05 (não microfilmada) e Caixa Arquivo n.123 (microfilmada), do Arquivo Público Municipal de Londrina. 6 Informações obtidas em conversa com Otacílio Leite, no dia 27/03/2014. 734 progresso da cidade e as oportunidades de emprego. Com isso, toda a família se mudaria para Londrina, inclusive sua namorada. Sendo assim, Leite se casa com ela, e vem também para a cidade7. No entanto, é importante dizer que Leite não possuía as mesmas ambições de seu sogro, que, aliás, era uma ambição bastante comum na época por Londrina estar em franco crescimento: vir para a nova cidade ganhar dinheiro. Segundo Otacílio Leite8, ele veio, a princípio, somente por causa de sua namorada com quem acabou se casando. Seu primeiro trabalho em terras paranaenses foi como pedreiro, acompanhando seu sogro, nas obras da Santa Casa de Londrina. Mas pouco tempo depois é convidado a trabalhar na Prefeitura Municipal, onde assume um cargo na Secretaria de Obras e Urbanismo. Segundo sua ficha funcional, ele foi admitido pela Prefeitura Municipal londrinense em 01/02/1942, portanto aos 21 anos de idade, na função de fiscal de 3ª zona. E durante os anos 1950, ele passou a exercer as funções de escriturário e oficial administrativo dentro do D.O.P (Depto de Obras e Planejamento). Também é nesta década que ele inicia suas atividades fotográficas, se tornando, de acordo com Otacílio Leite9, o primeiro fotógrafo da Prefeitura Municipal londrinense10. Além disso, como recorte deste trabalho optou-se pela década de 1950, porque Londrina, nesta época, passava por diversas transformações em sua paisagem, com constantes reformas e construções. E isto se deve, em boa parte, ao crescimento econômico na região norte paranaense11 como um todo, principalmente pelo cultivo de café. E todo este crescimento passa a atrair muitos migrantes para a região, em busca de uma melhor condição de vida, como foi o caso dos próprios sogros de Oswaldo Leite. Com a chegada de tantos migrantes, isto acabou gerando um crescimento muito rápido e desordenado, criando e agravando diversos problemas, como a falência da primeira planta urbana, projetada no início dos anos 1930. A mesma 7 Informações obtidas em conversa com Otacílio Leite, no dia 15/05/2014. Idem nota 06. 9 Idem nota 06. 10 Esta informação também pode ser encontrada no livro de memórias: NUNES, José Luiz Alves. Londrina! Cidade de Braços Abertos. O olhar de um pé-vermelho da segunda geração. Londrina: Ed. Do autor, 2010. 11 O conceito de Norte do Paraná é uma construção elaborada por alguns historiadores paranaenses a partir do reconhecimento da região cujo processo de (re) ocupação foi realizado pela Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), como sendo o Norte, segundo Nelson D. Tomazi. 8 735 definia os limites da cidade, mas com este crescimento ela não mais contemplava o desenho e seu perímetro nos anos de 1950. No entanto, desde sua fundação nos anos 1930, quando lotes ainda eram vendidos pela loteadora Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), havia a intenção de se trazer um certo número de pessoas para Londrina. Segundo Richard Gonçalves André, a CTNP atraía tanto as pessoas com posses, que pudessem comprar um lote à vista; quanto as que possuíam menor poderio econômico, que parcelavam as terras adquiridas de acordo com os êxitos de sua produção. Êxitos estes que eram garantidos pela própria CTNP em suas propagandas, que falavam sobre o clima da região, ótimo para a agricultura; assim como sua terra roxa; e a inexistência de pragas, sobretudo a formiga saúva. Por outro lado, se a dívida estava ligada ao que estes colonos conseguissem produzir em suas terras, ela poderia se estender por longos anos, se ocorresse algum contratempo. Nesse contexto, a CTNP promoveu a (re) construção do conjunto de representações anteriormente sugeridas, isto é, da natureza maravilhosa que, comportando riquezas supostamente inexploradas, deveria ser conhecida e submetida às exigências humanas, calcadas, sobretudo, em conceitos como progresso e civilização. Dessa forma, não se procedia a uma simples criação de imagens, mas à apropriação de elementos correntes no imaginário brasileiro, ainda que existissem lentas transformações (ANDRÉ, 2006, p.82). Sendo assim, toda a propaganda realizada pela CTNP surtiu efeito, já que houve um vultoso crescimento populacional em toda a região norte paranaense desde os anos 1930. E vinte anos depois, pessoas ainda eram atraídas com o intuito de melhorar suas condições de vida. O diferencial é que, nos anos 1950, as pessoas almejavam não comprar um lote de terra e ali viver, como nos anos 1930. A intenção da maioria dos migrantes, neste momento, era trabalhar e ganhar dinheiro, enriquecer, na nova cidade. Segundo Benatti: [...] as imagens difundidas sobre as amplas oportunidades oferecidas pela "Nova Canaã Brasileira" serviram eficientemente para suprir a necessidade de força de trabalho a ser empregada na ação colonizadora como um todo. E só funcionaram nesse sentido, só foram "eficazes" porque iam ao encontro de necessidades, carências e esperanças mais profundas de uma legião de expropriados de todos os quadrantes, que vinham atraídos pela vaga promessa da propaganda. Os ditos informais que circulavam na década de trinta, mas principalmente nos anos quarenta e cinqüenta, eram de que no norte do Paraná as condições de trabalho eram amplas e 736 rentosas, que o dinheiro corria muito e solto, e quem não tivesse preguiça, ficaria logo rico (1996, p.74-75). Neste contexto, a cidade de Londrina cresceu e se modificou durante os anos 1950, e sua área central também sofreu alterações. Os maiores sinais destas mudanças são as casas de madeira12 substituídas, desde a década de 1940, por novas edificações: os prédios e as residências de luxo em alvenaria, ocupados pelos grandes comerciantes e donos das fazendas de café; as ruas que antes não tinham calçamento e passam a ser asfaltadas e pavimentadas; as obras de saneamento: Com apenas uma década e meia, o centro de Londrina já passava por uma renovação urbana, onde construções recentes eram precocemente superadas, dando espaço para novas edificações. Alguns registros destacam mudanças significativas a partir da metade da década de 40, quando inúmeras „casinholas de madeira‟ [...] cediam espaço a novos e modernos prédios (LINARDI, 1995, p. 191). Assim, Londrina se mostrava em transformação, de sertão, como era conhecida no início de sua fundação nos anos 1930; a cidade, de fato, durante os anos 1950. Seu rápido crescimento acabou gerando esta convivência entre estes dois mundos: Londrina encontrava-se neste momento vibrante, imersa em um ambiente marcado pela heterogeneidade de pessoas, gostos, necessidade e preferências; o sabor de uma fronteira recém-aberta, convivia com as últimas produções encontradas nos grandes centros urbanos do Brasil, e mesmo do exterior, no compasso das dualidades entre sertão e metrópole [...] Um misto de moderno e pioneiro presente em diferentes níveis de atividade e manifestações, delineava os contornos onde Londrina estava inserida, perceptível em seu dia- a -dia (LINARDI, 1995, p. 175). E foi justamente esta transformação, esta convivência entre os mundos rural e urbano em Londrina, que Oswaldo Leite captou com suas fotografias. Pode-se dizer que ele registrou este processo de transformação, já que a maior parte de suas imagens mostram as obras que ocorriam pela cidade, e justamente as obras de infraestrutura urbana, como calçamento e saneamento. Como a cidade não parava 12 Para maiores informações sobre as casas de madeira na cidade de Londrina, ler: ZANI, Antônio Carlos. Casas de madeira em Londrina. In: GAWRYSZEWSKI, Alberto (Org.). Patrimônio histórico e cultural da cidade de Londrina – PR. Londrina: LEDI, 2011. Pp. 43-58. 737 de crescer, e sua infraestrutura ainda era parca e precária, foi preciso que algumas obras fundamentais acontecessem, ou a cidade entraria em colapso. É neste momento que se intensificam as obras de ampliação dos encanamentos de água e esgoto para a maior parte da cidade; o calçamento de ruas que ainda eram de terra, sobretudo na área central; dando continuidade a serviços que já vinham sendo feitos desde os anos 1940 na cidade. A fotografia abaixo mostra uma destas obras de infraestrutura que ocorreram em Londrina, e foram retratadas por Oswaldo Leite. Nela é possível ver diversos homens trabalhando em uma obra de ampliação do abastecimento de água, na região central londrinense. Também é notável a grande quantidade de casas de madeira. A rua onde os homens trabalham não tem pavimentação, mas mesmo assim, ao fundo, é possível ver dois carros. Portanto, são estes contrastes que Oswaldo Leite capta em suas fotografias. A convivência de ruas não asfaltadas e veículos, casas de madeira e alvenaria, vivendo lado a lado, e demonstrando o rápido crescimento e progresso da cidade, que já nesta década contava com grandes hospitais, escolas, prédios de muitos andares. Mas, ao mesmo tempo, possuía ruas não asfaltadas, residências sem saneamento básico, bairros inteiros que cresciam sem nenhuma infraestrutura. Imagem 02: Trecho da Rua Paranaguá, entre as ruas Sergipe e Jataí. 03/08/1953. Oswaldo Leite. Acervo do Museu Histórico de Londrina. Fotógrafo: 738 Além disso, é preciso dizer que o olhar de Leite era bastante metódico, e ele não se utilizava de muitas técnicas na hora de fazer as imagens. Seu interesse era fotografar as construções e reformas, auxiliando o serviço que fazia dentro da Secretaria de Obras na Prefeitura, e também atendendo a pedidos dos prefeitos, para que determinados locais e ocasiões fossem registrados. Para tanto, ele utilizava a máquina da própria Prefeitura Municipal, uma Yashica Mat. E, além disso, Leite não teve nenhum mentor, responsável por ensinálo a fotografar. Contava, no máximo, com a ajuda de amigos que já entendiam do assunto, como o proprietário do Foto Galante, local bastante conhecido da cidade, e onde Leite revelava boa parte das fotografias que fazia. Leite, portanto, fotografava, segundo afirma Otacílio Leite13, porque considerava importante registrar as obras que ocorriam na cidade, e isto também o auxiliaria no trabalho que desenvolvia internamente na Prefeitura Municipal14. Sendo assim, o que o movia eram a curiosidade e o interesse em facilitar seu trabalho, além dos pedidos feitos pelos prefeitos. Durante os anos em que ali trabalhou, Leite se aposenta e volta à atividade por duas vezes. Ele continua trabalhando até 1995, quando falece, aos 74 anos de idade15. No entanto, seu registro como fotógrafo em sua ficha funcional só aparece na década de 1970. Isto denota que sua função de fotógrafo não foi exclusiva durante a maior parte do tempo em que trabalhou para a Prefeitura Municipal. Além disso, segundo Otacílio Leite16, Oswaldo sempre se interessou por fotografias, e tinha a ideia de que era importante fotografar para documentar, tendo um registro para a posteridade. E foi exatamente isto o que ele fez: mesmo sem ter nenhum mentor, que o tenha ensinado a utilizar a máquina fotográfica, registrava o seu trabalho, tentando sempre legendar e datar as imagens que fazia, com o intuito de preservar uma memória. Logo, Oswaldo não nasceu fotógrafo, ele se tornou, assim como milhares de outros profissionais desta área. Sua formação fotográfica ocorreu de maneira amadora. 13 Informações obtidas em conversa com Otacílio Leite, no dia 05/07/2012. Idem nota 06. 15 Idem nota 05. 16 Idem nota 06. 14 739 Pode-se dizer, então, que o “olhar fotográfico” de Leite sobre a cidade de Londrina foi educado pelo meio em que ele cresceu e viveu. Foi a partir daí que ele tirou suas referências para as imagens que realizou de Londrina. Na sociedade de sua época, o olhar era educado, por assim dizer, por imagens que vinham com as mesmas características desde o século XIX. No caso de uma vista de cidade, como eram as imagens de Oswaldo Leite, o olhar da população foi educado a partir dos daguerreótipos, e que já neste momento (século XIX), atestavam a conquista do espaço urbano pela classe burguesa. Como aponta Solange Ferraz de Lima: Se o retrato representou para a classe burguesa em ascensão a possibilidade de expressar sua individualidade (Gisele Freund), as vistas, por sua vez, expressam a conquista do espaço urbano: os edifícios destinados a abrigar as atividades e instituições da burguesia bem como as remodelações urbanísticas segundo a concepção burguesa poderão, graças à fotografia, serem eternizados e divulgados universalmente (1998, p.66). Já para os fotógrafos, estas mesmas vistas urbanas permitiam novas possibilidades de exercer sua linguagem fotográfica, o que acabava formando um novo padrão de visualidade. Conforme este tipo de fotografia vai se incorporando ao cotidiano da cidade com exposições em ateliês, venda de cartões postais com as vistas, a familiaridade se torna maior, e “educa o olhar para o padrão de visualidade que no século XX dominará os meios de comunicação de massa” (LIMA, 1998, p.75). Sendo assim, as fotografias vão adentrando no processo de industrialização, e consequentemente, de massificação, em todo o mundo, logo após seu surgimento, segundo Helouise Costa (1998). Sobre este processo de massificação não só da fotografia, mas das artes de maneira geral, Walter Benjamin afirma que as obras de arte sempre foram suscetíveis à reprodução, afinal, “o que os seres humanos fazem pode ser imitado por outro” (2012, p. 10). No entanto, com o surgimento de técnicas como a litografia e a fotografia, no século XIX, a reprodução e a divulgação de imagens aumenta muito, fazendo com que as mesmas percam o que Benjamin chama de “aura”, ou seja, o efeito provocado pelo aqui e agora, pela autenticidade da obra de arte: “O que desaparece na época da reprodução técnica da obra de arte é sua aura [...] Ao multiplicar a reprodução, ela substitui a existência única por uma serial” (2012, p.13). 740 No entanto, há que se levar em conta que, primordialmente, eram nos cultos que as obras de arte se relacionavam à tradição. “As mais antigas obras surgiram a serviço de um ritual primeiramente mágico, depois religioso” (2012, p.16). Portanto, muitas obras de arte têm sua autenticidade ligada a estes cultos e rituais, onde tiveram seu valor original e pioneiro de uso. Com o surgimento da fotografia, e a questão premente da reprodutibilidade técnica, é possível enxergar a questão por outro viés, o da obra de arte liberta do ritual para torná-la autêntica, e a mesma passando a ser feita com o objetivo de ser reproduzida e divulgada: “A reprodutibilidade técnica da obra de arte a emancipa da existência parasitária como parte do ritual. A obra de arte reproduzida torna-se cada vez mais a reprodução de uma obra de arte elaborada para ser reproduzida” (2012, p. 16). E Benjamin ainda diz que a reprodutibilidade das obras de arte acaba alterando a relação das massas com a arte. As pessoas passam a preferir ver e vivenciar certos tipos de arte, que possam ser julgadas como se eles fossem conhecedores do assunto. Ainda assim, conforme a significação social de uma obra de arte diminui, mais se afastam a fruição e o espírito crítico no público. Frente a uma exposição de obras de arte em uma galeria, por exemplo, não haveria como controlar ou organizar a recepção de tais obras pela massa. Ao contrário de um filme ou uma fotografia, planejados e pensados para a massa. Portanto, “A reprodutibilidade técnica da obra de arte altera a relação das massas com a arte. Retrógrada diante de Picasso, elas se tornam progressistas diante de Chaplin” (2012, p.25). Sendo assim, as massas são um modelo de onde se disseminam novas atitudes em relação à arte (BENJAMIN, 2012, p.31). No entanto, de acordo com Siegfried Kracauer (2009), as massas não pensam sobre este processo de reprodutibilidade, de massificação das artes. O mesmo ocorre de maneira intrínseca. Um bom exemplo disso são as dançarinas Tillergirls, que cativaram o público do início do século XX com seu ritmo coordenado, comparadas por Kracauer ao movimento dos funcionários dentro de uma linha de produção em uma grande fábrica. A esta grande massa organizada, formada por milhares de corpos assexuados, onde só quando se une a ela é que o homem consegue formar uma figura e se expressar, Kracauer dá o nome de “ornamento da massa”: 741 O ornamento não é pensado pelas massas que o realizam. É absolutamente linear: nenhuma linha emergindo das partículas da massa prevalece sobre a figura inteira. Nisto assemelha-se às fotografias aéreas de paisagens e de cidades, nos quais não emerge do interior dos elementos dados, mas aparece sobre estes (2009, p. 93). Com tudo isto forma-se e consolida-se um novo padrão de visualidade em todo mundo, veiculado, sobretudo, pelos meios de comunicação populares. E um marco dentro desta nova visualidade, no Brasil, é expresso nas reformas e obras ocorridas em diversas cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, no final do século XIX17. Neste momento as fotografias passam a veicular a imagem pretendida para a cidade, pelo seu novo desenho urbano, pela arquitetura em transformação, e também por mostrar a urbe como uma metrópole moderna, segundo Lima (1998). Ainda no século XIX, também passam a ser elaboradas fotografias de edifícios e construções. Para Carvalho e Wolff, os fotógrafos deste período pretendiam apresentar, a partir de suas imagens, o objeto em foco, reproduzindo-o mais fielmente possível, para apresentá-lo ao público. Além disso, estas fotografias serviam como ajuda aos relatórios das obras, para comprovar seu andamento; e também promover, divulgar, as ações do poder público: As fotografias eram também vistas como úteis para comprovação, mais concreta do que relatórios escritos, das fases de evolução das obras, de outra maneira objeto de longas e minuciosas descrições. Esses registros, além de seu uso essencialmente técnico, permitiam uma comprovação justa do emprego do dinheiro público e, ainda, serviam como potencial elemento de promoção da ação oficial (CARVALHO E WOLFF, 1998, p.154). A partir desta descrição de Carvalho e Wolff, é possível entender que os motivos que levaram Oswaldo Leite a fotografar em Londrina nos anos 1950, já haviam convencido diversos fotógrafos anteriormente. Também vale ressaltar que é ainda no século XIX que irá se iniciar, na Europa, a prática de administrações públicas encomendarem fotografias para o 17 As reformas urbanas feitas em Londrina durante os anos 1950 se inspiraram nas obras ocorridas em São Paulo. Inclusive, foi contratado o mesmo urbanista que fez o planejamento urbano paulista, o senhor Prestes Maia, para elaborar um planejamento para Londrina. Sobre esta questão, ver: LIMA, Fausto C. de. Prestes Maia em Londrina. Moderno em que sentido? São Paulo, 2001. 219f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura/Urbanismo) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. 742 registro de obras em andamento. Assim, elas divulgavam tanto os modelos arquitetônicos e construtivos que estavam seguindo, quanto sua ação pública: Prédios oficiais, fontes e chafarizes, praças, estátuas, novas avenidas, intervenções urbanas, demolições „saneadoras‟, instalações de redes de transportes, tudo passou a ser registrado com frequência crescente, para culminar na virada do século numa intensidade proporcional ao ritmo das obras (CARVALHO e WOLFF, 1998, p.1654). No caso brasileiro, será por volta do último quartel do século XIX que consolida-se uma fotografia específica de arquitetura. Nelas, o mais comum era se reproduzir a obra retratada de maneira fiel, e a composição fotográfica deveria enfocar as fachadas principais do edifício em perspectiva ou enquadramento. No entanto, caberia ao fotógrafo optar pela maneira que melhor revelasse as formas do objeto retratado. Os procedimentos aqui descritos, segundo Carvalho e Wolff (1998), ultrapassaram o século XIX, continuando durante, pelo menos, as três primeiras décadas do século XX. Logo, o olhar fotográfico de Leite era algo já consolidado na sociedade desde que ele nasceu, e foi assim que ele se educou, e posteriormente referenciou as fotografias que fez de Londrina. E a partir disso cabe dizer, finalmente, que com suas imagens da década de 1950, é possível ter uma visão diferenciada deste período tão importante para a história local, pois elas mostram uma ideia muito presente, e que definia a cidade neste momento, que era a ideia de progresso, transformação e crescimento. E ao compreender por que Leite começou a fotografar, e o que o movia a fazer estas imagens, entende-se por que sua imagens são hoje capazes de apresentar uma visão diferenciada da história local. Referências ANDRÉ, Richard Gonçalves. Entre o mito e a técnica: Representações de natureza em fontes fotográficas (Londrina, 1934-1944). Assis, 2006. 191 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual Paulista, Assis, 2006. BENATTI, Antonio Paulo. O centro e as margens. Boemia e prostituição na „capital mundial do café‟ (Londrina: 1930-1970). Curitiba, 1996. 237 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1996. 743 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: CAPISTRANO, Tadeu. Benjamin e a obra de arte: técnica, imagem, percepção. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012, p.09 – 40. CARVALHO, Maria Cristina Wolff de; WOLFF, Silvia Ferreira Santos. Arquitetura e fotografia no século XIX. In: FABRIS, Annateresa. Fotografia, usos e funções no século XIX. São Paulo: EDUSP, 1998, p. 131-172. COSTA, Helouise. Pictorialismo e imprensa: o caso da revista O Cruzeiro. In: FABRIS, Annateresa. Fotografia, usos e funções no século XIX. São Paulo: EDUSP, 1998, p. 261- 292. KRACAUER, Siegfried. O ornamento da massa. São Paulo: Cosac Naify, 2009. LIMA, Solange Ferraz de. O circuito social da fotografia: Estudo de Caso II. In: FABRIS, Annateresa. Fotografia, usos e funções no século XIX. São Paulo: EDUSP, 1998, p. 59-82. LINARDI, Maria Cecília Nogueira. Pioneirismo e Modernidade: A urbanização de Londrina. São Paulo, 1995. 259 f. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. 744