| 4 | Reportagem Especial > ZERO HORA > QUARTA | 25 | JANEIRO | 2006 CELSO JUNIOR, AE Convidado por uma ONG a participar do Fórum Social, na Venezuela, Dirceu se diz “próximo” de Hugo Chávez Ex-ministro analisa desafios de Lula em entrevista exclusiva Dirceu fala forte do governo Luiz Inácio Lula da Silva. A vista deixa Caracas aos pés. Terca-feira, 14º Ao fundo, a cadeia de andar do Hotel montanhas está coberta por Gran Meliá, névoa. São 11h25min, e as Caracas. José nuvens sobre a capital Dirceu veste jeans venezuelana ameaçam estragar e camisa pólo de a marcha que marcaria o início mangas longas para fora das do 6º Fórum Social Mundial. calças. Espreme-se entre a Com expressão serena, o exescada e a parede do luxuoso deputado parece descansado. restaurante do hotel. Segue em Acomoda-se na cadeira e só direção a uma mesa perto da interrompe a entrevista quando janela com vista panorâmica da percebe que a chuva começa a cidade. cair lá fora. – Aqui ficamos mais – Vou mandar comprar uma tranqüilos – sorri o ex-homem capa plástica – comenta. Caracas/Enviado Especial RODRIGO LOPES Dirceu está em Caracas a convite do Instituto Valores. Sente-se à vontade na terra do presidente Hugo Chávez: – Somos cercanos (próximos), como se diz em espanhol. Durante os 52 minutos em que conversou com exclusividade com Zero Hora, ontem, Dirceu reviu os dias mais duros da carreira política, falou sobre a sucessão e só alterou o tom de voz ao prometer: – Vou buscar anistia. A seguir, os principais trechos da entrevista: ➧ [email protected] Zero Hora – O que o senhor veio fazer no Fórum Social Mundial? José Dirceu – Na quinta-feira, no Hotel Hilton, vou participar de uma mesa sobre integração latino-americana. Vim ao Fórum porque participei de todos os que se realizaram no Brasil. O surgimento e o crescimento dessa articulação de milhares de entidades de diferentes países, raças e línguas com o objetivo de lutar por transformações econômicas, sociais e políticas foram o maior acontecimento político mundial da virada do século. Tenho muitos amigos e companheiros de vários países da América Latina. Mas vim sozinho, como cidadão e advogado. Não tenho nenhuma participação com o PT e o governo. ZH – Neste contexto de virada à esquerda na América Latina, o governo Lula não está ficando fora da festa? Dirceu – É uma decisão que ele (o presidente Lula) tomou. Não partilhei dela, fiquei sabendo, como a maioria dos brasileiros, pela imprensa. Ele deve ter as razões dele. De qualquer maneira, o governo e o PT estão presentes. O governo Lula é, de certa forma, um guarda-chuva e representou um exemplo para os outros. Abriu caminho não só para se chegar a um acordo na Venezuela, com o referendo que Chávez venceu, como também abriu espaço para a Frente Ampla (coligação que sustenta o governo Tabaré Vázquez no Uruguai). O próprio Evo Morales (presidente da Bolívia) e o MAS (Movimento ao Socialismo, partido de Morales) reconhecem. Evidentemente, a existência de um governo progressista, de centroesquerda, no Brasil é muito importante para a Argentina e toda a América do Sul. ZH – Como o senhor acha que o PT vai reagir às críticas do Fórum? Dirceu – O PT sempre foi uma referência e um exemplo para os partidos e movimentos políticos pelo mundo. Outro problema é a política que o governo adotou, tanto a de alianças quanto a monetária e fiscal. A crítica faz parte da democracia e da disputa política, inclusive dentro do PT. Sempre dei minha opinião no governo. Se você olhar meus pronunciamentos quando fui ministro, minha posição sempre foi pública e clara. Por disciplina, sempre defendi a política do governo no partido e na bancada. Mas o presidente e todos os ministros e ministras conhecem a minha posição. Nos fóruns do governo, seja na Câmara de Política Econômica, seja na Câmara de Desenvolvimento Econômico, seja na coordenação do governo, nas reuniões bilaterais do presidente com os ministros sempre deixei clara qual é a minha po- sição. Mas acredito que, de qualquer maneira, o governo Lula tem avanços que são decisivos para a esquerda e os movimentos sociais. ZH – Que avanços? Dirceu – As economias da América do Sul não criam emprego. E Lula vai criar 5 milhões de empregos formais em cinco anos. O Brasil pode criar 10 milhões de empregos formais nos próximos cinco anos porque acho que a economia tem condições de crescer 5%, 6% nos próximos anos, no segundo mandato de Lula. Os programas sociais são muito importantes. Veja o que fizemos com a dívida externa. O serviço da dívida interna é insuportável para um país como o Brasil porque desvia tantos recursos da infra-estrutura e do social que faz com que a carga tributária seja muito alta e acaba fazendo com que o juro também seja alto. O que o país precisa é de uma política que equilibre a redução do juro com a diminuição do serviço da dívida e com o aumento dos investimentos em infra-estrutura e no social, o que cria as condições para um crescimento maior. Mas a economia cresceu nesses quatro anos. Houve avanços sociais do governo Lula, não só com o Bolsa-Família e o Fome Zero, mas também na educação, na assistência ao idoso, na agricultura familiar. E a política externa é consenso. Sobre Antonio Palocci, ministro da Fazenda “O presidente sempre (...) sustentou a política que o ministro Antonio Palocci implementou. Ele considera que essa política deu estabilidade e segurança ao país para poder crescer no segundo mandato.” ZH – O senhor mudou de opinião em relação à política econômica conservadora de Lula depois que deixou o governo? Dirceu – Não. O presidente sempre sustentou a política que o ministro Antonio Palocci (Fazenda) implementou. Ele considera que essa política deu estabilidade e segurança ao país para poder crescer no segundo mandato e que não impediu a criação de emprego nem os investimentos sociais. Então, o presidente tomou a decisão de manter uma política de juro. | Reportagem Especial > | 5 | ZERO HORA > QUARTA | 25 | JANEIRO | 2006 ZH – O senhor não concorda? Dirceu – Mas aí é uma decisão do Banco Central. Com a meta que foi estabelecida de inflação, o Banco Central adotou a posição excessivamente conservadora na política de juro. Todo mundo sabe. Isso tem benefícios, mas tem um custo também na dívida interna e no crescimento menor. Mas tem benefício: cesta básica barata, salário valorizado, o Risco Brasil caiu. A queda do Risco Brasil significa que as empresas e o país estão pagando juro menor. Não estou defendendo, estou simplesmente expondo que também não é assim. O país precisa debater, discutir. Sobre Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente “Em um segundo mandato (de Lula), não se pode fazer o que FH fez: prometeu emprego para o segundo mandato e foi um desastre.” ZH – Há tempo para uma mudança de rumo na política econômica? Dirceu – Acredito que há consciência por parte do próprio presidente e do ministro Palocci da necessidade de, em um segundo mandato, garantida a estabilidade do país e a administração da dívida pública interna, ter uma política econômica de crescimento. Há muitas frentes que precisam ser abordadas no segundo mandato, e a sociedade vai discutir. Em um segundo mandato, não se pode fazer o que Fernando Henrique (Fernando Henrique Cardoso, presidente de 1995 a 2002) fez: prometeu emprego e foi um desastre. FH quebrou o país três vezes. No governo Lula, não só reduzimos a inflação como trouxemos o dólar a R$ 2,30 e reduzimos o Risco Brasil, que daqui a pouco estará a 200 pontos. Quem sonhava com isso? Diminuímos o peso da dívida interna em relação ao PIB, fizemos o emprego crescer, pagamos o FMI. O Brasil é hoje um país no qual a dívida externa não é mais um problema. O grande problema que temos é a dívida interna. ZH – O senhor disse que analisará o plano de governo para um segundo mandato de Lula antes de votar nele. O senhor pensa em não votar em Lula? Dirceu – Vou votar em quem? Em José Serra (PSDB)? Geraldo Alckmin (PSDB)? Anthony Garo- tinho (PMDB)? É evidente que voto em Lula. Não tenho influência no PT nem no governo. Sou um cidadão. Vou ajudar a fazer campanha para Lula. O que eu disse é que é evidente que Lula tem de repactuar com PT, PSB, PC do B, PMDB, PL e com os 40% de brasileiros que querem votar nele o que será o segundo mandato. Isso ele vai ter de fazer. Não vai ser igual. Ele não pode dizer: “Vou fazer o mesmo governo que fiz”. Não é isso. Aí, começaram a dizer que eu não ia votar em Lula. Mas não falei nesse sentido, de que eu estaria estudando se voto ou não em Lula, até porque seria ridículo. Passei 10 anos lutando para Lula chegar no governo e agora não vou votar nele? É evidente que sim. Agora, tanto Lula quanto eu e qualquer outro membro do governo temos sérias críticas sobre muitas questões nas quais não avançamos e que não enfrentamos. ZH – Por exemplo? Dirceu – Em algumas áreas que poderíamos ter avançado mais, como a segurança pública. Mas aí tem falta de recursos, a atribuição é dos governos estaduais, a União tem limites para fazer isso. Avançou muito, basta ver a ação da Polícia Federal, a questão dos recursos para penitenciárias, a modernização das polícias, mas precisamos avançar muito mais. Houve a questão de gestão e recursos humanos na administração pública, talvez uma reforma administrativa. Não fize- Sobre Lula, presidente “Converso com o presidente quando há necessidade. Depende dele. Se tenho demanda, eu o procuro. Se ele precisa, ele procura.” mos a reforma política. ZH – Como está sua relação com Lula? Tem conversado com ele? Dirceu – Normal. Quando há necessidade, converso com ele. Não sou mais ministro nem presidente do PT, não há por que o presidente conversar comigo. Converso com o presidente quando há necessidade. Depende dele. Se tenho demanda, eu o procuro. Se ele precisa, ele procura. Mas não tem nenhuma comparação. Tenho amizade com o presidente, não tenho nenhum problema com ele. Continua a mesma relação. Não tenho também por que ficar ... (interrompe a frase). O presidente tem de cuidar de governar o Brasil. Eu não faço mais parte da agenda do presidente porque não sou deputado, presidente do PT ou ministro. ZH – O que o senhor tem feito desde que deixou Brasília? Dirceu – Tenho trabalhado, advogado, estou fazendo inglês. Vou fazer um curso em São Paulo, depois em Washington. Estou advogando no meu escritório em São Paulo. E tenho viajado. Tem algumas palestras que eu vou fazer em fevereiro. Tocando minha vida normal. Me dedicando mais às filhas um pouco. ZH – O senhor pensa em voltar à política algum dia? Dirceu – Vou participar da vida política do país normalmente, dentro das restrições que tenho hoje. Mas não saí e não vou sair da política. Vou lutar pela minha anistia e vou ao Supremo Tribunal Federal. Só preciso criar as condições para isso. ZH – Ficou alguma mágoa? Dirceu – Não tenho ressentimento de nada. Vejo as coisas com objetividade. Para eu estar bem física e mentalmente não posso ficar carregando mágoa e ressentimento. Não é da minha natureza. Quando tenho alguma crítica a fazer a alguém ou à imprensa, faço. Cada um cumpre seu papel, cada um defende os interesses que defende. O que quero é transparência para a sociedade. Isso para mim já é passado. Não abro mão é de participar do debate político se for para avaliar minha gestão no PT ou minha participação no governo. Se o PT for fazê-lo, vou participar. Agora, não sou membro da direção do PT, sou só um filiado. ZH - O senhor está acompanhando o processo do deputado João Paulo Cunha (PT-SP) por quebra de decoro parlamentar? Dirceu – Não, não estou acompanhando em detalhes. Eu tenho visto pela imprensa. Vamos ver qual será a decisão da maioria da Câmara. No caso do Queiroz (Romeu Queiroz, deputado do PTB de Minas Gerais que recebeu recursos do valerioduto e foi absolvido pela Câmara), foi absolver e considerar que caixa 2 não é quebra do decoro para que se justifique a cassação. Não sei se vai haver alguma mudança, com a repercussão que teve na sociedade e a pressão da imprensa. ZH – Como o senhor planeja provar sua inocência? Dirceu – Isso eu já mostrei. Os advogados vão analisar se se vai ao Supremo, quando se vai. ZH – E perante os brasileiros? Dirceu – Eu vou continuar me defendendo perante a opinião pú- Sobre Roberto Jefferson, ex-deputado “Na CPI dos Correios, falase em me indiciar por corrupção, mas isso porque Roberto Jefferson disse. Não há nenhuma prova, nenhum indício.” blica. Contra mim não tem nenhuma acusação, prova ou indício. Na CPI dos Correios fala-se em me indiciar por corrupção, mas isso porque Roberto Jefferson (ex-deputado federal pelo PTB do Rio, cassado, autor da denúncia do mensalão) disse. Não há nenhuma prova, nenhum indício. Aí fala-se que tem o empréstimo no Banco Rural para a minha ex-mulher (Maria Angela da Silva Saragoça, psicóloga, obteve financiamento de R$ 42 mil junto ao Banco Rural para compra de um apartamento). Mas não é para mim. É para minha ex-mulher, estou separado há 15 anos. O problema é que não há nenhum indício de que tive qualquer participação nisso. Tem lei, tem justiça no Brasil. E o ônus da prova cabe ao acusador. Existe presunção de inocência. Não sou culpado. Até que provem o contrário, sou inocente. Sobre Zeca Dirceu, seu filho e prefeito de Cruzeiro do Oeste, Paraná “Ele (Zeca Dirceu) podia ser recebido, sim, na Casa Civil. Ele estava falando em nome do governador (Roberto Requião). ZH – O relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), provavelmente incluirá seu nome no relatório final da comissão. Dirceu – Ele pode escrever o que quiser, e a comissão aprovar. Agora, ele não tem indício nenhum contra mim. A CPI dos Bingos já manifestou que não tem. Nos inquéritos, o único ao qual respondo é o do mensalão. Já depus. Quanto ao meu filho (José Carlos Becker de Oliveira e Silva, o Zeca Dirceu, prefeito de Cruzeiro do Oeste, Paraná, eleito em 2004), também não há nada de indício. Ele podia ser recebido, sim, na Casa Civil, ele podia ser recebido, sim, pelos assessores. Ele estava falando em nome do governador (Roberto Requião, de cujo governo Zeca Dirceu foi assessor). O governador acabou de dar entrevista dizendo que (Zeca) estava falando em nome dele. É mais um processo político contra ele para me atingir e para atingi-lo também. ZH – O senhor chegou a falar em caça às bruxas. O senhor se considera vítima de perseguição? Dirceu – A minha opinião é que isso vai deixar uma mancha na história da imprensa brasileira. Como já ficou em outras épocas, inclusive na época da ditadura. Muitos órgãos de imprensa apoiaram inclusive o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna, órgão do aparelho repressivo durante a ditadura militar). Apoiaram tortura e assassinato. Como a Inquisição ficou na história da Igreja. Isso eu afirmo, repito e esses são os fatos. Contra fatos não há argumentos. É só pegar o que foi feito no meu caso. Um setor importante da imprensa queria me tirar o direito de me defender no Supremo. O cidadão não tem o direito de se defender? Se ele se defende é chicana? E aí se faz uma pressão sobre o próprio cidadão, sobre os parlamentares, sobre os advogados. Não posso aceitar isso. Houve macartismo (investigação de atividades comunistas nos anos 50 nos EUA, comandada pelo senador Joseph McCarthy e que levou intelectuais e artistas à prisão) no Brasil. Quando passar isso, vou analisar quem é culpado e quem não é, o que era corrupção na administração pública federal e o que foi o problema da caixa 2. A maneira como a imprensa trata PFL, PSDB e PT já é uma prova de que há interesses político-partidários. Porque surgiram denúncias de caixa 2 nas outras campanhas eleitorais de 1998 e 2002 no PSDB e a mídia nunca fez a campanha que está fazendo para se investigar. ZH – Como o senhor vê a possibilidade de continuar sendo investigado? Dirceu – Não tenho nenhum problema em ser investigado. Se investigar o PT, o partido vai responder pelo que fez e vou responder pelo que fiz. Quero ser investigado e provar inocência, já que sou obrigado a isso, porque não há presunção de inocência no meu caso. Parte da imprensa e da sociedade me condenou e, depois, foi buscar provas para justificar um processo, que foi a minha cassação. Roberto Jefferson foi cassado porque mentiu que havia mensalão. E eu fui cassado porque supostamente sabia ou devia saber que existia mensalão.