12-12-2007 JORNAL 48a53_pemios.qxd 13:11 Page 48 Prémios A festa dos Gazeta 2006 O elogio da qualidade em tempos difíceis A complexa situação que a nossa classe profissional enfrenta actualmente esteve em foco na cerimónia de entrega dos Prémios Gazeta 2006, que teve lugar em Setembro último, nas ruínas do Convento do Carmo, na presença do Chefe de Estado, Aníbal Cavaco Silvas, do ministro dos Assuntos Parlamentares e responsável pela tutela da pasta da Comunicação Social., Augusto Santos Silva, e de Carlos Santos Ferreira, Presidente da Caixa Geral de Depósitos, patrocinadora exclusiva dos Gazeta. O presidente do CJ, Mário Zambujal, deu início à festa anual do jornalismo português com agradecimentos ao Chefe de Estado pela sua disponibilidade em associar-se à cerimónia, e à CGD, pelo generoso e decisivo apoio aos mais prestigiados prémios de Jornalismo. Saudações especiais aos premiados, “exemplos de qualidade que enobrecem uma profissão em tempos difíceis”, e referências à diversificada acção do Clube em prol da informação e debate dos problemas da classe e dos media em geral (Programa na TV2, Revista JJ, Site), pontuaram, igualmente, a intervenção do presidente do CJ que aludiu, ainda, em nota pessoal, ao seu convívio nos tempos de liceu, no Algarve, com Aníbal Cavaco Silva. Após destacar, também, a qualidade dos trabalhos premiados, Carlos Santos Ferreira, presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos reafirmou a importância dos Gazetas e a satisfação com que Caixa se associa iniciativas que promovam a excelência a nível profissional, como contributo para o desenvolvimento do nosso país. Na intervenção final da cerimónia, o Presidente da República associou os Prémios Gazeta aos “bons exemplos e boas práticas” proporcionados pela sociedade civil e defendeu “o rigor e a isenção dos jornalistas como instrumentos de liberdade e indicadores da democracia”. Na imagem, da esquerda para a direita, Carlos Santos Ferreira, Presidente da CGD, João Pacheco (Gazeta Revelação), Jacinto Godinho (Grande Prémio Gazeta), Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, Sara Pina (em representação de Manuel António Pina, Gazeta de Mérito), António Sancho (Gazeta Imprensa Regional), Augusto Santos Silva (Ministro dos Assuntos Parlamentares) e Mário Zambujal, Presidente do CJ 48 |Out/Dez 2007|JJ 48a53_pemios.qxd 12-12-2007 13:11 Page 49 JACINTO GODINHO Prémio Gazeta Exmo. Senhor Presidente da Republica Exmo. Senhor Presidente do Clube de Jornalistas Exmo. Senhor Presidente do Conselho de Administração da RTP. Caros colegas e amigos. Sensível às preocupações manifestadas pelos premiados (ver intervenções nestas páginas) relativamente aos problemas que afectam os jornalistas, Aníbal Cavaco Silva sublinhou que o momento “é muito especial, sério e nobre para a classe” e manifestou a esperança de que “o bom exemplo de jornalismo dos premiados, continue e frutifique”. O PR destacou, ainda, o exemplar percurso, num meio e em condições bem complexas, da revista “Mais Alentejo” (Prémio Gazeta de Imprensa Regional) e teve palavras de simpatia para a acção do CJ e, em particular, para seu antigo condiscípulo e actual presidente do CJ, Mário Zambujal. JJ Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, e Carlos Santos Ferreira, Presidente da CGD, no uso da palavra Permitam-me apenas algumas palavras de agradecimento pela atribuição do Prémio Gazeta. É realmente uma grande honra receber este prémio pela segunda vez. Um prémio que pela qualidade dos trabalhos premiados ao longo dos anos foi ganhando o respeito da classe jornalística tornando-se o mais ambicionado galardão e a melhor referência para o jornalismo de qualidade feito em Portugal. Quando o meu colega, amigo e excelente repórter, Luís Miguel Loureiro me enviou os parabéns, após a divulgação do Prémio Gazeta, respondi-lhe que era apenas uma “tábua de salvação para sobreviver à tempestade”. Recebi de volta uma resposta bem-humorada: “Pois mas tu juntando as tuas tábuas já consegues fazer uma jangada.” Entre repórteres esta não é uma conversa de faltas modéstias. Os prémios para os repórteres servem como jangadas para enfrentar as tempestades da carreira. Foi sobretudo o prestígio do Gazeta, que ao longo dos anos foi galardoando regularmente repórteres da RTP, que ajudou a que se fosse mantendo, na estação do serviço público televisivo, um núcleo de repórteres que insiste teimosamente na realização e manutenção dos programas de grande reportagem. Uma insistência que felizmente começa agora a dar os seus frutos. Os programas de reportagem voltaram nos últimos dois anos a entrar na rotina da grelha das estações de televisão, pelo menos da SIC e da RTP. Na RTP este crédito JJ|Out/Dez 2007|49 12-12-2007 JORNAL 48a53_pemios.qxd 13:11 Page 50 Prémios Presidente da República entrega prémio a Jacinto Godinho na presença do Presidente da CGD tem que ser concedido à actual direcção de informação aqui representada pelo director Luís Marinho. Apesar da presença semanal mais visível nos ecrãs de televisão os problemas antigos mantêm-se. Os programas de reportagem continuam a orbitar a máquina dos telejornais, sem estrutura nem modelo próprios. E no entanto os desafios que se colocam ao jornalismo de investigação são hoje mais exigentes que há quinze anos atrás pelo que ainda se torna mais absurda a repetição de modelos. No início dos anos noventa as reportagens podiam-se suportar só com a novidade dos temas. Os curtos e politizados telejornais deixavam de fora muitos fenómenos sociais e criminais como o trabalho infantil, as drogas, as doenças raras, por exemplo. Hoje em dia já nada fica fora da informação diária. Poucos temas virgens existem e quando são assuntos de impacto a pressão da informação é tal que no conjunto da informação emitida diariamente, já poucos ângulos ou entrevistados restam para realizar uma reportagem de estilo clássico. O jornalismo de investigação para sobreviver e fazer a diferença precisa de investigar com uma eficácia quase policial. Precisa de mais tempo, um tempo “alongado” quase impossível de 50 |Out/Dez 2007|JJ alcançar no actual panorama televisivo, curto, escasso e valiosíssimo ao segundo. Mas é preciso encontrar esse tempo, (ou seja encontrar fórmulas rentáveis de dar tempo ao jornalismo) porque senão não sobreviverá à especulação, às generalidades, ao infotainement, às manipulações que transformam simples estratégias de marketing político e económico, em primeiras páginas de jornais e aberturas de telejornal. Foi neste quadro que aceitei o desafio lançado pela direcção de programas e pelo seu actual director Nuno Santos de realizar uma História da Emigração a partir do ângulo jornalístico. Trazer para o jornalismo o mesmo grau de exigência da investigação académica. Mas não é fácil basear um trabalho de televisão em investigações académicas que se preocupam mais com os grandes ciclos, os fluxos populacionais, as estatísticas que com as pequenas histórias. Especialmente num tema historicamente com poucas imagens como é o caso da emigração A produção deste tipo de documentários é feita actualmente por empresas como o Discovery Channel que montaram uma enorme industria para suprir a falta de imagens “reais”. Conseguem reconstituições históricas semelhantes a filmes, simulações, imagens construídas em computador, etc., etc. Meios que em Portugal não existem na mesma dimensão. O desafio era complicado. Apesar de ser um dos fenómenos mais importantes da vida portuguesa dos últimos séculos, a emigração raramente fez parte dos livros de história. Apesar de quase toda a gente em Portugal ter um emigrante na família a emigração raramente mereceu a atenção de romancistas e cineastas. No jornalismo circula quase sempre o pequeno relato individual de sucesso ou de tragédia. Mas muitas das histórias da emigração ficaram esquecidas, longe das objectivas, porque aconteceram na clandestinidade. Para ficarmos bem com a nossa consciência devemos eterna homenagem àqueles milhões de portugueses que em sucessivas épocas foram condenados pelo seus próprios governantes a saírem do país como foragidos, a salto como ele próprios diziam, clandestinamente, apenas porque desejavam um futuro mais digno para as suas famílias. Vítimas de uma estratégia perversa que os obrigava à clandestinidade para assim se separarem das famílias e serem depois obrigados a enviarem as famosas remessas que durante anos foram o principal sustento económico de Portugal. Este foi um dos trabalhos mais difíceis da minha vida. Um trabalho só possível porque feito em equipa. À minha equipa, que está aqui presente eu agradeço o empenho, o esforço, o profissionalismo que possibilitaram a realização desta série: a directora adjunta de Programas da RTP Maria de São José, o produtor Eduardo Ricou, o operador de câmara Carlos Aranha que ironicamente é hoje emigrante porque trabalha no Qatar, o editor de imagem Paulo Marcelino, todo o som a cargo de António Garcia e a documentalista Luísa Vaz. Agradeço também aos meu 48a53_pemios.qxd 12-12-2007 13:11 Page 51 colegas Fernanda Bizarro e Paulo Costa pelos magníficos documentários que ajudaram a série a ter uma qualidade excepcional. Os documentários serão talvez dos programas de televisão onde o esforço de trabalho é menos visível. Nalguns casos são preciso meses e anos para produzir uma ou duas horas de televisão. O trabalho dos profissionais da RTP neste tipo de séries é um trabalho que por ser mais difícil de se tornar visível também é mais fácil de ser esquecido ou mal avaliado. No entanto o jornalismo de investigação histórica é um dos serviços mais importantes de uma televisão pública. Primeiro pela capacidade que tem de resgatar o conhecimento, tirando-o do esquecimento das prateleiras das bibliotecas académicas e colocando-o ao serviço do grande publico. Segundo porque a batalha da cultura se desenrola hoje no audiovisual que não se pode deixar entregue apenas aos valores do entretenimento, do economicismo e do facilitismo. As imagens são gulosas mas não podem ser apenas fonte de preguiça mental. Têm que ser desviadas para tarefas mais nobres ajudando as pessoas a criarem hábitos mentais saudáveis. Em terceiro lugar a identidade de um povo constrói-se também com as imagens que consegue produzir de si para melhor se observar e entender mas também para criar memória colectiva. Uma das maiores tragédias do povo português é a falta de imagens. Uma catástrofe no tempo do Estado Novo e que os anos da democracia pouco melhoraram. As gerações futuras que queiram entender o nosso tempo terão para ver muita conversa, muitas cabeças falantes e poucas imagens em bruto, testemunhas isentas, imparciais do que realmente foi acontecendo. Basta ver a força que tem entre nós o documentário Torrebela de Thomas Harlan. Nenhum documento nos mostra melhor o PREC e a Reforma Agrária, por dentro na vida das pessoas, que aquele documentário que apenas se preocupava em filmar e reproduzir o que acontecia na frente da câmara. Por isso o Premio Gazeta é e continuará a ser, tenho a certeza, um bastião essencial para quem tenta fazer do jornalismo um suporte fundamental da cultura portuguesa. Obrigado JOÃO PACHECO Prémio Revelação Obrigado. Obrigado à minha família. Obrigado aos jornalistas Alexandra Lucas Coelho, David Lopes Ramos, Dulce Neto e Rosa Ruela. Obrigado a quem já conhece “O almoço ilegal está na mesa”, “A caça à pedra maneirinha” e “Guardadores de sementes”. Parabéns aos repórteres fotográficos Nuno Ferreira Santos e Rui Gaudêncio, coautores das três reportagens, com quem vou partilhar o prémio monetário. Parabéns também ao Jacinto Godinho, ao Manuel António Pina e à Mais Alentejo, que me deixam ainda mais orgulhoso por estar aqui hoje. Como trabalhador precário que sou, deu-me um gozo especial receber o prémio Gazeta Revelação 2006, do Clube dos Jornalistas. A minha parte do dinheiro servirá para pagar dívidas à Segurança Social. Parece-me que é um fim nobre. Não sei se é costume dedicar-se este tipo de prémios a alguém, mas vou dedicá-lo. A todos os jornalistas precários. Passado um ano da publicação destas reportagens, após quase três anos de trabalho como jornalista, continuo a não ter qualquer contrato. Não tenho rendimento fixo, nem direito a férias, nem protecção na doença nem quaisquer direitos caso venha a ter filhos. Se a minha situação fosse uma excepção, não seria grave. Mas como é generalizada - no jornalismo e em quase todas as áreas profissionais - o que está em causa é a democracia. E no caso específico do jornalismo, está em risco a liberdade de imprensa. Obrigado. MANUEL ANTÓNIO PINA Prémio Gazeta de Mérito Senhor Presidente da República Camaradas Na impossibilidade de, por motivos de saúde, estar presente nesta cerimónia, não quero deixar de agradecer ao Clube de Jornalistas e ao Júri dos Prémios Gazeta a confiança que a atribuição deste Prémio Gazeta de Mérito para mim representa. Se com os prémios acontece o que Baudelaire diz que acontece com as condecorações, isto é, que se enobrecem ou aviltam de acordo com os peitos que as ostentam estou, obviamente, a suavizar os termos usados por Baudelaire então a atribuição deste Prémio Gazeta de Mérito é para mim motivo tanto de orgulho como de preocupação. Orgulho pelo passado do Prémio e preocupação - não quereria afectar modéstia, mas, que diabo!, eu também avalio o meu trabalho e tenho opinião sobre dele - por temer destoar da galeria dos que o receberam antes. Num país que dá tantos prémios literários e jornalísticos, ao fim de 35 anos de jornalismo e literatura só por muito azar ou muito mérito não se acaba por receber algum prémio. Aliás, só isso já chegaria para se JJ|Out/Dez 2007|51 12-12-2007 JORNAL 48a53_pemios.qxd 13:12 Page 52 Prémios Sara Pina, em representação do pai, recebe o troféu Gazeta de Mérito merecer ser premiado… Também tenho tido o meu quinhão de prémios, mas os que recebi do Clube de Jornalistas – primeiro, o Prémio Nacional de Crónica, agora este – têm para mim um significado muito particular, e esta não é uma frase de circunstância. Em tempos pouco fáceis para o exercício do jornalismo em dignidade e em liberdade, o Clube de Jornalistas tem sido “ao fundo do desgosto, uma janela aberta, uma janela iluminada”, como no poema à liberdade escrito por Paul Eluard sob a Ocupação. Por isso, aceito este Prémio de Mérito como se fosse de Revelação: como um estímulo. Talvez o não mereça pelo que fiz, mas procurarei merecê-lo pelo que fizer a partir de agora. da qualidade. Não tem sido fácil. Esta revista é uma aventura nascida do sonho de um louco/romântico que, obviamente acompanhado por uma equipa engenhosa, tem teimado em colocar de pé, numa região marginalizada, como ainda é hoje o Alentejo, um projecto jornalístico que pretende ser tão bom como aquilo que de melhor se edita a nível da imprensa portuguesa. Não tem sido fácil, repito. No Alentejo não existe mercado publicitário. Editar uma publicação independente, em 2007, é coisa difícil, mas ainda o é mais a nível da imprensa regional, onde os pequenos poderes de paróquia pressionam por tudo e por nada. Talvez venha a propósito recordar ANTÓNIO SANCHO Director da revista Mais Alentejo Profundamente reconhecido, agradeço ao Clube de Jornalistas e ao prestigiado júri dos Prémios Gazeta a honrosa distinção atribuída à revista Mais Alentejo. A revista Mais Alentejo é um projecto jornalístico, com sete anos de existência, com sede na esquecida Beja, que procura desde o primeiro número afirmar-se pelos caminhos 52 |Out/Dez 2007|JJ Augusto Santos Silva, Ministro dos Assuntos Parlamentares, entrega o prémio a António Sancho que a Mais Alentejo não possui nenhuma instituição, entidade, fundação ou mecenas que a suporte financeiramente. De resto, cada número é feito com o dinheirinho todo contado, sabendo Deus o quanto transpiramos para fazer sair cada edição. Podia dizer-vos o quanto este Prémio significa, para mim, em termos pessoais e profissionais, enquanto jornalista. Podia falar-vos de uma paixão, a paixão de fazer Mais Alentejo. Mas, não, não vou maçar-vos com coisas, eventualmente, difíceis de entender para quem não tem a experiência concreta do que é possuir uma pequena empresa no Alentejo que mal consegue respirar face à obscena carga fiscal a que o Estado nos obriga. O Prémio Gazeta, que acabo de receber, representa sobretudo um gigantesco estímulo em prosseguir o trajecto iniciado há sete anos. É por aí que vai a equipa que produz e edita a Mais Alentejo, procurando ser cada vez e permanentemente melhor. Permitam-me que, além de renovar os meus agradecimentos ao Clube de Jornalistas e ao júri dos Prémio Gazeta, agradeça a todos os colaboradores da revista Mais Alentejo, bem como especialmente à equipa que me acompanha nesta aventura. Filomena, Susana, Ana, Dora, Gonçalo, Vítor, este Prémio é vosso, é de todos nós! Termino com uma nota pessoal. Dedico este Prémio à memória da minha mãe e do meu pai, Então Vá, alentejanos que me ensinaram a amar o Alentejo, eu sei que eles, onde quer que estejam, estão a sorrir para mim e a dizer carinhosamente: “José António, vê lá onde é que te metes, juizinho nessa cabeça, filho ”. Muito obrigado!