Ecos da Identidade Portuguesa
na Literatura para a Infancia: o
caso de Manuel Antonio Pina
2
RESUMEN
Sara Reis da Silva (Universidade do Minho)
Esta comunicación presenta algunos textos portugueses contemporáneos de potencial recepción infantil en los que se presiente el carácter ficcional del momento histórico de la expansión marítima. También se analiza el texto dramático Aquilo
que os Ollhos Vêem ou O Adamastor, de Manuel António Pina.
Todo ello en busca de elementos que coadyuven a la consolidación de la identidad portuguesa a través de la literatura.
Ecos da Identidade Portuguesa...
12
A investigação em torno do sentido de identidade
padrões narrativos da globalização literária,3 situando o
nacional tem vindo a concluir que, na busca e na fixa-
cerne da paródia aí ensaiada nos primórdios da nacio-
ção desta, se encontra presente a partilha de mitos, de
nalidade portuguesa, através da tematização do conflito
comuns1
e de valores por parte de uma mes-
entre D. Afonso Henriques e a sua mãe D. Teresa.4 O
ma população humana. É nessa medida que, sendo os
mesmo se constata quando o momento histórico do 25
textos literários uma realização de cultura (Even-Zohar,
de Abril de 1974 surge tratado literariamente, colocan-
1999) e uma das formas de representação do imaginá-
do-se a ênfase no motivo da liberdade (re)conquistada,
rio antropológico e cultural, tais quadros de referência
o que, aliás, ocorre de forma reiterada, como provam,
se afiguram profundamente fertilizadores e fertilizantes
por exemplo, as narrativas O 25 de Abril Contado às
de uma literatura também ela partilhada.
Crianças… e aos Outros, de José Jorge Letria (1999,
memórias
A literatura portuguesa que tem na criança o seu
Terramar), O Soldado e o Capitão Os Cravos e o Povão,
destinatário preferencial, vivendo a par da literatura dita
de Valdemar Cruz (1999, Campo das Letras), A Fábula
para adultos e desempenhando «uma função relevantís-
dos Feijões Cinzentos, de José Vaz (2000, Campo das
sima [...] na modelização do mundo, na construção de
Letras), A Revolução das Letras, de Vergílio Alberto Viei-
universos simbólicos, na convalidação de sistemas de
ra (2004, Campo das Letras) e O Tesouro, de Manuel
crenças e valores» (Silva, 1981, 14), tem, ao longo dos
António Pina (2005, Campo das Letras), ou, ainda, o
tempos e naturalmente de modo distinto, representado
texto de carácter dialógico, muito próximo da prosa
um espaço generoso de reprodução tendencialmente
poética, intitulado Viagem à Flor de um Mês, de José
(re)criativa da História,2 das memórias e dos mitos de
Jorge Letria (2002, Campo das Letras).
uma nação.
Mas uma revisão global de alguns títulos que enfor-
Diversos têm sido, assim, os títulos assinados por
mam o universo de textos portugueses contemporâneos
autores portugueses em que se perscrutam nexos tex-
de potencial recepção infantil, pontuados significativa-
tuais recorrentes entre a História e a Ficção, construin-
mente pela coloração histórica, conduz à ideia de que
do-se, a partir desta relação permeável, objectos artisti-
uma das opções temáticas mais recorrentes coincide
camente dimensionados (Corral, 2003).
com a ficcionalização do momento histórico da Expan-
Textos como A Verdadeira História da Batalha de S.
são Marítima.
Mamede (baseada no facto histórico de D. Afonso Hen-
É, aliás, neste sentido, que Francesca Blockeel, no
riques se ter recusado a comer a sopa), de Inácio Nuno
estudo Literatura Juvenil Portuguesa Contemporânea:
Pignatelli (2001, Campo das Letras), afasta-se dos
Identidade e Alteridade, reflectindo acerca da identida-
Ecos da Identidade Portuguesa...
13
de portuguesa, acaba por se deter em determinados tex-
nos quais o
tos nos quais se pressente a presença do mar enquanto
simbólico, apresentando-se conotado com as Desco-
espaço mítico português. A referência a produções lite-
bertas e possuindo, assim, como pano de fundo um
rárias como as barcarolas ou marinhas medievais, o
período histórico explícito, o da Expansão Marítima.
mar5
é o topos não só físico, mas também
romance tradicional A Nau Catrineta, ou outras mais
É no contexto histórico enunciado e tendo como
recentes destinadas à leitura adulta, como A Jangada de
cenário as viagens e as descobertas que se enquadra a
Pedra de José Saramago ou O Cais das Merendas de
A Ilha dos Pássaros Doidos, de Clara Pinto Correia
Lídia Jorge, serve à investigadora como ponto de partida
(1994, Relógio d´Água), narrativa temporalmente situa-
para o estudo de vários «livros de aventura, de mistério
da no «tempo em que ainda estavam a desenhar-se os
e indagação destinados à pré-adolescência, [em] que a
mapas do mundo [...] e [em] que o mar à volta da ilha
presença do mar é mais marcada». (Blockeel, 2001,
passou a ser conhecido como o oceano Índico»
245). Ao atribuir ao mar três tipos de valor –emotivo,
(Correia, 1994, 1), um texto no qual o relato é constru-
cronotópico (as descobertas) e cognitivo–, F.B. conclui
ído em torno da temática ecológica e da protecção do
que este se impõe como um sólido alicerce na constru-
ambiente.6 A viagem é também o leitmotiv da diegese
ção do imaginário português e na edificação de uma
construída em verso de Olá, Brasil!, obra da autoria de
portugalidade, defendendo que «não é exagerado con-
José Jorge Letria, com expressivas ilustrações de João
siderar o mar o mais típico cronótopo da literatura por-
Fazenda (2000, Terramar), editado aquando das come-
tuguesa» (idem, ibidem, 252).
morações dos 500 anos da viagem de Pedro Álvares
Esta vocação atlântica ou esse «grande mar povoado
Cabral.
de tempestade e de mistérios» (Dias, 1985, 9), que se
Observa-se também que textos que povoam a
destaca como uma característica fundamental da Cultu-
memória colectiva, sempre vitalizados por via da tradi-
ra Portuguesa, encontra eco em diversas obras que
ção oral como A Nau Catrineta ou outros de raiz erudi-
enformam o universo actual da escrita portuguesa de
ta –como Os Lusíadas, de Luís de Camões, ou Mensa-
potencial recepção infantil, aproximando-se, por esse
gem, de Fernando Pessoa, por exemplo, viajaram ao
meio, o leitor de uma identidade «identificação cultural
longo dos tempos e passaram a constituir as matrizes de
alicerçada nas aventuras marítimas» (Pires, 1999, 64).
outras produções recebidas pelos leitores infantis. Estes
Na literatura portuguesa para a infância e a juventude,
textos, revestindo-se, portanto, de um carácter «funda-
evidencia-se frequentemente uma dominante «paisa-
cional» pressentem-se quer nas adaptações ou nas rees-
gem marítima» (Zervou, 2002), um conjunto de textos
critas de índole diversa, como, e só para citar algumas,
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«A Nau Catrineta e…», uma versão destinada ao teatro
ram.7 Neste texto, o gigante Adamastor, sendo introdu-
assinada por Alice Gomes (1972, s/e), o «Romancinho
zido no texto a partir de uma narrativa encaixada (o
triste de um neto da Nau Catrineta» inserido em No
«Conto do Gigante» e sendo o seu retrato aterrador
Coração do Trevo, de Maria Alberta Menéres (1992, Ver-
meticulosamente traçado, é derrotado por Bartolomeu
bo), «A Nau Catrineta» incluída nas Histórias Tradicio-
Dias: «Lá quase no fim da Terra, / além do mar mais dis-
nais Portuguesas Contadas de Novo, de António Torrado
tante, / vive um medonho Gigante / que aos marinhei-
(2002, Civilização) ou Os Lusíadas de Luís de Camões
ros faz guerra. / [...] e Bartolomeu buscava / o Gigante,
Contados às Crianças e Lembrados ao Povo, de João de
e não o via… / [...] E Bartolomeu que viu? / Que desco-
Barros (1999, 44.ª ed., Sá da Costa Editora)—, quer nas
briu? / — Que o Gigante era um penedo / que tinha a
recriações de carácter parodístico, como nos casos do
forma de gente! [...] E agora o mar é livre e é seguro / —
poema «Romance da Nau Catrineta (do séc.
de
e foi um Português que o foi abrir» (Vieira, 1992, s/p).
Vergílio Alberto Vieira (Para Chegar a uma Estrela, 2005,
Em 1961, de Sophia de Mello Breyner Andresen vem a
Caminho) e da obra A Nau Mentireta, de Luísa Ducla
lume O Bojador (2000, 2.ª ed., Caminho), texto dramá-
Soares (1991, Civilização), texto ao qual concederemos,
tico em que as dificuldades da viagem até ao Cabo, que
ainda, um olhar mais incisivo mais adiante neste estudo.
Esta reflexão, ainda que global, acerca do tópico
o título anuncia, surgem pontuadas por um simbolismo
envolvente8 intimamente ligado à emergência do mar.9
marítimo na literatura portuguesa potencialmente rece-
Nesta obra, como em Bartolomeu Marinheiro, ouve-se
bida por crianças e jovens, traz também à colação
um Velho que dá voz, relativamente à aventura marítima,
outros nomes incontornáveis do panorama literário por-
a uma visão profundamente desencantada/disfórica,
tuguês que fizeram, uma vez ou outra, despontar a sua
lembrando o célebre discurso de o Velho do Restelo10
escrita a partir do momento e do cenário histórico das
em Os Lusíadas: «–Era melhor que visse o que está per-
Descobertas.
to. [...] Pois que há no mar? Distância, solidão, nevoei-
XXI)»,
Afonso Lopes Vieira, por exemplo, em 1912, publi-
ro, abismos, temporais, sede, fome, naufrágios, morte.
ca Bartolomeu Marinheiro (1992, 2.ª ed., Cotovia). Tex-
Em breve o reino estará cheio de crianças órfãs e de
to dramático no qual se detectam também ressonâncias
mulheres viúvas. Do mar não vem glória nem proveito»
de Os Lusíadas e do romance popular A Nau Catrineta,
(Andresen, 2000, s/p).
esta é uma obra consentânea com uma das intenções do
Semelhante ligação de carácter hipotextual opera-se
homem e do escritor, designadamente a divulgação da
entre os textos A Nau Mentireta, de Luísa Ducla Soares
«portugalidade» e dos valores ou mitos que a emoldu-
(1991, Civilização), As Naus de Verde Pinho, de Manuel
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15
Alegre (1996, Caminho), «A Porta dos Sete Mares», con-
Os Lusíadas em que Camões o faz surgir no «Mar Tene-
to incluído em Os Caçadores de Sonhos, de Miguel
broso» no «Cabo das Tormentas» (Canto V), uma cria-
Miranda (2004, Campo das Letras) e Aquilo que os
ção devedora de toda uma tradição literária europeia,
Olhos Vêem ou O Adamastor, de Manuel António Pina
representam um dos episódios mais marcantes da Lite-
(1999, Campo das Letras).
ratura Portuguesa, sendo crucial para a glorificação dos
Enquanto, em A Nau Mentireta e em «A Porta dos
portugueses, na medida em que, pela transposição do
Sete Mares», a empresa das Descobertas, surge transfi-
Cabo mencionado, se marca o destino da unificação de
gurada pela acção da paródia e pelo recurso ao cómico
dois mundos: o do Ocidente e o do Oriente.14
de situação, no primeiro caso, a partir da recriação do
Em cada um dos espaços textuais citados, projecta-
romance tradicional e, por exemplo, da referência ao
se, assim, um conjunto de elementos quer de raiz histó-
Adamastor, que é apresentado como um ser debilitado
rica, como acontece, por exemplo, nos sucessivos
por uma constipação,11 e, no segundo texto, pelo facto
apontamentos relativos à geografia ou às figuras históri-
do gigante, a sofrer de dores de dentes, ter permitido,
cas, quer de índole mítica, como é o caso da omnipre-
por acaso, a passagem das caravelas lusitanas além do
sença da figura do Adamastor, aspectos que, em última
Cabo das Tormentas, na obra As Naus de Verde Pinho,12
instância, convergem significativamente para um uni-
a proximidade com o intertexto Camoniano e com o
verso padronizado ou unitário e que, do ponto de vista
romance tradicional parece ser bastante mais sólida,
identitário, é culturalmente distinto de outros.
percebendo-se uma construção estereotipada, por
A inclusão da representação gigantesca e ameaça-
exemplo, da figura do Gigante que, embora seja repre-
dora do Adamastor resulta habitualmente de uma
sentado como Perna de Pau, surge na narrativa como
estratégia de heroificação dos frágeis navegadores por-
«um grande monte» e uma «grande nuvem preta» (Ale-
tugueses que, metonimicamente, se encontram, no
gre, 1996, 5).
espaço textual, no lugar de um Povo feito, aqui, pela
Comum às obras de Luísa Ducla Soares, de Manuel
literatura, valente e que «crescendo pelo mundo»,
Alegre e de Miguel Miranda a que nos referimos encon-
pelo mar e pela estruturação de um império, acaba por
tra-se, portanto, como sugerimos, a presença do Ada-
alcançar a glória.
mastor, figura recuperada e recriada, como mencioná-
O percurso ficcional seguido por Manuel António
mos, de forma plural pelos três autores e cuja relevân-
Pina em Aquilo que os Olhos Vêem ou O Adamastor
cia, no quadro imaginário português, parece ser indis-
(1998), orientando-se, também, pelas coordenadas his-
cutível.13
tórico-culturais da empresa das Descobertas, escolhe,
Note-se que o gigante Adamastor e o passo de
Ecos da Identidade Portuguesa...
16
igualmente, a figura do Adamastor como cerne do con-
do explicitamente o texto numa época determinada –os
flito protagonizado por um jovem, Manuel, e narrado,
Descobrimentos–, e, no segundo caso, auxiliam a inter-
de modo evocativo –«o meu coração está cheio de
pretação da acção, nomeadamente ao nível da estrutu-
memórias e de melancolias» (Pina, 1998, 11)–, em
ração do relato, das personagens e da relação que entre
finais do primeiro quartel do século
elas se opera. Enquanto, em «Breve notícia para a ceno-
XVI,
pelo físico e
astrólogo Mestre João.
grafia e os figurinos», o discurso é manifestamente his-
Composto em 14 cenas, este texto dramático evi-
toriográfico, recorrendo Manuel António Pina a fontes
dencia uma complexa arquitectura textual alicerçada
objectivas para a evocação verdadeira da vida a bordo
essencialmente na mudança de plano temporal, pois, na
das naus, em «Sinopse», ressemantiza-se a História,
obra, observa-se uma polarização em tempos distintos:
introduzindo-se, no universo das viagens reais de Barto-
«o tempo (presente) da narração de Mestre João, o tem-
lomeu Dias, de Pedro Álvares Cabral e de Vasco da
po da sua memória (perfeito) e, dentro deste, o tempo
Gama, por exemplo, a personagem Manuel e o seu pai
(mais-que-perfeito) da memória de Manuel» (Pina,
e inserindo a figura real do físico e astrólogo Mestre
1998, 9). Esta constante alternância temporal, aliada à
João no espaço da ficção.
densidade e ao dramatismo dos diálogos, bem como à
Importa, de igual modo, salientar a inclusão da
recorrência de vocábulos, por exemplo, do campo
seguinte nota de rodapé, que se centra, em exclusivo,
semântico das navegações, exigem da parte do receptor
na personagem Adamastor: «Adopta-se aqui o nome
de Aquilo que os Olhos Vêem ou O Adamastor um exer-
Adamastor por conveniência narrativa: o nome está
cício de descodificação hábil, estimulante e plural,
popularizado como personificação dos medos dos
baseado no cruzamento de códigos ou de conhecimen-
Mares do Fim do Mundo; a designação (importada por
tos pertinentes dos âmbitos linguístico, paralinguístico,
Camões da mitologia grega) é, como se sabe, de data
extralinguístico, literário, enciclopédico e cultural (Sán-
posterior» (Pina, 1998, 8). Neste segmento, explicita-se
chez-Fortún, 2003).
o facto do gigante corporizar tradicionalmente o temor
É neste sentido que interpretamos o facto do drama-
vivenciado pelos navegadores, deixando, ainda, o autor
turgo fazer anteceder o texto central da obra em ques-
transparecer uma preocupação relativamente ao rigor e
tão de uma «Breve notícia para a cenografia e os figuri-
à verdade factológica.
nos» e de «Uma sinopse». Estes segmentos de índole
O contacto com este texto de Manuel António Pina
paratextual facultam ao receptor informações, no pri-
sairá, também, muito enriquecido se o receptor possuir
meiro caso, de âmbito histórico-cultural cruciais, filian-
experiências de leitura tão diversas que lhe permitam
Ecos da Identidade Portuguesa...
17
participar num significativo jogo intertextual no qual se
em 1513, recebido uma tença de 12.000 reais nos arma-
conjugam «os relatos dos cronistas, certos autos de Gil
zéns da Índia. Ficcional, em relação a este personagem,
Vicente, Os Lusíadas, A Peregrinação de Fernão Mendes
é apenas a viagem de regresso, que constitui o tempo da
Pinto, a História Trágico-Marítima ou, ainda, já do sécu-
narração. Quanto ao narrado, salvos os acontecimentos
lo XX, o Bartolomeu Marinheiro, de Afonso Lopes Vieira,
vividos por Manuel, tudo o resto, incluindo descrições
e a Mensagem de Fernando Pessoa, cujo «Mostrengo» é
de gentes e lugares, é constituído por factos estritamen-
citado» (Gomes, 2000, 5).
te históricos ou fundado em crónicas da época. Os
Trata-se de uma obra híbrida, na medida em que se
alia a ficcionalidade inerente ao texto literário, em cons-
excertos teatrais utilizados na cena 11 são do «Auto das
Fadas», de Gil Vicente» (Pina, 1998, 9).
tante diálogo com outros textos, e uma determinada verdade decorrente da congregação de elementos resgata-
É neste contexto que consideramos a viagem e a
dos ao discurso da História e ao que foram os tempos
«paisagem marítima» (Zervou, 2002) os eixos estrutu-
em que o reino se despovoava ao cheiro da canela
rantes de Aquilo que os Olhos Vêem ou O Adamastor,
(Miranda, 1984, 482), em que «Pátria-Mãe-Viúva» (Tor-
quer pelo facto de emergirem como «espaço de separa-
ga, 1965, 22) vivia enovoada pela angústia da espera. O
ção entre o real e o utópico» (idem, ibidem, 164) ou um
registo vincula-se decisivamente num universo cronoló-
espaço de rivalidade entre o mítico e o racional
gico topologicamente localizado no qual surgem teste-
(idem, ibidem, 167), aspectos, aliás, anunciados pelo
munhados não só o individual, mas essencialmente o
próprio título da obra em análise, quer por constituirem
colectivo, como esclarece o autor na seguinte nota de
um local de vivência do medo e da dor individual de
rodapé, após a «Sinopse» a que nos referimos:
Manuel (e, em parte, da sua família), e não, como na
15
narrativa épica, de mitificação predominantemente
«Os acontecimentos descritos são, evidentemente,
colectiva. Em certa medida, assume, ainda, particular
ficção. Mas toda a peça tem como pano de fundo a rea-
relevância a concepção da viagem marítima enquanto
lidade histórica concreta, desde as viagens de Bartolo-
cenário de «passagem da infância à maturidade» (idem,
meu Dias e Pedro Álvares Cabral e suas circunstâncias,
ibidem, 175) ou de resolução de conflitos interiores ou
tempos e lugares, até a alguns personagens, como o pró-
de revelação do eu, visto que Manuel, jovem de 14/15
prio Mestre João, bacharel em Artes e Medicina, que foi
anos, se vê em face do desconhecido,16 num primeiro
físico e cirurgião de D. Manuel e viajou com Pedro Álva-
momento, desencadeado pela ausência incerta do pai,
res Cabral ao Brasil e, depois, à Índia, tendo mais tarde,
marinheiro da frota de Bartolomeu Dias, e por um
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estranho sonho, e, depois, pela sua própria aventura na
toda a narrativa/drama, e Aquilo que os Olhos Vêem ou
frota de Pedro Álvares Cabral, pela tempestade, pelo
O Adamastor, pela reinvenção de carácter epocal e,
suposto confronto com a Avantesma/Adamastor e pelo
ainda, pela recuperação de uma figura notoriamente
naufrágio sofrido ao passar o Cabo das Tormentas.
relevante de Os Lusíadas, à semelhança do que ocorre
Sobressaindo como um dos autores portugueses cuja
com a epopeia em geral, incrementam a memória, que
produção literária se salienta visivelmente pela sua
se impõe também como um passado colectivo e abso-
inovação ideotemática e pelas estratégias discursivas
luto (Béltran, 2002, 35).
que congrega, importa, ainda, salientar que não foi esta
No fundamental, a paisagem marítima dos textos
a primeira vez que Manuel António Pina desenhou o
portugueses para a infância, em geral, e das obras de
cenário da sua escrita a partir da ambiência marítima. Já
Manuel António Pina analisadas no presente estudo, em
em Os Piratas (1986), novela, mais tarde, reescrita e
particular, representam um espaço em que o real e o fic-
reestruturada com o objectivo da representação teatral
cional se fundem, daí resultando um lugar literário para-
(1998) e que, com o texto Aquilo que os Olhos Vêem ou
digmático, povoado de mitos e de reminiscências histó-
O Adamastor, acaba por formar um díptico, o mar, o
ricas, que poderão preencher apenas o universo cultu-
nevoeiro, as ilhas e os barcos, bem como a criação de
ral e identitário de um país irremediavelmente seduzido
uma atmosfera dominada pelo medo e pela incerteza,
pelo oceano.
concorrem para a construção de uma narrativa, em que
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Porto, Campo das Letras.
(2004): Breviário da Água, Lisboa, Caminho.
Menéres, Maria Alberta (1992): «Romancinho triste
de um neto da Nau Catrineta», in No Coração do Tre-
vo, Lisboa, Verbo.
Mésseder, João Pedro (1999): Versos com Reversos,
Lisboa, Caminho.
Miranda, Miguel (2004): Caçadores de Sonhos, Porto, Campo das Letras.
Miranda, Sá de (1984): «A António Pereira Senhor
do Basto, quando se partiu para a corte co’a casa toda»,
in Poesia de Sá de Miranda, Lisboa, Editorial Comunicação, pp. 482-494.
Pepetela (2003): «Estranhos Pássaros de Asas Abertas». in volume V de Os Lusíadas, Lisboa, Expresso.
Pignatelli, Inácio Nuno (2001): A Verdadeira Histó-
ria da Batalha de S. Mamede (baseada no facto histórico de D. Afonso Henriques se ter recusado a comer a
sopa), Porto, Campo das Letras.
Pina, Manuel António (1986): Os Piratas, Porto, Areal Editores.
—
(1998): Aquilo que os Olhos Vêem ou O Ada-
mastor, Porto, Campo das Letras / Pé de Vento.
Ecos da Identidade Portuguesa...
21
—
(2005): O Tesouro, Porto, Campo das Letras.
Soares, Luísa Ducla (1991): A Nau Mentireta, Porto,
NOTAS
1
Anthony Smith aponta os «mitos e memórias histórias comuns» como um
2
Acerca da problemática do lugar do romance histórico na literatura portu-
Civilização.
Soares, Maria Isabel de Mendonça (coord.) (1998):
dos aspectos basilares da identidade nacional (Smith, 1997, 28).
guesa, veja-se, por exemplo, o estudo exaustivo de Maria de Fátima Marin-
O Mar na Cultura Popular Portuguesa, Lisboa, Terramar.
Torrado, António (2002): Histórias Tradicionais Por-
tuguesas Contadas de Novo, Porto, Civilização.
Vaz, José (2000): A Fábula dos Feijões Cinzentos,
ho intitulado O Romance Histórico em Portugal (1999, Campo das Letras).
3
Cf. Gemma Lluch (2002): «Narración infantil y globalización», en CLIJ –
4
Sobre esta obra, vide Sara Reis da Silva (2005), Dez Réis de Gente… e de
Cuadernos de Literatura Infantil y Juvenil, n.º 152, pp. 44-54.
Livros Notas sobre Literatura Infantil, Lisboa, Caminho, pp. 188-192.
5
Porto, Campo das Letras.
Sophia de Mello Breyner Andresen (1958, 1.ª ed.; 1998. 37ª ed., Figueirin-
Vieira, Afonso Lopes (1992): Bartolomeu Marinhei-
has), Lendas do Mar, de José Jorge Letria (1998, Terramar) ou História do
ro, Lisboa, Cotovia (2.ª ed.).
Fundo do Mar, de Mário Castrim (1998, Campo das Letras), entre outros.
Vieira, Vergílio Alberto (2004): A Revolução das
Também na poesia para a infância se tem observado a prevalência significativa deste tópico. Vejam-se, por exemplo, o poema «Mar», de João Pedro
Letras, Porto, Campo das Letras.
—
É este também, em última instância, uma relevante isotopia em textos
narrativos de potencial recepção infantil como A Menina do Mar, de
Mésseder (Versos com Reversos, 1999, Caminho), o poema «A Janela e o
(2005): Para Chegar a uma Estrela, Lisboa,
Barco», de António Torrado (Conto Estrelas em Ti, coor. José António
Gomes, 2000, Campo das Letras) e algumas das composições poéticas reu-
Caminho.
nidas em Breviário da Água, de Francisco Duarte Mangas e João Pedro
Torga, Miguel (1965): «Largada», in Poemas Ibéri-
Mésseder (2004, Caminho). Na obra O Mar na Cultura Popular Portugue-
sa, uma edição coordenada por Maria Isabel de Mendonça Soares (1998,
cos, Coimbra, Ed. do Autor, p. 22.
Terramar), reúnem-se um conjunto de quadras populares, romances populares, lengalengas, adivinhas, provérbios, jogos infantis, cantigas populares, contos e lendas, textos nos quais o mar serve igualmente de motivo.
6
Sobre este conto, vide Ana Margarida Ramos e José Maria Lopes (2000):
«Imagens da Leitura/leitura das imagens: A propósito de A Ilha dos Pássa-
ros Doidos de Clara Pinto Correia», in Fernanda L. Viana, Marta Martins e
Eduarda Coquet (coords.): Actas do 2.º Encontro Nacional de Investigado-
res em Leitura, Literatura Infantil e Ilustração. Braga, IEC-UM, pp. 121-144.
7
Relativamente à obra de recepção infanto-juvenil de Afonso Lopes Vieira
vide Cristina Nobre (1999): «A obra para a infância e a juventude de Afonso Lopes Vieira» in Educação e Comunicação (Revista da Escola Superior
de Educação de Leiria), n.º 1, pp. 87-107.
8
Sobre este texto, vide Leonor Riscado (2005): «E o “Bojador” virou poema», in Malasartes [Cadernos de Literatura para a Infância e a Juventude],
dez. de 2004 - fev. de 2005, n.º 14, pp. 13-14.
9
Acerca da ambiência marítima em Sophia de Mello B. Andresen, vide Marcelino de Castro (1997): «O Rei de Ítaca-Ulisses, o mar e a viagem na poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen», in Ana Margarida Falcão, M. T.
Ecos da Identidade Portuguesa...
22
Nascimento e M. L. Leal (org.), Literatura de Viagem Narrativa, História,
Mito, Lisboa, Edições Cosmos, pp. 359-368.
10
Cf. «Trata-se da ancianidade (o passado, a experiência, o torrão natal, a
tradição…) opondo simbolicamente o seu critério ao da aventura que os
heróis iniciam». Esta perspectiva de José Filgueira Valverde acerca desta
figura camoniana é, em parte, coincidente com a que notamos acerca da
personagem Velho, de O Bojador.
11
Cf. «Junto da costa africana / o gigante adamastor / como estava constipado / pediu-lhe um cobertor» (Soares, 1991, s/p).
12
Sobre esta obra vide Maria do Sameiro Pedro (1999), «As Naus de Verde
Pinho, de Manuel Alegre», in No Branco do Sul As Cores dos Livros (Actas
do Encontro sobre Literatura para Crianças e Jovens, 25 e 26 de fevereiro
de 1999), Lisboa, Caminho, pp. 191-210.
13
Mesmo no que diz respeito à literatura para adultos, a recuperação da
figura do gigante Adamastor encontra-se, por exemplo, em «Estranhos Pássaros de Asas Abertas», conto original de Pepetela inserido no volume V
de Os Lusíadas editados pelo Expresso (2003), e, ainda, no romance histórico Peregrinação de Barnabé das Índias, de Mário Cláudio, mas, neste
caso, com a designação pessoana de mostrengo e conotado como «a mais
profusa das hidras das sete cabeçorras do medo» (Cláudio, 1997, 22).
14
Sobre o episódio do Adamastor n’ Os Lusíadas, vide José Filgueira Valverde (1981), Camões, Coimbra, Almedina, pp. 265-273.
15
Mestre João, durante o relato de Manuel, questiona-o, com cepticismo,
«E tu verdadeiramente crês em tal coisa?» e o protagonista responde-lhe
«Creio em Deus mas também naquilo que vejo, meu senhor…» (Pina,
1998, 37).
16
À afirmação da mãe de Manuel «Tem só 15 anos, é ainda um menino…»,
SARA REIS DA SILVA
responde o pai «15 anos? Com 15 anos já não é um menino, é um
Assistente na Universidade do Minho (Instituto de Estudos da Criança), des-
homem!» (PINA, 1998, 35).
envolvendo a sua docência e a sua investigação na área dos estudos literários e, em particular, da literatura de recepção infantil. É membro do projecto de investigação «Literatura Infantil e Educação para a Literacia» do
Centro de Investigação em Literacia e Bem-Estar da Criança (LIBEC). Prepara, actualmente, uma dissertação de doutoramento acerca da Literatura
Portuguesa para a Infância, designadamente sobre a obra de Manuel António Pina.
Tem apresentado diversas comunicações neste âmbito em encontros científicos nacionais e internacionais.
Possui vários artigos publicados acerca da literatura para a infância de
autoria portuguesa. Publicou, em 2002, A Identidade Ibérica em Miguel
Torga (Principia) e, em 2005, Dez Réis de Gente… e de Livros: Notas sobre
Literatura Infantil (Caminho). É colaboradora permanente da revista Malasartes (Cadernos de Literatura para a Infância e Juventude).
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Maquetación 1