R E V I S TA P O R T U G U E S A DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS Lisboa • Ano 108º • Vol. CIV • Nº 569-572 • pp 1 - 90 • Jan - Dez 2009 Propriedade Sociedade Portuguesa de Ciências Veterinárias NIPC - 501 334 327 Fundador João Viegas Paula Nogueira Director José Pimentel de Carvalho Editor Co-editor Yolanda Vaz José Alexandre Leitão Conselho Editorial Cristina Lobo Vilela José Robalo Silva José Pedro Lemos José Oom Vale Henriques Luís Anjos Ferreira Telmo Pina Nunes Endereço / Address FMV Pólo Universitário do Alto da Ajuda Av. da Universidade Técnica 1300-477 Lisboa Tel: +351 213580222, Fax: +351 213580221 Email: [email protected] Internet: http://www.fmv.utl.pt/spcv/ Publicidade Apoios Design Gráfico e Paginação Pré-impressão e Impressão Sociedade Portuguesa de Ciências Veterinárias Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Técnica de Lisboa Maria José Beldock Direcção Geral de Veterinária É permitida a reprodução do conteúdo desta revista The reproduction of the contents of this publication is permitted Desejamos estabelecer permutas com outras publicações We wish to establish exchange with other publications Os trabalhos submetidos para publicação são analisados por especialistas Papers submitted for publication are peer reviewed A Revista Portuguesa de Ciências Veterinárias foi fundada em 1902 Publicação Semestral Tiragem 1000 exemplares Preço 25,00 Euro Índice Artigos de revisão Nutrigenômica: situação e perspectivas na alimentação animal Nutrigenomics: state of the art and perspective in animal feeding 5 Fernanda M. Gonçalves, Marcio N. Corrêa, Marcos A. Anciuti, Fabiane P. Gentilini, Jerri Teixeira Zanusso, Fernando Rutz Abordagem clínica de feridas cutâneas em equinos Clinical approach in equine skin wounds 13 Júlio C. Paganela, Leandro M. Ribas, Carlos A. Santos, Lorena S. Feijó, Carlos E.W. Nogueira, Cristina G. Fernandes Utilização de bloqueio anestésico para exodontia do dente carniceiro em cão Block anesthesic used to do exodontia of canassial tooth in dog 19 Víviam N. Pignone Memórias científicas originais Transferência embrionária em bovinos leiteiros na Ilha Graciosa (Açores): programa experimental de transferência de embriões sexados e congelados da raça Holstein Frísia Embryo transfer in dairy cattle at Graciosa Island (Azores): an experimental trial of sexed and frozen-thawed transfer of Holstein Friesian embryos 25 João Chagas e Silva Exatidão da ultra-sonografia para diagnóstico de gestação aos 28 dias após inseminação e sua contribuição na eficiência reprodutiva em fêmeas Nelore e cruzadas Accuracy of the ultrasonography for pregnancy diagnosis at 28 days after insemination and its contribution in the reproductive efficiency on Nelore and crossbred females 31 Adriana Gradela, Thiago Danieli, Tiago Carneiro, Denílson Valin Torres, Cássio Roberto Gradela, Vanessa Sobue Franzo Estudo do balanço eletrolítico alimentar para suínos machos castrados em acabamento mantidos em ambiente de alta temperatura Study of feed electrolyte balance of finishing castrated male pigs under high environmental temperature 37 Anilce A. Bretas, Rony A. Ferreira, Patrícia C.B. Vale, Humberto P. Couto, Walter E. Pereira Estudo casuístico de dermatites por reacção de hipersensibilidade em cães e gatos Case study of dermatitis hypersensitivity reaction in dogs and cats 45 Sílvia Silva, Sara Peneda, Rita Cruz, Helena Vala Parâmetros ecocardiográficos de cães cronicamente infectados com Trypanosoma cruzi (Cepa Colombiana) Echocardiographic parameters of dogs chronically infected by Trypanosoma cruzi (Colombian strain) 55 João P.E. Pascon, Marlos G. Sousa, Aparecido A. Camacho Caracterização de agressões entre canídeos (83 casos) Characterization of dog-to-dog aggression (83 cases) Sofia Mouro, Cristina L. Vilela, Manuela R.E. Niza 61 Avaliação bacteriológica de anéis de lula, Dorytheutis plei (Blainville, 1823) (Mollusca: Cephalopoda), congelados e irradiados Bacteriological evaluation of squid rings, Dorytheutis plei (Blainville, 1823) (Mollusca: Cephalopoda), frozen and irradiated 71 Flávia A. A. Calixto, Robson M. Franco, Eliana F. M. Mesquita, Helio C. Vital, Erika Murayama Comunicações breves Redução de fenda palatina, secundária a tumor venéreo transmissível, com obturador palatino Reduction of cleft palate, secondary to transmissible venereal tumor, with palatal prosthesis 77 Liliana M. R. Silva, Fernando J. R. Magalhães, Ana Margarida A. Oliveira, Maria Cristina O. C. Coelho, Sílvia V. Saldanha Tronco celíaco-mesentérico em gato Celiac mesenteric trunk in cat 83 Magno S. Roza, Fernanda M. Pestana, José M.F. Hernandez, Bárbara X. Silva, Marcelo AbiduFigueiredo Electrocution accident in free-ranging bugio (Alouatta fusca) with subsequent amputation of the forelimb: case report Acidente elétrico em bugio de vida livre (Alouatta fusca) com consequente amputação do membro torácico: relato de caso Melissa P. Petrucci, Luiz A. E. Pontes, Fábio F. Queiroz, Márcia C. Cruz, Diogo B. Souza, Leonardo S. Silveira, Ana B. F. Rodrigues 87 ARTIGO DE REVISÃO R E V I S TA P O R T U G U E S A DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS Nutrigenômica: situação e perspectivas na alimentação animal Nutrigenomics: state of the art and perspective in animal feeding Fernanda M. Gonçalves*, Marcio N. Corrêa, Marcos A. Anciuti, Fabiane P. Gentilini, Jerri Teixeira Zanusso, Fernando Rutz Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil Resumo: O objetivo desta revisão é relatar a situação de estudos em nutrigenômica em sistemas de produção animal discutindo perspectivas quanto à utilização prática das interações entre nutrição e genótipo e os benefícios produtivos relacionados. A importância da nutrição para a saúde e sua influência na ocorrência de doenças já é comprovada cientificamente por instituições de pesquisa. A conversão metabólica de componentes da dieta atua como um mecanismo de controle para a expressão genética. Desta forma, estudos em nutrigenômica têm despertado o interesse de cientistas, buscando entender a maneira como a alimentação regula a expressão de genes. O conhecimento de que a interação dieta-genoma possa contribuir para resolução de doenças crônicas ainda é discutido mundialmente, e o mecanismo de atuação de componentes dietéticos em nível molecular, ainda não foi evidenciado. Em sistemas intensivos de produção animal, esta área de estudos contribuirá para um melhor aproveitamento dos ingredientes das rações os quais representam um percentual considerável nos custos de produção. A necessidade em fornecer ingredientes naturais e biodisponíveis em dietas para animais, motiva a pesquisa em nutrição e alimentação animal para o conhecimento de como determinados nutrientes irão atuar nos sistemas orgânicos e, conseqüentemente, melhorar o desempenho zootécnico e padrão sanitário dos efectivos animais. De acordo com o que foi descrito, o artigo de revisão abordará a aplicação desta ciência em sistemas de produção animal bem como os estudos já desenvolvidos nesta área. Summary: The aim of this review is to discuss the worldwide studies in nutrigenomics applied in farm animals systems, considering the perspectives about practical applications of nutrition gene interaction for animal health and the related benefits. The value of nutrition for health and its influence in many diseases is proved by researches laboratories and institutions. The metabolic conversion of chemical elements of diets also acts like a control mechanism for genetic expression. Therefore, the interest of nutrigenomics researches appears to be stronger, were scientific communities searches for answers about how food can regulated gene expression. The evidences of diet and genome interaction contribution for the wellness in chronic diseases conditions still remains in discussion, and the mechanisms by which nutrients perform molecular changes are still to be explained. In intensive animal production systems, *Correspondência: [email protected] Tel/fax: +55 53 32757274 this area of knowledge will contributed for a better used of diets ingredients, which represented a considerable high cost in the activity. The needed to offer natural and available ingredients in animal diets motivates research in animal nutrition and feeding into the explanation of the acting mechanism of the nutrients in organics systems in order to increase the performance and sanitary condition of animals. According to that, this review will address the application of nutrigenomics concepts in animal production systems and the research development in this field. Introdução Em sistemas de produção animal que visam obter alimentos para consumo humano, a maior parte dos custos, independente da espécie animal a ser explorada, concentra-se nas despesas com a alimentação dos rebanhos. Estima-se que tal despesa represente de 70 a 80% do total de recursos despendidos em um sistema de produção animal intensivo. A precisão na determinação dos ingredientes ideais que irão favorecer índices zootécnicos de interesse pode ser a solução para reduzir esse custo com alimentação (Berchielli et al., 2006). Um adequado consumo de macro e micronutrientes que considere a idade, a constituição genética e o metabolismo de cada indivíduo, permite uma melhoria na saúde e na eficiência produtiva a um baixo custo em relação a outros procedimentos (Ames, 2004). A importância da interação entre nutrição e saúde é evidente em um sistema de produção animal, ainda que fatores ligados a ambiente e manejo também influenciem o desempenho produtivo do indivíduo e do rebanho por conseqüência. Nesse contexto, alguns alimentos poderão apresentar-se como componentes bioativos na proteção do organismo contra enfermidades que possam acometer os rebanhos (Afman e Muller, 2006; Ferguson, 2006), sendo que alguns elementos como, selênio, vitamina E, ácido ascórbico e carotenos, por exemplo, já foram identificados como agentes protetores. Com o desenvolvimento de métodos bioquímicos e de técnicas de biologia molecular, a elucidação dos 5 Gonçalves FM et al. mecanismos químicos de ação de constituintes da dieta, assim como seus efeitos subseqüentes em mecanismos homeostáticos relacionados à condição de saúde ou doença, está avançando de forma rápida e gradual. O mapeamento do genoma humano e ensaios realizados em modelos biológicos também possibilitaram a condução de estudos e a identificação de genes responsáveis por reações específicas ligadas a mudanças dietéticas em indivíduos susceptíveis a determinadas enfermidades. Ainda que parte da informação sobre os genes que constituem o código genético, suas respectivas localizações no cromossoma, estrutura e função tenham sido identificadas, ainda serão necessários estudos sobre a forma orquestrada em que os genes atuam no metabolismo (Marti et al., 2005). Essas interações são estudadas pela genômica da nutrição, ciência conhecida como nutrigenômica. O termo faz referência ao modo como certos nutrientes interagem com os genes de um sistema orgânico em particular, favorecendo a síntese de proteínas de forma benéfica ao indivíduo. Atualmente, muitas publicações na área de nutrição e saúde humana têm utilizado conceitos de nutrigenômica para estudar a prevenção e, em menor potencial, o tratamento de doenças multifatoriais (Sedová e Seda, 2004; Ferguson, 2006; Trujillo et al., 2006). Assim, trata-se de uma área da ciência em expansão e que ainda necessita de muitos estudos para que ações sejam adotadas a fim de maximizar os benefícios do melhor entendimento das interações gene-nutrientes. Ainda são escassos na bibliografia mundial, estudos ou revisões que procurem informar técnicos e pesquisadores dedicados as áreas de ciências biológicas e agrárias sobre os conceitos e aplicações da nutrigenômica em sistemas de produção animal. O objetivo desta revisão é relatar a atual situação de estudos de nutrigenômica bem como discutir perspectivas do conhecimento e entendimento das interações entre nutrição e genótipo para a saúde animal e, conseqüentemente, os benefícios produtivos relacionados. Nutrigenômica: estado da arte A combinação de dados através de projetos para mapeamento do genoma das espécies, e a disponibilidade de ferramentas de alta tecnologia para a investigação da expressão gênica, permitem o esclarecimento sobre a complexa interação entre nutrição e genoma a qual afeta diretamente a função celular. Embora a nutrigenômica seja uma ciência recentemente descoberta, o conhecimento de que componentes dos alimentos afetam a expressão de determinados genes e, por conseqüência, a expressão fenotípica, já esta claramente evidenciada (Bergmann et al., 2006). 6 RPCV (2009) 104 (569-572) 5-11 As informações obtidas a partir de estudos de nutrigenômica poderão orientar para a elaboração de uma dieta mais específica considerando a condição de saúde dos animais e a composição nutricional dos alimentos, o que poderá proporcionar melhores respostas metabólicas e, conseqüentemente, de produção. Esta nova ciência permitirá a prevenção de doenças importantes em humanos como obesidade, hipertensão e diabetes, bem como otimizar as terapias para estas enfermidades. Em animais também poderão ser prevenidas enfermidades prevalentes, em especial àquelas ligadas a condição nutricional do indivíduo (Sedová e Seda, 2004), como é o caso da cetose, por exemplo, uma enfermidade de etiologia metabólica a qual acomete principalmente rebanhos leiteiros com condição corporal acima do preconizado no momento do parto (Ingvartsen, 2006). Desta maneira, poderão ser prevenidas doenças de origem metabólica em função de uma correta nutrição dos rebanhos (Goodacre, 2007), através do mapeamento de genes relacionados a expressão de determinadas características da espécie, sexo, padrão racial, genético e que potencialmente sejam suprimidos por componentes funcionais das dietas. Em aves domésticas, já foram descritas várias diferenças no pareamento de bases (2,8 milhões) entre linhagens (International Chicken Polymorphism Map Consortium, 2004), evidenciando a ampla diversidade genética em uma mesma espécie e, até mesmo, em um mesmo gênero. A utilização das ferramentas para a pesquisa em nutrigenômica permitirá estudar os mecanismo de nutrientes ou alimentos bioativos sobre a expressão (transcrição e tradução) e sobre o metabolismo de genes, especialmente sobre o mecanismo molecular e requerimento de nutrientes (Jiang et al., 2004; Trujillo et al., 2006), bem como sobre a forma em que alimentos bioativos podem interagir entre si. Neste contexto a nutrigenômica apresenta algumas premissas básicas (Trujillo et al., 2006): - a dieta e os componentes dietéticos podem alterar o risco de desenvolvimento de doenças, modulando os processos múltiplos envolvidos com o início, a incidência, a progressão e/ou severidade; - os componentes do alimento podem agir no genoma, direta ou indiretamente, alterando a expressão dos genes e dos produtos destes; - a dieta pode potencialmente compensar ou acentuar efeitos de polimorfismos genéticos; - as conseqüências de uma dieta são dependentes do estado da saúde ou da doença e da genética de cada indivíduo; - intervenções na dieta baseadas fundamentalmente no conhecimento das necessidades nutricionais e no genótipo, podem ser utilizadas para o desenvolvimento de planos nutricionais individualizados que otimizem a saúde e previnam ou minimizem os efeitos das doenças crônicas. A possibilidade de adequar a alimentação às carac- Gonçalves FM et al. terísticas do código genético de cada indivíduo, a fim de prevenir o desenvolvimento de certa enfermidade identificada geneticamente, tem estimulado pesquisadores de todo o mundo a aprofundar conhecimentos nesse segmento de pesquisa. Em estudos de laboratório, pesquisadores já verificaram que a lunasina encontrada na soja, influencia 123 genes envolvidos no surgimento do câncer de próstata auxiliando a interrupção no crescimento do tumor. Também foi evidenciado que o brócolis estimula a ação de genes envolvidos na produção de antioxidantes que atuam mantendo as artérias saudáveis (Moraes e Colla, 2006). Assim como a soja e o brócolis apresentam efeitos benéficos para saúde humana, atuando como coadjuvantes na prevenção de doenças, outros alimentos poderão igualmente atuar como suportes em tratamentos de doenças crônicas em animais de produção, uma vez que sejam estudadas e evidenciadas suas propriedades terapêuticas. Alguns alimentos têm sido estudados a fim de elucidar seus princípios ativos, entretanto, informações concretas de como estes componentes nutricionais atuam no processo de síntese de aminoácidos e proteínas, em nível de código genético, e a maneira como serão aplicadas, ainda não são totalmente esclarecidas. Na área de clínica veterinária, alguns marcadores biológicos têm sido utilizados como ferramentas para diagnóstico definitivo de alguma doença ou, até mesmo, como medida de profilaxia. Um exemplo, é a utilização de biomarcadores para a detecção de exposição à aflatoxinas (Lino et al., 2007), as quais inibem a síntese proteica e do DNA, promovem stress oxidativo, induzem a fragmentação do DNA e interrompem o ciclo celular (Lino et al., 2004). Nos estudos em nutrigenômica, utilizam-se técnicas como o microarranjo para analisar as adaptações metabólicas que são induzidas pelas variações da nutrição (Bauer et al., 2004). O microarranjo (gen chip) é uma técnica experimental da biologia molecular que busca medir os níveis de expressão de transcritos em larga escala, isto é, medindo muitos (em alguns casos todos) transcritos simultaneamente. O desenvolvimento da tecnologia de microarranjo permite aos cientistas uma ferramenta para examinar sítios potenciais de ação de componentes alimentares e suas interações com vários processos celulares. Com o uso desta ferramenta, diversos genes e sua expressão relativa são avaliados simultaneamente em células normais e doentes, antes ou depois da exposição a diferentes componentes dietéticos. Como exemplo de tal evolução, cita-se o progresso do projeto do genoma suíno e de aves, o qual apresentou consideráveis avanços quanto ao entendimento da seqüência de nucleotídeos associada a genes específicos de suínos permitiu a produção comercial de microarranjos individuais (gen chip) que podem ser utilizados para avaliação de 23256 transcrições correspondentes a 20201 genes do genoma desta espécie (Caetano et al., 2004). RPCV (2009) 104 (569-572) 5-11 Estas informações podem auxiliar a descoberta de novos biomarcadores para o diagnóstico de doenças e a predição de prognóstico, além de novas alternativas terapêuticas (Trujillo et al., 2006). O surgimento dos estudos em nutrigenômica e em nutrigenética, dois campos com diferentes abordagens para a elucidação da interação entre dieta e genes, possui um objetivo final em comum: otimizar a saúde através de uma dieta personalizada e fornecer poderosa aproximação para decifrar a complexa relação entre moléculas nutricionais, polimorfismo genético e o sistema biológico por inteiro (Mutch et al., 2005). A nutrigenômica descreve o uso de ferramentas para investigar um sistema biológico em particular, de acordo com um estímulo nutricional que irá permitir o conhecimento de como nutrientes influenciam mecanismos metabólicos e de controles homeostáticos. Por outro lado, a nutrigenética visa compreender como o tipo genético de um indivíduo coordena a resposta deste a uma dieta, e isto considerando o polimorfismo genético. O polimorfismo genético é reconhecido como um fator que pode alterar a resposta a componentes da dieta (efeito da transcrição nutricional) por influenciar a absorção, metabolismo ou sítio de ação (Kussmann et al., 2006). A nutrigenômica em sistemas de produção animal Os estudos que estão sendo realizados na área da nutrigenômica são, em maior parte, desenvolvidos em humanos. Desta maneira, ainda serão necessários muitos ensaios para determinar e compreender os benefícios advindos de nutrientes que sabidamente são responsáveis por contribuir para um desempenho produtivo satisfatório, mas que ainda não foram consolidados em relação a possíveis interações com determinados genes em diferentes espécies. Neste contexto inserem-se os minerais, nucleotídeos, aminoácidos, as vitaminas, dentre outros elementos orgânicos que podem modificar a transcrição de genes com o potencial de alterar as respostas biológicas e metabólicas envolvidas em processos como o crescimento e a diferenciação celular. Siske et al. (2000) observaram maior peso dos ovos quando utilizaram zinco e manganês, ambos na forma orgânica, nas dietas de aves produtoras de ovos. Em uma primeira análise, não se observa uma correlação entre a suplementação de tais minerais e o incremento de solutos e líquidos na composição do ovo. No entanto, estes elementos atuam ativamente como co-fatores em processos enzimáticos importantes para o organismo. A enzima anidrase carbônica, por exemplo, necessita da presença de zinco para catalisar a reação que produz ácido carbônico a partir de água e dióxido de carbono (Slattery et al., 2004), necessária para a formação da casca. É possível que outras 7 Gonçalves FM et al. reações orgânicas sejam direta ou indiretamente influenciadas por diferentes minerais, e que interações entre estes e o conteúdo genético do indivíduo ocorram durante a exposição. A utilização de nutrientes com maior biodisponibilidade ao organismo poderá fornecer as quantidades ideais de um determinado mineral após o estabelecimento da dieta gênica para uma raça ou linhagem. Em um experimento com cobaias, observou-se que ratos alimentados com uma dieta pobre em selênio demonstraram um aumento na expressão de genes envolvidos no processo de danificação do DNA, no estresse oxidativo e no controle do ciclo celular e, ainda, apresentaram redução na expressão de genes envolvidos na detoxificação (Sreekumar et al., 2002). Blanchard et al. (2001) utilizaram arranjos de cDNA para demonstrar mudanças na expressão gênica intestinal induzida por deficiência de zinco em roedores. Estes estudos indicam que o perfil de expressão genética pode ser utilizado para a detecção de doses subótimas de micronutrientes essenciais utilizados nas dietas comerciais para as diversas espécies de interesse zootécnico. Os componentes do alimento com potencial bioativo modificarão diversos processos simultaneamente. Assim, um dos desafios no campo da pesquisa é a identificação de quais processos, ou a interação entre processos, serão mais importantes para proporcionar uma mudança fenotípica (Trujillo et al., 2006). Outro aspecto relevante a ser observado é a identificação de quais doenças poderão ser prevenidas ou debeladas por uma intervenção através da dieta. No estudo da relação nutrição-gene também deverá ser considerado o fator ambiental como um agente modulador da resposta, a qual será única frente às variadas condições ambientais. A progressão de um fenótipo saudável para um fenótipo de doença crônica deve ocorrer por mudanças na expressão de genes ou por diferenças na atividade de proteínas e enzimas (Kaput e Rodriguez, 2004), sendo estas ativadas ou suprimidas por agentes extrínsecos ao animal. Um grande número de componentes dietéticos pode alterar eventos genéticos e, de tal modo, influenciar a saúde. Além dos nutrientes essenciais, tais como cálcio, zinco, selênio, folato, vitaminas C e E, existe uma variedade de classes de nutrientes não essenciais e de componentes bioativos que parecem influenciar de maneira significativa a saúde. Estes compostos essenciais e não essenciais do alimento, sabidamente modificam um número de processos celulares associados à prevenção de doenças, incluindo o metabolismo carcinogênico, o balanço hormonal, mecanismos de sinalização celular, controle do ciclo celular, apoptose e angiogênese (Davis e Uthus, 2004). A vitamina E, por exemplo, é um potente seqüestrador de radicais livres e o mais poderoso antioxidante lipossolúvel da natureza (Souza et al., 2006), sendo associada à defesa das membranas extra 8 RPCV (2009) 104 (569-572) 5-11 e intracelulares contra espécies reativas que danificam as células, conferindo, conseqüentemente, proteção ao conteúdo genético destas estruturas. Souza et al. (2006) relataram efeitos positivos para força de cisalhamento (força de corte) em músculos de frangos de corte suplementados com níveis crescentes de vitamina E nas dietas, atribuindo esta maior firmeza à função de proteção da vitamina E às injúrias na membrana celular durante o processo de congelamento. Contudo, tal resultado pode ser utilizado para uma investigação mais profunda, associando a composição estrutural muscular de frangos suplementados com vitamina mais firme à expressão de genes para a síntese de proteínas estruturais da fibra muscular, por exemplo. Desta forma, uma avaliação genômica da ação da vitamina E no organismo animal conduziria a uma determinação mais específica sobre a função estrutural deste nutriente. Uma questão sobre o selênio interessante de ser destacada é que estudos demonstraram que este mineral reduz a incidência de câncer no fígado, próstata e nos pulmões de humanos (Clark et al., 1996). Entretanto os indivíduos não respondem da mesma forma a suplementação com selênio, já que a variabilidade genética consiste em um dos fatores que contribuem para o nível e o tipo de resposta. A glutationa peroxidase é uma enzima dependente de selênio que atua no sistema antioxidante da membrana celular. Um polimorfismo no códon 198 da glutationa peroxidase em humanos resulta em uma substituição de leucina por prolina, sendo este mecanismo associado ao aumento do risco de câncer de pulmão (Singh et al., 2006). Não foram identificadas neste estudo as causas que influenciaram este polimorfismo, no entanto, tal alteração pode estar relacionada a quantidade de selênio que é necessária para otimizar a atividade da enzima. A eficácia do uso de selênio com diferentes alelos para a glutationa peroxidase não é totalmente conhecida (Hu e Diamond, 2003). A atividade da vitamina D constitui um outro exemplo sobre os efeitos mediados pela expressão genômica de receptores para a mesma. Por sua vez, a expressão de genes para estes receptores são dependentes dos níveis de cálcio na dieta e do consumo de Vitamina D (Slattery et al., 2004). Dada a importância desta vitamina nos mais diferentes processos fisiológicos dos animais, informações que possam maximizar os benefícios de seus efeitos, implicaram em novas aplicações de conceitos nutricionais na formulação de dietas para animais de produção. A nutrigenômica em nutrição animal promete ser uma alternativa de grande utilidade principalmente em sistemas de produção intensiva, onde a alimentação contribui, associada a outros fatores inerentes ao ambiente e métodos de manejo, com uma parcela significativa para a melhoria do desempenho zootécnico dos lotes, bem como na rentabilidade econômica Gonçalves FM et al. das unidades. Para este aumento na eficiência biológica, a aplicação de novas tecnologias em produção animal serão responsáveis por custos de produção mais baixos e competitivos. Nos domínios metabólico, genético, reprodutivo e produtivo, novas técnicas que não apresentem riscos à saúde pública e que sejam eticamente aceitas pelo consumidor, permitirão aplicar no próximo século e nos sistemas de produção intensiva, tecnologias de produção que incrementem o setor primário de produção de alimentos (Portugal, 2002). Os princípios de nutrigenômica a serem aplicados para animais de produção, poderão não ter somente o objetivo de prevenir doenças relacionadas a alterações genéticas, mas também correlacionar à utilização de certo nutriente em uma dieta animal com o aumento de índices produtivos. As descobertas a serem realizadas na próxima década utilizando ferramentas moleculares, tais como os microarranjos, irão revolucionar nosso entendimento básico sobre a fisiologia dos rebanhos e auxiliarão a definir novos métodos para o controle nutricional dos animais. Em longo prazo, provavelmente a transcrição destes perfis será capaz de fornecer diversas ferramentas elementares para a avaliação do status nutricional e fisiológico de um indivíduo, animal ou grupo de animais (Dawson, 2006). As técnicas utilizadas para a elucidação da genômica nutricional não são diferentes daquelas utilizadas nas pesquisas em genética molecular. Uma rede integrada que simultaneamente examina a genética e associa polimorfismo com doenças ligadas a dietas (nutrigenética), nutrientes induzindo a metilação do DNA e a alteração da cromatina (epigenômica nutricional), nutrientes que induzem mudanças na expressão gênica (transcriptômica nutricional) que alteram a formação e/ou bioativação de proteínas (proteômica) irá permitir um completo entendimento da inter relação entre dieta e desenvolvimento de doenças (Davis e Milner, 2004). Alimentos funcionais O termo “funcional”, bioativo ou nutracêutico, vem sendo aplicado como conceito de alimentos que proporcionam um benefício fisiológico adicional além das qualidades nutricionais básicas. Tais alimentos também são vistos como promotores de saúde, sendo muitas vezes associados a um tratamento profilático à instalação ou retardo de alterações pré- estabelecidas (Moraes e Colla, 2006). Variações entre os alimentos ingeridos não somente influenciam o consumo de componentes bioativos como alteram o metabolismo celular, influenciando os sítios de ação de ambos nutrientes essenciais e não essenciais (Milner, 2004). Segundo Diplock et al. (1999) foi definido consensualmente o conceito europeu de alimento funcional RPCV (2009) 104 (569-572) 5-11 como “um alimento em que está satisfatoriamente demonstrado possuir efeito benéfico em uma ou mais funções fisiológicas alvo, para promover a saúde e bem-estar e/ou reduzir o risco de doença”. Um alimento funcional deve assim configurar-se, e seus efeitos devem ser demonstrados em doses que possam ser normalmente esperadas em uma dieta. Embora associado, este conceito não deve ser confundido com o conceito de nutracêutico, o qual se refere a um composto químico presente naturalmente nos alimentos ou substâncias encontradas naturalmente na natureza possíveis de ser ingeridas, como as ervas aromáticas, por exemplo, que sabiamente são benéficas para o organismo humano na prevenção ou tratamento de uma ou mais doenças, reforçando as reações fisiológicas. Embora, a maioria das substâncias de ocorrência natural benéficas a saúde originem-se de plantas, também existem diversos componentes fisiologicamente ativos em produtos de origem animal que devem ser destacados devido a função em potencial na promoção de saúde como, por exemplo, os ácidos graxos conjugados encontrados em produtos cárneos, principalmente (Prates e Mateus, 2002). As recomendações nutricionais variam conforme a espécie, sexo, categoria linhagem ou raça e, considerando estas características, diversos manuais são elaborados baseados em exigências específicas. Em muitas situações a formulação das dietas não permitem a máxima expressão do potencial genético dos animais de produção, desconsiderando o manejo nutricional como favorecedor do desempenho. A maioria das vezes, tal medida é realizada através de ensaios que avaliam o desempenho dos animais submetidos a uma dieta e também por estudos de digestibilidade que determina, através das excretas do animal, a porção do alimento ingerido que realmente foi aproveitada pelo organismo. Estes ensaios, comuns nos estudos de nutrição animal, necessitam de um melhor aproveitamento de seus resultados, sendo necessário o conhecimento do sistema orgânico que está sendo favorecido por determinado nutriente. Nesse sentido, estudos de nutrigenômica permitiriam o entendimento do efeito de alimentos bioativos nas diversas funções celulares. Embora os estudos em nutrigenômica tenham progredido consideravelmente, a complexidade da interação entre nutrientes e genes promove questionamentos ainda não esclarecidos, impossibililitando a aplicação dos benefícios relacionados a este novo conceito nos sistemas de produção animal. Conclusão Considerando o que foi relatado nessa revisão, entende-se que a variação genética individual pode influenciar a maneira com que nutrientes são assimi9 Gonçalves FM et al. lados, metabolizados, armazenados e excretados pelo organismo. Certamente o estudo da nutrigenômica permitirá uma maior compreensão de fatores ambientais e comportamentais que influenciam o fenótipo, possibilitando a formulação de dietas que favoreçam a condição de cada sistema de produção animal em especial, personalizando estas unidades de produção. O sucesso em aplicação deste novo conceito em nutrição possibilitará a maximização dos índices de produtividade e, conseqüentemente, a rentabilidade da atividade agropecuária. Para tal, muitos estudos ainda precisam ser desenvolvidos a fim de identificar e validar o potencial de alimentos ou componentes nutricionais que determinarão características ou condições desejáveis no organismo animal ou mesmo minimizar as não desejáveis. Bibliografia Afman L e Muller M (2006). Nutrigenomics from molecular nutrition to prevention of disease. Journal of the American Diet Association, 106, 569-576. Ames BN (2004). A role for supplements in optimizing health: the metabolic tune-up. Archives of Biochemistry and Biophysics, 423, 227-34. Bauer M, Hamm A, Pankratz MJ (2004). Linking nutrition to genomics. Biological Chemistry, 385, 593-596. Berchielli TT, Pires AV, Oliveira SG (2006). Nutrição de Ruminantes. FUNEP, Jaboticabal-SP. Prol Editora Gráfica. 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Feijó, Carlos E.W. Nogueira, Cristina G. Fernandes Universidade Federal de Pelotas – RS – Brasil Resumo: Problemas cutâneos são comuns em eqüinos e freqüentemente determinam complicações e dificuldades diagnósticas. Devido à alta incidência de lesões cutâneas em eqüinos registrados no HCV no período de 2000 a 2008, e ao fato de que abordagem de feridas cutâneas em eqüinos está ligada à rotina dos profissionais especializados nessa espécie, acredita-se na importância do estudo desse assunto. Assim sendo, o artigo tem por objetivo realizar uma revisão do tema abordando os aspectos clínicos do processo cicatricial, complicações na cicatrização e as principais formas de tratamento alopático e fitoterápico, com o objetivo de auxiliar o profissional desde o manejo inicial da ferida até o completo reparo tecidual. Palavras-chave: feridas cutâneas, cicatrização, eqüinos Summary: Skin problems in the horse are a common occurrence and can often be complicated and difficult to diagnose. Due to the high incidence of equine cutaneous injuries, registered in Veterinarian Clinical Hospital, during the period of 2000 to 2008, and considering that the approach of cutaneous wounds in equines stand together with the routine of equine practioneers, its necessary to clarify this issue. In this way, clinical aspects about healing process, proud flesh complications and the major allopathic or phytotherapic therapy are rewiwed with the aim to support practitioners conduct from the initial manipulate of wound until the complete tissue repair. Keywords: cutaneous wounds, proud flesh, equine Introdução ferimentos localizados nos membros locomotores. O Hospital de Clínicas Veterinária (HVC) da Universidade Federal de Pelotas/RS disponibiliza atendimento clínico a eqüinos provenientes da região Sul do Estado do Rio Grande do Sul. Os cavalos da raça Crioula e os cavalos de tração (carroça) compõem a maioria dos atendimentos na rotina hospitalar. A partir de um estudo retrospectivo dos casos clínicos registrados no HVC entre os anos 2000 e 2008, pôde-se registrar alta incidência (37%) de afecções cutâneas entre os eqüinos atendidos. Destes, 63% sofreram lesões que variaram entre lacerações, perfurações, incisões e contusões. Os 37% restantes foram acometidos por neoplasias, dermatites e proliferação de tecido de granulação exuberante. A grande maioria destas lesões evoluíram para cicatrização, sendo que as neoplasias e as cicatrizes exuberantes foram as alterações com maiores complicações e demora para resolução. Para alguns autores, a cicatrização da pele é alvo de estudos pelo interesse clínico, científico e econômico (Hussini et al., 2004; Ribas et al., 2005). Em geral a cicatrização de feridas apresenta prognóstico favorável, porém as feridas cutâneas freqüentemente não evoluem do modo desejado. Neto (2003) cita o exemplo de feridas localizadas nas extremidades distais, as quais são, em geral, complicadas pela falta de tecido de revestimento, má circulação, movimento articular, maior predisposição para contaminação e conseqüente infecção. Este artigo de revisão tem por objetivo descrever aspectos clínicos da cicatrização por segunda intenção de feridas cutâneas na espécie eqüina, buscando contribuir para a definição da abordagem adequada deste tipo de lesão na rotina clínica eqüina. Devido ao comportamento ativo e de reações rápidas, o cavalo está predisposto a traumatismos (ou agressões traumáticas ou lesões), principalmente quando sua função está associada a atividades esportivas ou de tração. Além dos fatores ligados a sua natureza, as pastagens sujas e instalações inadequadas podem ser consideradas fatores de risco a ocorrência de feridas traumáticas. Segundo Neto (2003), os ferimentos de pele representam uma das mais freqüentes ocorrências na clínica de eqüídeos, principalmente os Tipos de feridas cutâneas em eqüinos *Correspondência: [email protected] A classificação das feridas é útil para a seleção do tratamento apropriado, assim como para a previsão da recuperação final. As classificações que se baseiam no 13 Paganela JC et al. grau de contaminação microbiana incluem lesões limpas, limpas-contaminadas, contaminadas e sujas ou infectadas. Segundo Romatowski (1989) este sistema de classificação foi desenvolvido para humanos e classifica o nível de contaminação potencial tanto em feridas eletivas como traumáticas. Muitas feridas abertas em cavalos estão contaminadas ou sujas no momento inicial do exame devido à natureza do animal e seu ambiente. Feridas contaminadas são lesões traumáticas com menos de seis horas de evolução, na qual pêlo e outros fragmentos teciduais estão presentes (Daly, 1985). Feridas sujas são caracterizadas pela presença de edema e supuração. Entretanto, o tempo entre a ocorrência de exposição, aderência e subseqüente multiplicação e invasão bacteriana do tecido varia dependendo do tipo e quantidade de organismos presentes. Muitas feridas podem ser elevadas à categoria de limpas-contaminadas e fechadas após meticulosa limpeza e debridamento completo ou radical (Romatowski,1989). Classicamente as feridas são divididas em abrasões, contusões, hematomas, incisões, lacerações e perfurações. As lacerações são provavelmente as mais comuns entre os eqüinos. São geralmente produzidas por objetos angulares, tais como cercas de arame farpado e por mordidas. Os bordos deste tipo de lesão são geralmente irregulares e o dano se estende aos tecidos subjacentes. Outro tipo comum de ferida são as perfurações, produzidas por objetos cortantes que se caracterizam por serem superficiais, pequenas e de profundidade variável. São tipos especiais de ferida, porque embora a perda tecidual seja mínima, a injúria das estruturas mais profundas após penetração pode resultar em debilidade (Neto, 2003). Para Ribas et al. (2005) outro tipo comum de ferida na espécie eqüina está relacionada ao ambiente e ou tipo de instalação em que o animal está, tais como cercas, porta de cocheira, mata-burro, onde o animal coloca o membro em local estreito e a partir de movimento brusco, ocorre a laçada causando dano interno sem lesão externa aparente além da alopecia. Nestes casos ocorre lesão de tecido subcutâneo com edema, exsudação e ruptura da pele. Processo (mecanismos) de cicatrização A cicatrização é um processo corpóreo natural de regeneração concomitante dos tecidos epidérmico e dérmico. Após uma lesão, um conjunto de eventos bioquímicos complexos e orquestrados se estabelece para reparar a o dano. Usualmente o processo cicatricial é dividido em cinco fases principais: coagulação, inflamação, proliferação, contração da ferida e remodelação (Fazio et al., 2000; Mandelbaum e Santis, 2003). A fase de coagulação marca o início do processo, imediatamente após o surgimento da ferida. Nesta 14 RPCV (2009) 104 (569-572) 13-18 fase, substâncias vasoativas, proteínas adesivas, fatores de crescimento e proteases são liberadas e ditam o desencadeamento de outras fases (Terkeltaub e Ginsberg, 1998). A vasoconstrição descrita neste momento ocorre a fim de minimizar a hemorragia. Em seguida, o processo inflamatório inicia-se com a vasodilatação, migração de células brancas e proteínas plasmáticas, propiciando uma barreira de defesa na ferida (Stashak, 1994). Nesta fase se consolida a secreção de proteases como hialuronidase, colagenases e hemolisinas são responsáveis por inibir a ação bacteriana durante a cicatrização, visto que as bactérias agem prolongando a fase inflamatória (Hackett et al., 1983) A proliferação é dividida em três subfases: reepitelização, fibroplasia e neovascularização. Na reepitelização ocorre a migração de queratinócitos não danificados das bordas dos anexos epiteliais quando a ferida é de espessura parcial, e apenas das margens epidérmicas em casos de feridas de espessura total. Os diferentes fatores de crescimento são responsáveis pelos aumentos de mitoses e conseqüente hiperplasia do epitélio (Mandelbaum e Santis, 2003). A fibroplasia ocorre a partir de fibroblastos, os quais são células mesenquimais diferenciadas que proliferam na região mais superficial da ferida. Concomitantemente há o desenvolvimento de novos capilares por brotamento endotelial (Stashak, 1994). A neovascularização verificada nesta fase fornece metabólitos e oxigênio para nutrir tecido de reparação que prolifera na área lesional. A nova rede vascular expande-se para o centro da lesão proporcionando uma aparência rosada e exuberante (Neto, 2003). Neste momento, se estabelece o tecido de granulação que consiste primariamente em vasos sangüíneos neoformados, fibroblastos e produtos de fibroblastos, incluindo o colágeno fibrilar, elastina, fibronectina, proteases, glicosaminoglicanas sulfatadas e não sulfatadas. O tecido de granulação é produzido três a quatro dias após a indução da lesão como um passo intermediário entre o desenvolvimento da malha formada por fibrina/fibronectina e a reestruturação de colágeno Berry e Sullins (2003). À medida que o fluxo sangüíneo e a oxigenação são restabelecidos, o principal fator desencadeador da angiogênese é reduzido e os vasos neoformados começam a diminuir (Neto, 2003). A partir deste evento, inicia-se a fase de contração das paredes marginais da lesão. Esta ação é realizada pelos fibroblastos ativados, os quais se diferenciam em miofibroblastos. Os miofibroblastos contêm fibras intracelulares de actina e miosina e formam conexões especializadas, ou fibronexus, com a matriz extracelular e outras células dentro da cavidade da lesão. Segundo Borjrab (1982) estas propriedades possibilitam aos miofibroblastos contrair ativamente e gerar a tensão necessária para fechar o defeito. Os miofibroblastos aproximam as margens da ferida, forçando as fibras de colágeno a se sobreporem e se entrelaçarem Paganela JC et al. e, desta maneira, dar o suporte para diminuir o tamanho da lesão. A fase final do processo cicatricial consiste na remodelação tecidual. Ao contrário das outras fases de cicatrização, a remodelação dos componentes do colágeno e matriz, como ácido hialurônico e proteoglicanas, persiste por longo tempo após o ferimento e é o período no qual os elementos reparativos da cicatrização são transformados para tecido maduro de características bem diferenciadas (Neto, 2003). As várias fases da reparação não devem ser consideradas como ações seqüenciais. Cada fase da cicatrização deve contribuir com seu efeito no tempo e intensidade certos (Fazio et al., 2000; Mandelbaum e Santis, 2003). Os mecanismos moleculares que regulam as diferentes fases da cicatrização ainda não são totalmente compreendidos, porém aparentemente, as citocinas são mediadores celulares críticos. Citocinas são glicoproteínas sinalizadoras lançadas pela maioria das células nucleadas no corpo, que atuam através de receptores específicos na superfície celular para causar estimulação autócrina, parácrina e ou endócrina causando migração celular, proliferação e síntese (Theoret, 2005). Tipos de cicatrização Cicatrização por primeira intenção A cicatrização por primeira intenção ocorre quando os bordos da ferida estão próximos e se unem novamente com rapidez. Ocorre em feridas não contaminadas (McGavin e Zachary, 2007). O manejo de uma ferida como passível de cicatrização por primeira intenção é indicada após incisões cirúrgicas, e consiste em aproximar os bordos da lesão por meio de suturas, favorecendo a cicatrização devido a diminuição do tempo da fase inflamatória e de remodelação do colágeno, obtendo uma melhor contração da ferida e posterior reepitelização (Auer e Stick, 1999; Mandelbaum e Santis, 2003). Cicatrização por segunda intenção As feridas cujos bordos estão distantes, não apresentam uma aposição dos mesmos ou ainda que estejam contaminadas por agentes infecciosos ou contenham corpos estranhos, geralmente cicatrizam pelo processo de segunda intenção (McGavin e Zachary, 2007). A cicatrização por segunda intenção é complexa e uma ferida é tratada como tal, quando a cicatrização por primeira intenção não é justificável. Depende inteiramente da neovascularização e remodelação da matriz celular para restaurar a perda de tecido através da contração da ferida para restabelecer a tensão normal do tecido e reduzir o tamanho da cicatriz (Auer e Stick, 1999). Fatores que contribuem para a utilização da cica- RPCV (2009) 104 (569-572) 13-18 trização por segunda intenção no manejo de feridas são: o nível de contaminação, volume de tecido perdido e situações em que a cicatrização por primeira intenção falhou (Neto, 2003). Complicações na cicatrização cutânea em eqüinos As complicações na cicatrização cutânea decorrem de anormalidades em qualquer um dos componentes básicos do processo de reparo e pode ser agrupadas em: 1) formação excessiva de componentes do reparo; 2) formação de contraturas e 3) a deficiência de formação de tecido cicatricial (McGavin e Zachary, 2007). Em eqüinos são reconhecidas especialmente as dificuldades decorrentes da formação excessiva de tecido de granulação em feridas cutâneas localizadas em extremidades. Este aspecto constitui um desafio para o médico veterinário que elege, para determinados casos, a cicatrização por segunda intenção como método de tratamento, seja pelas condições locais e tempo decorrente da lesão ou pela falta de tecido para recobrimento. A cicatrização por segunda intenção na porção distal dos membros em eqüinos pode ser lenta e complicada. Estas feridas curam mais lentamente que aquelas no tronco por exibirem taxas relativamente baixas de epitelização e contração (Wilmink et al., 1999). Berry e Sullins (2003) afirmam que o menor suprimento sanguíneo, menor tensão de oxigênio, temperatura mais baixa e a presença de quantidades insuficientes de citocinas determinam os diferentes padrões de cicatrização entre as diversas regiões anatômicas do eqüino. Wilmink et al. (1999) relatam que há diferenças na cicatrização entre eqüinos e pôneis. Feridas similares na região dorsal do metatarso cicatrizam lentamente em eqüinos se comparados com pôneis, devido à contração da ferida nos pôneis ser mais intensa ocorrer em maior. Análises histológicas das lesões mostraram uma fase inflamatória prolongada nos eqüinos embora com menos organização dos miofibroblastos comparado com os pôneis (Wilmink et al., 1999). As taxas lentas de epitelização foram atribuídas à inibição de células migratórias e inibição da atividade mitótica pelo tecido exuberante de cicatrização (Bertone et al., 1985). Embora não se possa definitivamente acelerar o processo de cicatrização, é importante entender que vários fatores afetam adversamente a taxa de cicatrização das feridas. Entre estes fatores está a má nutrição, hipovolemia, hipotensão, hipóxia, hipotermia, infecção, trauma e o uso de medicamentos de ação anti-inflamatória (Neto, 2003). Vale lembrar que para Blackford et al. (1991) o efeito de uma única dose de esteróides em cavalos pode não criar um impacto nas diferentes fases de cicatrização, assim como flunixina de megluminaqualitativamente não 15 Paganela JC et al. parece influenciar a fase proliferativa ou as fases subseqüentes da cicatrização de feridas (LefebvreLavoie et al., 2005). Sabe-se ainda que a presença de um número maior que 105 bactérias por grama de tecido lesional significa que, se a ferida não tiver assistência, não cicatrizará por primeira nem por segunda intenção (Hackett et al., 1983). Tratamento Ainda que muitas alternativas diferentes de tratamento sejam reconhecidamente satisfatórias para o manejo de determinada ferida, o método selecionado deve fornecer um ambiente favorável, permitindo progressão natural para não retardar processo de reparação (Neto, 2003). Em relação à conduta clínica, a cicatrização por segunda intenção é recomendada em função do tempo decorrido, do grau de contaminação e da perda de tecido lesado (Hussni et al., 2004). O tratamento baseia-se na higienização da lesão e conseqüentemente o curativo local com pomadas que favorecem a cicatrização. Existe uma variedade de preparações tópicas para a cicatrização de feridas em eqüinos, porém, a escolha e composição do fármaco a ser usada deve ser avaliada criteriosamente, já que muitos destes produtos são ineficientes e caros, ou prejudiciais à cicatrização, por serem irritativos ou estimularem a proliferação de tecido de granulação exuberante (White e Maltodextran, 1995). Além disso, é necessário avaliar a localização anatômica da lesão para estabelecer o prognóstico e tratamento adequado. Embora Wilmink et al. (1999) tenha mostrado que a melhor taxa de contração é a razão pela qual as feridas no corpo curam significativamente mais rápidas do que as localizadas nos membros de eqüinos, nenhum tratamento é ainda viável para superar os fenômenos particulares na cicatrização, tal como a proliferação de tecido de granulação exuberante. Hanson (2006) relata que para este caso é indicada a remoção cirúrgica por ser um método simples e eficaz, comparada a outros métodos como o uso de drogas cáusticas. Pomadas a base de Ketanserina são efetivas na prevenção da formação de tecido exuberante nos membros dos eqüinos. Este princípio tem ação antagônica na indução de serotonina, um mediador da atividade de macrófagos. O manejo inicial é direcionado para isolar a ferida de contaminantes de origem exógena e endógena e preparar a pele vizinha para a manipulação durante o tratamento e cicatrização. Na área ao redor da ferida deve-se realizar tricotomia e preparação antisséptica para facilitar uma avaliação precisa da mesma e estruturas adjacentes (Auer e Stick, 1999). O aspecto mais importante na preparação de feridas traumáticas para cicatrização é o desbridamento cirúr16 RPCV (2009) 104 (569-572) 13-18 gico, o qual consiste na remoção de tecido morto e desvitalizado para reduzir os níveis de bactérias patogénicas e oportunistas. A irrigação ou lavagem é um meio comum para limpeza de feridas traumáticas. Os benefícios gerais da lavagem da ferida incluem a remoção de pequenas e grandes partículas endógenas, bactérias e tecido desvitalizado (Auer e Stick, 1999). O uso de bandagens ou gesso minimiza a formação de tecido exuberante de granulação pelo seu efeito de imobilização e por evitar contaminações. O enfaixamento da ferida ainda protege contra traumas e dissecação, além de aplicar pressão superficial e manter o medicamento tópico na área lesionada. As combinações de anti-inflamatórios esteróides e antibióticos tópicos diminuem marcantemente a produção de líquidos, permitindo trocas menos freqüentes de bandagens. Em estudo realizado com um pequeno grupo de animais, as lesões tratadas com esteróides tópicos cicatrizaram mais rápido do que aquelas nas quais eles não foram utilizados (Barber, 1989). São necessários mais estudos, com um maior número de animais para avaliar o seu benifício nestes casos. Histologicamente, não se observou nenhuma diferença entre feridas tratadas com combinação de esteróides e antibióticos e aquelas tratadas de outra maneira (Blackford et al., 1991). Tratamento alopático Para o tratamento de feridas recomenda-se a aplicação de antimicrobianos na lesão, no qual destaca-se o uso do iodo-povidine (Moens et al., 1980). Soluções de iopo-povidine estão disponíveis comercialmente em várias formulações (solução, creme, spray). Diversos estudos in vitro realizados por Payne et al. (1999) evidenciaram a eficácia do iodo-povidine como um agente anti-séptico, já que seus componentes possuem ação de amplo espectro contra bactérias, esporos, fungos, leveduras, vírus e protozoários. Este composto é disponível comercialmente em várias formulações como solução, creme e spray, sendo sua concentração ideal entre 0,1 e 0,2% (10-20 ml p/ 1000 ml) para a lavagem da ferida, pois soluções mais concentradas podem ser citotóxicas para os neutrófilos (Stashak, 1994). Solução de iodo-povidine com açúcar cristal, combinados até atingir uma consistência pastosa, constitui um agente hipertônico que age por osmose para retirar o exudato da ferida (Berry e Sullins, 2003). A água oxigenada tem sido amplamente usada como anti-séptico e desinfetante e é amplamente utilizada como anti-séptico na concentração de 3%, devido ao seu largo espectro antibacteriano, principalmente para bactérias Gram positivas e algumas Gram negativas (Drosou et al., 2003). Soluções tópicas a base de clorexidina são frequentemente utilizadas no tratamento de feridas. Tem ação antibacteriana em Staphylococcus aureus, Paganela JC et al. Pseudomonas aeruginosa e bactérias não esporuladas (Payne et al., 1999). A eficácia do tratamento a base de clorexidina não é bem caracterizada. Em revisão feita por Drosou et al. (2003), vários trabalhos relatam a utilização de clorexidina, porém o autor conclui que os resultados são insuficientes para afirmar sobre a melhora na cicatrização, principalmente em feridas abertas. Embora a nitrofurazona tenha efeito antimicrobiano contra microorganismos Gram-positivos e Gram-negativos, segundo Berry e Sullins (2003) não deve ser utilizada, já que demonstrou retardo na contração da ferida, epitelização e reparação no geral. O mel de abelha tem muitas propriedades, incluindo um amplo espectro com ação antimicrobiana, ação antiinflamatória além de estimular novos fatores de crescimento de tecido. O efeito estimulatório do mel na cicatrização de feridas pode estar relacionado a auto regulação de citocinas inflamatórias nos monócitos (Tonks et al., 2003). Os enxertos biológicos derivados de tecidos como pele ou placenta são relatados como promotores da cicatrização por retardarem a formação do tecido exuberante de cicatrização, visto que induzem uma resposta inflamatória branda, promovem e mantém um ambiente úmido que conduz a regeneração e migração de células epiteliais e agem como uma barreira anti-bacteriana que protege a ferida contra infecções (Purna e Babu, 2000). Tratamento fitoterápico A literatura refere o uso de fitoterápicos em diferentes enfermidades com diversas indicações terapêuticas, sendo alguns deles de uso consagrado e pertencentes à farmacopéia (Heggers e Kucukcelebi, 1995). Muitos estudos são realizados na tentativa de se detectar a eficácia do uso de plantas na cicatrização de feridas. Segundo Solorzano et al. (2001) as fitoestimulinas do Triticum vulgare ativam fenômenos da cicatrização ao estimular a mitose e motilidade dos fibroblastos, além de aumentar a síntese de fibras colágenas e glicosaminoglicanas pelos fibroblastos. De acordo com Souza et al. (2006) o uso do creme à base de Triticum vulgare aumentou o número de vasos sangüíneos neoformados encontrados durante o período inicial da reparação das feridas tratadas em relação aos controles, demonstrando que o tratamento influenciou de maneira positiva no processo de cicatrização. A babosa (Aloe vera) é um excelente cicatrizante e antinflamatório, devido aos seus constituintes, principalmente os mucilaginosos, o que a torna uma boa opção para o tratamento tópico de lesões de pele (Rovatti e Brennan, 1959). Ribas et al. (2005) comparou o extrato aquoso de Triticum vulgare (Bandvet®) com o extrato aquoso de babosa. O primeiro apresentou tempo de cicatrização menor, RPCV (2009) 104 (569-572) 13-18 sem processos irritativos ou presença de secreções. Martins e Alves (2003) compararam o uso tópico de fitoterápicos na cicatrização cutânea em eqüinos, avaliando as observações macroscópicas, histopatológica e a retração centrípeta do halo da lesão nos primeiros quinze dias. Esse estudo demonstrou que o barbatimão (Stryphnodendron barbatimao Martius) teve efeito benéfico na cicatrização, seguido pela calêndula (Calendula officinalis). Os resultados do grupo controle foram superiores ao confrey (Symphitum officinalis). Considerações finais A elevada incidência de lesões cutâneas na espécie eqüina, demonstrada na rotina do Hospital de Clínicas Veterinária, mostra a demanda por técnicos capacitados, seja tratador ou cavalariço que realizem serviços de enfermagem, tal como curativos. Pois o Médico Veterinário intervindo de maneira correta, na rotina de clínica de eqüinos mostra que protocolos baseados na higiene diária, com limpeza das feridas, retirada do tecido morto, proteção e hidratação são efetivos na maioria dos casos, exceção nas neoplasia. E que apesar de a cicatrização, principalmente nos membros locomotores dos equinos ser mais lenta devido a fatores como: maior facilidade de contato com sujidades, pouco tecido e menor vascularização. A orientação de pessoal treinado para seguir realizando curativos diários é essencial para o sucesso do tratamento. Bibliografia Auer JA e Stick JA (1999). Wound Management..in: Equine surgery. Philadelphia: WB Saunders. 2ª ed., 937. Barber SM (1989). Second intention wound healing in the horse: the effects of bandages and topical corticosteroids. In: AAEP Proceedings, Lexington, 35, 107-113. Berry DB e Sullins KE (2003). 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O quarto pré-molar superior, também conhecido como "dente carniceiro", é o maior dente dos carnívoros, responsável por rasgar os alimentos. Por ser um dente muito utilizado, é mais predisposto a afecções, como fratura dental com ou sem exposição pulpar, lesão periapical e doença periodontal podendo o cão desenvolver uma fístula infraorbitária. Embora existam tratamentos que zelam pela preservação do elemento dental, como cirurgia periodontal e tratamento endodôntico, muitas vezes os proprietários optam pela exodontia deste dente, sendo o custo do procedimento um dos fatores limitantes. O presente artigo tem como objetivo apresentar as principais causas de exodontia do dente carniceiro, mostrando como é feita a exodontia mediante dessensibilização da área através de bloqueio anestésico. Summary: The utilization of anesthetic blocks by veterinarians is becoming more widely employed in the routine, pertaining to general anesthesia, especially in veterinary dentistry. The regional nerve blocks are the most commonly used, especially those performed on the nerves infraorbital, maxillary, mental and inferior alveolar. The fourth upper premolar, also known as "carnassial tooth," is the largest carnivorous tooth, used for tearing meat. Being a very used tooth, it is more prone to affection, such as dental fracture with or without pulpal exposure, periapical lesion and periodontal disease, predisposing the dog to develop an infraorbitary fistula. Although there are treatments which strive for dental preservation, such as periodontal surgery and endodontic treatment, most of the times owners opt for exodontia, being the procedure cost the leading factor. This article aims to show the main causes of carnassial tooth exodontia, demonstrating the exodontia technique through desensitization of the area through anesthetic block. *Correspondência: [email protected] Tel: +55 51 33773900; 92499962 Introdução O controlo da dor, tanto na medicina humana como na veterinária, tem se destacado nos últimos anos. A utilização de bloqueios anestésicos tem sido cada vez mais empregada na rotina, associada à anestesia geral, sobretudo durante os procedimentos odontológicos em animais (Lopes e Gioso, 2007). A anestesia local apresenta alguns benefícios destacando-se a diminuição da sensibilização central à dor, a minimização da reação tissular inflamatória, redução da quantidade de anestésico geral requerida durante o procedimento cirúrgico, e diminuição da dose e freqüência dos analgésicos empregados no pós-operatório (Hellyer e Gaynor, 1998; Holmstrom e Frost-Fitch, 1998; Gross e Pope, 2002). Os bloqueios regionais de nervos são mais comumente empregados nos procedimentos odontológicos em animais, sendo que os mais utilizados são o bloqueio infra-orbitário e bloqueio maxilar, na maxila, e bloqueio mentoniano e bloqueio alveolar inferior, na mandíbula (Lopes e Gioso, 2007; Holmstrom e FrostFitch, 1998). Dentre os 42 dentes permanentes apresentados pela espécie canina, o quarto pré-molar, também denominado "dente carniceiro", é um dos principais dentes, responsável por rasgar os alimentos (Wiggs e Lobprise, 1997; Harvey e Emily, 1993; Gioso, 2007). Por ser um dente muito utilizado pelo cão, torna-se mais predisposto a afecções como fratura dental com ou sem exposição pulpar, lesão periapical, e doença periodontal, podendo evoluir para uma fístula infra-orbitária (Wiggs e Lobprise, 1997; Bolson e Pachaly, 2004; Roza, 2004; Gioso, 2007). Entretanto, apesar da existência de tratamentos que zelam pela preservação do elemento dental, como cirurgia periodontal e tratamento endodôntico, a realização da extração dental, denominado exodontia, ainda é uma das intervenções cirúrgicas mais freqüentes na clínica de cães e gatos, sendo o custo um dos fatores limitantes (Gioso, 2007). 19 Pignone VN RPCV (2009) 104 (569-572) 19-24 Todavia, o quarto pré-molar superior, por se tratar de um dente tri-radicular, necessita alguns cuidados especiais, como conhecimento anatômico, além da técnica de exodontia complexa (Gioso, 2007), sendo o bloqueio anestésico do nervo maxilar o indicado para a dessensibilização da área na realização do procedimento (Wiggs e Lobprise, 1997; Lopes e Gioso, 2007). minimizando os riscos de toxicidade anestésica (Cortopassi e Fantoni, 1999), além de prevenir ou minimizar a hemorragia no trans-operatório (Gross e Pope, 2002). Contudo, é importante ressaltar que a toxicidade dos anestésicos locais está associada com a administração intravascular acidental ou a administração de altas doses do agente anestésico (Klaumann et al., 2007). A escolha do agente anestésico varia de acordo com o procedimento cirúrgico a ser realizado, período hábil de analgesia e necessidade de controlo da dor pós-operatória. A dose utilizada para dessensibilização dos nervos da mandíbula e da maxila varia de acordo com o porte do animal, porém preconiza-se o uso de volumes pequenos de anestésico, aplicados lentamente, evitando lesar pequenos ramos nervosos (Holmstrom e Frost-Fitch, 1998; Cediel e Sanches, 1999). As dose dos anestésicos locais utilizados em cães citados anteriormente estão representadas na Tabela 1, exceto da articaína que não foi encontrada a dose para a espécie canina, sendo que em humanos, foi encontrada na literatura apenas a dose máxima deste fármaco (7 mg/kg) (Lopes e Gioso, 2007). Anestesia local Os anestésicos locais consistem em substâncias químicas responsáveis por impedir geração e condução de impulso nervoso de maneira reversível, por ação direta na membrana da fibra nervosa (Muir e Hubbell, 1995; Mclure e Rubin, 2005; Lopes e Gioso, 2007). Na odontologia veterinária, os anestésicos locais mais utilizados são a lidocaína e a bupivacaína, com período de ação curto e longo, respectivamente (Lanz, 2003; Klaumann et al., 2007). Entretanto, outros anestésicos locais como a mepivacaína, a prilocaína e a articaína são amplamente utilizados na odontologia humana e vêm sendo empregados na prática veterinária odontológica, sendo estes com duração de ação moderada (Fantoni e Cortopassi, 2002; Malamed, 2005; Mclure e Rubin, 2005). Além desses, ainda se encontra a ropivacaína, caracterizada por apresentar período hábil e de latência semelhantes ao da bupivacaína, efeito vasoconstritor e menor toxicidade cardíaca e no SNC (De Negrini e Ivani, 2005; Malamed, 2005; Mclure e Rubin, 2005). A adição de vasoconstritores aos anestésicos locais possui a função de controlar as ações vasodilatadoras, retardando a absorção deste pelo sistema vascular, Bloqueio anestésico do nervo maxilar A realização de qualquer bloqueio anestésico deve ser precedida de anti-sepsia tópica, com intuito de diminuir transitoriamente a microbiota bacteriana local (Malamed, 2005), sendo o gluconato de clorexidina 0,12% o anti-séptico de eleição na prática odontológica veterinária (Evers e Haegerstam, 1991). O bloqueio do nervo maxilar é um método bem eficaz para promover dessensibilização de uma hemi- Tabela 1 - Principais agentes anestésicos locais utilizados na odontologia veterinária na espécie canina Agente anestésico Lidocaína 2% Lidocaína com epinefrina Bupivacaína 0,5% Dose/volume recomendados 2 mg/kg Dose máxima 5 mg/kg Período de latência 5 a 10 minutos Período de duração 1h a 1h e 30min 0,1 ml de 1:1.000 (0,1 mg epinefrina) ND ND 3h e 30min 1 mg/kg 2 mg/kg 20 a 30 minutos 4a6h Lidocaína + Bupivacaína 1 mg/kg + 0,25 mg/kg ND 5 a 10 minutos Efeito mais rápido, porém menor duração Morfina 0,1 mg/kg ND ND Maior eficácia e prolongamento da analgesia Buprenorfina 0,01 mg/kg ND ND Maior eficácia e prolongamento da analgesia Mepivacaína 3% Não disponível 9 mg/kg 1,5 a 2 minutos ND Ropivacaína 0,5% 0,5 a 2 mg/kg Não disponível 8 a 10 minutos ND Fontes: Lopes e Gioso (2007); Egger e Love (2009). ND = não disponível. 20 Pignone VN Figura 1 - Técnica anestésica para o bloqueio do nervo maxilar em cão na fossa pterigopalatino (seta preta). Notar a área dessensibilizada pelo bloqueio em destaque. Fonte: Lopes e Gioso, 2007. maxila, reduzindo o volume dos demais fármacos administrados (Malamed, 2005; Lopes e Gioso, 2007). Este bloqueio é efetuado a partir da administração do anestésico local na região da fossa pterigopalatina, localizada caudalmente ao último molar superior (segundo molar), ao final do processo alveolar do osso maxilar (Figura 1). O bloqueio do nervo maxilar promove a dessensibilização dos ramos deste nervo – nervo infra-orbitário, nervo alveolar maxilar caudal, nervo pterigopalatino e nervo nasal caudal (Cediel e Sanches, 1999). O bloqueio também pode ser realizado através da via percutânea. Neste caso a agulha deverá ser introduzida através da pele formando um ângulo de 90 graus em direção medial, ventral a borda do arco zigomático e aproximadamente 0,5 cm caudal ao canto lateral, e então avança para a fossa pterigopalatina. Caso a agulha tocar o ramo da mandíbula, esta deverá ser direcionada para fora no sentido cranial (Egger e Love, 2009). O diâmetro da agulha para realizar o bloqueio deve ser de 25 a 29 G. A cabeça do paciente deve ser elevada, fazer a aspiração da seringa antes de injetar e aplicar uma pressão digital sobre o forame, seguido da administração lenta do anestésico local com a finalidade de facilitar este movimento caudamente ao forame. Não é recomendável avançar com a agulha dentro do forame, pois aumenta a chance de lacerar o nervo (Egger e Love, 2009). Afecções no "dente carniceiro" O quarto pré-molar superior ou "dente carniceiro" é o maior dente da arcada superior dos cães, responsável por rasgar os alimentos. Por este motivo, fica evidente sua predisposição a afecções, como a doença periodontal e os problemas endodônticos (Wiggs e RPCV (2009) 104 (569-572) 19-24 Lobprise, 1997; Gioso, 2007). A doença periodontal avançada, a lesão periapical e lesões iatrogênicas são as causas mais freqüentes de fístula deste dente (Bolson e Pachaly, 2004; Roza, 2004). Na doença periodontal, a fístula resulta quando uma bolsa periodontal maxilar profunda progride para o ápice do dente, lisando o osso entre o ápice do alvéolo e a cavidade nasal ou o seio maxilar (Hedlund, 2007). Essa afecção geralmente é causada por trauma, fratura ou periodontite. Um trauma contusivo sem traumatismo evidente na superfície dental pode causar necrose pulpar com abcesso periapical secundário (Birchard e Sherding, 2003). Os sinais clínicos apresentados pelo paciente com alteração pulpar evidente consistem em dor à percussão, fístula, fractura coronal ou radicular, escurecimento dental, sialorreia, além de dificuldade de alimentação e fricção do focinho no chão ou com a pata (Wiggs e Lobprise, 1997). O diagnóstico é baseado na anamnese, nos sinais clínicos e no exame físico. Entretanto, o diagnóstico definitivo é feito através da radiografia intra-oral realizada com o paciente sob anestesia geral utilizando a técnica da bissetriz (Gioso, 2007). O tratamento frente a uma doença periodontal avançada, lesão periapical extensa, presença de fístula infra-orbitária consiste na exodontia deste dente (Gioso, 2007). Exodontia A exodontia ou extração dentária é uma das intervenções cirúrgicas mais freqüentemente realizada em pequenos animais, sendo que o paciente deve estar sob anestesia geral, com ou sem bloqueio regional ou anestesia local (Gioso, 2007; Lopes e Gioso, 2007). Para executar tal procedimento é fundamental o conhecimento anatómico, bem como os princípios básicos que devem ser tomados quando se realizar a exodontia, seja por via alveolar (dente luxado dentro do próprio alvéolo) ou extra-alveolar, quando o acesso se dá pela remoção do osso da face vestibular (Wiggs e Lobprise, 1997; Gioso, 2007): - Lesar o mínimo possível as estruturas vizinhas; - Separar a gengiva do dente antes de luxá-lo (sindesmotomia) (Figura 2A); - Realizar odontosecção em dentes multiradiculares (Figura 2B); - Luxar o ligamento periodontal com alavancas; - Promover a avulsão total do dente com o fórceps, sem fraturar a raiz (Figura 2C). O quarto pré-molar do cão é o maior dente da arcada superior, e apresenta 3 raízes, a mesiovesti21 Pignone VN bular, a mesiopalatina e a distal, considerada uma exodontia complexa. Portanto, a separação das raízes, denominada odontosecção, facilita a exodontia devido à divergência destas (Harvey e Emily, 1993; Wiggs e Lobprise, 1997; San Roman et al., 1999; Roza, 2004; Gioso, 2007). A odontosecção é realizada com uma broca diamantada FG (friction grip) acoplada a caneta de alta rotação, devendo-se ter o cuidado de não lesar os tecidos moles (Gioso, 2007). Técnicas inapropriadas de extração do quarto pré-molar superior podem resultar em complicações oftálmicas graves causadas pela penetração do elevador na órbita ou no globo ocular, provocando celulite orbitária, abscesso orbitário ou endoftalmite (Birchard e Sherding, 2003). Após realizada a exodontia, recomenda-se a síntese dos tecidos moles com fios absorvíveis, dentre eles a poliglactina 910 é a mais utilizada (Conn et al., 1974; Horton et al., 1974) (Figura 2D). As complicações da exodontia que podem existir consistem na fratura de raiz, hemorragia intensa, infecção, alveolite seca, deiscência dos pontos, fístula e corrimento nasal (Gioso, 2007). RPCV (2009) 104 (569-572) 19-24 Discussão O emprego dos anestésicos locais para a realização de bloqueios de nervos regionais tem-se destacado na odontologia veterinária, sendo a lidocaína e a bupivacaína os mais utilizados, embora já existam outros fármacos que possuem efeito mais prolongado e menor toxicidade, como a ropivacaína, que são utilizados geralmente em humanos (Fantoni e Cortopassi, 2002; Gross e Pope, 2002; Lanz, 2003; De Negrini e Ivani, 2005; Malamed, 2005; Mclure e Rubin, 2005; Klaumann et al., 2007; Lopes e Gioso, 2007). O "dente carniceiro" possui importante papel na alimentação dos carnívoros, porém na presença da doença periodontal não tratada, pode evoluir para uma lesão perio-endodôntica, causando lesão periapical e desencadeando a fístula infra-orbitária. Esta lesão promove muita dor e sinais clínicos muitas vezes imperceptíveis pelo proprietário e pelo clínico geral, sendo tratada por longos períodos somente com a administração de antibióticos, não removendo o agente desencadeante (Wiggs e Lobprise, 1997; Figura 2 - Passos da exodontia do dente carniceiro. (A) Sindesmotomia; (B) Realizando odontosecção; (C) Avulsão dentária; (D) Síntese com fio poliglactina 910 (Víviam Nunes Pignone). 22 Pignone VN Birchard e Sherding, 2003; Roza, 2004; Gioso, 2007). Mesmo existindo tratamento endodôntico e cirurgias periodontais que se preocupam com a manutenção do quarto pré-molar superior, estas necessitam de um acompanhamento clínico e radiográfico em um período de tempo predeterminado pelo cirurgião, precisando o paciente passar por uma nova anestesia o que eleva ainda mais o custo do tratamento. Por esse motivo, a exodontia é um dos tratamentos mais realizados, com maior chance de sucesso e resolução imediata e menor custo (Harvey e Emily, 1993; Wiggs e Lobprise, 1997; Gioso, 2007). As regras básicas para executar a exodontia de dentes devem ser seguidas passo-a-passo, considerando a odontosecção uma etapa fundamental, principalmente do quarto pré-molar superior que é tri-radicular, a menos que haja uma reabsorção óssea com intensa mobilidade dental (Gioso, 2007). Conclusão A utilização do bloqueio anestésico para a exodontia dos dentes é uma técnica fácil de ser realizada e muito útil na rotina odontológica veterinária, contudo, é de suma importância o conhecimento anatómico da cavidade oral, principalmente sua inervação, para evitar complicações. A doença periodontal e as afecções endodônticas são as patologias que mais atingem o quarto pré-molar superior, causando destruição do periodonto e abcessos periapicais, que podem resultar em fístula infra-orbitária. Nestes casos, a radiografia intra-oral torna-se necessária para obter o diagnóstico definitivo. Um dos tratamentos mais realizados consiste na exodontia do elemento dental. A realização da odontoseccção em dentes tri-radiculares, como o "dente carniceiro", deve ser relevante, principalmente se tratando de raízes divergentes, facilitando a extração dentária, impedindo danos aos tecidos adjacentes, sendo indicado a realização de sutura gengival com fio absorvível. Bibliografia Birchard SJ e Sherding RG (2003). Distúrbios Gastrointestinais. In: Manual Saunders – Clínica de Pequenos Animais. 2ª edição. Editores: Birchard SJ e Sherding RG. Roca (São Paulo), 683- 900p. Bolson J e Pachaly JR (2004). Fístula Oronasal em case. Revisão de Literatura. Arquivos de Ciências Veterinárias e Zoologia, 7, 53-56. Cediel R e Sánches M (1999). Anestesia em Odontologia. RPCV (2009) 104 (569-572) 19-24 In: San Román F et al. Atlas de Odontologia de Pequenos Animais. Manole (São Paulo), p. 97-110. 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RPCV (2009) 104 (569-572) 25-30 R E V I S TA P O R T U G U E S A DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS Transferência embrionária em bovinos leiteiros na Ilha Graciosa (Açores): programa experimental de transferência de embriões sexados e congelados da raça Holstein Frísia Embryo transfer in dairy cattle at Graciosa Island (Azores): an experimental trial of sexed and frozen-thawed transfer of Holstein Friesian embryos João Chagas e Silva* Secção de Reprodução e Obstetrícia/CIISA, Faculdade de Medicina Veterinária, Avenida da Universidade Técnica, Polo Universitário da Ajuda, 1300-477 Lisboa, Portugal Resumo: A transferência de embriões obtidos in vivo representa a 2ª geração das tecnologias reprodutivas e é aplicada comercialmente, no caso dos bovinos, há mais de 30 anos. Actualmente, são transferidos em todo mundo, mais de meio milhão desse tipo de embriões, o que representa um significativo negócio internacional. A Secretaria Regional da Agricultura e Florestas do Governo da Região Autónoma dos Açores, através da sua Direcção Regional do Desenvolvimento Agrário, tendo em conta o elevado estatuto sanitário e o apreciável efectivo bovino leiteiro da Ilha Graciosa, considerou-a como cenário privilegiado para a execução de um programa experimental de transferência de embriões sexados e congelados. Foram transferidos, ao longo de um período de 16 meses, um total de 76 embriões congelados, 65 sexados e 11 não sexados. Os resultados agora registados, face aos obtidos por outros autores, podem ser considerados bastante bons: 63,1% (41/65) de taxa de gestação aos 45-60 dias para os embriões sexados e 63,6% (7/11) para os não sexados. Este facto revela que, nas condições de maneio produtivo a que as novilhas da Ilha Graciosa estão sujeitas, é possível a transferência com sucesso de embriões sexados e congelados. Summary: Embryo transfer collected in vivo is the second generation of reproductive biotechnologies and has been used on cattle farms for more than thirty years. More than 500.000 embryos of these kinds are transferred worldwide annually, which represents a great international trade. The Regional Secretary of Agriculture and Forestry from Government of Azores, by the way of its Regional Direction of Agricultural Development, considering the high sanitary level and the number of dairy cattle females, chose Graciosa Island as the right location for the implementation of an experimental program of transfer of sexed and frozen Holstein Friesian imported embryos. 76 frozen-thawed embryos have been transferred, during a 16 months’ time period, 65 sexed and 11 non sexed. The results obtained in this experimental work may be considered good, compared to the field trials from others workers: 63,1% (41/65) of 45-60 days pregnancy rate with sexed embryos and, 63,6% (7/11) with non sexed embryos. *Correspondência: [email protected] Telef. +351213602053; Fax +351213652827 These results show that it was possible, with success, to transfer sexed frozen-thawed Holstein Friesian imported embryos to virgin heifers recipients raised on local management conditions of Graciosa Island. Introdução Há mais de três décadas que a transferência de embriões (TE) obtidos in vivo é aplicada comercialmente nos bovinos (Thibier, 2005). Relativamente à inseminação artificial (IA), apesar dos custos de aplicação serem superiores e a eficiência inferior, o futuro da TE encontra-se garantido, pois está intimamente associado a programas de melhoramento genético, sendo de registar que a grande maioria dos touros IA de todo o mundo, são obtidos através dela. É igualmente ferramenta privilegiada para a conservação ex situ de genes de espécies/raças ameaçadas de extinção e ainda, com o desenvolvimento de protocolos eficientes de congelação-descongelação, tem vindo a demonstrar ser a forma mais segura, em termos sanitários, de intercâmbio de genes entre regiões e continentes (Hasler, 2003; Thibier, 2005). Em 2002, foram transferidos em todo o mundo, 538 312 embriões bovinos colhidos in vivo (Thibier, 2002), valor (ainda que sub-estimado, pois inúmeras equipas de TE não fornecem dados) que revela, desde 1975, uma tendência para estabilização (Thibier, 2005) e representa um expressivo negócio de cariz internacional (Hasler, 2003). Em Portugal, a bovinicultura leiteira valoriza muito mais as vitelas (para substituição ou para venda) que os machos (quase sem valor comercial, com excepção dos raros que são recrutados por Centros de IA). Os vitelos obtidos por TE representam pois, globalmente, um sério prejuízo económico para a exploração leiteira (Lopes da Costa et al., 2002). 25 Silva JC A utilização de embriões sexados permite aumentar a eficiência económica dos programas de TE (Willett e Hillers, 1994) e a taxa de ganho genético, quer ao nível de uma exploração, quer de um núcleo de selecção (Colleau, 1991). A determinação do sexo de embriões pré-implantação de bovinos com recurso à técnica da reacção em cadeia da polimerase (PCR) e protocolo electroforético (Shea, 1999) ou não-electroforético (Bredbacka, 1998) é um serviço oferecido por algumas unidades comerciais de TE, revelando elevadas taxas de eficiência e de precisão (Hasler, 2003). Porém, a necessidade da obtenção de uma biópsia embrionária (6-8 blastómeros) exige um técnico experimentado (Hasler, 2003), eleva o risco de contaminação do embrião por agentes patogénicos (Wrathall e Sutmöller, 1998) e diminui a sua viabilidade após a congelação (Shea, 1999). A Ilha Graciosa, uma das nove ilhas do arquipélago dos Açores, situada no extremo noroeste do Grupo Central (Longitude 28º 05’ W e Latitude 39º 05’ N), possui um elevado estatuto sanitário, sendo considerada Ilha oficialmente indemne de brucelose (Decisão da Comissão nº 2002/588/CE, de 11 de Junho), de tuberculose e leucose, facto que poderá estar associado, até ao momento, à ausência de uma expressiva importação de animais vivos do exterior. A importância de manter esse estatuto sanitário aliada à necessidade de promover o melhoramento genético, de uma forma rápida e sustentada, levou a Secretaria Regional da Agricultura e Florestas, do Governo da Região Autónoma dos Açores, através da sua Direcção Regional do Desenvolvimento Agrário, a assinar um protocolo de cooperação com a Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa. Foi então, delineado e executado, por um período inicial de 18 meses, um Programa Experimental de Transferência Embrionária em Bovinos Leiteiros, naquela Ilha, com a finalidade de aferir resultados do uso da técnica para a obtenção de fêmeas de elite, a partir da aquisição de embriões congelados da raça Frísia Holstein (na sua grande maioria sexados), adaptadas às condições ambientais locais, que poderão vir a contribuir decisivamente, para o melhoramento genético dos efectivos leiteiros da região. Material e métodos Os trabalhos decorreram entre Janeiro de 2008 e Maio de 2009, distribuídos por 4 períodos de transferências embrionárias: Fevereiro de 2008, Abril de 2008, Janeiro de 2009 e Abril de 2009. Embriões Foram adquiridos 65 embriões sexados e congelados para transferência directa: 43 de origem canadiana, 26 RPCV (2009) 104 (569-572) 25-30 provenientes de 13 diferentes emparelhamentos e processados por 4 equipas de TE distintas; e 22 de origem francesa, de 6 emparelhamentos, processados por uma única equipa. Todos os embriões tinham 7 dias (dia 0 = dia do cio superovulatório - SOV). Adicionalmente, foram adquiridos 11 embriões não sexados e congelados para transferência directa, de 4 emparelhamentos diferentes, processados por única equipa e pertencentes ao Núcleo OMTE (Ovulação Múltipla e Transferência Embrionária) Juvenil da extinta Divisão de Selecção e Reprodução Animal (Venda Nova-Amadora). Todos os embriões tinham 7,5 dias (dia 0 = dia do cio SOV). Animais Maneio geral das novilhas na Ilha Na Ilha Graciosa, as fêmeas são enviadas para a pastagem ("os cerrados") a partir dos três meses de idade e aí permanecem até parirem. Durante todo ano, as novilhas alimentam-se dos pastos, sem qualquer suplementação, com excepção dos meses de Julho e Agosto. Nesse período, com os pastos secos, é-lhes fornecida silagem de milho ou de erva e feno de azevém. Não é administrado concentrado. Em função da qualidade da pastagem, são visitadas de 4 em 4 ou de 8 em 8 dias, para mudança das cercas ou de pastagem. De uma forma geral, as novilhas são beneficiadas por cobrição. As fêmeas seleccionadas para o programa eram todas novilhas, na sua grande maioria da raça Frísia, com idades compreendidas entre os 14 e os 24 meses e pelo menos 350 kg de peso vivo. Profilaxia médica e sanitária As novilhas disponibilizadas (n = 263), pertencentes a 20 produtores, foram desparasitadas com fenbendazole (7,5 mg/kg de peso vivo, administrados por via oral, em dose única, Panacur® Suspensão 10%, Intervet Portugal-Saúde Animal, Lda.), vacinadas contra o IBR/IPV com a vacina viva e marcada Bovilis® IBR (2 mL de vacina reconstituída, administrados por via IM, Intervet Portugal-Saúde Animal, Lda.) e sujeitas a uma colheita de sangue para pesquisa do antigénio BVD para a identificação e eliminação de animais persistentemente infectados. Estas intervenções ocorreram sempre, a mais de 3 semanas da data das transferências. Selecção das novilhas As fêmeas foram seleccionadas para o programa de sincronização de cios em função da sua condição corporal (≥ 2,25 e < 4) e ciclicidade (só foram aprovadas, as fêmeas cíclicas) (n = 136). As novilhas foram sujeitas a um exame do estado geral e a um exame ginecológico, tendo sido elimi- Silva JC RPCV (2009) 104 (569-572) 25-30 nadas todas as novilhas que não pudessem ser admitidas no programa de sincronização ou que de alguma forma inviabilizassem uma transferência embrionária (n = 127). Protocolo de sincronização e de detecção de cios O protocolo de sincronização de cios escolhido foi o da dupla aplicação de dose luteolítica de um análogo de síntese da PGF2alfa (2 mL administrados por via IM, com onze dias de intervalo, Veteglan, Calier Portugal, S.A.). A detecção dos cios teve início 24 horas após a segunda administração do análogo de síntese da PGF2alfa e prolongou-se por 3 dias (com, pelo menos, três períodos de observação diários, de cerca de 30 minutos cada), tendo sido os respectivos proprietários os responsáveis pelo registo da data e hora dos eventos comportamentais e físicos da fêmea em cio. Só foram aceites para TE as novilhas com uma assincronia de +12 horas a –12 horas (n = 99), relativamente à idade do embrião a transferir. Transferência directa dos embriões As transferências foram executadas sempre pelo mesmo técnico e tiveram lugar em 4 locais distintos: 2 explorações particulares, com "cornadis" como dispositivo de imobilização das fêmeas (pelo pescoço e diante da mangedoura) e 2 estações de pesagem de animais, dispondo cada uma delas do seu tronco balança. Todas as novilhas com cio detectado e registo de reflexo de imobilização (RI) foram sujeitas a um exame ginecológico prévio para a identificação, localização e avaliação de um corpo lúteo (CL) com desenvolvimento adequado, relativamente ao dia da TE (dia 7 do ciclo éstrico). As fêmeas seleccionadas (n = 76) foram imobilizadas, com os membros anteriores elevados 35 cm, relativamente ao pavimento e foram sujeitas a uma anestesia epidural baixa com cloridrato de lidocaína (5 mL por animal, Anestesin®, Laboratório Sorológico, Portugal). Os embriões foram descongelados de acordo com o protocolo aconselhado pela equipa de TE responsável pelo seu processamento e transferidos por via não-cirúrgica com auxílio da cânula de transferência miniaturizada Cassou (IMV Technologies, L’ Aigle, France), um por receptora, para o corno uterino ipsilateral ao ovário com o CL, profundamente e sem provocar traumatismo (Figura 1). Entre a descongelação do embrião e o final da transferência foram dispendidos entre 5 a 12 minutos (7,63 ± 0,15 minutos). Figura 1 - Transferência não-cirúrgica com recurso à cânula de transferência miniaturizada Cassou. Diagnóstico de gestação O diagnóstico de gestação realizou-se por palpação transrectal aos 45-60 dias (dia 0 = dia do cio da receptora) e foi efectuado sempre pelo mesmo técnico. Foi aconselhado aos proprietários de receptoras sujeitas à TE que mantivessem o sistema de detecção de cios para registo de eventuais situações de retorno ao cio, aos 12 dias após a transferência e por um período de 5 dias. A detecção inequívoca de um cio deveria ser aproveitada para a beneficiação da fêmea. Análise estatística Na análise dos dados foi usado um programa informático de estatística (SPSS® Statistics, versão 17.0). Para além dos métodos descritivos (Média ± E.P.) foi utilizado o Teste de Mann-Whitney U na comparação de idades e de condição corporal entre receptoras aprovadas e rejeitadas para o programa de sincronização de cios e entre as aprovadas e rejeitadas para TE, em virtude da distribuição não paramétrica dos dados. O Teste de Qui-Quadrado de Pearson foi usado na comparação das taxas de gestação em função da origem do embrião sexado (Correcção de Yates) e em função da época da TE. O nível de significância foi determinado para um grau de confiança de 5% (p < 0,05). Resultados Das 263 novilhas pertencentes a 20 produtores, com idade e condição corporal médias de 18,01 ± 0,31 meses e 2,60 ± 0,02, respectivamente, apresentadas para o programa de desparasitação e vacinação, apenas 136 (idade e condição corporal médias, respectivamente de 17,53 ± 0,37 meses e de 2,63 ± 0,03), 27 Silva JC RPCV (2009) 104 (569-572) 25-30 pertencentes a 19 produtores, foram seleccionadas para a fase seguinte. As causas para a rejeição de 127 fêmeas (idade e condição corporal médias, respectivamente de 18,52 ± 0,50 meses e de 2,55 ± 0,04) foram as seguintes: gestação (39); anestro (31); deficiente condição corporal (27); free-martinismo (7); quistos ováricos (6); infecção por descorna (3); idade excessiva (3); infantilismo genital (3); útero unicórnio (2); aplasia segmental (2); fotossensibilização (1); agenésia ovárica (1); fêmea repetidora (1); e luxação da bacia (1). As receptoras aprovadas para o programa de sincronização revelaram, relativamente às não aprovadas, diferenças não significativas quanto à idade (17,53 ± 0,37 versus 18,52 ± 0,50 meses, p > 0,05), mas significativas quanto à condição corporal (2,63 ± 0,03 versus 2,55 ± 0,04, p < 0,01). Noventa e nove das novilhas tratadas com PGF2alfa (72,8%) foram detectadas pelos seus proprietários (n = 17) como tendo revelado RI e a sincronia desejada. Previamente à TE, todas elas foram sujeitas a um exame ginecológico para ser avaliada a sua adequação à condição de receptora, tendo sido eliminadas 23 fêmeas (23,2%) pelas seguintes razões: anovulação (n = 7); cobrições não desejadas (n = 6); quistos ováricos (n = 5); anestro (n = 2); CL de desenvolvimento inadequado (n = 2; e deficiente condição corporal (n = 1). Não foram registadas diferenças significativas entre a idade e a condição corporal das receptoras aprovadas para TE e as rejeitadas (17,46 ± 0,52 meses e 2,67 ± 0,04 versus 16,93 ± 0,66 meses e 2,57 ± 0,06, p > 0,05). Por conseguinte, foram realizadas 76 TE, para as quais se utilizaram 65 embriões sexados, 43 canadianos e 22 franceses e, os 11 não sexados, de origem portuguesa. Os dados relativos à eficiência do processo e as taxas de gestação aos 45-60 dias para cada um dos tipos de embrião e para as diferentes épocas de transferência são apresentados nos Quadros 1 a 3. Apesar de numericamente superior, a taxa de gestação obtida com embriões sexados de origem canadiana (67,4%) não foi significativamente diferente da obtida com os de origem francesa (54,5%) (p = 0,46). Não foram igualmente encontradas, diferenças significativas entre as taxas de gestação em função da época de TE (71,4% x 64,0% x 56,3% x 57,1%, p = 0,76), a despeito de as duas primeiras fases de TE terem revelado valores numericamente superiores. Discussão e conclusões A rejeição de 48,3% (127/263) das novilhas para o programa de sincronização de cios resultou, essencialmente, do elevado número de fêmeas gestantes, em anestro e com deficiente condição corporal. Este cenário sugere um medíocre controlo reprodutivo dos Quadro 1 - Taxa de gestação em função do tipo de embrião Tipo do Embrião Sexado Não Sexado Totais * Nº de Transferências 65 11 76 Nº de Gestações 41 7 48 Taxa de Gestação (%) 41/65 (63,1)* 7/11 (63,6)* 48/76 (63,2) Nº de Gestações 29 12 7 Taxa de Gestação (%) 29/43 (67,4)* 12/22 (54,5)* 7/11 (63,6) Nº de Gestações 13 2 15 11 5 16 9 Taxa de Gestação (%) 13/17 (76,5) 2/4 (50,0) 15/21 (71,4)* 11/18 (61,1) 5/7 (71,4) 16/25 (64,0)* 9/16 (56,3)* 8 8/14 (57,1)* não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos (p > 0,05) Quadro 2 - Taxa de gestação em função do tipo e origem do embrião Tipo de Embrião Sexado Não Sexado * Origem do Embrião Canadiana Francesa Portuguesa Nº de Transferências 43 22 11 não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos (p > 0,05) Quadro 3 - Taxa de gestação em função da época das transferências Época das TE 1ª Fase Fev. 2008 2ª Fase Abr. 2008 Tipo de Embrião Sexado Não Sexado Totais Sexado Não Sexado Totais Sexado Nº de Transferências 17 4 21 18 7 25 16 3ª Fase Jan. 2009 4ª Fase Sexado 14 Abr. 2009 * não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos (p > 0,05) 28 Silva JC efectivos no que às cobrições indesejadas diz respeito e, igualmente, um aproveitamento por parte dos proprietários do programa gratuito de desparasitação e vacinação, com a apresentação de animais sem as condições ideais (por ex. idade e peso). O facto de a idade média das fêmeas reprovadas ter sido numericamente superior (ainda que a diferença não tenha sido significativa), em conjunto com uma condição corporal média inferior e significativamente diferente, relativamente às novilhas aprovadas, parece ter dado maior evidência à eficiência do processo selectivo, quanto à eliminação das fêmeas menos capazes. Por seu turno, a taxa de detecção de cios (72,8%) foi indicadora de boa eficácia dos produtores no registo dos dados comportamentais e físicos das fêmeas que exibiram estro, tendo em conta as condições de maneio a que as novilhas estão sujeitas na Ilha. Porém, onze das eliminadas para TE (47,8%: anovulação – 7; anestro – 2; e CL de desenvolvimento inadequado – 2) poderão tê-lo sido em virtude de uma incorrecta interpretação dos sinais de cio. No entanto, na globalidade, os produtores demonstraram que foram capazes de alterar a rotina habitual das suas explorações de forma a respeitarem as exigências de um correcto protocolo de detecção visual de cios. São vários os trabalhos que referem resultados de campo com embriões sexados e congelados: Chagas e Silva e Cidadão (1997) obtiveram uma eficiência de 54,5%, após a transferência de 22 embriões da raça Frísia Holstein, importados do Canadá; Shea (1999) registou uma taxa de gestação de 37% (91/244) entre 1992 e 1997 e atribuíu a baixa eficiência à falta de experiência técnica, uma vez que, em 1998, ainda que com apenas 29 transferências, já tinham melhorado os resultados para 66%; Lacaze et al. (2007), após a transferência de 205 embriões, ao abrigo de um programa comercial, conseguiram uma taxa de gestação de 51,7%. Tendo em consideração os dados atrás referidos, o presente trabalho, com os registos de uma taxa de gestação global de 63,2% (48/76) e das parcelares de 63,1% (41/65) para os embriões sexados e de 63,6% (7/11) para os embriões não sexados, revelou elevada eficiência. Os resultados agora obtidos indicam que, nas condições de maneio produtivo a que as novilhas da Ilha Graciosa estão sujeitas, é possível a transferência, com sucesso, de embriões sexados e congelados. Porém, apenas foi ultrapassada a primeira fase do Programa. Resta esperar que os proprietários, com a colaboração/supervisão dos Serviços, saibam recriar eficientemente, as fêmeas de elite que já estão a nascer, de forma que as mesmas possam expressar cabalmente o seu potencial genético, quer em termos de produção de embriões de 2ª geração, perpetuando o ciclo com menores custos, quer em termos produtivos. RPCV (2009) 104 (569-572) 25-30 Agradecimentos O autor agradece ao Director Regional do Desenvolvimento Agrário, Eng. Joaquim Pires, o convite para elaborar um protocolo de colaboração entre a Direcção Regional do Desenvolvimento Agrário e a Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa, para o que garantiu todas as condições necessárias à obtenção dos resultados agora registados. Agradece igualmente ao Presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Medicina Veterinária, Prof. Doutor Luís Tavares, a autorização para a participação/execução da componente técnica do protocolo e pelo apoio a cada momento. À Eng. Ana Luísa Pavão (DRDA) e ao Eng. Hélder Bettencourt (SDAG) pela colaboração na elaboração do protocolo, na selecção e acompanhamento dos produtores nas várias fases do trabalho de campo e, sobretudo, pelo espírito de equipa que se estabeleceu. A todos os técnicos do SDAG que, de alguma forma, participaram no Programa, pois também a eles se devem os resultados agora obtidos. A todos os produtores que cederam as suas novilhas para receptoras e que, interiorizando as exigências da tecnologia, contribuiram activamente para o sucesso desta fase do Programa Por fim, à Prof. Doutora Isabel Neto pela ajuda no tratamento estatístico dos dados. Bibliografia Bredbacka P (1998). Recent developments in embryo sexing and its field application. Reprod Nutr Dev, 38, 605-613. Chagas e Silva JN e Cidadão MR (1997). Transferência directa de embriões sexados de bovino, importados do Canadá. Em: Publicações do 1º Congresso Ibérico de Reprodução Animal, 3-6 Jul., Estoril (Portugal), Vol. II, pp. 205-211. Colleau JJ (1991). Using embryo sexing within closed mixed multiple ovulation and embryo transfer schemes for selection on dairy cattle. J Dairy Sci, 74, 3973-3984. Hasler JF (2003). Current status and future of commercial embryo transfer in cattle. Anim Reprod Sci, 79, 245-264. Lacaze S, Ponsart C, Humblot P (2007). 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RPCV (2009) 104 (569-572) 31-35 R E V I S TA P O R T U G U E S A DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS Exatidão da ultra-sonografia para diagnóstico de gestação aos 28 dias após inseminação e sua contribuição na eficiência reprodutiva em fêmeas Nelore e cruzadas Accuracy of the ultrasonography for pregnancy diagnosis at 28 days after insemination and its contribution in the reproductive efficiency on Nelore and crossbred females Adriana Gradela1*, Thiago Danieli2, Tiago Carneiro3, Denílson Valin Torres3, Cássio Roberto Gradela4, Vanessa Sobue Franzo5 1 Universidade Federal do Vale do São Francisco, Campus de Ciências Agrárias, Petrolina-PE, Brasil. 2 Curso de Medicina Veterinária, Unicastelo, Descalvado, SP, Brasil. 3 DG Torres, São João da Boa Vista, SP, Brasil. 4 Médico Veterinário Autônomo. Naviraí, MS, Brasil. 5 Universidade Federal do Tocantins, Campus de Araguaína, Araguaína-TO, Brasil. Resumo: Este estudo avaliou a acurácia do diagnóstico de gestação em fêmeas cruzadas (G1) e Nelore (G2) aos 28 dias após inseminação e seu efeito sobre perdas embrionárias e a eficiência reprodutiva. A acurácia do método foi obtida calculando-se a sensibilidade, especificidade e valores preditivos positivo e negativo (VPP e VPN). Fêmeas que não retornaram ao estro entre 18 e 24 dias após a primeira inseminação (n= 170) foram examinadas por ultra-sonografia no dia 28 e por palpação transretal no dia 42 para confirmação da gestação. As não prenhes receberam prostaglandina e uma segunda inseminação após visualização do estro. Das 44% (22/50; G1) e 80% (96/120; G2) prenhes à primeira inseminação, 0% retornou ao serviço, 0% apresentou perdas embrionárias e 0% apresentou abortamentos, resultando numa taxa de parição de 69,4% (118/170). Das 100% (28/28; G1) e 100% (24/24; G2) prenhes à segunda inseminação, 0% retornou ao serviço, 0% apresentou perdas embrionárias e 0% abortamentos, resultando numa taxa de parição de 100% (52/52). A taxa de parição total foi de 100% (170/170) e o intervalo de partos foi reduzido de 15 para 12,9 meses. A sensibilidade, a especificidade e VPP e VPN foram de 100%, sem a ocorrência de dúvidas ou erros. Este estudo sugere que a ultra-sonografia aos 28 dias após inseminação é exata para o diagnóstico precoce de gestação, não causa perdas embrionárias e, quando associada à re-sincronização do estro, contribui para o aumento da eficiência reprodutiva. Palavras-chave: acurácia, ultra-sonografia, sensibilidade, especificidade, VPP, VPN Summary: This study evaluated the accuracy of pregnancy diagnosis in crossbred (G1) and Bos indicus (G2) females at 28 days after insemination and its effect on embryonic losses and * Correspondência: [email protected] Tel: +55 87 8812 9495 reproductive efficiency. The accuracy of the method was obtained calculating sensibility, specificity, positive and negative predictive values (PPV and NPV). Females that did not return to estrus between 18 and 24 days after the first insemination (n = 170) were examined by ultrasound at day 28 and by transrectal palpation at day 42 for confirmation of pregnancy. The non pregnant received prostaglandin and a second insemination after viewing of estrus. Of 44% (22/50; G1) and 80% (96/120; G2) pregnant at first insemination, 0% returned to service, 0% showed embryonic losses and 0% had abortions, resulting in a calving rate of 69.4% (118/170). Of 100% (28/28; G1) and 100% (24/24; G2) pregnant at the second insemination, 0% returned to service, 0% showed embryonic losses and 0% had abortions, resulting in a calving rate of 100% (52/52). The total birth rate was 100% (170/170) and the calving interval has been reduced from 15 to 12.9 months. The sensitivity, specificity, PPV and NPV were 100% without any occurrence of questions or errors. This study suggests that ultrasound at 28 days after insemination is accurate for the early diagnosis of pregnancy, does not cause embryonic losses and, when combined with resynchronization of estrus, contributes to the increase in reproductive efficiency. Keywords: accuracy, ultrasound, sensibility, specificity, PPV, NPV Introdução O diagnóstico de gestação é um componente chave dos programas de manejo reprodutivo de rebanhos que visam melhorar o desempenho reprodutivo (Thompson et al., 1995), pois contribui para a diminuição do tempo para re-inseminação de vacas vazias e, conseqüentemente, para redução dos dias abertos (Oltenacu et al., 1990). Ademais, o diagnóstico precoce da gestação torna-se aconselhável quando 31 Gradela A et al. protocolos para sincronização do estro com inseminação artificial em tempo fixo (IATF) e transferência de embriões são utilizados. Nestes casos, os animais não prenhes podem ser alocados em novo protocolo de sincronização ou no rol de receptoras muito mais rapidamente, o que pode desempenhar uma função chave numa estratégia de manejo reprodutivo para operações comerciais com gado bovino. Os benefícios econômicos do diagnóstico de gestação dependem de vários fatores como: o período em que o diagnóstico é realizado após inseminação, a acurácia do diagnóstico, seu efeito na mortalidade embrionária, a eficiência da detecção do estro e as medidas adotadas quando as vacas são encontradas vazias (De Vries et al., 2005). Embora a palpação transretal seja ainda o mais popular método para diagnosticar se vacas estão prenhes ou vazias, quando elas não são vistas em estro (Rosenbaum e Warnick, 2004), o uso da ultra-sonografia vem crescendo a cada ano (Fricke, 2002). A data para realização da ultra-sonografia tem sido objeto de estudo (Pierson e Ginther, 1984; Boyd et al., 1988; Kastelic et al., 1989; Badtram et al., 1991; Szenci et al., 1995; Nation et al., 2003), entretanto sem um consenso. Sabe-se que a acurácia é comprometida se os exames são realizados muito precocemente (Kastelic et al., 1989; Badtram et al., 1991; Nation et al., 2003) e, embora melhores resultados tenham sido observados após o dia 25 pós-IA (Fissore et al., 1986; Pieterse et al., 1990; Fricke, 2002), Nation et al. (2003) verificaram que diagnósticos realizados antes do dia 30 eram precoces e pouco confiáveis, devido ao risco de perdas embrionárias. A diminuição da acurácia do diagnóstico pode levar a conclusões errôneas, fazendo com que mais vacas verdadeiramente vazias sejam diagnosticadas como prenhes (falso positivos) e mais vacas verdadeiramente prenhes sejam diagnosticadas como vazias (falso negativos) (Badtram et al., 1991; Szenci et al., 1995; Filteau e Descôteaux, 1998). Erros no diagnóstico geram altos custos, pois um diagnóstico falso positivo resulta em atraso na re-inseminação de vacas vazias (De Vries et al., 2005) e um falso negativo pode levar a abortamento se prostaglandina é administrada (Romano et al., 2004; De Vries et al., 2005). Como o custo de um animal prenhe ser induzido ao abortamento é muito maior, um teste de prenhez deve apresentar valor preditivo negativo (VPN) de 100% (De Vries et al., 2005). Ademais, altos valores de sensibilidade e especificidade são desejáveis, devido ao grande impacto econômico que causam, pois aumento da sensibilidade e especificidade de 95% para 97,5% resulta num ganho de U$0,10 a U$4,70 por vaca (Oltenacu et al., 1990), enquanto que uma redução na sensibilidade e especificidade de 98% para 92% reduz a receita líquida de U$0,10 a U$0,20 por vaca por ano (De Vries et al., 2005). Com base em dados da literatura e diante da falta de consenso sobre a melhor data para realização do 32 RPCV (2009) 104 (569-572) 31-35 diagnóstico precoce de gestação, este estudo teve por objetivo avaliar a acurácia da ultra-sonografia transretal aos 28 dias pós-IA e seu efeito sobre perdas embrionárias e a eficiência reprodutiva em fêmeas cruzadas e Nelore. Material e métodos Foram utilizadas fêmeas Girolando (Bos taurus X Bos indicus) (n=50, G1), em regime confinado de criação da parição até a secagem e sediadas no município de São João da Boa Vista/SP, localizada a uma latitude de 21º 58´ 0´´ S, longitude de 46º 47´ 0´´ O e altitude de 767 m e Nelore (Bos indicus) (n= 120, G2), criadas em regime extensivo no município de Naviraí/MS, localizado a uma latitude de 23º 8´ 0´´ S, longitude de 54º 13´ 0´´ O e altitude de 362 m. Em ambos os grupos, o intervalo entre partos (IDP) dos animais era de 15,08 ± 3,90 meses. Após um período de espera voluntário da parição à primeira inseminação de 45 dias, o trato reprodutivo de cada animal foi examinado por palpação transretal e ultra-sonografia para avaliação da involução uterina normal e condições de ciclicidade (presença de corpo lúteo). Dez dias após esta avaliação, fêmeas cíclicas foram submetidas ao seguinte protocolo de IATF: no dia 0 receberam um dispositivo intravaginal de liberação de progesterona (CIDR®, Pfizer, Brasil) e uma injeção de 2 mg de benzoato de estradiol (Estrogin®, Farmavet, São Paulo, Brasil) i.m.; no dia 7, 0,530 mg de cloprostenol sódico (Ciosin®, Schering-Plough, Brasil) i.m e no dia 9, o dispositivo foi removido e 1,0 mg de cipionato de estradiol (ECP, Pfizer, Brasil) i.m., administrado simultaneamente. No dia 11 (48 h após a retirada do dispositivo) foram administradas 400 UI de hCG (Vetecor®, Calier, Brasil) i.v. e a IA realizada 12 h depois com sêmen proveniente da Lagoa da Serra, Sertãozinho-SP, e por um inseminador experiente. Animais que não retornaram ao estro entre 18 e 24 dias após inseminação (n=170) foram examinados por um técnico experiente para diagnóstico da gestação por ultra-sonografia transretal (Aloka® Modelo SSD 500 e sonda de 5 MHz) no dia 28. A visualização da vesícula embrionária, do concepto e de sua viabilidade (Curran et al., 1986; Kastelic et al., 1988) através da ecogenicidade do líquido amniótico e presença de batimentos cardíacos (Fissore et al., 1986) foi considerada como prenhez positiva. Aos 42 dias o diagnóstico foi confirmado por palpação transretal. Um animal diagnosticado como prenhe no primeiro exame, mas como não prenhe no segundo exame, devido à alteração da econogenicidade do líquido amniótico e ausência de batimentos cardíacos (Fissore et al., 1986), foi estabelecido como morte embrionária. Quando o diagnóstico era negativo aos 42 dias após a inseminação, os animais foram tratados com Gradela A et al. RPCV (2009) 104 (569-572) 31-35 prostaglandina F2α (PGF2α) e inseminados após a visualização do estro. Foram calculadas as taxas de prenhez, de morte embrionária (total de prenhes aos 28 dias - total de prenhes aos 42 dias/total de animais avaliados x 100); abortamento (total de prenhes aos 42 dias - total de paridas/total de animais avaliados x 100); de dúvidas (diagnósticos inconclusivos decorrentes de artefatos de técnica, animais inquietos e da dificuldade devido ao posicionamento do trato genital entre animais cruzados e puros/total de avaliações x 100); de erros (total de falsos positivos e negativos/total de avaliações x 100) e de acertos (total de prenhes e não prenhes corretamente identificadas/total de avaliações). Para analisar os resultados foi utilizado o teste quiquadrado (X2) com nível de significância de 0,05%. Nas situações em que os valores foram menores do que 5 utilizou-se o Teste de Fisher. Os resultados ultra-sonográficos foram comparados calculando-se a sensibilidade, a especificidade e os valores preditivos positivo (VPP) e negativo (VPN) usando uma tabela de contingência 2x2. A sensibilidade é a probabilidade que a vaca prenhe seja diagnosticada como positiva pelo ultra-som, a especificidade é a probabilidade de que o ultra-som tenha detectado uma vaca vazia, o VPP é a probabilidade de que a vaca detectada como prenhe está realmente prenhe, enquanto que o VPN é a probabilidade de que uma vaca não prenhe é detectada como vazia pelo método do ultra-som (Broaddus, 2006). (52/170) como não prenhes e aos 42 dias esses índices foram mantidos à palpação transretal. Aos 28 dias após a segunda inseminação, as taxas de prenhez não diferiram (p>0,05) entre os G1 (100%) e G2 (100%) e aos 42 dias esses índices também foram mantidos à palpação transretal. As taxas de dúvidas, erros e acertos no diagnóstico precoce de gestação não diferiram entre os grupos (p>0,05) tendo sido de 0%, 0% e 100% em ambos os grupos. Deste modo, a sensibilidade, a especificidade, o VPP e o VPN foram todos de 100%, resultando numa acurácia (proporção de prenhes e não prenhes corretamente identificadas) de 100%. As taxas de perdas embrionárias e abortamentos não diferiram entre os grupos (p>0,05) tendo sido de 0% e 0%, respectivamente, após as duas inseminações. Deste modo, ambos os grupos apresentaram, após o repasse da IA, taxa de prenhez total de 100% (p>0,05) e o IDP foi reduzido de 15 para 12,9 meses em ambos os rebanhos. Discussão Embora alguns estudos tenham sugerido a possibilidade de diagnóstico de gestação usando ultra-sonografia transretal aos 25 ou 26 dias de gestação (Fissore et al., 1986; Pieterse et al., 1990; Barros e Visintin, 2001; Fricke, 2002), poucos abordaram a acurácia (sensibilidade, especificidade, VPP e VPN) do método. Este foi o objetivo deste estudo que também avaliou as conseqüências práticas do diagnóstico precoce da gestação, comparando-os em fêmeas bovinas cruzadas e Nelore. O ultra-som foi capaz de detectar 100% das fêmeas prenhes aos 28 dias após a inseminação, as quais foram confirmadas por palpação transretal aos 42 dias. A sensibilidade foi ligeiramente superior à relatada por Pieterse et al.. (1990) entre os dias 26 e 33 (97,7%), Hanzen e Laurent (1991) entre 26 e 70 dias pós-IA (97%), Nation et al. (2003) entre os dias 28 e 35 de gestação (96%) e Real et al. (2006) entre os dias Resultados Os resultados dos exames ultra-sonográficos para avaliar as taxas de gestação, perdas embrionárias, abortamentos e animais paridos após a primeira e segunda inseminações são apresentados na Tabela 1. Aos 28 dias após a primeira inseminação, as taxas de prenhez foram menores (p<0,05) no GI (44%) do que no G2 (80%) e, das 170 fêmeas avaliadas, 69,4% (118/170) foram classificadas como prenhes e 30,6% Tabela 1 - Taxas de gestação, de perdas embrionárias e de abortamentos aos 28 (por ultra-sonografia) e 42 dias (por palpação transretal) após a primeira e segunda inseminações artificiais e taxa de prenhez total de fêmeas Girolando (G1) e Bos indicus (G2) IA 1ª IA 2ª IA a,b Grupos Categorias Animais gestantes aos 28 dias pós-1ª IA Perdas embrionárias Animais gestantes aos 42 dias pós-1ª IA Abortamentos Animais gestantes aos 28 dias pós-2ª IA Perdas embrionárias Animais gestantes aos 42 dias pós-2ª IA Abortamentos Animais paridos G1 (n=50) 22 0 22 0 28 0 28 0 50 G2 % 44a 0a 44 0 100 0 100 0 100 (n=120) 96 0 96 0 24 0 24 0 120 % 80b 0a 80 0 100 0 100 0 100 Total (n=170) 118 0 118 0 52 0 52 0 170 % 69,4 0 69,4 0 100 0 100 0 100 Valores na mesma linha indicam diferença estatística (p < 0,05). 33 Gradela A et al. 26 e 30 de gestação (79%). Apenas Filteau e Descôteaux (1998) após o dia 32 e Romano et al. (2003) observaram resultados semelhantes aos 29 dias pós-estro em vacas e aos 26 dias em novilhas. A especificidade foi de 100%, não tendo havido perda da capacidade de detecção de fêmeas vazias, ao contrário de outros relatos da literatura (Pieterse et al., 1990; Hanzen e Laurent, 1991; Real et al., 2006). Com isto, não foram observados falsos negativos ou positivos, reforçando a exatidão do método. Estes resultados contradizem outros relatos (Barros e Visintin, 2001; Romano, 2004), que atribuíram a ocorrência de erros à maior dificuldade na interpretação das imagens quando os batimentos cardíacos não são observados. A persistência de falsos positivos durante os estágios iniciais da prenhez pode explicar porque a especificidade e o VPP nunca atingem 100% (Romano, 2004). Neste estudo, a não ocorrência de erros resultou em VPP e VPN máximos, fato apenas observado por Filteau e Descôteaux (1998) e Szenci et al. (1999) em relação ao VPN. No presente estudo, o exame ultra-sonográfico não ocasionou morte embrionária (Ball e Logue, 1994; Hughes e Davies, 1989; Barros e Visintin, 2001), contradizendo o observado por Nation et al. (2003) e Vasconcelos et al. (1997), que consideraram, respectivamente, os períodos de 28 a 35 dias e 28 a 42 dias após inseminações precoces para detecção segura da gestação, devido à alta incidência de mortalidade embrionária. Isto se deveu à facilidade de visualização dos batimentos cardíacos e à experiência do técnico em não ocasionar trauma à vesícula amniótica, pois manipulações excessivas do trato genital foram evitadas, e sugere que aos 28 dias a técnica pode ser inócua para a detecção precoce da gestação. O tratamento de fêmeas não prenhes com prostaglandina aos 42 dias após a IA diminuiu o intervalo entre partos dos animais estudados, o qual foi inferior ao reportado tanto para fêmeas Nelore (Souza et al., 1994; Gonçalves et al., 1996; Viu et al., 2008) como Girolando (Facó et al., 2005; Ruas et al., 2007; McManus et al., 2008). Entretanto, a exatidão do diagnóstico aos 28 dias após inseminação permite inferir que a PGF2α poderia ter sido administrada neste dia sem a necessidade de confirmação do diagnóstico aos 42 dias após IA, o que teria reduzido ainda mais o intervalo entre partos. Este estudo demonstra a exatidão da ultra-sonografia transvaginal aos 28 dias após inseminação, pois dúvidas ou erros são eliminados se os batimentos cardíacos fetais são visualizados, resultando em altos VPP e VPN. A ultra-sonografia não causa morte embrionária e, se associada à re-sincronização do estro, contribui para o aumento da eficiência reprodutiva, aumentando as taxas de prenhez e reduzindo o intervalo entre partos. 34 RPCV (2009) 104 (569-572) 31-35 Bibliografia Badtram GA, Gaines JD, Thomas CB, Bosu WTK (1991). Factors influencing the accuracy of early pregnancy detection in cattle by real-time ultrasound scanning of the uterus. Theriogenology, 35(6), 1153-1167. Ball PJH e Logue DDN (1994). Ultrasound diagnosis of pregnancy in cattle. The Veterinary Record, 134, 352. Barros BJP e Visintin JA (2001). Controle ultra-sonográfico de gestações, de mortalidades embrionárias e fetais e do sexo de fetos bovinos zebuínos. Brazilian Journal Veterinary Research and Animal Science, 38(2), 74-79. Boyd JS, Omran SN, Ayliffe TR (1988). Use of a high frequency transducer with real time B-mode ultrasound scanning to identify early pregnancy in cows. The Veterinary Record, 123, 8. Broaddus B (2006). 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Campus dos Goytacazes-RJ CEP: 28013-600 2 Faculdade de Ciências do Departamento de Zootecnia Campus II – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) 3 Laboratório de Zootecnia e Nutrição Animal – Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) 4 Centro de Ciência Agrária – Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Resumo: Avaliou-se o efeito do Balanço Eletrolítico (BE) em rações com diferentes níveis eletrolíticos para suínos na fase de terminação (acabamento) criados em alta temperatura. Foram utilizados 200 suínos machos castrados com peso médio de 68,8±3,4 kg, distribuídos em delineamento experimental inteiramente aleatório, com cinco tratamentos: T1s/supl ração sem suplementação de eletrólitos com 191 mEq/kg; T2 ração suplementada com bicarbonato de sódio com 250 mEq/kg; T3 ração suplementada com NaHCO3 e cloreto de potássio 250 mEq/kg; T4 ração suplementada com NaHCO3 300 mEq/kg; e T5 ração suplementada com NaHCO3 e KCl 300 mEq/kg. Utilizando quatro repetições, sendo 10 animais por unidade experimental. No encerramento do experimento o peso médio foi 110,1 ± 2,6 kg. As variáveis avaliadas foram consumo de ração (CR), ganho de peso (GP), consumo de nitrogênio (CN), consumo de lisina (CL), eficiência de utilização de nitrogênio para ganho (EUNG), eficiência de utilização de lisina para ganho (EULG), conversão alimentar (CA) e os parâmetros fisiológicos frequência respiratória (FR), temperatura retal (TR). A temperatura média manteve-se em 29,34±2,06 °C com umidade relativa (UR) do ar de 70,4 ± 9,2% e TGN de 31,59 ± 2,53 °C e ITGU em 80,98 ± 2,89. Os níveis de BE melhoraram (P<0,05) o GP, CL e a EULG. Os demais parâmetros de desempenho avaliados não foram afetados pelos tratamentos (P>0,05). A suplementação com 250 ou 300 mEq/kg com bicarbonato de sódio e/ou cloreto de potássio pode ser usada para corrigir o balanço eletrolítico no stresse calórico. with sodium bicarbonate (NaHCO3) with 250 mEq/kg; T3 diet supplemented with NaHCO3 and potassium chloride (KCl) with 250 mEq/kg; T4 diet supplemented with NaHCO3 with 300 mEq/kg; T5 diet supplemented with NaHCO3 and KCl 300 mEq/kg. Ten pigs and 4 replications were used per experimental unit. The study was finished when the average weight of the animals was 110.1±2.6 kg. The performance parameters evaluated were the feed intake, the daily gain (DG), finished weight, nitrogen intake, lysine intake (LI), efficiency of N utilization for weight gain, efficiency of L utilization for weight gain (ELUWG) and the gain:feed ratio and physiologic parameters to respiratory frequency and rectal temperature. The average temperature was 29.34±2.06 °C with relative humidity of 70.4 ± 9.2% and black globe temperature of 31.59 ± 2.53 °C and black globe humidity index calculated 80.98 ± 2.89. The levels of EB improved (P<0.05) the DG, LI and ELUWG. The others performance parameters evaluated weren’t influenced by treatments (P>0.05). The supplementation with sodium bicarbonate and or potassium chloride with 250 or 300 mEq/kg can be used to correct electrolyte balance under heat stress. Palavras-chave: equilíbrio ácido-base, suínos, stresse calórico, bicarbonato de sódio, cloreto de potássio A região Nordeste do Brasil possui um rebanho suíno com alto potencial genético, porém com produtividade inferior em comparação às demais regiões do país, em virtude, principalmente, das características climáticas da região (Carvalho et al., 2004). É importante considerar a temperatura ambiente, como um dos principais elementos climáticos não só por causa do efeito direto sobre a intensidade das trocas térmicas, como indiretamente pela influência que exerce sobre os demais componentes do bioclima. Segundo Perdomo (1998), a adequação do meio deve ter caráter permanente, independentemente da maior ou menor habilidade genética do suíno, uma vez Summary: The effect of Dietary Electrolyte Balance (EB) in rations with different levels of electrolytes for growing swine under high environmental temperatures was evaluated. Two hundred male castrated pigs with initial average weight of 25,3±1.3 kg were allocated in five treatments, using a completely randomized experimental design: T1 diet without supplemented electrolyte 191with mEq/kg; T2 diet supplemented *Correspondência: [email protected] Keywords: electrolyte balance, swine, heat stress, sodium bicarbonate, potassium chloride Introdução 37 Bretas AA et al. RPCV (2009) 104 (569-572) 37-43 que a estabilização e melhoria do conforto térmico são fundamentais para elevar o nível de independência das edificações em relação ao clima, visando a otimização do desempenho. A manutenção do equilíbrio ácido-básico tem grande importância fisiológica e bioquímica, visto que as atividades das enzimas celulares, as trocas eletrolíticas e a manutenção do estado estrutural das proteínas são profundamente influenciadas por pequenas alterações na concentração hidrogeniônica (H+) do sangue (Macari e Furlan, 1994). O balanço eletrolítico da ração pode exercer influência no equilíbrio ácido-básico e, consequentemente, afetar os processos metabólicos relacionados ao crescimento, à resistência a doenças, à sobrevivência ao stresse e ao desempenho do animal (Vietes et al., 2005). Segundo Mogin (1980), o sódio, o potássio e o cloreto são fundamentais na manutenção da pressão osmótica e equilíbrio ácido base dos líquidos corporais. Como forma de prevenção para o desequilíbrio ácido básico a suplementação de rações através do uso de compostos como bicarbonato de sódio (NaHCO3) e cloreto de potássio (KCl) tem sido utilizada em regiões de clima quente. Diante do exposto, este trabalho teve como objetivos avaliar o desempenho de suínos em terminação (acabamento) mantidos em condições naturais de calor recebendo rações com diferentes balanços eletrolíticos. Material e métodos Foram utilizados 200 suínos cruzados (Landrace X Large White) machos castrados, em fase de acabamento, em delineamento experimental inteiramente aleatório, cinco tratamentos com diferentes níveis de mEq/kg de ração suplementadas ou não com bicarbonato de sódio e/ou cloreto de potássio e quatro repetições, onde a unidade experimental foi composta por 10 animais na baia. Os animais foram alojados em galpão (alpendre) de alvenaria, coberto com telha de fibrocimento em duas águas, sem forro, com piso de cimento parcialmente ripado, dividido em baias iguais de 3,25 m x 2,60 m cada baia, provido de bebedouro tipo chupeta e comedouro fixo semi automático de concreto com cinco divisões. As rações experimentais (Tabela 1) foram formuladas seguindo as recomendações de Rostagno et al. (2005), preparadas à base de sorgo e farelo de soja, sendo que suas fórmulas serviram para satisfazer as exigências nutricionais de suínos machos castrados de alto potencial genético com desempenho médio na fase de terminação. Foram utilizadas cinco rações experimentais T1 (s/supl): ração sem suplementação de eletrólitos formulada com 191 mEq/kg; T2 (supl B): ração com suplementação de bicarbonato de sódio (NaHCO3) ou (B) formulada com 250 mEq/kg; T3 (supl B+C): ração Tabela 1 - Composição das rações experimentais Ingredientes Sorgo Farelo de soja Óleo de soja Suplemento mineral:vitamínico2 Sal comum L- lisina HCl Bicarbonato de sódio Cloreto de potássio Total Proteína Bruta (%)1 EM (kcal/kg)1 BE (mEq/kg)3 Lisina total (%)1 Cloro (%)4 Sódio (%)4 Potássio (%)4 Cálcio (%)4 Fósforo total (%)4 1 72,680 19,600 3,400 4,000 0,220 0,100 100,000 2 71,900 19,600 3,400 4,000 0,240 0,100 0,760 100,000 17,70 3,450 199 0,890 0,190 0,270 0,530 0,700 0,530 17,69 3,440 250 0,880 0,260 0,400 0,590 0,702 0,529 Tratamentos 3 4 71,415 71,484 19,600 19,600 3,400 3,400 4,000 4,000 0,225 0,230 0,100 0,100 0,760 1,186 0,500 100,000 100,000 Composição Nutricional 17,61 17,64 3,415 3,420 250 300 0,870 0,880 0,250 0,270 0,390 0,510 0,600 0,610 0,701 0,703 0,528 0,527 5 70,479 19,600 3,400 4,000 0,235 0,100 1,186 1,000 100,000 17,63 3,410 300 0,870 0,280 0,500 0,630 0,701 0,528 Composição calculada segundo Rostagno et al. (2005). Conteúdo em kg: selênio 8 mg, flúor 485 mg, vitamina B12 520 mg, ácido fólico 8,8 mg, vitamina A 93.000 ui/kg, vitamina D3 24.000 ui/kg, manganês 836 mg, fósforo 49 g, cálcio 190 g, ácido pantotênico 173 mg, promotor de crescimento (mananoligossacarídeos) 1.485 mg, vitamina K3 53 mg, iodo 29,5 mg, cobalto 3,6 mg, vitamina E 106 mg, niacina 426 mg, riboflavina 71 mg, antioxidante (betahidroxitolueno-BHT) 9 mg, tiamina 13,3 mg, sódio 58,5 g, cobre 2.126 mg, solubilidade de fósforo (P) em ác. Cítrico a 2% (mín) 90%, zinco 2.049 mg, ferro 1.820 mg, piridoxina 13,3 mg, biotina 0,42 mg, qsp1000 g. 3 BE - Balanço Eletrolítico da ração calculado conforme Patience (1990), BE = (Na/23 + K/39 – Cl/35,5)x 1000. 4 Análises realizadas no Laboratório de Solos – Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). 1 2 38 Bretas AA et al. com suplementação de NaHCO3 ou (B) e cloreto de potássio (KCl) ou (C) formulada com 250 mEq/kg; T4 (supl B): ração com suplementação de NaHCO3 ou (B) formulada com 300 mEq/kg; T5 (supl B+C): ração com suplementação de NaHCO3 ou (B) e KCl ou (C) formulada com 300 mEq/kg. Para a correção do balanço eletrolítico, as rações dos tratamentos T2 e T4 continham apenas bicarbonato de sódio (NaHCO3) e as rações dos tratamentos T3 e T5 continham (NaHCO3) e cloreto de potássio (KCl), que foram adicionados em substituição ao sorgo da ração, sendo os demais ingredientes mantidos em sua concentração. Os valores de balanço eletrolítico (BE) das rações experimentais foram calculados, considerando o peso molecular de cada elemento químico, de acordo com a recomendação de Patience (1990), por meio da fórmula: BE = (Na/23 + K/39 – Cl/35,5). As condições ambientais do galpão foram monitoradas (7, 12 e 17 horas), utilizando termohigrômetro digital, termômetro de máxima e mínima e termômetro de globo negro, mantidos em uma baia vazia no centro do galpão à meia altura do corpo dos animais. As leituras dos equipamentos foram utilizadas para o cálculo do índice de temperatura de globo e umidade (ITGU), segundo metodologia de Buffington et al. (1981). Para o cálculo do ITGU foi utilizada seguinte equação a seguir "ITGU = Tgn + 0,36 Tpo – 330,08", onde: ITGU = índice de temperatura de globo e umidade; Tgn = temperatura de globo negro (em Kelvin); Tpo = temperatura do ponto de orvalho (em Kelvin). Foram realizadas as pesagens diárias das sobras e do resíduo de ração. As pesagens dos animais foram realizadas no início e no final do experimento, para a avaliação do ganho de peso. Para cálculo do CN, foi considerado consumo de proteína bruta (PB) dividido pelo coeficiente 6,25. A eficiência de lisina e de nitrogênio, ambos para ganho, foi avaliada através do consumo médio de lisina necessário para os animais converterem em ganho de peso. O modelo estatístico utilizado foi Yij = µ + ti + eij, em que Yij (Completely Randomized Design) = efeito do tratamento i na repetição j, µ = média geral das variáveis, ti = efeito do tratamento i, eij = erro aleatório associado a cada observação ij. As análises estatísticas de desempenho foram realizadas utilizando-se os procedimentos do SAS versão 7.0 (SAS, 2005), efetuando-se a soma de quadrados dos tratamentos decomposta em contrastes ortogonais para análise dos efeitos de balanço eletrolítico sobre as variáveis de desempenho em 5% de probabilidade. Resultado e discussão Durante todo o período experimental a temperatura média manteve-se em 29,34 ± 2,06 °C, com umidade relativa do ar de 70,4 ± 9,2% e temperatura do globo negro de 31,59 ± 2,53 °C. O índice de temperatura de RPCV (2009) 104 (569-572) 37-43 globo e umidade (ITGU) foi de 80,98 ± 2,89. A utilização de índices bioclimatológicos na suinocultura permite a precisão de uma avaliação da situação ambiental, e também uma comparação de animais mantidos em diferentes regiões (Ferreira, 2005). Em pesquisa realizada por Whittemore (1980) foi observado uma faixa estreita de conforto térmico para suínos na fase de terminação com valores entre 16 a 27 °C para suínos acima dos 50 kg de peso vivo. De acordo com Pointer (1978) e (Baêta e Souza, 1997), a temperatura de conforto térmico para esta categoria animal é de 25 °C. A temperatura média observada 29,34 °C foi superior à temperatura máxima da zona de conforto térmico para os animais na fase de terminação, dessa forma há evidência que os suínos estavam em condições de moderado stresse por calor. O valor do ITGU obtido neste estudo demonstrou que os animais durante todo o período experimental estavam submetidos ao stresse por calor. Segundo Ferreira (2005), os valores de ITGU próximos de 80 podem caracterizar o efeito do stresse calórico para suínos em fase de terminação. Outros valores de ITGU foram observados por (Tavares et al., 2000; Tavares et al., 2005), Kiefer et al. (2005), Ferreira et al. (2007) e Orlando et al. (2007), sendo respectivamente 81,1 e 79,7; 82,8; 82,2 e 82,9 caracterizando o stresse por calor para suínos em fase de terminação. Os resultados de consumo de ração (CR), ganho de peso (GP), conversão alimentar (CA), peso final (PF), consumo de nitrogênio (CN), consumo de lisina (CL), eficiência de utilização de lisina para ganho (EULG) e eficiência de utilização do nitrogênio para ganho (EUNG) são apresentados na Tabela 2. Os resultados observados sobre o consumo de ração (CR) não foram diferentes (P>0,05) entre os tratamentos avaliados. Pelos resultados obtidos pode-se notar que a suplementação de eletrólitos melhorou (P<0,05) o ganho de peso (GP) dos animais. Observou-se que os suínos que receberam a suplementação de eletrólitos nas rações apresentaram um aumento médio de 3,59% no ganho de peso quando comparado com os suínos que receberam ração sem correção do balanço eletrolítico. Silva (1999) relatou que elevadas temperaturas ambientais parecem ter efeito depressivo mais pronunciado em suínos modernos com alto potencial genético, uma vez que o ganho diário de peso é prejudicado. Por outro lado, em um estudo conduzido por Moreira et al. (2003), utilizando suínos com médio potencial genético, o menor ganho diário de peso proporcionado pela elevada temperatura foi compensado pela melhora na conversão alimentar. Não foram observados diferenças (P>0,05) na conversão alimentar e peso final dos animais, demonstrando que a suplementação contribuiu efetivamente para melhora de desempenho dos suínos. 39 Bretas AA et al. O balanço eletrolítico obtido pela suplementação de sódio, potássio e cloreto nas rações (tratamentos 3 e 5) pode ter deprimido o apetite dos suínos. Provavelmente, em função de que as concentrações de potássio (0,60 e 0,63%) e sódio (0,39 e 0,50%) ultrapassaram a tolerância dos animais. Rostagno et al. (2005) prescreveram, respectivamente, 0,52% de potássio e 0,17% de sódio para suínos de alto potencial genético e desempenho médio na fase de terminação. Hannas (1999), em sua revisão, relatou que os suínos em stresse por calor não apresentaram piora na conversão alimentar, entretanto, os prejuízos econômicos podem ser decorridos em função do maior número de dias para que os animais atinjam o peso de abate. Os resultados observados para a consumo de nitrogênio (CN) e eficiência de utilização de nitrogênio para ganho (EUNG) não foram diferentes (P>0,05) quando se utilizou a correção de balanço eletrolítico. Contudo, os tratamentos 3 e 5 apresentaram diminuição no CN, valores não-significativos, quando as rações apresentaram suplementação com cloreto de potássio (KCl). Provavelmente, o KCl pode ter ocasionado a inclusão de compostos ácidos, dessa maneira proporcionando uma diminuição sobre o valor do balanço eletrolítico no organismo. A quantidade consumida desses íons nas rações produz uma estreita relação com os mecanismos compensatórios que envolvem a mobilização desses íons fundamentais para o equilíbrio acidobásico. Houve influência dos tratamentos (P<0,05) sobre o consumo de lisina (CL) e eficiência de utilização de lisina para ganho (EULG). Pelos resultados obtidos pode-se notar que a suplementação de eletrólitos melhorou (P<0,05) o consumo de lisina (CL) e a EULG dos animais. Observou-se que os suínos que receberam a suplementação de eletrólitos nas rações apresentaram um aumento médio de 3,24% no consumo quando comparado com os suínos que não receberam rações com o balanço eletrolítico corrigido. Observou-se que os suínos que receberam a suplementação de eletrólitos nas rações apresentaram um aumento médio de 5,44% na eficiência de utilização de lisina quando comparado com os suínos que não receberam rações com tratamento do balanço eletrolítico corrigido. O valor obtido para o consumo diário de lisina 30,13 g/dia em rações com 0,90% de lisina, trabalhando com suínos machos castrados com 95 aos 122 kg obtido por Arouca et al. (2007) foi superior ao obtido neste trabalho (21,49 g/dia) onde os suínos receberam rações com 0,89% de lisina. A ingestão de lisina total exigida pelo suíno depende do apetite ou do potencial de ingestão de alimento, da taxa de deposição de carne magra e da eficiência desta deposição, o que poderia explicar as diferenças observadas de acordo com Hannas et al. (1999). 40 RPCV (2009) 104 (569-572) 37-43 O consumo de lisina diário é responsável pela deposição de tecido muscular na carcaça e o desempenho pode estar associado diretamente ao nível de lisina nas rações (Oliveira et al., 2002). Os resultados de consumo diário de sódio, do consumo de potássio e consumo de cloro estão demonstrados na Tabela 3. A correção do balanço eletrolítico da ração para 250 ou 300 mEq/kg proporcionou maiores consumos (P<0,05) dos três elementos estudados. Uma vez que o consumo voluntário de ração não foi influenciado entre os tratamentos, os consumos de sódio, de potássio e de cloreto variaram de acordo com a concentração destes eletrólitos nas formulações. Dentre os animais que receberam ração suplementada com eletrólitos, aqueles que receberam rações com 300 mEq/kg apresentaram maior consumo de potássio (P<0,05) em relação aos que consumiram rações com 250 mEq/kg. O teor de ingestão de sódio na dieta, a concentração de sódio plasmática e a carga de sódio filtrado podem influenciar as taxas de excreção do potássio. Neste caso, o excesso de potássio na dieta provoca um aumento da eliminação deste e uma diminuição na eliminação de hidrogênio (H+). Como os íons sódio e potássio aumentaram sua concentração em relação à concentração do cloreto, ocasionou dessa maneira uma diminuição da eliminação de H+, sendo esta reação caracterizada como resposta à alcalose metabólica provocada por uma alimentação aniônica (Swenson e Reece, 1993). A taxa de excreção de K+ pela urina é variável, estando ligada à concentração plasmática de Na+ e ao estado de hidratação dos animais, sendo que as perdas podem ser causadas pelo aumento no consumo de água, já que o gradiente osmótico favorece o movimento de água do fluído intracelular para urina, podendo transportar o K+. O aumento de K+ resulta em maior perda urinária, sendo que os suínos têm pouca capacidade de conservar o K+ corporal (Salvador et al., 1999). O maior consumo de sódio apresentado pelos animais que receberam rações com eletrólitos pode ter influenciado o resultado observado para consumo de cloreto quando comparado ao tratamento 1 sem suplementação oferecido aos suínos apresentado na Tabela 3. Assim, caso ocorra no organismo excesso de sódio, o excesso de cloreto acompanha a excreção de sódio que será eliminado pela urina através da ação dos rins. Este mecanismo do organismo tem como objetivo a manutenção do equilíbrio das quantidades de cátions-ânions (Del Claro, 2003; Pound et al. 2005). As necessidades de cloro para animais em terminação poderiam atingir 2,5 g/dia dependendo das condições ambientais, conforme NRC (1998). O aumento no consumo de Cl- deprime a excreção de H+ e a reabsorção de HCO3- pelos rins. Isto pode contribuir com uma acidificação do sangue e esta Bretas AA et al. RPCV (2009) 104 (569-572) 37-43 Tabela 2 - Consumo de ração (CR), ganho de peso (GP), conversão alimentar (CA), peso final (PF), consumo de nitrogênio (CN), consumo de lisina (CL), eficiência de utilização de nitrogênio (EUNG) e eficiência de utilização de lisina (EULis) de suínos em terminação, mantidos em condições naturais de calor recebendo rações com diferentes balanços eletrolíticos Tratamentos 1 (s/supl) 2 (supl B) 250 mEq/kg 3 (supl B+C) 250 mEq/kg 4 (supl B) 300 mEq/kg 5 (supl B+C) 300 mEq/kg CV (%) QMresíduo Contrastes T1vs T2+T3+T4+T5 T2+T3 vs T4+T5 T2 vs T3 T4 vs T5 CR (g/dia) 2.528 GP (g/dia) 766 2.536 CA 3,30 PF (kg) 110,50 CN (g/dia) 71,58 CL (g/dia) 21,49 EUNG (gGP/g) 10,60 EULis (gGP/gLis) 33,73 811 3,13 111,19 71,60 22,31 11,33 36,36 2.440 776 3,14 109,82 69,75 22,23 10,84 35,12 2.557 821 3,11 112,69 71,18 22,30 10,69 34,14 2.415 4,97 0,187 770 5,54 0,355 3,14 3,31 0,298 22,01 3,20 0,197 11,43 4,17 0,426 37,04 4,72 0,153 NS NS NS NS * NS NS NS NS NS NS NS 109,03 70,13 4,98 4,95 0,187 0,290 Significância NS NS NS NS NS NS NS NS * NS NS NS NS NS NS NS * NS NS NS * significativo 5% pelo teste T. Tabela 3 – Consumos de sódio, de potássio e de cloreto por suínos em fase de terminação, alimentados com rações contendo diferentes balanços eletrolíticos Tratamentos 1 (s/suplementação) 2 (B) 250 mEq/kg 3 (B+C) 250 mEq/kg 4 (B) 300 mEq/kg 5 (B+C) 300 mEq/kg CV(%) QMresíduo Contrastes T1vs T2+T3+T4+T5 T2+T3 vs T4+T5 T2 vs T3 T4 vs T5 Sódio 7,29 11,15 10,73 13,55 13,70 4,97 0,956 Consumo diário Potássio 14,32 16,45 16,89 16,21 17,26 4,93 0,683 * * NS NS * NS NS NS Cloreto Na 5,13 1,42 7,25 1,54 7,04 1,52 7,18 1,89 7,67 1,79 4,92 0,901 Significância * NS NS NS - Proporção K 2,79 2,69 2,40 2,26 2,50 - Cl 1,00 1,00 1,00 1,00 1,00 - - - * significativo 5% pelo teste T. parece ser uma resposta apropriada para a alcalose (Salvador et al., 1999). As funções do cloreto estão relacionadas à regulação da pressão osmótica extracelular e à manutenção do equilíbrio ácido-base no organismo animal (Andrigueto et al., 2002; Bertechini, 2006). Os tratamentos 4 e 5 utilizando o balanço eletrolítico de 300 mEq/kg apresentaram maior relação Na:Cl que os demais tratamentos. O bicarbonato de sódio tem sido usado na tentativa de minimizar as perdas pelo stresse calórico, particularmente durante o verão, além de contribuir com sódio sem incorporar o cloro. As necessidades de cloro são inferiores às de sódio e o uso de cloreto de potássio deve ser limitado até a satisfação das necessidades de cloro, assim que este se complementa com as necessidades de sódio. Conforme observado pela proporção Na:Cl no tratamento 2, esta foi a relação que mais se aproximou do valor 1,58:1, recomendado pelo NRC (1998), para esta categoria animal. Os resultados referentes às respostas fisiológicas de freqüência respiratória (FR) e temperatura retal (TR) apresentados pelos animais estão apresentados na Tabela 4. Os resultados observados para freqüência respiratória (FR) e da temperatura retal (TR) não foram diferentes (P>0,05) entre os tratamentos analisados. Os resultados encontrados pelos tratamentos indicam que este mecanismo de controle homeotérmico foi eficiente nestes animais. 41 Bretas AA et al. RPCV (2009) 104 (569-572) 37-43 Tabela 4 - Resultado de freqüência respiratória (FR) em movimento por minuto (mov/min) e temperatura retal (TR) em (ºC) de suínos em terminação dos 68,8 aos 110,1 kg alimentados com rações contendo diferentes balanços eletrolíticos Tratamentos 1 (s/suplementação) 2 (supl B) 250 mEq/kg 3 (supl B+C) 250 mEq/kg 4 (supl B) 300 mEq/kg 5 (supl B+C) 300 mEq/kg CV(%) QMresíduo Contrastes T1vs T2+T3+T4+T5 T2+T3 vs T4+T5 T2 vs T3 T4 vs T5 FR (mov/min) 71,57 ± 0,73 70,64 ± 0,27 69,64 ± 0,20 70,00 ± 0,80 69,99 ± 0,38 4,22 0,322 Ferreira (2005) citou que a FR de suínos poderá passar de 44 mov/min aos 21 °C, para 82 mov/min aos 32 °C. Os resultados encontrados neste estudo, tanto de FR quanto de TR são característicos de suínos em condições de stresse por calor. Os valores de TR observados são semelhantes àqueles obtidos por Tavares et al. (2000) (39,6 °C) e por Orlando et al. (2001) e Tavares et al. (1999), (39,4 °C), sendo que ambos estudaram suínos em stresse por calor. O dióxido de carbono é o produto final da oxidação completa de carboidratos, lipídeos e proteínas. Assim, o metabolismo animal gera, de forma contínua, grandes quantidades de CO2 nas células, tornando a pCO2 tecidual mais elevada do que a pCO2 sangüínea. Dessa maneira, uma vez que existe diferença de pressão, o CO2 difunde-se a partir das células para o sangue e o plasma. Os pulmões são responsáveis por uma maior taxa de excreção diária de ácido carbônico (H2CO3) e CO2 em comparação com os rins. Por essa razão, a ventilação alveolar e a excreção de CO2 têm grande influência no equilíbrio acidobásico. O incremento da tensão de CO2 do sangue e a depleção de íons bicarbonato causam um aumento na profundidade respiratória. Nesse caso, os suínos conseguem aumentar o volume de ar inspirado e expirado através do aumento da profundidade respiratória, ou seja, o ar inspirado penetra com mais profundidade nos pulmões, permitindo que o volume de ar seja trocado por números menores de movimento respiratório (Dibartola, 2007). Conclusão A correção do balanço eletrolítico em rações contendo 250 ou 300 mEq/kg, suplementadas com bicarbonato de sódio e/ou cloreto de potássio influenciou o desempenho para ganho de peso, consumo de lisina e eficiência de utilização de lisina para suínos em terminação (70-100 kg). Os resultados encontrados pelos tratamentos indicam que o mecanismo de controle homeotérmico foi eficiente nestes animais. 42 TR (ºC) 39,49 ± 0,02 39,57 ± 0,07 39,59 ± 0,05 39,54 ± 0,17 39,35 ± 0,10 2,96 0,561 Significância NS NS NS NS NS NS NS NS Agradecimentos Aos funcionários, em especial, ao Gerente Geral o Sr. José de Souza da Granja Agrolusa S/A, localizada em São Luis – Maranhão. Bibliografia Andrigueto JM, Perly L, Minardi I, Silva DC (2002). Nutrição Animal: as bases e os fundamentos da nutrição animal – os alimentos. Editora: Nobel (São Paulo), 380395. Arouca CLC, Fontes DO, Baião NC, Silva MA (2007). Níveis de lisina para suínos machos castrados seleciona dos geneticamente para deposição de carne magra na carcaça dos 95 aos 122 kg. Ciências Agrotécnica, Lavras, 31, 531-539. Baêta FC e Souza CF (1997). Ambiência em edificações rurais: conforto animal. Editora: UFV (Viçosa, MG), 240246. Bertechini AG (2006). Nutrição de monogástricos: suínos. 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Editorial: Presença Ltda, Lisboa (Portugal) 191-195. 43 RPCV (2009) 104 (569-572) 45-53 R E V I S TA P O R T U G U E S A DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS Estudo casuístico de dermatites por reacção de hipersensibilidade em cães e gatos Case study of dermatitis hypersensitivity reaction in dogs and cats Sílvia Silva1, Sara Peneda2, Rita Cruz1, Helena Vala1,3* 1 Escola Superior Agrária de Viseu, Instituto Politécnico de Viseu. Estrada de Nelas, Quinta da Alagoa, Ranhados, 3500-606 Viseu, Portugal 2 Hospital Veterinário do Porto, Travessa Silva Porto 4200-475 Porto 3 Centro de Estudos em Educação, Tecnologias e Saúde, Escola Superior Agrária de Viseu, IPV, Estrada de Nelas, Quinta da Alagoa, Ranhados, 3500-606 Viseu Resumo: Os autores apresentam um estudo das dermatites causadas por reacção de hipersensibilidade em animais de companhia, dando enfoque à sua distribuição por sexo, raça e idade, baseado na análise da casuística dermatológica do Hospital Veterinário do Porto. Num total aproximado de 1177 consultas de canídeos, 554 diziam respeito a consultas dermatológicas e, num total de 388 consultas em felinos, 109 eram do foro dermatológico. Em canídeos, foram diagnosticados 73 casos de hipersensibilidade cutânea e em felídeos foram diagnosticados 13 casos. Na população canina, a reacção de hipersensibilidade que obteve maior número de casos foi a Dermatite Alérgica à Picada de Pulga, tendo-se seguido a Urticária e o Angioedema, a Dermatite Atópica e, por último, a Hipersensibilidade Alimentar. Em felídeos verificou-se maior incidência da Atopia, tendo-se seguido a Dermatite Alérgica à Picada de Pulga e a Hipersensibilidade Alimentar. Palavras-chave: Reacção de hipersensibilidade cutânea, Dermatite Alérgica à Picada de Pulga, Urticária, Angioedema, Dermatite Atópica, Hipersensibilidade Alimentar, canídeo, felídeo. Summary: The authors present a study of cutaneous hypersensitivity reaction distribution in small animals, by age, sex and breed, based on the dermatologic cases of the Veterinary Hospital of Porto. Among a total of 1177 examined dogs, 554 presented dermatological findings, in 73 of which, cutaneous hypersensitivity reaction diagnosis was established, while in the feline population, in a total of 388 cases, 109 dermatological conditions were observed, of which 13 were hypersensitivity reactions. In the canine population, the more representative hypersensitivity was Flea Bite Hypersensitivity, followed by the Urticaria and Angioedema, Atopic Dermatitis and, for last, Food Hypersensitivity. The feline population revealed larger incidence of Atopic Dermatitis, followed by Flea Bite Hypersensitivity and Food Hypersensitivity. *Correspondência: [email protected] Keywords: Cutaneous hypersensitivity reaction, Flea Bite Hypersensitivity, Urticaria, Angioedema, Atopic Dermatitis, Food Hypersensitivity, canine, feline. Introdução As consultas de dermatologia em pequenos animais representam 25 a 30% do total das consultas veterinárias, merecendo, cada vez mais, maior destaque na prática clínica diária, sendo objecto de estudos constantes devido, não só à sua incidência, mas também à relação de proximidade crescente entre animais e humanos (Machicote, 2005; Yotti, 2005; Brazis, 2007). Um dos motivos de procura de consultas desta especialidade é o aparecimento de doenças do foro alérgico, cuja principal manifestação clínica é o prurido. Nestas, incluem-se a Dermatite por Alergia à Picada da Pulga, a Dermatite Atópica, a Hipersensibilidade Alimentar e a Urticária e o Angioedema. Apesar de existirem muitos factores imunológicos que contribuem para as reacções de hipersensibilidade cutânea (Olivry et al., 2001), outros defendem a existência, simultânea, de uma relação directa com as reacções de hipersensibilidade retardada, associadas à Imunoglobulina E (IgE), em resposta à exposição directa (inalação, ingestão) a alergenos ambientais, como o fundamento para o aparecimento deste tipo de reacção de hipersensibilidade cutânea (Deboer, 2004; Hillier et al., 2001). A Dermatite Alérgica à Picada de Pulga (DAPP) é a reacção de hipersensibilidade com maior incidência em Portugal, devido ao clima propício ao desenvolvimento do ciclo da pulga, principalmente na Primavera e no Verão, seguindo-se a Dermatite Atópica (DA), causada principalmente pela inalação de alergenos (Day, 1999; Medleau e Knilica, 2006). A Hipersensibilidade Alimentar (HA) é a terceira reacção de hipersensibilidade cutânea mais comum e 45 Silva S et al. tem como principal etiologia a ingestão de proteínas, nomeadamente a ingestão de carne bovina, a qual se encontra presente na maior parte das rações comercializadas, podendo estas estar na origem do aparecimento deste tipo de reacção de hipersensibilidade (Jeffers et al., 1994; Wills et al., 1996; Day, 1999; Medleau e Knilica, 2006). A Dermatite Alérgica de Contacto é o quarto tipo de reacção de hipersensibilidade mais frequente e é causada pela exposição directa da pele a materiais de natureza variada que incluem desde materiais orgânicos, vegetais e urinários, até materiais sintéticos (produtos de limpeza com base amoniacal, solventes, fenóis, entre outros). Esta reacção de hipersensibilidade pode também ocorrer devido ao contacto directo com material plástico de bebedouros, tapetes e carpetes. A Urticária e o Angioedema são as reacções de hipersensibilidade menos frequentes (Day, 1999; Medleau e Knilica, 2006) e neste trabalho serão analisadas em simultâneo. São inúmeras as terapêuticas utilizadas na resolução dos casos de reacção de hipersensibilidade cutânea que, de um modo geral, incluem desde o controlo de ectoparasitas, no caso da DAPP, passando pelas dietas de restrição alimentar, no caso da HA, até terapia médica com imunomoduladores, no caso da Urticária e do Angioedema, bem como a utilização de autovacinas e técnicas de hipossensibilização especifica na DA (Ackerman e Nesbitt, 1998; DeBoer e Hillier, 2001; Scott et al., 2001; DeBoer, 2004; Medleau e Knilica, 2006). O principal desafio na abordagem terapêutica das reacções de hipersensibilidade cutânea é seleccionar a combinação farmacológica mais eficaz, de forma a manter sob controlo todos os sinais clínicos específicos destas dermatopatias, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida dos animais. O presente estudo foi realizado no Hospital Veterinário do Porto, durante o primeiro semestre de 2007, e teve como objectivo o acompanhamento das consultas de Dermatologia de animais de companhia e o registo dos casos diagnosticados como reacção de hipersensibilidade cutânea, de forma a aprofundar a sua distribuição nos utentes das consultas desta especialidade num hospital do Norte de Portugal. RPCV (2009) 104 (569-572) 45-53 Programa de Computador (QVET) do HVP. A selecção de amostras de casos a considerar neste estudo baseou-se na recolha de informações sobre o animal, com base na análise dos questionários, disponibilizados pelo Serviço de Dermatologia do HVP, aos proprietários dos pacientes com sintomatologia do foro dermatológico (Quadro 1), na anamnese, no exame clínico, na avaliação das lesões dermatológicas e outros eventuais sinais clínicos, procedendo-se posteriormente à realização dos meios auxiliares de diagnóstico. O diagnóstico dos casos de reacção de hipersensibilidade cutânea foi efectuado com base na anamnese, no exame clínico e ainda com recurso aos seguintes meios auxiliares de diagnóstico: Meios auxiliares de diagnóstico imediatos a) Raspagens cutâneas: superficiais (Notoedes, D. gatoi) e profundas (D. cati); b) Observações com a Lâmpada de Wood (O. cynotis); c) Colheitas de pêlos (DTM - dermatofitose, Tricograma - alopécia auto-infligida); d) Escovagens de pêlos (observação de fezes de pulga); e) Provas da fita adesiva (Cheyletiella). Meios auxiliares de diagnóstico não imediatos [HI]; f) Culturas fúngicas; g) Biópsias cutâneas (Auto-imune/Neoplasia); h) Testes serológicos (Hipersensibilidade); i) Dietas de restrição (HA); j) Controlo de pulgas (DAPP). O diagnóstico de reacção de hipersensibilidade cutânea foi estabelecido após a exclusão do diagnóstico de ectoparasitoses, incluindo sarna sarcóptica e demodécica e quando, concomitantemente, se observaram lesões dermatológicas provocadas por auto-traumatismo, bem como otites recidivantes, mesmo na ausência de prurido corporal. As dietas de restrição e o controlo de pulgas foram mais utilizados como meio de diagnóstico terapêutico de exclusão, devido ao seu baixo custo e à sua fiabilidade, enquanto os testes serológicos se realizaram com o intuito de prevenir o contacto com os alergenos e para eleger a composição alergénica, em caso de implementação de imunoterapia específica do alergeno (dessensibilização). Material e métodos Os dados apresentados foram obtidos durante o acompanhamento das consultas de Dermatologia do Hospital Veterinário do Porto (HVP), no período compreendido entre Janeiro e Junho de 2007. Neste período, foram realizadas um total de 1177 consultas a canídeos e 388 a felídeos, tendo-se registado 554 e 109 casos do foro dermatológico, em cada espécie, respectivamente. A informação respectiva foi recolhida através do 46 Resultados Foram diagnosticados 73 casos de reacção de hipersensibilidade cutânea em canídeos, ou seja, 13,2% do total de casos que se apresentaram nas 554 consultas dermatológicas realizadas nesta espécie, durante o período de realização deste trabalho. Na espécie felina, foram diagnosticados 13 casos de reacção de hipersensibilidade cutânea, ou seja, 11,9% Silva S et al. RPCV (2009) 104 (569-572) 45-53 Quadro 1 - Questionário Dermatológico do Hospital Veterinário do Porto Queixa principal Há quanto tempo surgiram as primeiras lesões? ___ Como iniciaram e evoluíram as lesões? ___ Existe história prévia de lesões de pele? ___ Prurido Tem prurido? Sim___ Não ___ Classificar na escala de 1-5: ___ Quando? Constantemente ___Esporadicamente ___À noite ___ Onde? Cabeça ___ Membros ___ Axilas ___ Região Lombar ___ Generalizado ___ Dieta O que come habitualmente? Ração enlatada ___ Ração seca ___ Restos de mesa ___ Carne___ Bebe mais água do que o habitual? Sim___ Não ___ Come mais algum tipo de alimentos (ex: vitaminas, tostas biscoitos)? ___ Variação das lesões Caso a dermatite ocorra com periodicidade anual, as lesões pioram: Na Primavera? ___ No Verão? ___ No Outono? ___ No Inverno? ___ As lesões estão presentes durante todo o ano? Sim ___ Não ___ Se sim, existem períodos em que se atenuam? Sim ___ Não ___ Existe algo que contribua para a melhorar ou agravar a sintomatologia? ___ Quando se iniciaram as lesões? E como evoluíram? ___ Há história prévia de lesões cutâneas? ___ Habitat Coabita com outros animais? Sim ___ Não ___ Se sim, com quais? Gatos ___ Cães ___ Aves ___ Outros ___ Tem conhecimento se algum destes animais teve ou tem problemas de pele? Sim ___ Não ___ Existem humanos coabitantes com problemas de pele? Sim ___ Não ___ Onde dorme o animal? ___ Banho e Pulgas O banho exerce influência? Melhora ___ Agrava ___ Indiferente ___ Que produto/champô utiliza? ___ Qual a frequência dos banhos? Semanal ___ Mensal ___ Semestral ___ Outra ___ Quando foi a última vez que observou pulgas neste animal? E nos cohabitantes? ___ Qual é o tratamento e a frequência que tem utilizado para controlo de pulgas? ___ O tratamento é instituído aos coabitantes? Sim ___ Não ___ Medicação Utilizou medicação prévia? Sim ___ Não ___ Se sim, qual o tipo de medicação? Champôs ___ Banhos ___ Injectáveis ___ Comprimidos ___ Cremes/Pomadas ___ Outro ___ Data do último tratamento: __/__/__ Resposta obtida: Nenhuma ___ Alguma ___ Boa ___ do total de casos das 109 consultas dermatológicas realizadas nesta espécie. Em canídeos, as reacções de hipersensibilidade cutânea foram a quarta dermatopatia mais observada nas consultas de dermatologia, depois das doenças de etiologia bacteriana, dos tumores e das doenças de causa idiopática. As reacções de hipersensibilidade cutânea em felídeos também foram a quarta dermatopatia cutânea mais verificada, em simultâneo com as alterações de queratinização, depois das doenças de etiologia fúngica, das doenças de causa idiopática e das neoplasias. Caracterização da população canina com quadro de reacção de hipersensibilidade cutânea As dermatites causadas por reacção de hipersensibilidade, diagnosticadas na amostra de canídeos deste estudo, incluíram a DAPP (Figura 1), a DA, a HA, a Urticária e o Angioedema. A DAPP foi a que obteve maior número de diagnósticos (n=35; 47,9%), seguindo-se a Urticária e o Angioedema (n=18; 19,1%), a DA (n=14; 16,5%) e, por último, a HA (n=6; 5,5%) (Figura 2). A média de idades dos canídeos que se apresentaram à consulta de dermatologia foi de 4,5 anos. Contudo, todos os casos de reacções de hipersensibilidade cutânea diagnosticados, surgiram em canídeos com idades compreendidas entre os 8 meses e os 3 anos de idade, tendo sido a idade média de 1,55 anos. Os casos com diagnóstico de Urticária e Angioedema (Figura 3) obtiveram a média de idades de 3 anos, seguindo-se a DA com a média de 1,5 anos e, por fim, a HA e a DAPP que registaram as médias de idades mais baixas, respectivamente 8 e 9 meses (Figura 4). Dos canídeos consultados (n=554) durante esse 47 Silva S et al. período, houve maior incidência do número de machos (n=298; 53,8%) do que de fêmeas (n=256; 46,2%). Esta predisposição sexual também se manteve nos casos diagnosticados como reacção de hipersensibilidade cutânea (machos n=45; 61,6% e fêmeas n=28; 38,8%), conforme distribuição apresentada na Figura 5. A raça que evidenciou maior incidência de doenças do foro dermatológico foi a SRD (n=286), tendo-se seguido a raça Labrador Retriever (n=47) e a Pastor Alemão (n=42). Quanto aos casos diagnosticados como reacção de hipersensibilidade cutânea, a SRD (n=37) também foi a raça com maior incidência, seguindo-se as raças Labrador Retriever (n=14) e a Pastor Alemão (n=9). A raça que apresentou mais casos de DAPP e de Urticária e Angioedema foi a SRD (n=29 e n=7, respectivamente), a raça predominante na DA (Figura 6) foi a Labrador Retriever (n=7) e na HA (Figura 7) contabilizaram-se mais casos na raça Pastor Alemão (n=3), conforme distribuição apresentada no Quadro 2. Caracterização da população felina com quadro de reacção de hipersensibilidade cutânea Os tipos de reacção de hipersensibilidade cutânea diagnosticados em felídeos incluíram a DA (Figura 8), a DAPP e a HA. A DA (n=6; 46,1%), foi a que obteve maior número de casos clínicos, seguindo-se a DAPP (n=5; 38,5%) e, por último, a HA (n=2; 15,4%) (Figura 9). Os felídeos com problemas do foro dermatológico apresentaram uma média de idades de 3,9 anos. A idade dos felídeos com casos de reacção de hipersensibilidade cutânea situou-se entre os 6 meses e os 2 anos de idade, tendo sido a média de idades de 1,4 anos. A DA registou-se em felídeos com a média de idades de 2 anos, a DAPP com a de 1,5 anos e a HA (Figura 10) com a de 6 meses (Figura 11). Durante o período no qual decorreu este estudo, registou-se um total de 109 felídeos consultados no HVP, havendo maior incidência do número de machos (n=69; 63,3%) do que de fêmeas (n=40; 36,7%). Quanto aos quadros de reacção de hipersensibilidade cutânea diagnosticados, a espécie felina revelou a predominância do número de fêmeas (fêmeas n=7; 53,8% e machos n=6; 46,2%), conforme distribuição apresentada na Figura 12. Os felídeos que se apresentaram à consulta de dermatologia eram maioritariamente da raça Europeu Comum (n=103), seguindo-se as raças Persa (n=5) e Siamês (n=1). Todos os casos de reacção de hipersensibilidade cutânea em felídeos foram diagnosticados unicamente na raça Europeu Comum. 48 RPCV (2009) 104 (569-572) 45-53 Discussão No primeiro semestre de 2007, foram realizadas 554 consultas dermatológicas a canídeos e 109 a felídeos, representando, respectivamente, 47,1% e 28,1% do total de consultas do HVP, o que significa que as doenças do foro dermatológico mantêm elevada expressão no número de consultas realizadas a animais de companhia, o que está de acordo com a bibliografia (Mur, 1997; Ackerman e Nesbitt, 1998; Scott et al., 2001; Medleau e Knilica, 2006). Os tipos de reacção de hipersensibilidade cutânea obtiveram, em ambas as espécies de animais de companhia, o 4º lugar entre as dermatopatias mais frequentemente diagnosticadas. Estes resultados estão de acordo com Brazis (2007), que referem que a incidência desta doença, tal como na Medicina Humana, tem vindo a manter-se elevada (Deboer, 2004). Os canídeos observados apresentavam idades compreendidas entre os 8 meses e os 3 anos de idade, pelo que se encontravam enquadrados nas faixas etárias descritas para as situações de reacção de hipersensibilidade cutânea (Medleau e Knilica, 2006), ao contrário de outras dermatopatias (Debraekeleer, 2006; López, 2007). Nos canídeos, a DAPP foi a hipersensibilidade mais diagnosticada, o que está de acordo com a bibliografia consultada (Day, 1999; Beugnet et al., 2009), que a indica como a hipersensibilidade mais frequente, devido às condições climatéricas favoráveis ao desenvolvimento do ciclo da pulga, o que, consequentemente, vai determinar a sua grande incidência nos meses mais quentes. A média de idade obtida na DAPP foi de 8 meses de idade, o que está de acordo com o facto da DAPP se encontrar descrita em cães muito jovens, podendo, na maioria dos casos, surgir em animais com menos de seis meses de idade (Ackerman e Nesbitt, 1998). O segundo tipo de reacção de hipersensibilidade cutânea mais identificado foi a Urticária e o Angioedema, contudo segundo Day (1999), estas reacções de hipersensibilidade deveriam ocupar um lugar com menor destaque, uma vez que são consideradas menos frequentes, contradizendo, desta forma, os resultados obtidos. Julgamos que estes resultados contraditórios se devem ao aparecimento de um maior número de insectos provocado pelo volume crescente de resíduos urbanos produzidos na cidade do Porto e também devido às temperaturas elevadas que se registaram nos últimos anos. A Urticária e o Angioedema foram observados em cães com a idade média de 3 anos, contudo os autores Medleau e Knilica (2006) referem que estas são pouco comuns em cães, podendo ocorrer em qualquer fase da vida do animal. Silva S et al. RPCV (2009) 104 (569-572) 45-53 Figura 1 - DAPP Dermatite pruriginosa na zona dorsolombar acompanhada de hiperqueratose, em canídeo (Fotografia gentilmente cedida pelo HVP, 2007). 35 18 14 HA DA Urticária e Angioedema 6 DAPP 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Figura 2 - DAPP - Tipos de reacção de hipersensibilidade cutânea em canídeos. 1,5 2 0,9 1 DAPP HA DA 0,8 Urticária e Angioedema 0 HA 3 40 35 30 25 20 15 10 5 0 DA 3 Urticária e Angioedema 4 DAPP Figura 3 - Urticária (à esquerda) e Angioedema (à direita) em canídeo (Fotografia gentilmente cedida pelo HVP, 2007). Sexo F Sexo M Figura 4 - Média de idades dos canídeos com quadro de reacção de hipersensibilidade cutânea. Figura 5 - Distribuição por sexo dos canídeos com quadro de reacção de hipersensibilidade cutânea. Figura 6 - DA congestão e alopécia periocular em canídeo (Fotografia gentilmente cedida pelo HVP, 2007). Figura 7 - HA eritema abdominal em canídeo (Fotografia gentilmente cedida pelo HVP, 2007). 49 Silva S et al. RPCV (2009) 104 (569-572) 45-53 Quadro 2 - Distribuição por raça dos canídeos com reacção de hipersensibilidade cutânea Diagnóstico DAPP Urticária e Angioedema DA HA Raça SRD P. Alemão G. Afegão Labrador Retriever Jack Russel Pinher Beagle SRD West Highland White Terrier Labrador Retriever Weimaraner P. Alemão Labrador Retriever SRD Para o caso da DAPP, assim como para a Urticária e o Angioedema, não foi encontrada nenhuma predisposição racial, uma vez que estas surgiram em animais de varias raças, o que está de acordo com Scott et al. (2001), que defendem a não predisposição racial destas reacções de hipersensibilidade cutânea. Não se registaram casos de Dermatite Alérgica de Contacto, no período em que este estudo decorreu, apesar de Day (1999) considerar esta reacção de hipersensibilidade como sendo mais frequente do que a Urticária e o Angioedema. Podemos atribuir a ausência de registo de casos com este tipo de hipersensibilidade à sua dificuldade de diagnóstico. A terceira reacção de hipersensibilidade cutânea com maior incidência foi a DA o que está de acordo com a bibliografia consultada, que a refere como sendo uma das mais frequentes em cães (Day, 1999; Medleau e Knilica, 2006). A DA apresentou uma média de idades de 1,5 anos, o que está de acordo com alguns autores que defendem que os primeiros sintomas se manifestam entre o primeiro e o terceiro ano de idade (Scott et al., 2001; Sub-total 29 6 1 5 3 1 1 7 Total 35 18 4 7 14 3 3 2 1 6 Medleau e Knilica, 2006; Fraser et al. 2008). A DA foi diagnosticada em canídeos das raças West Highland White Terrier, Labrador Retriever e também a Weimaraner, o que é confirmado por Scott et al. (2001), que referem as raças West Highland White Terrier e Labrador Retriever como as mais afectadas por este tipo de reacção de hipersensibilidade e por Pico et al. (2008) que referem a West Highland White Terrier. A HA foi a quarta reacção de hipersensibilidade cutânea mais frequente, no entanto, segundo Jackson (2007), esta dermatopatia é considerada o terceiro tipo de hipersensibilidade mais frequente. Segundo Jackson (2007), os sinais clínicos da HA tornam-se evidentes nos cachorros ou em adultos jovens, antes dos 3 anos de idade, contudo, as primeiras manifestações podem surgir desde os seis meses até aos doze anos de idade. Os resultados obtidos enquadram-se neste intervalo, embora mais próximos do limite inferior, com uma média de idades de 0,9 meses. Neste estudo, a HA foi observada em canídeos das 8 6 6 5 4 Figura 8 - DA lesão alopécica na zona inguinal de um felídeo. 50 DAPP DA 0 HA 2 2 Figura 9 - Tipos de reacção de hipersensibilidade cutânea em felídeo. Silva S et al. RPCV (2009) 104 (569-572) 45-53 Figura 10 - HA queílite (à esquerda) e blefarite unilateral (à direita) num felídeo (Fotografia gentilmente cedida pelo HVP, 2007). 1 0,6 0,5 HA DAPP DA 0 3 2 3 3 2 HA 1,5 1,5 7 6 5 4 3 2 1 0 DAPP 2 2 DA 2,5 Sexo F Sexo M Figura 11 - Média de idades com quadro de reacção de hipersensibilidade cutânea em felídeos. Figura 12 - Distribuição por sexo, dos felídeos com quadro de reacção de hipersensibilidade cutânea. raças Labrador Retriever, Pastor Alemão e SRD, estando de acordo com alguns autores consultados (Jackson, 2007) que referem a Labrador Retriever como a raça que apresenta um risco acrescido de desenvolver este tipo de manifestação de reacção de hipersensibilidade, contrariamente ao verificado por Picco et al. (2008) num estudo retrospectivo realizado na Suiça, em que estas três raças não foram registadas como predispostas para este tipo de reacção de hipersensibilidade. Todos os casos de reacção de hipersensibilidade cutânea em canídeos apresentaram uma ligeira predominância do número de machos em relação ao número de fêmeas, contudo, estes resultados não estão exactamente de acordo com alguns autores que defendem que não existe predisposição sexual em nenhuma destas reacções de hipersensibilidade (Ackerman e Nesbitt, 1998; Matheus, 1998; Scott et al., 2001; Jackson, 2007). A justificação pode ser encontrada devido ao maior número de machos que se apresentou às consultas de dermatologia. As reacções de hipersensibilidade cutâneas diagnosticadas em felídeos registaram o total de 13 casos, tendo sido a DA a que obteve maior número de casos, seguindo-se a DAPP, e, por último, a HA. Contudo, tal como acontece na espécie canina, a DAPP é descrita como sendo a que afecta maior número de felídeos, seguindo-se a DA e a HA (Day, 1999). No entanto, a diferença obtida entre o número de casos obtidos na DAPP e na DA não foi significativa, pelo que podemos afirmar que os resultados vão de encontro ao que é defendido pela bibliografia. No que se refere à idade, verificou-se que as reacções de hipersensibilidade cutâneas afectaram os felídeos entre os 6 meses e os 2 anos de idade, contudo, os autores defendem que, de um modo geral, estas dermatopatias em felídeos podem surgir em qualquer idade (Medleau e Knilica, 2006). Ackerman e Nesbitt (1998) referem que, em felídeos, a idade do aparecimento da DA é variável, podendo surgir desde os seis meses aos oito anos de idade, embora, a maioria dos casos observados ocorram em gatos jovens, com idade variável entre os seis meses e os três anos de idade. A média de idades obtida (2 anos) encontra-se na faixa etária, mencionada pelos autores, como sendo a mais frequente. Também as médias de idades obtidas nos casos diagnosticados como DAPP (1,5 anos) e HA (0,6 meses) se enquadravam nas faixas etárias descritas para estas reacções de hipersensibilidade (Medleau e Knilica, 51 Silva S et al. 2006). A espécie felina revelou a predominância quase irrelevante do número de fêmeas, nos casos de hipersensibilidade diagnosticados, o que está de acordo com as várias referências bibliográficas da não existência de predisposição sexual (Ackerman e Nesbitt, 1998; Guaguère e Prélaud, 1999; Jackson, 2007). A única raça afectada por estas reacções de hipersensibilidade foi a Europeu Comum. Contudo, os autores Guaguère e Prélaud (1999) referem que não existe predisposição racial para nenhum tipo de reacção de hipersensibilidade cutânea na espécie felina. Como tal, os resultados obtidos podem significar, apenas, que a raça Europeu Comum foi a mais consultada, facto também verificado nas restantes doenças do foro dermatológico. A abordagem terapêutica seguida nos casos clínicos descritos consistiu numa terapia convencional conservativa, que incluiu desde o controlo de ectoparasitas, passando pelo tratamento médico sintomático (anti-histaminícos, anti-inflamatórios e suplementos com ácidos gordos essenciais), com antibioterapia dirigida nos animais afectados com piodermatites secundárias, até à implementação de técnicas de imunoterapia alergeno-específicas, sempre baseada num bom algoritmo de diagnóstico (clínico e serológico), de acordo com os manuais de dermatologia e artigos científicos (Ackerman e Nesbitt, 1998; Scott et al., 2001; DeBoer e Hillier, 2001; DeBoer, 2004; Medleau e Knilica, 2006). De acordo com estes autores, e com base nos fundamentos imunológicos, os testes serológicos realizados não devem ser utilizados na avaliação inicial do paciente como testes de triagem mas sim após a obtenção de um diagnóstico clínico definitivo, com o objectivo de identificar os alergenos específicos, com vista à realização de autovacinas (DeBoer e Hillier, 2001; Griffin e Hillier, 2001; Deboer, 2004; Prélaud, 2005) e da sua implementação, no âmbito de um programa de dessensibilização. Este programa consiste na aplicação, a um animal sensível, de doses gradualmente crescentes de extratos do alergeno, em intervalos de tempo predeterminados, na tentativa de reverter o estado de hipersensibilidade. Foi possível concluir que as consultas do foro dermatológico continuam a representar um número muito significativo das consultas em canídeos e felídeos e que as reacções de hipersensibilidade cutânea constituem um número significativo dessas consultas (13,2%) no Norte do Portugal. Em canídeos, a DAPP foi a reacção de hipersensibilidade mais frequente, seguida do Angioedema e Urticária, da DA e da HA, afectando os animais mais jovens, pertencentes às raças SRD, Labrador Retriever e Pastor Alemão. Em felídeos, a DA foi a hipersensibilidade mais frequente, seguindo-se a DAPP e a HA, afectando 52 RPCV (2009) 104 (569-572) 45-53 maioritariamente gatos jovens, da raça Europeu Comum. A distribuição obtida encontra-se de acordo com outros estudos de casuística internacionais, ressaltando, contudo, o número elevado de casos de Angioedema e Urticária em canídeos, bem como a ausência de casos diagnosticados de Dermatite Alérgica de Contacto e a DA com maior número de casos registados do que a DAPP, em felídeos. Bibliografia Ackerman LJ, Nesbitt GH (1998). Dermatology for the small animal practitioner, cap. 4, 71-88. Beugnet F, Chalvet-Monfray K, Loukos H (2009). FleaTickRisk: a meteorological model developed to monitor and predict the activity and density of three tick species and the cat flea in Europe. Geospatial Health, 4(1), 97-113. Brazis P (2007). Alergenos mais frequentes na dermatite atópica canina: Veterinary Medicine (Maio/ Junho), 21-24. Day MJ (1999). Atlas en color de Enfermedades Inmunomediadas del Perro y del Gato. Quadros clinicos, Diagnostico y Tratamiento. Madrid, Grass Ediciones, 88- 96. DeBoer DJ (2004). Canine Atopic Dermatitis: new target, new therapies. Journal Nutrition, 134(8 Suppl), 2056S2061S. DeBoer DJ, Hillier A (2001). The ACVD task force on canine atopic dermatitis (XVI): laboratory evaluation of dogs with atopic dermatitis with serum-based "allergy" tests. Vet Immunol Immunopathol, 81(3-4), 277-87. Debraekeleer J (2006). Prurido canino: o papel das proteínas e dos ácidos gordos: Veterinary Medicine (Maio/Junho), 28-30. Fraser MA, McNeil PE, Girling SJ (2008). 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Camacho1 1 Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP, Câmpus de Jaboticabal – SP, Brasil 2 Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade Federal do Tocantins, Câmpus de Araguaína – TO, Brasil Resumo: No continente Americano, aproximadamente 15 milhões de pessoas são acometidas pela doença de Chagas. O cão é considerado modelo experimental, mas também é afetado por essa doença ainda desconhecida pelos médicos veterinários. Desta forma, foram caracterizadas, as anormalidades ecoDopplercardiográficas de cães cronicamente infectados com a cepa Colombiana do Trypanosoma cruzi. A ecoDopplercardiografia revelou inversão das ondas E e A mitral (0,71±0,17), diminuição no tempo de relaxamento isovolumétrico e hipocinesia septal, confirmando a disfunção diastólica presente nos cães avaliados. Portanto, a caracterização ecocardiográfica destes cães, traz subsídios técnicos que possibilitam o reconhecimento desta afecção, que a despeito de sua importância é pouco conhecida na espécie canina. Palavras-chave: Animal, cardiomiopatia, doença de Chagas Summary: On the American continent, almost 15 million people are affected by Chagas disease. Dogs are considered to be an excellent experimental model to study Chagas disease, and are also affected by although the disease is infrequently recognized by Veterinarians. As a result, the characterisation of echocardiograph abnormalities was performed in dogs which had a chronic experimental infection with Trypanosoma cruzi (the Colombian strain). The spectral Doppler echocardiography showed E and A mitral wave reversal (0.71±0.17), decrease in the isovolumetric relaxation time and septal hypokinesy confirming the presence of diastolic dysfunction present. In this way, the echocardiograph characterisation of the animals in this study increases the knowledge about this condition, increasing the awareness for recognition of this frequent and important disease, but until now obscure for the canine species. Keywords: Animal, cardiomyopathy, Chagas disease *Correspondência: [email protected] Tel: +55 (16) 3209-2626 Introdução A cardiomiopatia chagásica ou tripanossomíase sul-americana é uma doença que há muitos anos aflige o continente Americano. Evidências foram encontradas em cadáveres mumificados, na América do Sul, com aproximadamente 4.000 anos de idade, contendo material gênico do Trypanosoma cruzi (Guhl et al., 1997). Popularmente conhecida como doença de Chagas, é provocada pelo protozoário hemoflagelado Trypanosoma cruzi (Chagas, 1909abc), pertencente à ordem Kinetoplastida, família Trypanosomatidae, gênero Trypanosoma, seção Stercoraria, e transmitida por intermédio das fezes dos vetores conhecidos popularmente no Brasil como barbeiros, nos países latino-americanos como “chinche” e nos Estados Unidos da América como “Kissing bug”, pertencentes à ordem Hemítera, família Reduviidae, subfamilia Triatominae (WHO, 1974). Atualmente, 15 milhões de pessoas que habitam o território compreendido entre o México e a Argentina são afetadas por esta doença (WHO, 2007), e 28 milhões vivem sob o risco de adquiri-la (WHO, 1991), representando assim um dos maiores problemas de saúde das Américas do Sul e Central (Prata, 1994). Segundo Wanderley e Corrêa (1995), Marin Neto et al. (1999), a globalização imprime importante participação na disseminação da doença, a exemplo da estimativa sorológica positiva para doença de Chagas em meio milhão de pessoas nos Estados Unidos da América. Nos cães, pouco se conhece acerca da real incidência e suas implicações clínicas ao longo do tempo, em condições naturais. Estudos envolvendo 50 cães de proprietários portadores da doença de Chagas, na cidade de Botucatu-SP, e regiões próximas, indicaram 86% de cães positivos para T. cruzi, em pelo menos um dos testes aplicados (xenodiagnóstico, hemocultura e 55 Pascon JPE et al. PCR), demonstrando a ocorrência do ciclo de transmissão e disseminação da doença, ainda nos dias de hoje (Lucheis et al., 2005). A prevalência sorológica positiva em cães, na região rural do estado do Mato Grosso do Sul, foi recentemente descrita em 22,7% (Souza et al., 2009). Embora presente, menor prevalência foi observada nos cães do estado norte americano do Texas, com 2,6% de positividade (Shadomy et al., 2004). Clinicamente, os cães afetados apresentam vasta gama de sinais clínicos, variando de assintomáticos à ocorrência de óbito súbito, dificultando o diagnóstico. Neste intuito, a ecocardiografia vem se mostrando ferramenta fundamental, com capacidade de detectar alterações prévias a anormalidades eletrocardiográficas ou radiográficas, auxiliando no diagnóstico e controle do quadro patológico. Em adição, a ecocardiografia é um exame dotado de singular sensibilidade, de execução rápida, não possuindo caráter invasivo (Acquatella et al., 1980; Mady et al., 1997; BorgesPereira et al., 1998; Marques et al., 2006). Entretanto, o desconhecimento do clínico veterinário sobre esta afecção, aliado a diferenças de comportamento natural entre as cepas e a falta de estudos a longo prazo, subestimam a real incidência desta doença nesta espécie. Desta forma, concebeu-se o presente ensaio com o intuito de se avaliar as possíveis alterações ecoDopplercardiográficas de cães cronicamente infectados pelo T. cruzi, cepa Colombiana, na tentativa de suprir parte da deficiência encontrada pelo profissional atuante na cardiologia e clínica médica de pequenos animais, bem como na conscientização dos mesmos sobre a importância deste diagnóstico para saúde pública. Material e métodos Indução da cardiomiopatia chagásica crônica e cronologia experimental O T. cruzi (cepa Colombiana), cultivado em camundongos albinos pelo Departamento de Parasitologia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, pertencente à Universidade de São Paulo – Brasil, foi inoculado, via intraperitoneal, em treze cães, sem raça definida, fêmeas, com idade entre um e dois anos e peso corporal médio de 11,64±3,5, na dose de 1.000 tripomastigotas por quilograma de peso vivo. Antes e após três anos da inoculação, os animais foram submetidos ao teste sorológico de imunofluorescência indireta (RIFI), na diluição de 1:20 até 1:5120. Cada soro-controle negativo foi diluído a 1:40. Os animais foram mantidos em canis individuais, higienizados diariamente, recebendo água e ração “ad libitum”, durante todo período experimental. 56 RPCV (2009) 104 (569-572) 55-60 Previamente, os cães foram imunizados para os vírus da cinomose, hepatite infecciosa canina, parvovirose, rotavirose e dois sorovares da bactéria leptospira. Durante os 10 anos de infecção, amostras sanguíneas e eletrocardiográficas mensais foram coletadas, interpretadas e retratadas em publicação recente (Pascon et al., 2010). Entretanto, ao final do protocolo experimental (10 anos) e aquisição do recurso diagnóstico, os sete cães sobreviventes e assintomáticos foram submetidos à avaliação ecocardiográfica única. Seis cães apresentaram morte súbita durante este período e, portanto, não participaram deste estudo. Ecocardiografia O estudo ecocardiográfico foi realizado por meio de aparelho de ecodopplercardiografia (Aparelho 300 S Pandion Vet – Pie Medical). Os modos bidimencional, modo – M e Doppler (pulsado, contínuo e de fluxo em cores) foram desenvolvidos com transdutor bifreqüencial de 5,0 – 7,5 MHz, sendo os dados armazenados na memória do aparelho para posterior mensuração e cálculo. As variáveis ecocardiográficas analisadas incluíram: diâmetro interno do ventrículo esquerdo (DIVE) e direito (DIVD), espessura do septo interventricular (SIV) e espessura da parede livre do ventrículo esquerdo (PLVE), sendo todas as referidas variáveis verificadas no fim da diástole (d) e no fim da sístole (s), somente o DIVD foi mensurado apenas na diástole. As variáveis foram calculadas com base em imagens ecocardiográficas obtidas através do modo-M da janela paresternal direita, em seu eixo transversal, no plano das cordas tendíneas, sendo considerado como valor final a média de três ciclos cardíacos. Os índices funcionais, como fração de encurtamento [FS=(DIVEd-DIVEs)/DIVEd x 100] e fração de ejeção (EF) foram calculados por meio do modo-M (método de Teicholz), o débito cardíaco (DC), por sua vez, foi obtido pela imagem espectral bidimensional do fluxo sanguíneo pulmonar, utilizando o recurso Doppler pulsado. O tempo de relaxamento isovolumétrico (TRIV), também foi calculado na janela paresternal esquerda, corte apical cinco câmaras, pelo Doppler da via de saída do ventrículo esquerdo. O diâmetro da aorta e do átrio esquerdo foram mensurados no modo bidimensional, na janela paresternal direita, eixo transversal, plano dos vasos da base, e posteriormente foi calculada a relação átrio esquerdo/aorta. Por meio da ecocardiografia Doppler, foram identificados os fluxos sangüíneos no coração, grandes vasos e quantificados quanto à direção, velocidade e turbulência, estabelecendo a presença ou ausência de insuficiência valvar decorrente de regurgitações (Möise, 1988, 1994; Bond, 1991; Henik, 1995; Kienle e Thomas, 1995). A função diastólica do miocárdio foi analisada pelos Pascon JPE et al. RPCV (2009) 104 (569-572) 55-60 parâmetros ecocardiográficos de TRIV, relação das ondas E/A do fluxo mitral e observação dos padrões de relaxamento miocárdico. Comitê de ética O presente estudo foi aprovado pelo comitê de ética para o uso de animais, por respeitar os critérios adotados pela Escola Brasileira de Experimentação (nº do protocolo: 017551-07). Resultados As variáveis ecoDopplercardiográficas descritas na metodologia acima, encontram-se organizadas sob a forma de tabelas (Tabelas 1, 2 e 3). A disfunção diastólica foi alteração mais frequentemente observada e constatada pelo padrão invertido da relação Doppler espectral transmitral das ondas E/A (Figura 1A e Tabela 3), juntamente com a hiposinesia do septo interventricular (Figura 2) e diminuição do TRIV (Tabela 2). Figura 1 - Imagens ecocardiográficas, obtidas de cães adultos, fêmeas, portadores de cardiomiopatia chagásica crônica. A, imagem paresternal apical esquerda e fluxo Doppler transmitral espectral, ilustrando a inversão das ondas E e A (disfunção diastólica). B, imagem apical esquerda quatro câmaras, evidenciando regurgitação em valva tricúspide em Doppler em cores e contínuo (setas). Tabela 1 - Valores individuais, médios e desvios-padrão das dimensões ventriculares durante a sístole e diástole, atriais esquerdas, aórticas e índices funcionais obtidos de sete cães adultos, fêmeas, portadores de cardiomiopatia chagásica crônica. DIVDd SIVd DIVEd PLVEd SIVs DIVEs PLVEs EF% FS% dAO dAE AE/AO Área AE ES Slope Peso (Kg) M8 0,47 0,86 3,2 1,08 1,12 1,55 1,15 84 52 2,21 2,35 1,06 6,97 0,29 7,3 10,8 R1 0,81 0,86 2,9 0,81 1,1 2,09 1,26 56 28 1,94 1,99 1,03 7,36 0,31 12,1 12 R2 0,34 0,81 3,08 0,97 1,03 1,82 1,19 73 41 2,34 2,48 1,06 9,58 0,22 1,01 15,5 Animais M1 0,4 0,81 3,26 0,81 1,08 1,89 1,35 74 42 1,8 2,1 1,17 11,35 0,29 5,3 16,4 M4 0,36 0,74 2,95 0,58 0,99 1,6 1,08 79 46 1,55 2 1,29 7,41 0,45 5,9 8,3 M5 1,03 0,74 2,54 0,76 0,99 1,84 1,03 56 27 1,53 1,75 1,14 4,97 0,4 12,2 6,7 M10 0,72 0,92 3,38 1,01 1,62 1,89 1,44 76 44 1,33 2,32 1,74 9,39 0,25 10,1 11,8 Média±DP 0,59±0,26 0,82±0,06 3,04±0,27 0,86±0,17 1,13±0,22 1,81±0,18 1,21±0,14 71,14±10,96 40,00±9,25 1,81±0,37 2,14±0,25 1,21±0,25 8,15±2,10 0,32±0,08 7,70±4,06 11,64±3,51 DIVDd - Diâmetro interno do ventrículo direito em cm; SIVd/s - Septo interventricular durante a diástole/sístole em cm; DIVEd/s- Diâmetro interno do ventrículo esquerdo durante a diástole/sístole em cm; PLVEd/s - Parede livre do ventrículo esquerdo durante a diástole/sístole em cm; EF% - Fração de ejeção; FS% - Fração de encurtamento; dAO - Diâmetro da artéria aorta em cm; dAE - Diâmetro do átrio esquerdo em cm; AE/AO - Relação AE/AO; Área AE - Área do AE em cm2; ES - Distância do ponto E ao septo em cm; Slope - Slope da onda E mitral em cm/s; DP - Desvio Padrão. Tabela 2 - Valores individuais, médios e desvios-padrão do DC, TRIV e PPE obtidos de sete cães adultos, fêmeas, portadores de cardiomiopatia chagásica crônica. DC L/minuto L/kg TRIV PPE Peso (Kg) M8 R1 R2 Animais M1 M4 M5 M10 Média±DP 1,08 0,1 69 61 10,8 2,61 0,21 54 58 12 2,1 0,13 64 61 15,5 2,34 0,14 61 61 16,4 1,25 0,15 42 64 8,3 1,15 0,17 54 70 6,7 0,84 0,07 58 75 11,8 1,62±0,70 0,14±0,04 57,43±8,6 64,29±6,04 11,64± 3,51 DC - Débito cardíaco; TRIV - Tempo de relaxamento isovolumétrico em milisegundos; PPE - Período de pré-ejeção em milisegundos; DP - Desvio padrão. 57 Pascon JPE et al. RPCV (2009) 104 (569-572) 55-60 Apenas um cão (M5) apresentou regurgitação tricúspide com velocidade 3,23 m/s e gradiente de regurgitação 41,8 mmHg (Figura 1B). As imagens ecocardiográficas deste animal foram compatíveis com o diagnóstico de degeneração mixomatosa de valva tricúspide, não correlacionada à doença de Chagas. Não foi observada cardiomegalia em nenhum cão, a luz deste exame complementar. Discussão O exame auxiliar ecoDopplercardiográfico mostrou-se exequível e muito eficiente na observação da função hemodinâmica dos cães com cardiomiopatia chagásica crônica. Embora existam diversos indicadores ecocardiográficos da função diastólica, os picos de velocidades das ondas E (PEV) e A (PAV), a relação PEV/PAV e TRIV se destacam pela fácil realização e extrema relevância (Nishimura e Tajik, 1997). No presente trabalho, a disfunção diastólica do ventrículo esquerdo foi principalmente evidenciada pelo padrão invertido da relação Doppler espectral transmitral das ondas E/A, corroborando os dados de Barros et al. (2002), Alves (2003) e Carod-Artal et al. (2003). Em menores proporções, o TRIV e a hipocinesia septal também indicaram a presença de disfunção diastólica. Segundo Schober e Fuentes (2001), a idade dos cães influencia inversamente nos índices PEV/PAV e TRIV. Pereira et al. (2009), porém, não observaram correlação significativa entre a idade e o TRIV de cães. Figura 2 - Imagen paresternal direita, eixo transversal, em nível cordal, evidenciando hipocinesia de septo interventricular (seta), obtida de cão adulto, fêmea, portador de cardiomiopatia chagásica crônica. Neste contexto, a idade dos cães aqui avaliados exige cautela na interpretação dos resultados. Entretanto, a análise macro e microscópica do miocárdio dos cães infectados revelaram intensa fibrose cardíaca, não deixando dúvidas quanto à presença de disfunção nos cães deste ensaio. Clinicamente, a disfunção cardíaca apresentada não resultou em sintomatologia, exceto pela ocorrência de morte súbita em seis dos sete cães estudados, em período de 30 dias (M10) há 13 meses (M5) após avaliação ecocardiográfica. Um cão (M8) foi sacrificado após tentativas terapêuticas mal sucedidas para mastocitoma em região distal de membro torácico e pescoço, diagnosticado três anos após o fim do período experimental. Desta forma, assim como observado Tabela 3 - Valores individuais, médios e desvios-padrão dos fluxos mitral, pulmonar, aórtico e tricúspide, obtidos de sete cães adultos, fêmeas, portadores de cardiomiopatia chagásica crônica. Mitral PEVm/s PAVm/s PEV/PAV PPGE mmHg PPGA mmHg Pulmonar VMAX m/s GMAX mmHg Aorta VMAX m/s GMAX mmHg Tricúspide PEVm/s PAVm/s PEV/PAV PPGE mmHg PPGA mmHg Peso (kg) M8 R1 R2 Animais M1 M4 M5 0,45 0,68 0,66 0,8 1,8 0,5 0,74 0,67 1 2,2 0,43 0,63 0,63 0,7 1,6 0,46 0,64 0,71 0,8 1,6 0,55 0,82 0,67 1,2 2,7 0,5 1 0,7 2 - 0,74 2,2 0,78 2,4 0,9 3,3 0,65 1,7 10,8 12 15,5 M10 Média±DP 0,43 0,73 0,58 0,7 2,1 0,57 0,51 1,11 1,3 1 0,48±0,05 0,68±0,09 0,71±0,17 0,93±0,24 1,86±0,54 0,84 2,8 0,84 2,8 0,64 1,6 0,71±0,12 2,07±0,70 0,87 3 1,04 4,3 0,86 3 1,02 4,1 0,87±0,13 3,11±0,90 16,4 0,9 0,55 1,63 3,3 1,2 8,3 0,45 0,65 0,69 0,8 1,7 6,7 0,51 0,25 2,04 1 0,3 11,8 0,62±0,24 0,48±0,20 1,45± 0,69 1,70±1,38 1,07±0,70 11,64± 3,51 PEV - Pico de velocidade da onda E; PAV - Pico de velocidade da onda A; PPGE - Pico do gradiente de pressão da onda E; PPGA - Pico do gradiente de pressão da onda A; VMAX - Velocidade máxima do fluxo; GMAX - Gradiente máximo do fluxo; DP - Desvio padrão. 58 Pascon JPE et al. para outras afecções cardíacas (Werner et al., 1993), a disfunção diastólica comportou-se como indicador prognóstico para cardiopatia experimental utilizada. Em seres humanos com cardiomiopatia chagásica, durante o período assintomático, o exame ecocardiográfico também se destaca por detectar alterações diastólicas precoce às sistólicas, mesmo na ausência de sinais clínicos ou eletrocardiográficos sugestivos (Marin-Neto et al., 2000, Marques et al., 2006). Embora as considerações descritas para seres humanos se assemelhem aos resultados aqui apresentados, não foi observada disfunção sistólica, nem realizada avaliação ecocardiográfica pareada que permitisse tais considerações. De acordo com Barros et al. (2002), a miocardite chagásica implica danos às fibras do miocárdio, componentes do sistema de sustentação, interstício, sistema excitocondutor e integridade vascular, de forma focal, podendo culminar em disfunção ventricular, detectável por meio da ecocardiografia Doppler. Possivelmente, a fibrose miocárdica promovida pela infecção experimental pelo T. cruzi, em sua fase crônica, possa ser responsável pela disfunção diastólica observada, bem como pela ocorrência de morte súbita por arritmias ventriculares. Cardiomegalia pode ser percebida durante o exame ecocardiográfico de animais (Meurs et al., 1998; Alves, 2003) e seres humanos com doença de Chagas (Barros et al., 2002; Carod-Atal et al., 2003; Nunes et al., 2004). Todavia, no presente estudo experimental, não houve dilatação de câmaras, mostrando o comportamento da cepa Colombiana envolvida, levando principalmente a um quadro de fibrose do miocárdio, resultando em disfunção diastólica. Hipocinesia de septo interventricular foi detectada nos cães experimentados, corroborando os dados de Alves (2003) em cães, Borges-Pereira et al. (1998) e Marques et al. (2006) em seres humanos, portadores de cardiomiopatia chagásica crônica. De acordo com as condições em que esse estudo foi realizado, conclui-se que a cardiomiopatia chagásica crônica (cepa Colombiana), em cães, é caracterizada sob o aspecto ecocardiográfico por disfunção diastólica. Desta forma, o presente ensaio ajuda a desmistificar a doença de Chagas na espécie canina, chamando atenção para sua característica ultrasonograficas, trazendo informações singulares para o clínico veterinário. Bibliografia Acquatella R, Schiller NB, Piugbo JJ (1980). Value of m-model and two-dimensional echocardiography in chronic Chagas heart disease: a clinical and pathologic study. Circulation, 62, 787-799. Alves RO (2003). Avaliações ecodopplercardiográfica, eletrocardiográfica computadorizada e dinâmica (sistema Holter) e clínico-patológica em cães com cardiomiopatia RPCV (2009) 104 (569-572) 55-60 chagásica experimental. Tese (Doutorado em Medicina Veterinária), Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal. Barros MVL, Machado FS, Ribeiro ALP, Rocha MOC (2002). Detection of early right ventricular dysfunction in chagas’disease using Doppler tissue imaging. J Consult Clin Psychol, 15(10), 1.197-1.201. Carod-Artal FJ, Melo P, Horan TA (2003). American trypanosomiasis (chagas’disease): an unrecognised cause of stroke. J Neurol Neurosurg Psychiatry, 74(4), 516-518. Bond BR (1991). Problems in veterinary ultrasonographic analysis of acquired heart disease. Probl Vet Med, 3(4), 520-554. Borges-Pereira J, Xavier SS, Pirmez C, Coura JR (1998). Doença de Chagas em Virgem da Lapa, Minas Gerais, Brasil. IV. Aspectos Clínicos e Epidemiológicos do Aneurisma Ventricular Esquerdo. Rev Soc Bras Med Trop, 31(5), 457-463. Chagas C (1909a). Nova tripanosomiaze humana. Estudos sobre a morfologia e o ciclo evolutivo do Schizotrypanum cruzi, n. gen., n. sp., ajente etiolojico de nova entidade morbida do homem. Mem Inst Oswaldo Cruz, 1(2), 159218. Chagas C (1909b). Uma nova tripanosomíase humana. 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Niza CIISA/Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Técnica de Lisboa Av. da Universidade Técnica, Pólo Universitário Alto da Ajuda, 1300-477 Lisboa – Portugal Resumo: A agressividade é considerada um comportamento multifactorial, frequentemente observada em canídeos, dirigida na sua maioria contra animais da mesma espécie. Este estudo, que teve como objectivo fazer uma primeira abordagem sistematizada das agressões entre canídeos, reuniu 83 casos observados na Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Técnica de Lisboa, e na Clínica Veterinária Azevet, em Azeitão. A informação foi recolhida através de um questionário aplicado aos proprietários dos animais presentes à consulta, aqui considerados como "agredidos". Verificaram-se em média 7,5 agressões mensais, tendo a maior parte ocorrido no exterior, quer na via pública (43,4%) quer no exterior das habitações (42,2%). Do total dos canídeos envolvidos nas agressões, 54,2% eram de raça pura, a maioria eram machos inteiros e 13,3% dos agressores pertenciam a raças legalmente consideradas como potencialmente perigosas. A maioria dos canídeos habitava no exterior e tinha acesso à via pública. Observou-se uma probabilidade significativamente mais elevada de animais jovens agredirem outros mais idosos. Pelo menos 52,8% dos agressores eram reincidentes e 13,2% tinham previamente demonstrado agressividade dirigida contra humanos. As medidas de contenção legalmente estipuladas não eram cumpridas em 34,4% dos animais. Pelo menos 16,3% não possuiam vacina anti-rábica actualizada e em 39,2% o estado vacinal era desconhecido. As características multifactoriais da agressividade em canídeos, com aspectos inerentes ao animal, ao proprietário e ao ambiente envolvente, requerem o estabelecimento de parcerias multidisciplinares, que possibilitem a delineação de medidas preventivas eficazes. Summary: Aggression is a multifactorial behavior pathology frequently observed in dogs, mostly directed to the same animal species. This study, that aimed at performing a first evaluation of aggression between dogs, comprises 83 cases presented at the Faculty of Veterinary Medicine, Technical University of Lisbon, and at a private practice (Azevet, Azeitão). The information was gathered though a questionnaire applied to the owners of the dogs present to consultation, here considered as "bitten dogs". The average number of monthly aggressions was 7.5, the majority of which (43.3%) took place outdoors, either in public places or outside the houses (42.2%). From the total of dogs involved in the aggressions, 54.2% were from pure breeds, mostly intact males, and 13.3% of the aggressors belonged to breeds legally considered as potentially dangerous. The majority of the dogs lived in yards and had access to public spaces. A significant higher probability of younger animals to injure older *Correspondência: [email protected] dogs was observed. At least 52.8% of the aggressors were re-incident, and 13.2% had previously shown aggressive behavior patterns towards humans. The legally stipulated restraining methods were not followed in 34.4% of the animals. At least 16.3% of the dogs were not immunized against rabies, and the vaccinal status was unknown in 39.2% of the cases. The multifactorial scope of dog-to-dog aggressions, with aspects related to the animal itself, to the owner and to the environment, requires the establishment of multidisciplinary partnerships, which may allow for the design of efficient preventive measures. Introdução As agressões por canídeos são frequentes, geralmente dirigidas contra animais da mesma espécie (Kolata et al., 1974), embora a maioria das publicações se refira sobretudo às dirigidas contra seres humanos (Goldstein et al., 1978; Ordog, 1986; Feder et al., 1987; Griego et al., 1995; Freud et al., 1997; Garcia, 1997), sendo escassas as informações disponíveis na literatura veterinária (Kelly et al., 1992; Griffin e Holt, 2001; Shamir et al., 2002; Meyers et al., 2007). A agressividade é considerada uma patologia comportamental de origem multifactorial. O comportamento padrão de um canídeo, a demonstração de agressividade para animais da mesma ou de outra espécie, e a reincidência como agressor ou como agredido, são importantes para a caracterização comportamental dum animal (Overall, 1997). A determinação do local onde as agressões ocorrem, bem como a caracterização dos animais envolvidos, são essenciais para o estabelecimento de medidas preventivas (Cornwell, 1997). Estes factores não têm sido devidamente valorizados, pelo que se sabe muito pouco sobre o comportamento dos cães envolvidos em agressões, havendo aspectos que necessitam ser aprofundados. Não se encontram documentados numa base de dados nacional, o número e gravidade de agressões infligidas por canídeos a seres humanos. No entanto, dados recolhidos nos Estados Unidos revelam um aumento do número e da gravidade destas agressões (Sacks et al., 2000; CDC, 2003) o que, 61 Mouro S et al. aliado à maior divulgação mediática, levou a que muitos países, incluindo Portugal, tivessem desenvolvido legislação com o objectivo de diminuir a sua incidência. Este estudo teve como objectivo fazer uma primeira abordagem sistematizada de agressões entre canídeos cujos proprietários habitam nas regiões de Lisboa e de Setúbal. De entre os parâmetros estudados incluem-se a determinação do local onde as agressões ocorreram, a caracterização dos animais envolvidos, o seu habitat, o seu acesso à via pública e o seu eventual envolvimento prévio noutras agressões. Foi ainda avaliado o grau de cumprimento da legislação vigente quanto à utilização dos métodos de contenção obrigatórios, e estado de imunização contra a raiva. RPCV (2009) 104 (569-572) 61-69 acesso dos animais à via pública e, em caso afirmativo, a utilização de meios de contenção, nomeadamente trela e/ou açaimo. Por fim, foi averiguada a existência de história de envolvimento anterior em agressões, seja como agressor ou como agredido e se, mesmo sem concretizar a agressão, os animais demonstravam sinais de agressividade em relações a outros animais e/ou seres humanos. O estado vacinal em relação à prevenção da raiva foi determinado com base no boletim de vacinação; sempre que este não foi apresentado, o estado vacinal foi considerado desconhecido. Os dados foram processados com o auxílio das aplicações informáticas EXCEL 2000 e SPSS 12.0 for Windows. A análise descritiva foi realizada através da distribuição de frequências. A média foi utilizada para caracterizar as tendências centrais das variáveis. A análise estatística foi realizada através do teste t. Material e métodos Este estudo decorreu entre Outubro de 2004 e Agosto de 2005 e incidiu sobre 83 casos de agressão entre canídeos. As vítimas foram apresentadas para consulta no Hospital Escolar da Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Técnica de Lisboa (61,4%) e na Clínica Veterinária Azevet (38,6%), em Azeitão, Setúbal. A informação foi recolhida através de um questionário, preenchido pelo médico veterinário assistente em conjunto com o proprietário. Foi obtido consentimento informado de todos os proprietários para a inclusão dos seus animais no estudo. Face à impossibilidade de determinar com rigor qual o canídeo que despoletou a agressão, o animal presente à consulta é aqui considerado como "agredido", e o outro animal envolvido como "agressor". Assim, um canídeo foi definido como agredido quando o motivo da consulta foi a presença de lesões devidas à agressão levada a cabo por outro cão. Contudo neste estudo não foi averiguado se a agressão foi ou não despoletada pelo próprio animal. O questionário visou determinar o local onde ocorreu a agressão e recolher dados referentes ao animal agredido. Sempre que o proprietário assistiu à agressão, foram também recolhidos dados sobre o agressor. Foi recolhida informação sobre o sexo, raça, idade, estado reprodutivo e anterior envolvimento dos canídeos em agressões, tanto contra humanos como contra animais. Os canídeos foram considerados cruzados quando descendiam de progenitores de raças diferentes, podendo um deles ser de raça indeterminada. Foram considerados de raça indeterminada quando definidos pelos proprietários do agredido como "rafeiros". Os animais foram considerados de raça desconhecida quando esta não foi determinada ou reconhecida. A idade foi registada em anos completos. Foram ainda registados o local da agressão e o habitat dos animais envolvidos (via pública, exterior ou interior das habitações). Outro dos dados colhidos foi o 62 Resultados As agressões foram documentadas principalmente durante os meses de Fevereiro (16,7%), Novembro (14,5%) e Janeiro, Maio e Junho (9,6% cada), como explicitado no Gráfico 1. As agressões ocorreram principalmente no exterior, quer na via pública (36/83, 43,4%) quer em propriedade privada, no exterior das habitações (35/83, 42,2%). Os registos com caracterização completa de animal agredido e agressor corresponderam maioritariamente a casos de canídeos pertencentes ao mesmo proprietário. Dos 83 canídeos agredidos, 22 (26,5 %) eram de raça indeterminada, 14 (16,9%) eram cruzados e 47 (56,6%) de raça pura. Estes últimos pertenciam a 20 raças diferentes (Gráfico 2a), estando mais representadas as raças Caniche e Labrador Retriever (ambas 14 12 10 8 6 4 2 0 Out Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Gráfico 1 - Distribuição mensal das agressões entre canídeos (n=83). Mouro S et al. RPCV (2009) 104 (569-572) 61-69 a) INDETERMINADA CRUZADA CANICHE LABRADOR RETRIVIER HUSKY SIBERIANO EPAGNEUL BRETON ROTTWEILER DOBERMAN BOXER FILA BRASILEIRO CÃO ÁGUA COCKER INGLES COCKER SPANIEL POINTER FOX TERRIER GOLDEN RETRIVIER PASTOR ALEMÃO PASTOR BELGA PEQUINOIS PERDIGUEIRO PINCHER SHAR-PEI Gráfico 3 - Relação entre a idade do canídeo agredido e a do canídeo agressor, em cada agressão (n=39). 0 5 10 15 20 25 N b) INDETERMINADA DESCONHECIDA PASTOR ALEMÃO PITT BULL LABRADOR RETRIVIER BOXER CRUZADA EPAGNEUL BRETON GRAND’ANOIS HUSKY SIBERIANO ROTTWEILER SERRA DA ESTRELA BRACO BOUVIER FLANDRES CÃO ÁGUA DOGUE ARGENTINO GOLDEN RETRIVIER MASTIM PIRINÉUS MALAMUTE DO ALASCA SHAR-PEI 0 5 10 N 15 20 Gráfico 2 - Raça dos canídeos envolvidos em agressões intra-específicas (N=83). Distribuição de frequências para esta variável: a) dos agredidos; b) dos agressores. com 8/83, 9,6%), seguidas de Husky Siberiano e de Rottweiler (ambas com 4/83, 4,8%). A raça dos agressores foi apurada em 65/83 (78,3 %) dos casos, sendo 43 (66,2%) animais de raça pura, distribuidos por 17 raças (Gráfico 2b). As mais representadas foram a Pit Bull e a Pastor Alemão, ambas com 7/83 (8,4%). Os canídeos agressores de raça indeterminada foram responsáveis por 19 das agressões (22,9%). A idade média dos animais agredidos foi 5,5 anos (1 a 15), tendo a maioria menos de 5 anos de idade (50/83, 60,2%) (Gráfico 3). A idade dos agressores foi apurada em 39 casos (47%), sendo inferior a 5 anos em 30 animais (76,9%), e apresentando um valor médio de 3,79 anos (1 a 12) (Gráfico 3). O teste t para variáveis dependentes, efectuado a partir dos resultados das 39 agressões em que a idade de ambos os animais envolvidos foi determinada, demonstrou a existência de uma diferença estatisticamente significativa entre a idade do agressor e do agredido (p=0,0211). Estes resultados revelam que, em cada agressão, o agressor é mais jovem do que o respectivo agredido, de forma estatisticamente significativa A maior parte das agressões ocorreu entre animais do mesmo sexo (n=47, 56,6%), principalmente entre machos (n=37, 44,6%), na sua maioria inteiros (78,3% dos agredidos e 38,6% dos agressores eram machos inteiros) (Tabela 1). Dos 83 animais agredidos, a grande maioria habitava em propriedade privada, 36 no exterior (43,4%), e 26 no interior (31,3%) das habitações. O habitat do canídeo agressor foi apurado em 55 casos (66,3%). Destes, a maioria também habitava em propriedade privada, 35 no exterior (42,2%) e 11 no interior (13,3%) das habitações. Habitavam na via pública um dos agredidos (1,2%) e dois dos agressores (3,6%). A maioria dos machos inteiros envolvidos em agressões tinha acesso à via pública (N=60); destes, 43 foram agredidos e 17 identificados como agressores. Tinham acesso à via pública 56 dos 83 animais agredidos (67,5%). Destes, e de acordo com a informação dos proprietários, 22 utilizavam sempre trela (39,3%), 15 utilizavam-na esporadicamente (26,7%) e 19 nunca a utilizavam (34%), sendo o açaimo utilizado apenas Tabela 1- Relação entre o sexo e o estado reprodutivo dos agredidos e dos agressores (n=83) Agredidos Macho inteiro Macho castrado Fêmea inteira Fêmea castrada Macho inteiro 29 1 1 1 Macho castrado 0 1 0 0 Macho ? 6 0 2 0 Agressores Fêmea inteira 3 0 5 1 Fêmea castrada 0 0 0 1 Fêmea ? 2 0 2 1 Desconhecido 25 0 2 0 63 Mouro S et al. RPCV (2009) 104 (569-572) 61-69 em um dos canídeos agredidos (1,8%). Dos 36 animais agredidos na via pública (43,4%), 12 não utilizavam trela (33,3%), e destes, apenas 11 a usavam sempre (30,6%) (Gráfico 4a); apenas um dos animais vítima de agressão na via pública utilizava açaimo. A variável "acesso à via pública" foi apurada em 58 dos agressores (69,9%), tendo-se verificado 34 (58,6%) respostas afirmativas. Observou-se ainda que 77% dos agressores de raça indeterminada com respostas válidas tinham acesso à via pública, comparativamente a 53,7% dos canídeos de raça pura. Dos 34 agressores com acesso à via pública, a trela nunca era utilizada em 12 deles (35,3%). Este método de contenção era sempre usado em 19 dos casos (55,9%), sendo-o esporadicamente em 3 dos canídeos (8,8%) (Gráfico 4b). O açaimo era utilizado em 3 dos agressores com acesso à via pública (8,8%), quando aí transitavam. Dos 90 animais com acesso a esse local, 34,4% (19 agredidos e 12 agressores) nunca utilizavam trela. Sim Às vezes Não Não responde a) Pelo menos 31 dos 83 animais agredidos (37,3%) já tinham sido anteriormente vítimas de agressão por outros cães. Os agressores reincidentes corresponderam a 19 das 36 respostas válidas (52,8%). A manifestação prévia de agressividade pelos agressores foi apurada em 38 (45,8%) casos. Essa manifestação tinha sido dirigida contra outras espécies em 42,1% das respostas válidas, nomeadamente contra gatos (n=12), seres humanos (n=5) e outros (n=1). Em 65 dos 166 animais envolvidos nas agressões, incluindo agressores e agredidos, não foi possível determinar o estado vacinal contra a raiva de 39,15%, o que corresponde a 18,1% dos agredidos e 60,2% dos agressores (Gráfico 5). A vacinação dos canídeos agredidos estava actualizada em 50 dos casos (60,2%) e desactualizada em 18 (21,7%). Nos agressores, verificou-se que 24 estavam vacinados (28,9%) e 9 não estavam vacinados ou tinham a vacinação em atraso (10,8%). Sim Às vezes Não b) 13,89 30,56 35,3 55,9 33,33 8,8 22,22 Gráfico 4 - Utilização de trela (%): a) nos animais agredidos na via pública (n=36) ; b) nos agressores com acesso à via pública (n=34). Vacinado Não vacinado Desconhecido a) b) Vacinado Não vacinado Desconhecido 18,1 28,9 21,7 60,2 60,2 10,8 Gráfico 5 - Estado vacinal contra a raiva: a) dos agredidos; b) dos agressores. 64 Mouro S et al. Discussão Este estudo incidiu sobre 83 casos de agressão entre canídeos. Não foi possível estimar a incidência e prevalência destas agressões nas regiões em estudo, uma vez que a amostra foi definida por conveniência, incluindo apenas animais levados à consulta pelo seu proprietário. Os resultados referentes à caracterização das agressões e dos animais envolvidos, correspondem assim a frequências relativas face ao total da amostra considerada. Devido a agressão, foram assistidos mensalmente, em média, 7,5 canídeos, valor muito semelhante ao descrito na literatura (Kelly et al., 1992; Griffin e Holt, 2001; Shamir et al., 2002). Contudo, outros trabalhos referem resultados diferentes, tanto no sentido de valores superiores como inferiores, o que poderá refletir diferenças existentes nos países onde os estudos foram realizados (Sherman et al., 1996; Baranyiová et al., 2003). As agressões ocorreram ao longo de todo o ano, com picos nos meses de Fevereiro e Novembro (16,7% e, 14,5%, respectivamente), seguidos de Janeiro, Maio e Junho (9,6% cada). Estes dados não estão em concordância com outros, que reportam, nos Estados Unidos, picos de agressão nos meses de Verão (Langley, 1994; Kahn et al., 2003), o que foi atribuído a um maior acesso ao exterior ou a alterações de habitat em períodos de férias, em que tanto os donos como os animais passam mais tempo no exterior (Shamir et al., 2002). Os resultados por nós obtidos podem ser devidos ao facto de haver um maior número de animais com acesso à via pública durante todo o ano e ao facto de a fiscalização sobre o cumprimento do legalmente instituído sobre meios de contenção ser muito deficiente. Os canídeos agressores foram identificados em 78,3% das agressões, o que está de acordo com o referido por outros autores (Kahn et al., 2003). Em relação à raça dos animais envolvidos verificou-se que a maioria dos animais envolvidos nas agressões era de raça pura, o que está de acordo com outros autores (Beaver, 1993; Roll e Unshel, 1997; Sherman et al., 1996; Griffin e Holt, 2001). No entanto, um número apreciável de animais agredidos (n=36, 43,4%) e de agressores (n=22; 33,8%) não pertenciam a raças puras. Do total dos agressores, 13,3% pertenciam a raças, ou cruzamentos de raças, consideradas "potencialmente perigosas" pela actual legislação portuguesa (Port nº 422/2004), nomeadamente Pit Bull, Rottweiler e Dogue Argentino. Estes resultados poderão, à semelhança do observado noutros países (Clifford, 1984; Wright, 1991; Williams e Williams, 1992; Quinlan e Sacks, 1999; Monti, 2000; Sacks et al., 2000; Wapner e Wilson, 2000), colocar em causa a discriminação racial dos canídeos patente na legislação. No entanto, os resultados poderão ter sido influenciados pela legislação RPCV (2009) 104 (569-572) 61-69 vigente desde 2004, reflectindo uma melhor contenção dos animais ou uma maior consciencialização dos proprietários de outros cães, que os levará a evitar o contacto com animais de raças consideradas potencialmente perigosas. No presente trabalho, Pastor Alemão (8,4%) e Pit Bull (8,4%) foram as raças mais representadas no grupo dos agressores. Estas raças foram referidas como as mais implicadas em agressões fatais a humanos (Wright, 1991; CDC, 1997; Sacks et al., 2000; Allen, 2001). Para determinar com rigor qual a verdadeira perigosidade de determinada raça, é necessário conhecer não apenas o número de agressões perpetradas por cães dessa raça, mas também o número de animais dessa raça que existe na população em geral, e o tempo que estes têm de contacto com seres humanos e/ou com outros animais (Williams e Williams, 1992; Quinlan e Sacks, 1999). A educação de um cachorro é de extrema importância na modelação do seu comportamento (Roll e Unshelm, 1997). Contudo, alguns autores defendem que a agressividade tem uma base hereditária, sendo mais comum em certas raças (Abraham, 1995; Allen, 2001). Outros, pelo contrário, alegam que os animais cruzados são os principais responsáveis não só pelas mordeduras a seres humanos (Wright, 1991), mas também pela maioria das mortes (Overall e Love, 2001). São por isso necessárias algumas precauções na interpretação dos resultados respeitantes à raça do agressor, uma vez que é consensual que a avaliação da agressividade dum cão deve ter em conta outros factores, sendo defendido que a variabilidade individual seria o factor mais importante (Clifford, 1984). A eleição de raças perigosas depende, junto da opinião pública, mais da sua popularidade do que de estudos epidemiológicos realizados em grande escala. Os meios de comunicação social têm, em muito, contribuído para a opinião generalizada de que algumas raças de cães são inerentemente violentas (Wapner e Wilson, 2000). Tem sido contestada a imposição de leis rígidas, baseadas apenas na raça do animal, com a finalidade de prevenir situações de agressão, devido a esta medida se ter revelado notoriamente insuficiente (Monti, 2000). Estas decisões são frequentemente o resultado de processos políticos pragmáticos, por vezes sujeitos a interesses económicos, nomeadamente por parte das seguradoras (Wapner e Wilson, 2000). Acresce ainda que, a identificação de raças em canídeos se reveste de alguma complexidade, sendo necessário criar métodos práticos e objectivos para este fim (Sacks et al., 2000). Não podemos ignorar que o facto de determinadas raças serem consideradas perigosas se deve, sobretudo, ao seu mau uso ou descuidada posse pelos proprietários de animais dessas raças, o que pode resultar em casos de morte inaceitável de cidadãos. Actualmente é difícil, em termos legais, determinar quais os proprietários obrigados a cumprir legislação especial. Tal como a maioria dos autores, defendemos ser mais importante 65 Mouro S et al. penalizar o proprietário de um animal com comportamento agressivo, que seja cronicamente irresponsável, do que os proprietários cujos canídeos pertençam a determinada raça (Monti, 2000; Sacks et al., 2000). Relativamente à idade dos animais envolvidos nas agressões, verificou-se que os agressores eram em média mais jovens do que os agredidos, sendo patente, em ambos os grupos, um declínio do número de animais com o avanço da idade. Este facto foi constatado por outros autores (Baranyiová et al., 2003), podendo ser determinado não só pela distribuição etária da população em geral, mas também pela experiência adquirida nos confrontos ao longo da vida, pela educação proporcionada pelos proprietários ou pelos hábitos adquiridos com a idade, que podem com o envelhecimento conduzir a um menor contacto com outros animais. Na amostra em estudo observou-se um risco significativamente maior de agressão por animais mais jovens a outros mais velhos, do que o inverso. Verificou-se que a maioria dos canídeos envolvidos nas agressões pertencia ao mesmo sexo e eram machos inteiros, o que está de acordo com outras descrições (Kolata et al., 1974; Hart e Hart, 1985; Beaver, 1993; Sherman et al., 1996; Overall, 1997; Griffin e Holt 2001; Shamir et al., 2002; Baranyiová et al., 2003). A castração, ao afectar a componente hormonal modeladora do comportamento (Overall, 1997), pode reduzir em 50 a 60% a agressividade dirigida contra outros cães (Hart e Hart, 1985), pelo que a legislação que determina a esterilização obrigatória de canídeos, sempre que esteja em risco a segurança de pessoas ou outros animais (Decreto-Lei nº 312/2003) pode ter algum papel preventivo destas agressões. Foram recentemente introduzidas no nosso país determinações legais (Despacho nº 10819/2008), aplicáveis aos animais de raças definidas como potencialmente perigosas, bem como aos resultados de cruzamentos daquelas raças entre si ou com outras (Portaria nº422/2004). A legislação actual obriga à sua esterilização a partir dos 4 meses de idade, e proíbe a sua reprodução ou criação, se os animais não estiverem inscritos nos livros de origem oficialmente reconhecidos, bem como a sua entrada em território nacional sem a autorização da Direcção-Geral de Veterinária. Em Portugal, os canídeos machos não são castrados por rotina. Não é possível concluir no nosso estudo se os machos inteiros apresentam maiores tendências agressivas, ou se apenas se encontram mais representados na população. Os resultados deste estudo revelam que 43,4% dos agredidos e 63,6% dos agressores habitavam no exterior. Esta variável não foi incluída nos outros estudos disponíveis na bibliografia. Apesar de não ter sido possível incluir a variável "habitat" como um factor de risco para o envolvimento em agressões, devido ao tamanho da amostra e à inexistência dum 66 RPCV (2009) 104 (569-572) 61-69 grupo de controlo, os resultados sugerem que o local onde os animais vivem diariamente pode influenciar não apenas o seu carácter, mas também a probabilidade do seu envolvimento em agressões. Dado que a maioria dos animais na nossa amostra tinha acesso à via pública, local onde ocorreu a maior parte das agressões, considerámos importante avaliar o cumprimento das disposições legais relativas à utilização de métodos de contenção. Verificámos que, do total de animais com acesso a locais públicos envolvidos em agressões, 34,4% nunca utilizavam trela, não cumprindo com as determinações legais. Apenas 30,6% dos animais agredidos na via pública, e 55,9% dos agressores com acesso a este local, utilizavam sempre trela. É possível que a maior frequência de utilização constante de trela em agressores com acesso à via pública possa advir do facto de estes animais serem reconhecidos pelos proprietários como mais agressivos, do que os pertencentes ao grupo dos agredidos. No entanto, este resultado pode ter sido afectado pelo número reduzido de agressores em que esta variável foi apurada. Verificou-se que apenas um pequeno número dos animais pertencentes ao grupo dos agressores utilizava açaimo quando circulava na via pública. Estes canídeos pertenciam a raças consideradas potencialmente perigosas, nomeadamente Pit Bull Terrier e Rottweiler, em que a utilização deste método de contenção é obrigatória. Duas destas agressões ocorreram no interior das habitações, e a outra no exterior, mas em propriedade privada. Estes agressores só utilizavam açaimo na via pública, não o utilizando nos locais onde ocorreram as agressões. Apenas um dos animais vítimas de agressão na via pública utilizava açaimo. Alguns proprietários rejeitam a utilização de açaimo nos seus canídeos, alegando que a sua utilização, ao encontrar-se muito pouco difundida no nosso país, pode impedir o animal de se defender, o que conduzirá ao agravamento das lesões sofridas em caso de agressão. No entanto, esta posição será completamente indefensável assim que a legislação for efectivamente cumprida por todos os proprietários. A análise dos resultados obtidos neste estudo revelou que 52,8% dos agressores eram reincidentes. Uma taxa de reincidência de 88% é referida por Roll e Unshelm (1997), realçando que 31% dos cães envolvidos em agressões tinham sido previamente reconhecidos pelos seus proprietários como "inimigos". Estes resultados sugerem que as agressões entre canídeos não são um acontecimento esporádico, encontrando-se frequentemente associadas a comportamentos declaradamente agressivos. Neste enquadramento, grande parte das agressões entre canídeos podem ser evitadas se os proprietários as prevenirem com base em comportamentos prévios (Roll e Unshelm, 1997). De entre os animais em estudo, mais de um oitavo Mouro S et al. dos agressores tinham demonstrado anteriormente agressividade dirigida contra humanos. Apesar disto, verificou-se que 60% destes animais tinha livre acesso à via pública, e que apenas 20% utilizava trela e nenhum utilizava açaimo. Estes resultados vêm reforçar a importância da utilização dos métodos de contenção estipulados legalmente para quando os animais circulam em espaços públicos (Decreto-Lei nº 314/2003). A vigilância dos animais pelos proprietários, quando circulam nestes locais, é também extremamente importante, porque os canídeos que vagueiam na rua podem tornar-se mais agressivos do que os vadios (Overall e Love, 2001). No nosso estudo registámos que 1,2% dos agredidos e pelo menos 3,6% dos agressores habitavam na via pública. O controlo dos animais vadios ou errantes é também essencial para diminuir o número de agressões, pelo que a lei vigente que estipula que esses animais devem ser capturados e recolhidos no canil municipal (Decreto-Lei nº 314/2003) se reveste de uma extrema importância. A possibilidade de transmissão da raiva através de mordedura por canídeos constitui uma grande preocupação em termos de saúde pública. No presente estudo, não foi possível determinar o estado vacinal contra esta doença em 18,1% dos agredidos e em 60,2% dos agressores. Acresce ainda o facto de, mesmo com esta elevada taxa de vacinação desconhecida, 16,3% dos animais envolvidos em agressões não estarem protegidos contra esta doença. Entre os agressores, a vacinação actualizada foi confirmada através da apresentação do boletim de saúde apenas em 28,9% dos casos, valor bastante inferior ao descrito no estudo realizado por Freud et al., (1997), em que a taxa vacinal de canídeos que agrediram seres humanos foi de 67%. No entanto, nesse trabalho não é referido se a vacinação foi confirmada pela apresentação do boletim de vacinas, ou se foi apenas baseada na informação fornecida pelo proprietário. Verificámos que, quando um canídeo é vítima de agressão por outro cão, nem sempre é possível determinar se o agressor está convenientemente vacinado contra esta doença, não só pela ausência de confirmação pela apresentação do boletim de vacinas, mas também porque em alguns casos o agressor não pode ser sequer identificado. Para manter o nosso país indemne de raiva, a profilaxia realizada através da vacinação é obrigatória para todos os canídeos. Contudo não existem dados completos sobre a taxa de vacinação contra a raiva. A prevenção de agressões levadas a cabo por canídeos é um tema polémico, muito discutido na literatura científica (Cornwell, 1997; Rieck, 1997; Chevallier e Sznadjer, 1999; Monti, 2000; AVMA, 2001; Presutti, 2001; Keuster et al., 2005). Ao ser reconhecido e aceite que a agressividade é um problema multifactorial, a sua prevenção envolve a determinação do local onde estas ocorrem, a RPCV (2009) 104 (569-572) 61-69 caracterização dos animais envolvidos, a avaliação do cumprimento das normas impostas legalmente, para além da educação e responsabilização dos proprietários no sentido de evitarem situações e comportamentos de risco. O presente estudo demonstrou que o risco de agressão é superior na via pública e que, as normas relativas à obrigatoriedade legal da utilização de métodos de contenção são raramente cumpridas nos canídeos que circulam em locais públicos. Outro facto que se constatou foi a presença de animais errantes ou vadios na via pública, o que aumenta a probabilidade de ocorrência de agressões, pelo que estes animais deveriam ser controlados de forma mais eficaz. Embora o nosso país esteja indemne de raiva, a vacinação dos canídeos não deve ser descurada, uma vez que esta doença existe em alguns países europeus (WHO, 2005). O número de agressões por canídeos poderá ser diminuído através do melhoramento dos serviços de controlo animal, da actualização e divulgação das medidas legais existentes e de estratégias políticas e educacionais que visem diminuir os comportamentos inapropriados tanto dos animais como dos seus proprietários (Sacks et al., 2000; Keuster et al., 2005). É urgente a realização de mais estudos sobre factores de risco que possam contribuir para o estabelecimento de normas de protecção contra agressões, levadas a cabo por canídeos (Ozanne-Smith et al., 2001; Lakestani et al., 2005). A redução da incidência de mordeduras por canídeos requer o envolvimento activo de toda a comunidade, tendo os meios de comunicação social um papel essencial na divulgação de informação responsável que possa contribuir para a educação da sociedade civil. São necessários estudos futuros, que avaliem os motivos que despoletaram a agressão e o perfil dos proprietários dos cães envolvidos. Face às características multifactoriais da agressividade em canídeos, com aspectos inerentes ao animal, ao proprietário e ao ambiente envolvente, o aprofundamento deste tema só será possível através da elaboração de parcerias multidisciplinares, que permitam a compreensão da agressividade nas suas várias componentes e assim possibilitem a delineação de medidas preventivas eficazes. Bibliografia Abraham B (1995). Recommends legislation for some pet handlers. JAVMA: Journal of the American Veterinary Medical Association, 207(8), 1019. Allen DL (2001). Belives aggression is more common in some dog breeds. 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Mesquita1, Helio C. Vital2, Erika Murayama3 1 Universidade Federal Fluminense/UFF, Faculdade de Veterinária, Departamento de Tecnologia dos Alimentos, Rua Dr. Vital Brazil Filho n. 64 – Niterói, Rio de Janeiro 24230-340 2 Laboratório de Irradiação de Materiais da Divisão de Defesa Química, Biológica e Nuclear do Centro Tecnológico do Exército (CTEx) 3 Médica Veterinária graduada pela UFF Resumo: Cerca de 80% dos desembarques pesqueiros de cefalópodes, na costa sul do Brasil, são de duas espécies de lulas neríticas (Dorytheutis plei e D. sanpaulensis). Sabendo-se que pescado é um produto altamente perecível, exigindo cuidados especiais na manipulação e preparo. O tratamento com radiações ionizantes destrói microrganismos existentes no alimento e inibe alterações bioquímicas decorrentes da deterioração. O objetivo deste trabalho foi avaliar a qualidade bacteriológica de anéis de lula, Dorytheutis plei (Blainville, 1823), congelados e irradiados e comparar os resultados obtidos entre o grupo controle e grupos irradiados. Foram analisadas 24 amostras, separadas em três grupos, de acordo com a dose de radiação absorvida: 0 kGy (controle), 1,5 kGy e 3,0 kGy. Realizaram-se contagens de unidades formadoras de colónias bactérias heterotróficas aeróbias mesófilas e psicrotróficas para a verificação da qualidade bacteriológica das amostras e comparar os resultados obtidos com o uso da irradiação, analisando a eficiência do processo. As amostras estavam abaixo do limite sugerido para degradação de pescado. Observou-se uma redução acentuada (aproximadamente dois ciclos logarítmicos) na população de bactérias mesófilas e psicrotróficas nas amostras irradiadas em comparação com a amostra controle, sendo a radiação gama eficaz na melhoria da qualidade bacteriana, semelhante ao processo de pasteurização. Dentre as doses investigadas, 1,5 kGy mostrou-se a mais apropriada para os microrganismos mesófilos, enquanto que a dose de 3,0 kGy se mostrou mais eficiente para os microrganismos psicrotróficos. Summary: Approximately 80% of cephalopods captured along the southern coast of Brazil belong to two species of neritic squids (Dorytheutis plei and D. sanpaulensis). Due to their very short shelf-lives, special procedures have to be followed in order to handle and processe safely and adequately those products. This work had evaluated the efficiency of irradiation in the conservation of meat samples of Dorytheutis plei (Blainville, 1823). Its main aim was to study the effects of the exposure to gamma radiation on the microbiological stability of frozen squid rings. Twenty-four selected samples were grouped *Correspondência: [email protected] Tel/Fax: +55 21 2629-9533 according to the absorbed dose: 0 kGy (control), 1.5 kGy and 3.0 kGy. The monitoring of the samples throughout the storage time was undertaken by microbiological (aerobic mesophilic and psycotrophic bacteria) analyses. A substantial reduction in the population of bacteria was found in the irradiated samples (about two log cycles). Among the investigated doses, 1.5 kGy proved to be most suitable for mesophilic while the dose of 3.0 kGy was more efficient for psychrotrophic microorganisms. Introdução Moluscos cefalópodes são importantes recursos pesqueiros. No Brasil, a sua captura é bastante significativa, quer seja feita de maneira indireta por rede de arrasto ou direta por linha. A principal espécie de cefalópodes pescada na costa brasileira e comercializada é a Dorytheutis plei. Os cefalópodes podem ser consumidos de várias formas, seja fresco como "sashimi", seja após diversos tipos de processamento como produto seco, enlatado, congelado e em alimentos à base de pescado. Possuem alto valor protéico e baixo teor de gordura, o que os torna elemento importante na dieta humana. Quando beneficiada em anéis, a lula é muito manipulada, o que pode levar ao aumento da microbiota contaminante, sobretudo se existirem deficiências nas Boas Práticas de Fabrico. Conseqüentemente, o tempo de conservação do pescado, que, em geral, já é limitado, pode diminuir com o aumento da contaminação por microrganismos deteriorantes e até patogênicos, o que pode pôr em risco a saúde do consumidor (Germano e Germano, 2003). O tratamento com radiações ionizantes tem como finalidade prolongar a vida útil dos alimentos, pela destruição da microbiota ou inibição de alterações bioquímicas, sem que ocorra aumento significativo de 71 Calixto FAA et al. sua temperatura (Ordóñez et al., 2005; Fellows, 2006). Em geral, a maioria das bactérias patogênicas não se reproduz em temperaturas abaixo de 5 ºC, logo o emprego combinado de conservação em baixas temperaturas com a irradiação pode ser bastante vantajoso (Herson e Hulland, 1980). O objetivo deste trabalho foi avaliar a qualidade bacteriológica de anéis de lula, Dorytheutis plei (Blainville, 1823), congelados e irradiados e comparar os resultados obtidos entre o grupo controle e grupos irradiados. Material e métodos Foram utilizadas 24 amostras de 250 g cada de anéis de lula congelados, Dorytheutis plei (Blainville, 1823), provenientes do Município de Cabo Frio, Estado do Rio de Janeiro, Brasil. As amostras foram transportadas em caixas de poliestireno expandido para o Laboratório de Irradiação de Materiais da Divisão de Defesa Química, Biológica e Nuclear do Centro Tecnológico do Exército (CTEx). As 24 amostras foram separadas aleatoriamente em três grupos de 08 amostras e identificados: o grupo controle (0 kGy), o grupo irradiado com 1,5 kGy e o grupo irradiado com 3,0 kGy. O grupo controle não foi submetido à radiação gama. Os outros grupos foram expostos a uma fonte de Césio-137 (Cs137) no irradiador de pesquisa do CTEx. O irradiador de pesquisa do CTEx é do tipo "cavidade blindada" e sua fonte de Césio-137 (Cs137) de 46 kCi é capaz de suprir as duas câmaras de irradiação (cujo volume total efetivo é de aproximadamente 100 litros) com uma taxa de dose máxima de 1,8 kGy/h. As amostras a serem irradiadas com 1,5 e 3,0 kGy foram inseridas em duas gavetas metálicas, as quais foram posicionadas próximas do centro das câmaras de irradiação, no interior do irradiador. Todas as amostras foram posicionadas de forma a minimizar variações na taxa de dose. Estima-se um erro máximo de ±10% na dose de uma determinada amostra, atribuído principalmente aos gradientes verticais e horizontais da taxa de dose presentes nas câmaras de irradiação (Vital, 2000). O grupo controle permaneceu durante todo o processo armazenado em caixa de poliestireno expandido, colocada do interior da sala do irradiador, para que permanecesse em condições semelhantes àquelas experimentadas pelos grupos irradiados. Imediatamente após a irradiação, as amostras foram novamente acondicionadas nas caixas de poliestireno expandido para o transporte e posteriormente armazenadas sob congelação, onde foram mantidas até a realização das análises. Para a realização das análises, as amostras foram descongeladas em geladeira de um dia para o outro. 72 RPCV (2009) 104 (569-572) 71-75 As análises bacteriológicas foram realizadas no Laboratório de Controle Microbiológico de Produtos de Origem Animal do Departamento de Tecnologia de Alimentos da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal Fluminense (UFF), baseadas na Instrução Normativa da Secretaria de Defesa Agropecuária nº 62 (Brasil, 2003). As análises foram realizadas sobre uma amostra de cada grupo/dia, as quais descongelavam durante a noite anterior. As análises foram realizadas com todas as medidas de assépsia, evitando contaminação externa. Foram retiradas, homogenea e aleatoriamente, 25 g de cada amostra. De maneira asséptica, a porção foi transferida para um envelope de polietileno, previamente esterilizado. A unidade analítica foi homogeneizada em 225 mL de solução salina peptonada a 0,1%, necessário para obter-se a diluição inicial (1:10) com auxílio de "Stomacher"® em velocidade média por dois minutos. As diluições por miniaturização de cada amostra foram realizadas pela transferência, com auxílio de pipeta automática, de 100 µL, homogeneizada, em microtubos tipo "eppendorf", estéreis e contendo 900 µL de mesma solução diluente, produzindo a segunda diluição (10-2). As diluições subseqüentes foram obtidas da mesma maneira, transferindo 100 µL da diluição 10-5 (Franco e Leite, 2005). A contagem de bactérias heterotróficas aeróbias mesófilas (CBHAM) e contagem de bactérias heterotróficas aeróbias psicrotróficas (CBHAP), por sementeira por incorporação, foi realizada pela inoculação de 100 µL das diluições homogeneizadas, com auxílio de pipeta automática, em placas de Petri esterilizadas e descartáveis, previamente identificadas com o grupo de amostra, diluição e tipo de contagem. Em cada placa de Petri inoculada, foi vertido o meio de cultura Ágar Padrão para Contagem (APC) fundido e arrefecido à temperatura de 45 ºC, em quantidade suficiente para cobrir a superfície da placa (cerca de 20 mL). O inóculo foi homogeneizado com o APC através de movimentos circulares suaves, em formato de oito, por cinco vezes, no sentido horário e antihorário, sobre superfície plana. Após a solidificação do meio, as placas foram invertidas e incubadas e em estufa, com temperatura a 35 ºC, por 48 horas para CBHAM e em geladeira, com temperatura próxima a 7 ºC, por 10 dias (APHA, 1985) para a CBHAP. Passado o tempo de incubação, as colónias desenvolvidas foram contadas com auxílio de lupa em contador de colónias tipo Quebec®. Na análise estatística foram utilizados métodos não paramétricos pela não constatação da normalidade. O teste de Kruskal Wallis comparou mais de dois grupos de dados independentes simultaneamente e o teste de Mann-Whitney foi utilizado para as comparações múltiplas. Calixto FAA et al. RPCV (2009) 104 (569-572) 71-75 Tabela 1 - Descrição estatística dos resultados obtidos de CBHAM dos grupos de anéis de lula não irradiados (controle) e irradiados com dose 1,5 e 3,0 kGy, expressa em Unidade Formadora de Colônia por grama do alimento (UFC/g) Grupos Controle 1,5 kGy 3,0 kGy n Média 8 8 8 1,2 x 106 1,1 x 104 4,2 x 105 Desvio padrão 2,1 x 106 2,1 x 104 1,2 x 106 Mínimo Máximo Mediana 3,1 x 104 0 0 5,2 x 106 6,0 x 104 3,3 x 106 2,0 x 105 2,5 x 102 5,1 x 103 Intervalo interquartílico 3,0 x 106 1,7 x 104 1,0 x 104 Tabela 2 - Descrição estatística dos resultados obtidos na CBHAP dos grupos de anéis de lula não irradiados (controle) e irradiados com dose 1,5 e 3,0 kGy, expresso em Unidade Formadora de Colônia por grama do alimento (UFC/g) Grupos Controle 1,5 kGy 3,0 kGy n Média 8 8 8 4,9 x 104 7,3 x 102 1,9 x 102 Desvio padrão 3,7 x 104 7,7 x 102 2,6 x 102 Mínimo Máximo Mediana 2,1 x 104 0 0 1,4 x 105 1,9 x 103 6,5 x 102 3,8 x 104 3,2 x 102 1,0 x 102 Resultados 7 A descrição estatística da CBHAM consta na Tabela 1. As amostras do grupo controle teve a média de contagem de 1,2 x 106 UFC/g. Nas amostras irradiadas com dose de 1,5 kGy foi constatado uma média de 1,1 x 104. Os que receberam 3,0 kGy tiveram valores superiores ao outro grupo irradiado, encontrando média de 4,2 x 105. Apesar da diferença entre os grupos não ser estatisticamente significativa, houve uma redução de até dois ciclos logarítmico nos grupos de amostras irradiadas comparados ao grupo controle. Na Tabela 2, encontram-se demonstrados os dados estatísticos da CBHAP. As amostras controle tiveram média de 4,9 x 104 UFC. O grupo irradiado com 1,5 kGy teve a média de 7,3 x 102. As amostras que receberam dose de 3,0 kGy, apresentaram uma média de 1,9 x 102. Os resultados foram decrescentes à medida que o alimento foi submetido ao processamento e ao aumento de dose. Os valores em UFC/g foram convertidos para logaritmos (log UFC) para caracterizar o crescimento microbiano normal e levar a uma projeção de prazo de vida comercial do produto a fim de analisar os dados do ponto de vista da tecnologia e produção. A Figura 1 compara graficamente os dados dos três grupos. O teste de Kruskal-Wallis, ao nível de significância de 0,05, evidenciou diferença estatisticamente significativa entre os grupos analisados (H = 16,838; g.l. = 2; valor-p = 0,033). O teste de Mann-Whitney, ao nível de significância de 0,05, indicou as seguintes diferenças estatistica- 6 Intervalo interquartílico 9,2 x 103 1,5 x 103 4,5 x 102 Log (UFC Médio) 5 4 3 BAC FRIA 2 Mes–filos 1 N= 8 8 Controle 4 7 1,5 kGy 5 5 3,0 kGy Ps Psicrotróficos GRUPO Figura 1 - Diagrama de caixa e hastes expressando os resultados em log de UFC médio da CBHAM e CBHAP nos diferentes grupos. mente significativas apresentadas no Quadro 1, onde se comparou o grupo indicado na linha com o grupo indicado na coluna da tabela. Observou-se diferença estatisticamente significativa entre o grupo controle e os grupos irradiados, e inexistência da mesma entre os grupos irradiados, caracterizando uma eficácia na redução da CBHAM com o uso do processo de conservação por radiação ionizante, independentemente da dose utilizada. Quanto à CBHAP, o teste de Kruskal-Wallis, ao nível de significância de 0,05, evidenciou diferença estatisticamente significativa entre os grupos estudados (H = 14,330; g.l.= 2; valor p= 0,001). O teste de Mann-Whitney, ao nível de significância de 0,05, indicou as diferenças estatisticamente significativas apresentadas no Quadro 2. Quadro 1 - Comparações múltiplas entre os três grupos de amostras para a CBHAM pelo teste de Mann-Whitney Quadro 2 - Comparações múltiplas entre os três grupos de amostras para a CBHAP pelo teste de Mann-Whitney Grupos Grupos Controle 1,5 kGy 1,5 kGy U=3 valor-p = 0,028 SIM ------ 3,0 kGy U=6 valor-p = 0,045 SIM U = 8,5 valor-p = 0,730 NÃO Controle 1,5 kGy 1,5 kGy U=0 valor-p = 0,0003 SIM ------ 3,0 kGy U=0 valor-p = 0,002 SIM U = 10 valor-p = 0,268 NÃO 73 Calixto FAA et al. Da mesma forma que para a CBHAM, para a CBHAP notou-se diferença estatisticamente significativa (Quadro 2) entre o grupo controle e os grupos irradiados, e inexistência de diferença estatisticamente significativa entre os grupos irradiados, sendo o uso da radiação gama justificável assim como o referente ao da CBHAM. Portanto, em comparação com o grupo controle houve uma redução estatística do crescimento logarítmico de UFC/g de dois e um ciclo nas contagens dos grupos irradiados a 1,5 kGy e 3,0 kGy, respectivamente. Com base nestes dados sugere-se menor carga microbiana deteriorante no alimento, e conseqüentemente uma melhor qualidade bacteriológica dos produtos irradiados. Comparando as médias obtidas nas CBHAM e CBHAP entre os grupos irradiados e grupo controle, a redução do logaritmo de UFC de mesófilas e de psicrotróficas apresentou comportamento diferente. Em CBHAM, observou-se uma redução de dois e um ciclos logarítmicos dos grupos irradiados a 1,5 kGy e 3,0 kGy, respectivamente, sendo o grupo com maior dose de irradiação com resultado inferior ao de menor dose. Diferentemente na CBHAP, houve uma diminuição de dois ciclo logarítmicos em ambos os grupos irradiados comparados com o controle, e ainda o grupo com maior dose de irradiação obteve melhor resultado. Esses dados refletem que a dose de 1,5 kGy se mostrou mais efetiva para as bactérias mesófilas e a dose 3,0 kGy apresentou melhor dose para as psicrotróficas. Discussão Segundo Forsythe (2002), a degradação de peixes ocorre ao atingir valores de contaminação de carga bacteriana superiores a 108 /g, assim, todas as amostras encontravam-se dentro do limite estabelecido, indicando que não presenciavam índices de deterioração. Pelos padrões de limites microbiológicos da FAO (2007), pescados podem ter até 105 /g de crescimento de bactérias aeróbias mesófilas e moluscos até 5 x 105 /g de crescimento de bactérias aeróbias, o que indicaria que o grupo controle encontrava-se fora deste limite para as bactérias mesófilas. A radicidação, processamento de irradiação de alimentos com aplicação de dose entre 1 e 10 kGy, tem ação de pasteurização e é empregada em sucos de frutas, carnes e pescado retardando a deterioração dos alimentos (Evangelista, 2005). A redução bacteriana encontrada neste estudo assemelha-se ao pretendido com o processo de pasteurização. Pesquisa realizada com duas diferentes marcas com determinação de contagem média de bactérias heterotróficas aeróbias mesófilas com Loligo [sic] plei congelado na Venezuela teve como resultados 3,1 x 106 UFC/g na Marca A e 3,8 x 106 UFC/g 74 RPCV (2009) 104 (569-572) 71-75 (Briceño e Bejarano, 2007) números superiores aos encontrados no trabalho, indicando que essas amostras analisadas na Venezuela possuem um índice mais alto de contaminação. Enquanto que, no mesmo estudo venezuelano, a contagem média de bactérias heterotróficas aeróbias psicrotróficas obtiveram resultado ainda mais expressivos de 1,0 x 107 UFC/g na Marca A e 1,4 x 107 UFC/g na B que indica que essas bactérias podem deteriorar os alimentos sob congelação (Briceño e Bejarano, 2007), valores muito mais elevados do que os determinados nesse ensaio. Estudo realizado com Loligo [sic] plei armazenado em contato direto (CD) com gelo e sem contato direto (CI) com gelo, em CBHAP após um dia de captura obteve o número de 8 x 102 UFC/g de amostra. Este número teve um crescimento após 12 dias de estocagem aparecendo 5 x 106 para amostras CD e 4 x 106 UFC/g para CI (Lapa-Guimarães et al., 2005). No primeiro dia de análise Lapa-Guimarães et al. (2005) obtiveram menor contaminação desse pescado do que os desse experimento para os grupos controle e 1,5 kGy, embora no segundo exame (após 12 dias) encontraram resultados superiores que pode ser explicado porque o produto foi estocado refrigerado ao invés de congelado. Dias (2002) encontrou resultados positivos nas CBHAM e CBHAP comparando as amostras não irradiadas e irradiadas com 2,0 kGy de dose, resfriadas e congeladas de ostra-de-mangue (Crassostrea rhizophorae), constatando um crescimento muito significativo de microrganismos aeróbios mesófilos em amostras do grupo controle observando eficácia do tratamento na conservação do produto. Neste estudo, Dias (2002) verificou nas amostras congeladas uma redução média de 98,91% para as bactérias heterotróficas aeróbias mesófilas, resultado semelhante ao encontrado com dose de irradiação de 1,5 kGy nos anéis de lula, contudo, os números determinados por CBHAP na ostra-de-mangue foram em insignificante tanto para o grupo controle como para o irradiado a 2,0 kGy, diferentemente dos psicrotróficos presentes nos anéis de lula congelados. Valente (2002), em estudo da eficácia da radiação gama em mexilhões (Perna perna), encontrou nas amostras irradiadas com 2,0 kGy uma redução da carga de bactérias heterotróficas aeróbias mesófilas (57,95%) e psicrotróficas (91,18%) comparados aos altos valores encontrados no grupo controle, esta redução foi inferior ao presente estudo tanto paras as doses de 1,5 kGy quanto 3,0 kGy para mesófilos e uma redução superior a dose de 1,5 kGy aplicada aos anéis de lula e abaixo da encontrada na dose mais alta. Diferença expressiva de valores de variâncias é relatada entre os diferentes dias de estocagem em refrigeração ou congelamento nas bactérias aeróbias psicrotróficas do grupo controle e irradiadas (Dias, 2002). Este trabalho não determinou a variação de crescimento entre períodos de estocagem. Calixto FAA et al. RPCV (2009) 104 (569-572) 71-75 Conclusão de Veterinária, Universidade Federal Fluminense, 89. Evangelista J (2005). Tecnologia de alimentos. 2ª ed. Editora Atheneu (São Paulo). 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Magalhães2, Ana Margarida A. Oliveira1, Maria Cristina O. C. Coelho2, Sílvia V. Saldanha2 1 Universidade de Évora, Portugal Universidade Federal Rural de Pernambuco, UFRPE, Recife, Brasil 2 Resumo: Um canídeo, de raça Pastor Alemão, de 5 anos, recebido na clínica cirúrgica do Hospital Veterinário da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), apresentava uma fenda no palato duro, central e longitudinal, de 15 mm por 39 mm, secundária a um tumor venéreo transmissível (TVT). Após a realização de duas cirurgias reconstrutivas sem sucesso, a fenda foi encerrada com um obturador palatino em resina acrílica autopolimerizável, cuja confecção, em alginato, foi feita com base num molde da maxila do animal. O aumento do peso corporal, a ausência de sinais clínicos e a boa adaptação do paciente ao obturador confirmam a eficácia do sistema obturador palatino como alternativa à reconstrução clássica, com a utilização dos tecidos regionais, para o encerramento da fenda palatina. Palavras-chave: fenda palatina, obturador palatino, placa palatina Summary: A 5 years old, German shepherd dog, examined at the surgical services of UFRPE ´s Veterinary Hospital, presented a cleft palate, central longitudinal with 15 mm by 39 mm, secondary to transmissible venereal tumor. After two unsuccessful reconstructive surgeries, it was occluded by a polymethylmethacrylate palatal prosthesis, which was made based on the animal´s maxilla mold. The body weight increase, the lack of clinical signs and the patient´s adjustment to the prosthesis confirm the efficacy of reduction cleft palate with palatal prosthesis. Keywords: cleft palate, palatal prosthesis Introdução O palato duro separa as cavidades oral e nasal. É formado pelos ossos palatino, maxilar e incisivo. Dorsalmente é revestido por epitélio nasal e na face bucal por epitélio cornificado (Contesini et al., 2004). Tem oito a dez rugas palatinas de cada lado da rafe mediana (Ellenport, 1998). O palato duro é delimitado *Correspondência: [email protected] Tel: 93 730 36 50; Fax: 252 372 181 lateralmente pelos sulcos palatinos, caudalmente pelos forâmenes palatinos maiores e rostralmente pelas fissuras palatinas. A artéria palatina maior emerge no forâmen palatino e dirige-se rostralmente pelo respectivo sulco. Como é uma estrutura vascular fundamental para a mucosa, merece especial atenção durante os procedimentos cirúrgicos, de modo a garantir a sua integridade (Gioso e Carvalho, 2005). A fenda palatina pode ser de origem congénita ou adquirida. Constitui uma comunicação anormal entre as cavidades oral e nasal, permitindo a passagem de alimentos e líquidos para a cavidade nasal (Santin et al., 2008). As fendas palatinas adquiridas podem ser consequência de traumas, infecções crónicas, extracções dentárias ou outras odontopatias, ou ser secundárias a intervenções cirúrgicas anteriores, radioterapia ou neoplasias (Smith, 2000; Sivacolundhu, 2007). As neoplasias estão entre as principais causas de lesão óssea palatina. Contesini et al. (2004) referem que o mastocitoma, a epúlide fibromatosa, o fibrossarcoma, o fibromeloblastoma e o osteossarcoma são as neoplasias mais frequentes. O tumor venéreo transmissível (TVT) foi descrito por Papazoglou et al. (2001) como sendo causa de fenda palatina em 2 dos 6 cães presentes no seu estudo. O TVT é um tumor de células redondas, cuja disseminação ocorre principalmente por via venérea ou por transplante directo de células neoplásicas (Santos et al., 2008). Está descrito como uma patologia cosmopolita, principalmente em países tropicais e subtropicais, em que existam cães errantes (Santos e Shimizu, 2004). No Brasil, embora o TVT seja bastante frequente (Lefebvre et al., 2007), existem poucos trabalhos que avaliem estatisticamente a sua incidência (Dabus et al., 2008). Apesar da sua localização mais frequente ser o aparelho genital externo de machos e fêmeas, pode apresentar outras localizações, como o tecido subcutâ77 Silva LMR et al. neo (Santos e Shimizu, 2004), ou a cavidade nasal ou oral, justificado pelo comportamento social de lamber ou farejar a genitália externa de outros animais (Papazoglou et al., 2001; Dabus et al., 2008). Sousa et al. (2000) referem que o Labrador Retrivier, o Rottweiller, o Pastor Alemão e o Boxer, são algumas das raças mais predispostas. O diagnóstico definitivo é realizado por avaliação citológica, pois para além de ser uma técnica simples, minimamente invasiva e indolor, é realizada com rapidez e baixo custo, produz menos distorção da morfologia celular, e tem eficácia de 90 % para o diagnóstico de neoplasias (Dabus et al., 2008). O sulfato de vincristina, na dose de 0,025 mg/kg (Santos et al., 2008) ou 0,5 a 1,0 mg/m2, administrado semanalmente por via endovenosa, durante 6 a 7 semanas consecutivas, é eficaz para a regressão total do tecido tumoral, em todas as suas localizações (genital ou não) (Sousa et al., 2000; Papazoglou et al., 2001). As fendas palatinas congénitas apresentam maior incidência em raças braquicéfalas (Tobias, 2006). Uma vez que podem ser hereditárias, animais que as apresentem não devem ser utilizados como reprodutores (Griffiths e Sullivan, 2001). Segundo Hedlund (2007), as fendas palatinas adquiridas não apresentam predisposição racial, sexual ou etária. Os sinais clínicos mais frequentes são rinite, descarga nasal serosa ou mucopurulenta, tosse, espirros (Lee et al., 2006), pneumonia por aspiração e perda de condição corporal (Tobias, 2006). Várias técnicas cirúrgicas têm sido descritas para a correcção de defeitos no palato duro. Griffiths e Sullivan (2001), Contesini et al. (2004), Hedlund (2007), Sivacolundhu (2007) e Souza et al. (2007) referem a utilização de enxertos mucoperiosteais, de enxertos da mucosa palatal ou gengival ou lingual, a aplicação de próteses de resina acrílica autopolimerizável, de cartilagem auricular ou outras membranas biológicas, ou de botões para septo nasal de silicone, entre outros. Recentemente Ophof et al. (2008) realizaram um estudo sobre um implante substituto da mucosa para a correcção de fenda palatina. A utilização de próteses de resina acrílica autopolimerizável está indicada em casos de recidivas de cirurgias correctivas (Smith, 2000; Roehsig et al., 2001; Lee et al., 2006). Roehsig et al. (2001) utilizaram a resina acrílica directamente no defeito do palato do animal para a sua obliteração, enquanto que Lee et al. (2006) fixaram a prótese de resina com cola instantânea e bandas plásticas no seu paciente. As complicações mais frequentes deste tipo de cirurgia estão relacionadas com a tensão da linha de sutura, hemorragia, infecção e retracção cicatricial da ferida cirúrgica (Contesini et al., 2004). O sucesso da cirurgia reconstrutiva depende, em larga escala, da preservação da vascularização dos enxertos (Smith, 2000) e da capacidade do enxerto 78 RPCV (2009) 104 (569-572) 77-82 resistir ao stress mecânico induzido pela mastigação, deglutição e movimentação traumática permanente da língua no palato regional (Sivacolundhu, 2007). O prognóstico é favorável nos pacientes com pequenas fendas (Tobias, 2006) ou nos pacientes em que são corrigidas cirurgicamente, pois elimina-se o risco de aspiração de alimentos para a via respiratória (Silva et al., 2006). Animais que não sejam tratados cirurgicamente geralmente são eutanasiados ou acabam por morrer devido a pneumomia por aspiração (Corrêa, 2008). Descrição do caso Um canídeo, de raça Pastor Alemão, de 5 anos de idade, macho inteiro, foi referenciado para a clínica cirúrgica do Hospital Veterinário da Universidade Federal Rural de Pernambuco, por apresentar uma fenda palatina. O proprietário referiu dificuldades na alimentação do animal e os frequentes espirros e secreção nasal mucopurulenta. Três meses antes, o paciente tinha sido tratado com sulfato de vincristina devido a um tumor venéreo transmissível (TVT) localizado nas cavidades nasal e oral. Após o tratamento e remissão do TVT, os médicos veterinários que o acompanhavam verificaram a existência de uma fenda palatina, o que levou à realização de uma cirurgia reconstrutiva com um enxerto de avanço. Contudo, ocorreu a deiscência da sutura no período pós-cirúrgico. Ao exame físico, o paciente apresentava as constantes vitais dentro dos parâmetros fisiológicos e o peso corporal de 25 kg. Os exames hematológicos e as radiografias torácicas não revelaram alterações patológicas. Uma vez que o paciente não permitia um detalhado exame da cavidade oral, procedeu-se à tranquilização com acepromazina (0,1 mg/kg, IM) e atropina (0,044 mg/kg, IM). Para a anestesia administrou-se propofol (4 mg/kg, IV). Comprovou-se a presença de uma fenda central longitudinal no palato duro, de 15 mm por 39 mm (Figura 1). Recomendou-se ao proprietário a administração de alimentação pastosa e prescreveu-se ampicilina (20 mg/kg, PO, TID, 7 dias). Na segunda visita (Dia 7) realizou-se um molde para se confeccionar um obturador palatino que vedasse a fenda, até à realização de nova cirurgia reconstrutiva. O paciente foi sedado, utilizando o protocolo anteriormente referido, e entubado com sonda endotraqueal nº. 8,5. Previamente à moldagem efectuou-se uma citologia por aposição, sendo negativa para a presença de células de TVT na amostra analisada. Utilizou-se um molde individualizado preenchido com alginato. Introduziu-se o molde no fundo de saco gengivolabial até à tuberosidade maxilar, aplicando pressão no sentido ventrodorsal, até completa gelificação do alginato. Removeu-se o molde da cavidade Silva LMR et al. bucal do animal e preencheu-se com gesso pedra melhorado tipo IV, para obter o modelo de trabalho (Figura 2). Neste modelo foi aplicado isolante para resinas acrílicas (seco com jactos de ar). O obturador palatino foi confeccionado em resina acrílica autopolimerizável e com grampos de retenção ortodônticos (Figura 2). O proprietário continuou a administrar ampicilina (20 mg/kg, PO, TID, 14 dias) e alimentação pastosa. No 21º dia após a primeira consulta, procedeu-se a uma cirurgia reconstrutiva, utilizando uma membrana de pericárdio bovino conservada em glicerina a 98%, e à colocação do obturador palatino. Após pré-medicação e indução conforme acima descrito, a anestesia foi mantida com isoflurano. Para a cobertura da analgesia e antibioterapaia pré-cirúrgicas, administrou-se tramadol (2 mg/kg, IV) e ampicilina (20 mg/kg, IV). O paciente foi colocado em decúbito dorsal e procedeu-se à assepsia da fenda palatina, com clorhexidina a 2,0% e soro fisiológico, sob pressão com seringa de 10 mL, para remoção da secreção nasal mucopurulenta e dos resíduos alimentares presentes (Figura 3). Para evitar falsos trajectos colocou-se gaze cirúrgica dobrada no pós boca. Procedeu-se ao reavivamento dos bordos da fenda e fixou-se uma película de pericárdio bovino, do mesmo tamanho da fenda, através de uma sutura interrompida simples com poliglatictina 910 com triclosan (Vicryl Plus 2/0). Após obliteração da fenda, provou-se e adaptou-se o obturador. Em seguida iniciou-se o processo de remoção mecânica da placa bacteriana na face vestibular dos dentes pré-molares e molares com pedra-pomes. Este processo permitiu ainda aumentar o atrito da superfície dentária, para que aumentasse o grau de adesão do sistema obturador à região a intervencionar. De seguida, procedeu-se à lavagem com soro fisiológico e posterior fixação da placa palatina. A fixação dos grampos efectuou-se com ionómero de vidro. Depois da recuperação da anestesia, o paciente tentou remover o obturador com os membros anteriores. Verificou-se que os grampos ortodônticos interferiam com a oclusão e optou-se pela remoção da prótese para correcção dos defeitos apresentados. Foi recomendado ao proprietário, mais uma vez, a administração de alimentação líquida e fria. Prescreveu-se meloxican (0,1 mg/kg, PO, BID, 5 dias), metronidazole 125 mg e espiramicina 750.000 UI (12,5 mg/kg e 75.000 UI/kg, PO, SID, 7 dias) e higienização da cavidade oral com gluconato de clorhexidina a 0,12%, TID. Cinco dias depois, o animal regressou ao Hospital Veterinário para colocação do novo obturador palatino. O proprietário referiu que, durante este período, o animal tinha espirrado frequentemente, causando a ruptura da membrana biológica. Para a construção do novo modelo palatino, seguiram-se os mesmos princípios do anterior, sendo modificado na sua estrutura de RPCV (2009) 104 (569-572) 77-82 fixação. Neste caso, criaram-se 6 pontos de tensão (3 em cada aresta maior da placa), com fio ortodôntico duro elástico de 0,7 mm, em forma helicoidal, para garantir maior resistência da placa de resina acrílica autopolimerizável. O animal foi submetido aos mesmos procedimentos descritos anteriormente até à fixação do obturador. Os fios de cerclage 0,6 mm foram introduzidos nos pontos de tensão do obturador e nos espaços interproximais, e apertados em torno dos dentes 107, 108, 109, 207, 208 e 209 para fixar o obturador (Johnstone, 2002) (Figura 4). De forma a impedir o traumatismo da mucosa bucal, as extremidades dos fios de cerclage foram recobertas com resina composta fotopolimerizável. Utilizou-se pedra-pomes na face vestibular dos dentes prémolares e molares para aumentar o atrito e remover mecanicamente a placa bacteriana. Lavou-se com soro fisiológico e secou-se para evitar humedecimento da face dentária. Aplicou-se ácido fosfórico a 37% no esmalte dentário, por 15 s para promover o embricamento da resina fotopolimerizável. Lavou-se com soro fisiológico, secou-se a superfície e aplicou-se a resina fluída, fotopolimerizando-a em seguida. Aplicou-se a resina composta fotopolimerizável e polimerizou-se de novo. Após a remoção da sonda endotraqueal, verificou-se a perfeita oclusão dentária, comprovando que a fixação com fios de cerclage não impedia a correcta mastigação do animal. Indicou-se ao proprietário a continuação da medicação anteriormente prescrita, utilização de colar isabelino e reavaliação em 7 dias. Na reavaliação, 7 dias após a colocação do obturador, o animal tinha aumentado 1,5 kg de peso corporal e o proprietário referiu a ausência dos sinais clínicos iniciais. Para uma mais cuidadosa e segura reavaliação, realizou-se o mesmo protocolo de sedação já referido. Verificou-se que a porção cranial da fenda não estava totalmente encerrada pelo obturador, permitindo a passagem de alimentos líquidos para a cavidade nasal. Decidiu-se anestesiar o animal e corrigir o obturador palatino para perfeita obliteração da fenda. Depois de remover a cerclage dos dentes 207, 208 e 209, limpou-se o obturador, adicionou-se a resina acrílica autopolimerizável e procedeu-se ao acabamento e polimento. Voltou-se a fixar o obturador como anteriormente relatado. Indicou-se ao proprietário que seguisse os mesmos cuidados pós-cirúrgicos anteriores e agendou-se reavaliação em 15 dias. Na visita seguinte, 21 dias após a colocação do obturador, o animal apresentava ganho de 1,0 kg de peso corporal desde a última reavaliação (26,5 kg), continuava sem sinais clínicos e o seu estado geral era satisfatório. No último contacto com o proprietário (dia 36), o paciente apresentava peso corporal de 29 kg, revelando um ganho de 5 kg desde a colocação do obturador palatino modificado. 79 Silva LMR et al. RPCV (2009) 104 (569-572) 77-82 Discussão do defeito ósseo e a interdigitação do acrílico com os bordos irregulares do osso, o que favorece a sua estabilidade, mas tem como principal desvantagem a exposição dos tecidos à reacção exotérmica que ocorre durante a polimerização do acrílico (Goelzer et al., 2003). Devido à moldagem natural, após a adaptação e fixação do obturador palatino, verificou-se a existência de uma pequena fenda não encerrada pelo obturador, e que foi preenchida com resina acrílica. Segundo Lee et al. (2006), uma vez que este defeito não era funcional e o paciente não apresentava sinais clínicos, não havia necessidade de correcção do obturador. Estes autores não corrigiram o defeito no seu caso e o animal permaneceu com a prótese durante 30 meses, sem quaisquer sinais clínicos. A fixação do obturador palatino recorrendo a fio de cerclage constitui uma desvantagem desta prótese, pois é necessário anestesiar o paciente para a colocação e remoção da mesma, ao contrário da fixação adoptada por Lee et al. (2006) com cola instantânea e bandas plásticas, que permite os mesmos procedimentos com o paciente consciente. Contudo, a fixação com fio de cerclage não interfere na oclusão, sendo essa a sua principal vantagem. A alimentação pastosa ou fluida nas primeiras semanas no pós-operatório é defendida por Smith (2000), Griffiths e Sullivan (2001), Contesini et al. (2004), Silva et al. (2006) e Sivacolundhu (2007). No entanto, Roehsig et al. (2001) referem a utilização de sonda nasogástrica, orogástrica ou faringostomia, até completa cicatrização. O acesso a objectos duros que possam causar trauma, como brinquedos ou ossos, devem ser evitados (Tobias, 2006; Sivacolundhu, 2007). A administração de antibiótico no pós-operatório é importante para o êxito da reparação da fenda palatina (Contesini et al., 2004). A antibioterapia de largo espectro de acção, como a associação metronidazol e espiramicina, deve ser administrada durante 10 a 14 dias, especialmente se existirem sinais clínicos de rinite (Smith, 2000). A higiene da cavidade oral no pós-operatório deve ser realizada com gluconato de clorhexidina a 0,12%, pois, como referido anteriormente, apresenta acção antibacteriana e supressora dos mecanismos adesivos das bactérias (Goelzer et al., 2003). O uso do colar isabelino foi indicado para os primeiros dias após a colocação do obturador palatino, para evitar que o animal tentasse removê-lo com os membros anteriores. A incompatibilidade da resina acrílica com tecidos do organismo não foi encontrada na revisão de literatura, tal como descrito por Roehsig et al., 2001. No paciente não foram registadas quaisquer alterações dos tecidos em contacto com a resina acrílica. Foi recomendado o acompanhamento do paciente a cada 30 dias, para reavaliação do obturador palatino e do comportamento dos tecidos contíguos. No caso descrito, a fenda palatina surge como resultado da natureza invasiva e localmente destrutiva do TVT (Papazoglou et al., 2001). Devido à comunicação entre as cavidades oral e nasal e à possibilidade de ocorrência de pneumonia por aspiração, considera-se importante para a avaliação pré-cirúrgica a realização de radiografias torácicas, que não revelaram alterações patológicas (Lee et al., 2006). A limpeza das cavidades oral e nasal no período pré-cirúrgico é indispensável para evitar contaminação nos pontos de sutura e rinite (Silva et al., 2006). O anti-séptico mais adequado é a clorhexidina, por ter uma acção antibacteriana e supressora dos mecanismos adesivos das bactérias (Goelzer et al., 2003). A cirurgia da fenda palatina está associada a uma elevada taxa de insucesso, sendo a deiscência da sutura a complicação mais comum no pós-operatório, entre o sétimo e o décimo dias (Souza et al., 2007). Para Smith (2000) e Griffiths e Sullivan (2001), a tensão no local da sutura é a causa mais frequente de deiscência. O insucesso da correcção pode estar também relacionado com a cronicidade da fenda palatina, o estado de saúde do paciente (Souza et al., 2007) e a irritação e inflamação causadas pelo movimento da língua sobre a ferida cirúrgica (Lee et al., 2006), como ocorreu no presente caso após a cirurgia reconstrutiva com a membrana biológica. O facto do paciente ter acesso ao exterior da casa e a alimentos grosseiros e rígidos também contribuiu para a recidiva da fenda palatina. As complicações da cirurgia são minimizadas se forem considerados princípios básicos da cirurgia do palato, como refere Sivacolundhu (2007). Estes incluem: realizar enxertos de dimensões um pouco maiores que o defeito, manter a vascularização do enxerto, reavivar os bordos do tecido a suturar, evitar colocar as suturas sobre o defeito e manipular o tecido delicadamente. A escolha do tipo de fio utilizado na cirurgia de reconstrução prendeu-se com o facto de ser o fio mais adequado de entre os disponíveis no Hospital no momento da cirurgia. A utilização de uma prótese palatal foi referida por vários autores. Lee et al. (2006) consideram-na efectiva na protecção da vascularização e da ferida cirúrgica. Neste caso, o obturador palatino encerrou completamente a fenda palatina como referido por Roehsig et al. (2001). A realização de um modelo de trabalho a partir do qual se confeccionou o obturador foi referido por Lee et al. (2006), mas Roehsig et al. (2001) e Goelzer et al. (2003) moldaram a resina acrílica, na sua fase de massa plástica, directamente no defeito. Essa técnica apresenta como vantagens o completo preenchimento 80 Silva LMR et al. RPCV (2009) 104 (569-572) 77-82 Figura 1 - Mensuração de fenda palatina de canídeo, Pastor Alemão, de 5 anos de idade, do sexo masculino. Figura 2 - Modelo de trabalho em gesso pedra melhorado tipo IV e obturador palatino (seta amarela). Figura 3 - Resíduos alimentares removidos da cavidade nasal, comprovando a comunicação entre cavidades oral e nasal. Figura 4 - Obliteração da fenda palatina, secundária a TVT, com obturador palatino. O aumento do peso corporal, a ausência de sinais clínicos e a boa adaptação do paciente ao obturador confirmam a eficácia do obturador palatino modificado na redução da fenda palatina. Ellenport CR (1998). Sistema digestivo de los carnívoros. Anatomia de los animales domésticos, 5ª Edição. Tomo II. Masson S.A., 1688. Gioso M e Carvalho V (2005). 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Br 465 Km 07 s/n.Seropédica Resumo: Com o objetivo de relatar uma variação vascular não descrita anteriormente em felinos, descreve-se neste trabalho a origem comum das artérias celíaca e mesentérica cranial através de um tronco comum em três gatos, sem raça definida, machos, adultos e de porte médio. Esta variação denominada então de tronco celíaco-mesentérico já foi descrita em algumas espécies de animais domésticos, como em cães, ovinos, caprinos, bovinos, e também em humanos. Essa variação foi analisada, medida e descrita no presente trabalho. O conhecimento da presença do tronco celíaco-mesentérico em felinos contribuirá para um melhor entendimento das alterações anatômicas que possam ocorrer na vascularização abdominal desta espécie, bem como é de fundamental importância para realização de angiografias e procedimentos clínico-cirúrgicos que envolvam esta região. Palavras-chave: tronco celíaco-mesentérico, gato, variação vascular Summary: With the intention to report a vascular variation not previously noticed in felines, this article describes the single origin of the celiac and cranial mesenteric arteries through a common trunk in three adult, cross breed male cats. This vascular variation is called celiac mesenteric trunk and was already described in some species of domestic animals, such as dogs, sheep, goats, cows and also in humans. This variation was analyzed, measured and described in this report. The knowledge of the presence of the celiac mesenteric trunk in cats will contribute to a better understanding of the anatomical alterations that may occur in the abdominal vascularization, and is also important for angiographic and surgical procedures that involve this region. Keywords: cat, vascular variation, celiac mesenteric trunk Introdução Dentre os ramos viscerais da porção abdominal da aorta, as artérias celíaca e mesentérica cranial possuem grande relevância em anatomia clínico – cirúrgica e nos procedimentos angiográficos, pois são responsáveis pela irrigação de importantes vísceras *Correspondência: [email protected] como fígado, estômago, baço, pâncreas e intestinos (Nayar et al., 1983). Esses vasos emergem da face ventral da artéria aorta abdominal em sua porção mais cranial. Geralmente, a artéria celíaca origina-se logo após a passagem da artéria aorta pelo hiato aórtico do diafragma, enquanto a artéria mesentérica cranial situa-se caudalmente em relação à primeira, afastando-se por milímetros de distância (Getty, 1981; Berg, 1978; Evans e Christensen, 1979; Nickel et al., 1981; Dyce et al., 1997; Schaller, 1999; König e Liebich, 2004). Vários autores estudaram a ramificação da artéria celíaca em animais domésticos (Sleight e Thomford, 1970; Enge e Flatmark, 1972; Borelli e Boccalletti, 1974; Schmidt et al., 1980; Bednarova e Malinovsky, 1984; Machado et al., 2000; Niza et al., 2003; AbiduFigueiredo et al., 2005, 2008), demonstrando que seu arranjo e ramificações são muito variáveis e que o conhecimento exato desta variabilidade é de grande importância no estudo prático e teórico, em animais de experimentação e domésticos (Bednarova e Malinovsky, 1984). Estudos sobre as diferenças da vascularização abdominal existente entre ovinos, cães, suíno e coelhos demonstraram que as artérias celíaca e mesentérica cranial têm sua emergência separadamente uma da outra, sendo a primeira mais cranial (Nayar et al., 1983). Entretanto, na literatura existem relatos de casos em que as ambas as artérias tiveram sua origem em um único ramo denominado de tronco celíacomesentérico. Esta variação anatômica foi relatada em ovinos (Langenfeld e Pastea, 1977); bubalinos (Machado et al. 2000); caprinos (Ferreira et al. 2001); cães (Schmidti e Schoenaui, 2007) e humanos (Çavdar et al., 1997; Çiçekcibasi AE et al., 2005). Tendo em vista que esta é uma variação vascular rara em gatos, e que possui importância clínico-cirúrgica, relatamos a origem das artérias celíaca e mesentérica cranial por um tronco comum, denominado tronco celíaco-mesentérico. No decorrer das atividades práticas de dissecção realizadas nas disciplinas do Laboratório de Anatomia 83 Roza MS et al. Animal do Departamento de Biologia Animal da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), observou-se alteração na origem da artéria celíaca em três gatos. Os gatos foram posicionados em decúbito lateral direito. Em seguida, o tórax foi aberto e dissecado para evidenciação da porção torácica da artéria aorta, que foi canulada utilizando sonda plástica flexível de aproximadamente 0,4 cm de diâmetro e 10 cm de comprimento. Desse modo, o sistema arterial foi "lavado" com solução fisiológica de NaCl a 0,9%, sendo realizado a seguir a fixação com solução de formaldeído a 10% conforme técnica anatômica padrão. Os vasos foram preenchidos com solução de Petrolátex S65 corado. As peças permaneceram acondicionados em cubas com solução de formaldeído a 10% por 5 dias para polimerização do látex. Os cadáveres foram dissecados, rebatendo-se as vísceras abdominais para a evidenciação dos ramos viscerais da porção abdominal da artéria aorta. Com um paquímetro de precisão, foram obtidas medidas de largura e comprimento do tronco e de seus ramos, bem como da distância entre a emergência do tronco até a emergência da artéria renal esquerda. Todas as fotomacrografias foram obtidas com máquina digital Nikon coolpix 4300. Animal 1: Gato de aproximadamente três anos de idade, mestiço, do sexo masculino. O tronco comum denominado celíaco-mesentérico emergiu entre a segunda e terceira vértebras lombares (L2-L3). Apresentou 0,3 cm de comprimento e 0,5 cm de largura, desde a sua origem até a bifurcação nas artérias celíaca e mesentérica cranial. A artéria celíaca apresentou 0,5 cm de comprimento e 0,3 cm de largura, enquanto para a artéria mesentérica cranial as medidas foram 3,5 e 0,3 cm, respectivamente. Essa variação vascular posicionou-se a 2,4 cm da artéria renal esquerda. Os principais ramos da artéria celíaca foram a artéria hepática, seguida pela formação de um tronco comum entre as artérias gástrica esquerda e a lienal, o tronco gastro-lienal. Animal 2: Gato de aproximadamente três anos de idade, mestiço, sexo masculino. O tronco celíacomesentérico emergiu na segunda vértebra lombar (L2). Apresentou 0,4 cm de comprimento e 0,44 cm de largura, desde a sua origem até a bifurcação nas artérias celíaca e mesentérica cranial. A artéria celíaca apresentou 0,9 cm de comprimento e 0,3 cm de largura e a artéria mesentérica cranial 2,1 cm de comprimento e 0,34 cm de largura. Essa variação vascular posicionou-se a 2,2 cm da artéria renal esquerda. Os principais ramos da artéria celíaca observados foram a artéria hepática, seguida pela formação de um tronco comum entre as artérias gástrica esquerda e a lienal, o tronco gastro-lienal. Animal 3: Gato de aproximadamente 4 anos de idade, mestiço, sexo masculino. O tronco comum denominado celíaco-mesentérico emergiu na terceira 84 RPCV (2009) 104 (569-572) 83-86 Figura 1 - Fotomacrografia da origem comum entre as artéria celíaca (ac) e a artéria mesentérica cranial ( amc ) formando o tronco celíacomesentérico (tcm) no animal 1. aa = artéria aorta ; tcm= tronco celíaco-mesentérico ; amc = artéria mesentérica cranial; ac = artéria celiaca; ah = artéria hepática; tgl = tronco gastro-lienal ; age = artéria gástrica esquerda; al = artéria lienal. vértebra lombar (L3). Apresentou 0,3 cm de comprimento e 0,4 cm de largura, desde a sua origem até a bifurcação nas artérias celíaca e mesentérica cranial. A artéria celíaca apresentou 0,5 cm de comprimento e 0,3 cm de largura e a artéria mesentérica cranial 3,1 cm de comprimento e 0,3 cm de largura. Essa variação vascular posicionou-se a 2,2 cm da artéria renal esquerda. Os principais ramos da artéria celíaca observados foram a artéria hepática, seguida pela formação de um tronco comum entre as artérias gástrica esquerda e a lienal, o tronco gastro-lienal. Discussão Embora vários autores tenham descrito com uniformidade a artéria celíaca e os seus ramos, este vaso apresenta freqüentes variações, que podem ocorrer em todos os níveis (Niza et al., 2003). Em relação ao local da origem, o tronco celíacomesentérico emergiu da porção ventral da aorta abdominal, próximo ao hiato aórtico do diafragma, concordando com os resultados obtidos por outros autores, que estudaram o comportamento da artéria celíaca em outros mamíferos e relataram que ambas as artérias celíaca e mesentérica cranial emergem da face ventral da aorta abdominal (Kennedy and Smith, 1930; Sleight and Thomford, 1970; Enge and Flatmark, 1972; Berg, 1978; Evans and Christensen, 1979; Schmidt et al., 1980; Getty, 1981; Nickel et al., 1981; Bednarova and Malinovsky, 1984; Dyce et al., 1997; Schaller, 1999; Niza et al., 2003; König e Leibich, 2004; Abidu-Figueiredo et al., 2005, 2008). Machado et al. (2000) porém relatam que a origem da artéria celíaca em fetos de bubalinos ocorre em nível da aorta torácica, independentemente da artéria Roza MS et al. RPCV (2009) 104 (569-572) 83-86 Figura 3 - Fotomacrografia da origem comum entre a artéria celíaca (ac) e a artéria mesentérica cranial (amc) formando o tronco celíaco-mesentérico (tcm) no animal 3. aa = artéria aorta; tcm = tronco celíaco-mesentérico; amc = artéria mesentérica cranial; ac = artéria celiaca; ah = artéria hepática; tgl = tronco gastro-lienal; age = artéria gástrica esquerda; al = artéria lienal. Figura 2 - Fotomacrografia da origem comum entre a artéria celíaca (ac) e a artéria mesentérica cranial (amc) formando o tronco celíaco-mesentérico (tcm) no animal 2. aa = artéria aorta; tcm = tronco celíaco-mesentérico; amc = artéria mesentérica cranial; ac = artéria celiaca; ah = artéria hepática; tgl = tronco gastro-lienal; age = artéria gástrica esquerda; al = artéria lienal. mesentérica cranial. Variações na forma da emergência da artéria celíaca têm sido relatada em outros mamíferos, como a presença do tronco celíaco-mesentérico formado pela artéria celíaca e mesentérica cranial em ovinos (Lancenfeld e Pastea, 1977), búfalos (Machado et al., 2000), caprinos (Ferreira et al., 2001), bovinos azebuados (Peduti Neto e Santis Prada, 1970), cães (Schmidti e Schoenaui, 2007) e humanos (Çavdar et al., 1997; Çiçekcibasi AE et al., 2005). Ainda no homem uma ocorrência rara tem sido verificada, que é a formação de um tronco único denominado tronco celíaco-bimesentérico, formado pelas artérias celíaca, mesentérica superior e mesentérica inferior (Bergman et al., 1988; Nonent et al., 2001). Variações anatômicas, raridades e má formações são achados clínicos pouco freqüentes, e como os próprios nomes sugerem, fogem do padrão pré-estabelecido para a espécie em questão, aquele que ocorre com maior freqüência, claramente conhecido como normal. Na tentativa de adotar uma nomenclatura mais esclarecedora possível, será considerada variação aquela alteração morfológica ou topográfica de certo órgão, desde que não altere sua fisiologia (Sykes et al., 1963), embora Willam e Humpherson (1999) correlacionem estas variações com predisposições à certas enfermidades. Já Sanudo et al. (2003), afirmam que anomalias e má formações acarretam de alguma forma alterações na fisiologia do órgão. De acordo com Didio (1998), pode ser considerada raridade toda estrutura que ocorra com uma freqüência de 1 a 2% dentro de uma população. Estudos complementares com número maior de animais podem esclarecer em que situação se enquadra os gatos. A observação da emergência comum das artérias celíaca e mesentérica cranial por um tronco comum observado em gato diverge da origem individualizada dessas artérias mencionada por Getty (1981), Nickel et al. (1981) e Dyce et al. (1997). Conclusão A emergência das artérias celíaca e mesentérica cranial por tronco comum em gatos é um achado importante, pois esta variação, mencionada por diversos pesquisadores em outras espécies, é rara em gatos. A existência do tronco celíaco-mesentérico nessa espécie tem importância significativa do ponto de vista clínico-cirúrgico, com aplicabilidade prática nos procedimentos que envolvam a vascularização 85 Roza MS et al. da região abdominal. Além disso, estudos futuros, baseados na freqüência da aparição dessa alteração vascular, poderão elucidar a sua classificação, sendo considerada raridade ou variação anatômica, proporcionando a inclusão do assunto nos compêndios de anatomia veterinária comparativa. Bibliografia Abidu-Figueiredo M, Dias GP, Cerutti S, Carvalho-deSouza B, Maia RS, Babinski MA (2005).Variations of celiac artery in dogs: anatomic study for experimental, surgical and radiological practice. International Journal of Morphology, 23(1), 37-42. 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Rodrigues Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF Hospital Veterinário da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro Campos dos Goytacazes/RJ – Brasil Summary: Bugios as well as other species of the Brazilian fauna, are animals of wide geographic range which have been included in the endangered species list. In Brazil, these monkeys can be found in the Atlantic Forest, between the states of Bahia and Rio Grande do Sul. They are also known as guariba or barbado according to the region they live. This report describes a high voltage wire electric shock accident that burned the left anterior limb of a six-month old bugio (Allouatta fusca) that took place in the region of Campos dos Goytacazes/RJ. After a clinical evaluation of the limb, loss of sensibility in the arm and forearm affected area was diagnosed, accompanied by a loss of muscular mass and overall superficial necrosis. The muscle-skeleton damage to that member required its amputation. After the animal recovery, it was reintegrated into its natural habitat without any adaptation problems. Keywords: Bugio, Alouatta fusca, electric shock, burn Resumo: Os Bugios, bem como outras espécies da fauna brasileira, são animais de distribuição geográfica ampla, que foram incluídos na lista de espécies ameaçadas. No Brasil, esses macacos podem ser encontrados na Mata Atlântica, entre os estados da Bahia e Rio Grande do Sul. Eles também são conhecidos como guariba ou Barbado, segundo a região em que vivem. Este relato descreve um acidente por choque elétrico em fio de alta tensão que queimou o membro anterior esquerdo de um bugio (Allouatta fusca) de seis meses de idade na região de Campos dos Goytacazes / RJ. Após uma avaliação clínica do membro afetado, foi diagnosticada a perda de sensibilidade no braço e antebraço e a área foi acompanhada por perda de massa muscular e necrose superficial global. Devido ao dano ao músculo-esquelético foi necessária a amputação do membro. Após a recuperação do animal, este foi reintegrado ao seu habitat natural, sem quaisquer problemas de adaptação. Palavras-chave: Bugio, Alouatta fusca, choque elétrico, queimaduras *Correspondência: [email protected] Bugios are primates placed in the family Cebidae, genus Alouatta, which occupy a large geographic area from Mexico to Argentina. In Brazil they can be found in the Atlantic Forest, from the state of Bahia up to the state of Rio Grande do Sul, and they receive different names, guariba or barbado, according to the region they inhabit (Silva, 1994; Silva et al., 1996). There are two subspecies known in Brazil, the Alouatta fusca fusca, in the south part of the state of Bahia through Espírito Santo, and Alouatta fusca clamitans, found in the south of Espírito Santo up to the state of Rio Grande do Sul and farther to the north of Argentina (Buss et al., 1997). As many other species of the Brazilian fauna, the bugio is part of the list of endangered species (IBAMA, 1989; Fonseca et al., 1994). Their habitat is distributed along the most populated areas of the country, jeopardizing its survival due to hunting, deployment of their environment and accidental killing in areas next to the cities. The ever expanding urban areas, mainly those related to non planed or illegal human settlements, is the most common cause of devastation of these monkeys’ habitats (Buss et al. 1997). The negative impact becomes worse because the capture of bugios for pets is a common practice, since finding young orphan monkeys occurs frequently. They are also victims of dog attacks, electrocution and gun shots. Bugios are herbivore, thus their diet is made up of fruit, leaves, seeds and flowers. They are mostly active during the day and have the vocal communication as their main characteristic. Like other species of the genus Alouatta, bugios have large bodies, prehensile tails and hairless faces. Male monkeys have a reddishbrown color shifting to gold on the back and their beards might be red or black. The females are usually paler in color, going from dark brown to light yellow 87 Petrucci MP et al. (Buss et al., 1997; Chiarrelo, 1992). Aside from the differences between primates and humans, there are similarities in the body structure related to posturing and to the existence of five fingers on each hand (Champneys, 1871; Di Dio et al., 2003). Differences in structure, location, origin and insertion of some muscles reflect the diversity among species (AversiFerreira et al., 2005 e 2006). Different species of primates that live in distinct areas, there can be found muscles of same anatomy and function, as in the pronator quadratus that assists in pronation of the forearm and hand (Champneys, 1871). In September of the year 2006, a six-month old bugio (Alouatta fusca) was conducted to the Veterinary Medical Center at UENF, the northern Rio de Janeiro state university veterinary hospital. The animal had severe electrical burns on its left anterior member, caused by high voltage electrical wire contact. That monkey was found fainted on the ground, in a private rural land, within the vicinities of Imbé, in the city of Campos dos Goytacazes/RJ. According to what the people who found it said, the animal had the first aid procedures done in a veterinary clinic. The injuries, caused by the electrical shock, were cleansed and administered of enrofloxacin oral solution. The medication was administered for ten days showing no obvious results. After that period, the bugio was taken to the Wild Animal Research Center, "Núcleo de Estudos e Pesquisa de Animais Selvagens – NEPAS", at UENF. At the first physical examination the animal showed signs of severe dehydration, anorexia, apathy, tachycardia and body temperature close to 37.9 ºC. A clinical evaluation of the injured member indicated a low temperature and any movements in the fingers, lack of sensitivity on the arm and forearm, loss of muscle mass, dispersed superficial necrosis, pus and exposed epiphyses of the radius and ulna bones. Blood and urine samples were collected and analyzed. The evaluation of the biochemical compounds of the blood, including the plasma, did not reveal any important alterations, but confirmed the severe dehydration condition. Excrement examination by sedimentation showed no endoparasites eggs. A macroscopical examination of the wounded area showed muscle-bone injuries throughout the carpus region up to the body of the humerus. Superficial and deep muscle layer damages in the medial and lateral regions of the limb were also observed (Figure 1). Parts of the humerus, radius, ulna, the carpus bones and the interosseous ligaments of the forearm radioulnar, dorsal, lateral collateral and medial collateral radiocarpal, ulnocarpal palmar and accessory metacarpal - were affected as well, characterizing an overall lesion of the member. The bugio, who weighed 1 kg, was anesthetized with cetamin (7.0 mg/kg) and diazepam (0.5 mg/kg), followed by the debridement of the wounds. After 88 RPCV (2009) 104 (569-572) 87-90 Figure 1 - Superficial and deep muscle layer damages in the medial and lateral regions of the limb of a bugio. doing the debridement of the injuries, necrotic tissue, they were covered with bandages impregnated with ointment containing silver sulfadiazine. The next step was the administration of enrofloxacin oral solution (5 mg/kg), once a day, during ten days and banamine (0.5 mg/kg), IM once a day for four days. The first evaluation took place after seven days, being necessary a new debridement procedure. The treatment, including the bandage, was carried out for twenty one days. Since the wounds were not healed after that period of time, the animal was sent to the surgery center for the amputation of the affected limb (Figure 2). Intramuscular cetamin (15 mg/kg) and diazepam (1 mg/kg) were administered for the bugio to undergo surgery, being necessary, afterwards, intravenous cetamin (2 mg/kg). For maintenance, isoflurane administration was initiated, set at universal calibration. The limb was amputated near the umeral-radioulnar articulation (Figure 2). As for the post-surgical treatment, carprofen was prescribed (4 mg/kg once a day for five days), enrofloxacine (5 mg/kg once a day for ten days), both PO, and rifocin was sprayed over the surgery wound for ten days. After the tenth day, the Figure 2 - Amputation of the affected limb in the surgery center. Petrucci MP et al. stitches were removed and the proper cicatrisation, according to the elapsed time, could be observed. The surgical cut borders joined without the need for post treatment. Choosing to amputate part of the limb was a decision made because of the extent of the area affected by the lesions - necrosed areas, muscular degeneration and ligament ruptures - which were the cause of lost of sensitivity on the extremity of the member (Figure 2). Once amputated, the bugio was placed into a natural habitat in the private propriety where it was first found and was taken care of by the people of the area, who gave it the right food and water. Its adaptation to a life without one of the limbs, even living in the treetops, was surprisingly faster considering the period between the animal’s release, after the surgery, and the time it was last seen back into the propriety. The main concern about the survival of wild animals with amputated limbs is about post-surgical stress and adapting to new circumstances. The bugio was adopted by the owner of the hotel "Bicho Souto", located in an area of environmental preservation, where it is being fed and monitored over the past three years (1095 days) and were not observed stress behaviors, demonstrating a positive adaptation to the new situation. The animal reported has completely adapted to limb loss, managing to get around without difficulty (Figure 3) with the help of the tail for over- Figure 3 - Bugio viewing the left limb amputated, three years after the amputation surgery. coming obstacles (Figure 4). The surgical wound and burn achieved a satisfactory outcome, only still remaining the presence of alopecia in the burn area. Other cases have been reported with success, a deer (Mazana gouazoubira) with amputated forelimb was observed for thirty days, adapting well to amputation (Quessir, 1993). A wolf with amputation of the right forelimb was observed for ten months and no clinical complications were noted (Carissimi et al., 2005) and a southern tamandua (Tamandua tetradactyla) showed good recovery from ambulation, appetite and response to external stimuli after 45 days of surgery (Robinson et al., 2009). RPCV (2009) 104 (569-572) 87-90 Figure 4 - Animal with the left limb amputated using the tail as a support and moving in telephone wires at the Hotel. Bibliography Aversi-Ferreira TA, Aversi-Ferreira RA, Glória MF, Silva Z, Gouvêa-E-Silva LF, Penha-Silva N (2005). Estudo anatômico de músculos profundos do antebraço de Cebus apella (Linnaeus, 1766). Acta Sci Biol Sci Maringá, 27(3), 297-301. Aversi-Ferreira TA, Vieira LG, Pires RM, Silva Z, PenhaSilva N (2006). Estudo anatômico dos músculos flexores superficiais do antebraço no macaco Cebus apella. Biosci J, Uberlândia, 22(1), 139-144. 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