Vol. 18, nº 3, Setembro 2009 18| 3 Revista do Hospital de Crianças Maria Pia | Departamento de Ensino, Formação e Investigação | Centro Hospitalar do Porto Ano | 2009 Volume | XVIII Número | 03 Directora | Editor | Sílvia Álvares; Directora Adjunta | Associated Editor | Margarida Guedes Presidente do CA do Centro Hospitalar do Porto, EPE | Director | Pedro Esteves Corpo Redactorial | Editorial Board Artur Alegria, MJDinis - CHP; Carmen Carvalho, MJDinis CHP; Conceição Mota, H Maria Pia - CHP; Laura Marques, H Maria Pia - CHP; Miguel Coutinho, H Maria Pia - CHP; Rui Chorão, H Maria Pia - CHP Editores especializados | Section Editors Artigo Recomendado – Helena Mansilha, H Maria Pia - CHP; Maria do Carmo Santos, H Maria Pia - CHP; Tojal Monteiro, ISCBAS Perspectivas Actuais em Bioética – Natália Teles, INSRJ-INSA Pediatria Baseada na Evidência – Luís Filipe Azevedo, FMUP; Altamiro da Costa Pereira, FMUP A Cardiologia Pediátrica na Prática Clínica – Abílio Reis, CHP; António Marinho, HUC; Fátima Pinto, HS Marta; Maria Ana Sampaio, H Cruz Vermelha; Maria João Baptista, HS João; Paula Martins, H Pediátrico de Coimbra; Rui Anjos, HS Cruz; Sílvia Álvares, H Maria Pia; Ciclo de Pediatria Inter-Hospitalar do Norte – Armando Pinto, IPO; Carla Carvalho, HSMMaior; Conceição Santos Silva, CHPVVC; Fátima Santos, CHVNG-Espinho; Fernanda Manuela Costa, HSAntónio-CHP; Helena Jardim, HS João; Isolina Aguiar, CHAA; Joaquim Cunha, CHVS; Miguel Costa, CHEDV; Rogério Mendes, MJDinis - CHP; Rosa Lima, H Maria Pia - CHP; Sofia Aroso, HPHispano; Sónia Carvalho, CHMA; Susana Tavares, HS Sebastião - CHAA Caso Endoscópico – Fernando Pereira, H Maria Pia - CHP Caso Estomatológico – José Amorim, H Maria Pia - CHP Genes, Crianças e Pediatras – Esmeralda Martins, H Maria Pia - CHP; Margarida Reis Lima, INSRJ-INSA Caso Radiológico – Filipe Macedo, SMIC Pequenas Histórias – Margarida Guedes, HSAntónio - CHP Coordenação Técnica | Editorial Coordenation Margarida Lima, HSA - CHP Conselho Técnico | Consultant Gama de Sousa, H Maria Pia - CHP Conselho Científico Nacional | | National Scientific Board - Agustina Bessa Luís, H Maria Pia - CHP - Almerinda Pereira, HS Marcos - Álvaro Aguiar, FMUP, HS João - Ana Maria Leitão, HSM Maior - Ana Maria Ribeiro, CHEDV - Ana Ramos, H Maria Pia - CHP - António Lima, CHEDV - António Martins da Silva, ICBAS - António Vilarinho, CHVNG - Espinho - Arelo Manso, H Vila Real - CHTMAD - Arlindo Oliveira, HF Zagalo - Braga da Cunha, H Pe Américo - CHTS - Carlos Duarte, H Maria Pia - CHP - Cidade Rodrigues, H Maria Pia - CHP - Clara Barbot, H Maria Pia - CHP - Conceição Casanova, H Póvoa de Varzim - CHPV-VC - Eloi Pereira, H Maria Pia - CHP - Eurico Gaspar, HS Pedro - CHTMAD - Fátima Praça, CHVNG - Filomena Caldas, H Maria Pia - CHP - Gama Brandão, HS Oliveira - CHAA - Gonçalves Oliveira, H Famalicão - CHMA - Henedina Antunes, HS Marcos - Ines Lopes, CHVNG - Espinho - José Barbot, H Maria Pia - CHP - José Carlos Areias, FMUP, HS João - José Carlos Sarmento, CHVS - José Castanheira, HS Teotónio - José Cidrais Rodrigues, HPHispano - José Pombeiro, MJDinis – CHP - Lopes dos Santos, HPHispano - Lucília Norton, IPO - Luís Januário, H Pediátrico de Coimbra - Luís Lemos, H Pediátrico de Coimbra - Luís Vale, HS António - CHP - Manuel Salgado, H Pediátrico de Coimbra - Manuela Selores, HS António - CHP - Marcelo Fonseca, HPHispano - Margarida Lima, HS António - CHP | ICBAS - Margarida Medina, HS António - CHP - Maria Augusta Areias, MJDinis – CHP - Maria Salomé Gonçalves, H Maria Pia - CHP - Miguel Taveira, H Maria Pia - CHP - Nuno Grande, ICBAS - Octávio Cunha, HS António - CHP - Óscar Vaz, H Mirandela - CHN - Paula Cristina Ferreira, HS António - CHP - Pedro Freitas, HS Oliveira - CHAA - Raquel Alves, H Maria Pia - CHP - Rei Amorim, HS Luzia - CHAM - Ricardo Costa, H Pêro da Covilhã, CHCV - Rodrigues Gomes, F Calouste Gulbenkian - Rosa Amorim, H Maria Pia - CHP - Rui Carrapato, HS Sebastião Secretariado Administrativo | Secretary Conselho Científico Internacional | | International Scientific Board www.hmariapia.min-saude.pt - Allan de Broca (Amiens), Hôpital Nord - Anabelle Azancot (Paris), Hôpital Robert Debré - D. L. Callís (Barcelona), Hospitals Vall d’Hebron - F. Ruza Tarrio (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Francisco Alvarado Ortega (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - George R. Sutherland (Edinburgh), University Hospital - Harold R. Gamsu (Londres), Kings College Hospital - J. Bois Oxoa (Barcelona), Hospitals Vall d’Hebron - Jean François Chateil (Bordeaux), Hôpital Pellegrin - José Quero (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Juan Tovar Larrucea (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Juan Utrilla (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Peter M. Dunn (Bristol), University of Bristol Os trabalhos, a publicidade e a assinatura, devem ser Carolina Cortesão Paulo Silva Publicação trimestral resumida e indexada por EMBASE / Excerpta Médica; Catálogo LATINDEX Design gráfico bmais comunicação Execução gráfica e paginação Papelmunde, SMG, Lda Vila Nova de Famalicão ISSN 0872-0754 Depósito legal n° 4346/91, anotada no Ministério da Justiça em 92.04.24 Tiragem 2.500 exemplares Autorização CTT DE 0005/2005 DCN Propriedade, Edição e Administração Hospital de Crianças Maria Pia, DEFI Centro Hospitalar do Porto Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto tel: 226 089 900; fax: 226 000 841 dirigidos a Coordenação da Revista Nascer e Crescer Hospital de Crianças Maria Pia Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto tel: 226 089 900; telemóvel: 915 676 516 [email protected] Condições de assinatura Anual Nacional (4 números) – 40 euros Anual Estrangeiro (4 números) - 80 euros Número avulso - 12 euros Rua da Boavista, 713 – 4050-110 PORTO Tel. 222 081 050 [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia índice ano 2009, vol XVIII, n.º 3 número3.vol.XVIII 143 Editorial 144 Editorial Convidado 146 Casos Clínicos Sílvia Álvares Tojal Monteiro Abcesso Hepático Amebiano na Criança: Caso Clínico Ana Pinheiro, Raquel Ferreira, Ana Leça 149 Lúpus Erimatoso Neonatal Hugo Braga-Tavares, Lia Ramos, Marika Bini-Antunes, José Barbot, Conceição Rosário, Miguel Taveira 152 Síndrome de Turner, Várias Formas de Apresentação da Mesma Doença Ana Pinheiro, Laura Martins, Isabel Fernandes de Pediatria Inter-Hospitalar 156 Ciclo do Norte Encefalomielite Aguda Disseminada – Evolução Atípica Gisela Silva, Teresa Mesquita Guimarães, Telma Barbosa, Lurdes Morais, Fernanda Marcelino, Inês Carrilho, Rosa Amorim, Virgílio Senra 160 Artigo Recomendado 163 165 Cardiologia Pediátrica na Prática 167 AClínica Helena Ferreira Mansilha Tojal Monteiro Maria do Carmo Santos Estenose da Artéria Renal em Pediatria – a Propósito de Um Caso Clínico Susana Groen Duarte, Mónica Marçal, Margarida Lobo Antunes, Ana Teixeira, Rui Anjos, Gustavo Rodrigues 171 Qual o seu Diagnóstico? Caso Dermatológico Tiago Torres, Iolanda Fernandes, Manuela Selores 173 Caso Estomatológico José M. S. Amorim 175 Caso Radiologico Filipe Macedo 177 Genes, Crianças e Pediatras Patrícia Nascimento, Márcia Martins, António Pereira, Esmeralda Martins NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Reunião do Hospital de Crianças S179 XXI Maria Pia – Resumo das Intervenções S180 Controvérsias em Nefro-urologia Infecções de Trato Urinário Célia Madalena S181 Nefropatia de Refluxo Carmen do Carmo S185 Criança Alérgica – mesa redonda Alergia Alimentar Leonor Bento S189 Alergia a Fármacos Eva Gomes S191 Controvérsias: Crio Preservação de Células do Cordão Umbilical S193 Conferência S194 Actualidades na Alimentação – mesa redonda Argumentos Contra Susana Roncon Alimentação – Experiências Precoces, Impacto Futuro Gonçalo Cordeiro Ferreira Diversificação Alimentar Ricardo Ferreira S195 Alimentação no Prematuro Ana Cristina Braga S199 Vegetarianismo Leonor Sassetti S202 Alimentação em Situações Especiais – mesa redonda S208 Adolescência – Desafios Actuais – mesa redonda Dislipidémia Helena Ferreira Sexualidade na Adolescêmncia Luís Pimentel S209 As Tribos Urbanas Helena Sousa S215 Conferência: Organização de uma consulta de adolescentes A Consulta do Adolescente Carlos Figueiredo Resumo das Comunicações Orais S216 S225 237 Normas de Publicação Resumo dos Posters NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia summary ano 2009, vol XVIII, n.º 3 number3.vol.XVIII 143 Editorial 144 Invited Editorial 146 Case Reports Sílvia Álvares Tojal Monteirot Amebic Liver Abscess in Children: Case Report Ana Pinheiro, Raquel Ferreira, Ana Leça 149 Neonatal Lupus Hugo Braga-Tavares, Lia Ramos, Marika Bini-Antunes, José Barbot, Conceição Rosário, Miguel Taveira 152 Turner Syndrome, Several Presentations of the Same Disease Ana Pinheiro, Laura Martins, Isabel Fernandes 156 Paediatric Inter-Hospitalar Meeting Acute Disseminated Encephalomyelitis- Atypical Outcome Gisela Silva, Teresa Mesquita Guimarães, Telma Barbosa, Lurdes Morais, Fernanda Marcelino, Inês Carrilho, Rosa Amorim, Virgílio Senra 160 Recommended Article 163 165 Cardiology in Clinical 167 Paediatric Practice Helena Ferreira Mansilha Tojal Monteiro Maria do Carmo Santos Renal Artery Stenosis – Case Rreport Susana Groen Duarte, Mónica Marçal, Margarida Lobo Antunes, Ana Teixeira, Rui Anjos, Gustavo Rodrigues 171 What is your diagnosis? Dermatology Case Tiago Torres, Iolanda Fernandes, Manuela Selores 173 Oral Pathology Case José M. S. Amorim 175 Radiological Case Filipe Macedo 177 Genes, Children and Paediatricians Patrícia Nascimento, Márcia Martins, António Pereira, Esmeralda Martins NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Meeting of Children’s Hospital S179 XXI Maria Pia – Abstracts S180 Controversies in Nephro- Urology Urinary Tract Infections Célia Madalena S181 Reflux Nephropathy Carmen do Carmo S185 The Allergic Child – round table Food Allergy Leonor Bento S189 Drug Allergy Eva Gomes S191 Cryopreservation of Umbilical Cord Haematopoietic Stem Cells S193 Conference S194 Advances in Nutrition – round table Arguments Against Susana Roncon Nutrition – Early Experiences and Future Impact Gonçalo Cordeiro Ferreira Diversification of Infant Nutrition Ricardo Ferreira S195 Nutrition in the Preterm Newborn Ana Cristina Braga S199 Vegetarian Diets Leonor Sassetti S202 Nutrition in Special Conditions – round table S208 Adolescence – Present Challenges Dyslipidemia Helena Ferreira Adolescent Sexuality Luís Pimentel S209 Urban Tribes Helena Sousa S215 Organization of Ambulatory Care for Adolescents Care for Adolescents Carlos Figueiredo S216 S225 237 Instructions for Authors Oral Presentations – abstracts Posters Presentations – abstracts NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 editorial A XXI Reunião Anual do Hospital de Crianças Maria Pia/CHP está em curso. Dado o seu longo historial, nível científico e elevado número de participantes, tem um lugar importante no âmbito das reuniões médicas nacionais. Como habitualmente o programa científico foi elaborado de acordo com as propostas expressas pela maioria dos Serviços de Pediatria do norte do país, representando um trabalho de equipa notável. Elaborámos um programa sólido e equilibrado que vai ao encontro das necessidades de actualização e debate da grande maioria dos profissionais dedicados à assistência pediátrica. Os temas focados no âmbito da nefro-urologia, das doenças alérgicas, da genética, da nutrição e da adolescência constituem desafios da prática clínica diária. As sessões interactivas permitem sempre uma dinamização da discussão e despertam muito interesse em todos os participantes. Este ano introduzimos no programa dois cursos pré-congresso: O curso de Suporte de Vida Pediátrico, organizado em colaboração com o GRP (creditado pelo CPR e ERC) vem preencher algumas lacunas na actualização médica e é hoje uma ferramenta fundamental na formação pós graduada. Também conseguimos inovar com a realização do Curso de Técnicas de Comunicação de Sucesso, uma área cada vez mais exigente e que pretende melhorar as nossas capacidades de transmissão do conhecimento. Finalizamos com o curso de Cardiologia na Prática Clínica, interactivo, de âmbito prático, cujo programa foi especialmente pensado para os internos complementares no sentido de desenvolverem competências na abordagem da criança com doença cardíaca. Queremos que, a par de um programa científico de elevado nível técnico, a XXI Reunião do Hospital de Crianças Maria Pia seja um espaço de encontro, de convívio, de troca de experiências, de convergência de saberes e de festa. Contamos com a participação e colaboração de todos os colegas e com a indispensável parceria da Industria Farmacêutica, para que esta reunião seja um sucesso. Os nossos agradecimentos a todos. Sejam bem-vindos à XXI Reunião do Hospital de Crianças Maria Pia Sílvia Álvares editorial 143 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 editorial Quando vacas saíam do corpo convidado de quem era vacinado… Berkeley, Inglaterra, 14 de Maio de 1796. A história da medicina e a da humanidade estão prestes a mudar. Poucos o sabiam, se calhar só um, ou talvez nem ele. Mas ele tinha esperança. Acreditava. Depois de 20 anos de observações criteriosas através de uns olhos que por tão bem verem o comportamento de aves (cucos) já lhe tinham dado um prémio científico…depois de 20 anos a ver por olhos premiados…será que eles iriam traí-lo? Não, não vão. Ele era Jenner. Sim o “Jenner”…lembram-se deste nosso extraordinário e fascinante colega, é claro. Pois é, a história da humanidade quando muda mesmo, tem médicos, entre outros, como agentes da mudança. Foram precisos 20 anos, a ver, com olhos de ver, a olhar incertezas que terão de virar certezas. E assim foi. Tinha que ser, pois a ferramenta que muda para melhor, o curso da humanidade, tinha-a ele, a ciência… Dois anos depois o mundo pode ler o livro “Um Inquérito às Causas e Efeitos da Vacina da Varíola. O autor, Jenner escreveu: “Para mais rigorosamente observar o progresso da infecção eu se- leccionei um rapaz saudável, com cerca de oito anos, com o propósito de o fazer inocular com cow-pox. A matéria foi tirada de uma ferida da mão de uma leiteira, infectada pelas vacas do seu patrão, e foi inserida no dia 14 de Maio de 1796, no braço do rapaz por meio de duas escoriações superficiais, penetrando levemente a cútis, cada uma com cerca de 2,5 cm de comprimento. No sétimo dia queixou-se de incómodo na axila e no nono, ele ficou um pouco arrepiado, perdeu o apetite, e teve uma leve dor de cabeça. Durante todo este dia ele estava notoriamente indisposto, e passou a noite levemente agitado, mas no dia seguinte estava perfeitamente bem…De modo a ter a certeza se o rapaz… estava em segurança do contágio da varicela, ele foi inoculado no primeiro de Julho seguinte com matéria variolosa, retirada no imediato de uma pústula. Várias punções e incisões ligeiras foram feitas em ambos os braços, e a matéria foi cuidadosamente inserida, mas nenhuma doença se seguiu…Vários meses mais tarde ele foi de novo inoculado com matéria The Cow-Pock, or the wonderful effectsof the new inoculation! James Gilray, 1809 144 editorial convidado variolosa, mas nenhum sensível efeito foi produzido na constituição.” Aqui está um relato de um trabalho científico com mais de 100 anos, com a metodologia de hoje: objectivo, material e métodos, resultados e conclusões. O rapaz, o grande herói da mudança da história, chamava-se James Phipps e a leiteira Sarah Nelmes. (Houve um outro rapaz, herói, nestas andanças revolucionárias. Chamava-se Joseph Meister, tinha nove anos, estava condenado à morte por ter sido mordido por um cão raivoso, às 8 h do dia 4 de Julho de 1885, mas Pasteur retirou-o do corredor. E anunciou o feito, oficialmente, em 26 de Outubro seguinte, numa comunicação na Academia de Ciência de Paris). No livro História de Epidemias na Bretanha (1894), o autor, Creighton escreveu: “ela abandona primeiro as classes ricas, depois abandona as aldeias, depois abandona as cidades da província para abandonar o próprio centro da capital; ao mesmo tempo ela vai abandonando lactentes e crianças”. Calcula-se que a varíola levou 60 milhões de vidas na Europa, no Século XVIII! Como se reagiu à solução apontada para esta calamidade social? A inteligência aproveitou o saber: Napoleão fez vacinar os seus exércitos; e a maledicência também, denegrindo-a com o cartaz das vacas a sair do corpo dos vacinados. Mas a saga das vacinas continuou. Quando se perguntava a um Chinês, quantos filhos é que tinha, respondia, com a sabedoria que se lhes reconhece: deixa passar primeiro o sarampo. Depois sim, contava os filhos, 2 ou 3 ou 0 de oito… E o que se dizia, lembrar-se-ão os mais idosos, nos anos 60-70 do século passado? Vacinar contra o sarampo? Cuidado, virão pan-encefalites …. Elas não vieram, o sarampo foi-se e os Chineses já contam os filhos (agora muito poucos… mas não esperam pelo sarampo…). NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 No final dos anos 20 do século passado, um avô deste H1N1 levou 50 a 60 milhões de vidas. O neto não terá tal curriculum, nem que se pareça. Primeiro, porque, e o mais importante, não é tão virulento, depois, porque há outros cuidados médicos, e outra sabedoria, onde a estrela é a vacina. Que se ouve dizer da vacina? De um lado a sua utilidade, eficácia e boa tolerância, como o afirmam organismos e peritos credíveis, da OMS, à Direcção Geral da Saúde, passando pelo ACIP, pela FDA, pela Agência Europeia dos Medicamentos e pelos peritos que conseguem ver publicados estudos e orientações em publicações de inquestionáveis créditos como a Pediatrics ou a JAMA, para citar só alguns exemplos. Do outro, pediatras, muito experientes, ou menos experientes, a afirmar, a fazer fé no que nos dizem as famílias, respectivamente: “os meus netos, não são vacinados; os meus filhos, nem pensar em tal… vai vacinar o seu filho? E vemos outros médicos e parceiros da saúde a dizer “ não me vacino” “cuidado com os efeitos” “é muito nova, a vacina”, “há interesses económicos”, etc, etc. E com tais opiniões como ficam as cabeças das famílias? Que vale mais? O conhecimento e a experiência de décadas, de organismos e peritos, alicerçados em estudos científicos, rigorosos e humildes (recordemos a retirada imediata da primeira vacina contra o rotavírus), ou a “experiência” infundada que nós, pretensiosos “peritos”, nos arrogamos ter? Poderemos, nos dias de hoje, termos a pretensão de, em alguns saberes médicos, nos julgarmos rigorosamente experientes e sabedores, Vaccination Leoplod Mendez, 1935 para que das nossas bocas saiam sempre conselhos sábios? Quem protegerá mais as nossas crianças? O saber de peritos e organizações, credíveis e idóneos, ou a nossa indocumentada experiência e sabedoria? Seremos capazes de, perante uma assembleia de pares, em que a ciência faz parte do seu dia-a-dia, defendermos as nossas opiniões, usando a mesma, porque absolutamente necessária, linguagem e metodologia científicas? Arrojemo-nos, mais vale, em saber o saber de outros que estudam, trabalham e se responsabilizam em nosso nome e da ciência. E nós, no terreno, sejamos uns fiéis retransmissores e aplicadores dos seus conhecimentos. “Tomemos” a medicina baseada na evidência, que os efeitos laterais são menores do que os da empírica. Tenhamos a humildade e a coragem de aceitar a mudança, o que, de facto, não é nada fácil, e descermos do nosso pedestal, onde, de resto, nós nos fizemos pôr, para ouvir e seguir ensinamentos de quem, laboriosa, cientifica e persistentemente, os adquiriu. As crianças merecem esta metodologia. Não foi o que aconteceu com o Joseph e o James? Tojal Monteiro editorial convidado 145 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Abcesso Hepático Amebiano na Criança: Caso Clínico Ana Ehrhardt Pinheiro1, Raquel Ferreira2, Ana Leça3 RESUMO A infecção humana por Entamoeba histolytica tem uma distribuição mundial, com zonas endémicas situadas nos trópicos. A manifestação mais comum é a colite amebiana. O fígado é o órgão extra-intestinal mais frequentemente envolvido. Descreve-se o caso clínico de uma criança do sexo masculino, com nove anos de idade, internada no decurso de quadro clínico de febre alta e dor abdominal, com nove dias de evolução; referia a ingestão de água não canalizada e contacto com cães. Ao exame físico destacava-se a presença de hepatomegalia e dor à palpação no hipocôndrio direito. Analiticamente apresentava parâmetros sugestivos de infecção com leucocitose e proteína C reactiva elevada. A ecografia hepática revelou lesão ocupando espaço. A serologia positiva para Entamoeba histolytica e o exame parasitológico das fezes com quistos deste mesmo parasita permitiram o diagnóstico etiológico. Após terapêutica com metronidazol, seguido de paramomicina, assistiu-se a uma boa evolução clínica. No inquérito epidemiológico, apesar de referência a ingestão de água não canalizada, não foi possível a demonstração inequívoca da fonte de infecção. A amebíase é uma entidade patológica pouco frequente em Portugal, mas não pode ser esquecida, principalmente se houver contexto epidemiológico (ingestão de alimentos e/ou água contaminados com quistos amebianos). __________ 1 2 3 Internato Complementar de Pediatria, H Espírito Santo de Évora, EPE Internato Complementar Pediatria, H Dona Estefânia, CHLC Unidade da Infecciologia, H Dona Estefânia, CHLC 146 casos clínicos Palavras-chave: Entamoeba histolytica, amebíase, abcesso hepático, metronidazol, paramomicina Nascer e Crescer 2009; 18(3): 146-148 INTRODUÇÃO O abcesso hepático é raro na criança, sendo mais frequente nos adultos e nos doentes imunocomprometidos(1). Quanto à etiologia pode ser piogénico, amebiano ou fúngico(1), e condiciona morbilidade e mortalidade significativas(1,2). A infecção humana por Entamoeba histolytica (E.histolytica) tem uma distribuição mundial, com zonas endémicas situadas nos trópicos, sendo a terceira causa de morte por doença parasitária a nível mundial(3). A manifestação clínica mais comum é a colite amebiana. A infecção disseminada, em que o fígado é o órgão extra-intestinal mais frequentemente envolvido, ocorre em menos de 1% dos indivíduos infectados(3). A doença grave é mais comum em crianças, grávidas, imunodeprimidos e indivíduos malnutridos(3). O Homem é o reservatório da E.histolytica, e a transmissão ocorre por via fecal-oral(4), através da ingestão de alimentos e/ou água contaminados com quistos amebianos(5-9). Os quistos infecciosos quadrinucleados podem durar dias em ambientes secos a temperaturas de 30ºC, semanas em ambientes húmidos, e resistem ao pH gástrico(7). A enquistação ocorre no lúmen do cólon, onde se formam os trofozoítos potencialmente invasivos(5,6). Na maioria das infecções os trofozoítos agregam-se na parede intestinal formando novos quistos, resultando numa infecção assintomática e auto-limitada(5). A invasão do epitélio intestinal permite a dissemi- nação extraintestinal para o peritoneu, fígado e outros locais(5). Independentemente da etiologia, a febre, muitas vezes associada a calafrio, dor abdominal no quadrante superior direito, e hepatomegalia são os sinais e sintomas de apresentação mais comum do abcesso hepático(2). Uma apresentação crónica, com perda ponderal, febre e dor abdominal foi descrita em doentes com abcesso amebiano único(8). A clínica inespecífica pode atrasar o diagnóstico, que muitas vezes só é considerado após realização de exames de imagem, nomeadamente ecografia, tomografia computorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) hepática. O diagnóstico definitivo, é confirmado pela detecção de parasitas nas fezes ou no aspirado do abcesso, e por serologia positiva para E. histolytica. As complicações do abcesso hepático amebiano surgem geralmente da sua ruptura (peritoneu, cavidade pleural, pericárdio) ou infecção bacteriana secundária(5,8). Abcessos extrahepáticos foram descritos pontualmente no pulmão, cérebro e pele, e resultam presumivelmente de disseminação hematogénea(5). O tratamento da amebíase invasiva consiste primariamente na administração de um nitroimidazol, seguido de um amebicida luminal(3,8-10). CASO CLÍNICO Criança do sexo masculino, nove anos de idade, raça branca, natural e residente desde sempre em Portugal, com história de ingestão de água não canalizada e contacto com cães. Em aparente estado de saúde até nove dias antes do internamento, altura em que inicia quadro clínico de febre alta e dor abdominal. Foi observado em ambulatório e medicado com azitromi- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 cina, tendo sido posteriormente internado por agravamento progressivo da sintomatologia e do estado geral. Ao exame objectivo destacava-se febre alta com calafrio, hepatomegalia de 4 cm e dor à palpação no hipocôndrio direito, mas sem defesa ou reacção peritoneal. Analiticamente apresentava leucocitose (18.270 leucócitos/μl) com neutrofilia (75%), PCR elevada (20.75 mg/dL), ALT de 34U/L e AST de 25U/L. A ecografia abdominal à entrada evidenciou lesão ocupando espaço com 5.6x5.2 cm nos segmentos VI e VII do lobo direito hepático, compatível com abcesso. A TC abdominal confirmou existência de massa nodular volumosa sugestiva de lesão inflamatória/ infecciosa circunscrita (figura 1). A suspeita de abcesso hepático piogénico, no contexto de perfuração apendicular, levou à instituição de terapêutica empírica com ceftriaxone, gentamicina e metronidazol. A hemocultura, coprocultu- ra e urocultura revelaram-se negativas, assim como a serologia para Echinococcus granulosus e vírus Epstein Barr. A reacção de Widal foi negativa. A serologia positiva para E.histolytica (pesquisa de anticorpo por imunofluorescência) e o exame parasitológico das fezes frescas com abundantes quistos permitiram o diagnóstico etiológico. Após a instituição da terapêutica empírica assistiu-se a uma evolução clínica favorável, com normalização dos parâmetros laboratoriais e regressão progressiva dos achados imagiológicos (figura 2). Para eliminação intraluminal da E. histolytica, após 15 dias de terapêutica com metronidazol, iniciou paramomicina (30 mg/kg/dia, 7 dias). O exame parasitológico de fezes frescas, realizado após o final da terapêutica, foi negativo e confirmou a cura da infecção. Dada a história de ingestão de água de furo, foi pedido exame da água que evidenciou quistos de Giardia lamblia inviáveis e muitos coliformes fecais. Manteve seguimento em consulta de infecciologia pediátrica (actualmente com três anos de follow-up), permanecendo assintomático, com pequena lesão hepática residual, de dimensões progressivamente menores. DISCUSSÃO A E.histolytica infecta centenas de milhões de pessoas anualmente(6). Nos países desenvolvidos, a amebíase é diagnosticada mais frequentemente em imigrantes ou viajantes de países endémicos(3,8). A maioria dos indivíduos permanece no entanto assintomática, perpetuando o ciclo natural do parasita através da excreção fecal de quistos(6). O abcesso hepático amebiano, a manifestação mais comum da infecção disseminada, é raro na criança(5,8). No caso clínico descrito, de uma criança previamente saudável, residen- Figura 1 - TC abdominal realizada no 1º dia de internamento (9 dias após inicio da sintomatologia), imagem de lesão nodular volumosa (50x40x22) nos segmentos VI e VII do lobo direito do fígado Figura 2 - Ecografias abdominais: a) antes do início de terapêutica com metronidazol (1º dia de internamento), lesão com 5.6x5.2 cm; b) após terminar 15 dias de terapêutica com metronidazol, lesão com 2.93x2.12 cm casos clínicos 147 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 te em país não endémico, sem história recente de diarreia, com quadro clínico de febre com calafrio e dor abdominal já com nove dias de evolução e com exame de imagem sugerindo massa inflamatória hepática, o diagnóstico mais provável parecia ser um abcesso piogénico secundário a apendicite. No entanto, a inexistência de sinais sugestivos de abdómen agudo fizeram-nos optar por uma atitude expectante e uma observação continuada em estreita colaboração com a Cirurgia. O quadro clínico e o contexto epidemiológico (contacto com cães e ingestão esporádica de água de furo hertziano), levaram-nos a alargar as hipóteses de diagnóstico e a pesquisar imediatamente outras etiologias. Os anticorpos elevados para E.histolytica, e o exame parasitológico das fezes frescas com abundantes quistos deste parasita permitiram o diagnóstico definitivo. A terapêutica empírica instituída à entrada, de acordo com a hipótese diagnóstica inicial de abcesso piogénico incluía o metronidazol, que é também a terapêutica de eleição para o abcesso amebiano. O início deste fármaco, mesmo antes do diagnóstico etiológico, terá condicionado uma melhoria clínica mais rápida. Os nitroimidazois, como o metronidazol não têm qualquer efeito nos parasitas intraluminais, pelo que esta terapêutica deve ser complementada com um amebicida luminal como a paramomicina(3,6,8). A paramomicina não deve ser administrada simultaneamente com o metronidazol, uma vez que a diarreia é um efeito secundário frequente, tornando mais difícil a percepção da resposta à terapêutica inicial(3,6). A terapêutica amebicida é geralmente eficaz pelo que a drenagem cirúrgica é raramente necessária(8). Em termos epidemiológicos, é importante identificar e tentar eliminar a eventual fonte de contágio. A análise pedida à água de furo que a criança ingeria esporadicamente sugeriu contaminação fecal, tendo este facto sido relatado à Autoridade de Saúde. A não identificação de quistos de E. histolytica na água ingerida, não nos permitiu identificar ou excluir inequivocamente a fonte de infecção. 148 casos clínicos Apesar de rara em Portugal (0.04/105)(11), a amebiase não pode ser esquecida, principalmente se houver suspeita de contexto epidemiológico, ou seja, ingestão de alimentos e/ou água contaminados com quistos amebianos. Mesmo nas situações em que o diagnóstico de abcesso hepático parece sugerir uma etiologia piogénica, é importante uma história clínica detalhada, e um diagnóstico diferencial que contemple as diversas causas possíveis, nomeadamente a etiologia amebiana. AMEBIC LIVER ABSCESS IN CHILDREN: CASE REPORT ABSTRACT Human infection by Entamoeba histolytica is worldwide spread, with endemic areas in the tropics. The most frequent form of the disease is amebic colitis. The liver is the more commonly affected organ in extraintestinal disease. We describe a case report of a nine year-old boy admitted to the hospital due to high fever and abdominal pain, with a nine days course. There was reference to the ingestion of untreated water. On physical examination he presented enlargement and tenderness of the liver. Laboratory findings were suggestive of infection, with leukocytosis and elevated C reactive protein. Ultrasonography showed a hepatic mass. A positive serologic test for Entamoeba histolytica and the identification of cysts of the parasite by microscopic examination of fresh stool samples allowed the etiologic diagnosis. After treatment with metronidazole, followed by paramomycin, there was a good clinical evolution. Although epidemiological data pointed out to ingestion of groundwater as the source of infection, it was not possible to prove this undoubtfully. Amebiasis is a rare clinical entity in Portugal, but must be taken into account especially if there is a positive epidemiological context (ingestion of food or water contaminated with Entamoeba cysts). Key-words: Entamoeba histolytica, amebiasis, liver abscess, metronidazole, paramomycin Nascer e Crescer 2009; 18(3): 146-148 BIBLIOGRAFIA 1 Gastrointestinal Syndromes. In: Fisher R, Boyce T, editors. Moffet´s Pediatric Infectious Diseases: A Problem-Oriented Approach. 4th ed. Philadelphia: Lippincott Williams and Wilkins; 2005;420-67. 2 Sharma MP, Kumar A. Liver abscess in Children. Indian J Pediatr 2006;73:813-7. 3 John C, Salata R. Amebiasis. In: Kliegman RM, Behrman R, Jenson HB, Stanton BF, editors. Nelson Textbook of Pediatrics. 18th ed. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2007;1460-62. 4 Weinberg A, Levin MJ. Infections: parasitic and mycotic. In Hay W, Levin M, Sondheimer J, Deterding R eds. Current diagnosis and Treatment in Pediatrics. 18th ed. New York: Lange Medical Books/Mc Graw Hill; 2007; 1225-27. 5 Haque R, Huston C, Hughes M, Houpt E, Petri W. Amebiasis. N Engl Med 2003;348:1565-73. 6 Stauffer W, Ravdin J. Entamoeba histolytica: an update. Curr Opin Infect Dis 2003;16:479-85. 7 Yost J. Amebiasis. Peds in Review 2002;23:293-4. 8 Petri W, Singh U. Diagnosis and management of amebiasis. Clin Infect Dis. 1999;29:1117-25. 9 American Academy of Pediatrics. Amebiasis. In: Pickering LK, Baker CJ, Long SS, McMillan JA, editors. Red Book: 2006 Report of the Committee on Infectious Diseases. 27th ed. Elk Grove Village, IL: American Academy of Pediatrics;2006:204-6. 10 WHO/PAHO/UNESCO report of a consultation of experts on amoebiasis. Weekly Epidemiological Report of the World Health Organization 1997;72:97-9. 11 Amebiase. http://www.saudepublica. web.pt/04-PrevencaoDoenca/DTDOmanual/ameb.htm. CORRESPONDÊNCIA Ana Ehrhardt Pinheiro R. das Margaridas, 251, Birre; 2750-249 Cascais E-mail: [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Lúpus Eritematoso Neonatal Hugo Braga-Tavares1, Lia Ramos2, Marika Bini-Antunes3, José Barbot3, Conceição Rosário4, Miguel Taveira4 RESUMO O Lúpus Eritematoso Neonatal é uma rara doença autoimune, que resulta da transmissão transplacentária para o feto de anticorpos da mãe, a qual é portadora de conectivite autoimune sintomática ou subclínica. Descrevemos o caso clínico de um recém-nascido que apresentava lesões de vasculite cutânea, esplenomegalia e trombocitopenia persistente. Palavras Passe: Lúpus Eritematoso Neonatal, trombocitopenia Nascer e Crescer 2009; 18(3): 149-151 INTRODUÇÃO O Lúpus Eritematoso Neonatal (LEN) é doença autoimune rara, secundária a auto-anticorpos lúpicos maternos que atravessam a barreira placentária, atingindo o feto. Os anticorpos envolvidos podem ser anti-nucleares (ANA), anti-ribonucleoproteinas nucleares Ro (anti-SSA/Ro), La (anti-SSB/La) e/ou U1 (U1/RNP).(1) As manifestações clínicas incluem lesões cutâneas, hepáticas, hematológicas (habitualmente transitórias) e bloqueio aurículo-ventricular congénito, este último condicionando o prognóstico.(2) Durante a vigilância regular da gestação, constatou-se imunidade para rubéola e citomegalovírus (CMV), não-imunidade para toxoplasmose, VDRL não reactivo e antigénios anti-HBs e HIV negativos. Os controlos ecográficos revelaram padrão de restrição de crescimento intra-uterino. No exame inicial, o RN apresentava lesões cutâneas eritemato-violáceas com moderada infiltração e algumas áreas de aspecto circinado levemente descamativas, sugestivas de processo vasculítico, localizadas ao tronco, face e braço direito. Tinha também esplenomegalia, confirmada ecograficamente. Por suspeita de sépsis, realizou-se rastreio, que revelou trombocitopenia (35.000 plaquetas/μL). Iniciou terapêutica antibiótica empírica, não tendo sido isolado entretanto qualquer agente infeccioso. Por manter trombocitopenia, esplenomegalia (embora em involução) e lesões cutâneas de aspecto vasculítico e cicatricial, foi referenciada a consulta de Hematologia para estudo. Na primeira avaliação observaramse lesões anelares infiltradas, de tona- lidade violácea ou acastanhada, com moderada atrofia central, localizadas ao couro cabeludo e ao tronco (Figura 1). O baço era palpável a 1cm do rebordo costal esquerdo, dimensão considerada ecograficamente no limite superior da normalidade para a idade. Mantinha trombocitopenia e a imunofenotipagem de sangue periférico foi normal. A ecografia transfontanelar revelou imagens focais punctiformes hiperecogénicas em ambos os núcleos caudados, de dimensão perimilimétrica, interpretadas como focos de calcificação residual, eventualmente pósinflamação. A pesquisa por PCR e exame cultural de CMV na urina foi negativa, assim como a pesquisa por PCR de vírus Herpes simplex 1 e 2 no sangue. Nos controlos analíticos seriados realizados manteve trombocitopenia sustentada (Quadro I). Foi realizada biópsia de pele que revelou atrofia da epiderme e depósitos dérmicos intersticiais de mucina que atingiam o tecido celular subcutâneo; ausência de vasos telangiectásicos ou infiltra- CASO CLÍNICO Recém-nascido (RN) do sexo feminino, de mãe previamente saudável. __________ 1 2 3 4 Serviço de Pediatria CH Vila Nova de Gaia/ Espinho, EPE Clipóvoa - Hospitais Portugueses, SA Hematologia Pediátrica, Unidade Hospital Maria Pia - CHP Dermatologia Pediátrica, Unidade Hospital Maria Pia - CHP Figura 1 – Lesões cutâneas na altura do diagnóstico (1 mês de idade), localizadas ao tronco (A) e couro cabeludo (B). casos clínicos 149 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 dermatite atópica. Foi realizado novo controlo analítico que revelou normalização de plaquetas e negativação dos auto-anticorpos lúpicos. A mãe foi orientada para consulta de Medicina Interna para iniciar vigilância clínica. dos perivasculares com plasmócitos. O estudo com imunofluorescência directa mostrava apenas depósito linear de complemento C3 de escassa intensidade (1+) na membrana basal. Foi realizado um estudo imunológico à mãe que revelou positividade para ANA, anti-SSA/Ro e anti-SSB/La, com anti-DNA dupla camada (anti-DNAds) negativo. A pesquisa destes anticorpos na lactente foi também fortemente positiva (Quadro I). Foi excluído bloqueio auriculoventricular com a realização de um electrocardiograma. Aos 7 meses de idade apresenta franca regressão das lesões cutâneas vasculíticas, tendo desenvolvido uma DISCUSSÃO O LEN é uma doença rara, segundo alguns autores subdiagnosticada, estimando-se uma incidência de 12.00020.000 nados-vivos.(3) As manifestações clínicas no RN resultam dos auto-anticorpos lúpicos maternos transmitidos por via transplacentária. A presença de anticorpos anti-SSA/Ro maternos em circulação no RN é descrita em 95% dos casos e a Quadro I – Evolução dos Parâmetros Analíticos Dia 1 Dia 8 Dia 30 14.8 15.6 10 12 Leucócitos (/uL) 11.200 8.000 7.200 9.720 Neutrófilos (/uL) 5.040 1.902 1.200 1.914 Eosinófilos (/uL) 112 192 100 Basófilos (/uL) 0 0 0 Linfócitos (/uL) 5.488 4.960 5.400 Monócitos (/uL) 560 944 0 Plaquetas (/uL) 35.000 43.000 96.000 Hemoglobina (g/dL) 2 meses 7 meses 7.066 417.000 Reticulócitos PCR (mg/dL) Coombs Indirecta ANA (IF) (Normal < 1/80) título padrão 2 Negativa > 1/1280 mosqueado <1/80 Anti-DNAds (IF) (Normal < 10 U/mL) Negativo Negativo Anti-Sm (Normal < 10 U/mL) Negativo Negativo Anti-U1/RNP (Normal < 10 U/mL) Negativo Negativo Anti-SSA/Ro (Normal < 10 U/mL) >240 Negativo Anti-SSB/La (Normal < 10 U/mL) >340 Negativo 150 casos clínicos sua negativação coincide com a resolução das lesões cutâneas e/ou das alterações dos parâmetros analíticos pelos 6-7 meses de vida.(3) As manifestações cutâneas desta patologia podem estar presentes ao nascimento ou surgir nas primeiras semanas de vida, muitas vezes exacerbadas por exposição solar. Incluem lesões anelares ou placas descamativas, sobretudo na face (regiões periocular e malar, em forma de borboleta), no couro cabeludo e mais raramente no tronco.(3-5) As manifestações hepáticas (colestase) e hematológicas (trombocitopenia, anemia ou neutropenia) são habitualmente raras e transitórias.(4) O caso descrito apresentava trombocitopenia neonatal que persistiu até aos 7 meses de idade. O atingimento cardíaco, habitualmente na forma de bloqueio aurículoventricular congénito, ao contrário das restantes manifestações de LEN, é permanente, condicionando o prognóstico do paciente.(2) Na altura do diagnóstico de LEN, a maioria das mães são portadoras assintomáticas de auto-anticorpos lúpicos e em 40 a 60% não existe diagnóstico de anterior de conectivite autoimune. As restantes têm um diagnóstico de lúpus eritematoso sistémico ou apresentam características de síndrome de Sjogren ou de conectivite não diferenciada.(6,7) Das mães com diagnóstico prévio de lúpus eritematoso sistémico, apenas 1-2% têm filhos com LEN, sendo que a coexistência de anticorpos anti-SSA/Ro e anti-SSB/La, como no presente caso, parece aumentar este risco.(1) O exame anátomo-patológico, combinado com a realização de imunofluorescência directa é muito útil para estabelecer o diagnóstico, podendo revelar uma degeneração vacuolar da camada basal, edema da derme e infiltrado linfohistiocítico. A imunofluorescência é negativa em 50% dos casos, mas pode revelar depósitos de complemento e IgG/IgM/C3 na zona da membrana basal.(8) No caso descrito detectaram-se depósitos dérmicos intersticiais de mucina e o estudo por imunofluorescência directa revelou um depósito linear de complemento C3 na membrana basal. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 O tratamento das lesões cutâneas inclui o recurso a corticóides tópicos de média potência, sendo importante efectuar uma fotoprotecção adequada, através de roupa ou de ecrans solares. Se o quadro clínico se acompanha de um bloqueio aurículo-ventricular completo é necessário colocar um pacemaker permanente. À excepção das lesões cardíacas, as restantes manifestações de LEN desaparecem pelos 6-8 meses de idade, coincidindo com a negativação dos anticorpos lúpicos maternos no lactente(1) como veio a suceder no presente caso. As manifestações cutâneas poderão resultar em lesões pigmentadas, telangiectásicas ou moderadamente atróficas. Uma série de 37 pacientes do ano de 2000 refere, no entanto, um risco aumentado de desenvolvimento de doenças autoimunes durante a infância e adolescência (tiroidite de Hashimoto, artrite reumatóide juvenil, entre outras),(7) pelo que se preconiza um seguimento médico alargado. O diagnóstico de LEN tem também implicações para as mães, a quem deve ser oferecida vigilância do possível desenvolvimento de uma doença autoimune e adequado acompanhamento em futuras gestações, uma vez que o risco de recorrência estimado é de 10 a 17%.6 CONCLUSÃO Pelo facto da maioria das mães serem assintomáticas, o diagnóstico de LEN requer um alto índice de suspeita, devendo ser equacionado nos RN com lesões cutâneas periorbitais e malares características, alterações hematológicas e/ou hepáticas persistentes. A existência de uma afectação cardíaca influencia o prognóstico destes pacientes, pelo que perante a suspeita deste diagnóstico dever-se-á proceder a uma cuidadosa avaliação clínica. NEONATAL LUPUS ABSTRACT Neonatal Lupus is a rare autoimmune disorder occurring in newborns whose mothers have clinical or subclinical autoimmune connective tissue disease, and is due to transplacental passage of maternal antibodies. The authors describe a case report of a newborn presenting cutaneous vasculitic lesions, splenomegaly and persistent thrombocytopenia. Keywords: Neonatal Lupus, thrombocytopenia Nascer e Crescer 2009; 18(3): 149-151 BIBLIOGRAFIA 1. Kim J, Smith KJ, Skelton H. Neonatal lupus erythematosus: factors which may lead to clinical disease in the foetus even in the absence of disease in the mother. Clin Exp Dermatol 2001; 26: 423-6. 2. Diociaiuti A, Paone C, Giraldi L, Paradisi M, El Hachem M. Congenital lupus erythematosus: case report and review of the literature. Pediatr Dermatology 2005; 22: 240-2. 3. Nevado IMR, Álvarez AJC, Fernández-Recio JM, Fernández-Durán A, et al. Lupus eritematoso neonatal. Med Cutan Iber Lat Am 2008; 36: 27-9. 4. 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CORRESPONDÊNCIA Hugo Braga Tavares Rua Óscar da Silva 1295 1º esq; 4450-760 Leça Palmeira, Portugal [email protected] telef. +351 936 407 881 fax +351 229 060 739 casos clínicos 151 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Síndrome de Turner, Várias Formas de Apresentação da Mesma Doença Ana Pinheiro1, Laura Martins1, Isabel Fernandes2 RESUMO A Síndrome de Turner é uma doença genética com uma incidência estimada de 1/2500 nados vivos do sexo feminino. Fenotipicamente apresenta um largo espectro de manifestações clínicas desde malformações cardíacas graves com diagnóstico no período neonatal, até pequenas alterações fenotípicas minor. A baixa estatura e falência gonadal, com diferentes graus de intensidade, são quase constantes. Para além das manifestações cardíacas outras alterações se associam nomeadamente renais, cutâneas, esqueléticas e neurológicas. Os autores descrevem quatro casos clínicos de Síndrome de Turner com diferentes apresentações clínicas e diagnóstico em diferentes etapas do desenvolvimento: no período neonatal em recém-nascida com fenótipo característico; na infância numa criança com baixa estatura; na adolescência em duas irmãs gémeas com atraso pubertário. As alterações físicas na Síndrome de Turner são frequentemente leves e nem sempre se apresenta com as manifestações típicas, como o linfedema, pterigium coli, baixa implantação do cabelo, baixa estatura e cubitus valgus, dificultando e atrasando por vezes o diagnóstico. Palavras-chave: Síndrome de Turner, linfedema, pterigium coli, baixa estatura, atraso pubertário Nascer e Crescer 2009; 18(3): 152-155 __________ 1 2 Internato Complementar de Pediatria, Hospital do Espírito Santo de Évora, EPE Serviço de Pediatria, Hospital do Espírito Santo de Évora, EPE 152 casos clínicos INTRODUÇÃO A Síndrome de Turner (ST) afecta 1 em cada 2500 recém-nascidos vivos do sexo feminino(1), sendo uma das doenças genéticas mais frequentemente observadas em Pediatria(2). Caracteriza-se pela ausência, total ou parcial, de um dos cromossomas X(2,3), tendo cerca de metade das crianças monossomia X (45,X)(3,4). As restantes podem apresentar anomalias estruturais do cromossoma X tais como a duplicação do braço longo concomitantemente com a delecção do braço curto de um dos cromossomas X formando um isocromossoma (isoXq), a formação de um anel (rX) ou uma delecção no braço curto ou longo (Xp- ou Xq-)(3,4). Estas alterações aparecem muitas vezes associadas a mosaicismo de uma ou mais linhas celulares adicionais(3), e frequentemente estão associadas a fenotipos idênticos ao do cariotipo clássico. Mosaicismo para uma linha celular contendo um Y (45,X/46,XY) ocorre em 5%dos casos(5). Na maioria das crianças, o cromossoma X normal é de origem materna(4,5). Apesar de ter sido descrita pela primeira vez em 19381, nos últimos anos o conhecimento sobre a genética, a sua história natural e complicações na idade adulta avançou substancialmente(2,3). A correlação fenótipo/genótipo é geralmente fraca, e a variabilidade fenotípica pode estar relacionada com diferentes graus e padrões tecidulares de mosaicismo oculto(4). No entanto, estudos moleculares identificaram alguns genes que podem estar envolvidos na sua expressão clínica, nomeadamete o gene SHOX(3). A deficiência do SHOX explica algumas das caracteristicas do ST sobretudo a baixa estatura(3). Crianças com pequenas delecções distais do braço curto (Xp-) incluindo o gene SHOX apresentam fre- quentemente baixa estatura e outras alterações esqueléticas típicas do ST, mas a maioria tem um baixo risco de falência ovárica e não devem ser diagnosticadas como ST se a banda Xp22.3 estiver presente(6). Por outro lado, as delecções do braço longo distais ao Xq24 originam geralmente amenorreia primária ou secundária, sem baixa estatura ou outras características de ST, pelo que falência ovárica prematura é o diagnóstico mais correcto(6). O diagnóstico é colocado por suspeição clínica na presença das características fenotípicas consistentes com ST, como a baixa estatura e a disgenésia gonadal, e a confirmação é citogenética, através da análise cromossómica(2). Pode apresentar um largo espectro de manifestações, de gravidade variável, desde doença cardíaca congénita neonatal grave até baixa estatura e atraso pubertário em crianças ou adolescentes saudáveis(2). O risco aumentado de dissecção aórtica na adolescência e vida adulta é provavelmente o problema médico mais grave, no entanto, a falência ovárica parece ser o mais incapacitante(7). É uma doença multissistémica, com necessidade de acompanhamento por várias especialidades, devendo o Pediatra funcionar como elemento coordenador, ajudando posteriormente na transferência para os cuidados de saúde adequados na vida adulta(2). CASOS CLÍNICOS Caso 1: Criança do sexo feminino, gestação não vigiada, parto de termo eutócico, com peso à nascença de 2.800g. Alterações fenotípicas à nascença, pele redundante e linfedema das mãos e pés, pelo que foi logo pedido cariotipo do sangue periférico, confirmando-se o diag- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 nóstico de ST (45,X). Desenvolvimento estaturo ponderal (DEP) sempre inferior ao percentil P5 (Figura 1), fenotipicamente com hipertelorismo, pterigium coli, cabelo de implantação baixa e mamilos afastados. Apresenta queratoconus e otite média aguda (OMA) de repetição, mas sem défices auditivos. Aos 9 anos iniciou hormona de crescimento (HC) e aos 15 anos estrogénios, mas sempre com mau cumprimento terapêutico. Aos 21 anos, estatura de 136 cm (estatura alvo de 159 cm), idade óssea (IO) de 15 anos, estádios de Tanner P1M1. Sem outras comorbilidades. Caso 2: Criança do sexo feminino, referenciada aos 7 anos de idade à consulta de Pediatria por baixa estatura. Antecedentes pessoais irrelevantes, para além de uma estatura sempre inferior ao P5. Harmoniosa no exame objectivo (EO), sem alterações fenotípicas evidentes. Dos exames complementares de diagnóstico realizados para o estudo de baixa estatura destaca-se um cariotipo do sangue periférico 45,X/47,XXX (Figura 2). Tem um bom aproveitamento escolar, avaliação cardíaca, renal, oftalmológica e auditiva sem alterações. Função tiroideia normal. Velocidade de crescimento de 3cm/ano e IO aos 8 anos de 6 anos e 10 meses. Casos 3 e 4: Adolescentes, gémeas monozigóticas, referenciadas aos 15 anos de idade por baixa estatura e atraso pubertário. Para além de DEP<P5 e dificuldades alimentares nos primeiros meses de vida, restantes antecedentes pessoais irrelevantes. No exame objectivo destacava-se em ambas as irmãs implantação posterior de cabelo baixa, pavilhões auriculares proeminentes, palato ogival, mamilos afastados e cúbitos valgus. Apresentavam ainda miopia. Estadios de Tanner P3M3. A Radiografia das mãos evidenciou encurtamento do 4º e 5º metacarpo e Idade óssea de 13 anos (Figura 3). Útero de pequeno volume na ecografia pélvica. O cariotipo do sangue periférico (45,X) confirma o diagnóstico de ST em ambas as irmãs. Sem outras alterações. Iniciaram terapêutica com estrogénios, com obtenção de períodos menstruais regulares. DISCUSSÃO A ST é uma das anomalias genéticas mais comuns, mas nem sempre o diagnóstico é precoce, nos primeiros anos de vida, atendendo às variadas características fenotípicas mais ou menos evidentes que a caracterizam. A identificação precoce destas crianças após confirmação genética requer seguimento adequado tendo em atenção as alterações endócrinas, cardiovasculares e psicossociais na infância e na adolescência. A suspeição clínica pode ocorrer de imediato no recém-nascido, que se apresenta com linfedema do dorso das mãos e dos pés ou com pele redundante, principalmente na região do pescoço(3), como aconteceu no primeiro caso clínico descrito. No período neonatal podemos ainda associar o baixo peso e comprimento diminuído e alterações cardíacas a esta síndrome. Em qualquer criança do sexo feminino com edema cardíaco, coração esquerdo hipoplásico ou coartação da aorta é obrigatório suspeitar de ST, uma vez que está associada a uma frequência aumentada destas situações3. Em cerca de 1/5 a 1/3 das crianças com ST o diag- Figura 1 – Gráfico de evolução da estatura referente ao caso 1 Figura 2 – Cariotipo realizado no caso 2 (Mosaicismo 45X;47XXX) Figura 3 – Radiografia das mãos com encurtamento do 4º e 5º metacarpo (caso clínico 3 e 4) casos clínicos 153 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 nóstico é feito nesta altura. Permite um acompanhamento precoce e identificação de outras malformações associadas, de alterações oftalmológicas e auditivas e possibilita a instituição de terapêutica nomeadamente hormona de crescimento numa idade mais precoce. Durante a infância, algumas das características fenotípicas associadas são a baixa estatura, pterigium coli, inserção posterior de cabelo baixa, pavilhões auriculares proeminentes e baixamente implantados, epicanto, ptose, esclerótica azul, mandíbula pequena, palato ogival, tórax alargado com mamilos afastados, pectus excavatum, escoliose, deformidade de Madelung, cubitus valgus, 4º metacarpo ou metatarso curto, unhas hiperconvexas ou nevus em número aumentado. A criança apresentada no caso clínico 2 para além da baixa estatura, não apresentava outros estigmas de ST, o que justifica o diagnóstico mais tardio. A desaceleração do crescimento estatural inicia-se por volta dos 18 meses(3), e é progressivamente mais pronunciada e evidente com o passar dos anos(5). Em qualquer criança com baixa estatura e com uma velocidade de crescimento inferior ao percentil 10 para a idade é obrigatória a realização de cariotipo, o que aconteceu neste caso. Na adolescência, para além das características descritas, que muitas vezes passam despercebidas, é o atraso pubertário que faz geralmente suspeitar deste diagnóstico, embora 10-20% das raparigas tenha desenvolvimento mamário espontâneo e uma pequena percentagem possa apresentar períodos menstruais(5). A baixa estatura associada ao atraso pubertário foi o motivo de referenciação à consulta de pediatria das duas irmãs gémeas apresentadas. Salientamos neste caso a presença de alguns aspectos fenotípicos que poderiam ter alertado os clínicos para este diagnóstico mais precocemente. O diagnóstico tardio nestes dois casos inviabilizou a terapêutica com HC. Na presença de características típicas é obrigatória a realização do cariotipo do sangue periférico, o que aconteceu nos casos clínicos apresentados, confirmando o diagnóstico. Se a avaliação 154 casos clínicos inicial for normal mas a suspeição clínica for importante, deve ser pedido um estudo Fluorescent in situ hibridation (FISH) para excluir mosaicismo de baixo grau(2). Depois de efectuado o diagnóstico, deve ser feita avaliação ecográfica cardíaca, renal e pélvica. Para além das alterações já descritas, as crianças com ST podem ter atraso do desenvolvimento, dificuldades de aprendizagem, outras malformações cardíacas (válvula aórtica bicúspida, estenose aórtica, prolapso da válvula mitral), dificuldades alimentares, refluxo gastro-esofágico, hipotiroidismo, alterações oftalmológicas (estrabismo, ambliopia, cataratas) e auditivas (OMA recorrente, surdez neurossensorial), malformações renais (rim pélvico, rim em ferradura, duplicação do sistema colector), pelo que estas crianças têm que ser avaliadas multidisciplinarmente, por várias especialidades médicas. As crianças dos casos clínicos apresentados não apresentaram nenhuma das comorbilidades frequentemente associadas à ST. A terapêutica com HC parece eficaz no aumento da estatura final, no entanto a idade óptima de início e a dose são variáveis consoante os centros estudados. As crianças com ST não têm normalmente défice de HC, mas apresentam uma restrição muito marcada do crescimento e sem tratamento a altura na idade adulta raramente ultrapassa 143 cm(6). A identificação destas crianças é muito importante de forma a se instituir esta terapêutica na idade adequada. O envolvimento das famílias, compreensão da situação e cumprimento da administração de HC no domicílio, permite melhores resultados em termos da estatura final, o que não aconteceu no 1º caso, por baixa adesão à terapêutica. A HC pode ser associada a esteróides anabolizantes como a oxandrolona, em crianças com extrema baixa estatura ou mais velhas(6,7). A terapêutica com estrogénios geralmente é necessária para induzir o desenvolvimento pubertário (o que aconteceu nos casos 3 e 4), só deve ser iniciada após doseamento da gonadotrofina sérica, e a sua administração deve reflectir o processo de uma puberdade normal(6). A ST está associada a riscos psicossociais significativos, incluindo o compo- nente cognitivo, social e comportamental, pelo que um acompanhamento psicológico e médico especializado deverá ser desenvolvido desde a altura do diagnóstico ou a partir da entrada para a escola. O atraso pubertário pode exacerbar o impacto psicossocial negativo, associado a timidez excessiva, ansiedade social, início tardio da vida sexual e diminuição da taxa de casamento(6). Devem ser avaliadas periodicamente não só para controlo dos problemas médicos detectados durante a infância, mas também de forma a prevenir e detectar outras patologias com incidência aumentada nesta síndrome, nomeadamente osteoporose, hipertensão arterial, dislipidémia e diabetes(7). CONCLUSÕES Apesar de ser uma das doenças genéticas mais conhecidas e observadas em Pediatria, a sua apresentação pleomórfica e muitas vezes subtil, origina um número considerável de diagnósticos tardios, pelo que é importante conhecer as suas características clínicas principais, e eventualmente pedir o cariotipo em todas as raparigas com cardiopatia congénita, baixa estatura não explicada ou atraso pubertário(2). O acompanhamento deve ser multidisciplinar, não esquecendo aspectos neurofisiológicos e psicossociais, não só destas crianças como das suas famílias. TURNER SYNDROME, SEVERAL PRESENTATIONS OF THE SAME DISEASE ABSTRACT Turner Syndrome is a genetic condition with an incidence of 1 in 2.500 live female births. It shows a large constellation of clinical features with different levels of severity, from major cardiac defects to minor phenotypic findings. Short stature and ovarian failure are almost a constant. Besides cardiovascular manifestations, girls may present other abnormalities, mainly renal, cutaneous, neurological and in the skeletal system. The authors present four case reports of Turner Syndrome with different NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 clinical presentations: a newborn with phenotypic features at birth; a child with short stature; two adolescent twin sisters with failure of sexual maturation. Clinical features of Turner Syndrome can be mild; the absence of the typical manifestations, like lymphedema, webbed neck, low hairline, short stature and cubitus valgus, may delay the diagnosis. Key-Words: Turner Syndrome, lymphedema, webbed neck, short stature, gonadal failure Nascer e Crescer 2009; 18(3): 152-155 BIBLIOGRAFIA 1. Jones KL. 45X Syndrome. In: Smith`s Recognizable Patterns of Human Malformation, 6th ed. Philadelphia: Saunders Elsevier, 2006; 76-81 2. Melissa L. Loscalzo. Turner Syndrome. Pediatr. Rev. 2008;29:219-27 3. Sybert VP, McCauley E. Turner's syndrome. N Engl J Med. 2004;351(12):1227-38 4. Donaldson MD, Gault EJ, Tan KW, Dunger DB. Optimising management in Turner syndrome: from infancy to adult transfer. Arch Dis Child. 2006;91(6):513-20 5. Rapaport R. Hypergonadotropic hypogonadism in the female (primary hypogonadism). In: Kliegman RM, Behrman R, Jenson HB, Stanton BF, editors. Nelson Textbook of Pediatrics. 18th ed. Philadelphia: Saunders Elsevier, 2007; 2386-90 6. Bondy CA. New issues in the diagnosis and management of Turner syndrome. Rev Endocr Metab Disord. 2005;6(4):269-80 7. Bondy CA. Care of girls and women with Turner syndrome: A guideline of the Turner Syndrome Study Group. J Clin Endocrinol Metab. 2007;92(1):10-25 CORRESPONDÊNCIA Ana Ehrhardt Pinheiro R. das Margaridas, 251, Birre 2750-249 Cascais E-mail: [email protected] casos clínicos 155 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Encefalomielite Aguda Disseminada – Evolução Atípica Gisela Silva1, Teresa Mesquita Guimarães1, Telma Barbosa1, Lurdes Morais1, Fernanda Marcelino2, Inês Carrilho3, Rosa Amorim4, Virgílio Senra1 RESUMO A encefalomielite aguda disseminada (EMAD) é uma doença desmielinizante aguda monofásica do sistema nervoso central (SNC), cuja maior incidência é observada em idade pediátrica. A clínica é variável incluindo sintomatologia sistémica e neurológica. Os autores relatam o caso clínico de um jovem de onze anos de idade com alteração do estado de consciência, tetraplegia de instalação aguda e progressão ascendente associada a diminuição da acuidade visual e retenção urinária, que se desenvolveu após fase prodrómica. A ressonância magnética (RMN) cerebral e medular revelou áreas de hipersinal disseminadas. Os estudos laboratoriais não permitiram o diagnóstico etiológico. Efectuou tratamento com corticóides e imunoglobulina intravenosa (IGIV) e necessitou de abordagem multidisciplinar. Verificou-se recuperação de défices motores e da capacidade de esvaziamento vesical, mas persistência de atrofia óptica. A RMN cerebral realizada no seguimento revelou apenas atrofia óptica, sem outras alterações. Palavras-chave: Encefalomielite aguda disseminada, idade pediátrica, RMN cerebral Nascer e Crescer 2009; 18(3): 156-159 __________ 1 2 3 4 Serviço de Pediatria do H Maria Pia - CHP Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais e Pediátricos do H Maria Pia - CHP Serviço de Neuropediatria do H Maria Pia CHP Serviço de Medicina Física e Reabilitação do H Maria Pia - CHP 156 INTRODUÇÃO A encefalomielite aguda disseminada (EMAD) é uma doença desmielinizante monofásica do sistema nervoso central (SNC) com envolvimento multifocal da substância branca(1). A apresentação clínica é muito variável e inclui sintomas sistémicos, que surgem na designada fase prodrómica, nomeadamente febre, mal-estar, mialgias, cefaleias, naúseas, vómitos e sintomas neurológicos, como: défices focais/multifocais, ataxia ou perturbações do movimento, convulsões, nevrite óptica bilateral e mielopatia transversa(1,2). A maior incidência ocorre em idade pediátrica, afectando igualmente rapazes e raparigas(3). A EMAD apresenta uma incidência estimada de aproximadamente 0,8/100000 crianças por ano(1). Em ¾ dos casos, a etiologia é pós-infecciosa ou pós-vacinal(1,3). A patogénese não está perfeitamente esclarecida mas parece resultar de uma resposta auto-imune transitória contra a mielina ou outros auto-antigénios, por mecanismos de mimetização molecular ou por activação não específica de clones de células T auto-reactivas associados a factores de susceptibilidade genética(1,3). O diagnóstico da EMAD baseia-se em critérios clínicos e radiológicos(2,4) (ver Quadro I). O exame de eleição é a RMN cerebral que revela lesões de hipersinal disseminadas. O tratamento controverso envolve a utilização de corticóides em dose elevada como primeira linha. Na maioria dos casos há recuperação completa ao fim de algumas semanas ou meses(1-3). É de extrema importância o diagnóstico diferencial com outras entidades, nomeadamente, a esclerose múltipla, ciclo de pediatria inter hospitalar do norte cuja apresentação inicial é muitas vezes idêntica. Tal só é conseguido com o seguimento onde se demonstra, em exames imagiológicos seriados ao longo de um período de cinco anos, a ausência de aparecimento de lesões de novo nos casos de EMAD(2). RELATO DO CASO CLÍNICO Jovem do sexo masculino, de onze anos de idade, caucasiano, previamente saudável, que iniciou quatro dias antes do internamento, febre (temperatura axilar máxima: 38,3ºC), astenia, mialgias e cefaleias frontais. Sem outros sintomas acompanhantes, nomeadamente respiratórios, gastrointestinais ou exantemas. Sem vacinação recente nem contacto conhecido com pessoas doentes. Recorreu ao serviço de urgência (SU) da área de residência onde foi diagnosticado síndroma virusal, tendo alta com tratamento sintomático. No dia seguinte, recorreu novamente ao SU por aparecimento de vómitos, fotofobia, diminuição da acuidade visual e da força muscular nos membros inferiores (MI) e retenção urinária. Negava história de traumatismo ou de ingestão de drogas. Com referência no exame objectivo a temperatura subfebril (temperatura axilar: 37,6ºC) e alterações no exame neurológico, nomeadamente, midríase fixa bilateral, diminuição da acuidade visual e da força muscular nos MI com reflexos osteotendinosos (ROT´S) dificilmente despertáveis. Foi transferido para um Hospital Central medicado com ceftriaxone (100 mg/kg/dia) e aciclovir (50 mg/kg/dia) intravenosos. Na admissão encontrava-se febril (temperatura axilar: 38,4ºC), hemodinamicamente estável, sonolento, mas facilmente despertável; apresentava rigidez cervical, midríase fixa bilateral, diminuição da acuidade NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Quadro I - Critérios de diagnóstico da EMAD Características clínicas - Primeiro evento clínico de doença inflamatória ou desmielinizante do SNC - Início agudo ou subagudo - Apresentação polissintomática - Deve incluir encefalopatia - alteração comportamental aguda (ex. confusão ou irritabilidade) e/ou - alteração do estado de consciência (desde a sonolência ao coma) Figura 1 – RMN cerebral (T2-FLAIR) seta assinala lesão de hipersinal na região fronto-parietal direita - Evento deve ser seguido de melhoria clínica e/ou neurorradiológica - Sequelas podem incluir défices residuais - Diagnóstico de exclusão Recaídas de EMAD ocorrendo dentro de 3 meses após evento inicial devem ser considerados parte do mesmo evento agudo ou na fase de descontinuação ou nas 4 semanas após término de corticóide Achados característicos na RMN (em FLAIR e ponderação T2) - Lesões grandes (>1-2 cm), multifocais, hiperintensas, bilaterais e assimétricas , da substância branca nas regiões supra e infratentoriais. Por vezes, pode ser visível apenas uma lesão. - A substância cinzenta (em particular os gânglios da base e o tálamo) pode estar envolvida Figura 2 – RMN cerebral (T2-FLAIR) seta assinala lesão de hipersinal na região occipital direita - RMN da medula espinhal pode revelar lesões intramedulares confluentes, com hipersinal variável, juntamente com anomalias do parênquima cerebral - Sem evidência radiológica de alterações destrutivas prévias da substância branca Adaptado de : Krupp, LB,B, Tenembaum, S. Consensus definitions proposed for pediatric multiple sclerosis and related disorders. Neurology 2007; 68:S7. visual, edema papilar ligeiro OD>OE na fundoscopia, sem outras alterações nos pares cranianos e diminuição muito acentuada da força muscular nos quatro membros, sobretudo nos membros inferiores e mais à esquerda. Nível de sensibilidades superficiais no dermátomo D9; globo vesical palpável. Da investigação efectuada o estudo analítico revelou parâmetros infecciosos negativos, elevação dos marcadores de citólise hepática (aspartato transaminase- 128 U/L e alanina transaminase- 384 U/L). A gasimetria venosa e estudo da coagulação foram normais. O sedimento urinário e pesquisa de tóxicos na urina foram negativos. O exame citoquímico do líquor (LCR) revelou pleocitose (30 células) com 40 eritrócitos, glico e proteinorraquia normais e os exames bacteriológico e virulógico foram negativos. O estudo imagiológico realizado incluiu tomografia computorizada (TC) cerebral que não evidenciou alterações e RMN cerebral e medular que revelou múltiplas áreas de hipersinal na ponderação T2- Fluid Attenuated Inversion Recovery (FLAIR) nas regiões corticosubcorticais de ambos os hemisférios cerebrais (ver Fig. 1 e 2), protuberância (ver Fig. 3), medula espinhal (ver Fig. 4) e nervo óptico (ver Fig. 5). Foi iniciado tratamento com metilprednisolona intravenosa (1g/dia) pela hipótese de diagnóstico mais provável corresponder a EMAD. O restante estudo analítico revelou electroforese das proteínas séricas, estudo imunológico (doseamento de imunoglobulinas e factores do complemento) e estudo metabólico (doseamento de aminoácidos, ácidos orgânicos e lactato) normais. Figura 3 – RMN cerebral (T2-FLAIR) seta assinala lesão de hipersinal na região mediana e paramediana da protuberância Os resultados microbiológicos incluíram: hemocultura estéril; marcadores víricos para Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) e hepatite B negativos; serologias séricas (IgM e IgG) positivas para Mycoplasma pneumoniae, Vírus de Epstein-Barr (VEB), Parvovírus e Vírus Herpes Simplex-tipo 1 (VHS-1); IgM positiva para Citomegalovírus (CMV) e IgG positiva para Adenovírus. A pesquisa do ciclo de pediatria inter hospitalar do norte 157 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Figura 4 – RMN cerebral (T2-FLAIR) seta assinala lesão no cordão medular de C3-C4 até à região do cone medular Figura 5 – RMN cerebral (T2-FLAIR) seta assinala nevrite óptica à direita LCR, pela técnica de reacção da cadeia da polimerase (RCP) foi negativa para os agentes VHS-1, CMV , VEB, Adenovirus, Enterovirus, Virus Varicela Zooster, Mycoplasma pneumoniae e Rickettsia connorii. Durante as primeiras 72 horas, internado na Unidade de Cuidados Intensivos, e verificou-se agravamento clínico com períodos de grande sonolência, tetraplegia flácida arrefléxica (MIS :0; MSE: 1+ ; MSD: 1-2+), reflexos cutâneo-plantares indiferentes e nível de sensibilidades superficiais em D3-D4. Necessidade de algaliação por retenção urinária. Nessa altura, foi iniciada IGIV (400mg/Kg/dia) que manteve durante cinco dias. Posteriormente, houve melhoria progressiva mas lenta do quadro neurológico assistindo-se, em primeiro lugar, à recuperação da força muscular dos membros superiores e da acuidade visual (embora 158 mantivesse midríase no décimo primeiro dia de internamento). A recuperação da força muscular dos membros inferiores só se verificou a partir do décimo nono dia de internamento. Completou sete dias de ceftriaxone e aciclovir e a partir do quinto dia de internamento foi reduzida de forma progressiva a dose de corticóide, tendo cumprido um total de 30 dias de corticoterapia. O doente permaneceu algaliado por retenção urinária desde a admissão e com cateterismos intermitentes desde vigésimo quinto dia de internamento. A evolução analítica revelou normalização dos valores de transaminases com serologias séricas (repetidas às três semanas de doença) inconclusivas. Para exclusão do componente de radiculite associada foi realizada electromiografia (EMG) que não revelou lesão periférica. O doente teve alta após 40 dias de internamento mantendo algaliações intermitentes e fisioterapia intensiva diária. Foi orientado para consulta externa de Medicina Física e Reabilitação, Urologia, Oftalmologia e Neuropediatria. No seguimento clínico, verificouse recuperação total da força muscular. Manteve, no entanto, atrofia óptica bilateral (OD++), com a Tomografia de coerência óptica (TOC) do disco óptico a revelar atrofia quase total da camada de fibras nervosas e das células ganglionares. Os potenciais evocados visuais mostraram disfunção marcada das vias ópticas, campo visual central (tubular) à direita e com ligeira constrição à esquerda. Relativamente à disfunção do tracto urinário verificou-se recuperação da instabilidade vesical,após um período de treze meses em que foi integrado em ensaio duplamente cego com Alfachin® (alfuzonina) na dose de 0,1 mg/kg/dia. A RMN cerebral e medular, repetida dois meses e meio após o início dos sintomas, revelou desaparecimento das lesões de hipersinal, à excepção de nevrite óptica. DISCUSSÃO A encefalomielite aguda disseminada (EMAD) em idade pediátrica apresenta uma idade média de início da doença de seis anos e meio (1). Há no entanto, casos descritos em jovens, como o do doente ciclo de pediatria inter hospitalar do norte apresentado, e mesmo em adultos(1). A doença desenvolve-se geralmente após imunização ou infecção, sendo possível estabelecer uma relação temporal entre o início do evento febril e os sintomas neurológicos(1). Neste doente, não foi possível apurar a etiologia do evento clínico precedente. O curso clínico é rapidamente progressivo e no caso apresentado houve um intervalo de quatro dias entre a fase prodrómica e o aparecimento do quadro neurológico, o que é concordante com a literatura (média de 4,5 dias)(2). Dentro dos exames complementares de diagnóstico destacam-se o exame do LCR que pode apresentar características inflamatórias (linfocitose , elevação da proteinorraquia e da gamaglobulina e mais raramente das bandas oligoclonais de IgG), testes laboratoriais específicos (serologias para agentes infecciosos, exame cultural LCR e do sangue) para identificação ou exclusão de causa infecciosa subjacente e o estudo imagiológico(1-3,5). Dentro dos exames imagiológicos, a RMN cerebral e medular constitui o exame de eleição demonstrando lesões inflamatórias mal delimitadas disseminadas, sem efeito de massa que surgem como áreas de hipersinal em sequências ponderadas T2 e FLAIR(2,5). As lesões são tipicamente grandes, múltiplas e assimétricas, com atingimento preferencial da substância branca (subcortical) e envolvimento eventual da substância cinzenta (tálamo e gânglios da base), sem envolvimento do corpo caloso(2,3). O caso descrito corresponde a provável EMAD quer pela clínica de envolvimento multifocal com apresentação polissintomática quer pelos achados característicos da RMN e boa resposta à corticoterapia. Contudo, não foi possível apurar a etiologia não só pela ausência de dados sugestivos na história clínica como pelo facto das serologias serem inconclusivas e sofrerem a interferência de terapêutica com IGIV e ainda por não ter sido isolado qualquer agente no exame do LCR. O tratamento de primeira linha na EMAD consiste na administração de corticóide intravenoso (metilprednisolona 10-30mg/kg/dia até um valor máximo de 1g/dia)1 seguido ou não por curso de prednisolona oral na dose inicial de 2mg/ kg/dia, com redução progressiva ao longo NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 de quatro a seis semanas(1-3). O tratamento de segunda linha poderá incluir administração de ACTH (em doses elevadas), imunoglobulina intravenosa (IGIV), plasmaferese, agentes imunomoduladores/ citotóxicos além da cobertura antibacteriana e antivírica empírica (até exclusão de encefalite bacteriana ou vírica)(1-3). No caso apresentado efectuou-se tratamento simultâneo com corticóide e IGIV pelo agravamento clínico inicial apesar da instituição da corticoterapia. A resolução completa das lesões ocorre em 37 a 75% dos casos e a resolução parcial em 25 a 53% dos casos; também se verifica a ausência de aparecimento de lesões de novo(1,2). No presente caso a evolução foi atípica, sem aparecimento de sinais piramidais, como a hiperreflexia e espasticidade, o que poderá ser justificado pelo facto das áreas de hipersinal poderem corresponder mais a edema do que a lesão desmielinizante. Os sindromes do sistema nervoso periférico (como, a polirradiculoneuropatia) asociados a EMAD são raros(2), e foram excluídos através da electromiografia. A evolução neurológica do doente em termos motores foi favorável com recuperação dos défices motores e desaparecimento das imagens de hipersinal na RMN de controlo realizada 2 meses após o início da doença. Tratou-se, no entanto, de um quadro com recuperação muito lenta, já que só houve melhoria da força muscular nos membros inferiores a apartir do décimo nono dia de doença. No seguimento do doente, durante 24 meses, verificaram-se importantes sequelas visuais, o que não está de acordo com a literatura, onde é descrito um prognóstico favorável em praticamente todos os doentes(6). Desta patologia resultou ainda a disfunção do tracto urinário inferior, o que é relativamente comum, em particular, nos doentes com EMAD com lesões graves da medula espinhal(7,8). A recuperação pode ser incompleta e pode persistir mesmo após a recuperação de outros défices neurológicos(7). É sempre importante salientar que o seguimento do doente por uma equi- pa multidisciplinar foi uma chave fundamental para o sucesso alcançado. O acompanhamento a longo prazo será ainda crucial para o esclarecimento/confirmação diagnóstica já que não existem marcadores específicos para a EMAD e porque o prognóstico dependerá do risco de recorrência(6). CONCLUSÕES Salienta-se a importância de diagnóstico e tratamento precoces da EMAD e do apoio multidisciplinar, que condiciona um prognóstico mais favorável. Ainda de notar que o diagnóstico definitivo desta entidade dependerá da recorrência ou não dos episódios no seguimento doente. ACUTE DISSEMINATED ENCEPHALOMYELITIS - ATYPICAL OUTCOME ABSTRACT Acute disseminated encephalomyelitis (ADEM) is an acute monophasic demyelinating disease of the central nervous system (CNS). The highest incidence occurs in childhood. Clinical presentation includes systemic and neurological symptoms. The authors report the case of a eleven year old boy who presented a combination of altered state of consciousness, acute ascendant tetraplegy, lowering of visual capacity e urinary retention, after a prodromal phase. Cerebral and medullar magnetic resonance imaging (MRI) showed high signal disseminated areas. Laboratorial tests couldn’t establish an etiology. The treatment included corticosteroids and intravenous immunoglobulin and need for multidisciplinary team support. The patient recovered from motor deficits and became able to urinate, however optic atrophy persisted. Follow-up brain MRI during the following showed only optic atrophy. Key-words: Acute disseminated encephalomyelitis, childhood, brain MRI BIBLIOGRAFIA 1. Mengel T, Kieseier BC, Nessler S, Hemmer B, Hartung HP, Stuve O. Acute disseminated encephalomyelitis: an acute hit against brain. Cur Opin Neurol 2007,20:247-254 2. 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Micturitional disturbance in acute disseminated encephalomyelitis (ADEM). J Auton Nerv Syst,1996;60(3):200-5 CORRESPONDÊNCIA Gisela Marina Moreira da Silva Hospital Maria Pia, Porto Rua da Bovista, 827 4050-111 Porto Telemóvel: 919 200 724 e-mail: [email protected] Nascer e Crescer 2009; 18(3): 156-159 ciclo de pediatria inter hospitalar do norte 159 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Breast-feeding: a commentary by the ESPGHAN Committee on Nutrition ESPGHAN Committee on Nutrition: Carlo Agostoni, Tamas Decsi, Mary Fewtrell, Olivier Goulet, Sanja Kolacek, Berthold Koletzko, Kim Fleischer Michaelsen, Luis Moreno, John Puntis, Jacques Rigo, Raanan Shamir, Hania Szajewska, Dominique Turck, and Johannes van Goudoever JPGN 46:99–110, 2008. ABSTRACT This position paper on complementary feeding summarizes evidence for health effects of complementary foods. It focuses on healthy infants in Europe. After reviewing current knowledge and practices, we have formulated these conclusions: Exclusive or full breast-feeding for about 6 months is a desirable goal. Complementary feeding (ie, solid foods and liquids other than breast milk or infant formula and follow-on formula) should not be introduced before 17 weeks and not later than 26 weeks. There is no convincing scientific evidence that avoidance COMENTÁRIOS O aleitamento materno é, de facto, um tema recorrente mas é também um tema inesgotável, em que há e haverá sempre que dizer. Este Position Paper do Comité de Nutrição da ESPGHAN aborda várias facetas do Aleitamento Materno, mas incide preferencialmente sobre alguns pontos sobre os quais desenvolveria este comentário, que são: - adequação e promoção do aleitamento materno; - crescimento dos lactentes amamentados; - evidência científica sobre benefícios do aleitamento materno na promoção da saúde e na prevenção da doença inclusive a longo prazo, ou seja, na vida adulta; ADEQUAÇÃO E PROMOÇÃO DO ALEITAMENTO MATERNO O leite materno é a forma natural de alimentar os lactentes que permitirá com segurança, o seu melhor crescimento e desenvolvimento, contemplando prova- 160 artigo recomendado or delayed introduction of potentially allergenic foods, such as fish and eggs, reduces allergies, either in infants considered at increased risk for the development of allergy or in those not considered to be at increased risk. During the complementary feeding period, >90% of the iron requirements of a breast-fed infant must be met by complementary foods, which should provide sufficient bioavailable iron. Cow’s milk is a poor source of iron and should not be used as the main drink before 12 months, although small volumes may be added to complementary foods. It is prudent to avoid both early velmente mecanismos de ajuste e programação metabólica fundamentais para a homeostasia global do indivíduo não só a curto, mas também a médio e a longo prazos. Também, o leite materno encerra em si um carácter de exclusividade e especificidade na relação mãe-filho, que não passa só pela afectividade, mas também por sinaléptica bioquímica e microbiológica, modulada pela metabolómica e microbiómica, imprimindo e veiculando um conhecimento histórico da espécie mas também ambiencial em tempo real, que permite ao par mãe-filho a melhor adaptabilidade ao meio(1). Assim, a era metagenómica que estuda o material genético recolhido directamente de amostras do ambiente, permite o alargamento da abrangência do estudo quer de microbiomas (totalidade de micróbios de uma comunidade, do seu material genético e das suas interacções, num determinado ambiente) por exemplo a microflora intestinal, quer de metabolomas (totalidade de metabolitos e outras moléculas sinalizadoras de uma amos- (<4 months) and late (_7 months) introduction of gluten, and to introduce gluten gradually while the infant is still breastfed, inasmuch as thismay reduce the risk of celiac disease, type 1 diabetesmellitus, and wheat allergy. Infants and young children receiving a vegetarian diet should receive a sufficient amount (_500 mL) of breast milk or formula and dairy products. Infants and young children should not be fed a vegan diet. Key Words: Complementary feeding — Solid foods — Beikost — Breastfeeding — Dietary intakes — Early nutrition programming of adult health. tra biológica, que são os produtos finais da sua expressão génica), que dão um cenário muito mais completo da bioquímica, fisiologia e microbiologia humanas. Assim, esta plasticidade da expressão génica, modulação e programação metabólicas, decorrente de sinais ambientais em janelas críticas do desenvolvimento, imprimem um cunho único e pessoal, ou seja, uma plasticidade semelhante à homeostasia humana, afectando mais ou menos directamente o desenvolvimento de um estado de saúde ou de doença, no imediato ou em deferido. O papel do aleitamento materno neste tema tem sido alvo de intensa investigação e interesse, no que se refere ao possível efeito programador e modulador nomeadamente de teores proteicos, teores de colesterol, presença microorganismos com função probiótica e os oligossacáridos, com função prebiótica(2). Por tudo que foi exposto, e segundo a WHO (World Health Organization), o aleitamento materno deve ser assegurado, protegido e promovido. As mães necessitam de ser informadas e reforça- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 das, proactivamente, especialmente nos períodos pré-natal e pós-natal imediato, no sentido de praticar a amamentação exclusiva. A WHO e a UNICEF (United Nations Children´s Fund) desenvolveram o Baby-Friendly Hospital Initiative (BFHI) defendendo a adopção, pelas entidades que adiram a esta iniciativa, de 10 passos que suportam o aleitamento materno bem sucedido(3). O estudo PROBIT (The Promotion of Breastfeeding Intervention Trial), o primeiro estudo randomizado do BFHI, assenta na obtenção de evidência científica da relação entre um plano de intervenção para a promoção do aleitamento materno e a saúde do lactente(4). Este estudo pretende, através da randomização de lactentes para pertencerem a um programa de intervenção de promoção do aleitamento materno, avaliar o impacto do benefício, nomeadamente de um menor risco de infecção. De facto, este tipo de estudos pode ser bastante útil numa estratégia de investigação rigorosa e exequível para obviar bias, uma vez que evidência científica relativa ao aleitamento materno e sua associação com lactentes saudáveis tem vindo a ser baseada em estudos observacionais, por não ser praticável nem ético randomizar lactentes para amamentação ou aleitamento artificial. Estes estudos observacionais podem estar contaminados por numerosos bias relacionados com medições, selecção, factores confusionais e causalidade reversa, fazendo emergir dúvidas sobre a magnitude, e mesmo existência, por exemplo, do efeito protector do aleitamento materno contra a infecção, especialmente em contexto de países desenvolvidos, onde estes efeitos são mais difíceis de demonstrar, comparativamente a meios com elevada prevalência de pobreza, malnutrição e higiene deficitária(5). CRESCIMENTO DOS LACTENTES AMAMENTADOS O padrão de crescimento dos lactentes saudáveis alimentados com leite materno, que difere dos lactentes alimentados com fórmula, é reconhecido desde os anos 90 com base em estudos observacionais(6). Assim, os lactentes amamen- tados parecem mostrar um rápido crescimento durante os primeiros 3 meses de idade, seguido de ligeira diminuição dos z-scores do peso-para-a-idade dos 3 aos 12 meses de idade, relativamente aos alimentados com fórmula(6,7). Do mesmo modo, os z-scores do comprimento-paraa-idade dos lactentes alimentados exclusivamente com leite materno diminuem pelos 6 meses, mas recuperam pelos 12 meses, de forma a que estes lactentes sejam tipicamente mais magros que os lactentes alimentados com fórmula, por volta do ano de idade. De realçar, que o perímetro cefálico não difere entre os lactentes alimentados com leite materno ou fórmula, bem como os primeiros têm menor morbilidade e têm um normal desenvolvimento psicomotor, pelo que este padrão de crescimento dos lactente alimentados com leite materno, não está associado com quaisquer efeitos clínicos adversos (muito antes pelo contrário, como será referido a seguir) e não deve ser interpretado como crescimento deficitário que possa justificar a suplementação com fórmula, ou antecipação do início da diversificação alimentar, ou até considerar o leite materno deficitário quantitativa ou qualitativamente(6-8) . As curvas do NCHS (National Center for Health Statistics) de 1977, foram baseadas em dados recolhidos predominantemente de caucasianos alimentados com fórmula. Estas foram revistas em 2000 pelo CDC (Centers for Disease Control and Prevention), incorporando dados antropométricos de lactentes alimentados com leite materno e fórmula, bem como com maior variedade racial e étnica. Ainda assim, devido às limitações biológicas e técnicas destas curvas, a WHO publicou novas curvas de referência geradas de dados antropométricos de cerca de 8500 crianças do Brasil, Ghana, Índia, Noruega, Oman e Estados Unidos, o WHO Multicenter Growth Reference Study, publicados em 2006. Este documento pretende descrever como as crianças deveriam crescer em todos os países, em vez de descrever como cresceram num determinado tempo e espaço; ou seja, baseou-se em lactentes saudáveis, de gravidezes não gemelares, amamentados ou predominantemente amamentados pelo menos durante 4 meses, a crescer num ambiente circundante saudável, cujas mães não fumadoras antes e depois do parto, cumprissem as recomendações alimentares internacionais (Academia Americana de Pediatria –AAP e WHO). Estas curvas foram construídas com dados longitudinais e transversais, cujos padrões têm um carácter prescritivo e não descritivo, ou seja, elucidam de como as crianças devem crescer sob as melhores práticas de saúde, e não de como cresceram nas populações estudadas, ou seja, reunindo todas as condições para conseguirem atingir o seu máximo potencial genético, tendo exibido um padrão semelhante de crescimento em qualquer parte do mundo(9,10). O importante será dizer que nunca deve ser esquecido que as curvas de crescimento são utensílios que contribuem para a formulação de uma impressão clínica do lactente e criança e nunca devem ser usadas como um instrumento diagnóstico isolado. EVIDÊNCIA CIENTÍFICA SOBRE BENEFÍCIOS DO ALEITAMENTO MATERNO NA PROMOÇÃO DA SAÚDE E NA PREVENÇÃO DA DOENÇA Embora este documento esmiúce a evidência científica em várias áreas desse benefício, comentaria apenas alguns aspectos referentes ao desenvolvimento da obesidade pelo impacto actual desta patologia na sociedade. O tamanho e o padrão de crescimento do lactente parecem ser determinantes do desenvolvimento de sobrepeso e obesidade, mais tarde. De facto, ser um lactente grande (estar no limite superior de peso) bem como sofrer um crescimento rápido nos primeiros meses de vida parecem estar relacionados com o desenvolvimento posterior de sobrepeso/obesidade(11-13). A definição de grande para a idade e de crescimento rápido terá necessariamente a haver com as referências, ou seja, com as curvas de crescimento. Assim, e como acima foi dito, comparativamente às curvas da WHO, as curvas da CDC de 2000 reflectem uma amostra mais pesada e mais baixa (com excepção dos primeiros 3-6 meses de vida), de que resulta, quando usadas artigo recomendado 161 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 as curvas da WHO, menores taxas de subnutrição e maiores taxas de sobrepeso/obesidade, o que no contexto actual de elevada prevalência destas entidades clínicas, será certamente uma mais valia, uma vez que não subestima o problema real de saúde pública. Assim, e pelo acima explanado, o aleitamento materno pode ter um papel importante e precoce na prevenção desta patologia tão prevalente(14). Os mecanismos subjacentes ao efeito protector do leite materno contra a obesidade poderão ser vários, desde a quantidade de leite ingerida (saciedade do lactente melhor respeitada no aleitamento materno), menor teor energético e proteico do leite materno ( menor libertação de insulina e portanto menor armazenamento adiposo), menor taxa de crescimento após os 2-3 meses de idade, e influência da microflora no metabolismo energético. É sabido que a composição da flora intestinal com franco predomínio de bifidobactérias é apanágio do aleitamento materno, que é substancialmente diferente da composição da microflora do lactente alimentado com fórmula. Por outro lado, parece haver uma séria influência da microflora intestinal no metabolismo energético por diferentes mecanismos como sejam a extracção de energia a partir dos componentes não digeridos da dieta, a regulação do armazenamento de gordura (expressão do fasting-induced adipose factor - FIAF), a regulação da lipogénese através da regulação da expressão de enzimas como a aceil-CoA carboxilase (ACC) e a sintetase de ácidos gordos (FAS), e/ou a expressão de proteínas como a carbohydrate responsive element binding protein (ChREBP), a sterol responsive element binding protein (SREBP-1), ou ainda a regulação da oxidação dos ácidos gordos (actividade da AMP-activated protein kinase)(15,16). Em suma, as fórmulas infantis são apenas comida, enquanto o leite materno é um fluído nutricional complexo e __________ 1 Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria 162 artigo recomendado vivo, de composição dinâmica, variável e adaptada ao lactente e suas circunstâncias ambienciais, contendo anticorpos, enzimas, hormonas, entre outras substâncias bioactivas, todas parecendo ter um papel benéfico para a promoção da saúde e prevenção da doença. Helena Ferreira Mansilha1 Nascer e Crescer 2009; 18(3): 160-162 BIBLIOGRAFIA 1. Lonnerdal B. Personalized nutrient intakes of formula-fed infants: breast milk as a model. Nestle Nutr Ser Ped Prog, 2008; 62: 189-203. 2. Preidis GA, Versalovic J. Targeting the Human Microbiome with antibiotics, probiotics and prebiotics: Gastroenterology enters the Metagenomics Era. Gastroenterology, 2009; 136: 2015-2031. 3. WHO/UNICEF. Protecting, Promoting and Supporting Breastfeeding: The Special Role of Maternity Services. 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Methods: In this double-blind, placebo-controlled study, 326 eligible children (3–5 years of age) were assigned randomly to receive placebo (N = 104), Lactobacillus acidophilus NCFM (N = 110), or L acidophilus NCFM in combination with Bifidobacterium animalis subsp lactis Bi-07 (N = 112). Children were treated twice daily for 6 months. Results: Relative to the placebo group, single and combination probiot- COMENTÁRIOS Aqui temos um artigo actual, pela temática, e prático, pela aplicação na clínica diária. Para ajudarmos as crianças entre 3 e 5 anos de idade a passarem melhor o Outono e Inverno, estações em que as infecções das vias aéreas superiores têm maior incidência, iniciemos em Abril um suplemento alimentar dos probióticos referidos. Probióticos são agentes microbianos vivos, bactérias ou fungos que, quando ingeridos em quantidades suficientes, exercem um efeito benéfico no estado de saúde do hospedeiro(1). São veiculados em alimentos ou suplementos alimentares e em forma medicamentosa. Actuam indirectamente através da modelação da flora intestinal, influenciando o seu desenvolvimento e modificando a sua composição e actividade, e directamente através da produção de mediadores capazes de actuar, por exemplo, na permeabilidade da mucosa intestinal, ics reduced fever incidence by 53.0% (P = .0085) and 72.7% (P = .0009), coughing incidence by 41.4% (P = .027) and 62.1% (P = .005), and rhinorrhea incidence by 28.2% (P = .68) and 58.8% (P = .03), respectively. Fever, coughing, and rhinorrhea duration was decreased significantly, relative to placebo, by 32% (single strain; P = .0023) and 48% (strain combination; P < .001). Antibiotic use incidence was reduced, relative to placebo, by 68.4% (single strain; P = .0002) and 84.2% (strain combination; P < .0001). Subjects receiving probiotic products had significant reductions in days absent from group child care, by 31.8% (single strain; P = .002) and na redução da inflamação, no potencial virulento de agentes microbianos e na modelação e reforço imunitários. Mais especificamente, o seu mecanismo de acção pode esquematizar-se pelo local de actuação: lúmen intestinal, mucosa e submucosa(2). A nível luminal, os probióticos podem modelar a flora intestinal, elevando, ainda que transitoriamente, a flora benéfica, elaborando produtos antimicrobianos, conhecidos como bacteriocinas, influenciando a expressão genética das bactérias do que resulta uma diminuição da sua virulência (é o chamado “quórum sensing”: mecanismo pelo qual organismos unicelulares comunicam entre si) e pelo impedimento da adesão e colonização epitelial de bactérias patogénicas. A nível da mucosa, os probióticos têm capacidade de aumentar a produção e secreção de mucinas, reforçando assim a protecção conferida pelo revestimento mucoso do epitélio, o que dificulta, nome- 27.7% (strain combination; P < .001), compared with subjects receiving placebo treatment. Conclusion: Daily dietary probiotic supplementation for 6 months was a safe effective way to reduce fever, rhinorrhea, and cough incidence and duration and antibiotic prescription incidence, as well as the number of missed school days attributable to illness, for children 3 to 5 years of age. Key Words: Lactobacillus acidophilus NCFM • Bifidobacterium animalis subsp lactis Bi-07 • antibiotic usage • upper respiratory infections • colds • influenza • probiotics adamente, a adesão e invasão microbiana, em sinergia com o anteriormente referido; de aumentar a produção e secreçã, pelas células de Paneth, localizadas nas criptas, de produtos antibacterianos conhecidos como defensinas; de promover a integridade do epitélio, reforçando e reparando as proteínas de junção (ocludinas e claudinas) e sua resistência eléctrica, e reduzir a apoptose. A nível submucoso, os probióticos reforçam os mecanismos de defesa conferidos pela imunidade inata e adaptativa, pela diferenciação plasmocitária dos linfócitos B e aumento da produção de IgA, pela facilitação da resposta dos linfócitos T 1 auxiliadores e pela regulação da resposta alérgica, por- inibição da produção de anticorpos IgE; pela modelação de mediadores (interleucinas) pró e antiinflamatórios e pela activação de receptores opióides e canabinóides, activação que poderá conduzir ao alívio da dor visceral observada nas doenças inflamató- artigo recomendado 163 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 rias crónicas intestinais ou na síndroma do cólon irritável. Uma outra explicação para os benefícios obtidos, e, possivelmente, a obter ainda, reside na conhecida hipótese da higiene que formula que vivermos num ambiente de mais higiene, ou seja, menos infeccioso, tem como consequência um aumento das doenças atópicas, devido ao desequilíbrio das linhas celulares Th 1 e Th 2, a favor desta. No entanto, a constatação de que as doenças autoimunes têm vindo a aumentar, inclusivamente nos atópicos, faz pensar que a linha de que dependem, a Th1, está também estimulada, não havendo desequilíbrio, mas estimulação de ambas. Esta estimulação deve-se à falta de regulação por outras células, células T reguladoras, que por sua vez são estimuladas pelos agentes infecciosos. Estes, faltando, por mais higiene, vacinas e antibióticos, não exercem este seu ancestral papel. Ora uma maneira de recuperarmos o ecosistema, isto é, de nos infectarmos de novo, poderá ser com a ajuda de “novos amigos”, os probióticos(3). A simplicidade aparente do uso preventivo e curativo dos probióticos pode tropeçar com obstáculos difíceis de remover. É que os probióticos não actuam todos do mesmo modo, podendo inclusivamente exibir efeitos contraditórios, têm indicações específicas e podem ter os seus efeitos potenciados ou anulados pela combinação entre eles. Será algo parecido com os efeitos dos antibióticos, que não actuam da mesma maneira, uns servindo para uma determinada infecção, outros para outra, e que, quando combinados, podem ter efeitos benéficos ou perversos. A actuação dos antibióticos conta com a imunidade do doente, com condições anatómicas, etc., não bastando, como bem sabemos, (embora muitas vezes parecendo que não sabemos) prescrever um qualquer antibiótico para se debelar uma qualquer infecção. Tam- __________ 1 Professor de Pediatria do ICBAS/HGSA 164 artigo recomendado bém para obtenção de resultados benéficos pelos probióticos, deveremos contar com o desenvolvimento e estabelecimento naturais da flora intestinal, dependente de múltiplos factores, como o tipo de parto, natural ou por cesariana, o regime alimentar, o ambiente em que a criança vive e uso e abuso de antibióticos(4,5). Neste artigo recomendado, os autores escolheram dois probióticos e verificaram que administrados em conjunto produziam mais efeitos do que só um deles, o Lactobacillus acidophilus, não tendo apurado o que se passaria utilizando isoladamente o probiótico que juntaram, o bifidobacterim animalis. Para além dos presumíveis efeitos benéficos demonstrados no artigo, há outras áreas em que se tem procurado verificar o seu interesse: a nível intestinal, na cólica do lactente(6), na síndroma do cólon irritável,na doença de Crohn, na diarreia associada aos antibióticos ou infecciosa, particularmente a rotavirus e na sindroma do intestino curto; a nível extra-intestinal, na infecção por HIV e na prevenção da alergia(7,8). Acrescente-se que este último benefício pode ser obtido de modo indirecto, quando são administrados probióticos à grávida ou a lactante(9). Como acontece com qualquer medicamento, pode haver efeitos colaterais, como aconteceu em casos, muito isolados e particulares, de disseminação hematogénica(7). Continua aberto o caminho para o entendimento de que alterar a natureza implica uma futura factura, por vezes bem pesada, e que compreendendo-a e respeitando-a, poderemos, como será de esperar, obter benefícios, muitas vezes com atitudes muito simples. Tojal Monteiro1 Nascer e Crescer 2009; 18(3): 163-164 BIBLIOGRAFIA 1. United Nations, Food and Agriculture Organization of the United Nations/ World Health Organization. 2001. Health and nutritional properties of probiotics in food including powder milk with live lactic acid bacteria. Htpp:/ ftp.fao.org/es/esn/food/probio_report_en.pdf. 2. Sherman P M, Ossa J C, JohnsonHenry K. Unraveling mechanisms of action of probiotics. Nutr Clin Pract. 2009; 24:10-14. 3. Kligler B, Hanaway P, Cohrssen A. Probiotics in children. Pediatr Clin N Am. 2007;54: 949-967. 4. Penders J, Thigs C, Vink C. Factors influencing the composition of the intestinal microbiota in early infancy. Pediatrics 2006; 118: 511-521. 5. Alderberth I, Wold AE. Establishment of the gut microbiota in western infants. Acta Paediatrica 2009; 98:229238. 6. Savino F, Cresi F, Palumeri E, Tulio V, Roana J, Silvestro L, Oggero R. Intestinal microflora in breastfed colicky and non-colicky infants. 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However, critical factors to consider in teens are their de- COMENTÁRIOS Os problemas de adesão ao tratamento são transversais a todos os grupos etários, mas são particularmente importantes na adolescência, fase de desenvolvimento em que é esperado que os adolescentes assumam algumas responsabilidades nos cuidados de saúde. Mesmo em doenças graves(1,2), ou naquelas em que o controle de sintomas desagradáveis depende do cumprimento da terapêutica, como é o caso das doenças epilépticas(3), os problemas são comuns, comprometendo resultados mais satisfatórios. Por outro lado, nas doenças crónicas, em que os tratamentos são de duração prolongada, e por vezes complexos e geradores de efeitos secundários ou que limitam os hábitos de vida, os problemas de adesão são ainda mais significativos. O artigo percorre as questões que os profissionais de saúde devem ter em mente quando consideram os problemas de adesão ao tratamento em adolescentes: os aspectos ligados ao desenvolvimento, os aspectos emocionais e a disfunção familiar. Sugere também estratégias para melhorar a adesão, envolvendo o adolescente, considerando-o como um parceiro activo e fundamental nestas questões. velopmental stage and challenges, emotional issues and family dysfunction. Direct and indirect methods have been described to assess adherence. Eliciting an adherence history is the most useful way for clinicians to evaluate adherence, and could be the beginning of a constructive dialogue with the adolescent. Interventions to improve adherence are multiple – managing mental health issues appropriately, Relembra como as tarefas de desenvolvimento nos adolescentes podem interferir com a adesão à terapêutica: Nos adolescentes mais novos, o pensamento concreto, poderá causar dificuldades em prever as consequências, não observáveis ou de longo prazo do seu comportamento: só acreditam no que vêem ou experimentam. Os mais velhos, estão muito virados para si, na construção da sua identidade e conquista de autonomia. A doença e o tratamento são vistos como interferindo nessa imagem de si próprios e de ameaça à sua liberdade. O apoio familiar e de amigos, a obtenção de benefícios imediatos, assim como a convicção dos pais na gravidade da doença e na eficácia do tratamento, favorecem a adesão. A empatia do médico é um aspecto fulcral: se a relação com o médico for positiva, se este for visto como afável, caloroso e honesto com o adolescente, será provavelmente muito mais bem sucedido. Podemos muitas vezes constatar aspectos similares entre a relação que o adolescente estabelece com o médico e com os progenitores. Quando essa relação é de confiança e respeito mútuo, é muito provável que não surjam grandes dificuldades. Mas se a relação é building a strong relationship, customizing the treatment regimen if possible, empowering the adolescent to deal with adherence issues, providing information, ensuring family and peer support, and motivational enhancement therapy. Evaluation of adherence at regular intervals should be an important aspect of health care for adolescents. Keywords: Adolescent, Adherence, Compliance, Treatment de desafio, ou hostilidade, poderão então surgir problemas de incumprimento ou abandono, a não ser que o médico consiga conquistar a confiança do adolescente, fazendo dele um elemento de cooperação imprescindível. Uma conversa a sós com o adolescente, honesta, livre de censura ou de crítica, em que se explora os hábitos do adolescente, os incumprimentos, as dificuldades e obstáculos sentidos, a tolerância aos efeitos secundários, é o primeiro passo para tentar resolver problemas de adesão. Só depois de uma avaliação esclarecedora, revistas as reais dificuldades experimentadas, se podem estudar estratégias para as ultrapassar, ouvindo as ideias e sugestões do adolescente. Podem ser úteis os lembretes visuais ou sonoros, o emparelhar das tomas com hábitos do quotidiano (lavar os dentes, maquilhagem), repetir a informação, receber informação escrita, ou referenciar livros ou sites sobre a doença e tratamento. A tónica está então nesta capacidade do médico conseguir dialogar acerca deste assunto e no estabelecimento de uma relação de confiança mútua e de cooperação. artigo recomendado 165 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Por último, a autora salienta a necessidade de avaliar a adesão de forma regular. Podemos pois entender a adesão como um processo dinâmico, que pode sofrer variações de acordo com o estado emocional do adolescente, as suas prioridades e o funcionamento geral da família, e não simplesmente como um dado resolvido e adquirido quando o tratamento foi pela primeira vez explicado e proposto. Maria do Carmo Santos1 Nascer e Crescer 2009; 18(3): 165-166 __________ 1 Pedopsiquiatra do Hospital Maria Pia/CHPorto 166 artigo recomendado BIBLIOGRAFIA 1. Simoni JM. Montgomery A, Martin E. et al. 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Por ser uma causa tratável de HTA, é importante o diagnóstico atempado e a precocidade do tratamento, reduzindo as complicações decorrentes de uma HTA mantida. Apresenta-se o caso clínico de uma jovem de 16 anos com antecedentes de enxaqueca que recorreu a uma consulta de Pediatria por agravamento das cefaleias. No exame físico observou-se um valor muito elevado de pressão arterial (170/110 mmHg, superior ao percentil 95), que se manteve nos dias seguintes, em controlo ambulatório. O eco-Doppler abdominal e renal foi considerado normal e analiticamente destacava-se hipercolesterolemia e aumento da actividade da renina plasmática (20,2 ng/mL/h para valor referência de 0,2-0,3 ng/mL/h). Realizou angio-tomografia computorizada (angio-TC) abdominal que identificou estenose grave da artéria renal direita. Foi medicada com atenolol sem controlo da HTA. A arteriografia renal confirmou uma estenose grave da artéria renal direita (estenose de 70%). Foi realizada de imediato angioplastia desta artéria, com normalização do aspecto angiográfico. A medicação foi reduzida progressivamente e três semanas depois estava assintomática, com pressão arterial normal, suspendendo a terapêutica anti-hipertensiva. __________ 1 2 3 4 Serviço de Pediatria, Hospital de Faro, EPE Serviço de Pediatria, H S. Francisco Xavier, CHLO; Serviço de Pediatria, H Lusíadas, HPP Saúde; Serviço de Cardiologia Pediátrica, H Santa Cruz, CHLO A avaliação seis meses após a dilatação mostrou pressão arterial normal. Neste caso clínico destaca-se a importância da suspeição clínica da estenose da artéria renal pelo quadro clínico e idade da doente, que fundamentou a realização de angio-TC apesar do eco-Doppler renal não ser conclusivo. O tempo decorrido do diagnóstico até ao tratamento cirúrgico foi curto, e em menos de dois meses a doente ficou assintomática e com pressão arterial normal, dispensando o uso de anti-hipertensores a longo prazo. Palavras-chave: hipertensão renovascular, estenose da artéria renal, pediatria Nascer e Crescer 2009; 18(3): 167-170 INTRODUÇÃO A hipertensão arterial (HTA) afecta 1-5% das crianças e adolescentes. As causas secundárias de HTA são as principais responsáveis pela hipertensão pediátrica, contrariamente ao que ocorre no adulto(1-3). Entre estas, a doença renovascular é a segunda causa mais frequente de HTA tratável em Pediatria, atribuindose-lhe 5-25% dos casos de hipertensão secundária na criança sendo ultrapassada apenas pela coartação da aorta(1,2,4). A hipertensão renovascular referese a HTA resultante de lesão que condiciona limitação do fluxo sanguíneo a parte ou à totalidade de um ou de ambos os rins(4,5). As formas mais graves parecem envolver um processo isquémico relacionado com a estimulação do sistema renina-angiotensina. A hipoperfusão renal, por constrição ou redução do calibre vascular, estimula a libertação de renina resultando em vasoconstrição e produção aumentada de aldosterona, o que condiciona um aumento da volémia. Assim, o aumento da pressão arterial é a consequência final de dois factores: vasoconstrição aumentada e aumento da volémia(1). Algumas doenças congénitas estão associadas a hipertensão renovascular, incluindo hipoplasia arterial, neurofibromatose e síndrome de Williams(1,7). Na Europa, é mais comum a doença renovascular adquirida, mais frequentemente a estenose da artéria renal por displasia fibromuscular(1,2,4-7). Outras formas adquiridas incluem arterite de Takayasu, doença de Moyamoya, síndrome médioaórtico, doença de Kawasaki, coartação sub-ístmica, vasculite, trauma vascular, trombose da artéria renal e tumores(1,4,7). A abordagem diagnóstica da HTA na criança deve iniciar-se pela exclusão de coartação da aorta e de doença parenquimatosa renal que são as causas mais frequentes. Devem ser realizados radiografia torácica, ecocardiograma e avaliação laboratorial que inclua colheita de sangue para hemograma, velocidade de sedimentação eritrocitária, perfil lipídico, ionograma, ureia, creatinina e actividade da renina plasmática sérica, e colheita de urina de 24 horas para doseamento de creatinina, ionograma, ácido vanilmandélico e catecolaminas(1). Perante forte suspeita de doença renal vascular, o meio de diagnóstico de eleição é a arteriografia renal(1,2). Por ser um método invasivo, é habitual a realização prévia de outros exames de imagem, como ecografia com Doppler, tomografia computorizada ou ressonância magnética(1). Quando não diagnosticada e não tratada, a hipertensão renovascular pode associar-se a complicações graves, no- a cardiologia pediátrica na prática clínica 167 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 meadamente acidente vascular cerebral hemorrágico, encefalopatia hipertensiva com compromisso cognitivo e má progressão estaturo-ponderal(8). Os objectivos da terapêutica incluem a normalização da pressão arterial para minimizar as complicações da hipertensão e para preservar a função renal(7). A terapêutica com anti-hipertensores é frequentemente pouco eficaz nos casos de estenose da artéria renal. É muitas vezes necessário recorrer à associação de vários fármacos, o que, para além da problemática dos efeitos adversos, também dificulta a adesão à terapêutica(4). Um controlo sub-óptimo da hipertensão pode resultar em hipertrofia ventricular esquerda e disfunção diastólica importante(8). Por outro lado, mesmo com a normalização da pressão arterial, a hipoperfusão renal por estenose vascular pode condicionar deterioração da função renal(4). As opções não medicamentosas incluem a angioplastia percutânea com dilatação por balão ou implantação de stent e a revascularização cirúrgica, entre outros(1,4,7). Os excelentes resultados obtidos com estes procedimentos tornam-nos uma melhor opção terapêutica face à utilização de anti-hipertensores para o resto da vida(1). CASO CLÍNICO Adolescente de 16 anos, com antecedentes familiares de hipertensão arterial em ambos os progenitores. História pregressa de episódios recorrentes de hematúria na infância, com o diagnóstico de Nefropatia a IgA, não tendo sido realizada biópsia renal para confirmação do diagnóstico. Referência a episódios de cefaleias desde os 11 anos, com características de enxaqueca. Medicada com contraceptivo oral desde os 15 anos. Recorreu ao Pediatra Assistente em Outubro de 2008 por cefaleia mais frequente e mais intensa que o habitual, com pouca resposta aos analgésicos habituais. Da avaliação médica na consulta, destacava-se medição de pressão arterial (PA) de 170/110 mmHg (ambos acima do P95 para a idade e sexo). O registo anterior, cerca de 9 meses antes, era normal. O restante exame físico não apresentava alterações. Nos dois dias seguintes, em ambulatório, manteve registos de PA superior ao P95 para o sexo, idade e estatura, pelo que voltou à consulta. Mantinha elevação da PA (146/107 mmHg no membro superior direito, com valores idênticos no membro contralateral). Realizou radiografia torácica que foi normal. Figura 1 – Angio-TC abdominal: redução do calibre da artéria renal direita, a cerca de 1,2 cm da sua origem, com critérios de estenose luminal. 168 a cardiologia pediátrica na prática clínica Foi feita avaliação analítica alargada com análise sumária de urina, hemograma, glicémia, ionograma, avaliação da função renal, hepática e tiroideia, perfil lipídico e de auto-imunidade e actividade da renina plasmática. Colheu ainda urina de 24 horas para doseamento de creatinina, ionograma, ácido vanilmandélico e homovanílico e catecolaminas fraccionadas. Apresentava hipercolesterolemia (colesterol total de 226 mg/dL) e actividade da renina plasmática aumentada (doseamento em decúbito de 20,2 ng/mL/h, para valor de referência máximo de 2,3 ng/mL/h). A restante avaliação laboratorial foi normal. Fez estudo ultrassonográfico dos vasos abdominais por eco-Doppler, que evidenciou artérias renais de pequeno calibre, mas sem evidência de lesões. Foi programada realização de tomografia computorizada (TC) crânio-encefálica e angio-TC abdominal. A adolescente foi referenciada à Consulta de Cardiologia Pediátrica onde realizou ecocardiograma que mostrou espessura do ventrículo esquerdo no limite superior da normalidade, electrocardiograma e Holter de 24 horas sem alterações. A observação oftalmológica com fundoscopia foi também normal. Figura 2 – reconstrução tridimensional da angio-TC abdominal evidenciando estenose da artéria renal direita. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Foi medicada com atenolol na dose de 75 mg/dia e suspendeu o contraceptivo oral. Duas semanas depois realizou TC crânio-encefálica que era normal, e angio-TC abdominal que mostrou estenose da artéria renal direita (Figuras 1 e 2). Foi avaliada em Cardiologia Pediátrica dois dias depois, referindo melhoria significativa da cefaleia; a medição da PA era normal sob terapêutica anti-hipertensiva. Perante o diagnóstico imagiológico de estenose da artéria renal, foi submetida a cateterismo. Confirmou-se a presença de uma estenose da artéria renal direita com redução de 70% do calibre do vaso (Figura 3) e procedeu-se a angioplastia com balão Powerflex P3® 7.0/20 mm, dilatado até 10 atmosferas. Obteve-se bom resultado angiográfico final, sendo a estenose residual inferior a 10% do calibre do vaso (Figura 4). O procedimento decorreu sem complicações. Teve alta medicada com atenolol na dose de 25 mg/dia e antiagregação plaquetária em dose profiláctica. Três semanas depois estava clinicamente assintomática e com PA normal, pelo que suspendeu terapêutica anti-hipertensiva. Mantém seguimento regular em Consulta de Cardiologia Pediátrica, clinicamente assintomática e com valores normais de pressão arterial. DISCUSSÃO A estenose da artéria renal é uma causa frequente de hipertensão renovascular no jovem. Por ser uma causa tratável de HTA, o diagnóstico e terapêutica atempados são de extrema importância para prevenir complicações relacionadas com a hipertensão(1,2,7). Nesta doente havia registo de pressão arterial normal cerca de 9 meses antes do diagnóstico e a sintomatologia que motivou a consulta tinha uma evolução recente. Apesar de frequentemente assintomática, a hipertensão arterial pode apresentar sintomatologia variada. Num estudo recente que avaliou uma população pediátrica de 220 doentes com HTA, 19% eram sintomáticos, sendo a cefaleia a queixa mais frequente(9). A avaliação analítica da doente permitiu excluir algumas causas frequentes de HTA, nomeadamente lesão parenquimatosa renal, feocromocitoma, hipertiroidismo e doença auto-imune. O exame clínico, a radiografia torácica normal e Figura 3 – aspecto angiográfico inicial: grau de estenose da artéria renal direita de 70%. a realização de ecocardiograma permitiu excluir definitivamente a existência de coartação da aorta, diagnóstico mais frequente no grupo etário em questão. Nesta primeira avaliação, o eco-Doppler não revelou evidência de lesões da artéria renal e o resultado do doseamento da actividade da renina plasmática estava ainda em curso. No entanto, um quadro clínico de HTA mantida e sintomática numa adolescente previamente saudável obriga à exclusão de estenose da artéria renal, uma das causas mais frequentes de HTA secundária neste grupo etário. Está documentada a utilidade limitada do eco-Doppler neste tipo de lesão, não sendo possível excluir o diagnóstico com um exame normal(1,2,6). Num estudo retrospectivo de 17 casos de estenose da artéria renal, o exame ecográfico com Doppler foi descrito como normal ou inconclusivo em 86%(6). A arteriografia renal, apesar de constituir o meio de diagnóstico de eleição da estenose da artéria renal(1,2), é um método invasivo e por isso não foi a escolha na abordagem da doente, preferindo-se a realização de angio-TC abdominal, que permitiu o diagnóstico. Figura 4 – aspecto angiográfico após angioplastia com dilatação por balão: estenose residual inferior a 10% do calibre do vaso. a cardiologia pediátrica na prática clínica 169 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 As opções terapêuticas para a estenose da artéria renal incluem fármacos anti-hipertensores e várias modalidades cirúrgicas, sendo actualmente preferido o tratamento cirúrgico, potencialmente curativo, à terapêutica médica de longa duração, por vezes com um controlo inadequado da pressão arterial, dificuldades na adesão á terapêutica e complicações daí decorrentes(1,4,5,7,8,10). Nesta doente optou-se pela resolução da estenose através da angioplastia percutânea com balão, técnica relativamente simples, menos invasiva e menos dispendiosa que a revascularização cirúrgica (1,4); as complicações mais frequentemente associadas ao procedimento incluem trombose, perfuração vascular ou renal e dissecção da parede vascular(1). O sucesso desta técnica parece relacionar-se com a etiologia da lesão, sendo a angioplastia mais eficaz nos casos de displasia fibromuscular, aorto-arterite e síndrome médio-aórtico(7). A ocorrência de reestenose, estimada em 20-26% dos casos, é um dos problemas associados à angioplastia percutânea, podendo nestes casos repetir-se o procedimento(1,7). Outras opções terapêuticas, mais invasivas, incluem revascularização cirúrgica, autotransplante renal, nefrectomia e by-pass aorto-renal(1). No caso clínico descrito, 6 meses após a dilatação da estenose, a doente encontrava-se clinicamente bem, com valores normais de pressão arterial e sem terapêutica médica. COMENTÁRIOS FINAIS A estenose da artéria renal é uma causa frequente e tratável de hipertensão arterial secundária na criança, com bom prognóstico se diagnosticada e tratada atempadamente. Neste caso clínico destaca-se a importância da suspeição clínica da estenose da artéria renal pelo quadro clínico e idade da doente, que fundamentou a realização de angio-TC abdominal apesar do eco-Doppler renal não ter sido conclusivo. O tempo decorrido entre o diagnóstico e a terapêutica percutânea foi curto, e em menos de dois meses a doente ficou assintomática e com pressão arterial normal, dispensando o uso de antihipertensores a longo prazo. 170 RENAL ARTERY STENOSIS – CASE REPORT ABSTRACT Renovascular hypertension accounts for 5 to 25% of all causes of child and adolescent arterial hypertension. Being a treatable cause of hypertension, early diagnosis and prompt treatment are important to reduce long term complications related to persistent high blood pressure. The authors report a case study of a 16 year-old girl with known migraine, who was referred to a paediatric consultation for worsening headache. Physical examination was normal except for a very high blood pressure (170/110 mmHg, above the 95th percentile), which persisted in the following days at ambulatory control. Abdominal and renal echo-Doppler were described as normal and laboratory studies revealed hypercholesterolemia and high plasmatic renin activity (20,2 ng/ mL/h for a reference of 0,2-0,3 ng/mL/h). Abdominal angio-CT showed severe narrowing of the right renal artery. She was prescribed atenolol without full control of blood pressure. A right renal arteriography confirmed a 70% stenosis and immediate angioplasty was performed. The procedure was well succeeded and a final angiogram revealed resolution of the stenosis. She was kept on atenolol with progressive lower dosage. Three weeks later she had no complaints and blood pressure was normal. Six months after the intervention she remained asymptomatic and with normal blood pressure without any anti-hypertensive drug therapy. In this case report we highlight the importance of clinical suspicion of renal artery stenosis in our patient, based on age and clinical presentation. This suspicion justified the request of abdominal angio-CT even with an inconclusive echoDoppler. We achieved a rapid diagnosis and treatment. Two months after first consultation the patient was asymptomatic and blood pressure was normal, avoiding lifelong medication. Keywords: renovascular hypertension, renal artery stenosis, pediatrics Nascer e Crescer 2009; 18(3): 167-170 a cardiologia pediátrica na prática clínica BIBLIOGRAFIA 1. eMedicine - Medscape’s Continually Updated Clinical References [Internet]; c1994-2009. Renovascular Hypertension: Surgical Perspective [modificado 08 Aug 2008]. Acessível em: http://emedicine.medscape.com/ article/1017809-overview 2. Bayasit AK, Yalcinkaya F, Duzova A, Bircan Z et al. Reno-vascular hypertension in childhood: a nationwide survey. Pediatr Nephrol 2007;22:1327-33. 3. Grinsell MM, Norwood VF. At the bottom of the differential diagnosis list: unusual causes of pediatric hypertension. Pediatr Nephrol 2008 Mar [E-pub]. Acessível em: http://www.springerlink.com/ content/37108l6107114040 4. Kanitkar M. Renovascular Hypertension. Indian Pediatr 2005;42:47-54. 5. Shroff R, Roebuck DJ, Gordon I, Davies R et al. Angioplasty for Renovascular Hypertension in Children: 20-Year Experience. 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NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Caso Dermatológico Tiago Torres1, Iolanda Fernandes1, Manuela Selores1 Recém-nascido de 4 dias de vida (gestação de 38 semanas; parto vaginal) que desenvolveu múltiplas vesículas umbilicadas agrupadas com um halo eritematoso circundante localizadas ao vértex Figura 1 e região parietal direita posterior (Figura 1 e 2). Encontrava-se assintomático e o restante exame físico era normal. Analiticamente, não existiam alterações de relevo. A gravidez tinha decorrido sem qualquer incidente assim como o período pós-parto imediato. Qual o seu diagnóstico? Figura 2 __________ 1 Serviço de Dermatologia do Hospital de Santo António / CHPorto qual o seu diagnóstico? 171 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 DIAGNÓSTICO Herpes neonatal cutâneo localizado DISCUSSÃO A infecção neonatal pelo vírus herpes simplex (VHS) encontra-se entre as infecções neonatais mais graves, podendo resultar de infecção pelo VSH-1 ou VSH-2, estando o último associado a um pior prognóstico. A incidência estimada é de 15 casos por 100000 embora muitos autores considerem que esteja subestimado(1). O principal factor de risco para infecção neonatal pelo VHS é a primoinfecção herpética genital materna, especialmente na segunda metade da gravidez. Nestes casos, a incidência de herpes neonatal é de cerca de 50%, enquanto que em mães com infecção herpética recorrente, a incidência é inferior a 3%(2). Contudo, a maioria dos casos (70%) resultam da exposição ao vírus em mães assintomáticas (sem lesões mas com libertação do vírus). Assim, o diagnóstico requer uma elevada suspeita clínica, uma vez que, apenas uma minoria das progenitoras tem história de herpes genital, embora estejam infectadas. Cerca de 85% dos casos são adquiridas durante o parto, embora infecções in útero (5%) e pós-natais (10%) possam ocorrer(3). O herpes neonatal pode ser localizado à pele, olhos e boca (45%), envolver o SNC (30%) ou causar doença disseminada envolvendo vários órgãos como o fígado, pulmões e cérebro (25%). A forma disseminada é a mais grave estando associada a uma mortalidade de 85% quando não tratada. Cerca de 70% dos casos de infecção herpética neonatal localizada irá progredir para doença disseminada ou envolvimento do SNC(4), pelo que, o diagnóstico correcto das lesões cutâneas é essencial. 172 qual o seu diagnóstico? O diagnóstico é essencialmente clínico, embora vários exames laboratoriais possam ser úteis. O teste de citodiagnóstico de Tzanck pode permitir um diagnóstico rápido quando mostra células epiteliais multinucleadas gigantes características e células acantolíticas, contudo, a sua sensibilidade e especificidade para a infecção por VHS é baixa. O isolamento do vírus no conteúdo de uma vesícula, por detenção de DNA vírico por PCR (polymerase chain reaction assay) ou por cultura, é o método diagnóstico ideal, permitindo um diagnóstico definitivo(1,5). A serologia tem pouco valor diagnóstico, sendo apenas importante para caracterizar a doença materna como primária ou recorrente. No caso deste recém-nascido, o citodiagnóstico de Tzanck foi compatível com infecção por VHS e foi detectado, por método de PCR, DNA de VHS-2 no conteúdo da vesícula. O exame ginecológico da mãe foi negativo para lesões de herpes genital, mas a serologia confirmou infecção materna por VHS-2. O tratamento recomendado para herpes neonatal mucocutâneo é o aciclovir na dose de 20mg cada 8 horas durante 14 dias. Este regime permitiu reduzir para 2% a mortalidade associada a estes casos. No caso de encefalite ou doença disseminada o tratamento deve ser de 21 dias(6). A monitorização da função renal e estado de hidratação é extremamente importante, assim como todas as medidas de suporte em casos de doentes em estado grave. Neste doente, a terapêutica com aciclovir foi iniciada imediatamente após a observação, com base na suspeita clínica, tratamento que decorreu sem efeitos secundários e com resolução total das lesões. A instituição precoce da terapêutica antivirica foi essencial de forma a evitar a possível progressão para doença sistémica, que pode ocorrer até 70% dos casos. Outros antivíricos, nomeadamente o valaciclovir e o famciclovir não oferecem qualquer vantagem sobre o aciclovir, pelo que não estão recomendados na infecção neonatal por VHS. O diagnóstico precoce da infecção herpética neonatal é essencial, sendo a suspeita clínica e a investigação diagnóstica apropriada da maior importância, uma vez que o tratamento precoce melhora consideravelmente o prognóstico desta infecção. Nascer e Crescer 2009; 18(3): 171-172 BIBLIOGRAFIA 1. Anzivino E, Fioriti D, Mischitelli M, et al. Herpes simplex virus infection in pregnancy and in neonate: status of art of epidemiology, diagnosis, therapy and prevention. Virol J. 2009; 6: 6-40. 2. Whitley R: Neonatal herpes simplex virus infection. Curr Opin Infect Dis. 2004; 17: 243-246. 3. Freedman E, Mindel A, Jones CA. Epidemiological, clinical and laboratory aids for the diagnosis of neonatal herpes - an Australian perspective. Herpes. 2004; 11: 38-44. 4. Nahmias AJ. Neonatal HSV infection Part I: continuing challenges. Herpes. 2004;11: 33-37. 5. Enright AM, Prober CG. Neonatal herpes infection: Diagnosis, treatment and prevention. Semin Neonatol. 2002; 7: 283-291. 6. Kropp RY, Wong T, Cormier L, et al. Neonatal herpes simplex virus infections in Canada: results of a 3-year national prospective study. Pediatrics. 2006; 117: 1955-1962. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Caso Estomatológico José M. S. Amorim1 Criança de 6 anos de idade que foi enviada à consulta de Estomatologia devido a odontalgia difusa e fractura espontânea das coroas dentárias com progressão lenta. Ao exame objectivo a criança apresenta razoável desenvolvimento estato-ponderal. A nível oral apresenta boa higiene oral, não sendo visíveis cáries dentárias. No entanto, as peças dentárias encontram-se fracturadas apresentando algumas delas exposição da polpa dentária e na maioria esta é visível à transparência (Figura 1). Antecedentes pessoais e familiares irrelevantes. Face ao descrito: Qual o seu diagnóstico? Qual a sua atitude? Figura 1 __________ 1 Serviço de Estomatologia Hospital Maria Pia / CH Porto qual o seu diagnóstico? 173 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 DISCUSSÃO No caso exposto o diagnóstico a colocar é o de Dentinogénese Imperfeita (ou Dentina Opalescente Hereditária). A Dentinogénese Imperfeita é uma anomalia de desenvolvimento da estrutura dentária, de transmissão genética autossómica dominante, que se caracteriza por defeitos na dentina, tanto na dentição decídua como permanente. Esta alteração tem origem na mesoderme e surge com frequência associado à osteogénese imperfeita. A dentina é mal formada e apresenta um conteúdo mineral anormalmente baixo. O canal pulpar encontrase estenosado/obliterado, mas o esmalte é normal. Os dentes afectados apresentamse clinicamente com coloração alterada, podendo ser de cinza-azulada a castanho-amarelada e coroas curtas e 174 qual o seu diagnóstico? bulbosas, com exposição dentinária e desgaste. Os dentes desgastam-se rapidamente, deixando curtos cotos castanhos. Radiograficamente, os dentes aparecem com raízes curtas e câmaras pulpares obliteradas. A Dentinogénese Imperfeita foi classificada por Shields e col em 3 tipos: - Tipo I: Dentinogénese Imperfeita associada sempre a Osteogénese Imperfeita (surge mais frequentemente na dentição decídua) - Tipo II: Dentinogénese Imperfeita sem a Osteogénese Imperfeita (surge igualmente na dentição definitiva e na dentição decídua) - Tipo III: Dentinogénese Imperfeita “tipo Brandywine” é rara O tratamento deve ser conservador, visando preservar a estrutura dentária e restabelecer função e estética. É importante que o profissional de saúde oral saiba identificar a Dentinogénese Imperfeita desde os seus primeiros sinais para oferecer orientação à família sobre a alteração e os cuidados a serem tomados. Neste caso foi colocada uma prótese adaptável às raízes dos dentes decíduos remanescentes em condições clínicas satisfatórias para manutenção. Nascer e Crescer 2009; 18(3): 173-174 BIBLIOGRAFIA Cawson´s Essentials of Oral Pathology and Oral Medicine – R.A. Cawson – seventh edition – Churchill Livingstone, 2002 - Pag.22-25 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Caso Radiológico Filipe Macedo1 Criança do sexo masculino, 10 anos de idade com tumefacção do braço esquerdo já conhecida e em seguimento. Figura 1 Sem traumatismo e sem dor. Faz RX de controlo. Figura 2 Qual o seu diagnóstico? Figura 3 __________ 1 Especialista em Radiodiagnóstico – SMIC - Porto qual o seu diagnóstico? 175 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 RELATÓRIO Osteocondroma do úmero esquerdo em seguimento. DISCUSSÃO O osteocondroma é um tumor benigno, frequente, caracterizado por excrescência de osso histologicamente normal, na vizinhança de uma placa de crescimento. Ocorre nas metáfises, mais frequentemente nos membros inferiores e em particular nos joelhos(1) mas pode ocorrer em qualquer osso com ossificação encondral. Pode ser séssil ou pediculado Pode surgir expontaneamente, após traumatismo ou radiação ou ainda associado a hereditariedade autossómica dominante, sob a forma de lesões múltiplas. Nos casos assintomáticos faz-se geralmente apenas o acompanhamento da lesão sendo que na altura da maturidade do esqueleto a maioria das lesões deixa de crescer. COMPLICAÇÕES Manifestam-se geralmente pelo aparecimento de dor local. - compressão óssea: deformidades/ angulações, alterações no crescimento da fise. - compressão das partes moles: compressão neurovascular (pseudoaneurisma, atrofia muscular) e 176 qual o seu diagnóstico? tendinosa (tenossinovites), bursites reactivas. - fractura por traumatismo directo (sobretudo nas lesões pediculadas). - transformação condrossarcomatosa: rara na criança(2). IMAGIOLOGIA 1 – RX convencional Na maioria das lesões assintomáticas é suficiente para fazer o diagnóstico e para o seguimento. Observa-se lesão óssea expansiva, de contorno mais ou menos regular, séssil ou pediculada com continuidade entre o córtex do osso normal e a lesão. Nos casos pediculados a extremidade da lesão aponta geralmente em direcção oposta à da articulação mais próxima. Pode haver uma matriz calcificada de tipo condróide devido ao componente cartilagíneo da lesão. Sem reacção perióssea. 2 – Ecografia Interesse sobretudo na abordagem inicial de uma tumefacção (diagnóstico diferencial entre natureza óssea ou de partes moles). 3 – TC Aplicações semelhantes à da RMN embora com menor valor na avaliação das partes moles adjacentes e com a desvantagem da radiação ionizante. 4 – RMN É o melhor método para avaliar complicações ósseas e de partes moles e planeamento pré-operatório (relação com as estruturas neuro-vasculares). Permite também avaliar a espessura da camada cartilagínea (se maior de 3 cm na criança há maior risco de transformação sarcomatosa). Em termos imagiológicos está pois indicada a radiografia convencional para o diagnóstico inicial e seguimento dos casos assintomáticos e a RMN para avaliação das complicações e mapeamento pré-operatório(3). Nascer e Crescer 2009; 18(3): 175-176 BIBLIOGRAFIA 1. Murphy MD, Choi JJ, Kransdorf MD, Flemming DJ, Gannon FH. Imaging of osteochondroma. 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Foi internado precocemente, aos 15 dias de vida, por dificuldades alimentares e episódios de engasgamento e aos 2 meses por derrame pericárdico de etiologia não infecciosa. Aos 3 e 4 meses foi novamente internado, por uma infecção respiratória e uma infecção urinária, respectivamente; evidenciava já um crescimento desadequado. À data da primeira observação em consulta, era evidente a má evolução estaturo-ponderal (peso no <<P5, comprimento <<P5), microcefalia (perímetro cefálico <P5) e atraso no desenvolvimento psicomotor (ausência de controle cefálico e de preensão palmar). Apresentava um fácies peculiar com hipertelorismo, estrabismo convergente e filtro longo; mamilos invertidos, distribuição peculiar do tecido gordo subcutâneo e criptorquidia (figura 1). Ao exame neurológico era notória a hipotonia axial, reflexos pouco vivos e uma rigidez à mobilização dos membros, mais acentuada a nível das articulações coxofemurais. Tinha já realizado hemograma, bioquímica, equilíbrio ácido-base e cariótipo Figura 1 – Estigmas dismorficos patentes nesta criança: A – estrabismo, hipertelorismo e filtro longo; B – mamilos invertidos; C- Deposição anormal da gordura subcutânea. __________ 1 2 3 U. Metabolismo, S. Pediatria, CHPorto, UHMPia Centro de Genética Médica Jacinto Magalhães S. Pediatria, Hospital Vila Real, CHTMADouro convencional com BAR que eram normais (46,XY). Trazia também ecografia transfontanelar, abdominal e reno-pélvica normais com excepção de ligeira diminuição da ecogenicidade renal e presença de testículos laterais à bexiga. Com a evolução verificou-se um agravamento da sintomatologia com aparecimento de crises convulsivas, ataxia, alterações esqueléticas e da função hepática. Efectuou uma RMN Cerebral aos 6 meses de idade em que era evidente atrofia cerebelosa (figura 2). Que outros exames complementares de diagnóstico pediria? Qual o seu diagnóstico? A B C D Figura 2 – RM encefálica (A – corte sagital ponderado em T1, B – corte axial ponderado em T2 e C e D – cortes coronais ponderados em T1(3D-SPGR) e T2) evidenciando a atrofia cerebelosa. qual o seu diagnóstico? 177 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 DISCUSSÃO Foi solicitado estudo metabólico com determinação da transferrina deficiente em carbohidratos (CDT) cujos valores vieram aumentados. A focagem isoelétrica da transferrina realizada posteriormente permitiu chegar ao diagnóstico de um Defeito Congénito da N-Glicosilação tipo I e o estudo enzimático mostrou um defeito em fosfomanomutase 2 estabelecendo o diagnóstico de defeito congénito da N-glicosilação tipo Ia ou PMM2 (CDG Ia) utilizando a actual nomenclatura baseada no nome do gene. Os defeitos congénitos da glicosilação são um grupo de doenças hereditárias caracterizadas por alteração na ligação ou no processamento dos oligocassacarideos, correspondendo actualmente a grande maioria a defeitos da N-glicosilação. Os oligossacaridos desempenham um papel muito importante no metabolismo, estrutura e função das glicoproteínas e de outros glicoconjugados, cuja distribuição é universal no organismo e aos quais se atribui uma enorme diversidade de funções. Desta forma se compreende que este tipo de doenças tenha um atingimento sistémico tão marcado e variável. O PMM2 (CGD-Ia) - OMIM 601785, é causado pelo défice em fosfomanomutase 2, enzima codificada pelo gene PMM2 localizado no cromossoma 16p13. Tem carácter autossómico recessivo e uma incidência estimada de 1:40.000 a 1:80 000, sendo o defeito mais comum da N-glicosilação. Apesar das manifestações clínicas poderem variar em fenótipo e gravidade, esta doença caracteriza-se de um modo geral pela presença de: - Doença neurológica, moderada a grave - Dismorfias, mais ou menos típicas - Envolvimento variável de diferentes órgãos. 178 qual o seu diagnóstico? O envolvimento neurológico é praticamente constante, sendo os achados mais proeminentes o estrabismo, movimentos anormais dos olhos, hipotonia, atraso psicomotor, ataxia, epilepsia, episódios stroke-like e mais tardiamente neuropatia periférica. Caracteristicamente estes doentes apresentam na RMN cerebral atrofia ponto-cerebelosa e alargamento dos sulcos. Geralmente ocorre má evolução estaturo-ponderal, nos primeiros meses de vida, associada a e estigmas dismórficos que nos casos típicos inclui: ponte nasal larga, pavilhões auriculares grandes e proeminentes, lábio superior fino, fronte proeminente, distribuição anormal do tecido adiposo, áreas de lipodistrofia e inversão mamilar. O envolvimento de outros órgãos e sistemas como seja o coração, o rim, o fígado, o sistema hemático, endócrino e imunológico, levando ao aparecimento de derrame pericárdico, cardiomiopatia, síndrome nefrótico, falência hepática, alterações da coagulação ou hormonais e infecções graves é frequente. Podem colocar-nos na pista deste tipo de doenças, alterações em parâmetros analíticos de substancias que são glicoproteinas como a ceruloplasmina, haptoglobina, α2- macroglobulina, tiroglobulina, transcobalamina, tranferrina, antitrombina, factores da coagulação, plasminogenio, proteína C e proteína S, FSH, LH, prolactina e TSH, α1- antitripsina, Complemento (C3a, C4a, C1), imunoglobulinas cuja função pode estar alterada nesta patologia. Níveis séricos diminuídos de albumina, cobre, ferro, zinco, colesterol total, T3 e T4 são achados frequentes. O diagnóstico faz-se pela determinação da CDT seguida da focagem isoelétrica da transferrina e posteriormente pelo doseamento da fosfomanomutase 2 em leucócitos ou fibroblastos. O aconselhamento genético é possível e está indicado nas gestações seguintes. O diagnóstico prenatal é possível pelo estudo molecular de ADN extraído dos amniócitos ou através de biópsia das vilosidades coriónicas. O CDG tipo Ia é a forma mais frequente de doenças da glicosilação e o único que apresenta aspectos fenotípicos característicos. Deve considerar-se a realização de rastreio de CDG em crianças com compromisso neurológico, especialmente naquelas com hipoplasia cerebelosa e distribuição anormal da gordura corporal e estigmas dismórficos. Nascer e Crescer 2009; 18(3): 177-178 BIBLIOGRAFIA • • • • • J. Jaeken. Congenital Disorders of Glycosylation. In Inborn Metabolic Diseases Diagnosis and Treatment. 4th edition. 2006; 524-530. J. Jaeken, T. Hennet, H.H.Freeze, G. Matthijs. 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NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 XXI REUNIÃO DO HOSPITAL DE CRIANÇAS MARIA PIA Da Infância ao Adulto Jovem 22 a 25 de Novembro de 2009 HOTEL IPANEMA PARK - PORTO Patrocínio Científico da Sociedade Portuguesa da Pediatria XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 179 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Infecções do Trato Urinário Célia Madalena1 A infecção do trato urinário (ITU) febril é actualmente considerada a infecção bacteriana grave mais frequente no lactente e criança pequena, nos países desenvolvidos. Pode levar ao desenvolvimento de cicatrizes renais (10-30 %), que são um factor de risco conhecido de hipertensão arterial e doença renal crónica a longo prazo. A apresentação clínica da ITU pode ser inespecífica, particularmente no lactente e crianças com menos de 3 anos, o que dificulta o seu diagnóstico. Neste grupo etário a colheita de urina e interpretação dos resultados não é fácil, sendo, muitas vezes, difícil a confirmação do diagnóstico. A história natural das ITU na criança, nas últimas décadas, foi alterada com o aparecimento dos antibióticos e a melhoria dos cuidados de saúde. A abordagem clássica da ITU na criança, que inclui o estudo imagiológico, profilaxia antibiótica e prolongado seguimento, tem sido questionada nos últimos anos, dado o elevado custo e stress para a criança e família sem evidência de benefício. Têm surgido vários trabalhos científicos, baseados em estudos randomizados, que questionam quer a profilaxia antibiótica prolongada quer o estudo imagiológico realizado a todas as crianças com ITU. O National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE) publicou, em Agosto de 2007, recomendações, baseadas nas evidências científicas, acerca do diagnóstico, tratamento e seguimento a longo prazo das crianças com ITU. Foram identificadas as crianças de alto risco, a merecer estudo, nomeadamente: crianças com ITUs recorrentes, fraco jacto urinário ou rins palpáveis, infecção por agentes não - Escherichia coli, bacteriemia ou septicemia, aumento da creatinina sérica, ausência de resposta ao tratamento antibiótico em 48-72 horas, dilatação __________ 1 CHPVarzim/VConde controvérsias em nefro-urologia S 180 XXI reunião do hospital de crianças maria pia conhecida ou diagnóstico antenatal de anomalia do aparelho urinário. Todas as crianças com pelo menos um destes critérios devem ser investigadas. É proposto que crianças com uma primeira ITU não complicada, febril ou não febril, causada por Escherichia coli, com boa resposta ao tratamento, não necessitem de estudo de imagem, a menos que tenham ITUs recorrentes. No entanto, a investigação da criança com ITU permanece controversa. A abordagem da ITU na criança constitui um desafio para o Pediatra desde o seu diagnóstico até ao seu seguimento a longo prazo. Devemos desenvolver todos os esforços para identificar as crianças de risco para doença renal crónica e insuficiência renal terminal. Nascer e Crescer 2009; 18(3): 180 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Nefropatia de Refluxo Carmen do Carmo1, Conceição Mota2, Elói Pereira3 RESUMO A nefropatia de refluxo caracterizase pela presença de cicatrizes renais, focais ou difusas, secundárias a lesões irreversíveis do parênquima renal. É uma causa importante de insuficiência renal crónica em idade pediátrica e tem uma evolução clínica insidiosa. Pretende-se fazer uma abordagem teórica da etiologia, patogenia, estudo complementar de diagnóstico e complicações da doença. Serão também debatidos os aspectos controversos que rodeiam a prevenção e o tratamento das complicações que continuam a ser um desafio permanente e actual. Palavras-chave: refluxo vésico-ureteral, nefropatia de refluxo Nascer e Crescer 2009; 18(3): 181-184 INTRODUÇÃO A nefropatia de refluxo (NR) caracteriza-se pela presença de cicatrizes renais, focais ou difusas, secundárias a lesões irreversíveis do parênquima renal, que são identificadas como zonas de hipocaptação no cintigrama renal realizado com 99mTC-DMSA(1). Esta designação foi adoptada na década de setenta por Bailey em substituição do termo pielonefrite crónica, com o intuito de salientar a importância do refluxo vesico-ureteral (RVU) como causa da lesão renal(2). Nesta patologia há a distinguir dois tipos de cicatrizes, as primárias ou con__________ 1 2 3 Assistente Hospitalar de Nefrologia Assistente Graduada de Nefrologia do Hospital Maria Pia Chefe de Serviço de Nefrologia do Hospital Maria Pia génitas e as adquiridas. As primeiras estão associadas a um desenvolvimento metanéfrico anormal e surgem na ausência de infecção do tracto urinário (ITU), e as segundas são sequelas de um ou vários episódios de pielonefrite aguda, na presença de RVU, com entrada de urina infectada para os canais colectores através das chamadas papilas refluxivas(3). Esta patologia é uma causa significativa de hipertensão arterial (HTA) e doença renal crónica (DRC) em idade pediátrica, por essa razão os doentes devem ser vigiados de forma a detectar, precocemente, proteinúria e/ou elevação da pressão arterial, e assim prevenir ou atrasar a progressão para a insuficiência renal crónica (IRC) terminal. As diferentes abordagens na prevenção e no tratamento das complicações contribuem para a controvérsia que continua a rodear esta entidade, tornando-a por esse motivo um desafio permanente e actual(4). EPIDEMIOLOGIA A incidência da NR na população correlaciona-se directamente com a incidência do RVU. Em idade pediátrica, a frequência do RVU chega a ser de 17,2%, e um terço destes doentes desenvolvem NR(1). Vários factores parecem influenciar o aparecimento das lesões renais, nomeadamente, o sexo, a raça, a idade da primeira pielonefrite aguda nas crianças com RVU, o número de ITU’s, o grau de RVU e, por último, a predisposição genética. Várias séries demonstraram uma maior prevalência de NR no sexo feminino, contudo as cicatrizes renais associadas a complicações como a IRC são mais frequentes no sexo masculino(3,5). O factor racial também parece influenciar o desenvolvimento da doença, porque se verifica que as crianças de raça negra têm uma menor incidência de RVU(5). A idade em que a criança com refluxo tem o primeiro episódio de pielonefrite aguda, assim como o número de infecções, também se correlacionam com a gravidade das lesões renais, sendo a incidência de cicatrizes renais de 23.7% em crianças em que a primeira ITU ocorreu com menos de 2 anos, 9.8% nas com idade entre os 2 e os 4 anos, e 4.6% nas de idade superior a 5 anos (5) . Mais ainda, o aparecimento de cicatrizes renais está directamente relacionado com o número de infecções altas do aparelho urinário(5). O aparecimento de NR correlacionase, ainda, com o grau de refluxo. Assim, a incidência de NR é de 50% nas crianças com ITU e RVU com dilatação (grau III-V) e de 17% nas crianças com ITU e RVU sem dilatação (grau I-II)(1). PATOGENIA Ao descrever os mecanismos patogénicos que estão na origem da NR há que distinguir dois tipos de lesões, as cicatrizes primárias que estão relacionadas com um desenvolvimento metanéfrico anómalo e as adquiridas associadas ao RVU e às ITU’s(3,5). A NR primária surge no contexto de RVU pré-natal, sem evidência de ITU associada. Os rins são pequenos e irregulares, e ao exame histológico são displásicos, apresentam tecido renal primitivo, fibrose medular e áreas de tecido anómalo como por exemplo tecido cartilaginoso. Este tipo de lesão renal surge, frequentemente, associada a patologia urológica, como por exemplo, duplicidade do siste- controvérsias em nefro-urologia XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 181 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 ma colector, obstrução alta do aparelho urinário ou válvulas da uretra posterior (6). Uma das teorias propostas para explicar a displasia renal, refere que esta é devida a uma anomalia do desenvolvimento do leito ureteral com incorrecta indução do blastema metanéfrico, por alteração da expressão de um complexo sistema de receptores e factores de transcrição(7). Uma outra teoria aponta a obstrução ao fluxo normal de urina como o factor responsável pela displasia renal(8). A NR adquirida resulta de um ou vários episódios de pielonefrite aguda, em doentes com RVU, em que a urina infectada ao entrar nos canais colectores através das papilas refluxivas, desencadeia uma resposta inflamatória e imunológica, e causa uma lesão cicatricial. Esta resposta envolve vários mediadores bioquímicos, tais como, as citocinas, o óxido nítrico, as prostaglandinas e a angiotensina II. Inicia-se com a apresentação dos antigénios pelo complexo major de histocompatibilidade II aos linfócitos T e B, que por sua vez libertam vários mediadores, dos quais se destacam a interleucina-6 (IL-6) e o factor de necrose tumoral (TNF-α). A primeira, é responsável pela activação de mais linfócitos T e B e o segundo, pela libertação de radicais livres de oxigénio e enzimas líticas, pelas células da resposta inflamatória. O óxido nítrico, também, desempenha um papel importante, ao activar as células de resposta inflamatória, ao favorecer a apoptose celular e ao estimular o aumento de matriz extra-celular através da TGF-β. As prostaglandinas, por seu lado, estimulam a produção de matriz extra-celular e a angiotensina II, hormona que induz o crescimento vascular, estimula a síntese de fibronectina e de matriz extra-celular e, interfere na regulação do tónus vascular através da sua acção vasoconstritora, que compromete a vascularização local(1). Ao exame histológico observa-se colapso e hialinização do tufo glomerular com fibrose periglomerular e hipertrofia do tecido são adjacente, espessamento da membrana tubular com atrofia das células epiteliais, colapso do lúmen tubular ou dilatação tubular com cilindros eosinófilicos no seu interior, infiltrado intersticial com células inflamatórias (predominantemente linfóci- tos, monócitos e plasmócitos) e espessamento da média e da íntima das artérias e arteriolas(1,3,5). APRESENTAÇÃO CLÍNICA A NR tem uma evolução clínica silenciosa e, muitas vezes, é diagnosticada após um episódio de ITU (80-86%) ou quando se investigam as suas complicações, nomeadamente, a HTA (10-15%) e a IRC (5%). Os restantes casos são diagnosticados no decurso do estudo de doentes com proteinúria ou litíase renal(1). EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO No passado, a urografia intra-venosa foi considerada o exame complementar de eleição para visualizar as cicatrizes renais, mas actualmente, foi preterida em favor do cintigrama renal com 99mTCDMSA, que permite visualizar o parênquima renal funcionante, e assim identificar as cicatrizes renais, com uma sensibilidade de 92% e uma especificidade de 98%. Estas aparecem como áreas focais ou generalizadas de hipocaptação do radiofármaco e o seu diagnóstico deve ser efectuado seis a nove meses após o episódio de ITU(1,5). A ecografia renal embora não seja um bom método para diagnóstico das cicatrizes renais (sensibilidade de 40-90%) permite acompanhar o perfil evolutivo da doença, nomeadamente, a perda de diferenciação corticomedular, o aumento da ecogenicidade renal e, a ausência de crescimento ou a diminuição de tamanho do rim(1,5). COMPLICAÇÕES A HTA e a IRC são duas das complicações a longo prazo que podem surgir não só em idade pediátrica, mas também ao longo da vida adulta, como consequência da nefropatia cicatricial. A HTA afecta 10 a 14% das crianças com NR, podendo no entanto esta frequência variar entre 5 e 27%, de acordo com as diferentes séries descritas, e 30 a 38% dos adultos jovens(1,5). O risco de HTA aumenta com a gravidade das cicatrizes renais, sendo a sua frequência maior nos doentes que têm cicatrizes bilaterais quando comparados com aqueles que controvérsias em nefro-urologia S 182 XXI reunião do hospital de crianças maria pia têm cicatrizes unilaterais (58% vs 33%), e nos que têm DRC associada (92%)(9). Um dos prováveis factores etiológicos da HTA pensa-se que será o aumento da actividade da renina plasmática, embora outros factores também possam contribuir, tais como, a diminuição da síntese de vasodilatadores a nível corticomedular sobretudo nos rins com cicatrizes bilaterais, a hipervolémia associada a DRC e a predisposição genética. A HTA severa como forma de apresentação clínica é mais frequente no sexo feminino, durante a adolescência, quando não há diagnóstico prévio de NR, mas já há DRC associada. Formas menos graves de HTA são mais frequentes no sexo masculino e são diagnosticadas no contexto de uma NR previamente conhecida(1). Nos EUA, a NR é a quarta causa de IRC na população pediátrica, e é responsável por 5.3% dos transplantes renais pediátricos e 3.5% das crianças em terapêutica substitutiva da função renal(10). Na Europa, 12 a 24% das crianças com idade inferior a dezasseis anos que iniciaram diálise, apresentaram como factor etiológico responsável pela IRC, a NR(1). O risco de desenvolver IRC é maior nas crianças em que o diagnóstico de RVU é feito depois dos dois anos de idade, no RVU grau V, na presença de cicatrizes renais bilaterais e quando há HTA e proteinúria associadas(11,12). A perda progressiva da função renal e o aumento da proteinúria estão associadas, em 90 a 100% dos casos, a lesões glomerulares em zonas não cicatriciais do parênquima renal do tipo hiperfiltração e/ou glomeruloesclerose focal e segmentar com ou sem hialinose. A primeira está presente numa fase precoce da doença e não se relaciona com a intensidade da proteinúria, enquanto que a segunda está presente nos doentes com proteinúria e deterioração da função renal(1). PREVENÇÃO A progressão da NR para a IRC terminal é um processo insidioso e assintomático, por isso todos os doentes devem ser sujeitos a avaliações clínicas, laboratoriais e radiológicas periódicas, de forma a prevenir a formação de novas cicatrizes NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 renais e a diagnosticar, precocemente, o aparecimento de HTA e proteinúria. Para prevenir a formação de novas cicatrizes renais é necessário evitar a recorrência das ITU’s, e para isso, deve ser tratada a disfunção vesical de forma a maximizar a capacidade da bexiga e deve ser efectuado o tratamento do RVU(13). Nos últimos anos, o tratamento endoscópico do RVU e a profilaxia antibiótica têm sido objecto de numerosas publicações com resultados discordantes(13,14,15). No actual estado da arte, não parece haver evidência suficientemente forte que suporte a profilaxia antibiótica diária na prevenção das ITU’s ou das cicatrizes renais nos doentes com RVU grau I-II. Também não parece haver beneficio na utilização do tratamento endoscópico quando comparado com a terapêutica antibiótica, nos doentes com RVU grau III-IV. Os doentes com RVU grau V são pouco frequentes e por essa razão não têm sido publicados estudos prospectivos, randomizados e controlados com evidência suficientemente forte para avaliar as opções terapêuticas(16). Recentemente, Hansson e col. apresentaram os resultados de um estudo prospectivo e randomizado em que compararam a ocorrência de ITU’s em duzentas e três crianças com RVU grau III-IV, divididas em três grupos, em que num dos grupos as crianças foram submetidas a profilaxia antibiótica, noutro a correcção endoscópica e no terceiro ficaram apenas em vigilância. Tanto o grupo da profilaxia antibiótica como o da correcção endoscópica tiveram menos frequência de ITU’s febris e cicatrizes renais no sexo feminino, quando comparados com o grupo de vigilância(17). Assim, o tratamento que pode prevenir a IRC terminal nos doentes com RVU não está ainda completamente definido. No entanto, nos doentes com elevado risco de evolução para IRC terminal, tais como os que apresentam RVU grau III a V, os que possuem cicatrizes renais significativas ou os que já apresentam diminuição da taxa de filtração glomerular, o tratamento endoscópico do RVU e a profilaxia antibiótica diária devem ser fortemente considerados, e os riscos e benefícios discutidos com as famílias(16). A HTA, também, já foi amplamente demonstrada, como causa de deterioração da função renal, devendo o seu controlo adequado ser um dos objectivos do tratamento da NR. Nestes doentes, devem ser instituídas medidas não farmacológicas, como a perda de peso, o exercício físico, a abstinência tabágica e a dieta hipossalina, e caso estas medidas não sejam suficientes deve ser iniciada terapêutica farmacológica(18). A quantificação da proteinúria é um dado importante na avaliação da lesão renal, porque mesmo em grau ligeiro pode estar associada à deterioração da função renal. Há trabalhos que demonstram uma elevação do risco para doentes com proteinúria superior a 200 a 300 mg/ dia, risco esse que se agrava progressivamente, quando esses valores são superiores a 1 g/dia. Estes doentes devem iniciar terapêutica com IECA de forma a atrasar a progressão da lesão renal(16,18). REFLUX NEPHROPATHY: CONTROVERSIES ABSTRACT The reflux nefropathy is characterized by the presence of focal or diffuse renal scars, associated to irreversible injuries of the renal parenchyma. It is a cause of chronic kidney disease in paediatric age and has an insidious clinical evolution. The authors present a review of the aetiology, pathogeny, complementary diagnosis studies, disease complications and principal preventive measures, in order to delay the progression to chronic kidney disease. Key-words: Vesico-ureteral reflux, reflux nephropathy Nascer e Crescer 2009; 18(3): 181-184 BIBLIOGRAFIA 1. Navarro M, Espinosa L, Fernandez C. Nefropatia cicatricial. In: Nieto VG, Rodríguez F S, Rodríguez-Itur- be B, editors. Nefrología Pediátrica. Madrid: Grupo Aula Médica, S.L., 2006;535-43. 2. Bailey RR. The relationship of vesico-ureteric reflux to urinary tract infection and chronic pyelonephritisreflux nephropathy. Clin Nephrol 1973;1:132-41. 3. Dillon M, Goonassekera CDA. Reflux Nephropathy. J Am Soc Nephrol 1998; 9: 2377-2383. 4. Jardim HMPF (1995). Nefropatia de refluxo na criança. Factores preditivos e marcadores precoces de hipertensão arterial e disfunção renal. 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CORRESPONDÊNCIA Carmen do Carmo Email: [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Alergia Alimentar Leonor Bento1 INTRODUÇÃO As reacções adversas aos alimentos englobam qualquer reacção anómala resultante da ingestão de um alimento ou outro constituinte da alimentação. Podem ter uma causa não imunológica, designando-se por reacções de intolerância alimentar, ou podem ser secundárias a uma resposta imunológica mediada por anticorpos IgE específicos (alergia IgE mediada), ou por mecanismos imunes envolvendo células ou outros mediadores do sistema imunitário (alergia não IgE mediada). Algumas reacções adversas de natureza não imunológica resultam de défices enzimáticos específicos, de que é exemplo o défice de lactase, que causa uma intolerância ao leite de vaca e alimentos contendo lactose. A presença em certos alimentos de substâncias com acção farmacológica, como a histamina, serotonina e a tiramina, podem dar origem a quadros clínicos designados por “falsas alergias alimentares” pois imitam as verdadeiras reacções alérgicas, mas ao contrário daquelas, afectam a maioria dos indivíduos sendo habitualmente dose-dependentes(1). Existem reacções de aversão alimentar obervadas com alguma frequência na idade infantil e nos jovens, que podem imitar verdadeiras reacções de hipersensibilidade alimentar, contudo não são reprodutíveis quando o alimento é ingerido de uma forma oculta. A alergia alimentar é actualmente reconhecida como um importante problema de saúde nos paízes industrializados e, à semelhança de outras doenças alérgicas, a sua prevalência tem vindo a aumentar. Na Europa, estudos populacionais baseados em inquéritos, apontam para uma __________ 1 Hospital de Santa Maria – Lisboa prevalência desta patologia em cerca de dois por cento da população em geral, de seis a oito por cento na idade pediátrica e de vinte por cento nas crianças com dermatite atópica(2). Na América, estudos recentes sugerem que as reacções de alergia IgE mediada afectam entre 3,5% a 4% da população(3). Do ponto de vista clínico, na alergia alimentar diferentes orgãos alvo podem ser atingidos isoladamente ou em simultâneo. Na criança, os principais orgãos alvo são a pele, sendo os sintomas cutâneos mais frequentes, a urticária generalizada, associada por vezes a angioedema e a dermatite atópica; o tubo digestivo, com sintomas de vómitos de aparecimento rápido após a ingestão do alimento ofensor, a diarreia por vezes profusa, que pode levar à desidratação e choque e a colite alérgica com fezes com sangue vivo, mais frequente no pequeno lactente. Alguns quadros de cólicas recorrentes, frequentes na idade pré-escolar e escolar, atribuídos a alergia alimentar, podem na verdade resultar da ingestão excessiva de alimentos contendo elevado teor em aditivos (conservantes, corantes, edulcorantes, ou outros). Os sintomas respiratórios isolados são menos frequentes na alergia alimentar IgE mediada, no entanto, a rinite, a tosse espasmódica e a asma brônquica, podem ser observados, ainda que habitualmente associados a sintomas cutâneos e, ou, digestivos. Nos quadros de anafilaxia alimentar observase uma evolução rápida dos sintomas anteriormente referidos, cuja intensidade aumenta rapidamente, e o aparecimento de sintomas sistémicos, com hipotensão e choque, que pode ser fatal. O tipo de resposta imune geralmente dita o tipo de sintoma, sendo frequente nas reacções alérgicas IgE mediadas, o seu aparecimento rápido, entre poucos minutos, até às duas horas, após a ingestão do alimento ofensor. Nas reacções não IgE mediadas, em que predominam os mecanismos de imunidade celular, ou de outra natureza, os sintomas surgem de uma forma habitualmente mais tardia e insidiosa, tornando difícil estabelecer uma correlação entre a clínica e o alergénio alimentar que está na sua origem . FACTORES DE RISCO DE SENSIBILIZAÇÃO ALIMENTAR Existem factores de risco de sensibilização aos alergénios alimentares e aeroalergénios que podem actuar em diferentes fases do desenvolvimento humano. Durante a vida intra-uterina têm sido apontados, como factores de risco de sensibilização do feto aos alimentos, o tipo de alimentação materna, admitindo-se que uma ingestão excessiva de alimentos com elevado potencial alergénico pela mãe possa induzir uma produção de anticorpos IgE específicos no feto, os quais poderão ser detectados ao nascer no sangue do cordão umbilical. De igual forma, uma exposição materna elevada a pneumoalergénios, em especial ácaros domésticos e animais domésticos, como o gato, poderá ocasionar uma sensibilização intra-uterina do feto com detecção dos respectivos anticorpos IgE específicos no sangue do cordão umbilical(4). Após o nascimento, têm sido apontados como factores de risco de sensibilização primária do recém nascido e pequeno lactente, a introdução precoce na alimentação de proteínas alergénicas. Uma imaturidade imunológica fisiológica, com défice transitório de IgA secretora a nível intestinal, associada a uma imaturidade física da mucosa e imaturidade dos criança alérgica – mesa redonda XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 185 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 mecanismos digestivos (défice enzimático, acloridria gástrica), facilita um maior aporte de proteínas não digeridas, antigénicamente activas , ao lúmen intestinal e a sua maior absorção através da mucosa intestinal, nesta fase da vida mais permeável. No lactente exclusivamente amamentado desde o nascimento, uma sensibilização alimentar é possível, tendo sido demonstrada a passagem através do leite materno de proteínas alimentares em doses baixas (nanogramas) mas sensibilizantes, para vários alimentos como o leite, o ovo, cereais e amendoím(5,6). RISCO ATÓPICO A existência de história familiar positiva de doença alérgica em familiares de primeiro grau (mãe, pai, irmãos) é considerada como o principal factor de risco atópico, havendo uma tendência elevada para o desenvolvimento de manifestações alérgicas, alimentares e ou respiratórias, superior a sessenta por cento quando ambos os pais são alérgicos. O doseamento do anticorpo IgE total no sangue do cordão umbilical, ou nos primeiros dias de vida, foi defendido na década de oitenta por diferentes autores como um importante marcador biológico de risco atópico, sendo o achado de um valor igual ou superior a 0,3 KU/L, considerado positivo(7,8). Actualmente este marcador biológico não é usado por rotina. Em crianças com história familiar positiva de doença alérgica, é aconselhável tomar medidas de prevenção alimentar desde o nascimento, incentivando o aleitamento materno até ao sexto mês de vida, e a introdução de alimentos sólidos a partir do quarto mês de vida. É igualmente aconselhável tomar medidas de prevenção ambiencial com especial relevo para a evicção da exposição tabágica e aos alergénios do ambiente doméstico. ALERGÉNIOS ALIMENTARES Os alergénios alimentares são na sua maioria proteínas ou glicoproteínas de peso molecular elevado, entre 10 e 100 KDA, com elevada actividade biológica, habitualmente hidro-solúveis e resistentes à degradação enzimática e ao calor. Nos alimentos nativos existem pro- teínas com diferente potencialidade alergénica, sendo considerados alergénios major os que desencadeiam sintomas em mais de cinquenta por cento dos indivíduos sensibilizados, e alergénios mínor os que causam sintomas em cerca de dez por cento dos indivíduos alérgicos. Existem fracções proteicas dos alimentos de baixo peso molecular e fraca capacidade alergénica “haptenos” que podem adquiri-la após ligação a proteínas plasmáticas como, por exemplo, a albumina. Este facto, pode explicar alguns quadros de alergia alimentar inconstantes(9). A existência de grande homologia na sequência dos aminoácidos e da estrutura química de proteínas presentes em alimentos de origem diferente, pode dar origem a fenómenos de reactividade cruzada, que se traduzem pelo aparecimento de sintomas alérgicos a alimentos sem que tenha havido uma exposição prévia aos mesmos. As reacções de reactividade cruzada podem ser observadas entre diferentes alimentos de origem animal, (leite de vaca, leite de cabra e leite de ovelha, leite de vaca/carne de vaca, alergia a diferentes peixes) ou entre diferentes alimentos de origem vegetal (leguminosas, frutos secos, frutos). Pode igualmente haver alergia cruzada entre alergénios alimentares e pneumoalergénios, o que resulta da existência de proteínas comuns designadas por “panalergénios”. São exemplos, a tropomiosina, uma proteína comum aos ácaros e crustáceos (síndrome de ácaros/marisco), as quitinases responsáveis pela sídrome de latex /frutos e as profilinas e LTPs, proteínas comuns no reino vegetal (síndrome de pólens / frutos)(10). Apesar da grande diversidade de alimentos consumidos pelo ser humano, cerca de noventa por cento das reacções alérgicas graves são causadas por oito alimentos ou grupos de alimentos: leite de vaca e derivados, ovo, trigo, soja, frutos, peixe e crustáceos, amendoím e frutos secos (noz, amendoa, avelã, etc.)(11). Na primeira infância o leite de vaca e derivados lácteos, o ovo e o peixe, são os alergénios mais prevalentes. A partir da segunda infância, o perfil de sensibilização alimentar é diferente assemelhan- criança alérgica – mesa redonda S 186 XXI reunião do hospital de crianças maria pia do-se ao do adolescente e adulto, sendo mais importantes a sensibilização ao amendoím, soja, trigo, frutos de casca rija (noz, avelâ, amendoa, pistachio) e crustáceos (camarão, lagosta, carangueijo). A alergia alimentar na criança é uma patologia na maioria dos casos transitória, havendo tendência para o aparecimento de tolerância e desaparecimento total dos sintomas. No entanto, em cerca de um terço dos casos a alergia persiste para além da adolescência. A idade em que ocorre a sensibilização alérgica, assim como a intensidade da resposta imune aos alergénios alimentares, influenciam a evolução dos quadros clínicos, havendo uma tendência para o aparecimento de tolerância quando os sintomas surgem durante o primeiro ano de vida. É o que acontece na maioria dos casos de sensibilização ao leite de vaca, ovo, trigo e soja. Quando a sensibilização é mais tardia os sintomas tendem a persistir. É o caso da alergia ao peixe e marisco, amendoím, oleaginosas como a noz, e frutos frescos (pêssego, maçã, etc.). ALERGIA ALIMENTAR - OBJECTIVOS DO DIAGNÓSTICO Um dos principais objectivos do diagnóstico é a detecção de risco atópico, visando uma prevenção primária, ou seja, impedir que a criança se sensibilize aos alimentos. Nos casos em que já existe suspeita clínica de sensibilização alimentar, o diagnóstico tem como principal objectivo detectar o, ou, os alergénios alimentares responsáveis, para que se possa estabelecer uma dieta de exclusão correcta e evitar o aparecimento de sintomas. A avaliação do risco atópico baseiase essencialmente na existência de história familiar de atopia em familiares de primeiro grau (pais, irmãos). A história clínica e um inquérito alimentar cuidadoso, são essenciais. Para a detecção de uma sensibilização IgE mediada usam-se os testes cutâneos por picada (prick test) e o doseamento sérico dos anticorpos IgE específicos (RAST, ELISA). Em casos pontuais pode proceder-se à caracterização das fracções proteicas alergénicas dos alimentos recorrendo a técnicas de imunoeletroforese, no entanto, é uma técnica usada NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 sobretudo em investigação. A prova de provocação oral com o alimento suspeito (PPO) é considerada o método de diagnóstico “gold standard” em alergia alimentar, pois permite reproduzir os sintomas. Esta prova deve ser efectuada em dupla ocultação e contra placebo, a fim de evitar sintomas por sugestão, frequentes em crianças mais velhas, adolescentes e adultos. No entanto, nos grupos etários mais jovens a PPO pode ser efectuada em ensaio aberto. Nos casos em que a história clínica é muito consistente e os testes cutâneos são francamente positivos e, ou, os níveis séricos de IgE específicas são elevados, a sua realização é dispensável como método de confirmação do diagnóstico e quando existe uma história prévia de anafilaxia a sua realização é perigosa e está contra-indicada. A realização da PPO é importante para a confirmação, ou exclusão do diagnóstico de alergia /intolerância alimentar nos doentes com clínica sugestiva mas em que os testes cutâneos são negativos e as IgE específicas séricas são igualmente negativas para os alimentos suspeitos. È igualmente uma prova importante no “follow up” para avaliação de eventual aquisição de tolerância ao fim de um certo tempo de dieta de exclusão, ou mesmo para a determinação do limiar de tolerância ao alimento. A PPO deve ser efectuada sempre sob vigilância médica, ponderando a necessidade de internamento nos casos em que o quadro clínico anterior foi grave, como por exemplo, quando há história de anafilaxia. A obtenção do consentimento informado por parte dos pais, ou do próprio doente, é um requisito importante. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL EM CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS Perante uma criança com história clínica sugestiva de alergia alimentar é importante saber quando enviá-la a uma consulta de alergologia. Do ponto de vista laboratorial há três análises a pedir: o doseamento da IgE total, Phadiatop Infant (mistura de alergénios inalantes e alimentares) e Fx5 (mistura de alergénios alimentares). O achado de uma IgE total com valor superior a 2 SD para a idade é um importante indicador de risco atópico (devem excluir-se outras causas de IgE total elevada, como as parasitoses intestinais). Quer o “Phadiatop Infant”, quer o Multiteste para alimentos (Fx5), são métodos de avaliação qualitativa que têm como principal objectivo uma orientação diagnóstica. A sua positividade significa apenas que existe sensibilização a algum, ou alguns dos alergénios neles contidos. Nem sempre a positividade destes testes implica a existência de sintomas. No caso do Fx5, há que ser cauteloso na sua interpretação, resistindo a estabelecer dietas de exclusão excessivas e desnecessárias que podem interferir com o estado nutricional da criança. Existem métodos de diagnóstico laboratorial recentes disponíveis no mercado, promissores e que permitem facilitar e alargar o campo de diagnóstico alergológico. É o caso do IMUNOCAP - RAPID (Phadia ®), é um teste de diagnóstico rápido, que permite a detecção durante a consulta, de anticorpos IgE específicos no sangue do doente, através da picada do dedo, a aeroalergénios e alergénios alimentares comuns. Pode substituir os testes cutâneos nos casos em que exista contraindicação ou impedimento para a sua realização (antihistamínicos, dermatite atópica). A detecção multipla de IgE específicas para alimentos e pneumoalergénios é hoje possível através de técnicas de “microarrays”, que recorrem a alergénios purificados, nativos ou recombinantes, colocados em micropoços de sílica que permitem a análise de extensos painéis de IgE específicas. Num determinado doente, esta técnica permite , usando uma quantidade mínima de sangue (uma gota), identificar o “epitopo”específico para o qual reage, determinar reactividades cruzadas potenciais na base de epitopos homólogos, prever a gravidade e evolução da doença. É um exempl, o ImunoCap ISAC (Phadia ®), já disponível no mercado mas ainda em fase de investigação clinica. ALERGIA ALIMENTAR PERSISTENTE Apesar da alergia alimentar ser uma patologia habitualmente transitória e com bom prognóstico na criança, em cerca de um terço dos casos tem tendência a persistir, com manutenção dos sintomas após a ingestão, ou o simples contacto com o alimento ofensor, a persistência de testes cutâneos positivos e níveis séricos elevados de anticorpos IgE específicos. No caso da alergia persistente ao leite de vaca, a mais frequente, vários trabalhos publicados, apontam para uma diferença da resposta humoral nas crianças que desenvolvem tolerância versus crianças em que a alergia persiste(12). Um estudo recente efectuado na nossa Unidade de Imunoalergologia Infantil em colaboração com o Laboratório de Imunologia da Faculdade de Medicina de Lisboa, em que foi avaliada a resposta de imunidade humoral IgG4 específica e IgE específica para o leite de vaca e fracções proteicas, alfa-lactoalbumina, beta-lactoglobulina e caseína, mostrou que nas crianças que adquiriram tolerância os valores séricos de IgG4 específicas eram superiores para o leite total e frações proteicas comparativamente com as crianças em que a alergia persistiu. Pelo contrário, os níveis séricos de IgE específicas para leite total e fracções proteicas eram mais baixos nas crianças tolerantes, mantendo-se elevados nas crianças com alergia persistente. Admite-se que o perfil do Ratio IgEs /IgG4s poderá vir a ter um valor preditivo na evolução da resposta alérgica e, em especial, na avaliação de aquisição de tolerância(13). Utilizando uma técnica recente de “microarray-immuno solidphase allergen chip”, foi possível caracterizar nesta população infantil, o perfil de reconhecimento, por anticorpo IgE, das proteínas alergénicas do leite de vaca, em diferentes fases da evolução da doença(14). TERAPÊUTICA DA ALERGIA ALIMENTAR O tratamento da alergia alimentar, quer na idade infantil, quer posteriormente, baseia-se essencialmente numa dieta de exclusão rigorosa do alimento ofensor, a qual deverá ser mantida durante um período de tempo variável de caso para caso, de acordo com o perfil de aquisição de tolerância. Pretende-se deste modo, prevenir a ocorrência de reacções alérgicas cuja gravidade é difícil de prever e, em alguns casos, poderá pôr em risco a vida do doente. criança alérgica – mesa redonda XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 187 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 É importante que cada criança ou jovem seja portador de um plano escrito sobre a actuação de emergência em caso de reacção alérgica. Nas crianças, um plano de terapêutica de emergência deverá ser fornecido à Escola. Um cartão identificativo deverá ser igualmente dado ao doente, contendo a sua identificação e contactos, a referência à alergia alimentar, identificação do, ou dos, alimentos responsáveis. Em relação à medicação, para além dos antihistamínicos e corticóides orais, pode ser necessário em determinados casos ser portador de um kit de adrenalina auto-injectável (Anapen ®). As principais indicações para a prescrição de adrenalina são: história prévia de anafilaxia a alimentos; anafilaxia alimentar induzida pelo exercício físico; alergia alimentar e asma grave; reacções induzidas por quantidades ínfimas de alergénio; alergia a alguns alimentos com maior risco potencial de reacção sistémica: amendoím; frutos secos (noz, avelâ, amêndoa), frutos frescos (pêssego); doentes com testes cutâneos fortemente positivos e/ou IgEs específicas muito elevadas. Nas crianças e nos jovens com alergia persistente às proteínas do leite de vaca têm sido tentados vários protocolos de dessensibilização, em regime de hospital de dia ou de internamento hospitalar, alguns com sucesso. Estes protocolos visam a aquisição de tolerância, ainda que por vezes a pequenas quantidades de leite, o que permite evitar o aparecimento de reacções graves após a ingestão inadvertida de proteínas lácteas presentes em alimentos, muitas vezes sob a forma oculta (batidos, bolos, caramelos, etc.). Um aspecto muito importante a considerar é a educação do doente alérgico e família, e o cumprimento rigoroso das orientações e planos de actuação propostos pelo médico assistente. Em relação à indústria alimentar é fundamental cumprir as regras de rotulagem dos ali- mentos, devendo haver uma referência a todos os constituíntes, incluindo os que se encontram em quantidades vestigiais e são tolerados pela maioria dos doentes alérgicos, mas que podem causar sintomas graves em doentes muito sensíveis. Como terapêuticas futuras, a imunoterapia específica para alimentos encontra-se, por ora, numa fase inicial, havendo no mercado apenas vacinas orais para desensibilização à avelâ e ao amendoím(15,16). Nascer e Crescer 2009; 18(3): 185-188 BIBLIOGRAFIA 1. Sampson HA. Food Allergy. Part I: Immunopathogenesis and clinical disorders. J Allergy Clin Immunol 1999; 103:717-28. 2. Johansson S, Houriane JOB, Bousquet J, Bruijinzeel-Koomen C, Dreborg S, Hahtela T, et al. 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O termo “alergia a fármaco” só deve ser aplicado, segundo as orientações do comité de revisão de nomenclatura da EAACI, quando for possível demonstrar um mecanismo imunológico específico subjacente á reacção. As reacções que clinicamente sugerem uma reacção alérgica mas em que não é possível identificar um mecanismo IgE mediado ou a existência de linfocitos T específicos são classificadas como reacções de hipersensibilidade não alérgicas. As reacções adversas a fármacos são frequentes em idades pediátricas. Segundo uma meta análise recente de estudos pediátricos as RAF originam 2.1% dos internamentos hospitalares e 9.5% dos doentes hospitalizados sofrem pelo menos uma reacção adversa. A incidência média reportada no ambulatório foi de 1.5% havendo no entanto estudos posteriores que referem valores superiores. Em Portugal, segundo dados recolhidos através de um questionário aplicado a 1849 indivíduos em vários tipos de ambulatório pediátrico, cerca de 10% dos pais referem que os seus filhos já sofreram algum tipo de RAF e 6% consideram os seus filhos alérgicos a um ou mais fár__________ 1 Assistente Hospitalar de Imunoalergologia Serviço de Imunoalergologia do CHP Secretária do Grupo de Interesse em Alergia a fármacos da SPAIC Membro do ENDA e do Grupo de Interesse em Alergia a fármacos da EAACI macos. Além de morbilidade significativa as RAF são também causa importante de mortalidade e alguns estudos colocamnas entre as 10 causas mais frequentes de fatalidades. Estes números levam-nos a considerar as RAF como um verdadeiro problema de saúde pública. Os quadros clínicos das reacções a fármacos podem ser muito diversos e o diagnostico diferencial com outras patologias, nomeadamente infecciosa pode ser difícil. É também importante recordar que a mesma droga pode levar a manifestações de hipersensibilidade muito diferentes na dependência de diferentes mecanismos imunopatologicos. As RAF com manifestações cutâneas são aquelas que mais frequentemente levantam a suspeita de hipersensibilidade. A existência de alergia a fármaco é especialmente sugerida quando sintomas como urticária, angioedema, broncoespasmo ou anafilaxia surgem minutos após administração da droga suspeita (reacções imediatas). Na criança as reacções retardadas são no entanto as mais frequentes sobretudo os exantemas maculo papulares. Estes podem ter origem em fenómenos de hipersensibilidade de tipo IV, sendo possível por vezes identificar linfocitos T específicos, o que levará a sua classificação como verdadeira reacção alérgica. Quadros clínicos de maior gravidade como a síndroma de StevensJohnson a Necrolise Epidérmica Tóxica e o DRESS têm como causa identificável mais frequente as reacções a fármacos e apesar da sua raridade devem ser destacados pela elevada morbilidade e mortalidade que acarretam. Os fármacos mais vezes suspeitos de causarem reacções de hipersensibilidade em crianças são os antibióticos (b lactâmicos, sulfonamidas e macrolidos) e os antiinflamatorios não esteróides (paracetamol, ibuprofeno, aspirina) o que reflecte também os padrões habituais de prescrição nestes grupos etários. Antialergicos, vacinas, anestésicos, psicofarmacos, meios de contraste e outros grupos farmacológicos surgem com menor frequência nas consultas especificas de alergia a fármacos. A investigação diagnostica assenta em 3 pilares fundamentais: anamnese, estudos in vitro e estudos in vivo. A colheita da história clínica é fundamental para planificar a investigação. Deve ser o mais detalha possível e incluir dados referentes a todos os fármacos administrados antes, durante e após a reacção bem como o tempo decorrido entre o inicio do tratamento e o inicio da reacção e ainda o tempo transcorrido desde a última toma de cada fármaco. Igualmente importante é o contexto clínico em que o fármaco foi administrado. Na criança, a maioria das reacções dão-se num contexto de doença aguda febril e como muitos agentes infecciosos nestas idades podem ser causa de exantemas e mesmo de urticária instala-se muitas vezes uma incerteza acerca do diagnóstico. Os clínicos, também influenciados pela própria família, podem por vezes alterar o tratamento e evitar no futuro nova exposição ao mesmo fármaco por receio de novas reacções levando a diagnósticos não fundamentados de “alergia a fármacos” que podem permanecer como rótulos para toda a vida com consequências clínicas e económicas relevantes. A administração de múltiplos fármacos num mesmo episódio (antibióticos, antiinflamatorios, antitússicos, anti-histamínicos, etc.) bem como a deficiente documentação das reacções na fase aguda complica frequentemente a investigação posterior. A refe- criança alérgica – mesa redonda XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 189 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 renciação para diagnostico é feita muitas vezes meses ou anos após a reacção, altura em que a maior parte dos dados anamesticos já se perderam, também por esta razão o exame objectivo no caso das reacções a fármacos é geralmente pouco informativo embora possam existir reacções cutâneas residuais com importância diagnostica. A investigação laboratorial é também, na maioria dos casos, limitada. Para estudo das reacções de tipo I a pesquisa de IgE especificas é possível para algumas drogas do grupo dos β lactamicos na maioria dos laboratórios. Os testes de transformação linfocitaria e testes de desgranulação mastocitaria/basofilica parecem promissores em situações clínicas especificas mas não estando ainda devidamente estandardizados e pelo custo elevado são usados sobretudo no âmbito de protocolos de investigação. Aquando da reacção suspeita análises gerais (função hepática, e renal, hemograma) são importantes no sentido de avaliar a eventual repercussão sistémica e outros estudos analíticos como serologias e estudos microbiológicos poderão ajudar no diagnóstico diferencial. A escassez de exames complementares de diagnostico in vitro destaca a importância da investigação in vivo. No estudo de reacções imediatas os testes cutâneos por picada e intradermicos são os mais utilizados. Os únicos preparados comerciais em uso devidamente estandardizados são dirigidos ao diagnóstico das reacções alérgicas aos b lactamicos; para estudo de reacções a outros fármacos recorre-se à utilização das apresentações comerciais injectáveis disponíveis para fins terapêuticos. Os TC para beta-lactamicos têm uma sensibilidade razoável e uma boa especificidade. Estes testes são de execução fácil, desde que os doentes sejam colaborantes, e os resultados são rápidos, no entanto devido aos riscos envolvidos principalmente no caso de reacção anafilatica prévia devem ser executados em meio hospitalar. As leituras tardias dos testes intradermicos podem também ser úteis no estudo de doentes com reacções de carácter retardado embora nestas situações se prefira na maioria das vezes iniciar a investigação pela realização de testes epicutaneos de contacto com ou sem leitura imediata e com leitura às 48, 72 e 96 horas consoante o fármaco e o tipo de reacção em causa. Quando a história clínica, os estudos laboratoriais e os testes cutâneos não permitem um diagnostico pode ser necessário efectuar um teste de provocação que consiste na administração pautada de quantidades crescentes do fármaco suspeito de ter causado reacção prévia até se atingir a dose diária recomendada ou até ao aparecimento de reacção. Por vezes é necessário que este procedimento seja controlado com placebo ou mesmo realizado em dupla ocultação sobretudo quando as reacções suspeitas não são facilmente objectiváveis. O teste de provocação está indicado quando o diagnóstico não foi possível por outros meios e o fármaco implicado é considerado importante para o doente em questão mas pode também ser usado para encontrar alternativas terapêuticas quando o diagnostico de alergia está já estabelecido. Devido aos riscos inerentes a este procedimento o mesmo só deve ser executado em meio hospitalar e por pessoal devidamente treinado na orientação deste tipo de doentes. A investigação completa destas situações é extremamente importante pois a maioria dos doentes que referem ser alérgicos a fármacos não o são na realidade. Tal foi demonstrado por nós em estudo recente em que apenas se confirmaram 5% das suspeitas de hipersensibilidade e por vários outros grupos de trabalho que referem resultados semelhantes. Um diagnóstico incorrecto pode levar a custos acrescidos e colocar o doente em risco pelo uso indevido de fármacos alternativos menos eficazes e com maior potencial de causarem efeitos secundários. criança alérgica – mesa redonda S 190 XXI reunião do hospital de crianças maria pia A orientação clínica destes doentes é por vezes difícil pela falta de conhecimentos da fisiopatologia subjacente à reacção e da importância de co-factores associados, no entanto é extremamente importante a tentativa de confirmação diagnostica. Se um diagnostico de certeza foi possível tal deve ser claramente referido ao doente, a evicção futura deve ser completa e devem ser aconselhados fármacos alternativos e fornecida informação escrita. Se o fármaco em causa é considerado como a melhor alternativa terapêutica num dado contexto clínico pode ser tentado um protocolo de dessensibilização sendo este procedimento particularmente usado em doentes oncológicos, imunodeprimidos e em casos de hipersensibilidade aos AINEs. Quando a investigação não foi conclusiva mas a reacção que lhe deu origem foi considerada grave o fármaco deve mesmo assim ser evitado e serem utilizadas substâncias alternativas. Se a investigação foi toda ela negativa o doente em questão terá probabilidade de reacções futuras semelhante à da população geral e não há razões para restrições na prescrição futura. Podemos então dizer que as reacções de hipersensibilidade representam uma parte significativa das reacções adversas a fármacos acarretando morbilidade e mortalidade significativa. Os AINE e os antibióticos derivados da penicilina são os fármacos que mais vezes levantam a suspeita de alergia na criança. O diagnóstico baseia-se numa história clínica detalhada geralmente complementada por teste cutâneos e de provocação, procedimentos que implicam a avaliação em meio hospitalar. A investigação é por vezes difícil e morosa mas importante pois as reacções que não são devidamente investigadas e diagnosticadas podem levar à prescrição indiscriminada de fármacos alternativos menos eficazes e mais dispendiosos em doentes na realidade não alérgicos. Nascer e Crescer 2009; 18(3): 189-190 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Argumentos Contra Susana Roncon1 Em 1974 foi descrita pela primeira vez a presença de células progenitoras hematopoiéticas no Sangue do Cordão Umbilical (SCU) surgindo a ideia de usar este sangue para transplante hematopoiético. O primeiro Transplante de SCU (TSCU) foi realizado em 1988 num doente com anemia de Fanconi; o doente não desenvolveu Doença de Enxerto Contra Hospedeiro (DECH) e actualmente encontra-se vivo, sem doença e em situação de quimerismo total do dador. Durante os últimos 20 anos, o progresso no campo do TSCU decorreu em paralelo com o grande interesse em criar e desenvolver bancos de SCU em todo o mundo com o objectivo de fornecer unidades de elevada qualidade aos doentes candidatos a transplante alogénico sem dador familiar compatível. Os primeiros bancos foram estabelecidos no início dos anos 90 em Nova Iorque, Milão e Dusseldorf. Actualmente encontram-se armazenadas mais de 400.000 unidades em mais de 40 bancos, tendo mais de 10.000 doentes, crianças e adultos, com doenças malignas e não-malignas, beneficiado de um transplante. As unidades de SCU HLA-compatíveis são encontradas através de registos informáticos. O sucesso demonstrado em diversos estudos indica que o SCU é uma fonte alternativa eficaz e, em determinadas situações, pode ter vantagens relativamente aos enxertos de Medula Óssea (MO). __________ 1 Serviço de Terapia Celular - Instituto Português de Oncologia do Porto FG, EPE DÁDIVA DE SCU ALOGÉNICA Não existe nos dias de hoje controvérsia relativamente à dádiva voluntária e benévola de SCU para bancos públicos e muitas das questões inicialmente colocadas foram resolvidas. Sem dúvida, que o número de células nucleadas tem condicionado o uso do SCU no adulto; mas este factor pode ser ultrapassado com a infusão de 2 unidades de SCU, com a expansão celular ou com a infusão simultânea de um SCU e um enxerto medular haploidêntico. Permanece como factor limitativo a impossibilidade de obter novo enxerto do mesmo dador no caso de falência ou linfócitos do dador na situação de recaída. O atraso na recuperação hematológica e imunológica evidenciado em diversos estudos pode ser melhorado através do estabelecimento criterioso de condicionamentos de intensidade reduzida, da instituição de profilaxia antivírica, antibacteriana e antifúngica, da monitorização regular do antigénio do CMV e do uso de Imunoglobulinas. A preocupação com a transmissão de doenças genéticas foi substancialmente reduzida com a selecção cuidadosa da grávida e com o despiste da patologia nas unidades suspeitas. Os novos sacos de congelação com pequenos segmentos permitem a descongelação separada de alíquotas de células do cordão para a realização de testes de rastreio de doenças infecciosas com agentes emergentes e, sobretudo, para a avaliação da viabilidade celular. No futuro, esta possibilidade poderá dar resposta à grande dúvida sobre a durabilidade de uma unidade criopreservada. O grande obstáculo ao aumento do pool de unidades de SCU é o elevado custo associado ao seu registo, estudo analítico e armazenamento, favorecendo o registo de dadores adultos não aparentados de medula. No entanto, segundo Howard et al., aumentar o stock de um banco com 50.000 unidades para um com 300.000, permite um incremento de 19% e 10% relativamente à probabilidade de encontrar uma unidade compatível para uma criança ou adulto, respectivamente. Hurley et al. demonstraram que num registo com 10.000.000 de dadores são necessários 7.000.000 adicionais para aumentar a probabilidade em 1% de encontrar um dador compatível. Daí que os recursos económicos deverão ser direccionados para os bancos públicos de SCU. DÁDIVA DE SCU DIRIGIDA Apesar do primeiro transplante ter sido de um dador familiar e de muitos outros que se seguiram terem envolvido dádivas dirigidas, não existem normas a regulamentar estas dádivas. Até à data, os TSCU realizados basearamse na estreita colaboração entre famílias altamente motivadas e profissionais de saúde que facilitaram a colheita e o armazenamento das unidades. A dádiva dirigida deve ser encorajada quando o irmão tem uma doença potencialmente tratável com transplante ou quando a tipagem HLA do dador apresenta um fenótipo raro (como é o caso das minorias étnicas), apesar do reconhecimento de que 75% destas unidades não são HLA-idênticas. No entanto, não são totalmente conhecidas as doenças para as quais o controvérsias: criopreservação de células do cordão umbilical XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 191 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 TSCU é uma opção terapêutica eficaz. Também não estão definidas as situações em que o SCU é a fonte preferida em detrimento da MO ou do Sangue Periférico Mobilizado (SPM) para o mesmo dador familiar. A logística associada aos bancos públicos implica a existência de circuitos próprios para o armazenamento e libertação destas unidades. No IPOPorto existe um pequeno banco de dádivas dirigidas a funcionar desde 1993 e com cerca de 140 SCU criopreservados; destes foram descongelados 3 para 2 transplantes. USO AUTÓLOGO DE SCU Face aos conhecimentos actuais e atendendo a que tanto os defensores como os opositores fazem declarações exageradas e, por vezes, erróneas, será que se justifica a existência de bancos de SCU autólogo? A presença de células leucémicas no SCU de crianças que desenvolveram leucemia contra-indica o seu uso nestas situações. Também a ausência do efeito enxerto contra leucemia limita a sua utilização no tratamento de doenças malignas. Segundo um estudo americano recente de Horowitz, a probabilidade de um indivíduo realizar um transplante autólogo durante a sua vida é 1:400. Para estes, existe a possibilidade de colheita de SPM ou MO em tempo útil da transplantação. Os protocolos clínicos de medicina regenerativa com células estaminais para indivíduos com mais de 50 anos de idade, portadores de doenças degenerativas ou isquémicas, usam MO ou SPM autólogo. Quais serão as condições das unidades de SCU crioconservadas nas próximas 5 a 6 décadas? Resta a certeza de que no próprio existem sempre células estaminais que poderão ser recrutadas para o uso necessário. OPINIÃO PESSOAL Não deveriam existir dúvidas para a criopreservação de dádivas alogénicas de SCU em bancos públicos. Mantém-se a polémica sobre as indicações para criopreservação de dádivas autólogas de SCU. O que é importante é criar protocolos clínicos para o uso consciencioso do SCU em transplantação. Nascer e Crescer 2009; 18(3): 191-192 BIBLIOGRAFIA • History of cord blood transplantation. • Gluckman E. • Bone Marrow Transplant. 2009 Oct 5. [Epub ahead of print] • Cord blood banking for clinical transplantation. • Rubinstein P. • Bone Marrow Transplant. 2009 Oct 5. 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Foram-se assim seleccionando genes que determinavam comportamentos alimentares específicos, como a preferência pelos doces (maiores fornecedores de calorias), em detrimento dos amargos ou ácidos (associados a toxinas de plantas); bem como a preferência pelos alimentos gordos ou derivados da carne. Com o início da agricultura e da domesticação do gado, há alguns milhares de anos atrás, o nível de aporte alimentar tornou-se progressivamente mais constante, mas também mais restrito. A pressão ambiental para a selecção de genes modificadores do comportamento alimentar baixou drasticamente. Hoje, tal como nesse passado remoto, o bebé humano nasce com um gosto inato para o doce e uma aversão ao amargo. A preferência pelo salgado vai-se desenvolvendo a partir do segundo semestre de vida. Por outro lado a relutância em aceitar novos sabores (neofobias alimentares) ,e que se acentua a partir do 1º ano de vida, é um traço em que a hereditariedade desempenha um papel determinante. Estaremos então condenados pelos nossos genes a uma dieta monótona com os riscos que isso significa para o futuro (excesso de calorias, ingestão de substâncias potencialmente nocivas)? A resposta é não, porque podem contrariar-se os mecanismos inatos de preferência alimentar, através da experiência precoce. Por vezes tão precoce que ainda tem lugar na fase intra-uterina através da passagem transplacentar de sabores voláteis para o líquido amniótico , deglutidos pelo feto, como bem ficou patente em estudos pioneiros de Julie Menella e colaboradores , que demonstraram uma melhor aceitação de sabores pelo bebé na altura da diversificação alimentar quando esses alimentos haviam sido consumidos regularmente pela mãe durante a gravidez. Outros trabalhos põem ainda em evidência a importância da passagem desses mesmos sabores através do leite materno , conferindo ao lactente amamentado uma maior capacidade para se adaptar à diversificação alimentar. A capacidade do bebé aceitar novos sabores , principalmente se amargos ou ácidos (vegetais e frutas) vai aumentando gradualmente à medida que se vai familiarizando com esse sabor e muitas vezes são precisas em média 11 tentativas para finalmente ter sucesso ,pelo que se deve encorajar a persistência na oferta alimentar. Este aspecto é tanto mais importante quanto se sabe que a janela para a habituação aos sabores é estreita , começando a fechar-se pelos 2 anos e encerrando aos 3 anos, ou seja uma criança com um “portfolio” alimentar reduzido pelos 3 anos , vai manter essa monotonia alimentar até à adolescência , consumindo geralmente uma dieta rica em calorias mas pobre em nutrientes, através da selecção de alimentos energeticamente densos em detrimento de frutas e vegetais. Hoje já não é a modificação genética a principal causa da adaptação ás mudanças ambienciaisl. Essa adaptação resulta da modificação de comportamentos aprendidos pela divulgação de informação. O “meme” é então essa unidade auto-replicativa de informação. Para induzir a modificação do comportamento alimentar (geneticamente determinado), os memes são hoje de primordial importância: positivos quando encorajam a variedade; negativos quando, por medos cientificamente pouco explicados (como por exemplo, o receio de alergias , o que aliás motivou já uma clarificação nas ultimas recomendações quanto à diversificação alimentar da A.A.P e da ESPGHAN), afunilam a experiência alimentar e tornam ainda mais desajustado o nosso património genético ao ambiente em que ele se desenvolve. Nascer e Crescer 2009; 18(3): 193 __________ 1 Director da Área de Pediatria Médica do Hospital de Dona Estefânia – CHLC-EPE alimentação – experiências precoces impacto futuro XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 193 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Diversificação Alimentar Ricardo Ferreira1 A diversificação alimentar é um processo através do qual a criança faz a transição para a alimentação da família. Inicia-se por pelos 4-6 meses de vida e habitualmente está completa antes dos 2 anos de Idade. A criança deixa progressivamente de ter uma alimentação exclusivamente láctea para começar a contactar com os mais variados alimentos, apresentados das mais variadas formas. A criança abandona a segurança da alimentação exclusivamente láctea (um único alimento, de ingestão simples, exigindo apenas a coordenação da sucçãodeglutição, nutricionalmente completo e microbiologicamente seguro particularmente tratando-se de leite materno), passando progressivamente a receber alimentos das mais variadas texturas, consistências, sabores e valor nutricional. Tal exige a maturação de todos os processos associados à mastigação e digestão de substâncias mais complexas. Por esse motivo é um período de grande vulnerabilidade nutricional, particularmente nas famílias com acesso limitado a alimentos de qualidade e microbiologicamente seguros. Por outro lado, não deve ser apenas o risco de défice nutricional a preocupar-nos. Há que ter em conta que este também é um período particularmente sensível em termos de programação metabólica, no estabelecimento de preferências alimentares, no desenvolvimento de alergia e intolerância alimentar, pelo que uma incorrecta diversificação alimentar pode influenciar a saúde futura. O treino da mastigação, o treino do paladar, o contacto com novas texturas e a socialização são aspectos indissociáveis deste processo e que apresentam períodos críticos de desenvolvimento que não podem ser menosprezados. Contrariamente ao aleitamento exclusivo dos primeiros meses de vida, acerca do qual há bastante evidência científica, os estudos em relação à diversificação alimentar são mais escas- __________ 1 Hospital Pediátrico de Coimbra actualidades na alimentação – mesa redonda S 194 XXI reunião do hospital de crianças maria pia sos, muitos apenas observacionais, com evidência científica de menor qualidade. Além disso, esta é uma área em que as recomendações oficiais competem necessariamente com aspectos sócio-económicos, culturais, mitos e tradição familiar, dificultando não apenas a sua implementação homogénea, mas também a obtenção de evidência científica de qualidade. Apesar dessas condicionantes, é possível enunciar algumas regras, como as definidas pelo Comité de Nutrição da Sociedade Europeia de Gastrenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica em 2008. Estas devem ser respeitadas, devendo contudo ser ajustadas à realidade cada criança, família e comunidade, de modo a que a diversificação alimentar seja um processo não apenas de sucesso, mas também agradável para todos. Nascer e Crescer 2009; 18(3): 194 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Alimentação do Prematuro Ana Cristina Braga1 Os progressos tecnológicos desenvolvidos nas últimas décadas têm permitido uma considerável melhoria na sobrevida de recém-nascidos cada vez mais pequenos e imaturos. A necessidade de providenciar uma nutrição adequada a esta população de pequenos e frágeis recem-nascidos tem também resultado num aumento das estratégias nutricionais disponíveis, com o aparecimento de suplementos para o leite materno, melhoria da composição das fórmulas para recem-nascidos de prétermo/baixo peso ao nascimento e disponibilidade de soluções para alimentação parentérica. Contudo, apesar destes avanços científicos, o crescimento pós-natal dos recém-nascidos prematuros continua sub-óptimo. E qual deverá ser considerado o crescimento extrauterino ideal para um feto nascido prematuramente? A Academia Americana de Pediatria recomenda que seja fornecido ao prematuro um aporte de nutrientes que lhe permita um crescimento pósnatal, em termos antropométricos e de composição corporal, semelhante ao de um feto normal, da mesma idade pós-menstrual, crescendo in utero. Contudo, o consumo energético e de nutrientes imposto pela permanência na Unidade de Cuidados Intensivos e pelas complicações dela resultantes é claramente diferente das necessidades para o crescimento durante a vida intrauterina. O crescimento “ao ritmo fetal”, ainda que pareça um objectivo razoável, será portanto dificilmente atingido, __________ 1 Assistente Hospitalar Graduada –Serviço de Cuidados Intensivos Neonatais, CHP, Unidade Maternidade Júlio Dinis pelo que deverá antes ser encarado como uma orientação. Além disso, o aporte energético e de nutrientes fornecido aos recém-nascidos de pré-termo, sobretudo aos de muito baixo peso, é, na maior parte dos casos, insuficiente para que atinjam uma velocidade de crescimento fetal normal, o que leva ao estabelecimento de uma restrição de crescimento pósnatal durante o internamento. A subnutrição, sobretudo proteica, em estadios críticos do desenvolvimento (pré ou pós-natal), tem comprovadas consequências a longo prazo, nomeadamente hipertensão, diabetes, baixa estatura e alterações do neurodesenvolvimento. Por outro lado, também o crescimento acelerado, pré ou pós-natal (“catch-up growth”) leva a complicações tardias, como a obesidade, resistência à insulina e diabetes. É portanto essencial desenvolver estratégias alimentares que permitam um crescimento pósnatal adequado, com uma menor perda ponderal pós-natal e uma recuperação mais precoce do peso ao nascimento, evitando assim quer a restrição de crescimento inicial, quer a subsequente rápida velocidade de crescimento (“catch-up growth”). Nascer e Crescer 2009; 18(3): 195-198 NUTRIÇÃO FETAL O metabolismo energético fetal está dependente sobretudo do fornecimento placentar de glicose e proteínas. A glicose é a principal fonte energética dos orgãos fetais; ela é transferida da mãe para o feto a um ritmo próximo do do consumo fetal. Os aminoácidos são transportados activamente através da placenta a um ritmo que excede as necessidades do crescimento fetal; cerca de 50% dos aminoácidos captados pelo feto são oxidados, constituindo uma importante fonte energética. Consequentemente, a produção de ureia pelo feto é relativamente elevada, quando comparada à do recém-nascido de termo. O fornecimento transplacentar de lipídeos e deposição de gordura no tecido adiposo fetal só se inicia no 3º trimestre. Os lipídeos não são portanto uma fonte energética óptima para o grande prematuro no período neonatal precoce, por imaturidade dos sistemas de metabolização lipídica. O líquido amniótico, sendo secundário em termos de nutrição fetal, desempenha um papel importante no desenvolvimento estrutural e funcional do tracto digestivo. No fim do 3º trimestre o líquido amniótico fornece ao feto o equivalente à carga hídrica total e a ¼ das necessidade proteicas de um recém-nascido de termo amamentado. No momento do nascimento há uma interrupção súbita do aporte de nutrientes ao feto, com uma descida dos níveis de glicose e de aminoácidos, dos quais depende a produção de insulina. Consequentemente desencadeia-se uma resposta metabólica, cujo aspecto mais evidente é a produção endógena de glicose; esta, quando incontrolada, poderá levar à “intolerância à glicose”, tão frequente nos recém-nascidos de extremo baixo peso e que limita a quantidade de energia que é possível fornecer-lhes. NUTRIÇÃO PÓSNATAL A diversidade de políticas nutricionais referidas na literatura e observada na prática entre diferentes centros ilus- actualidades na alimentação – mesa redonda XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 195 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 tra as muitas incertezas que existem ainda neste campo. Contudo, como a subnutrição não é fisiológica e é indesejável, qualquer medida que tenda a diminui-la, desde que segura, pode ser considerada um avanço positivo. Uma estratégia nutricional “agressiva” permitirá uma transição da vida fetal para a vida extrauterina sem interrupção do crescimento e do desenvolvimento, se a transferência de nutrientes para o feto/recém-nascido não fôr descontinuada. A nutrição de um recém-mascido de prétermo terá sempre uma vertente entérica e uma parentérica, salvo a daqueles saudáveis e nascidos próximo das 34 semanas, em que geralmente é possível fornecer os aportes adequados por via entérica exclusiva. Alimentação parentérica Num passado não muito distante o início da alimentação parentérica era normalmente protelado durante alguns dias, por razões nem sempre claras, mas que se prendiam sobretudo com o receio de toxicidade, uremia e acidose metabólica, em recém-nascidos imaturos e doentes. Contudo, se se pretende minimizar a interrupção de crescimento e suavizar a transição da vida fetal para a vida extrauterina, o aporte energético e de nutrientes deve ser iniciado tão precocemente quanto possível; trata-se de uma questão de horas, não de dias. A glicose é o principal combustível utilizado pelo cérebro, estando essa utilização directamente relacionada com as concentrações plasmáticas de glicose. As consequências para o neurodesenvolvimento de períodos curtos (poucos minutos ou horas) de hipoglicemia são ainda controversas, mas períodos prolongados levam a uma diminuição do crescimento e desenvolvimento cerebral. Por outro lado, a hiperglicemia prolongada leva a uma diminuição da capacidade de utilização de glicose. A taxa de utilização de glicose é tanto maior quanto menor fôr a idade de gestação (poderá variar entre 9-10 mg/Kg/min às 24-25 semanas até 3-5 mg/Kg/min a termo). A perfusão de glicose deve ser iniciada imediatamente após o nascimento, e a glicemia mantida entre 50-120 mg/dL. Tem sido prática o início, nas primeiras 24-48h de vida, de uma perfusão de aminoácidos que forneça 0.5g/ Kg/dia, cujo ritmo é diariamente aumentado de 0.5g/Kg/dia até um máximo de 3.0-3.5g/Kg/dia. Os estudos desenvolvidos nas últimas décadas determinaram que 1.0-1.5 g/Kg/dia será o aporte proteico mínimo necessário para prevenir um balanço azotado negativo, devendo uma perfusão nestas doses ser iniciada nas primeiras horas de vida e aumentada progressivamente até aos 3.5-4.0g/Kg/dia. Consegue-se assim evitar o catabolismo proteico e aumentar a produção de insulina, prevenindo a hiperglicemia, sem que se verifiquem efeitos indesejáveis. Doses de 2 g/Kg/dia de proteína permitem já algum anabolismo. Alguns autores defendem o início, imediatamente após o nascimento, de uma perfusão de aminoácidos que forneça 3.0g/Kg/dia, já que este será o ritmo de fornecimento in utero de aminoácidos. Embora haja também uma tendência a iniciar a perfusão de lipídeos mais cedo do que foi prática no passado, as recomendações para a sua progressão são mais cautelosas. A deposição de gordura durante a vida fetal, que ocorre sobretudo no último trimestre, é feita exclusivamente no tecido adiposo; os regimes nutricionais que fornecem uma elevada percentagem de hidratos de carbono e lipídeos levam ao depósito de gordura no fígado e coração, o que coloca o recém-nascido em risco de complicações a longo prazo, nomeadamente risco cardiovascular. A recomendação actual é para iniciar administração de lipídeos nas primeiras 24-48h, a um ritmo de 0.5-1.0 g/kg/dia. Alimentação entérica Com o desenvolvimento, nos anos 70 e 80 do século XX, de soluções equilibradas e seguras para alimentação parentérica em neonatologia, aliado à convicção de que a enterocolite necrotizante (ECN) estaria associada ao início da alimentação entérica, aquela actualidades na alimentação – mesa redonda S 196 XXI reunião do hospital de crianças maria pia começou a ser encarada como um prolongar da nutrição transplacentar, e a ser utilizada como única fonte nutricional nos primeiros dias (ou semanas) de vida, sobretudo em grandes prematuros, doentes e ventilados. Durante este período começou contudo a aumentar a evidência de que a ausência de alimento no tubo digestivo leva a atrofia vilositária, a diminuição das enzimas digestivas e de hormonas tróficas entéricas, e a alterações imunitárias locais que facilitam a resposta inflamatória sistémica e a enterocolite necrotizante. No entanto, ainda hoje é o receio de intolerância alimentar e de ECN que leva a que frequentemente o início de alimentação entérica seja adiada no recém-nascido prematuro, sobretudo nos grandes prematuros e de extremo baixo peso ao nascimento. Persiste assim a questão de quando, quanto, como e com quê alimentar o prematuro. Quando? A alimentação entérica deve ser inciada tão cedo quanto possível; o único requisito é a estabilidade clínica (ausência de hipotensão, hipóxia, curarização…). Em muitos recém-nascidos poderá iniciar-se no primeiro dia de vida; será prudente adiar dois ou três dias nos casos de restrição de crescimento, asfixia perinatal ou fluxos fetais patológicos. Na ausência de grande instabilidade, no fim da primeira semana quase todos os recém-nascidos poderão beneficiar da alimentação trófica. Quanto? O conceito de “alimentação trófica” surge como alternativa ao jejum completo em recém-nascidos de muito baixo peso, no período neonatal precoce. Também designada por “nutrição não nutritiva”, “alimentação entérica mínima” ou “alimentação hipocalórica”, consiste na administração de quantidades mínimas de leite materno ou de fórmula, desde os primeiros dias de vida, sem progressão de volume durante um período predefinido. Embora sem unanimidade, a maioria dos autores parece concordar que a alimentação trófica, aumentando a mucosa digestiva e NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 a libertação de hormonas entéricas e melhorando a motilidade intestinal, permite uma melhor tolerância alimentar, menor tempo de alimentação parentérica, alimentação entérica exclusiva e alta mais precoces, sem aumento da incidência de ECN. O volume a administrar e a velocidade de progressão dependem do peso, maturidade e tolerância do recém-nascido. Geralmente inicia-se com um aporte de 10 a 20 ml/Kg/dia que é mantido durante alguns dias, e que depois é aumentado, de acordo com a tolerância, de 10 a 35 ml/kg/dia. A alimentação parentérica é reduzida de acordo com a progressão da alimentação entérica. Quando a maturidade, peso e situação clínica do recém-nascido o premitem, a alimentação é iniciada, não com uma finalidade “trófica” sobre o tracto gastrointestinal, mas com uma finalidade nutritiva. De uma maneira geral, são recém-nascidos estáveis com mais de 32 semanas e de 1500g de peso ao nascimento, que permitem aportes de 60-80 ml/kg no primeiro dia. O objectivo final é fornecer diariamente 150 a 160 ml/Kg de leite de fórmula ou 160 a 180 ml/Kg de leite materno, 3 a 4 g/Kg de proteína, e pelo menos 120 Kcal/Kg. Como? Antes das 32-34 semanas de idade pósmenstrual os reflexos de sucção, deglutição e coordenação respiratória não permitem geralmente uma alimentação oral eficaz e segura. Nestes casos, ou quando há malformação, alteração neurológica ou outro problema clínico que impeça a nutrição oral, o método de eleição é a alimentação por sonda orogástrica. A sonda nasogástrica não está indicada, pelo aumento de resistência respiratória, aumento do esforço respiratório e risco de apneias que comporta. As indicações para utilização de sonda transpilórica são raras e específicas. Não existe unanimidade de qual o melhor método - em bólus ou contínuo - para administração de leite. A alimentação contínua tem sido relacio- nada com uma melhor tolerância, mas a alimentação em bólus é considerada “mais fisiológica”, porque simula a alternância entre as refeições e o jejum, de forma semelhante ao que acontece em condições normais ao longo da vida. A técnica mais usual e que parece reunir mais consenso é a alimentação intermitente por bólus lento - 30 a 120 minutos -, que tem a vantagem de aumentar a capacidade gástrica, estimular o reflexo gastrocólico e melhorar a motilidade intestinal. A alimentação contínua, às vezes necessária em recém-nascidos de prematuridade extrema, a seguir a cirurgia intestinal ou em casos de intolerância persistente à alimentação descontínua, está associada a um maior risco de contaminação do leite e a uma maior adsorção às paredes do sistema, com perda de nutrientes. O quê? O leite materno (LM) é o melhor alimento para todos os recém-nascidos, de termo ou de pré-termo; ele melhora a digestão e absorção dos nutrientes, confere maior protecção contra infecções, diminui o risco de alergias e a incidência de ECN; melhora o desenvolvimento cognitivo e visual, para além de promover o bem-estar materno e fortalecer a relação mãe-filho. Embora numa fase mais tardia possa ser insuficiente para manter um crescimento adequado, ele é o alimento de eleição para iniciar a alimentação entérica, trófica ou nutritiva. O LM não fortificado é insuficiente para garantir as necessidades proteicas, energéticas e de alguns minerais e vitaminas dos recém-nascidos de pré-termo, sobretudo daqueles com menos de 32 semanas ou de 1500g de peso ao nascimento. Assim, o fortificante deve ser adicionado quando o recém-nascido tolera pelo menos 100 ml/Kg de leite materno, e mantido durante o internamento até que o recém-nascido possa mamar directamente na mãe. A fórmula para prematuros é a alternativa quando não existe LM ou quando ele é insuficiente. Não tem as vantagens biológicas descritas para o LM, mas tem um teor proteico mais elevado do que o LM não fortificado e permite um crescimento pós-natal adequado. Alimentação Pós-alta Não há uniformidade de atitudes no planeamento nutricional após a alta. Há centros que defendem o leite materno, com ou sem fortificação, outros as fórmulas artificiais, quer fórmula para prematuros (LPT) quer PDF (PDF – Posdischarge Formula), quer mesmo fórmula adaptada a lactentes. Contudo, grande parte dos autores concordará que o ideal será que aquando da alta o recém-nascido esteja amamentado ao seio, ad libitum, com um aumento ponderal estável de cerca de 15g/Kg/dia. Se o crescimento se mostrar insuficiente com esta medida, pode fortificar-se o LM, o que não é prático, se a criança vai ao seio; neste caso pode substituir-se algumas mamadas por LPT ou PDF. Quando não há leite materno disponível, será aconselhável recorrer a uma fórmula para prematuros ou a PDF, já que a fórmula adaptada a lactentes não fornece os aportes energético, proteico, mineral e vitamínico necessários ao crescimento equilibrado destes lactentes. O período durante o qual estas fórmulas especiais são mantidas é também muito variável de centro para centro. Alguns autores suspendem-nas antes da alta, outros mantêm-nas até às 40 semanas ou até aos 6, 9 ou 12 meses de idade corrigida. A privação nutricional durante o período neonatal é crítica, dada a repercussão futura que pode ter. Sendo o primeiro ano de vida uma janela de oportunidade para compensar o crescimento somático e cerebral, estes lactentes deverão manter, durante este período, uma vigilância clínica atenta do seu crescimento. Nascer e Crescer 2009; 18(3): 195-198 actualidades na alimentação – mesa redonda XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 197 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 BIBLIOGRAFIA • Bombell S, McGuire W: Early trophic feeding for very low birth weight; 2009; The Cochrane Collaboration. Published by John Wiley and Sons,Ltd. • Richard J Schandler: Human milk feeding and fortification of human milk for premature infants. 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Por outro lado, para além de fornecer os nutrientes necessários ao crescimento saudável e harmonioso de cada ser humano, a alimentação também tem uma importante função social, visto que as refeições constituem em todas as culturas momentos importantes na construção da sociedade (família, grupo de amigos, outros grupos) e na celebração de eventos. Estes dois aspectos – o da nutrição e o factor social – têm que estar presentes quando se abordam estas questões. De acordo com o estudo promovido em Outubro de 2007 pelo Centro Vegetariano, existirão em Portugal cerca de 30 000 vegetarianos, ou seja, pessoas que nunca ingerem carne ou peixe. O mesmo estudo, baseado em entrevistas a 2000 pessoas dos 15 aos 65 anos (amostra representativa) permitiu concluir que 2% dos inquiridos afirma nunca consumir carne e 20% apenas ocasionalmente; quanto ao peixe estas percentagens são de 1% e 23%, respectivamente. Sabendo que estas preferências alimentares se associam frequentemente a um “estilo de __________ 1 Hospital D. Estefânia – Lisboa vida” popular entre os jovens, ou seja, no grupo etário que se encontra em idade fértil, é de esperar que sejamos interpelados, enquanto pediatras, para acompanhar uma criança cujos pais são vegetarianos e desejam que os filhos também o sejam. Aqui está mais um desafio que se coloca aos Pediatras do século XXI, mesmo que a sua própria opção alimentar seja diferente. Este trabalho pretende fornecer os rudimentos do que o pediatra/médico de família precisa de saber sobre a alimentação vegetariana na criança. Nascer e Crescer 2009; 18(3): 199-201 DEFINIÇÕES No planeamento duma alimentação vegetariana é crucial saber que tipo de dieta seguem os pais, visto que algumas das dietas abaixo referidas podem ser carentes em nutrientes fundamentais para o crescimento da criança. E assim: - lacto-ovo-vegetariano: ingere ovos e leite/derivados - lacto-vegetariano: ingere leite/ derivados - vegan: não ingere qualquer alimento de origem animal - frutariano: vegan que privilegia o consumo de frutos, frutos secos e sementes. - macrobiótico: consome preferencialmente cereais, leguminosas e vegetais - semi-vegetariano ou pixo-vegetariano: ingere peixe e marisco - flexitariano: consome esporadicamente carne e peixe PRINCIPAIS NUTRIENTES A TER EM CONTA A dieta vegetariana adequada fornece todos os nutrientes necessários ao crescimento da criança; no entanto, há alguns elementos que merecem uma atenção particular. De entre todos, é de destacar: - o ferro Sendo a carne uma importante fonte de ferro, compreende-se que a ferropénia possa ser um motivo de preocupação; com efeito, embora os legumes sejam ricos em ferro, a presença de fitatos, oxalatos e cálcio reduz a sua biodisponibilidade. Do mesmo modo, os polifenóis contidos no chá, no café e no chocolate também diminuem a absorção de ferro. Ao contrário, a ingestão na mesma refeição, de alimentos ricos em vitamina C, melhoram-na. São boas fontes de ferro os legumes de folha escura, as leguminosas, a soja e o tofu (queijo de soja). - a vitamina B12 Os ovos e os lacticínios são boas fontes de vitamina B12; as dietas que os excluem devem ser suplementadas ou conter alimentos enriquecidos, única maneira de não serem carentes nesta vitamina. Os folatos, por seu lado, muito presentes nos legumes, podem mascarar os sintomas resultantes da deficiência de vitamina B12, levando a que o seu diagnóstico só se torne evidente quando já existem importantes sinais e sintomas neurológicos. - os ácidos gordos ómega-3 Os ácidos gordos são fundamentais no desenvolvimento do cérebro e da visão, assim como na manutenção da boa saúde cardiovascular. As dietas vegetarianas são ricas em ómega-6, mas pobres em ómega-3. A solução actualidades na alimentação – mesa redonda XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 199 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 passa pelo consumo de algas e de alimentos suplementados, como o leite de soja e outros. - o cálcio Nutriente fundamental para a correcta mineralização óssea, o insuficiente aporte em cálcio deve ser uma preocupação nas dietas que excluem o leite e derivados; os legumes de folhas verdes são uma boa fonte de cálcio, desde que não contenham fitatos ou oxalatos, que reduzem a sua absorção. Bróculos, agriões, couve galega, frutos secos e o tofu são alguns exemplos de alimentos ricos em cálcio de boa biodisponibilidade. - proteínas Embora os vegetais não possuam, regra geral, proteínas de alto valor biológico, a sua combinação responde integralmente às necessidades da criança em crescimento. O segredo está na variedade e na combinação de alimentos. - o aporte energético Os vegetais são, em geral, alimentos de baixa densidade energética; deste modo, a dieta vegetariana pode, teoricamente, não proporcionar o aporte energético necessário ao crescimento; esta questão pode ser particularmente pertinente nos primeiros anos de vida da criança, quando a capacidade gástrica é ainda reduzida. Os numerosos estudos efectuados em todo o mundo sobre este assunto não mostram, no entanto, razão para esta preocupação, nomeadamente no resultado final – o crescimento - desde que todos os nutrientes estejam presentes nas quantidades necessárias. O VEGETARIANISMO NAS VÁRIAS ETAPAS DA IDADE PEDIÁTRICA Gravidez e aleitamento Já sabemos que a grávida não precisa de “comer por dois”, mas a verdade é que nesta fase da vida as suas necessidades nutricionais estão aumentadas, nomeadamente em energia, proteínas, ferro, cálcio, ácidos gordos ómega-3 e vitamina B12 - os necessários ajustes têm que ser efectuados. Caso a dieta não preencha as necessidades em micronutrientes, é re- comendável um suplemento vitamínico e mineral. O leite materno, desde que asseguradas as condições acima referidas, responde totalmente às necessidades do lactente até aos 6 meses de vida. Caso a mãe não possa amamentar ou seja necessário um suplemento, poderá optar-se por um leite para lactentes ou pelo leite de soja. Diversificação alimentar Os objectivos da diversificação alimentar nos lactentes vegetarianos são idênticos aos dos restantes lactentes: fornecer os nutrientes necessários ao crescimento e desenvolvimento e introduzir o bebé, progressivamente, na dieta familiar. Já sabemos como é importante proporcionar aos bebés o contacto com sabores, consistências e texturas diferentes; esta medida, além de lhe fornecer tudo o que necessita, vai educar o seu paladar. A introdução de novos alimentos na dieta obedece às regras gerais da diversificação, podendo iniciar-se pela papa ou pelo puré de legumes e fruta; os bebés amamentados podem ingerir alimentos com glúten antes dos 6 meses, de acordo com as indicações actuais. A partir dos 6 meses pode introduzir-se a soja e o tofu (queijo de soja). Como todos os novos alimentos, deve começar-se por uma pequena quantidade, que coze juntamente com os legumes da sopa; se não houver reacção vai-se aumentando progressivamente até 40 g por dia. O seitan, produzido a partir do glúten de trigo, pode ser dado a partir do final do primeiro ano de vida. As leguminosas, ricas em proteínas e os frutos secos, estes últimos triturados, podem ser introduzidos a partir dos 9 meses. 1ª e 2ª infância Os bons hábitos introduzidos aquando da diversificação alimentar devem ser mantidos. Se a criança não for muito resistente às mudanças e à inovação, por volta dos 12 meses deverá estar com um regime alimentar semelhante aos pais. Nos mais “difíceis”, há que ser persistente e imaginativo, e não ceder ao facilitismo de se permanecer no patamar alimentar dos actualidades na alimentação – mesa redonda S 200 XXI reunião do hospital de crianças maria pia 6-9 meses. De acordo com as normas actuais, os alimentos com maior potencial alergénico como os citrinos, os morangos e a clara de ovo, poderão ser introduzidos gradual e cautelosamente a partir dos 12 meses. Idade escolar A maioria dos refeitórios das escolas do 1º e 2º ciclo poderá não incluir uma opção vegetariana, obrigando a que a criança leve as refeições de casa. Há que estar atento ao possível efeito de segregação do grupo daí resultante. Também pode acontecer que, ao chegar à escola, a criança queira experimentar alimentos que até então não faziam parte da sua alimentação, mas que passam a estar mais acessíveis. Os Pais devem estar de antemão preparados para esta possibilidade. O envolvimento do pessoal auxiliar e dos professores é mandatório; é preciso que eles também compreendam e aceitem as escolhas dos pais e, com esta atitude, contribuam para a plena integração da criança. As festas de anos podem representar outra interface entre a alimentação da criança e a dos seus amigos. Adolescência A opção pela dieta vegetariana começa a ser frequente na adolescência; surge muitas vezes como fazendo parte do quadro geral de oposição aos pais, uma forma de afirmação pessoal. No entanto há que estar alerta para os distúrbios do comportamento alimentar que esta opção pode esconder. No rescaldo destas doenças, também é frequente a mudança para uma dieta vegetariana. Em qualquer dos casos, caso o pediatra não se sinta confortável para orientar a alimentação, numa altura da vida em que as necessidades nutricionais também são maiores, deve encaminhar para uma consulta de dietética. Deste modo, não só não se “compra uma guerra”como até se pode sugerir que o jovem participe na confecção das refeições da família, proporcionando assim a sua não-exclusão do núcleo familiar, uma alimentação mais variada para todos e algum repouso a quem prepara habitualmente as refeições. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 BIBLIOGRAFIA Figura 1 – Pirâmide vegetariana (Pediatrics in Review 2009; 30: e1- e8- modif. a partir de Hadad et al) ALGUNS PRINCÍPIOS GENÉRICOS Para além dos aspectos enunciados acima, alguns aspectos genéricos contribuem para optimizar os benefícios da dieta vegetariana. Deste modo recomenda-se: Optar por fruta da estação e vegetais frescos; o transporte de grandes distâncias e a congelação reduzem as propriedades dos alimentos. Utilizar cereais integrais, por conterem mais nutrientes essenciais. Aprender a associar alimentos, de modo a cobrir a totalidade das necessidades nutricionais e a facilitar a digestão. Tirar partido da grande diversidade de produtos vegetais e hortículas da natureza, variando o máximo. Aproveitar a PIRÂMIDE VEGETARIANA (figura 1), para ensinar às crianças e aos adolescentes (e aos pais) em que consiste a ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL vegetariana. EM CONCLUSÃO Hoje em dia é inquestionável a afirmação de que a dieta vegetariana adequada proporciona todos os nutrientes de que a criança e o adolescente necessitam para crescer e se desenvolver harmoniosamente. A die- ta vegetariana adequada pode, até, apresentar vantagens nutricionais relativamente à dieta tradicional, muitas vezes carente em fruta, fibra e legumes e excedente em colesterol, gorduras e gorduras saturadas. Compreende-se, assim, que a dieta vegetariana esteja associada a um melhor perfil lipídico, e, portanto, a menor risco de hipertensão arterial, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares. O risco geral de neoplasias também parece ser menor. A monitorização cuidadosa do crescimento e desenvolvimento da criança, usando nomeadamente as tabelas de crescimento em vigor, permite detectar precocemente e corrigir quaisquer desvios da trajectória. Orientar a alimentação duma criança vegetariana proporciona ao pediatra ou ao médico de família muitas oportunidades para refrescar os seus conhecimentos de nutrição. Aceitar ser pediatra duma criança vegetariana é também aceitar o desafio de ser parceiro dos pais, provavelmente mais sabedores sobre aspectos práticos da dieta vegetariana – afinal eles são os primeiros interessados que o seu filho cresça saudável! Quem aceita o desafio? • Ferreira, GC. Vegetarianismo. In: Nutrição Pediátrica. Salazar de Sousa J, ed. Nutrição Pediátrica. Nestlé, 2005: 33-44. • Haddad EH, Sabate J, Whitten CG. Vegetarian food guide pyramid: a conceptual framework. Am J Clin Nutr. 1999; 70: 615-619. • Oliveira, G. Alimentação vegetariana para bebés e crianças. Cascais: ed. Arte Plural, 2006. • Position of the American Dietetic Association: Vegetarian Diets. J Am Diet Assoc. 2009; 109: 1266-1282. • Renda M, Fischer P. Vegetarian Diets in Children and Adolescents. Pediatrics in Review 2009; 30: e1-e8 • http://www.avp.eco-gaia.net/ • http://www.centrovegetariano.org • http://www.nal.usda.gov/fnic/pubs/ bibs/gen/vegetarian.pdf • http://www.pcrm.org/health/veginfo/ index.html Agradecimento Ao Prof. Filipe Santos, investigador português a trabalhar na Holanda, pelas pertinentes sugestões e cuidadosa revisão do manuscrito. Nascer e Crescer 2009; 18(3): 199-201 actualidades na alimentação – mesa redonda XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 201 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Dislipidémia Helena Ferreira Mansilha1 RESUMO Os pediatras têm vindo a tornar-se cada vez mais conscientes da necessidade de prevenir, rastrear, diagnosticar e tratar a dislipidemia na infância e adolescência. De facto, evidência científica significativa sustenta o conceito de que antecedentes determinantes de doença cardíaca no adulto podem ser identificados em idade pediátrica, e estudos prospectivos têm relacionado a presença de factores de risco cardiovascular nesta idade com o desenvolvimento de lesões ateroscleróticas prematuras. A dislipidemia raramente tem consequências adversas para a saúde na infância, mas os seus efeitos a longo prazo, tais como eventos clínicos cardiovasculares que se encontram entre as principais causas de morbilidade e mortalidades dos países industrializados, realçam o interesse do rastreio de anomalias lipídicas nas crianças. O objectivo desta revisão será analisar a recente evidência científica da associação das anomalias lipídicas com a arteriosclerose precoce, do impacto da obesidade de contornos epidémicos e outras patologias nos lípidos na infância, relações essas que poderão colocar as crianças e os adolescentes em risco acrescido para aterosclerose acelerada. De facto, o processo patofisiológico subjacente às lesões ateroscleróticas é complexo e resulta da interacção entre as lipoproteínas circulantes, mediadores inflamatórios, e uma variedade de células, que conduz à acumulação de partículas de lipoproteínas de colesterol de baixa densidade sob a camada endotelial arterial. __________ 1 Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria do Hospital Maria Pia - CHP É também revisto os aspectos clinicamente relevantes das vias metabólicas das lipoproteínas, no sentido de reconhecer e classificar os tipos mais importantes de dislipidemia, nomeadamente a hipercolesterolemia familiar. Embora a principal prevenção na infância do desenvolvimento dos factores de risco da doença cardiovascular prematura permaneça assente nas recomendações sobre o estilo de vida, um subgrupo de crianças pode necessitar de terapêutica para baixar os lípidos, antes da vida adulta. Assim, são apresentadas recomendações de orientação da decisão relativa à selecção de doentes de alto risco para aterosclerose acelerada, que possam necessitar de abordagem farmacológica das suas alterações lipídicas. Portanto, esta revisão sumariza a evidência actual sobre o impacto directo da dislipidemia no desenvolvimento do processo aterosclerótico facultando estratégias potenciais de prevenção e tratamento durante a infância e a adolescência. Palavras–chave: dislipidemia; pediatria; colesterol; farmacoterapia; rastreio Nascer e Crescer 2009; 18(3): 202-207 DISLIPIDEMIAS E PROCESSO ATEROSCLERÓTICO As dislipidémias ou dislipoproteinemias são alterações das concentrações das lipoproteínas sendo estas, macromoléculas trasportadoras do colesterol e triglicerídeos (TG) em meio aquoso, ou seja, no plasma. Estes desvios podem ser devidos a erros inatos do metabolismo, e portanto, dislipidémias primárias, alimentação em situações especiais – mesa redonda S 202 XXI reunião do hospital de crianças maria pia ou estarem na dependência de outros factores ou patologias e serem dislipidémias secundárias. De facto, as dislipidémias têm vindo a apresentar uma prevalência crescente em idade pediátrica, possivelmente devido ao incremento da obesidade e sindroma metabólico neste grupo etário, que parece ter um elevado tracking na idade adulta. Estas patologias poderão estar na base da emergência da doença cardiovascular (DCV) prematura que parece assumir contornos epidémicos devido ao desenvolvimento acelerado do processo aterosclerótico1. A parede arterial quando banhada cronicamente por teores excessivos de colesterol, este é sequestrado pelos macrófagos, formando as foam cells, que por sua vez se vão acumulando no interior da camada íntima da artéria, constituindo a estria lipídica. Em resposta a esta acumulação com a idade, processos inflamatórios e imunológicos fazem migrar e proliferar as células musculares lisas para as camadas íntima e média da parede arterial de que resulta a placa fibrosa. Quando estas placas se encontram em estádios avançados e complicados, são vulneráveis à ruptura, que faz despoletar uma cascata de eventos que resultam na formação de trombo e oclusão do vaso, que leva à ocorrência de acidente vascular cerebral ou enfarte do miocárdio(1). A aterosclerose tem início muito precoce na vida e é um processo progressivo, evolutivo. Trabalhos têm sido publicados nesse sentido, atestando lesões ateroscleróticas postmortem em fetos de mães hipercolesterolémicas(2), e defendendo que a exposição passiva in utero a ambiente hiperlipidémico pode programar para aterosclerose acelerada na infância(3). NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Estudos baseados em autópsias, como o PDAY (Pathological Determinants of Atherosclerosis in Youth) e o Bogalusa Heart Study têm demonstrado que o processo aterosclerótico já existe em idade pediátrica(4,5). Mais recentemente, novos métodos não invasivos de imagem têm permitido o estudo do desenvolvimento da aterosclerose, tornando cada vez mais claro que o teor elevado de colesterol em idade pediátrica parece estar associado a risco aumentado de aterosclerose e DCV na vida adulta (Muscatine Study)(6). Esses métodos são: a avaliação da dilatação mediada pelo fluxo da artéria braquial (FMD) e a medição da espessura íntima/média carotídea (cIMT), ambos métodos ecográficos, o estudo da calcificação coronária por tomografia computorizada de feixe de electrões (EBCT) e a MRI multimodal que permite a quantificação da composição da placa. METABOLISMO DAS LIPOPROTEÍNAS As lipoproteínas são complexos macromoleculares que transportam os lípidos no sangue, basicamente compostos por uma “membrana” de fosfolipídios, colesterol não esterificado e apolipoproteínas e um “core” de triglicerídeos e ésteres de colesterol. Diferem entre si pela sua densidade, mobilidade electroforética e composição. O metabolismo das lipoproteínas cursará em três vias: A via exógena: os triglicerídeos da dieta são digeridos no intestino a ácidos gordos e monoglicerídeos, que após absorvidos são ressintetizados a triglicerídeos, que juntamente com o colesterol, o colesterol esterificado, os fosfolipídeos, as vitaminas lipossolúveis e apolipoproteínas vão constituir os quilomicra. Estes são transportados pelos linfáticos para a circulação onde são clivados pela lipoproteína lipase endotelial (LPL), fornecendo triglicerídeos para o músculo e tecido adiposo. De notar, que o tipo de gordura da dieta pode modular o clearance dos quilomicra. Assim, o consumo de ácidos gordos inssaturados (ω3 e ω6) produz quilomicra maiores que são mais eficazmente hidrolizados pela LPL, podendo reduzir significativamente o seu teor pósprandial(7). A via endógena: transporta os triglicerídeos e ésteres de colesterol, sintetizados pelo fígado para os tecidos periféricos. De facto, as VLDL (very-lowdensity lipoproteins), ricas em triglicerídeos e sintetizadas pelo fígado são clivadas pela LPL, formando as IDL (intermediatedensity lipoproteins) e estas são clivadas no fígado pela lipase hepática (HL), sendo convertidas em LDL(low-density lipoproteins) que são novamente captadas pelo fígado ou tecidos periféricos através do receptor de LDL. O principal regulador da síntese deste receptor, e portanto da remoção de LDL do plasma, é o pool intracelular de colesterol, sendo esta regulação importante na aterogenicidade. O transporte reverso: o colesterol em excesso dos tecidos periféricos é incorporado nas HDL(high-density lipoproteins), sendo esterificado pela LCAT (lecitina-colesterol-acil-transferase), que são captadas pelo fígado tendo assim um forte efeito protector contra a deposição vascular do colesterol e por conseguinte no desenvolvimento da aterosclerose (Figura1). CLASSIFICAÇÃO DAS DISLIPIDÉMIAS Embora existam várias classificações de dislipidémias como a de Fredrickson (1967), Arden (1991), Chapman (1994), Polonsky (1994), cuja sistematização se basea em padrões fenotípicos de ordem prática, sem preocupação sobre a etiologia ou patofisiologia, actualmente parece mais útil as classificações das dislipidémias em primárias e secundárias, e as primeiras em monogénicas ou poligénicas e de acordo com as vias metabólicas afectadas (Tabelas 1 e 2). Hipercolesterolémia Familiar (forma heterozigótica) – é uma das mais frequentes doenças hereditárias monogénicas, autossómica dominante (1:500 caucasianos). É devida a uma redução ou anomalia dos receptores de LDL, ou anomalia da Apo B100, o que compromete a captação de LDL da circulação, elevando os seus níveis plasmáticos para 2-3 vezes o normal. Está associado habitualmente a história familiar de hipercolesterolomia, de DCV prematura e/ou a presença de xantomas ou xantelasmas, nesses membros da família. O estudo molecular pode confirmar o diagnóstico clínico. Figura 1 – Metabolismo das lipoproteínas alimentação em situações especiais – mesa redonda XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 203 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Tabela 1 - Dislipidémias primárias Alteração da via exógena Défice LPL, Défice Apo C-II Alteração da via endógena Hipertrigliceridemia familiar, Hiperlipidémia familiar combinada, Hipercolesterolémia familiar Alteração da via exógena e endógena Disbetalipoproteinémia, Défice Lipase hepática, Abetalipoproteinémia Alteração da via do transporte reverso Hipoalfalipoproteinémia familiar, mutações Apo A-I, Doença Tangier, Défice LCAT LPL: Lipoproteina Lipase; Apo C-II: Apolipoproteína C-II; Apo A-I: Apolipoproteína A-I; LCAT: Lecitina colesterol aciltransferase Tabela 2 - Dislipidémias secundárias Metabólicas Obesidade/sobrepeso, Doença Gaucher, Doença armazenamento glicogénio, Niemann-Pick, Tay-Sachs Endócrinas Diabetes Mellitus, hipotiroidismo, hipopituitarismo Hepáticas Colestase Renal Sindroma nefrótico, SHU, transplante Drogas androgénios, glucocorticoides, ciclosporina, tacrolimus, L- asparginase, retonoides, contraceptivos orais Outras gravidez, anorexia nervosa, Sindroma Klinefelter, hipercalcemia idiopática, SIDA, LED, transplante cardíaco SHU: sindroma hemolítico-urémico; SIDA: sindroma de imunodeficiência adquirida; LED: lúpus eritematoso sistémico A forma homozigótica é rara mas muito mais grave, cursando com valores de LDL 4-5 vezes o normal, devido à ausência ou quase de receptores LDL. Doença cardiovascular, xantomas, xantelasmas, arco corneano ocorrem habitualmente na primeira década de vida, sobrevindo a morte antes dos 20 anos, se não tratada agressivamente. Forma Poligénica de Hipercolesterolemia – é muito frequente, caracteriza-se por elevações moderadas de LDL, sendo devida a uma hereditariedade poligénica reforçada por erros alimentares, sedentarismo, sobrepeso, entre outros factores. É uma entidade com marcado tracking (persistência) e clustering (associação de factores de risco), na vida adulta. Hipertrigliceridemia familiar – pode estar na dependência de hereditariedade dominante ou poligénica, cursando com elevações de VLDL e triglicerídeos. RASTREIO E AVALIAÇÃO CLÍNICA-LABORATORIAL Em 1992, o National Cholesterol Education Program (NCEP) da Academia Americana de Pediatria (AAP) (8) recomendou o rastreio selectivo de crianças com factores de risco para aterosclerose, após os 2 anos de idade, incluindo crianças com história familiar de doença cardiovascular prematura (pais ou avós com menos de 55 anos) ou pais com hipercolesterolemia. No entanto, este painel subestimou largamente a população alvo a rastrear, uma vez que aos 25% propostos, estudos populacionais apontaram para que cerca de 36-46% de população pediátrica deveria ser sujeita a rastreio para detecção de hipercolesterolemia(9). Os rastreios populacionais contemplam outras dificuldades relativamente à sua sensibilidade e especificidade, como cut point’s diferentes para raça, sexo e alimentação em situações especiais – mesa redonda S 204 XXI reunião do hospital de crianças maria pia estadio pubertário bem como a existência de variações intraindividuais, que torna necessárias repetições. Embora alguns autores defendam o rastreio universal, as recomendações actuais para rastreio de hipercolesterolemia em idade pediátrica serão história familiar positiva de hipercolesterolomia e/ou doença cardiovascular prematura, história familiar desconhecida (crianças adoptadas), e/ou presença de condições associadas de risco, nomeadamente obesidade, diabetes, hipertensão arterial bem como nos fumadores, sempre depois dos 2 anos, quando os níveis de colesterol deverão estar estabilizados. O programa de rastreio ideal deveria identificar crianças e adolescentes portadores de um processo ateroscleróstico progressivo de maior risco para doença cardiovascular na vida adulta; no entanto, actualmente, não estão dispo- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 níveis ainda instrumentos não invasivos aplicáveis na prática clínica para avaliação da progressão desse processo, portanto o teor de colesterol continua a ser o marcador desse risco. Scores de risco têm sido usados nos adultos(10), e embora em idade pediátrica não existam, o somatório de factores pró-aterogénicos (clustering) pode ser útil no rastreio e recomendações terapêuticas. De facto, a história familiar dará indicações sobre a predisposição genética, e factores ambienciais e outros concomitantes que poderão aumentar o risco, nomeadamente hipertensão arterial, insulino-resistência, diabetes mellitus, sobrepeso/obesidade, tabaco (mesmo passivo), sedentarismo, anticoncepcionais orais, homocistinúria (heterozigotia). A avaliação e abordagem de uma criança ou adolescente com dislipidemia deve passar pela colheita de uma história clínica cuidada, não esquecendo os antecedentes familiares e pessoais de eventos cardio e cerebrovasculares prematuros, dislipidemia, obesidade, diabetes mellitus e hipertensão arterial, bem como a descrição do esquema alimentar, avaliação da actividade física, indagação de hábitos alcoólicos e tabágicos, e uso de fármacos. O exame objectivo deve contemplar peso e altura (índice de massa corporal), perímetro abdominal (indicador de obesidade abdominal), e eventualmente perímetro braquial e medição das pregas cutâneas, com vista à avaliação da composição corporal. A avaliação das tensões arteriais e a pesquisa de xantomas, xantelasmas e arco corneano, não devem ser esquecidas. Analiticamente, o doseamento do colesterol total, e das suas fracções LDL e HDL, bem como o doseamento dos triglicerídeos são importantes, assim como a glicemia, HgA1C, enzimas hepáticas, creatinina e função tiroidea. Outros exames poderão ser úteis caso a caso tais como, Apo A1, ApoB100, Lp(a), homocistina, estudo molecular. Os valores de corte habitualmente usados em idade pediátrica são os de NCEP(8) ou do Lipid Research Clinics(11). Outros valores recentes têm vindo a ser publicados colhidos em populações de adolescentes dos USA(12). ABORDAGEM CLÍNICA DAS DISLIPIDEMIAS EM IDADE PEDIÁTRICA Dieta A correcção do estilo de vida (dieta e exercício físico) é sem dúvida indicação de primeira linha. De facto, a AAP em 1998(13) recomendava, após os 2 anos de idade, a instituição de uma dieta Step-one que consistia em que os lípidos constituíssem não mais de 30% da carga calórica total, em que < 10% corresponderia a gordura saturada e o aporte de colesterol da dieta seria inferior a 300mg/dia. Se não eficaz, o passo seguinte seria a dieta Step-two em que a gordura saturada baixaria para <7% e o aporte de colesterol para <200 mg/dia. Em 2008, a AAP(14) pondera o uso de leite com gordura reduzida nas crianças em risco a partir do ano de idade, tendo em conta o estudo Turku Infant Study (STRIP)(15). Também recomenda à partida uma dieta Step-two, bem como um limite ao consumo de gordura trans (<1%) e encoraja o consumo de fibra (aporte igual à idade da criança + 5g/dia, até 20g/dia), com base no DISC Study(16). The American Heart Association recentemente publicou recomendações dietéticas que foram subscritas pela AAP em que crianças e adolescentes são aconselhadas a cumprirem um aporte calórico equilibrado para manter o peso adequado e incentiva o consumo de frutos, vegetais, peixe, cereais integrais e lacticíneos com teor reduzido em gordura. Desincentiva o consumo de bebidas e comidas açúcaradas, bem como a adição de sal(17). Outras Medidas não Farmacológicas Os esteróis e estanois vegetais têm sido adicionados a um sem número de produtos (iogurtes, margarinas, sumos) com o objectivo de diminuir a absorção do colesterol da dieta, cuja eficácia tem sido referida entre 5-10% de redução dos teores de LDL, com efeitos adversos mínimos, embora haja o receio do comprometimento da absorção de vitaminas lipossolúveis(18). O exercício físico deve fazer parte da prevenção da DCV em idade pediátri- ca. Parece melhorar o perfil lipídico, afectando primariamente os níveis de HDL e TG, e possivelmente também os níveis de LDL (5-30% variância)(19,20). Farmacoterapia Pode ser ponderada a partir dos 8-10 anos, após de 6-12 meses de dieta adequada e segundo os critérios explanados no Quadro 1(14). Está indicado tratamento mais agressivo do LDL-C elevado em crianças e adolescentes (>10 anos) com diabetes mellitus, nefropatia, cardiopatia congénita, ou doença vascular do colagénio e as sobreviventes de cancro (Quadro 2)(14). As resinas queladoras de ácidos biliares (colestiramina, colestipol) foram as únicas permitidas pela NCEP nos últimos anos, com taxas de eficácia de 10-20% na redução dos teores de LDL. Previnem a recaptação enterohepática do colesterol, removendo-o do pool total e portanto activando a regulação positiva da síntese dos receptores LDL, com maior clearance deste da circulação. Queixas gastrointestinais frequentes e o fraco sabor comprometem a compliance, e portanto a sua eficácia é limitada. O colesevelam, de nova geração parece ser melhor tolerado 14. Os inibidores da HMG CoA redutase (Estatinas – simva, prava, atorva, lova, fluva, rosuvastatina), actualmente a terapia de eleição em idade pediátrica, inibem a síntese endógena de colesterol, levando a um maior clearance de LDL da circulação (reduções da ordem dos 25-50%). Têm como efeitos laterais mais frequentes a elevação das enzimas hepáticas e da CPK (creatina fosfocinase), e efeitos teratogénicos, estando contraindicadas na gravidez (necessária contracepção eficaz). Deve ser iniciada com a dose mais baixa, em toma única diária ao deitar, sendo as interacções medicamentosas frequentes: com a ciclosporina, o ácido fíbrico, a eritromicina, os antifúngicos azole, e os antiretrovirais. Será importante monitorizar o crescimento, a composição corporal e a maturação sexual. Estudos parecem atestar a sua eficácia e segurança(21,22,23). alimentação em situações especiais – mesa redonda XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 205 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 A pravastatina foi aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) dos USA para ser usada em crianças após os 8 anos, independentemente do estádio pubertário, para o tratamento da hipercolesterolemia familiar. Ensaios clínicos recentes parecem apontar no sentido de que o tratamento com estatinas parecem fazer regredir o processo aterosclerótico, demonstrando melhoria da função endotelial e regressão da IMT carotídea(23,24,25). O ácido nicotínico (niacina) é raramente usado na pediatria, devido à fraca tolerância e efeitos secundários frequentes e graves, nomeadamente intolerância à glicose, miopatia, hiperuricemia e insuficiência hepática grave. No entanto, é o único que baixa a Lp(a) mas também baixa os níveis de LDL e TG e eleva os níveis de HDL, através da redução da síntese hepática e libertação de VLDL. Os derivados do ácido fíbrico (fibratos) (gemfibrozil, fenofibrato) elevam o teor de HDL e baixam os TG, por mecanismo complexo. Estão indicados em crianças com hipertriglicerídemia em risco de pancreatite. Os efeitos secundários são gastrointestinais, colelitíase, elevação das CK, AST (aspartato aminotransferase), ALT (alanina aminotransferase) que pode ser agravada pelas estatinas e na insuficiência renal. Habitualmente é bem tolerado. Inibidores da absorção intestinal, ezetimibe inibe a absorção intestinal do colesterol mas, ao contrário das resinas, parece ser absorvido e por isso ter efeitos sistémicos. É geralmente usado como adjuvante das estatinas, sendo-lhe atribuída uma eficácia que rondará os 20%. Parece ser seguro e bem tolerado, embora sejam muito poucos os estudos realizados em populações pediátricas(14). Comentários finais A intervenção eficaz no estilo de vida será primordial para reduzir o risco global de dislipidémia na população. O rastreio e o tratamento das dislipidemias em idade pediátrica parece ter impacto na progressão do processo arteriosclerótico e assim poder contribuir para a prevenção da morbimortalidade na vida adulta. A segurança e eficácia da farmacoterapia parecem sustentar o seu uso em Quadro 1 – Teores de LDL recomendados para farmacoterapia. LDL -C Valor inicial (mg/dl) Valor desejável (mg/dl) s/ história familiar de DCV prematura ou <2 factores de risco ≥ 190 < 130 (min) < 110 (ideal) c/ história familiar de DCV prematura ou ≥2 factores de risco ≥ 160 < 130 (min) < 110 (ideal) Quadro 2 - Teores de LDL recomendados para farmacoterapia em situações especiais. Características dos doentes Cut points recomendados para farmacoterapia s/ outros factores de risco de DCV LDL-C persistentemente > 190 mg/dl, apesar da dietoterapia outros factores de risco presentes incluindo obesidade, HTA, tabaco, ou história familiar de DCV prematura LDL-C persistentemente > 160 mg/dl, apesar da dietoterapia crianças com diabetes mellitus LDL-C ≥ 130 mg/dl alimentação em situações especiais – mesa redonda S 206 XXI reunião do hospital de crianças maria pia crianças e adolescentes, na dislipidemia de alto risco. Contudo, as recomendações baseadas na evidência são ainda escassas nesta idade e sustentadas em sinais indirectos. Será necessário obter evidência directa do benefício da intervenção em idade pediátrica, na morbimortalidade cardiovascular do futuro adulto. DYSLIPIDEMIA ABSTRACT Pediatricians have long been aware that dyslipidemia needs to be prevented, screened, diagnosed and treated in childhood and adolescence. In fact, a significant body of evidence supports the concept that the antecedents of adult heart disease can be identified in childhood and the prospective studies have linked the presence of cardiovascular risk factors to early atherosclerotic lesions, in pediatric population. Dyslipidemia rarely leads to adverse health outcomes in childhood, but its long-term effects such as clinical cardiovascular events that are among the leading causes of morbidity and mortality in industrialized nations, raises interest in screening children for lipid abnormalities. The goal of this review is to examine new evidence on the association of lipid abnormalities with early atherosclerosis, the impact of the obesity epidemic and other medical conditions on lipids in childhood,that places children and adolescents at higher risk for accelerated atherosclerosis. Indeed, the pathophysiologic process behind atherosclerotic lesions is complex and results from the interplay between circulating lipoproteins, inflammatory mediators, and a various cell types leading to accumulation of lowdensity lipoprotein cholesterol particles beneath the arterial endothelial layer. It is also reviewed the clinically relevant aspects of lipoprotein metabolism pathways in order to recognize and classify the most important types of dyslipidemia, namely familial hypercholesterolemia. Although the prevention of risk factors development of premature cardiovascular disease through lifestyle recommen- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 dations remains the mainstay of pediatric management, a subgroup of children may require lipid-lowering drug therapy before reaching adulthood. Thus, recommendations are provided to guide decision-making with regard to patient screening at high risk for accelerated atherosclerosis who might require pharmacological management of lipid abnormalities. Therefore, this review summarizes the current evidence for the direct impact of dyslipidemia on atherosclerotic process development and provides potencial prevention and treatment strategies during childhood and adolescence. Key Words: dyslipidemia; pediatrics; cholesterol; drug therapy; screening Nascer e Crescer 2009; 18(3): 202-207 BIBLIOGRAFIA 1. McCrindle BW, Urbina EM, Dennison BA, Jacobsob MS, et al. Drug therapy of high-risk lipid abnormaliries in children and adolescents. Circulation, 2007; 115: 1948-1967. 2. Napoli C, Glass CK, Witztum JL, Deutsh R, et al. Influence of maternal hypercholesterolaemia during pregnancy on progression of early atherosclerotic lesions in childhood: Fate of Early Lesions in Children (FELIC) study. Lancet, 1999; 354: 1234-1241. 3. Skilton MR. 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Sinalizam-se as transformações corporais e psicológicas que ocorrem nesta fase, salientando-se a importância da percepção e integração individual das mudanças, na relação do jovem consigo próprio e com as suas comunidades de pertença. Efectua-se um breve enquadramento sobre a evolução das vivências da sexualidade na adolescência ao longo das gerações, criadas em estruturas socioeconómicas e políticas diversas, com modos de organização social, cultural e conhecimento científico distintos, mas em que o racional e o emotivo sempre lutaram pela primazia. Citam-se diversos estudos sobre a sexualidade, realizados em Portugal na última década e discutem-se os principais indicadores comportamentais. Questiona-se se a definição das estratégias de mudança, que é frequentemente cognitiva, não deverá colocar um acento tónico na relação afectiva entre o Eu e o mundo, integrando de forma harmoniosa, nas acções promotoras de saúde, os valores, as crenças, os interesses, as necessidades, as motivações e as próprias capacidades de adaptação às exigências que os múltiplos e sucessivos contextos vão colocando ao longo da vida. Partindo de diferentes campos de observação, envolvendo os principais in- __________ 1 Coordenador do CAD VIH/SIDA do Porto adolescência – desafios actuais – mesa redonda S 208 XXI reunião do hospital de crianças maria pia tervenientes na dinâmica de crescimento – o jovem adolescente e seus pares; os familiares; o sistema educativo; o sistema de saúde – colocam-se hipóteses sobre o papel e contributo de cada um destes vectores como facilitadores de uma sexualidade saudável. Num contexto mais abrangente discute-se como a transformação de mentalidades se efectua pela integração nos hábitos quotidianos das crianças, dos adolescentes e adultos, das informações e formações que, ao nível familiar, educacional, assistencial e comunitário, vão sendo proporcionadas, experienciadas e assimiladas. Nascer e Crescer 2009; 18(3): 208 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 As Tribos Urbanas as de Ontem até às de Hoje Helena Sofia Martins de Sousa1, Paula Fonseca2 RESUMO As tribos urbanas surgiram como um reflexo da globalização das sociedades modernas. Jovens, numa vontade de se diferenciarem mas também de se identificarem, reúnem-se em grupos partilhando os mesmos ideais e gostos. Algumas particularidades comportamentais e estéticas permitem a sua identificação. Uma boa comunicação e a não estigmatização do jovem pode ser a chave para uma boa relação médico-doente com uma melhor compliance comportamental ou terapêutica. Aborda-se algumas das características mais típicas das “tribos” dos dias de hoje alertando-se para alguns dos riscos mais provavelmente associados. Nascer e Crescer 2009; 18(3): 209-214 INTRODUÇÃO Desde tempos remotos que a população se organiza em tribos, ie, grupos coesos com indumentárias e hábitos semelhantes. Nos povos indígenas o termo tribo traduzia alianças entre clãs, aldeias ou povoações; era um tipo de sociedade organizada com partilha e distribuição dos papéis, que permitia de uma forma mais eficaz a satisfação das necessidades básicas como as da alimentação e de defesa pessoal. As sociedades de hoje tendem para a globalização com uniformização e individualismo dos seus elementos. O conceito de “tribo urbana” surge pela __________ 1 2 Serviço de Pediatria do HS António - CHP Serviço de Pediatria do CH Alto Minho primeira vez em 1985 com o sociólogo Michel Maffesoli, referindo-se à criação de pequenos grupos cujos elementos se unem por partilharem os mesmos princípios, ideais, gostos musicais ou estéticos que assumem a sua máxima expressão e visibilidade na adolescência. Estas tribos surgiram num esforço de diferenciação dos jovens e evocam particularidades que as distinguem do resto da sociedade e que as identificam. A pertença a um destes grupos pode ser positiva na estruturação da identidade pessoal ao reforçar sentimentos de exclusividade, de protecção, de tolerância e de partilha com os pares. Infelizmente, algumas tribos são temidas pelos comportamentos violentos, habitualmente associados a uma baixa tolerância do “diferente” - homossociabilidade. Apesar da definição algo rigorosa de tribo verifica-se que, actualmente, a maioria dos jovens apenas se apropria, momentaneamente e sem compromisso, de elementos estéticos de algumas delas, não sendo frequentes os que seguem a preceito os seus códigos. A transição” entre tribos habitualmente é pacífica, no entanto entre tribos rivais” pode estar associada a violência. Pensamos ser importante para o Pediatra que lida com adolescentes ter noção deste tema ao permitir uma melhor compreensão dos valores que regem as suas atitudes e, simultaneamente, alertar para possíveis comportamentos de risco associados. Nesta faixa etária, uma boa relação médico-paciente é essencial para a adesão e sucesso da consulta, facilitada possivelmente se o profissional conhecer alguns dos aspectos do “mundo” do adolescente. Apresentam-se aspectos caracterizadores de algumas das nossas “tribos urbanas”, umas mais recentes que outras, mas todas com significado nos dias de hoje. Com algum humor à mistura conseguem identificar muitos dos vossos adolescentes (e não só ) conhecidos! DESCRIÇÃO DAS TRIBOS Hippies Os hippies surgiram no final da década de 1960 a partir do movimento flower power em São Francisco, nos EUA, enquanto decorria a guerra do Vietname. Este foi um movimento de “contracultura” que defendia um modo de vida comunitário e abraçava aspectos de religiões como o budismo e o hinduísmo. Opunha-se ao capitalismo, ao nacionalismo e à guerra, nomeadamente à do Vietname. O lema peace and love englobava uma nova ética que defendia a paz e a abolição das desigualdades de todo o tipo (sexuais, raciais, étnicas ou religiosas). Facilmente identificáveis pelo seu sentido estético, que privilegia a cor, os hippies usavam cabelos muito compridos, roupa informal e colorida, calças ao bocade-sino e sapatos com solas muito altas (figura 1). Enfeitavam-se com flores, a fazer lembrar a designação do seu movimento. Em termos musicais, Janis Joplin, Pink Floyd, Jimi Hendrix, eram algumas adolescência – desafios actuais – mesa redonda XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 209 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 das suas referências. Os hippies eram também associados ao uso de drogas como marijuana, haxixe e alucinogéneos como o LSD, já o tabaco era considerado prejudicial... Apesar do movimento hippie ser muito característico dos anos 60 e 70, a verdade é que o espírito do flower power e a sua estética conseguiu atravessar gerações e chegar aos dias de hoje (com roupas “roubadas” dos baús dos progenitores!). Hip-Hop Movimento cultural que emergiu nos subúrbios pobres, negros e latinos, dos EUA (NY), no final da década de 60, surgiu como forma de reacção aos conflitos sociais e à violência sofrida pelas classes urbanas mais desfavorecidas da época. Uma espécie de “cultura das ruas”, um movimento de reivindicação traduzido numa música com letras questionadoras e agressivas com ritmo forte e intenso e nas imagens grafitadas. Como movimento cultural é composto por quatro expressões artísticas: a música rap (rythm and poetry) (hip-hop pode ser usado como sinónimo de rap), a instrumentação dos DJs (disco-jockey), a dança break dance e a pintura do grafitti. O grafitti representa desenhos, apelidos ou mensagens sobre qualquer assunto pintados em muros e paredes, sendo usado como forma de expressão e denúncia. Os jovens encontraram nessas novas formas de arte uma forma de canalizar a violência em que se encontravam submersos, começando a competir com passos de break dance e rimas em substituição das armas. Apesar de ter emergido dum meio hostil o hip-hop veio-se a revelar uma ferramenta de integração social e de combate ao racismo e à violência. Assim como nos outros países, o movimento hip-hop em Portugal ultrapassou barreiras raciais, sociais e culturais. Ainda que o movimento tenha maior expressão nos bairros e zonas menos favorecidas, a sua música e dança é apreciada pela generalidade dos jovens. São facilmente reconhecidos (Figura 2), usam calças largas - para permitir maior amplitude aos movimentos e um melhor efeito visual à dança - bonés de pala ao lado e ténis com atacadores de cores fluorescentes... Skinheads Apesar de actualmente serem associados a políticas de extrema-direita e a sentimentos nacionalistas, xenófobos e racistas, estes aspectos em nada coincidirão com os skinheads iniciais. A origem do movimento skinhead remonta aos finais da década de 1960 quando grupos de jovens, brancos e negros, oriundos do proletariado suburbano londrino começaram a organizar-se em grupos que, para além do visual (roupas particulares e cabelo muito curto), partilhavam os mesmos gostos musicais (ska e reggae), de sentido de território e de paixão pelo futebol. Os skinheads ganharam notoriedade por promoverem confrontos nos estádios de futebol (hooliganismo) e, alguns deles, por usarem a violência contra algumas minorias étnicas e homossexuais. A conotação política de extremadireita surge com o aproveitamento que a Frente Nacional fez do movimento, aliciando para a sua causa alguns skins e punks. Assim surgem os skinheads nazis, também conhecidos como boneheads, nos quais as juventudes fascistas se revêem. Declínio do movimento após a década de 80, com fragmentação dos adolescência – desafios actuais – mesa redonda S 210 XXI reunião do hospital de crianças maria pia skinheads em vários sub-movimentos rivais com ideologias divergentes, que se confrontam ideológica e fisicamente! Os skinheads apresentam um visual comum que reflecte, em parte, a indumentária operária da Inglaterra de 1960: cabeça rapada, blusões com remendos e crachás, calças de ganga com dobra, suspensórios e botas de biqueira de aço (figura 3). Punks O movimento punk surgiu como uma manifestação cultural juvenil com origem em Londres em meados dos anos 70. Com início num estilo de música – Punk Rock com bandas como Os Ramones e os Sex Pistols - o movimento estendeu-se a comportamentos e uma estética própria. Os elementos dessas bandas, imaginativos e provocadores, usavam suásticas e outros símbolos nazi-fascistas, assim como símbolos comunistas num desafio agressivo aos valores políticos, morais e culturais. A música punk tradicional apresentava um conteúdo agressivo de crítica social; o seu formato de 3 acordes era muito simples podendo ser facilmente tocada, o que estimulou na época vários jovens a criarem bandas. Os comportamentos dos seus elementos, pautados pelo sarcasmo, gosto pelo ofensivo, crítica social, desprezo NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 pelas ideologias (políticas ou morais) e pelas lideranças assumiam uma atitude de ruptura face à sociedade. Valorizavam a liberdade individual, a autonomia e o “faça-você-mesmo” com reutilização de roupas e objectos. Tanto a música punk, como o visual dos seus adeptos - deliberadamente contrastante com a moda vigente e por vezes ofensivo - são os aspectos mais característicos e evidentes do punk, e reflectem bem o espírito anti-sistema. O termo moda não é bem aceite neste grupo já que depreende “comércio, aparência, aceitação social”. Há que usar o termo estilo ou visual para se referir à roupa como “afirmação pessoal”. O estilo punk pode ser reconhecido pela combinação de jeans rasgadas ou calças pretas justas, t-shirts de bandas musicais, cabelo colorido à moicano ou espetado em crista e acessórios como brincos, pulseiras ou colares de picos, cadeados, alfinetes-de-ama e correntes metálicas (figura 4). Existem vários sub-grupos punk associados à emergência de novos sub-géneros musicais e influências ideológicas que podem apresentar algumas variações no visual. Inclusivamente, é referido que o vestuário (roupa e acessórios e sua combinação) é o factor desencadeante da maioria das agressões entre gangues, membros de grupos divergentes do movimento punk! Góticos O movimento cultural gótico teve início no Reino Unido no final da década de 1970. A subcultura gótica está associada a um estilo de vida caracterizado pelos gostos musicais e estéticos e por um pensamento filosófico. Os góticos distinguem-se das outras tribos urbanas pela sua estética obscura que representa sentimentos de “apego ao nada”, uma falta de esperança, um luto pela situação da humanidade. Rapazes e raparigas vestem de preto, usam maquilhagem escura e cabelos lisos, escuros, compridos e desalinhados (figura 5). Identificam-se com a música que ouvem – o gótico – pautada por sons que reflectem situações de angústia e temas que glamourizam a decadência e o lado sombrio. Pensamentos sobre a morte e auto-mutilação, como forma de expulsar a dor interior, são referidos. De entre as inúmeras bandas/intérpretes que fazem parte das preferências desta tribo referem-se: Bauhaus, Gene Loves Jezabel, HIM, Nick Cave and the Bad Seeds, Paradise Lost, The Cult, The Sisters of Mercy. Os elementos desta tribo surgem pela noite dentro frequentando locais “excêntricos” (exº cemitérios), tendo alguns adeptos da wicca (bruxaria) e satanismo. A aproximação com a natureza africana é representada pelo visual (figura 6) - dreadlocks (canudos) no cabelo, roupas leves e descontraídas, pés descalços ou com sandálias de tiras – e pelos comportamentos – contra as alterações da imagem corporal, vegetarianos, ambientalistas e anti-consumistas. Por estes princípios muitos escolhem viver longe da civilização. A referir no entanto que, para a maioria dos integrantes, o movimento gótico será fundamentalmente um gosto musical e uma maneira específica de se vestir, sem grandes envolvimentos intelectuais ou filosóficos. Betos e betas Esta tribo caracteriza-se por viver em função da marca e da moda. Normalmente está associada a boas condições financeiras, já que as roupas e os acessórios de marca podem ser caros. Rasta ou Rastaffari O movimento Rastafari teve origem no povo da Jamaica no início dos anos 30. É um movimento religioso que proclama Hailê Selassiê, imperador da Etiópia como a representação terrena de Jah (Deus). O objectivo era recuperar o modo de vida africano (afrocentrismo), através da proximidade com a natureza e da subsistência com os recursos naturais. Este movimento espalhou-se pelo mundo através do reggae, graças à popularidade de Bob Marley. adolescência – desafios actuais – mesa redonda XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 211 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Os rapazes (“betos”) calçam sapatos de vela ou mocassins, usam calças de ganga ou de corte clássico, camisa às riscas ou aos quadradinhos por dentro das calças e cinto a combinar com os sapatos. Nos dias frescos usam uma camisola de lã sobre as costas, com as mangas a passarem pelos ombros e a dar nó à frente (figura 7). As raparigas (“betas”) normalmente são loiras e usam muitos acessórios (argolas grandes, pulseiras tipo escravas), blusas ou pólos às riscas e botas bicudas de tacão/salto alto. As calças, podem ser de ganga, justas ou “à boca-de-sino” (figura 8). Clubbers Os clubbers são uma das novas tribos do século XXI. Surgiram em Londres do clubbing, ie, frequência assídua de discotecas (clubs) onde se ouve música house, techno, trance, underground, drum n’bass Esta tribo não está associados a ideologias nem a políticas. O que os move e os une é a paixão pela música de dança e pelo ambiente da noite. Para esta tribo o DJ é a estrela da noite, um ídolo que veneram! Algumas características diferenciam-nos dos outros “noctívagos”, quer pelo aspecto extravagante (figura 9) - com roupas irreverentes, de cores vivas e brilhantes, acessórios ousados e penteados excêntricos com cabelos coloridos - quer pela atitude, já que não vão para “engatar miúdas” ou “beber copos” mas sim para cumprir o ritual de ir “ouvir o seu som”. Os clubbers têm como ponto de encontro as raves onde, por vezes, o consumo de drogas como o Extasie lhes permite dançar 24 horas seguidas ... Dreads Os dreads foram uma das tribos urbanas mais em voga nos últimos anos. As roupas identificam-nos, calças muito largas (vários tamanhos acima) com grandes bolsos e descaídas na cintura a mostrar os boxers. As t-shirts também são largas e por fora das calças. Usam gorro ou boné (virado ao contrário), cabelo (quase sempre) curto que deixa ver o brinco ou piercings (figura 10). Os seus elementos, quando inseridos no “seu ambiente”, são muito sociáveis. As meninas dreads usam calças de cinta descidas e largas, camisolas justas ou “tops” e acessórios (argolas, pulseiras) seguindo o estilo da musa JLo. Os dreads estão associados à prática de desportos radicais, são frequentes os skaters, snowboarders, bikers (ie, praticantes de skateboarding, snowboarding ou BMX, respectivamente) ou até surfistas com este tipo de indumentária. Habitualmente circulam em grandes grupos e não são violentos. adolescência – desafios actuais – mesa redonda S 212 Nerd Nerd é um termo derivado de Northern Electric Research and Development (pessoas que trabalhavam árdua e “ininterruptamente” num laboratório de tecnologia ), descreve alguém com dificuldades de integração social e que, no entanto, nutre grande fascínio por conhecimento ou tecnologia. Existe uma forte correlação inversa entre ser nerd e ser popular. O termo nerd e seus “subgrupos” são também utilizados por determinados grupos relacionados a interesses específicos (exº tecnologia e informática; jogos de computador; fãs do Star Treck/Star Wars ). Apesar de ser estereotipada na comunicação social, é uma tribo que pode ser difícil de “reconhecer” já que não tem um padrão próprio de vestuário (figura 11). XXI reunião do hospital de crianças maria pia Surfistas Os surfistas são loiros (pela parafina e pelo sol) e bronzeados durante todo o ano. Apesar do estereótipo do surfista o associar a alguém que, ainda que bonito, poucas mais preocupações tem para além das ondas e das raparigas; actualmente o surfista tem sido mais reconhecido como um jovem com gosto pela natureza e pela vida saudável. Alguns, apesar de não praticarem surf, partilham o espírito da tribo e a ela pertencem. Vestem roupas de marca Billabong® e O’Neill® (calças ou calções largos e t-shirts com padrão havaiano) e usam óculos escuros (figura 12). No verão não largam as havaianas, que substituem por calçado desportivo durante o Inverno. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Vegan deriva de vegetarian, e é definida por uma dieta vegetariana estrita, onde é excluída a carne, o peixe, os ovos, os produtos lácteos bem como o mel, a gelatina, a caseína, as peles, a lã e a seda (figura 13). O seu estilo de vida compreende, para além do padrão alimentar vegetariano, a protecção dos direitos dos animais e o pacifismo, opondo-se a todos os tipos de actividade agressiva. Estima-se que seja uma tribo com nº crescente de adeptos e que a faixa etária mais representada esteja entre os 16 e os 29 anos. As raparigas também são loiras e bronzeadas. Raramente praticam surf, mas têm namorados surfistas, o que as faz dominar toda a linguagem e código da tribo. O vestuário também é Billabong® e O’Neill®, com saias curtas, calções ou calças com padrão havaiano, tops ou camisolas justas e havaianas nos pés. Vegans Veganismo refere-se a uma filosofia e estilo de vida que procura excluir o uso de animais para comidas, roupas ou outros propósitos. As razões habituais prendem-se com princípios morais e éticos de protecção dos direitos dos “animais não-humanos”, preocupação com a saúde e ambiente, ou por motivos religiosos e espirituais. Emos Emo (abreviação de emotional) é um estilo de música descendente do hardcore. Os seus primórdios remontam a meados dos anos 80, nos EUA, com bandas “emocore”, um hardcore com andamento mais lento e com letras mais introspectivas. O género estabeleceu-se “definitivamente” (tanto quanto uma tribo urbana o permite ) no início do século XXI com imensos adolescentes a aderirem. As músicas das bandas emo – My Chemical Romance, Alesana … - têm letras tristes e abordam problemas, com os quais os fãs se identificam. A cultura emo engloba não só um estilo de música, mas também um comportamento e aspectos estéticos muito interessantes que “tocam” em várias das tribos previamente descritas (punks, góticos e hippies). Com idades compreendidas entre os 11 e os 18 anos, o seu estado de espírito é habitualmente triste e melancólico, sendo alguns dos seus elementos apontados como tendo alguma atracção pela automutilação e pelo suicídio, uma forma de fazer acompanhar a dor psicológica com a física. São também muito sensíveis, carinhosos e extremamente emotivos expressando facilmente as emoções. Livres de preconceitos, pregam a liberdade sexual sendo frequentemente referidos como bissexuais. São contra a violência e as drogas. O seu estilo é inconfundível e relativamente indiferente para ambos os sexos (o que pode tornar difícil a identificação do género): cabelo escuro esticado com risca ao lado, com franjas assimétricas, por vezes coloridas que escondem um olho. Maquilhagem muito marcada nos olhos, roupa preta com calças justas, ténis All Star® e vários acessórios piercings, pulseiras, mochilas a tira-colo com imensos pins (figura 14). Unhas pintadas de preto e uma lágrima sempre pronta são elementos indispensáveis! Uma categoria, os “Emo Fruits” são muito coloridos e habitualmente mais alegres. Plocs Uma das tribos mais recentes do século XXI, com origem no Japão, mas já com grande representatividade. O ponto de união dos elementos relaciona-se com os aspectos estéticos que traduzem um desejo de voltar à infância. Com mais adeptas femininas, esta tribo caracteriza-se pelo uso de roupas colori- adolescência – desafios actuais – mesa redonda XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 213 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 das e dos mais variados acessórios com motivos infantis, sendo actualmente as mais famosas a Hello Kitty®, as Power Puff Girls® e o Tweety® (figura 15). Os cabelos podem ser pintados de arco-íris, as unhas com cores vivas, e roupas que podem combinar roxo, verde e vermelho… Coleccionam brinquedos “fofinhos” e peluches, gostam de desenhos-animados e lêem banda-desenhada. Ouvem música Pop e músicas infantis. Traceur e Traceuse Os traceurs (traceuse para o sexo feminino) são os praticantes do Parkour – uma arte do movimento, um método natural de treinar o corpo para que este seja capaz de se mover “adiante” com agilidade, com recurso aos obstáculos que “nos” rodeiam (muros, escadas, postes, árvores...) (figura 16). Com início em França no final dos anos 90, foi divulgado ao resto do mundo – incluindo Portugal - no início do século XXI. Recusando a denominação de desporto, os seus adeptos consideram-no antes uma filosofia de vida baseada nas premissas “aprender a superar os obstáculos” e “ser forte para ser útil”. O seu objectivo, explorar todo o potencial natural do corpo e controlar os seus movimentos, exige um treino físico intenso mas muito disciplinado. Apesar de alguns problemas (compreensíveis…) com as autoridades e os seguranças, com a divulgação do movimento têm vin- do a ter mais receptividade, simpatia e admiração pela “população”. Ainda que a sua prática seja de risco, a grande disciplina, conhecimento e (quem diria ) respeito que têm pelo corpo faz com que na maioria das vezes não se magoem com gravidade. São uma tribo pacífica, com preocupação pelo corpo e hábitos de vida saudáveis. COMENTÁRIOS FINAIS As tribos são um fenómeno sociológico interessante cujas repercussões a nível da estruturação da personalidade do adolescente podem ser importantes. Comportamentos de risco associados são claros podendo incluir consumo de substância ilícitas (hippies, clubbers), violência (skins, punks), auto-mutilação (góticos e emos) promiscuidade sexual (emos), desportos perigosos (traceurs) e …despesas (betos e plocs)! Os autores reforçam no entanto a noção que a integração do jovem num destes grupos, só por si, pode não acarretar alarmismo. Mostrar interesse e conversar com o adolescente para conhecer as práticas do seu grupo permitirá avaliar a perigosidade dos seus comportamentos. Este tema, de todo, não encerra por aqui. As tribos são um fenómeno dinâmico, ao sabor dos novos estilos musicais, interesses e angústias dos jovens…enquanto umas florescem, outras esbatemse no seio das sociedades. Diferenças respeitantes à ideologia são apontadas como responsáveis pela rápida renovação das novas tribos que têm surgido; referidas como superficiais e relacionadas apenas à questão estética não apresentam o mesmo cariz ideológico forte que criou e manteve tribos como os hippies ou os punks, actualmente com mais de 40 anos de existência. Nascer e Crescer 2009; 18(3): 209-214 adolescência – desafios actuais – mesa redonda S 214 XXI reunião do hospital de crianças maria pia BIBLIOGRAFIA Maffesoli, Michel. O Tempo das Tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro: Forense-Universitária 1987. O jeito de cada tribo. Revista Veja, edição especial 2003. Etnografias revelam dinâmicas das tribos urbanas. DiverCIDADE, revista electrónica 2005; 14. As tribos urbanas. Revista Mundo jovem 1995; 263: 6-7. Tribos urbanas. Revista Caleidoscópio 2006. As tribos urbanas. Revista Visão 2006; 703. www.educação.te.pt pt.wikipedia.org NOTA DA AUTORA O artigo foi parcialmente publicado em: H Sousa, I Maciel. Tribos Urbanas. Juvenil 2008; 15: 79-83. NOTA FINAL Atendendo às poucas publicações disponíveis, alguns dos dados foram retirados de sites da Internet escritos por jovens pertencentes a estas tribos. Será de valorizar uma abordagem mais científica acerca do tema. CORRESPONDÊNCIA Helena Sofia Martins de Sousa Telefone: 222077500 E-mail: helena.sofi[email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 A Consulta do Adolescente Carlos Figueiredo1 Os adolescentes vivem e percorrem um processo dinâmico e complexo de maturação até atingirem a idade adulta. Essa transição da infância para a idade adulta não se processa de forma contínua e uniforme. O conceito de adolescência engloba aspectos biológicos, psicológicos e sociais. As transformações corporais, o desabrochar de novas competências cognitivas e o seu novo papel na sociedade são determinantes para questionarem o mundo dos adultos onde se integram. Assim, assumem novas experiências, vivenciam situações e assumem atitudes que podem comprometer a sua saúde, quer a actual quer no futuro, como é o caso dos acidentes, distúrbios alimentares, doenças sexualmente transmissíveis, gravidez não planeada, consumos ilícitos, etc. Muita da morbilidade que ocorre na vida adulta é influenciada pelos hábitos adquiridos e vividos na adolescência, podendo assim ser preveníveis. Será consensual afirmar que a saúde dos jovens e adolescentes é decisivo para o futuro progresso social, económico e político de qualquer país e de qualquer sociedade. O contributo que um adulto sem saúde, com uma educação inadequada ou com desajustes sociais pode dar a uma comunidade ou a um país será seguramente diminuto ou nulo. Pelo contrário precisará e dependerá das estruturas sociais de apoio, para se adaptar e sobreviver com alguma dignidade, como a que é devida a qualquer homem. Os profissionais de saúde devem aproveitar todas as oportunidades de consulta com adolescentes, para irem mais longe do que o estritamente biológico e curativo. A consulta de adolescentes, deve ter como objectivo além do diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos problemas de saúde, a prevenção de comportamentos de risco e a opção por hábitos e estilos de vida que promovam a saúde e o bem-estar completo. Seja qual for a razão da consulta, o médico deve procurar detectar, ajudar a reflectir e facilitar a resolução de outros problemas, que por vezes são mais importantes que o aparente motivo da consulta. A entrevista, que não deve ter nenhum formato rígido, é um exercício de comunicação interpessoal que inclui a parte verbal e não verbal. Ou seja, para lá das palavras deve-se estar atento às emoções, comportamento, gestos, apresentação geral, tom de voz e expressões do adolescente. Não existe um perfil específico e único de profissional de saúde para fazer o atendimento a jovens e adolescentes. Contudo, é importante que reúna alguns requisitos, nomeadamente: Ter uma forte motivação e interesse por esta área da medicina; Estar disponível para atender o adolescente e a sua família sem autoritarismos; Adoptar sempre uma postura de imparcialidade na análise dos problemas em discussão. Não considerando o adolescente “réu” ou “vítimas”. Não somos juízes. Adequada e sólida formação clínica em aspectos somáticos (crescimento e desenvolvimento) e psicológicos. Capacidade para trabalhar em equipa interdisciplinar, continuando a ser responsável pela saúde global do adolescente. Estar disponível para actualização contínua e acompanhar as alterações que vão ocorrendo na sociedade e daí também no perfil dos adolescentes. Ter a sua própria história pessoal em ordem de forma a poder abordar e orientar problemas mais frequentes (sexualidade, violência, drogas, crises familiares, …) com maturidade, equilíbrio e adequado distanciamento. Ser capaz de evitar a projecção dos próprios conflitos de uma adolescência mal resolvida, sobre o adolescente que temos à frente. Um dos maiores objectivos a ser alcançado numa consulta é conseguir envolver e motivar o adolescente a ser o primeiro responsável pela sua própria saúde de forma contínua e integral. Nascer e Crescer 2009; 18(3): 215 __________ 1 Hospital de São Teotónio, Viseu conferência: organização de uma consulta de adolecentes XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 215 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Resumo das Comunicações Orais TROMBOEMBOLISMO PULMONAR NO SÍNDROME NEFRÓTICO Joana Ramos Pereira, F Leite, D Pio, T Costa, MS Faria, J Barbot, P Regina, C Mota S. Nefrologia Pediátrica, CHPorto, UHMPia Introdução: As crianças com Síndrome Nefrótico (SN) têm um risco aumentado de complicações tromboembólicas com uma incidência entre 2 a 5%. Os mecanismos patofisiológicos do tromboembolismo (TE) em doentes com SN ainda não foram totalmente estabelecidos, no entanto, têm sido descritos diversos factores predisponentes como anomalias das proteínas da coagulação, alteração da fibrinólise e aumento da agregação plaquetária, assim como hipoalbuminemia grave, desidratação, hiperlipidemia, infecção, corticosteróides, diuréticos e imobilização. Caso clínico: Adolescente de 12 anos, sexo masculino, com síndrome nefrótico corticorresistente, com diagnóstico histológico compatível com doença de lesões mínimas, medicado com prednisolona e ciclosporina. Sem outros antecedentes relevantes. Internado por anasarca com boa resposta clínica inicial à perfusão diária de albumina. Ao quarto dia de internamento iniciou febre, toracalgia, expectoração hemoptoica e agravamento da dispneia. Analiticamente apresentava leucocitose com neutrofilia, PCR 3,31 mg/dL, hipoalbuminemia (0,8 g/dL), D-dímeros 588μg/L, fibrinogénio 633 mg/ dL e enzimas cardíacas normais. A radiografia de tórax demonstrou apagamento do fundo de saco do ângulo costo-frénico direito com subida do diafragma e infiltrado para-hilar bilateral. Realizou angiografia pulmonar por tomografia computorizada que demonstrou tromboembolismo pulmonar agudo central e periférico, com múltiplas áreas de enfarte pulmonar e derrame pleural de pequeno volume. O ecocardiograma não revelou alterações. Iniciou hipocoagulação com enoxaparina e posteriormente com acenocumarol. O rastreio de trombofilias hereditárias foi negativo para a mutação do factor V de Leiden e para o polimorfismo 4G/G do gene do inibidor do activador do plasminogénio – tipo 1 (PAI-1) e demonstrou heterozigotia para a mutação G20210A do gene da protrombina e homozigotia para a variante termolábil C677T do gene da metilenotetrahidrofolato reductase (MTHFR). No restante estudo protrombótico realizado não se verificaram alterações. Actualmente encontra-se assintomático, com síndrome nefrótico em remissão. Conclusões: As complicações tromboembólicas nas crianças com SN são raras e o seu diagnóstico implica um elevado índice de suspeição. Perante uma criança com SN e clínica sugestiva de tromboembolismo pulmonar é importante excluir sempre a possibilidade desta complicação, pois se não for rapidamente detectado e tratado pode conduzir a morbilidade e mortalidade significativa. O rastreio da trombofilia hereditária é importante na identificação de doentes com síndrome nefrótico com risco trombótico acrescido. resumo das comunicações orais S 216 XXI reunião do hospital de crianças maria pia SÍNDROME NEFRÓTICO CORTICORRESISTENTE Carlos Marcos, Joana Amorim, Patrícia Nascimento, Teresa Costa, Sameiro Faria, Céu R. Mota, Conceição Mota S. Nefrologia Pediátrica, Pediatria e Genética Médica, CHPorto, UHMPia Introdução: O Síndrome Nefrótico (SN) é frequente em idade pediátrica, com uma incidência anual de 2-7 novos casos por 10000 crianças. Cerca de 90% apresentam uma forma de SN idiopático, maioritariamente sensível à corticoterapia, estimando-se que menos de 10% sejam corticorresistentes. Objectivo: Estudo retrospectivo das crianças com SN corticorresistente seguidas actualmente na consulta de Nefrologia. Resultados: Estão em seguimento 7 doentes com SN corticorresistente. Em todos foi feita a pesquisa da mutação para o gene NPHS2, tendo sido positiva em 4 doentes. Características dos doentes: Sexo (F:M) Episódio inaugural (idade média) Histologia:1 Nefropatia de IgM Lesões mínimas NPHS 2 (positivo) 2:2 9,25 Anos (3-13) NPHS 2 (negativo) 2:1 10,67 Anos (5-15) 3 1 2 1 Discussão: Na nossa amostra 57,1% dos doentes com SN corticorresistentes estavam associados à mutação no gene NPHS2. Não se verificaram diferenças significativas na idade de apresentação, sexo ou histologia entre os dois grupos. O estudo genético veio permitir a alteração da estratégia terapêutica, poupando os doentes a terapêuticas imunos- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 supressoras agressivas que seriam ineficazes. Permite ainda perspectivar um bom prognóstico após transplante renal, dado estes doentes muito raramente recidivarem, ao contrário dos doentes com SN idiopático corticorresitente não associado a mutação genética. ÉCTIMA GANGRENOSO EM DOENTE TRANSPLANTADO RENAL Isabel Couto Guerra, Liliana Rocha, Nuno Ferreira, Alexandre Braga, Teresa Costa, M. Sameiro Faria, Conceição Mota S. Nefrologia Pediátrica, CHPorto, UHMPia Introdução: A instituição de terapêutica imunossupressora após o transplante renal tem por objectivo a inibição de algumas função do sistema imunitário, diminuindo assim a probabilidade de desenvolvimento de um episódio de rejeição. Contudo, esta obrigatoriedade condiciona um aumento do risco de ocorrência de infecções por microorganismos oportunistas. Manter um equilíbrio entre o risco de desenvolvimento destas duas complicações é factor determinante do prognóstico. Caso clínico: Os autores apresentam o caso clínico de um adolescente de 13 anos de idade, submetido a transplante renal três meses antes do presente internamento. Realizou terapêutica imunossupressora de indução com globulina anti-timocítica associada a tacrolimus, micofenolato de mofetil e prednisolona em baixas doses. Admitido no internamento por lesões cutâneas com evolução de 48h, associadas a um pico febril isolado nas últimas 12h. Ao exame objectivo apresentava uma lesão na metade inferior da perna direita com aproximadamente 2cm de diâmetro, dolorosa, com região central de aspecto necrótico e halo periférico com sinais inflamatórios (eritema, edema e calor), e duas lesões papulares eritematosas, com crosta central milimétrica, localizadas ao antebraço direito e nuca. Analiticamente apresentava leucopenia com neutropenia ligeira e função renal normal. O doseamento de proteína C reactiva demonstrou um valor de 6mg/dl. Face ao diagnóstico clínico de éctima gangrenoso iniciou antibioterapia com Ceftazidima e Vancomicina, tendo suspendido esta após isolamento de Pseudomonas aeruginosa em exame microbiológico de exsudado da lesão do membro inferior. A hemocultura veio a revelar-se estéril. Cumpriu 21 dias de antibioterapia sistémica, com evolução favorável. Conclusão: O éctima gangrenoso é uma manifestação cutânea rara, típica de infecção por Pseudomonas, com ou sem septicemia subjacente. Raramente lesões similares podem ocorrer no contexto de infecções por outros microorganismos. Caracteristicamente o éctima gangrenoso ocorre em doentes imunodeprimidos, pelo que é mandatória a sua exclusão em doentes previamente saudáveis. Com este caso clínico os autores pretendem evidenciar a importância do reconhecimento clínico das lesões características de éctima gangrenoso, permitindo a instituição precoce de antibioterapia direccionada. PLEOCITOSE COM LCR ESTÉRIL EM CONTEXTO DE ITU – COMO INTERPRETAR Natacha Fontes, Eliana Oliveira, Ana Castro, Nádia Rodrigues, Rui Almeida S. Pediatria, HPHispano, USLMatosinhos Introdução: A infecção do trato urinário (ITU) é uma causa comum de febre em recém-nascidos (RN) e pequenos lactentes. O rastreio séptico nesta faixa etária engloba frequentemente a realização de punção lombar (PL) para estudo do líquido céfalo raquidiano (LCR). Em cerca de 12% das PL está descrita a associação entre ITU e pleocitose em LCR estéril. Objectivo: Identificar os casos de pleocitose em LCR estéril em RN e pequenos lactentes até aos 3 meses de idade (inclusive), internados no serviço de Pediatria e/ou Neonatologia do Hospital Pedro Hispano. Material e Métodos: Estudo retrospectivo entre Janeiro de 2003 e Dezembro de 2008, através de consulta dos processos clínicos das crianças com <120 dias de vida internadas com o diagnóstico de ITU. Consideram-se critérios de exclusão os diagnósticos de ITU baseados em colheita de urina não asséptica, as PL traumáticas (>1000 eritrócitos) e a realização de antibioterapia prévia. A pleocitose no LCR foi definida como a presença de >22 leucócitos/mm3 no RN e >5 no lactente (definição encontrada num tratado de Pediatria de grande divulgação). Resultados: Durante este período foram internadas 132 crianças com <120 dias de vida com o diagnóstico de ITU, tendo sido realizadas 32 PL (24%). Em 43,8% (n=14) os resultados foram normais e em 21,9% (n=7) a PL foi traumática. Identificaram-se agentes no LCR em 6,2% (n=2). Nos restantes, encontrouse pleocitose num RN e em 8 lactentes (28,1%). O valor de leucócitos no LCR encontrado foi de 22/mm3 no RN e variou entre 5 e 28/mm3 nos restantes lactentes. Quanto ao valor de leucócitos no sangue, este estava elevado em 22% dos casos (n=2) com valores de 18,1 e 30x10^3/uL, com predomínio de neutrófilos em ambos os casos. A E.coli foi o agente maioritariamente identificado na urina (89% dos casos; n=8), tendo sido também identificada numa hemocultura. Discussão: Na amostra estudada verificou-se pleocitose com LCR estéril numa percentagem superior à descrita na literatura, estando este facto presumivelmente relacionado com as diferentes definições utilizadas. A definição de pleocitose no LCR é baseada em valores bem definidos em função da faixa etária; contudo, a utilização destes intervalos estanques não prevê a normal variação encontrada entre indivíduos, sendo de ponderar a utilização de um método de interpretação mais gradual de acordo com os dias de vida nos RN e pequenos lactentes. Por outro lado, a presença de mediadores inflamatórios sistémicos e/ou antigénios bacterianos consequentes da ITU parece justificar o aumento dos leucócitos no LCR, não devendo a pleocitose em LCR estéril ser considerada um marcador de infecção meníngea. resumo das comunicações orais XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 217 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Conclusão: Neste estudo os autores demonstram que pleocitose com LCR estéril é uma situação não associada a infecção meníngea nos casos estudados, sendo importante reconhecer este facto para, assim, minorar medidas diagnósticas e terapêuticas desajustadas em RN e pequenos lactentes com ITU. VARICELA: NEM SEMPRE UMA EVOLUÇÃO BENIGNA Ana Cristina Barros, Georgeta Oliveira, Monjardim Quelhas, Rui Almeida S. Pediatria e Ortopedia, HPHispano Introdução: A varicela é uma doença comum na infância, geralmente com evolução benigna e auto-limitada. Contudo, podem surgir complicações potencialmente graves, com expressão neurológica e musculoesquelética. Descrição do caso: criança do sexo feminino, de 2 anos, observada por convulsão tonicoclónica generalizada e febre alta em contexto de varicela com 4 dias de evolução (segundo caso intra-familiar). Sem vacinação prévia para o vírus varicela zoster (VVZ) e sem história de administração de aciclovir ou ibuprofeno no decurso da doença. Ao exame objectivo exibia lesões de varicela sem sinais de infecção e, após recuperação da convulsão, apresentava ligeira ataxia. Analiticamente, salientavase proteína C reactiva (PCR) de 5,37 mg/ dl e pleocitose isolada no líquor (leucócitos 27/mm3 e eritrócitos 40/mm3), motivo pelo qual iniciou aciclovir EV. O VVZ foi positivo no líquor. Na evolução do quadro manteve febre elevada e houve subida da PCR (23,04 mg/dL), tendo iniciado ceftriaxone. Em D4 surgiram sinais inflamatórios na coxa esquerda (ecograficamente sugerindo colecção líquida na coxa e edema dos músculos circundantes), mas a exploração cirúrgica apenas mostrou espessamento muscular difuso. Associouse flucloxacilina e clindamicina e ficou apirética a partir de D7. Na hemocultura (D1) foi identificado um Streptococcus β hemolítico grupo A (SBHGA). Em D6 realizou ressonância magnética que mostrou aumento da espessura dos músculos profundos da coxa e uma colecção líquida entre esses músculos e o fémur (sem alte- rações ósseas), que foi drenada nesse dia e novamente em D14 (os bacteriológicos das drenagens foram negativos). Teve alta aos 21 dias de tratamento com clindamicina e 23 de flucloxacilina, que manteve per os até aos 28 dias. Nas avaliações após a alta mantinha-se clinicamente bem e sem limitações motoras. Discussão: A persistência de febre alta além do 3º dia de varicela alerta para possíveis complicações. Neste caso, estas foram de dois tipos: a primeira, na dependência directa do VVZ, uma complicação neurológica na forma de meningoencefalite com clínica ligeira, em que sobressaiu o componente de ataxia cerebelar aguda (complicação neurológica mais frequente); a segunda, uma sobreinfecção bacteriana pelo SBHGA, manifestada por piomiosite e abcesso subperiósseo (sem osteomielite) complicações raras deste tipo de sobreinfecção. Neste contexto, discute-se o papel do tratamento com aciclovir e da vacinação para a varicela. Palavras-chave: varicela, ataxia cerebelar aguda, piomiosite, aciclovir, vacinação. PREMATURIDADE TARDIA - UM GRUPO DE RISCO Patrícia Nascimento, Cristina Godinho, Paula Soares CHPorto, UMJDinis Introdução: Define-se como prematuridade tardia o nascimento entre as 34+0 e as 36+6 semanas de gestação. Este grupo de recém-nascidos (RN) representa cerca de 70% dos prematuros e por serem ainda fisiológica e metabolicamente imaturos apresentam mortalidade e morbilidade cerca de 4 vezes superior à dos RN de termo. Objectivos: 1- Conhecer a população de prematuros tardios nascidos na Maternidade Júlio Dinis (MJD) durante o ano de 2008. 2- Elaborar protocolo de actuação. 3 - Elaborar guia informativo para os pais acerca das particularidades destes RN. Material e métodos: Estudo retrospectivo, com consulta dos processos clínicos, dos prematuros tardios, internados no ano de 2008 na MJD. resumo das comunicações orais S 218 Resultados: O total de RN estudados foi de 169. Não havia história de intercorrências durante a gravidez na sua maioria, tendo o parto sido eutócico em 46%. A duração média de internamento foi de 3,6 dias em cuidados normais, 7,8 dias em cuidados intermédios e 13,3 dias em cuidados intensivos. Uma das principais complicações foi a icterícia (66,3%), tendo a maioria necessitado de fototerapia (84%) e sendo motivo de adiamento de alta em 40,4% dos RN internados nos cuidados normais. As outras morbilidades verificadas durante o internamento foram as dificuldades na alimentação (32,5%), dificuldade respiratória (18,9%), hipoglicemia (11,2%) e sepsis (5,9%). O reinternamento foi frequente neste grupo (14,2%), sendo os motivos de admissão a icterícia (75%), infecção respiratória (20,8%) e a perda ponderal (4,2%). Conclusões: Este grupo de prematuros apresenta um risco aumentado de complicações nos primeiros dias de vida, nomeadamente icterícia e dificuldades alimentares. Assim, os autores pretendem alertar para as particularidades deste grupo, estabelecendo normas de orientação que permitam uniformizar procedimentos e melhorar a qualidade dos serviços prestados. XXI reunião do hospital de crianças maria pia PNEUMONIA POR ACINETOBACTER Gisela Silva, Lurdes Morais, Laura Marques, Virgílio Senra S. Pediatria, CHPorto, UHMPia Acinetobacter é uma bactéria implicada numa grande variedade de doenças infecciosas maioritariamente associadas aos cuidados de saúde. Existem, no entanto, descrições de infecções adquiridas na comunidade em adultos. Em idade pediátrica, os dados relativos a este tipo de infecção limitam-se a crianças com imunodeficiência. Apresenta-se o caso de uma criança com 28 meses de idade, que iniciou febre elevada persistente , rinorreia mucosa e acessos de tosse produtiva, sete dias antes do internamento associados a dor epigástrica e toracalgia à esquerda desde a véspera. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 O estudo efectuado na admissão revelou tratar-se de Pneumonia com derrame pleural à esquerda e a hemocultura isolou Acinetobacter lwoffii. A evolução clínica foi favorável. O estudo de imunidade celular e humoral efectuado foi normal. A criança partilhava, no domicílio, o nebulizador com familiares idosos com doença pulmonar crónica. Foi solicitado estudo ambiental à Autoridade de Saúde, não tendo sido posssível isolar o agente nos locais pesquisados. Salienta-se o facto do complexo Acinetobacter poder ser agente de infecções em crianças previamente saudáveis. Alerta-se ainda para a possibilidade da infecção poder estar relacionada com uso inadequado de nebulizador no domicílio. PAROTIDITE SUPURATIVA AGUDA NEONATAL: UM CASO RARO Catarina Matos, Cláudia Almeida, Cláudia Monteiro, Cristina Garrido, Joaquim Cunha, Idolinda Quintal S. Pediatria, CHTSousa, UPAmérico Introdução: A Parotidite supurativa aguda é uma entidade extremamente rara no período neonatal. Estão descritos aproximadamente 100 casos na literatura. A grande maioria é causada por infecção ascendente de bactérias presentes na cavidade oral, sendo o Staphylococcus aureus o agente etiológico mais frequentemente isolado. A prematuridade, baixo peso, desidratação e alimentação por sonda nasogástrica constituem os principais factores de risco. O diagnóstico é essencialmente clínico. Quando tratada atempadamente, o prognóstico é bom e a doença cursa, geralmente, sem complicações. Caso Clínico: Recém-nascido, sexo masculino, sem antecedentes perinatais de relevo. Internado ao 23º dia de vida por tumefacção da região parotídea esquerda, com calor e rubor associado, de limites bem definidos, sem sinais de flutuação, com saída de pus à compressão pelo canal de Stenon. A ecografia parotídea realizada evidenciou glândula parotídea esquerda de dimensões au- mentadas com adenopatias associadas. No exame cultural do pus foi isolado um Staphylococcus aureus. Efectuou antibioterapia com flucloxacilina e cefotaxima com melhoria progressiva da tumefacção e sinais inflamatórios associados. Conclusão: A maioria dos casos descritos de parotidite supurativa aguda neonatal surge em recém-nascidos do sexo masculino e que apresentam factores de risco. Os autores não encontraram, neste caso, à excepção do sexo, factores desencadeantes. A secreção de material purulento através do canal de Stenon constitui um sinal patognomónico. A terapêutica empírica inicial consiste em antimicrobianos antiestafilocócicos. INFECÇÃO POR PARVOVÍRUS B19 – MANIFESTAÇÕES RARAS, 3 CASOS CLÍNICOS Marta Rios, Márcia Cordeiro, Joana Rebelo, Paula Fonseca, Cecília Martins CHMAve, UFamalicão Introdução: A infecção por Parvovírus B19 ocorre entre os 5-15 anos em 70% dos casos. Este vírus é o agente etiológico do eritema infeccioso que se caracteriza classicamente por 3 fases: pródromo (febrícula, mialgias e cefaleias); segunda fase (eritema malar - “face esbofeteada”); terceira fase (exantema macular rendilhado, por vezes pruriginoso e/ ou evanescente, no tronco e membros). Apesar do quadro clássico, a clínica pode ser variável. Ocasionalmente, podem surgir outras lesões cutâneas: exantema morbiliforme, vesicular ou purpúrico (distribuição mais habitual em luvas e meias). A artropatia é uma manifestação frequente na mulher adulta, mas rara na criança. O diagnóstico é laboratorial e o tratamento sintomático. Casos clínicos: 1 - Sexo masculino, 9 anos, com odinofagia, cefaleias e dor abdominal associado a exantema pruriginoso, inicialmente mais marcado na face com generalização posterior, evidenciando pápulas eritematosas, máculas acastanhadas e petéquias dispersas no tronco e membros. 2 - Sexo masculino, 14 anos, com febre, petéquias dispersas pelo tronco e algumas sufusões hemorrágicas nos membros inferiores. 3 - Sexo feminino, 35 meses, com recusa da marcha associada a exantema macular evanescente nos membros inferiores e sinais inflamatórios em ambas as articulações tibiotársicas. Referência a eritema facial unilateral 2 dias antes. Sem febre ou outra sintomatologia. Em todos os casos foi efectuado hemograma, bioquímica e serologias víricas, nomeadamente para Parvovírus e tira-teste urinária. Foram ainda realizados estudo da coagulação nos dois primeiros casos, velocidade de sedimentação no 1º e 3º casos, hemocultura no 2º e estudo imunológico no 3º caso. O estudo analítico não revelou alterações de relevo, excepto trombocitopenia no 2º paciente e serologias positivas para Parvovírus B19 nos 3 doentes. Conclusões: A infecção por parvovírus, apesar de ser frequente e habitualmente benigna em idade pediátrica, apresenta uma grande variabilidade de expressão clínica, que faz suspeitar outras patologias como Púrpura de Henoch-Schoenlein, Púrpura trombocitopénica idiopática ou secundária a outros agentes e Artrite Idiopática Juvenil. Os autores apresentam estes casos pela raridade das manifestações encontradas. Salienta-se a importância do conhecimento destas manifestações atípicas, alertando para a necessidade de realização de serologias para Parvovírus nas situações de exantema purpúrico ou artrite. Palavras-chave: Parvovírus B19, eritema infeccioso, púrpura, artrite FEBRE PROLONGADA E ERITEMA NODOSO – INFECÇÃO POR SALMONELLA? Marta Rios, Hernâni Brito, Margarida Figueiredo, Soraia Tomé, Paulo Teixeira S. Pediatria, CHMAve, UFamalicão Introdução: A febre prolongada associada a eritema nodoso pode corresponder a um amplo espectro de diagnósticos, sendo a infecção por Salmonella uma das etiologias possíveis. Os quadros clínicos provocados por este resumo das comunicações orais XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 219 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 género de bactérias incluem a gastroenterite aguda, a bacteremia com ou sem focalização secundária (SNC, ossos) e a febre tifóide. A espécie Salmonella enterica subdivide-se em vários serótipos, a maioria responsável por quadros de gastroenterite (como os serótipos Enteritidis e Typhimurium), sendo o serótipo Typhi o responsável pela febre tifóide. O diagnóstico definitivo baseia-se na identificação da bactéria em exames culturais (fezes, sangue ou urina). Caso clínico: Criança do sexo masculino, com 29 meses de idade, habitualmente saudável, internada por síndrome febril com 11 dias de evolução, associado a eritema nodoso desde a véspera. Este quadro acompanhava-se de dor abdominal esporádica pouco intensa e obstipação, havendo referência a 3 dejecções líquidas ao 4º dia de doença. Sem outra sintomatologia associada. Ao exame físico apresentava bom estado geral, Tº 39ºC, FC 147bpm e lesões compatíveis com eritema nodoso, sem outras alterações. Do estudo realizado de salientar Hb 11.4g/dL, leucócitos 16579/ uL (N55%, L34%), plaquetas 385000/uL, VS 76mm/1ºh, função renal e hepática normais e PCR 3.6mg/dL. Radiografia do tórax sem alterações. Reacção de Widal positiva (anti-tiphyO positivo>1:320 e anti-tiphyH negativo). Estudo imunológico (complemento, ANA, imunoglobuinas), TASO, pesquisa de Ag´s anti-Streptoccoccus do grupoA na orofaringe, serologias para EBV e CMV e prova de tuberculina negativos. Urocultura, hemocultura e coprocultura estéreis. Por manter febre ao 16ºdia de doença e pela suspeita de infecção por Salmonella, iniciou tratamento com ceftriaxone, ficando apirético ao 2ºdia de antibioterapia. Pesquisa no sangue de Salmonella enterica por PCR (Protein Chain Reaction) negativa e reacção de aglutinação com o soro do doente francamente positiva para S. enterica serovariedade Enteritidis (1:1600). Conclusão: A diversidade de etiologias possíveis para o quadro clínico apresentado impôs dificuldades no diagnóstico, o qual foi orientado pela reacção de Widal positiva. Este método serológico amplamente conhecido para o diagnóstico de febre tifóide apresenta baixa especificidade, podendo haver reacções cruzadas com outras bactérias, sobretudo Salmonellas não typhi. Sendo os exames culturais negativos, houve necessidade de recorrer a outros testes, nomeadamente de aglutinação com outros serótipos, que nos permitiram fazer o diagnóstico de infecção por Salmonella enterica serótipo Enteritidis. AVALIAÇÃO DO CRESCIMENTO EM RECÉM NASCIDOS DE MUITO BAIXO PESO Teresa Guimarães, Paula Soares, Alexandra Almeida, Ana Cristina Braga S. Pediatria Médica, CHPorto, UHMPia; SCI Neonatais, CHPorto, UMJDinis Introdução: Os recém-nascidos de muito baixo peso (RN-MBP) constituem um grupo de risco para atraso de crescimento (AC) extrauterino de etiologia multifactorial, que tem um impacto negativo no seu potencial de crescimento e desenvolvimento. Estima-se que entre os RN-MBP a prevalência de peso subnormal para a idade corrigida (IC) varie entre 16% e 33% durante os primeiros 2 a 3 anos de vida. Objectivo: Avaliar o crescimento de uma amostra de RN-MBP, admitidos na Maternidade Júlio Dinis (MJD), determinando a prevalência de AC e de crianças com antropometria inferior ao percentil 10, até aos 3 anos de idade. Material e Métodos: Coorte de 81 RN-MBP (peso ao nascimento <1500g) nascidos entre Janeiro e Dezembro de 2005, admitidos na unidade de cuidados intensivos neonatais (UCIN) da MJD. Destes foram excluídos 5, por apresentarem doenças congénitas ou comorbilidades com repercussão significativa no estado nutricional, restando 76 casos elegíveis para análise retrospectiva de dados antropométricos. Foram considerados 3 períodos de crescimento: período I, entre nascimento e 40 semanas IC; período II, entre 40 semanas e 12 meses de IC; período III, entre 12 meses IC e os 3 anos. Definiuse atraso de crescimento (catch-down growth) como o cruzamento descendente de um canal de percentil (equivalente a diminuição> 0,67 DP de z-score) durante os períodos analisados. Resultados: A resumo das comunicações orais S 220 XXI reunião do hospital de crianças maria pia amostra seleccionada, com 52,7% de RN femininos e 43,4% de RN de gestação múltipla, apresentava uma idade gestacional (IG) média de 29,1 semanas e um peso ao nascimento médio de 1138g, correspondendo 18,4% a leves para a idade gestacional (LIG). No seguimento, 70 (92%) lactentes foram avaliados às 40 semanas, 67 (88%) aos 12 meses, 65 (85,5%) aos 24 meses de IC e 59 (78%) aos 3 anos de idade. A prevalência de AC foi de 57% (40 em 70), 37% (27 em 67) e 10% (6 em 59) nos períodos I, II e III respectivamente. Às 40 semanas de IC, a percentagem de lactentes com peso <P10, comparativamente aos LIG (18,4%), era quase dupla (34,3%), sendo aquele valor ainda superior aos 12 meses (40%), o que representa uma elevada taxa de AC pós-natal. Aos 3 anos, 29% das crianças permaneciam abaixo do P10 para o peso. Verificou-se a mesma tendência relativamente ao comprimento, com aumento dos lactentes com comprimento <P10 do nascimento (17%) até às 40 semanas (41%) e posterior recuperação até aos 3 anos (24%) O perímetro cefálico (PC) foi a medida antropométrica menos afectada ao nascimento, com 8% dos RN abaixo do P10, e a que menos variações sofreu ao longo dos 3 anos. Conclusões: O AC pós-natal é praticamente uma inevitabilidade nos RN-MBP, sendo mais frequente até às 40 semanas de IC. A dimensão deste problema foi evidente neste trabalho, com uma taxa de AC inicial de 57% e um aumento da prevalência de crianças abaixo do P 10 em períodos posteriores, mais significativo até aos 12 meses. Estes resultados apontam no sentido da importância de melhorar as estratégias nutricionais até à alta hospitalar e durante o período crítico de recuperação de AC, sobretudo no primeiro ano de vida. São necessários estudos prospectivos de avaliação do crescimento em RN-MBP que permitam optimizar o potencial de crescimento destas crianças. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 CELULITE ORBITÁRIA PRÉ E PÓS-SEPTAL: CASUÍSTICA DE 4 ANOS Miguel Salgado, Teresa Andrade, Ana Catarina Sousa, Sandrina Martins, Ana Rita Araújo, Teresa Bernardo ULSAMinho, Viana do Castelo Introdução: A celulite orbitária (CO) é uma infecção dos tecidos moles da região orbitária. O septo orbitário permite subdividir esta patologia em celulite periorbitária (CPO) e celulite pós-septal (CPS). A CPO é a mais frequente e geralmente benigna, estando restringida aos tecidos superficiais. A CPS atinge a região intra-orbitária, estando por isso mais propensa a complicações orbitárias e intracranianas. O espectro clínico pode incluir edema e rubor palpebral, febre, dor ocular, alteração dos movimentos oculares conjugados e proptose. A tomografia computorizada (TC) permite avaliar a extensão da infecção, podendo auxiliar na diferenciação das duas entidades. Na CPS é mandatório o tratamento com antibioterapia endovenosa, enquanto na CPO muitos casos poderão ser tratados em ambulatório Material Revisão casuística e caracterização dos casos de CO internados no Serviço de Pediatria entre 2006 e 2009, através da consulta dos processos clínicos, e sua análise no SPSS® 15.0. Resultados: Foram analisados 19 casos de CO (13 CPO/ 6 CPS), com idades compreendidas entre os 2 meses e os 11 anos e maior prevalência no sexo masculino (69%). Dos sinais ou sintomas relatados na admissão, o edema periorbitário foi o único presente em todas as crianças, sendo também frequentes o rubor (84%) e a febre (68%), esta mais frequente na CPS (83%) do que na CPO (61%). Outros sintomas predominantes na CPS foram a dor ocular (33% versus 15%), proptose (33% versus 0%) e alterações dos movimentos conjugados (16% versus 0%). Dentro das CPS, 50% demonstraram leucocitose > 20000 (16% na CPO) e 33% apresentavam PCR > 20 mg/dL (16% na CPO). A TC foi requisitada em 47,4% dos casos, fazendo o diagnóstico de CPS em 31,5% das crianças. Os antibióticos mais usados, isoladamente ou em combinação, foram a amoxicilina-ácido clavulânico (42%) e ceftriaxona (37%). A presença concomitante de sinusite cifrou-se em 44%. A hemocultura foi invariavelmente estéril e em nenhum dos casos houve sequelas. Conclusões: Perante o diferente prognóstico e tratamento, é fulcral uma atempada diferenciação do tipo de celulite orbitária. Os sinais de atingimento ocular devem fazer levantar a suspeita de CPS, mas alguns deles poderão também surgir na CPO. Leucocitose e aumento marcado da PCR não estão universalmente presentes. A TC permite o diagnóstico diferencial e o despiste de uma sinusite concomitante. Apesar da boa resposta dos casos descritos, deve estar sempre presente a possibilidade de complicações na CPS. OBESIDADE NA ESCOLA E ANÁLISE DE COMPORTAMENTOS DE RISCO Ana Luísa Leite, Miguel Costa, Lúcia Gomes S. Pediatria, CHEDVouga, UOAzeméis Introdução: A obesidade infantil tem aumentado significativamente nas últimas décadas. O objectivo deste estudo foi avaliar a prevalência de obesidade numa população escolar e identificar comportamentos de risco associados. Material e Métodos: Estudo transversal (inquérito e avaliação biométrica) de crianças/adolescentes do 1º, 2º e 3º ciclos (idades de 6-16 anos) de um agrupamento escolar. Analisaram-se variáveis individuais (aleitamento no 1º ano de vida, peso à nascença, idade gestacional, ciclo escolar) e comportamentais (retenção, desporto escolar/extra-escolar, actividade física, transporte escolar, tempo TV/computador, nº e local das refeições diárias). Análise estatística com SPSS® 17.0. Resultados: Dos 533 alunos, 17% tinham excesso ponderal (EP) e 13% obesidade (O). No 1º ciclo encontrouse maior prevalência de sobrepeso (EP=20%; O=21%; p<0,001). O sexo masculino apresentou EP/O com maior frequência (51%) em todos os ciclos (p=0,568). Só existiram diferenças significativas no aleitamento no 1º ano de vida, sendo o aleitamento materno exclusivo mais frequente no grupo 3º ciclo (73%; p=0,041). A prática de exercício escolar foi maior no 2º e 3º ciclos. O exercício extra-escolar e actividade física foram mais frequentes no 2º ciclo (42%, p=0,003; 77%, p=0,014). O transporte escolar foi preferencialmente o automóvel (1º ciclo=75%; p=0,001). Os alunos do 1º ciclo foram os que passaram mais horas/dia no computador/TV (p=0,001). Constatou-se no 3º ciclo um maior nº de refeições diárias (23%; p=0,006). A maioria dos alunos tomavam pequeno-almoço em casa (89%; p=0,089). O 1º ciclo almoçava mais frequentemente na cantina escolar (49%; p<0,001). Conclusão: Neste estudo encontramos uma prevalência elevada de EP/O, principalmente no 1º ciclo. Alguns comportamentos, nomeadamente sedentarismo, podem justificar parcialmente estes resultados. São necessários mais estudos com abordagem da informação alimentar. A escola é um local privilegiado para educar crianças/adolescentes relativamente a modelos de vida saudável. Esta intervenção deve ser complementada pela família, comunidade e cuidados de saúde primários. PREVALÊNCIA DE OBESIDADE EM CRIANÇAS DE 7-8 ANOS NAS ESCOLAS DE CAMPANHÃ (PORTO) Clara Alves Pereira, Sónia Oliveira, Maria João Sampaio, Ruben Rocha, Karina Alves, Susana Sinde CSCampanhã, Porto A obesidade infantil é, na actualidade, uma epidemia. Em Portugal, os grandes estudos de prevalência são escassos, no entanto, os existentes colocam-nos nos lugares cimeiros da Europa, com prevalências crescentes. A pré-obesidade e obesidade associam-se a comorbilidades importantes, com implicações futuras, se não corrigidas. É portanto, essencial fazer um diagnóstico correcto da situação, em cada comunidade, de forma a permitir uma intervenção adequada e eficaz. resumo das comunicações orais XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 221 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Objectivo: Conhecer a prevalência de obesidade e pré-obesidade numa população escolar de crianças com 7 ou 8 anos. Material e Métodos: Foram definidos como participantes elegíveis as crianças nascidas em 2001, a frequentarem o 2º ano de escolaridade, nas escolas públicas da freguesia de Campanhã, no ano lectivo de 2008-2009. Procedeu-se à avaliação, de forma transversal, do peso e estatura dessas crianças, em ambiente escolar. Posteriormente foi calculado, para cada uma, o índice de massa corporal e obtido o respectivo percentil, de acordo com as tabelas de referência do Centers for Disease Control and Prevention (CDC, 2000). Esta classificação internacional permite a categorização em: baixo peso, peso normal, pré-obesidade e obesidade. Este trabalho insere-se no projecto “Um Mundo Melhor”. Resultados: De um total de 396 crianças elegíveis participaram no estudo 343 (86,6% da população alvo), 47,8% do sexo feminino e 52,2% do sexo masculino. Em 2 casos (0,6%), ambos do sexo masculino, constatou-se baixo peso. Dos restantes, 58,3% tinham peso normal e 41,1% apresentavam pré-obesidade ou obesidade. A prevalência de pré-obesidade foi de 19,2 % no total, de 18,3% nas raparigas e de 20,1% nos rapazes. Relativamente à obesidade a prevalência encontrada foi de 21,9% sendo a distribuição por sexo de 18,3 e 25,1 casos por cada 100 crianças do sexo feminino e masculino, respectivamente. As diferenças entre sexos não revelaram significado estatístico. Conclusões: A obesidade infantil tornou-se uma das principais ameaças à saúde infantil. Os valores de pré-obesidade encontrados neste estudo são semelhantes aos relatados no estudo nacional de Padez, de 2004 (19,2 vs 20,3%), que incluiu crianças de 7-9 anos. No entanto, a prevalência de obesidade encontrada no nosso estudo é bastante superior (21,9 vs 11,3%), sendo mesmo superior à prevalência de pré-obesidade. Apesar das limitações do nosso estudo é possível afirmar que, passados 5 anos de um diagnóstico alarmante, existem populações de crianças portuguesas em situação mais grave. É urgente o diagnóstico apurado da situação, com a avaliação dos vários factores implicados, bem como é essencial uma intervenção ajustada, a cada comunidade, sobre o(s) problema(s). Ressalva-se que alguns dos autores participam já na implementação do programa “PASSE – Programa alimentação saudável em saúde escolar” nestas escolas, visando promover comportamentos alimentares saudáveis. HÁBITOS DE SONO EM ESTUDANTES DO ENSINO SECUNDÁRIO Lígia Peralta, Daniela Neves, Antonieta Barbosa S. Pediatria, HIDPedro, Aveiro; USFAnta, CSEspinho Introdução: As alterações qualitativas e quantitativas do sono e a sonolência associam-se a baixo rendimento escolar, problemas comportamentais, perturbações do humor e diminuição das funções cognitivas. Alguns hábitos podem influenciar o sono, nomeadamente o consumo de café, álcool e drogas ilícitas e a prática de exercício físico. Objectivos: Caracterizar os hábitos de sono (HS) dos estudantes do ensino secundário e o seu impacto no rendimento escolar e qualidade de vida. Avaliar a prática desportiva e o consumo de café, álcool e drogas nesta população. Material e Métodos: Estudo observacional descritivo utilizando uma amostra de conveniência de estudantes do 10º e 11º ano de uma escola secundária. Aplicação de um questionário confidencial de auto-preenchimento. Análise de variáveis demográficas, situação e rendimento escolar, número de horas de sono (dias de aulas [DA] vs fim-de-semana [FS]), presença de sintomatologia diurna, prática de exercício físico, consumo de café, álcool e drogas ilícitas, e da importância da abordagem da higiene do sono com o Médico de Família (MF). Registo e análise de dados recorrendo ao software SPSS® v17.0. Resultados: Obtiveram-se 298 inquéritos, com uma média de idades de 16,4 anos (15 a 19). 51,0% dos inquiridos eram do sexo masculino. Quando resumo das comunicações orais S 222 XXI reunião do hospital de crianças maria pia comparados os DS com FS ressalta: a) hora de dormir, 23h vs 1h; b) número de horas de sono, 7h48min vs 9h12min. 24,1% dorme durante o dia, sendo mais frequente fazê-lo apenas ao FS. A maioria demora 5 a 15 min para adormecer. 57,4% refere que o número de horas que dorme é insuficiente; 39,9% que os HS interferem negativamente na sua vida; e 80,5% nunca abordou esta temática com o MF. Após acordar, a maioria nega cefaleias, raramente apresenta irritabilidade e poucas vezes sonolência diurna ou cansaço. 38,3% tem por hábito consumir café, 28,2% álcool e 6% drogas ilícitas. Conclusões: Existem padrões de sono distintos entre os DA e o FS. É pertinente avaliar a associação entre HS e hábitos de consumo. É importante esclarecer a elevada percentagem de estudantes que afirma nunca ter abordado a temática do sono com o MF e aumentar a motivação destes para esta problemática. A abordagem da caracterização dos HS de modo sistemático e o incentivo à sua correcção é de grande importância nos cuidados de saúde primários. TRANSLOCAÇÕES CROMOSSÓMICAS: A IMPORTÂNCIA DA INVESTIGAÇÃO FAMILIAR Márcia Martins, Alexandra Almeida, Sílvia Álvares, Natalia Teles S. Neonatologia e Cardiologia Pediátrica, CHPorto; CGMJMagalhães, INSA Introdução: As translocações cromossómicas desequilibradas constituem cerca de 3% das anomalias cromossómicas detectadas em recém-nascidos. Têm um largo espectro fenotípico, dependente dos cromossomas envolvidos, incluindo atraso de crescimento pré e pós-natal, atraso de desenvolvimento psicomotor, anomalias congénitas, abortamentos de repetição. Apresentação do caso: Lactente do sexo feminino, referenciada à consulta de Genética aos 7 meses de idade por quadro de hipotonia, dismorfia facial, macrocefalia relativa, défice auditivo e cardiopatia congénita (CIA e PCA). O cariótipo com bandas GTG de alta resolução revelou a presença de NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 material extra no cromossoma 10. O estudo dos pais confirmou tratar-se de derivativo de uma translocação equilibrada (10;16) materna: 46,XX,der(10)t(10;16) (p13;q22)mat. Assim, a criança tem uma monossomia parcial do braço curto do cromossoma 10 (região 10p13→10pter) e uma trissomia parcial da porção distal do braço longo do cromossoma 16 (16q22→16qter). Após o diagnóstico, foi solicitado informação dos familiares em risco. Verificou-se então que já havia sido detectada a translocação em outra familiar no decurso de investigação de feto malformado, cuja gestação terminou em IMG. Discussão: O cariótipo continua a ser uma técnica de primeira linha na investigação de um recém-nascido/criança com atraso desenvolvimento psicomotor/ anomalias. O diagnóstico de um desequilíbrio cromossómico consequente a uma translocação equilibrada familiar, implica informação e estudo de todos os familiares em risco, de modo a ser possível oferecer aconselhamento genético adequado e oportunidade de diagnóstico pré-natal específico. Palavras-chave: translocação desequilibrada, cromossomas 10 e 16, risco familiar, aconselhamento genético SÍNDROME DE KAWASAKI, DOENÇA INFECCIOSA? Cordeiro M, Brito H, Rios M, Carvalho S, Fonseca P. CHMAve, UFamalicão A Síndrome de Kawasaki foi descrita pela primeira vez no Japão, em 1967. Caracteriza-se por uma vasculite, com possível atingimento de todos os vasos sanguíneos, com predilecção pelas artérias coronárias. Embora as características epidemiológicas e clínicas apontem para uma causa infecciosa, a etiologia é desconhecida, podendo haver uma predisposição genética para esta doença. Vários autores têm referido bactérias produtoras de superantigénios como possíveis causas, nomedamente Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes, embora outros agentes possam estar envolvidos. É uma entidade autolimitada, podendo em cerca de 20% dos casos haver alterações das artérias coronárias, incluindo aneurismas. Caso Clínico: Criança do sexo feminino, com 13 meses de idade, trazida ao SU por febre elevada com 2 dias de evolução e exantema macular disperso, não pruriginoso, que desaparecia à digitopressão; apresentava bom estado geral, sem outras alterações ao exame objectivo. Analiticamente, de referir, leucocitose com neutrofilia, PCR 7,66mg/dL, aumento das transaminases hepáticas. Em D2 de internamento, foi feita punção lombar, que revelou pleocitose, iniciou ceftriaxone. Em D5 de internamento foi colocada a hipótese de Síndrome de Kawasaki por ter surgido edema das extremidades, hiperemia conjuntival não exsudativa, rubor orofaríngeo, com posterior descamação dos dedos das mãos e dos pés. Apresentava trombocitose, aumento da VS, hipoalbuminemia. Fez Ig dose única e iniciou aspirina, tendo ficado apirética em 48h. O ecocardiograma não apresentava alterações. Na hemocultura colhida na admissão foi isolado Streptococcus milleri (sensível ao antibiótico já instituído). Registou-se boa evolução clínica. Discussão: Os autores apresentam este caso por ter sido isolada a bactéria Streptococcus milleri na hemocultura de uma criança que preenche os critérios de Síndrome de Kawasaki. O Streptococcus milleri é uma bactéria comensal da cavidade oral e pode originar desde amigdalites até quadros de bacteriemia, endocardite e abcessos hepáticos, cerebrais ou pulmonares. Não está descrito que este Streptococcus produza superantigénios, e não encontrámos relatado outro caso de bacteriemia por este agente associado a Síndrome de Kawasaki. MIOCARDITE A PARVOVÍRUS B19: 2 CASOS CLÍNICOS Marta Mendonça, Diana Gonzaga, Edite Gonçalves, Patrícia Costa, Jorge Moreira, José Carlos Areias S. Pediatria, HDESanto, Ponta Delgada; S. Pediatria, CHPorto, HSAntónio; S. Cardiologia Pediátrica, HSJoão Introdução: A miocardite é uma doença inflamatória do miocárdio, rara e potencialmente fatal, responsável por cerca de 50% das cardiomiopatias dilatadas na idade pediátrica. Pode ter diversas etiologias, sendo a infecciosa a mais frequente. Os autores apresentam dois casos clínicos de miocardite em que o agente etiológico foi o Parvovírus B19. Caso 1: Criança do sexo feminino, 16 meses de idade, com antecedentes familiares de prima materna falecida aos 18 meses de idade em contexto de miocardiopatia dilatada (pós-miocardite aguda a parvovírus B19). No dia anterior à admissão iniciou quadro de recusa alimentar, gemido e dificuldade respiratória. Referência a infecção respiratória 15 dias antes do internamento. Ao exame objectivo salientava-se razoável estado geral, polipneia, taquicardia, auscultação cardíaca e pulmonar sem alterações, fígado palpável 3 cm abaixo do rebordo costal na linha médio clavicular direita. O ecocardiograma à admissão revelou dilatação ventricular, com disfunção severa do ventrículo esquerdo (VE) com FE 31% e insuficiência mitral (IM) moderada. Foi iniciada terapêutica anticongestiva e AAS. A investigação etiológica revelou uma PCR positiva para parvovírus B19 no sangue. A evolução clínica foi favorável, mantendo-se sem necessidade de suporte inotrópico. Teve alta em D10, mantendo a terapêutica instituída. Actualmente, aos 22 meses, encontra-se assintomática, mantendo dilatação do VE e medicação com carvedilol, furosemida, captopril, espironolactona, digoxina e AAS. Caso 2: Criança de 3 anos e 10 meses de idade, sexo masculino, sem antecedentes pessoais ou familiares relevantes, trazida ao SU por noção de dificuldade respiratória, sem outras queixas associadas. Referência a astenia e mialgias nas 2 semanas prévias. Na admissão apresen- resumo das comunicações orais XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 223 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 tava polipneia e tiragem intercostal, sem outras alterações. Realizou radiografia do tórax que revelou ICT de 0,55; sem alterações pleuroparenquimatosas agudas. Colocada a hipótese diagnóstica de miocardite, tendo realizado ecocardiograma, que demonstrou dilatação das cavidades esquerdas, diminuição da contractilidade do VE (FE 58%), IM moderada e pequeno derrame pericárdio. O electrocardiograma apresentava baixa voltagem e alterações inespecíficas da repolarização ventricular. Na investigação etiológica a pesquisa de Parvovírus B19 foi positiva por biologia molecular. Iniciada medicação com furosemida, espironolactona, captopril e, posteriormente, com carvedilol, apresentando boa evolução clínica. Actualmente tem 4 anos de idade, encontra-se assintomático e foi verificada melhoria dos parâmetros ecocardiográficos. Conclusão: O espectro clínico da miocardite é variável, exigindo uma elevada suspeição clínica, de modo a permitir o diagnóstico e tratamento precoces. Os autores pretendem salientar o facto do parvovírus B19, apesar de ser um vírus ubiquitário habitualmente associado a doenças auto-limitadas, ser também um vírus cardiotrópico com prevalência crescente na etiologia da miocardite aguda. DOENÇAS METABÓLICAS E VÓMITOS CÍCLICOS Vasco Lavrador, Alzira Sarmento, Ermelinda Silva, Esmeralda Martins S. Pediatria, CHPorto, UHMPia Objectivos: As doenças metabólicas são muitas vezes desvalorizadas no diagnóstico diferencial da criança com vómitos cíclicos. Pretendemos destacar que, embora etiologicamente representem apenas uma pequena percentagem, a identificação de dados relevantes da história clínica e a realização dos exames complementares adequados podem contribuir para a detecção precoce de patologias potencialmente tratáveis. Material e Métodos: Revisão dos doentes em seguimento na consulta externa de Doenças Metabólicas com diagnóstico estabelecido e apresentação sob a forma de episódios de vómitos cíclicos. As principais variáveis analisadas foram a idade de apresentação, o tempo entre a apresentação e o diagnóstico, a presença de factores desencadeantes, os sinais ou sintomas associados e as patologias diagnosticadas. Resultados: Foram identificados 7 doentes, 5 do sexo feminino, com idades entre os 6 e os 20 anos. A idade média de apresentação da doença foi 1 ano e 5 meses com mediana de 2 anos tendo decorrido em média 27 meses entre a apresentação e o diagnóstico com mediana de 9 meses e meio. Na abordagem inicial verificou-se que durante os episódios 4 doentes apresentavam elevação das transamínases hepáticas e 3 hipoglicemia. Ao exame objectivo 5 apresentavam letargia/sonolência, 2 hipotonia e 1 hepatomegalia. Em 6 dos 7 casos foram identificados factores desencadeantes para os episódios de vómitos, sendo as alterações dos hábitos alimentares os mais identificados (5 casos). As patologias identificadas neste grupo foram défice de OTC (3 casos), deficiência de desidrogenase de acil-CoA de cadeia média (1), acidúria metilmalónica (1), fructosemia (1), acidúria glutárica tipo II (1). Conclusão: Um padrão cíclico de vómitos é um sintoma complexo que pode ser consequência de distúrbios de vários órgãos ou sistemas. Quando identificado deve levar a uma abordagem sistematizada que permita a exclusão de doenças metabólicas, particularmente nos casos em que a história seja compatível com essa etiologia. MCAD DIAGNÓSTICO PRÉ E PÓS SINTOMÁTICO Patrícia Nascimento, Anabela Bandeira, Laura Vilarinho, Esmeralda Martins U. Metabolismo, CHPorto, UHMPia; IGMJMagalhães, INSA Introdução: O défice de acil-CoA desidrogenase de cadeia média (MCAD, MIM # 201450) é a doença mais comum da β-oxidação mitocondrial dos ácidos gordos, com uma incidência estimada de 1:15 000 nascimentos. Esta enzima catalisa a utilização dos ácidos gordos como fonte de energia durante períodos resumo das comunicações orais S 224 XXI reunião do hospital de crianças maria pia de jejum prolongado ou stress, resultando o seu défice em hipoglicemias graves, por vezes fatais. A octanoilcarnitina (C8) é um marcador do défice de MCAD que pode ser detectado na espectrometria de massa em tandem, fazendo desde 2005 parte do painel de doenças incluídas no rastreio neonatal precoce no nosso país. Objectivo: Avaliar o contributo de um diagnóstico pré-sintomático na evolução desta doença. Material e métodos: Análise clínica e bioquímica retrospectiva dos doentes com MCAD. Registou-se idade de diagnóstico e de início de tratamento, primeiros sintomas, clínica à data de diagnóstico descompensações e evolução. Resultados: Foram identificados e incluídos 5 doentes com MCAD, dois tiveram apresentação sintomática e três foram diagnosticados no rastreio. Nos casos sintomáticos a clínica manifestou-se entre os 7 e os 15 meses de idade com sonolência, letargia, alterações hepáticas e hipoglicemia. Um morreu neste primeiro episódio e o outro que foi diagnosticado aos dois anos, no segundo episódio de descompensação apresentando um crescimento e desenvolvimento cognitivo normal. As três crianças diagnosticadas no rastreio têm actualmente entre 1 a 3 anos de idade com desenvolvimento e crescimento normais. Comentários: Dados da literatura referem que a mortalidade no primeiro episódio do diagnóstico sintomático era de cerca 30%, e que nos casos tratados precocemente a morbilidade e mortalidade reduziram cerca de 90%. Nos nossos doentes sintomáticos a mortalidade foi de 50%, nos rastreados não houve episódios de descompensação graves e a mortalidade é nula o que está de acordo com o descrito. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Resumo dos Posters IMPACTO DA ASMA NOS NÍVEIS DE ANSIEDADE DE UMA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA – IMPORTÂNCIA DO CONTROLO SINTOMÁTICO Ana Luísa Leite, Joana Monteiro, Catarina Dias, Ana Luísa Pinto, Lúcia Gomes, Miguel Costa, Arménia Oliveira, Ana Maria Ribeiro S. Pediatria e S. Psicologia Clínica, CHEDVouga, UOAzeméis Introdução: Os distúrbios de ansiedade são um dos problemas psiquiátricos mais frequentes em idade pediátrica, podendo atingir uma em cada 10 crianças/adolescentes. A sua associação é frequente com patologias crónicas. Na idade pediátrica a patologia alérgica tem uma prevalência muito elevada e com tendência à cronicidade, influenciando indubitavelmente a qualidade de vida destes jovens. Objectivo: Avaliação da presença de distúrbios de ansiedade numa população de crianças/adolescentes com patologia alérgica respiratória seguidos em consulta hospitalar. Material e Métodos: Estudo de um grupo de doentes asmáticos seguidos na consulta de Alergologia Pediátrica entre Maio e Setembro de 2009, com idades entre 8 e 16 anos, aos quais foi aplicado o inquérito STAIC (State-Trait Anxiety Inventory for Children). Consideraram-se níveis de ansiedade-traço elevados acima do percentil 50. O programa SPSS® versão 17.0 foi utilizado na análise estatística. Resultados: Foram avaliados 95 doentes, com mediana de idades de 13 anos, sendo a maioria do sexo masculino (67%). A mediana para o ano escolar foi o 8º ano e a taxa de reprovação escolar prévia foi de 21%. Cerca de 2/3 dos doentes tinham asma e rinoconjuntivite associada. Resultados do STAIC/ansiedade-traço acima do percentil 50 foram verificados em 38% dos doentes (percentil médio=42,51±25,31). Foram encontradas diferenças estatisticamente significativas para a idade (p=0,044) e o grau da patologia (p=0,027), comprovando-se maior ansiedade em doentes mais novos e com clínica persistente. Constatou-se que o tipo de manifestação alérgica e de medicação utilizada não influenciou a ocorrência de ansiedade (p=0,421 e p=0,608, respectivamente). Comentários: Na amostra estudada a prevalência de ansiedade é superior à descrita para a população pediátrica geral, o que revela o impacto da patologia alérgica respiratória na vida da criança/ adolescente doente, especialmente significativa quanto mais jovem o doente e quando não completamente controlada a clínica. Os autores alertam para a importância do reconhecimento e orientação precoce destes distúrbios, que em última instância podem conduzir a situações de perturbação do desenvolvimento psicológico e disfunção social. PIELONEFRITE AGUDA: O VALOR DA IMAGIOLOGIA NA FASE AGUDA E NO SEGUIMENTO Ana Cristina Barros , Eliana Oliveira, Paula Noites, Helena Sá Couto, Cláudia Gonçalves , Ana Paula Aguiar, Maria Eduarda Cruz Dep. Pediatria, HPHispano, USLMatosinhos Introdução: A infecção urinária (IU) é uma patologia frequente na criança. O risco de a desenvolver é maior quando há malformações nefro-urológicas e pode conduzir à formação de cicatrizes renais que se associam a hipertensão arterial e insuficiência renal terminal. Objectivos: Avaliar o papel da ecografia renopélvica, realizada na fase aguda da pielonefrite, na detecção de alterações nefro-urológicas. Avaliar a relação dos achados da ecografia com os da cisto-uretrografia miccional seriada (CUMS) e da cintigrafia com tecnésio 99m ligado ao ácido dimercapto-succínico (DMSA). Determinar a prevalência de refluxo vesico-ureteral (RVU) e de cicatriz renal numa população de crianças após o primeiro episódio de pielonefrite aguda (PNA). Material e métodos: Estudo retrospectivo, através da consulta do processo clínico de crianças com diagnóstico de alta de PNA, admitidas entre 1 de Janeiro de 2004 e 31 de Dezembro de 2008, no Departamento de Pediatria do Hospital Pedro Hispano. Foram avaliados dados sociodemográficos e imagiológicos, incluindo ecografia renopélvica, CUMS e DMSA. Para a análise estatística recorreu-se ao programa SPSS®16.0, usando o teste de Quiquadrado ou teste de Fisher (nível de significância < 0,05). Resultados: Foram analisados 345 casos, dos quais 78,8% (272/345) corresponderam ao primeiro episódio de PNA. Destes, 93,8%% (255/272) não tinham malformações nefro-urológicas conhecidas na altura do diagnóstico de PNA e não faziam profilaxia antibiótica. A mediana de idade foi de 6 meses (mínimo 8 dias, máximo 13 anos), com média de 15,2 meses (85,5% com menos de 24 meses e 4,3% no período neonatal). Sessenta e seis por cento (168/255) pertenciam a crianças do sexo feminino. A ecografia renopélvica, realizada durante o internamento, revelou alterações em 22,4% (57/255), sendo a anomalia mais frequente a dila- resumo dos posters XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 225 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 tação pielocalicial (DPC) 82,4%, seguida das alterações parenquimatosas (10%). A CUMS mostrou RVU em cerca de 25% das crianças que a realizaram (44/177). Não se verificou correlação entre as alterações ecográficas (DPC) e a presença de RVU. O DMSA efectuado em ambulatório evidenciou cicatrizes renais em 13,6% dos casos (25/184). As alterações no DMSA não se relacionaram significativamente com os resultados ecográficos nem cistográficos. Conclusão: As alterações nefrourológicas detectadas alertam para a importância do estudo imagiológico completo e sistematizado após o primeiro episódio de PNA. A ecografia revelou alterações em 22,4% e a anomalia mais frequente foi a dilatação pielocalicial. Nesta amostra a prevalência de RVU foi de 25% e de cicatrizes renais foi de 13,6%. Discute-se a necessidade de realização da ecografia renopélvica em regime de internamento, face a uma evolução favorável, uma vez que é pouco informativa sobre o diagnóstico de PNA. Conclui-se ainda que os achados ecográficos não se correlacionam com a CUMS nem DMSA. Palavras-chave: infecção urinária, ecografia renopélvica, CUMS, DMSA REFLUXO VESICO-URETERAL: QUE EVOLUÇÃO? Ana Cristina Barros, Eliana Oliveira, Ricardo Soares, Tiago Correira, Filipa Espada, Paula Noites, Maria Eduarda Cruz Dep. Pediatria e S. Urologia, HPHispano, ULSMatosinhos Introdução: O refluxo vesico-ureteral (RVU) é a anomalia urológica mais prevalente em idade pediátrica. Predispõe ao desenvolvimento de pielonefrite quando há infecções urinárias, o que por sua vez pode estar associado a cicatrizes renais, hipertensão e insuficiência renal. Objectivo: Caracterizar os casos de RVU encontrados durante o estudo realizado após o primeiro episódio de pielonefrite aguda (PNA). Avaliar a evolução e necessidade de intervenção. Material e métodos: Foram analisados os processos clínicos das crian- ças internadas por primeiro episódio de pielonefrite aguda no Departamento de Pediatria do Hospital Pedro Hispano no período compreendido entre 1 Janeiro de 2004 e 31 de Dezembro de 2008. Os dados analisados diziam respeito ao sexo, idade, achados na cisto-uretrografia miccional seriada (CUMS) e evolução do RVU. Usou-se o programa SPSS®16.0 (teste de Qui-quadrado ou teste de Fisher; nível de significância < 0,05) para a análise estatística. Resultados: Recolheram-se dados de 177 processos de crianças em que a CUMS fez parte do estudo após a primeira PNA (92,7% da amostra com idade inferior a 2 anos). Foi encontrado RVU em 24,8% (44/177) da amostra. A mediana de idade foi de 5,5 meses (mínimo 8 dias, máximo 3 anos) e a média de 9,8 meses. Houve um predomínio do sexo feminino (68%), no entanto, não foi encontrada relação entre o sexo e a presença de RVU. O RVU foi bilateral em 56,8% dos casos (25/44), havendo 69 unidades ureterais refluxivas (UUR) na amostra. Do total de UUR, 29 (42%) correspondiam a RVU ligeiro (I-II), 21 (30,4%) a RVU moderado (III) e 19 (27,5%) a RVU grave (IV-V). Cerca de 41 crianças (correspondendo a 66 UUR) realizaram DMSA que revelou hipoperfusão renal ou cicatrizes em 7,4% das UUR do grupo com RVU ligeiro, 13,6% das do grupo com RVU moderado e 29,4% das do grupo com RVU grave. Houve uma relação significativa entre o grau de RVU e a recorrência de IU: 17% no grupo de RVU ligeiro, 31% no RVU moderado e 64% no RVU grave. A taxa de resolução espontânea do RVU foi de 32% (14/44), verificando-se em 11 casos no grupo ligeiro (78,6%), 2 no grupo moderado (14,3%) e 1 no grupo grave (7,1%) – diferenças estatisticamente significativas. Esta evolução ocorreu antes dos dois anos e meio de idade em todas as crianças. O tratamento cirúrgico realizou-se em 16% (1 caso de RVU ligeiro e 3 casos de RVU moderado e grave, respectivamente). Conclusão: Na maioria dos casos o RVU é ligeiro (grau I-II) e a taxa de resolução espontânea é significativamente superior neste grupo, ocorrendo geralmente antes dos dois anos e meio de idade. Os resumo dos posters S 226 XXI reunião do hospital de crianças maria pia resultados deste trabalho favorecem uma abordagem conservadora, reservando-se a cirurgia para os casos de RVU associados a lesão renal, infecções urinárias recorrentes com atingimento renal ou outras anomalias estruturais. Palavras-chave: refluxo vesico-ureteral; cisto-uretrografia miccional seriada ENURESE RISÓRIA – 2 CASOS CLÍNICOS Brígida Amaral, Natacha Fontes, Ana Castro, Célia Madalena CHPorto, UHMPia; HPHispano, USLMatosinhos; CHPVarzim/VConde Introdução: A enurese risória (ER) ou incontinênca do riso é um distúrbio raro, caracterizado por uma súbita, involuntária e incontrolável perda de urina induzida pelo riso. É mais frequente no sexo feminino e caracteriza-se por perda de volumes variáveis de urina. As crianças com ER têm uma função vesical normal fora do riso. A sua etiologia ainda não está completamente esclarecida, não havendo consenso relativamente à terapêutica mais eficaz. Caso 1: Criança do sexo feminino, 13 anos de idade, com antecedentes de infecção urinária aos 10 meses de idade e estudo imagiológico normal. Referenciada à consulta por incontinência urinária desencadeada pelo riso com cerca de um ano de evolução. O estudo realizado foi normal. Medicada inicialmente com oxibutinina sem melhoria com resposta favorável após associação de cloridrato de imipramina. Caso 2: Criança do sexo feminino, 10 anos de idade, antecedentes pessoais irrelevantes. Referenciada à consulta por incontinência urinária associada ao riso, sem outros sintomas acompanhantes. O estudo efectuado foi normal. Medicada com oxibutinina com boa resposta. A ER, e suas implicações sociais, pode ser causa de stress emocional significativo, pelo que é importante o seu tratamento atempado de forma a diminuir o impacto negativo na auto-estima da criança. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 ASMA BRÔNQUICA - ADESÃO AO TRATAMENTO E CONTROLO DA DOENÇA Leonor Cunha, Rui Silva, Daniel Machado, Eva Gomes, Helena Falcão S. Imunoalergologia, CHPorto, UHMPia Introdução: O objectivo do tratamento da asma é o controlo total dos sintomas. A má adesão é uma das principais causas de controlo inadequado desta patologia. Apresentam-se dois casos clínicos de doentes com asma persistente moderada e rinite seguidos na Consulta de Imunoalergologia da Unidade Hospital Maria Pia: Caso 1: MLAC, sexo feminino, 15 anos, referenciada para a consulta por episódios frequentes de dispneia, pieira, tosse de predomínio nocturno, rinorreia, obstrução e prurido nasal desde os 7 anos. Apresenta antecedentes familiares de asma (pai e mãe). Efectuou testes cutâneos para inalantes comuns, que foram positivos para ácaros domésticos. Valores de IgE (kU/L): Total=344; Der p=86.4; Der f=61.6; Gramíneas<0.35. Foram instituídas medidas de evicção. Actualmente medicada com associação fixa β2 de longa acção+corticóide inalatório, antagonista dos leucotrienos e corticóide nasal, com boa adesão à terapêutica. Espirometria com FEV1=3.13 L (119% do previsto), FVC=3.50 L (113%), PEF=7.27 L/s (112%), FEF25-75%=3.49 L/s (105%). Apresenta bom controlo da asma, sem agudizações no último ano. Caso 2: FMS, sexo masculino, 17 anos, referenciado para a consulta por episódios frequentes de dispneia, pieira, tosse, obstrução nasal e rinorreia desde os 3 anos. Apresenta antecedentes familiares de asma (mãe). Efectuou testes cutâneos para inalantes comuns, que foram positivos para ácaros domésticos e pólen de gramíneas. Valores de IgE (kU/L): Total=360; Der p=84.2; Der f=39.8; Gramíneas=19.0. Foram instituídas medidas de evicção. Actualmente medicado com associação fixa β2 de longa acção+corticóide inalatório, antagonista dos leucotrienos e corticóide nasal, com adesão à terapêutica muito irregular, com suspensão frequente da mesma por auto-iniciativa. Iniciou consumo de tabaco há cerca de 6 meses. Espirometria com FEV1=3.79 L (92% do previsto), FVC=4.33 L (89%), PEF=6.97 (73%) e FEF25-75%= 3.85 L/s (78%). Apresenta mau controlo da sua asma, com sintomas de pieira e tosse seca, sibilos na auscultação pulmonar e agudizações frequentes com necessidade de medicação de alívio e cursos de corticóide oral. Comentários: Estes 2 casos, relativos a doentes com patologia de base e faixa etária semelhante, ilustram a importância das medidas de evicção e da adesão ao tratamento para o controlo da asma. A falta de adesão é uma das principais causas de controlo inadequado, o qual tem um impacto significativo na qualidade de vida do doente. Este problema é particularmente frequente nos adolescentes, sendo necessário um esforço adicional para motivar o cumprimento do tratamento. DIFERENTES PADRÕES CLÍNICOS DE ALERGIA ALIMENTAR Leonor Cunha, Daniel Machado, Rui Silva, Eva Gomes, Helena Falcão S. Imunoalergologia, CHPorto, UHMPia Introdução: A alergia alimentar (AA) é a principal causa de anafilaxia tratada em urgência hospitalar nos países ocidentais. A sua identificação, tratamento e correcta orientação são essenciais para uma evolução favorável. Objectivos: Apresentam-se 2 casos clínicos com clínica grave de AA a cereais e frutos secos, mas com evoluções diferentes, seguidos na Consulta de Alergia Alimentar da Unidade Hospital Maria Pia - CHP. Caso clínico 1: Adolescente, sexo feminino, 16 anos, antecedentes de asma persistente moderada e rinite persistente moderada a grave, alérgico aos ácaros, desde o primeiro ano de vida. Desde os 2 anos de idade com reacções do tipo imediato após a ingestão de glúten, trigo, centeio e aveia, com broncospasmo, associado a angioedema facial. Vários episódios graves na sequência de ingestão acidental destes cereais, mesmo ocultos. Ingere milho, arroz, amendoim, avelã e amêndoa sem reacções alérgicas. Os testes cutâneos e IgE específica sérica comprovaram a sensibilização a gliadina, trigo, centeio, aveia, milho, arroz, amendoim, avelã e amêndoa. Foi prescrito dispositivo de auto-administração de adrenalina IM, fazendo evicção dos alimentos implicados nas reacções. Caso clínico 2: Menino, 7 anos, antecedentes de asma persistente moderada e rinite persistente moderada a grave, alérgico às gramíneas. Desde os 3 anos de idade com reacções imediatas de urticária e asma, após a ingestão de pequenas quantidades de amendoim, com necessidade de recorrer ao SU para tratamento destes episódios. Desde então e de forma progressiva, tem apresentado agravamento clínico, com quadros de anafilaxia com a ingestão de mínimas quantidades de frutos secos e vários cereais, com boa tolerância à aveia. O estudo alergológico comprovou sensibilização a gramíneas e aos alimentos implicados nas reacções. Manteve evicção destes alimentos, ingerindo dieta com aveia, batata e soja com boa tolerabilidade. Aos 6 anos de idade, inicia sintomas semelhantes aos descritos anteriormente também com aveia e soja, comprovando-se pelo estudo alergológico a sua alergia. Em Junho de 2009 teve uma crise semelhante após a toma de xarope de hidroxizina. Mantém dieta com fécula de batata. É portador de dispositivo de auto-administração de adrenalina IM. Discussão: O diagnóstico precoce da alergia alimentar é determinante para uma correcta orientação dos doentes. Nalgumas situações, a gravidade clínica justifica uma atenção redobrada na procura e identificação de alergénios ocultos. Estes dois casos de AA apresentam evoluções diversas e obrigam a atitudes diferentes na sua orientação. No futuro, o estudo com alergénios moleculares poderá identificar as proteínas implicadas. A dessensibilização a estes alimentos poderá ser uma opção terapêutica. resumo dos posters XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 227 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 PREVENIR E CONTROLAR INFECÇÕES: DOIS CONCEITOS IMPORTANTES NUM SERVIÇO DE PEDIATRIA Marta Nascimento, Ana Cristina Barros, Isabel Neves, David Peres, Sandra Loureiro, Cristina Serrano, Sofia Aroso, Eduarda Cruz S. Pediatria, S. Infecciologia e CC Infecção, HPHispano, USLMatosinhos Introdução: Na época epidemiológica que atravessamos em que tanto se fala de prevenção e controlo de infecções, sobretudo respiratória, torna-se essencial alertar os profissionais de saúde e a comunidade para esta temática, tanto a nível da prática hospitalar como em ambulatório. Todos os prestadores de cuidados de saúde devem ter conhecimento sobre as vias de transmissão de infecções e técnicas usadas para preveni-las. O objectivo é prevenir e diminuir a ocorrência de infecção associada aos cuidados de saúde (IACS) no Serviço de Pediatria do Hospital Pedro Hispano. Material e métodos: Consulta dos Boletins Normativos 757.1, 1268, 1269 do Hospital Pedro Hispano. Resultados: Foram realizadas acções de formação dirigidas aos prestadores de cuidados de saúde do Serviço de Pediatria (médicos, enfermeiros, auxiliares de acção médica e outros), adaptadas às tarefas de cada grupo profissional. As temáticas abordadas foram “Precauções básicas em controlo de infecção” (higiene das mãos, higiene respiratória e uso de material de protecção individual) e “Precauções de isolamento em controlo de infecção” (medidas implementadas para isolamento, de acordo com a forma de transmissão da infecção – contacto, gotícula, partícula – e isolamento de protecção). Foram também criados folhetos informativos sobre estes temas e disponibilizados aos pais das crianças em regime de internamento (no momento de admissão hospitalar ou durante o internamento). Conclusões: É urgente a sensibilização dos profissionais de saúde e da comunidade em geral (pais, encarregados de educação, entre outros) para a prevenção e controlo de infecções. A consciencialização de que estas medidas evitam internamentos prolongados, co-morbilidade acrescida e custos desnecessários, facilitam a sua implementação. A higiene das mãos e a higiene respiratória constituíram, sem dúvida, as medidas de aceitação mais fácil e que, embora em fase inicial, parecem já mostrar resultados promissores. Espera-se que estas medidas sejam colocadas em prática não só a nível hospitalar mas também pela comunidade em geral. Políticas de acção para prevenção e controlo de infecção deverão ser escritas, facilmente disponibilizáveis a profissionais de saúde, pais e doentes, anualmente actualizadas e reforçadas, sobretudo, através de sessões de formação. Palavras-chave: prevenção da infecção, controlo da infecção, higiene das mãos, higiene respiratória, precauções de isolamento VÓMITOS BILIARES- UMA URGÊNCIA MÉDICO-CIRÚRGICA Diana Gonzaga, Sofia Ferreira, Mariana Pinto, Ana Vilaça, Ribeiro Castro, Susana Tavares S. Pediatria, CHPorto, HSAntónio; S. Pediatria e Radiologia, CHEDVouga; S. Cirurgia Pediátrica, CHPorto, UHMPia Introdução: Os vómitos constituem uma queixa frequente, contudo inespecífica, sobretudo em idade pediátrica. No entanto, quando biliares e acompanhados de dor abdominal, podem traduzir patologia gastrointestinal, nomeadamente síndromes obstrutivos que requerem tratamento emergente. Caso clìnico: Adolescente do sexo masculino, 12 anos e 6 meses, sem antecedentes patológicos de relevo. Trazido ao Serviço de Urgência por dor abdominal intensa localizada no epigastro e hipocôndrio direito, com cerca de 24h de evolução, associada a vómitos biliares, persistentes, não hemáticos. Última dejecção de características normais no dia da admissão, após estimulação. Sem febre, diarreia, retorragias, queixas respiratórias ou genitourinárias associadas. Ao exame objectivo apresentava-se prostrado, queixoso, com posição antál- resumo dos posters S 228 XXI reunião do hospital de crianças maria pia gica em semiflexão anterior do tronco e com sinais de desidratação ligeira. Abdómen distendido, mole e depressível, doloroso à palpação no epigastro e hipocôndrio direito, sem sinais de defesa ou irritação peritoneal; Blumberg negativo; sem organomegalias ou massas palpáveis; ruídos hidroaéreos presentes de normal intensidade. Do ponto de vista analítico apresentava hemograma, ionograma, perfil hepático, amílase e sedimento urinário sem alterações de relevo. Realizou radiografia abdominal simples, verificando-se ausência de ar na cavidade intestinal, não se visualizando as ansas intestinais; fezes na ampola rectal; sem níveis hidroaéreos. Foi colocada a hipótese de suboclusão intestinal, ficando internado para melhor esclarecimento do quadro. Por persistência das queixas apesar de pausa alimentar, realizou ecografia abdominal, que mostrou imagem sugestiva de invaginação intestinal, pelo que foi referenciado para Cirurgia Pediátrica. Realizada laparotomia exploradora que revelou a existência de malrotação intestinal com vólvulo do intestino médio, sem lesões de necrose intestinal. Boa evolução clínica, com alta hospitalar ao 4º dia de pós-operatório. Conclusão: A malrotação intestinal é uma condição congénita, com apresentação no primeiro mês de vida em cerca de 60-80% dos casos, podendo estar associada a complicações graves e potencialmente fatais. Na criança mais velha a apresentação é rara e os sintomas podem ser pouco específicos, sendo os vómitos biliares um importante sinal clínico. Nestes casos, um elevado índice de suspeição permite o diagnóstico atempado e, consequentemente, a redução de complicações potencialmente graves. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 NEOPLASIA DO OVÁRIO EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES. Mónica Tavares, Nisa Sobral, Joana Pinto, Augusta Pinto, Cristina Rocha S. Pediatria, S. Ginecologia Obstetrícia, CHEDVouga, HSSebastião Introdução: As neoplasias do ovário constituem cerca de 1% de todos os tumores em crianças e adolescentes. Menos de 5% da patologia maligna do ovário ocorre neste grupo, sendo que a maioria são fisiológicas ou benignas. No entanto, cerca de 35% das neoplasias do ovário que ocorrem nesta faixa etária são malignas. Um diagnóstico tardio desta patologia é comum na adolescência e principalmente em crianças pré-púberes. Objectivos: Avaliar o grupo de crianças e adolescentes com neoplasia do ovário nos anos entre 2004 a 2009, nomeadamente no que diz respeito à clínica e aos achados imagiológicos. Material e Métodos: Revisão dos processos clínicos das crianças e adolescentes <18 anos, com o diagnóstico de neoplasia do ovário. Foram excluídos os cistos simples e fisiológicos. Resultados: Foram revistos 9 processos de crianças e adolescentes com idades entre os 9 e os 17 anos (mediana de 14 anos); 3 crianças eram pré-púberes. Os antecedentes familiares eram irrelevantes. Dos antecedentes pessoais a destacar 2 casos de dismenorreia, 2 de irregularidades menstruais e um caso de ooforectomia anterior por torção do ovário. Quanto à sintomatologia de referir que em 6 casos o motivo de urgência/ referenciação foi dor abdominal, um caso de dismenorreia e um de metrorragia. Ao exame objectivo apresentavam dor à palpação referida à fossa ilíaca, e o toque rectal, quando realizado, revelou na maioria das vezes a patologia em causa. A ecografia abdominal permitiu definir a massa havendo necessidade de realizar tomografia computorizada em 6 e ressonância magnética em 2, para esclarecimento dos achados. Duas das crianças pré-púberes foram transferidas para o IPO - Porto, tendo sido submetidas a ooforectomia e excisão da massa tumoral. As restantes foram tratadas no CHEDV-HSS com necessidade de ooforectomia em dois casos. As restantes cinco foram submetidas a tumorectomia, com preservação do anexo, na maioria dos casos por laparotomia. Do exame anatomo-patológico temos 4 teratomas císticos maduros do ovário, 2 cistoadenofibromas e um teratoma maduro do ovário; os dois casos submetidos a cirurgia no IPO são descritos como tumores benignos do ovário. De destacar que a criança com o teratoma maduro do ovário teve que ser submetida a quimioterapia adjuvante. Discussão: Embora seja uma patologia pouco frequente, verificámos uma incidência de 2 casos por ano no CHEDV-HSS. De realçar que a sintomatologia é pouco expressiva, principalmente em crianças pré-púberes, nas quais a queixa mais frequente foi a dor abdominal. Apenas um elevado índice de suspeição nos levará a colocar este diagnóstico numa criança com dor abdominal, pelo que destacamos a importância do toque rectal no diagnóstico desta patologia. CASO CLÍNICO - DIVERTÍCULO DE HUTCH Natacha Fontes, Nádia Rodrigues, Eliana Oliveira, Armando Reis, Maria José Costa S. Pediatria, HPHispano, ULSMatosinhos; S. Urologia, CHPorto, UHMPia Introdução: O Divertículo de Hutch corresponde a um defeito congénito vesical para-ureteral, geralmente único. O diagnóstico é feito por CUMS ou cistoscopia, estando indicada a sua correcção cirúrgica pelo risco de complicações (infecções urinárias, retenção urinária, obstrução intestinal, ruptura ou carcinoma). Caso clínico: Criança com 4 anos, sem antecedentes pessoais de relevo, observado no Serviço de Urgência por febre, recusa alimentar, dor no flanco esquerdo e disúria com cerca de 24 horas de evolução. No exame objectivo à admissão apresentava-se queixoso, com Murphy renal positivo à direita (sem outras alterações de relevo). Realizou estudo analítico que demonstrou alterações compatíveis com PNA. Foi internado no serviço de Pediatria do HPH, tendo iniciado terapêutica empírica com amoxicilina + ácido clavulânico, com boa evolução clínica. A urocultura revelou um crescimento superior a 105 UFC/mL de Proteus mirabilis, sensível à antibioterapia instituída. A hemocultura foi negativa. Iniciou profilaxia de ITU após 10 dias de antibioterapia. Durante o internamento foi efectuada ecografia reno-vesical, sendo visível discreta ectasia piélica (7mm), sem outras alterações de relevo. A cintigrafia renal com DMSA mostrou rim esquerdo com dimensões reduzidas, com diminuição moderada da função renal diferencial e defeitos corticais sugestivos de cicatrizes. Realizada CUMS que evidenciou a presença de um divertículo para-ureteral esquerdo (divertículo de Hutch) relativamente volumoso. Foi orientado para a C. Externa de Urologia, tendo apresentado evolução clínica favorável (i.e. sem recorrência de ITU) até a realização de correcção cirúrgica. Conclusão: Os divertículos vesicais congénitos são achados pouco frequentes em crianças sem antecedentes patológicos. Devido à possibilidade de complicações associadas, deve ser ponderado o tratamento cirúrgico para realização de diverticulectomia. HEMATÚRIA MACROSCÓPICA – CASUÍSTICA DE 11 ANOS DO HOSPITAL INFANTE D. PEDRO. Sandra Rebimbas, Gina Rubino, Fátima Ribeiro, Jorge Vaz Duarte, Paula Rocha CHVNGaia/Espinho; HPCoimbra; HIDPedro Introdução e objectivos: A prevalência de hematúria é de 0.5-2.0% nas crianças em idade pré-escolar. Esta condição associa-se habitualmente a investigação extensa, embora a evolução benigna na maioria dos casos dispense a biópsia renal. O objectivo deste trabalho foi analisar os casos de hematúria macroscópica em crianças atendidas no Hospital Infante D. Pedro durante um período de 11 anos. resumo dos posters XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 229 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Material e métodos: Análise retrospectiva dos processos clínicos de crianças com o diagnóstico de hematúria macroscópica no período compreendido entre Janeiro de 1998 e Setembro de 2009. Resultados: Analisaram-se 62 casos de hematúria macroscópica (média 5 casos/ano), 49 casos do sexo masculino (79%). A média de idades foi de 6A11M e a mediana de 5A12M. A proveniência dos doentes foi a seguinte: internamento 77%, Serviço de Urgência 18%; Centro de Saúde 5%. Foram observados na consulta de Pediatria (patologia uronefrológica) 85% dos doentes. Os diagnósticos obtidos foram: Glomerulonefrite (GNF) pós-estreptocócica 23%; desconhecido 22%; infecção do trato urinário (ITU) 10%; nefropatia de IgA 8%; litíase 8%; traumatismo 5%; hematúria familiar benigna 5%; cistite viral 3%; GNF pós-infecciosa 3%; Síndrome de junção 3%; Síndrome hemolítico urémico, púrpura de Henoch-Shönlein, lúpus eritematoso sistémico, GNF rapidamente progressiva, hemofilia A e Síndrome de Nutcracker, 1,6% (1 caso cada). Sete doentes apresentaram hipertensão arterial (5 casos GNF pós-estreptocócica) e 6 doentes proteinúria nefrótica (3 casos GNF pós-estreptocócica), ambas transitórias. Observou-se insuficiência renal aguda (IRA) em 3 doentes. Um doente realizou biópsia renal devido a IRA rapidamente progressiva (GNF proliferativa endo e extra-capilar com crescentes). Dos doentes seguidos na consulta 17% mantiveram hematúria microscópica - nefropatia de IgA (3), etiologia desconhecida (3); hematúria familiar benigna (2); Síndrome de Nutcracker (1). Discussão: Na abordagem da hematúria a história clínica é fundamental. Neste trabalho as principais causas determinadas de hematúria macroscópica foram GNF pós-estreptocócica, ITU, litíase e Nefropatia de IgA. A maioria dos casos resolve sem complicações, contudo, a possibilidade de evolução para insuficiência renal e de doença sistémica subjacente tornam a vigilância fundamental. DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL DE DILATAÇÃO PIELOCALICIAL – CASUÍSTICA DE 10 ANOS DO HOSPITAL INFANTE D. PEDRO Sónia Regina Silva, Gina Rubino, Filipa Rodrigues, Fátima Ribeiro, Jorge Vaz Duarte, Paula Rocha HIDPedro; HPCoimbra Introdução: As malformações nefro-urológicas e em particular a dilatação pielo-calicial (DPC) são as anomalias congénitas mais frequentemente detectadas no período pré-natal. A realização de estudos alargados que avaliem a sua evolução torna-se fundamental para estabelecer protocolos de seguimento adequados. Objectivos: Avaliar a evolução das crianças com diagnóstico pré-natal de DPC e vigiadas na consulta de Pediatria (patologia nefro-urológica) do HIP. Material e métodos: Estudo descritivo retrospectivo, por revisão dos processos clínicos das crianças que apresentavam diagnóstico pré-natal de ectasia piélica (diâmetro antero-posterior do bacinete (DAPB) > 4 mm) na ecografia realizada no 3º trimestre de gestação, nascidas entre Julho de 1999 e Junho de 2009. Foi classificada a DPC fetal e pósnatal em ligeira (4,1-9,9mm), moderada (10-14,9mm) e grave (≥15mm). Resultados: Analisámos um total de 802 crianças, com predomínio do sexo masculino, numa relação de 2,4:1. Apresentavam patologia bilateral 399 fetos. Analisadas 1201 unidades renais (UR) com DPC na ecografia do 3º trimestre, 79,3% das quais ligeiras, 17,8% moderadas e 2,9% graves. Iniciaram profilaxia com trimetoprim 83% dos recém-nascidos (100% das crianças com DPC grave). Das UR com DPC ligeira pré-natal, apresentaram na 1ª ecografia pós-natal DAPB < 4mm 70,1%, DPC ligeira 28,8%,DPC moderada 9 UR e uma UR com 16mm. Das UR com DPC moderada pré-natal, apresentaram na 1ª ecografia pós-natal DAPB < 4mm 60,3%, DPC ligeira 29,4%, DPC moderada 9,3% e duas UR com ≥ 15 mm de DAPB. Das UR com DPC grave pré-natal, apresentaram na 1ª ecografia pós-natal DAPB < 4mm 25,7%, DPC ligeira 31,4%, DPC moderada 25,7% e resumo dos posters S 230 XXI reunião do hospital de crianças maria pia 17,1% com DPC grave. Foram realizados outros exames complementares de diagnóstico para além da ecografia renopélvica em 19,8% das crianças. Em 150 crianças (18,7%) foi efectuada cistoureterografia, evidenciando-se refluxo vesicoureteral em 17,3% destas. Apresentaram pelo menos uma infecção urinária 4,5% das crianças. Necessitaram de cirurgia 23 (2,9%) crianças (8 com DPC ligeira e 4 sem DPC na primeira ecografia pósnatal). A média de seguimento dos doentes com alta (85% da amostra) foi de 14 meses. Comentários: Confirmamos no nosso estudo que a maioria das crianças com DPC pré-natal não apresenta patologia significativa na avaliação pós-natal. Contudo, salientamos a elevada percentagem de crianças com necessidade de cirurgia cuja 1ª ecografia pós-natal revelou DPC ligeira ou ausente, o que reforça a importância de uma vigilância ecográfica seriada. Palavras-chave: dilatação pielocalicial, diagnóstico pré-natal ICTIOSE NEONATAL Alexandre Braga, Carmen Carvalho, Manuela Selores, Márcia Martins S. Neonatologia e S. Dermatologia, CHPorto Introdução: As dermatoses ictiosiformes são um grupo heterogéneo de patologias cutâneas hereditárias, secundárias a anomalias da queratinização. Resultam de diferenciação ou cinética anormal da epiderme. Caracterizam-se clinicamente por descamação em escamas e histologicamente por hiperqueratose. A transmissão pode ser autossómica recessiva, dominante ou ligada ao X. A apresentação clínica pode variar desde situações ligeiras (Ictiose Vulgaris), a situações extremamente graves ou mesmo fatais, como o feto Harlequim. As que têm tipicamente apresentação neonatal são a Ictiose Lamelar (MIM #242300), a Eritroderma Ictiosiforme Congenita (MIM #242100), a Ictiose Harlequin (MIM #242500), todas de transmissão recessiva; a Hiperqueratose Epidermolítica (MIM #113800) de transmissão dominante e a Ictiose ligada ao X (MIM #308100). O NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 turnover epidérmico está sempre aumentado excepto na forma ligada ao X em que é normal. Na maioria dos casos os recém-nascidos apresentam o aspecto de bebé colódio. As complicações associadas, resultantes da perda da função barreira da epiderme, são dificuldade respiratória, infecções cutâneas, sepsis, hipotermia e desequilíbrios hidroeletrolíticos. O tratamento baseia-se no uso de emolientes de modo a manter a hidratação cutânea, queratolíticos e, nos casos mais graves, retinóides orais. Apresentação do doente: Recém-nascido (RN), sexo masculino, com antecedentes familiares de primo direito com suspeita de ictiose. Gravidez normal, vigiada, sem intercorrências, I Gesta/I Para, serologias irrelevantes, ecografias pré-natais normais. Parto eutócico às 36 semanas (s) na Maternidade Júlio Dinis (MJD), com índice Apgar 5/8/9, com necessidade ventilação com insuflador manual. Peso ao nascimento 2990g. Ao exame objectivo apresentava couro cabeludo com zonas de alopécia; pele eritematosa, seca e descamativa, particularmente na face, tronco e raíz das coxas. Aumento do número de pregas cutâneas e da espessura da pele. Foi admitido na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN) por suspeita de ictiose, em incubadora humidificada, tendo iniciado fluidoterapia EV e hidratação com vaselina liquida. Verificada melhoria significativa do aspecto seco e descamativo da pele, tendo tido alta ao 4º dia de vida. A evolução clínica tem sido favorável, com melhoria do quadro clínico, embora com períodos de exacerbações e remissões. A biópsia cutânea revelou “lesões de hiperqueratose muito acentuada e com características que se enquadram no contexto clínico de ictiose”. O doseamento de esteroide sulfatase em fibroblastos foi inconclusivo. Encontra-se em curso o estudo molecular. Discussão: Os autores salientam a importância do diagnóstico e início precoce da terapêutica na redução das complicações associadas. Discutem também a importância da correcta e nem sempre fácil, classificação da ictiose e do estudo molecular, permitindo o aconselhamento genético adequado da família e um DPN específico no futuro. Palavras-chave: ictiose, recémnascido INTERNAMENTOS POR GASTROENTERITE AGUDA: A NOSSA REALIDADE Andreia Lopes, Ângela Dias, Marta Santalha, Marco Pereira, Cláudia Neto, Susana Soares CHAAve, UGuimarães A gastroenterite aguda é uma patologia infecciosa frequente em idade pediátrica, que cursa com uma elevada morbilidade e mortalidade, especialmente em países em vias de desenvolvimento. Os autores procederam à análise retrospectiva dos casos de gastroenterite aguda, internados no serviço de Pediatria do Centro Hospitalar do Alto Ave, Unidade de Guimarães, durante um período de 12 meses (de 1 de Novembro de 2008 a 31 de Outubro de 2009), com o objectivo de avaliar a etiologia, o tempo de internamento e as complicações desta patologia, bem como avaliar o grau de adesão à vacinação contra o rotavírus nesta população. Foram analisados 145 casos, 68 (46,9%) do sexo masculino e 77 (53,1%) do sexo feminino. A mediana de idades foi 2,4 anos (mínimo 1 mês, máximo 17,7 anos), ocorrendo 31% dos casos abaixo de um ano de idade e 75,8% abaixo dos 6 anos. O número de casos/mês variou entre 8 e 16. O agente etiológico mais frequente foi o rotavírus (16 casos – 44,4%), seguido da Salmonella (15 casos – 41,7%). O adenovírus foi identificado em 1 caso (2,8%). Em 4 casos foi identificado mais do que um agente (11,1%). Em 36 casos (26,2%) não foi encontrada a etiologia e em 71 (49%) não foi pesquisado o agente etiológico. As complicações mais frequentemente encontradas foram a desidratação isonatrémica (73 casos - 50,3%), seguida da hipocaliemia (19 casos – 13,1%). A desidratação hipernatrémica ocorreu em 3 casos (2,1%) e a desidratação hiponatrémica em 2 (1,4%). Apenas 8 casos (5,5%) tinham realizado vacinação anti-rotavírus. O tempo mediano de internamento foi 2 dias (mínimo <1 dia, máximo 11 dias). Foi encontrada associação estatisticamente significativa entre o agente etiológico e a idade (Fischer’s exact test - p < 0,001), predominando a infecção por rotavírus no primeiro ano de idade e a infecção por Salmonella acima desta idade. Embora os casos fatais não sejam frequentes na nossa população, a gastroenterite aguda continua a ser responsável por um número elevado de internamentos, num serviço de Pediatria. A taxa de adesão à vacinação anti-rotavírus ainda é baixa na nossa população, provavelmente devido a falta de informação parental acerca da sua importância, associada ao elevado custo da vacina. A vacinação em massa assim como a informação da população acerca da prevenção/tratamento dos distúrbios hidroelectrolíticos, nomeadamente com soluções de reidratação oral, pode diminuir os internamentos e, subsequentemente, os custos inerentes a esta patologia. HIPERGLICINEMIA NÃO CETÓTICA NEONATAL: IMPLICAÇÕES DE UM DIAGNÓSTICO Luísa Neiva Araújo, Cármen Carvalho, Ana M. Alexandrino, Dulce Quelhas, Artur Alegria UCIN, CHPorto, UMJDinis; CGMJMagalhães, INSA Introdução: A hiperglicinemia não cetótica ou encefalopatia da glicina é uma doença neurometabólica autossómica recessiva, causada pela disfunção enzimática de clivagem da glicina. Embora rara, a variante neonatal é a mais frequente e com pior prognóstico, dada a sua evolução rápida e desfecho habitualmente fatal. A qualidade de vida dos sobreviventes é dramática, com atraso mental profundo, epilepsia refractária e sobrevida muito reduzida. Apesar de não ter tratamento específico, a investigação etiológica é fundamental pelas implicações no prognóstico e no aconselhamento genético à família. Caso clínico: Recém-nascido do sexo feminino, fruto de gravidez de termo, vigiada e sem complicações. Segundo filho de pais jovens, saudáveis e não con- resumo dos posters XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 231 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 sanguíneos. Irmã saudável. Parto às 39 semanas, com índice de Apgar 9/10 aos 1º e 5º minutos. Exame normal ao nascimento, excepto pequena fenda do palato posterior. Nas primeiras horas de vida desenvolveu quadro de letargia, soluços e hipotonia generalizada, com agravamento rapidamente progressivo. Analiticamente, o rastreio séptico foi negativo e a gasimetria normal. O estudo metabólico revelou hiperglicinemia, com relação glicina liquor / sérica aumentada. Com o diagnóstico de hiperglicinemia não-cetótica, os pais foram informados sobre o estado clínico do doente e sobre o prognóstico desfavorável e manifestaram convictamente o desejo de que fossem evitadas medidas de suporte avançado de vida. Assim, verificou-se o esperado agravamento progressivo do quadro clínico, com coma e instabilidade cárdio-respiratória, vindo o recém-nascido a falecer acarinhado ao colo dos pais, no 5º dia. O estudo enzimático em biópsias de fígado e de pele viria a confirmar o diagnóstico. Comentário: Apesar da sua raridade, o diagnóstico de doença metabólica deve ser considerado no esclarecimento de um quadro de hipotonia neonatal. Desta forma, é possível estabelecer um diagnóstico e, perante evolução e prognóstico muito desfavoráveis, permitir oportunamente decisões em equipa e em conformidade com os pais, com vista a minorar o sofrimento e a estabelecer medidas de conforto ao recém-nascido em estado terminal. Palavras-chave: Hiperglicinemia não cetótica, recém-nascido, fim de vida. DOENÇA DE WILSON DIAGNÓSTICO DE CASO ÍNDICE EM CRIANÇA DE 3 ANOS Arnaldo Cerqueira, Sandra Costa, Íris Maia, Henedina Antunes S. Pediatria, HBraga; ICVSaúde, ECSUMinho Introdução: A doença de Wilson (DW) é uma doença hereditária rara do metabolismo do cobre de transmissão autossómica recessiva. A mutação localiza-se no cromossoma 13. Crianças com idade inferior aos 5 anos raramente apresentam sintomas da doença*. Menino de 3 anos referenciado pelo médico assistente a consulta de Pediatria, em Março de 2009 por adenomegalias cervicais bilaterais desde o primeiro ano de vida. Antecedentes familiares: paramiloidose na família materna. Antecedentes pessoais: crescimento estaturo-ponderal P75-90. O estudo efectuado revelou citólise hepática. A repetição dos exames passado 3 meses mantinha elevação das transaminases (TGO- 151U/l, TGP- 437 U/l), GGT- 163 U/l pelo que foi referenciado à Gastrenterologia Pediátrica em 16 de Junho de 2009. Ceruloplasmina < 2 mg/dl no soro em que mostrava TGP=437 U/l. Ao exame objectivo à palpação abdominal apresentava fígado com aumento da consistência; e o baço não era palpável. Sugerindo o diagnóstico de hepatite crónica pela consistência do fígado e provavelmente por Doença de Wilson. Foi marcado hospital de dia para realização de biopsia hepática no dia seguinte e iniciou colheita de urina de 24h para doseamento do cobre. Foi pedido à mãe os exames complementares de diagnóstico que mostram resultados de TGP elevada em Dezembro de 2008 confirmando hepatite crónica. A biópsia hepática foi compatível com Doença de Wilson, com cobre hepático de 1098 ug/ml de fígado seco e doseamento de cobre na urina 24h = 46,4 ug/24h. Inicia tratamento a 18/6/2009 com penicilamina com aumento progressivo, (actualmente 22 mg/Kg/dia) restrição dietética do cobre e piridoxina. Verificou-se diminuição das transaminases em análise de controlo. Tem ainda deficiência de alfa1- antitripsina, fenótipo PiMS e ANA positivos 1/160 com anticorpo anti LKM e anti músculo liso negativos. Conclusões: Esta entidade é pouco frequente na idade pediátrica, mas fatal se não reconhecida e tratada. O doente mais jovem com doença hepática publicado tinha 4 anos*. A Doença de Wilson como diagnóstico diferencial de hepatite crónica antes dos 3 anos de idade é muito rara mas apresentamos este caso para alertar para esta possibilidade. A consistência do fígado é fundamental na avaliação da criança com transaminases elevadas dado que a consis- resumo dos posters S 232 XXI reunião do hospital de crianças maria pia tência aumentada obrigará a excluir mais rapidamente duas causas tratáveis de cirrose em pediatria, Doença de Wilson e Hepatite Auto-Imune. Palavras chave: Doença de Wilson, hepatite crónica, biopsia hepática * Liver Disease in Children. Ed.s Suchy F, Sokol R, Balistreri W PREVALÊNCIA DA OBESIDADE NAS CRIANÇAS DO VALE DE SOUSA Ana Lopes Rodrigues; Christophe Sobrinho Couto; Cília Augusta Pires Nogueira; Marília Azevedo; Sabrina Pedone CSBaião, USEiriz; CSPRebordosa, USFSobreira; CSAmarante; CSBaião, Sede; USFSobreira Introdução: Segundo a OMS, a obesidade tornou-se um dos grandes problemas de Saúde Pública tendo mesmo sido já catalogada como a Pandemia do Século XXI. É tão mais importante, quando atinge um grupo de indivíduos em idades mais precoces, já que poderá acarretar graves problemas de saúde na vida adulta. De acordo com um estudo recente realizado em Portugal, a prevalência entre as crianças com idades compreendidas entre os 7 e 9 anos atinge um valor de 11,3%, aspecto deveras relevante na área da Saúde Pública. Objectivos: Determinar a prevalência da obesidade nas crianças com idade compreendida entre os 5 e os 13 anos e analisar a associação com a idade, sexo, hábitos alimentares e actividade física. Material e Métodos: É um estudo observacional transversal analítico (descritivo com componente analítico), com uma amostra de 620 crianças a frequentar o 1º Ciclo nas Escolas EB1 dos Concelhos de Amarante, Baião e Paredes, seleccionadas de forma aleatória por etapas múltiplas. A obesidade será definida através de IMC (Índice de Massa Corporal) acima do percentil 95 ajustado à idade e sexo, sendo os dados recolhidos por medição directa do peso e altura. Para definir hábitos alimentares e actividade física aplicaram-se dois questionários validados, por entrevista pessoal. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Os dados recolhidos foram codificados e registados em base informática de dados (SPSS 15). Resultados: A prevalência de Obesidade é de 18%. A amostra é constituída por 82 crianças obesas (♀= 41,5%; ♂= 62,5%). A idade média foi de 7,84 anos. IMC normal em 59,5%, e Excesso de peso em 21,9%. A prevalência de hipertensão (HTA) é de 55,6%. Das crianças Obesas 70,7% têm HTA, 8,5% Normal Alta e 20,8% Normal. Relativamente aos hábitos alimentares, 85,4% das crianças obesas tem uma alimentação desadequada, 8,5% totalmente desadequada e 6,1% tem alimentação adequada. Quanto aos hábitos de exercício físico, 48,8% tem maus hábitos, 39,0% hábitos moderados e 12,2% bons hábitos. Conclusões: É fundamental encetar esforços no sentido de ensinar bons hábitos alimentares e de educação física, de forma a evitar o culminar desta Pandemia e todos os problemas de Saúde Pública que daí advêm, desde HTA, Diabetes Mellitus Tipo 2, AVC (Acidentes Vascular Cerebral), Dislipidemia, Patologia Respiratória, entre outras. Os profissionais de saúde que contactam com a Saúde Infantil deverão cada vez mais investir nesta área. Palavras-chave: Obesidade na criança, prevalência, hábitos alimentares, actividade física, questionário, Índice de Massa Corporal. SÍNCOPE VASOVAGAL, DIAGNÓSTICO DE EXCLUSÃO – CASO CLÍNICO Gina Rubino, Fátima Ribeiro, Sónia Regina Silva, Elsa Godinho, José Santos, José Roseta HPCoimbra; HIDPedro; CSEstarreja Introdução: A síncope vasovagal, ou síncope neurocardiogénica, constitui uma causa frequente de síncope. Na ausência de história clínica e estímulos clássicos, a exclusão de outras causas e uma prova de Tilt positiva permitem realizar o seu diagnóstico. Descrição do caso: Rapariga de 13A, sem antecedentes pessoais ou fa- miliares de relevo, com episódios com 4 meses de evolução caracterizados por cefaleias bitemporais, tonturas e síncope com duração de 1-3 segundos. Os episódios ocorriam quase exclusivamente em repouso, sendo referida sonolência e sensação de dispneia posteriores. Sem movimentos anómalos dos membros, cianose, incontinência de esfíncteres, pré-cordialgia, náuseas ou vómitos. Realizou investigação através de médico particular, da qual se destaca EEG e TC-CE normais. Foi medicada com hidantina. Ao exame objectivo apresentava períodos de bradicardia não sintomática em repouso (FC 55bpm), sem outras alterações ao exame cardio-vascular. TA adequada à idade, sexo e estatura. Exame neurológico normal. No HIP prosseguiu investigação, destacando-se ECG, ecocardiograma, Holter e RMN cerebral sem alterações. Teste de Tilt – síncope vaso-vagal induzida após provocação farmacológica com nifedipina (hipotensão - TA mínima 56/19mmHg, bradicardia e pausa de 4690 milisegundos). Teve alta com o dignóstico de síncope vasovagal e indicações sobre medidas preventivas e de suporte. Comentário: Este caso ilustra uma apresentação não clássica de síncope vasovagal, sendo fundamental a exclusão das principais causas de síncope. É importante uma correcta interpretação dos exames auxiliares de diagnóstico, uma vez que se trata de uma situação benigna, sem necessidade de tratamento farmacológico na maioria dos casos. ENCEFALOMIELITE AGUDA DISSEMINADA: REVISÃO DOS ÚLTIMOS 10 ANOS Joana Amorim, Laura Marques, Lurdes Morais, Manuela Santos, Inês Carrilho, Rui Chorão, Clara Barbot, Virgílio Senra S. Pediatria e S. Neuropediatria, CHPorto, UHMPia Introdução: A Encefalomielite aguda disseminada (ADEM) é uma doença desmielinizante do Sistema Nervoso Central, monofásica, rara (incidência 0.8: 100 000 indivíduos), imuno-mediada que geralmente surge após infecções víricas, bacterianas ou certos tipos de vacinação. As manifestações clínicas iniciais são inespecíficas, tais como, febre, cefaleias, vómitos e anorexia, a que se seguem manifestações neurológicas, tais como, convulsões, défices focais e do estado de consciência e vigília. Não existem alterações patognomónicas nos exames laboratoriais, podendo o LCR revelar pleocitose linfocítica e ligeiro aumento das proteínas. A RMN é um exame complementar de diagnóstico importante, revelando lesões multifocais compatíveis com edema, inflamação e desmielinização. As opções terapêuticas consistem em terapêutica anti-inflamatória (corticoterapia em altas doses) e agentes imunossupressores (Imunoglobulina humana endovenosa). Cerca de 60-70% das crianças recuperam completamente após 6 meses, sendo a taxa de mortalidade de 5%. Objectivo: Efectuar uma revisão dos casos de ADEM internados no Hospital Maria Pia nos últimos 10 anos. Métodos: Análise retrospectiva dos processos clínicos de crianças com diagnóstico de ADEM, internadas no Hospital Maria Pia, no período de Janeiro de 1999 a Setembro de 2009, tendo sido analisadas as seguintes variáveis: sexo, idade do diagnóstico, manifestações clínicas, exames complementares de diagnóstico efectuados, tratamento e evolução. Resultados: Nos últimos 10 anos estiveram internadas no HM Pia com diagnóstico de ADEM 6 crianças (3 do sexo feminino e 3 do sexo masculino), com mediana de idade de apresentação de 8 anos (mínimo 16 meses e máxima 13 anos). Em 67% dos casos a ADEM foi precedida por um quadro infeccioso prévio, tendo as manifestações clínicas sido muito variáveis, com manifestações encefálicas e medulares em 4 doentes, encefálicas em 1 e medulares em outro doente. Foi realizada RMN encefálica e medular em todos os casos que revelou hipersinal na ponderação T2 sugestivas de lesões desmielinizantes. Num dos casos isolou-se o vírus Herpes 6 no LCR, em outro dos casos verificou-se serologias positivas (IgM) para o vírus Herpes 2, e nos restantes nenhuma etiologia foi iden- resumo dos posters XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 233 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 tificada. Cinco crianças foram tratadas com corticoterapia ev, sendo que em dois deles se efectuou ainda terapêutica com Imunoglobulina Humana ev. Em todos os casos a evolução foi favorável, embora em 50% ainda se verifiquem algumas sequelas da doença. Conclusões: Com esta revisão os autores pretendem alertar para as diferentes formas de apresentação que esta entidade clínica pode ter. Salienta-se ainda o facto de em dois dos casos se ter encontrado a possível etiologia (vírus Herpes). De referir que a evolução foi favorável em todos os doentes, contudo mantém-se a questão relativamente à evolução em alguns casos para esclerose múltipla. CRISES CONVULSIVAS COMO FORMA DE APRESENTAÇAO PRECOCE DO DÉFICE DE BIOTINIDASE. Teresa Andrade, Ana Rita Araújo, Virgínia Sampaio, Filipa Miranda, Sónia Figueiroa, Esmeralda Martins, Dulce Quelhas, Teresa Bernardo S. Pediatria, ULSAMinho; S. Pediatria, CHPorto, HGSAntónio; S. Pediatria, CHPorto, UHMPia; CGMJMagalhães, INSRJorge Introdução: O défice de biotinidase é um erro inato do metabolismo, com carácter autossómico recessivo, correspondente à forma tardia de deficiência múltipla de carboxilases, por défice de biotinidase. A doença causada pela ausência completa ou parcial da enzima está associada a um espectro variado de manifestações clínicas, incluindo alterações neurológicas, dermatológicas, imunlógicas e oftalmológicas. Caso clínico: Os autores apresentam o caso clínico de uma lactente de 2,5 meses, sem antecedentes patológicos relevantes, internada por quadro de crises tónico-clónicas generalizadas, repetidas mas de curta duração. Exame objectivo na admissão sem alterações, nomeadamente cutâneas, oftalmológicas ou neurológicas. Rastreio de surdez neonatal sem alterações e desenvolvimento psicomotor adequado à idade. Hemograma, estudo bioquímico sumário e gasimetria venosa sem alterações. Ecografia transfontanelar normal. O quadro convulsivo não cedeu à terapêutica com fenobarbital nem à associação com valproato de sódio. A pH metria excluiu refluxo gastroesofágico patológico. O video-Electroencefalograma mostrou actividade eléctrica cerebral normal. As alterações encontradas no estudo metabólico sugeriram o diagnóstico de défice de biotinidase, posterirmente confirmado com o estudo da actividade enzimática. Iniciou terapêutica com biotina com regressão completa das crises convulsivas. Comentário: O Défice de Biotinidase, apesar de ser uma doença rara, implica detecção precoce na medida em que o atraso do diagnóstico e mesmo do inicio da terapêutica pode condicionar o aparecimento de sequelas, algumas delas irreversíveis, como as auditivas e visuais. PROLACTINOMA – A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO Mariana Pinto, J. Silva, Isabel Ribeiro, Fátima Borges, Sónia Aires S. Pediatria/Neonatologia, CHEDVouga, HSSebastião; CSRomariz; CHPorto, HGSAntónio Introdução: O Prolactinoma, apesar de ser uma patologia rara em idade pediátrica, é o adenoma hipofisário mais frequente, especialmente nos adolescentes do sexo feminino. Os sintomas de apresentação mais comuns são as cefaleias, amenorreia e galactorreia, podendo ocorrer em alguns casos alterações visuais. Caso clínico: Adolescente de 16 anos, sexo feminino, previamente saudável, é referenciada à Consulta Externa de Pediatria em Março de 2009, pelo Médico de Família, por cefaleias fronto-temporais de intensidade progressiva com cerca de 6 meses de evolução. Simultaneamente, referência a amenorreia durante 7 meses. Sem alterações visuais. Sem galactorreia. Exame objectivo irrelevante, encontrando-se no estadio Tanner V. Deste modo realizou estudo analítico que revelou aumento dos níveis de prolactina em duas amostras seriadas (217.44 ng/mL; 232 ng/mL). Denota-se níveis de testos- resumo dos posters S 234 XXI reunião do hospital de crianças maria pia terona, estradiol, FSH, LH, TSH, T3 e T4 livres dentro dos limites da normalidade. No decurso da investigação realizou TAC da hipófise cujo resultado foi sugestivo de um adenoma da hipófise, tendo sido posteriormente confirmado através da Ressonância Magnética respectiva. Iniciou terapêutica com Cabergolina, agonista da dopamina, apresentando melhoria franca do quadro clínico, com redução dos níveis séricos de prolactina. Discussão: O diagnóstico de Prolactinoma baseia-se não só em evidências imagiológicas de adenoma hipofisário, como também de hiperprolactinemia sustentada, após exclusão de outras causas secundárias de prolactina elevada. Contudo, a presença de um único valor de prolactina sérica >200 ng/mL, por si só, é sugestivo de Prolactinoma. Os agonistas dopaminérgicos são os fármacos de eleição no tratamento desta patologia, em idade pediátrica, devido à sua eficácia, segurança e boa tolerância, em detrimento do tratamento cirúrgico. CRESCER EM SEGURANÇA: INQUÉRITO AOS PAIS NUMA CONSULTA DE CUIDADOS PRIMÁRIOS DE PEDIATRIA Maria João Sampaio, Clara Alves Pereira, Ruben Rocha, Isabel Liberal CSCampanhã Introdução: Os acidentes constituem a primeira causa de morte em idade pediátrica. A prevenção é a única medida eficaz no seu combate, e os profissionais de saúde desempenham um papel fundamental na sensibilização dos pais e cuidadores para a segurança infantil. Objectivos: Avaliar o conhecimento dos pais/cuidadores acerca de algumas regras básicas e condutas seguras com as crianças. Fornecer informação relevante, verbal e escrita (folheto informativo), nomeadamente esclarecimentos acerca dos riscos de acidentes e medidas de segurança a implementar no quotidiano das familias com crianças pequenas. Material e métodos. A população-alvo foram os pais de crianças até aos 2 anos de idade seguidas em con- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 sulta de Pediatria no Centro de Saúde de Campanhã, Porto. Durante 3 meses foi aplicado um questionário aos cuidadores, para colheita dos seguintes dados: idade, escolaridade e profissão dos pais, classe social de Graffar, posicionamento no leito durante o sono, sistema de retenção utilizado no automóvel e sua posição em relação à marcha do veículo; uso de andarilho; caracterização de acidentes anteriores; fontes de informação sobre segurança infantil. Resultados: Foram aplicados 109 questionários. A idade média materna foi de 27 anos e a paterna de 30 anos. A escolaridade média foi de 8 anos; 7,3% das mães e 4,9% dos pais frequentaram ou tinham concluído o ensino superior. A maioria das famílias pertencia às classes IV (45%) e classe III (34,9%) de Graffar. O decúbito dorsal foi considerada a posição ideal de deitar a criança por 40,4% dos inquiridos, enquanto 57,8% afirmaram ser o decúbito lateral. Usavam habitualmente sistema de retenção no automóvel desde o nascimento 95,4% dos inquiridos. Destes, 86,5% transportavam a criança voltada para a traseira do automóvel. Quando questionados acerca da segurança do uso de andarilho, 30,3% dos inquiridos considerou o seu uso seguro, 67% afirnou não ser aconselhado, e 2,8% afirmou não saber. Em 15 casos (13,8%) havia história prévia de acidente: 14 de queda e 1 queimadura. Em 13 casos a criança estava supervisionada. As principais fontes de informação sobre segurança infantil foram as revistas e livros (47,7%), seguidos dos profissionais de saúde (29,3%); 15,6% dos inquiridos revelou não procurar informação sobre segurança infantil. Discussão: Verificou-se, no transporte automóvel da criança, a aplicação de práticas seguras, o que contrasta com o desconhecimento da posição correcta de deitar a criança e dos riscos do uso de andarilho. As campanhas de segurança rodoviária, com a aplicação de coimas, serão uma explicação para a maior utilização de sistemas de retenção automóvel. Tería interesse esclarecer outras causas para estas assimetrias, nomeadamente avaliar a forma como a informação tem sido transmitida aos cuidadores, para que seja possível uma maior eficácia na prevenção. O desconhecimento de condutas seguras em aspectos chave como o posicionamento no leito, o uso de andarilho, e o número ainda elevado de acidentes, potencialmente preveníveis, reforça a ideia de que muito está por fazer no nosso país, apesar da maior divulgação da informação. NEOPLASIA DO OVÁRIO EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES Mónica Tavares, Nisa Sobral, Joana Pinto, Augusta Pinto, Cristina Rocha S. Pediatria, S. Ginecologia Obstetrícia, CHEDVouga, HSSebastião Introdução: As neoplasias do ovário constituem cerca de 1% de todos os tumores em crianças e adolescentes. Menos de 5% da patologia maligna do ovário ocorre neste grupo, sendo que a maioria são fisiológicas ou benignas. No entanto, cerca de 35% das neoplasias do ovário que ocorrem nesta faixa etária são malignas. Um diagnóstico tardio desta patologia é comum na adolescência e principalmente em crianças pré púberes. Objectivos: Avaliar o grupo de crianças e adolescentes com neoplasia do ovário nos anos entre 2004 a 2009, nomeadamente no que diz respeito à clínica e aos achados imagiológicos. Material e métodos: Revisão dos processos clínicos das crianças e adolescentes <18 anos, com o diagnóstico de neoplasia do ovário. Foram excluídos os cistos simples e fisiológicos. Resultados: Foram revistos 9 processos de crianças e adolescentes com idades entre os 9 e os 17 anos (mediana de 14 anos); 3 crianças eram pré-púberes. Os antecedentes familiares eram irrelevantes. Dos antecedentes pessoais a destacar 2 casos de dismenorreia, 2 de irregularidades menstruais e um caso de ooforectomia anterior por torção do ovário. Quanto à sintomatologia de referir que em 6 casos o motivo de urgência/ referenciação foi dor abdominal, um caso de dismenorreia e um de metrorragia. Ao exame objectivo apresentavam dor à palpação referida à fossa ilíaca, e o to- que rectal, quando realizado, revelou na maioria das vezes a patologia em causa. A ecografia abdominal permitiu definir a massa havendo necessidade de realizar tomografia computorizada em 6 e ressonância magnética em 2, para esclarecimento dos achados. Duas das crianças pré-púberes foram transferidas para o IPO - Porto, tendo sido submetidas a ooforectomia e excisão da massa tumoral. As restantes foram tratadas no CHEDV-HSS com necessidade de ooforectomia em dois casos. As restantes cinco foram submetidas a tumorectomia, com preservação do anexo, na maioria dos casos por laparotomia. Do exame anatomo-patológico temos 4 teratomas císticos maduros do ovário, 2 cistoadenofibromas e um teratoma maduro do ovário; os dois casos submetidos a cirurgia no IPO são descritos como tumores benignos do ovário. De destacar que a criança com o teratoma maduro do ovário teve que ser submetida a quimioterapia adjuvante. Discussão: Embora seja uma patologia pouco frequente, verificámos uma incidência de 2 casos por ano no CHEDV-HSS. De realçar que a sintomatologia é pouco expressiva, principalmente em crianças pré-púberes, nas quais a queixa mais frequente foi a dor abdominal. Apenas um elevado índice de suspeição nos levará a colocar este diagnóstico numa criança com dor abdominal, pelo que destacamos a importância do toque rectal no diagnóstico desta patologia QUANDO A ALOPÉCIA PERSISTE – CASO CLÍNICO Gina Rubino, Daniela Pio, Margarida Martins, Sónia Regina Silva, Paula Rocha HPCoimbra; HIDPedro Introdução: A alopécia é uma situação rara em Pediatria, sendo em 90-95% dos casos secundária a infecção por Tinea capitis, alopecia areata, trauma ou eflúvios telogénicos. As principais causas deste último tipo de alopécia são o stress emocional, fármacos como o valproato de sódio e contraceptivos orais, patologia tiroideia e défices nutricionais. resumo dos posters XXI reunião do hospital de crianças maria pia S 235 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 Descrição do caso: Rapariga de 13A com múltiplas vindas ao SU por alopécia com 2 meses de evolução. Associadamente apresentava anorexia e emagrecimento de 4Kg no período de um mês, referindo ainda “tristeza”. Antecedentes pessoais: epilepsia diagnosticada há 7 meses, medicada com valproato de sódio. Obstipação não recente, medicada com lactulose. Caso social grave. Pediculose recente grave. Aos 12A suspeita de gravidez, com substituição de implante hormonal por contraceptivo oral há 3 semanas. Ao exame objectivo apresentava facies triste. Cabelo e sobrancelhas dispersamente raros. IMC P90-95. Tiróide não palpável. Da investigação realizada destacase TSH de 12,13μUI/mL e T4L de 0,59ng/ dL. Nível de ácido valproico no intervalo terapêutico. Iniciou terapêutica com levotiroxina e foi orientada para a consulta de Endocrinologia, aguardando ecografia tiroideia. Comentário: Os autores apresentam este caso clínico pelo desafio diagnóstico que constituiu devido aos múltiplos factores presentes potencialmente envolvidos na etiologia da alopécia. No entanto, a presença de sinais e sintomas como a tristeza, alterações do apetite e obstipação direccionaram a investigação para a patologia tiroideia, confirmando-se laboratorialmente um hipotiroidismo. AVALIAÇÃO COGNITIVA E RASTREIO OFTALMOLÓGICO EM CRIANÇAS ENTRE 42 E 49 MESES DE IDADE. Teresa Andrade, Patrícia Nascimento, Alexandre Braga, Filipa Miranda, Fátima Pinto S. Pediatria, ULSAMinho; S. Pediatria, CHPorto , UHMPia; CSCarvalhosa/FozDouro Introdução: Os testes de inteligência classificam as competência cognitivas em valores numéricos. Um dos instrumentos não verbais mais utilizados para avaliação cognitiva e do desenvolvimento infantil tem sido o Desenho da Figura Humana (DFH), com diferentes formas de pontuação. O Teste do DFH de Goodenough (TDFHG) é um teste de inteligência não verbal internacionalmente usado em crianças dos 3 anos e 6 meses aos 13 anos. O objectivo do estudo foi realizar a avaliação cognitiva em crianças com 42 a 49 meses de idade e sua relação com o rastreio oftalmológico. Métodos: Estudo transversal realizado em infantários do concelho do Porto, escolhidos aleatoriamente, na área abrangida pelo Centro de Saúde da Carvalhosa e Foz do Douro, entre Setembro e Dezembro de 2008. A amostra compreendeu crianças com idade entre 42 e 49 meses. A avaliação cognitiva foi efectuada mediante a aplicação do Teste do DFH de Goodenough e o teste de desenvolvimento psicomotor (DPM) de Brunet-Lezine, com cálculo da Idade de Desenvolvimento (ID) e Quociente de Desenvolvimento (QD). Foi ainda reali- resumo dos posters S 236 XXI reunião do hospital de crianças maria pia zado rastreio oftalmológico e comparado com a avaliação cognitiva. O tratamento estatístico dos dados foi realizado em SPSS 18, com recurso ao teste do χ2; considerou-se uma relação estatísticamente significativa quando p< 0,05. Resultados: Das 75 crianças a quem foi aplicado o TDHFG, 4 (5,3%) foram excluidas por desenho sem tema identificável. Na amostra final de 71 crianças, observou-se predomínio do sexo masculino (53%) e mediana de idades de 44 meses. A maioria das crianças obteve resultado Médio (61%), 14% Médio Inferior, 11% Médio Superior, 10% Muito Superior e 3% Superior. A avaliação do DPM mediante a aplicação do Teste de Brunet-Lezine (TBL) mostrou 79% das crianças com QD Global acima da média e 21% na média. Cerca de 79% das crianças com TFHG na média obtiveram um TBL acima da média, enquanto que as 11 crianças com TFHG abaixo da média, se repartiram igualmente abaixo e acima da média no TBL (p<0,05). Cerca de 65 % das crianças tiveram um rastreio oftalmlógico normal, não tendo sido encontrada relação estatísticamente significativa com a avaliação cognitiva. Comentário: O TFHG é um teste de avaliação cognitiva não verbal que se mostrou, tal como se previa, de fácil aplicação, mesmo para a faixa etária deste estudo. A presença de cerca de 15% das crianças com avaliação cognitiva abaixo da média coloca a questão da necessidade de estimulação da criança através de actividades lúdicas. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 INSTRUÇÕES AOS AUTORES A Revista NASCER E CRESCER dirige-se a todos os profissionais de saúde com interesse na área da Saúde Materno Infantil e publica artigos científicos relacionados com a Pediatria, Perinatologia, Saúde Mental da Infância e Adolescência, Bioética e Gestão Hospitalar. Os Editoriais, os artigos de Homenagem e artigos de âmbito cultural são publicados a pedido da Direcção da Revista. A revista publica artigos originais, de revisão, casos clínicos e artigos de opinião. Os artigos propostos não podem ter sido objecto de qualquer outro tipo de publicação. As opiniões expressas são da inteira responsabilidade dos autores. Os artigos publicados ficarão de inteira propriedade da Revista e não poderão ser reproduzidos, no todo ou em parte, sem prévia autorização dos editores. Manuscrito: Os trabalhos devem ser enviados à Direcção da Revista Nascer e Crescer – Hospital Crianças Maria Pia – Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto, ou endereçados a [email protected] ou secretariado.cg.defi@hgsa.min-saude.pt, como documento anexo em qualquer versão actual de Microsoft Word, acompanhados da declaração de autoria. Todos os elementos do trabalho, incluindo a iconografia, se remetidos por correio, devem ser enviados em formato electrónico. Os artigos deverão ser redigidos conforme as normas abaixo indicadas e cabe ao Editor a responsabilidade de os: - aceitar sem modificações, - aceitar após alterações propostas, - ou rejeitar, com base no parecer de pelo menos dois revisores que os analisarão de forma anónima. Os pareceres dos peritos e os motivos de recusa serão sempre comunicados aos autores. Consentimento informado e aprovação pela Comissão de Ética: É da responsabilidade dos autores garantir que são respeitados os princípios éticos e deontológicos, bem como, a legislação e as normas aplicáveis, conforme recomendado na Declaração de Helsínquia. Nos estudos experimentais, é obrigatório que os autores mencionem a existência e aplicação de consentimento informado dos participantes, assim como a aprovação do protocolo pela Comissão de Ética. Deve constar declaração de conflito de interesses ou financiamento. NORMAS DE PUBLICAÇÃO A Revista Nascer e Crescer subscreve os requisitos para apresentação de manuscritos a revistas biomédicas elaboradas pela Comissão Internacional de Editores de Revistas Médicas (Uniform Requirements for Manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje.org. Updated October 2008). Todos os elementos do trabalho incluindo a iconografia, devem ser enviados em suporte electrónico. O trabalho deve ser apresentado na seguinte ordem: 1- Título em português e em inglês; 2- Autores; 3- Resumo em português e inglês. Palavras-chave e Key-words; 4- Texto; 5- Bibliografia; 6- Legendas; 7- Figuras; 8- Quadros; 9- Agradecimentos e esclarecimentos. As páginas devem ser numeradas segundo a sequência referida atrás. No caso de haver segunda versão do trabalho, este deve também ser enviado em formato electrónico. Títulos e autores: Escrito na primeira página, em português e em inglês, o título deve ser o mais conciso e explícito possível. A indicação dos autores deve ser feita pelo nome clínico ou com a(s) inicial(ais) do(s) primeiro(s) nome(s), seguida do apelido e devem constar os títulos ou cargos de todos os autores, bem como as afiliações profissionais. No fundo da página devem constar os organismos, departamentos ou serviços hospitalares ou outros em que os autores exercem a sua actividade, o centro onde o trabalho foi executado, os contactos do autor responsável pela correspondência (endereço postal, endereço electrónico e telefone). Resumo e palavras-chave: O resumo deverá ser redigido na língua utilizada no texto e sempre em português e em inglês. No que respeita aos artigos originais deverá compreender no máximo 250 palavras e ser elaborado segundo o seguinte formato: Introdução, Objectivos, Material e Métodos, Resultados e Conclusões. Os artigos de revisão devem ser estruturados da seguinte forma: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Relativamente aos casos clínicos, não deve exceder 150 palavras e deve ser estruturado em Introdução, Caso Clínico e Discussão/ Conclusões. Abaixo do resumo deverá constar uma lista de três a dez palavras-chave, em Português e Inglês, por ordem alfabética, que servirão de base à indexação do artigo. Os termos devem estar em concordância com o Medical Subject Headings (MeSH). Texto: O texto poderá ser apresentado em português, inglês, francês ou espanhol. Os artigos originais devem ser elaborados com a seguinte organização: Introdução; Material e Métodos; Resultados; Discussão e Conclusões. Os artigos de revisão devem obedecer à seguinte estrutura: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Os casos clínicos devem ser exemplares, devidamente estudados e discutidos e conter uma breve introdução, a descrição do(s) caso(s) e uma discussão sucinta que incluirá uma conclusão sumária. As abreviaturas utilizadas devem ser objecto de especificação anterior. Não se aceitam abreviaturas nos títulos dos trabalhos. Os parâmetros ou valores medidos devem ser expressos em unidades internacionais (SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), utilizando para tal as respectivas abreviaturas adoptadas em Portugal. Os números de 1 a 10 devem ser escritos por extenso, excepto quando têm decimais ou se usam para unidades de medida. Números superiores a 10 são escritos em algarismos árabes, excepto se no início da frase. Bibliografia: As referências devem ser classificadas e numeradas por ordem de entrada no texto, com algarismos árabes. Os números devem seguir a ordem do texto, e ser colocados superiores à linha. Serão no máximo 40 para artigos originais e 15 para casos clínicos. Os autores devem verificar se todas as referências estão conformes aos Uniform Requirements for Manuscript submitted to biomedical journals (www.nlm.nih. gov/bsd/uniform_requirements.html) e se utilizam os nomes abreviados das publicações adoptadas pelo Índex Medicus. Os autores devem consultar a página NLM’s Citing Medicine relativamente às recomendações de formato para os vários tipos de referência. Seguem-se alguns exemplos: a) Revistas: listar os primeiros seis autores, seguidos de et al se ultrapassar 6, título do artigo, nome da revista (utilizar as abreviaturas do Index Medicus), ano, volume e páginas. Ex.: Haque KN, Zaidi MH SK,et al. Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65. b) Capítulos em livros: nome(s) e iniciais do(s) autor(es) do capítulo ou da contribuição. Nome e iniciais dos autores médicos, título do livro, cidade e nome da casa editora, ano de publicação, primeira e última páginas do capítulo. Ex.: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78. c) Livros: Nome(s) e iniciais do(s) autor(es). Título do livro. Número da edição. Cidade e nome da casa editora, ano de publicação e número de página. Ex.: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26. Figuras e Quadros: Todas as ilustrações deverão ser apresentadas em formato digital de boa qualidade. Cada quadro e figura deverá ser numerado sequencialmente por ordem de referência no texto, ser apresentado em página individual e acompanhado de título e legenda explicativa quando necessário. Todas as abreviaturas ou símbolos necessitam de legenda. Se a figura ou quadro é cópia de uma publicação ou modificada, deve ser mencionada a sua origem e autorização para a sua utilização quando necessário. Fotografias ou exames complementares de doentes deverão impedir a sua identificação devendo ser acompanhadas pela autorização para a sua publicação dada pelo doente ou seu responsável legal. O total de figuras e quadros não deve ultrapassar os oito para os artigos originais e cinco para os casos clínicos. As figuras ou quadros coloridos, ou os que ultrapassam os números atrás referidos, serão publicados a expensas dos autores. Agradecimentos e esclarecimentos: Os agradecimentos e indicação de conflito de interesses de algum dos autores ou financiamento do estudo devem figurar na última página. Modificações e Revisões: No caso do artigo ser aceite mas sujeito a modificações, estas devem ser realizadas pelos autores no prazo de quinze dias. As provas tipográficas serão enviadas aos autores normas de publicação 237 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2009, vol XVIII, n.º 3 em formato electrónico, contendo a indicação do prazo de revisão em função das necessidades de publicação da Revista. O não respeito do prazo desobriga a aceitação da revisão dos autores, sendo a mesma efectuada exclusivamente pelos serviços da Revista. INSTRUCTIONS FOR AUTHORS The Journal NASCER E CRESCER is addressed to all professionals of Health with interest in the area of Maternal and Child/Adolescent Health and publishes scientific articles related with Paediatrics, Perinatology, Childhood and Adolescence Mental Health, Bioethics and Health Care Management. The Editorials, the articles of Homage and articles of cultural scope are published under request of the Direction of the journal. The Journal publishes original articles, review articles, case reports and opinion articles. The articles submitted must not have been published previously in any form. The opinions therein are the full responsibility of the authors. Published articles will remain the property of the Journal and may not be reproduced, in full or in part, without the prior consent of the editors. Manuscripts for publication should be addressed to the editor of the journal: NASCER E CRESCER, Hospital Maria Pia, Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto, Portugal, or to [email protected] or secretariado.cg.defi@hgsa.min-saude.pt and must be accompanied by the declaration of authorship by all authors. If using postal correspondence a full digital copy of the manuscript should also be sent. Submitted articles should follow the instructions below, and are subject to an editorial screening process based on the opinion of at least two anonymous reviewers. Articles may be: - accepted with no modifications, - accepted with corrections or modifications, - or rejected. Authors will always be informed of the reasons for rejection oro f the comments of the experts. Informed consent and approval by the Ethics Committee: It is responsibility of the authors to guarantee the respect of the ethical and deontological principles, as well as legislation and norms applicable, as recommended by the Helsinki Declaration. In research studies it is mandatory to have the written consent of the patient and the approval of the Ethics Committee, statement of conflict of interest and financial support. MANUSCRIPT PREPARATION Nascer e Crescer complies with the recommendations of the International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) (Uniform requirements for manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje.org. Updated October 2008). All the components of the paper, including images must be submitted in electronic form. The 238 normas de publicação papers must be presented as following: 1- Title in Portuguese and English; 2- Authors; 3- Abstract in Portuguese and English and key words; 4- Text; 5- References; 6- Legends; 7- Figures; 8- Tables; 9- Acknowledgements. Pages should be numbered according the above sequence. If a second version of the paper is submitted, it should also be sent in electronic format. Title and Authors: The first page should contain the title in Portuguese and English. The title should be concise and revealing. A separate page should contain name(s) degree(s), the authors’ professional affiliations, the name and the contact details of the corresponding author (postal address, electronic address and telephone), and the name of the Institutions where the study was performed. Abstract and Key-words: The abstract should be written in the same language of the text and always in Portuguese and English, provide on a separate page of not more than 250 words for original papers and a 150 words for case reports. For original papers the abstract should consist of four paragraphs, labelled Background, Methods, Results and Conclusions. Review articles should obey the following: Introduction, Past landmarks and Present developments and Conclusions. Case report abstracts should contain an Introduction, Case report and Discussion/Conclusions. Do not use abbreviations. Each abstract should be followed by the proposed key-words in Portuguese and English in alphabetical order, minimum of three and maximum of ten. Use terms from the Medical Subject Headings from Index Medicus (MeSH). Text: The text may be written in Portuguese, English, French or Spanish. The original articles should contain the following sections: Introduction; Material and Methods; Results; Discussion and Conclusions. The structure of review articles should include: Introduction, Past landmarks and Present developments and Conclusions. The case reports should be unique cases duly studied and discussed. They should contain: a brief Introduction, Case description and a succinct Discussion or Conclusion. Any abbreviation used should be spelled out the first time they are used. Abbreviations are not accepted in the titles of papers. Parameters or values measured should be expressed in international (SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), using the corresponding abbreviations adopted in Portugal. Numbers 1 to 10 should be written in full, except in the case of decimals or units of measurements. Numbers above 10 are written as figures except at the beginning of a sentence. References: References are to be cited in the text by Arabic numerals, and in the order in which they are mentioned in the text. They should be limited to 40 to original papers and 15 to case reports. The journal complies with the reference style in the Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals (www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html). Abbreviate journal titles according to the List of Journals Indexed in Index Medicus. Authors should consult NLM’s Citing Medi- cine for information on its recommended formats for a variety of reference types. The following details should be given in references to (a) journals, (b) chapters of books by other authors, or (c) books written or edited by the same author: a) Journals: Names of all authors (except if there are more than six, in which case the first three are listed followed by “et al.”), the title of the article, the name of the journal (using the abbreviations in Index Medicus), year, volume and pages. Ex: Haque KN, Zaidi MH SK,et al. Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65 b) Chapters of books: Name(s) and initials of the author(s) of the chapter or contribution cited. Title and number of the chapter or contribution. Name and initials of the medical editors, title of book, city and name of publisher, year of publication, first and last page of the chapter. Ex: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78. c) Books: Name(s) and initials of the author(s). Title of the book. City and name of publisher, year of publication, page. Ex: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26. Tables and Figures: All illustrations should be in digital format of high quality. Each table and figure should be numbered in sequence, in the order in which they are referenced in the text. They should each have their own page and bear an explanatory title and caption when necessary. All abbreviations and symbols need a caption. If the illustration has appeared in or has been adapted from copyrighted material, include full credit to the original source in the legend and provide an authorization if necessary. Any patient photograph or complementary exam should have patients’ identities obscured and publication should have been authorized by the patient or legal guardian. The total number of figures or tables must not exceed eight for original articles and five for case reports. Figures or tables in colour, or those in excess of the specified numbers, will be published at the authors’ expense in the paper version Acknowlegments: All authors are required to disclose all potential conflicts of interest. All financial and material support for the research and the work should be clearly and completely identified in an Acknowledgment section of the manuscript. Modifications and revisions: If the paper is accepted subject to modifications, these must be submitted within fifteen days of notification. Proof copies will be sent to the authors in electronic form together with an indication of the time limit for revisions, which will depend on the Journal’s publishing schedule. Failure to comply this deadline will mean that the authors’ revisions may not be accepted, any further revisions being carried out by the Journal’s staff.