Vol. 18, nº 3, Setembro 2009
18|
3
Revista do Hospital de Crianças Maria Pia | Departamento de Ensino, Formação e Investigação | Centro Hospitalar do Porto
Ano | 2009 Volume | XVIII Número | 03
Directora | Editor | Sílvia Álvares; Directora Adjunta | Associated Editor | Margarida Guedes
Presidente do CA do Centro Hospitalar do Porto, EPE | Director | Pedro Esteves
Corpo Redactorial | Editorial Board
Artur Alegria, MJDinis - CHP; Carmen Carvalho, MJDinis CHP; Conceição Mota, H Maria Pia - CHP; Laura Marques,
H Maria Pia - CHP; Miguel Coutinho, H Maria Pia - CHP; Rui
Chorão, H Maria Pia - CHP
Editores especializados | Section Editors
Artigo Recomendado – Helena Mansilha, H Maria Pia - CHP;
Maria do Carmo Santos, H Maria Pia - CHP; Tojal Monteiro,
ISCBAS
Perspectivas Actuais em Bioética – Natália Teles, INSRJ-INSA
Pediatria Baseada na Evidência – Luís Filipe Azevedo, FMUP;
Altamiro da Costa Pereira, FMUP
A Cardiologia Pediátrica na Prática Clínica – Abílio Reis, CHP;
António Marinho, HUC; Fátima Pinto, HS Marta; Maria Ana
Sampaio, H Cruz Vermelha; Maria João Baptista, HS João;
Paula Martins, H Pediátrico de Coimbra; Rui Anjos, HS Cruz;
Sílvia Álvares, H Maria Pia;
Ciclo de Pediatria Inter-Hospitalar do Norte – Armando Pinto, IPO;
Carla Carvalho, HSMMaior; Conceição Santos Silva, CHPVVC;
Fátima Santos, CHVNG-Espinho; Fernanda Manuela Costa,
HSAntónio-CHP; Helena Jardim, HS João; Isolina Aguiar,
CHAA; Joaquim Cunha, CHVS; Miguel Costa, CHEDV; Rogério
Mendes, MJDinis - CHP; Rosa Lima, H Maria Pia - CHP; Sofia
Aroso, HPHispano; Sónia Carvalho, CHMA; Susana Tavares,
HS Sebastião - CHAA
Caso Endoscópico – Fernando Pereira, H Maria Pia - CHP
Caso Estomatológico – José Amorim, H Maria Pia - CHP
Genes, Crianças e Pediatras – Esmeralda Martins, H Maria Pia
- CHP; Margarida Reis Lima, INSRJ-INSA
Caso Radiológico – Filipe Macedo, SMIC
Pequenas Histórias – Margarida Guedes, HSAntónio - CHP
Coordenação Técnica | Editorial Coordenation
Margarida Lima, HSA - CHP
Conselho Técnico | Consultant
Gama de Sousa, H Maria Pia - CHP
Conselho Científico Nacional |
| National Scientific Board
- Agustina Bessa Luís, H Maria Pia - CHP
- Almerinda Pereira, HS Marcos
- Álvaro Aguiar, FMUP, HS João
- Ana Maria Leitão, HSM Maior
- Ana Maria Ribeiro, CHEDV
- Ana Ramos, H Maria Pia - CHP
- António Lima, CHEDV
- António Martins da Silva, ICBAS
- António Vilarinho, CHVNG - Espinho
- Arelo Manso, H Vila Real - CHTMAD
- Arlindo Oliveira, HF Zagalo
- Braga da Cunha, H Pe Américo - CHTS
- Carlos Duarte, H Maria Pia - CHP
- Cidade Rodrigues, H Maria Pia - CHP
- Clara Barbot, H Maria Pia - CHP
- Conceição Casanova, H Póvoa de Varzim - CHPV-VC
- Eloi Pereira, H Maria Pia - CHP
- Eurico Gaspar, HS Pedro - CHTMAD
- Fátima Praça, CHVNG
- Filomena Caldas, H Maria Pia - CHP
- Gama Brandão, HS Oliveira - CHAA
- Gonçalves Oliveira, H Famalicão - CHMA
- Henedina Antunes, HS Marcos
- Ines Lopes, CHVNG - Espinho
- José Barbot, H Maria Pia - CHP
- José Carlos Areias, FMUP, HS João
- José Carlos Sarmento, CHVS
- José Castanheira, HS Teotónio
- José Cidrais Rodrigues, HPHispano
- José Pombeiro, MJDinis – CHP
- Lopes dos Santos, HPHispano
- Lucília Norton, IPO
- Luís Januário, H Pediátrico de Coimbra
- Luís Lemos, H Pediátrico de Coimbra
- Luís Vale, HS António - CHP
- Manuel Salgado, H Pediátrico de Coimbra
- Manuela Selores, HS António - CHP
- Marcelo Fonseca, HPHispano
- Margarida Lima, HS António - CHP | ICBAS
- Margarida Medina, HS António - CHP
- Maria Augusta Areias, MJDinis – CHP
- Maria Salomé Gonçalves, H Maria Pia - CHP
- Miguel Taveira, H Maria Pia - CHP
- Nuno Grande, ICBAS
- Octávio Cunha, HS António - CHP
- Óscar Vaz, H Mirandela - CHN
- Paula Cristina Ferreira, HS António - CHP
- Pedro Freitas, HS Oliveira - CHAA
- Raquel Alves, H Maria Pia - CHP
- Rei Amorim, HS Luzia - CHAM
- Ricardo Costa, H Pêro da Covilhã, CHCV
- Rodrigues Gomes, F Calouste Gulbenkian
- Rosa Amorim, H Maria Pia - CHP
- Rui Carrapato, HS Sebastião
Secretariado Administrativo | Secretary
Conselho Científico Internacional |
| International Scientific Board
www.hmariapia.min-saude.pt
- Allan de Broca (Amiens), Hôpital Nord
- Anabelle Azancot (Paris), Hôpital Robert Debré
- D. L. Callís (Barcelona), Hospitals Vall d’Hebron
- F. Ruza Tarrio (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz
- Francisco Alvarado Ortega (Madrid), Hospital Infantil
Universitario La Paz
- George R. Sutherland (Edinburgh), University Hospital
- Harold R. Gamsu (Londres), Kings College Hospital
- J. Bois Oxoa (Barcelona), Hospitals Vall d’Hebron
- Jean François Chateil (Bordeaux), Hôpital Pellegrin
- José Quero (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz
- Juan Tovar Larrucea (Madrid), Hospital Infantil Universitario
La Paz
- Juan Utrilla (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz
- Peter M. Dunn (Bristol), University of Bristol
Os trabalhos, a publicidade e a assinatura, devem ser
Carolina Cortesão
Paulo Silva
Publicação trimestral resumida e indexada por
EMBASE / Excerpta Médica; Catálogo LATINDEX
Design gráfico
bmais comunicação
Execução gráfica e paginação
Papelmunde, SMG, Lda
Vila Nova de Famalicão
ISSN
0872-0754
Depósito legal
n° 4346/91,
anotada no Ministério da Justiça em 92.04.24
Tiragem
2.500 exemplares
Autorização CTT
DE 0005/2005 DCN
Propriedade, Edição e Administração
Hospital de Crianças Maria Pia, DEFI
Centro Hospitalar do Porto
Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto
tel: 226 089 900; fax: 226 000 841
dirigidos a
Coordenação da Revista Nascer e Crescer
Hospital de Crianças Maria Pia
Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto
tel: 226 089 900; telemóvel: 915 676 516
[email protected]
Condições de assinatura
Anual Nacional (4 números) – 40 euros
Anual Estrangeiro (4 números) - 80 euros
Número avulso - 12 euros
Rua da Boavista, 713 – 4050-110 PORTO
Tel. 222 081 050
[email protected]
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
índice
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
número3.vol.XVIII
143 Editorial
144 Editorial Convidado
146 Casos Clínicos
Sílvia Álvares
Tojal Monteiro
Abcesso Hepático Amebiano na Criança: Caso Clínico
Ana Pinheiro, Raquel Ferreira, Ana Leça
149
Lúpus Erimatoso Neonatal
Hugo Braga-Tavares, Lia Ramos, Marika Bini-Antunes,
José Barbot, Conceição Rosário, Miguel Taveira
152
Síndrome de Turner, Várias Formas de Apresentação da Mesma Doença
Ana Pinheiro, Laura Martins, Isabel Fernandes
de Pediatria Inter-Hospitalar
156 Ciclo
do Norte
Encefalomielite Aguda Disseminada – Evolução Atípica
Gisela Silva, Teresa Mesquita Guimarães, Telma Barbosa, Lurdes Morais,
Fernanda Marcelino, Inês Carrilho, Rosa Amorim, Virgílio Senra
160 Artigo Recomendado
163
165
Cardiologia Pediátrica na Prática
167 AClínica
Helena Ferreira Mansilha
Tojal Monteiro
Maria do Carmo Santos
Estenose da Artéria Renal em Pediatria – a Propósito de Um Caso Clínico
Susana Groen Duarte, Mónica Marçal, Margarida Lobo Antunes,
Ana Teixeira, Rui Anjos, Gustavo Rodrigues
171 Qual o seu Diagnóstico?
Caso Dermatológico
Tiago Torres, Iolanda Fernandes, Manuela Selores
173
Caso Estomatológico
José M. S. Amorim
175
Caso Radiologico
Filipe Macedo
177
Genes, Crianças e Pediatras
Patrícia Nascimento, Márcia Martins, António Pereira, Esmeralda Martins
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Reunião do Hospital de Crianças
S179 XXI
Maria Pia – Resumo das Intervenções
S180
Controvérsias em Nefro-urologia
Infecções de Trato Urinário
Célia Madalena
S181
Nefropatia de Refluxo
Carmen do Carmo
S185
Criança Alérgica – mesa redonda
Alergia Alimentar
Leonor Bento
S189
Alergia a Fármacos
Eva Gomes
S191
Controvérsias: Crio Preservação de Células
do Cordão Umbilical
S193
Conferência
S194
Actualidades na Alimentação
– mesa redonda
Argumentos Contra
Susana Roncon
Alimentação – Experiências Precoces, Impacto Futuro
Gonçalo Cordeiro Ferreira
Diversificação Alimentar
Ricardo Ferreira
S195
Alimentação no Prematuro
Ana Cristina Braga
S199
Vegetarianismo
Leonor Sassetti
S202
Alimentação em Situações Especiais
– mesa redonda
S208
Adolescência – Desafios Actuais
– mesa redonda
Dislipidémia
Helena Ferreira
Sexualidade na Adolescêmncia
Luís Pimentel
S209
As Tribos Urbanas
Helena Sousa
S215
Conferência:
Organização de uma consulta de adolescentes
A Consulta do Adolescente
Carlos Figueiredo
Resumo das Comunicações Orais
S216
S225
237 Normas de Publicação
Resumo dos Posters
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
summary
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
number3.vol.XVIII
143 Editorial
144 Invited Editorial
146 Case Reports
Sílvia Álvares
Tojal Monteirot
Amebic Liver Abscess in Children: Case Report
Ana Pinheiro, Raquel Ferreira, Ana Leça
149
Neonatal Lupus
Hugo Braga-Tavares, Lia Ramos, Marika Bini-Antunes, José Barbot,
Conceição Rosário, Miguel Taveira
152
Turner Syndrome, Several Presentations of the Same Disease
Ana Pinheiro, Laura Martins, Isabel Fernandes
156 Paediatric Inter-Hospitalar Meeting
Acute Disseminated Encephalomyelitis- Atypical Outcome
Gisela Silva, Teresa Mesquita Guimarães, Telma Barbosa, Lurdes Morais,
Fernanda Marcelino, Inês Carrilho, Rosa Amorim, Virgílio Senra
160 Recommended Article
163
165
Cardiology in Clinical
167 Paediatric
Practice
Helena Ferreira Mansilha
Tojal Monteiro
Maria do Carmo Santos
Renal Artery Stenosis – Case Rreport
Susana Groen Duarte, Mónica Marçal, Margarida Lobo Antunes, Ana Teixeira,
Rui Anjos, Gustavo Rodrigues
171 What is your diagnosis?
Dermatology Case
Tiago Torres, Iolanda Fernandes, Manuela Selores
173
Oral Pathology Case
José M. S. Amorim
175
Radiological Case
Filipe Macedo
177
Genes, Children and Paediatricians
Patrícia Nascimento, Márcia Martins, António Pereira, Esmeralda Martins
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Meeting of Children’s Hospital
S179 XXI
Maria Pia – Abstracts
S180
Controversies in Nephro- Urology
Urinary Tract Infections
Célia Madalena
S181
Reflux Nephropathy
Carmen do Carmo
S185
The Allergic Child – round table
Food Allergy
Leonor Bento
S189
Drug Allergy
Eva Gomes
S191
Cryopreservation of Umbilical Cord
Haematopoietic Stem Cells
S193
Conference
S194
Advances in Nutrition – round table
Arguments Against
Susana Roncon
Nutrition – Early Experiences and Future Impact
Gonçalo Cordeiro Ferreira
Diversification of Infant Nutrition
Ricardo Ferreira
S195
Nutrition in the Preterm Newborn
Ana Cristina Braga
S199
Vegetarian Diets
Leonor Sassetti
S202
Nutrition in Special Conditions – round table
S208
Adolescence – Present Challenges
Dyslipidemia
Helena Ferreira
Adolescent Sexuality
Luís Pimentel
S209
Urban Tribes
Helena Sousa
S215
Organization of Ambulatory Care for Adolescents
Care for Adolescents
Carlos Figueiredo
S216
S225
237 Instructions for Authors
Oral Presentations – abstracts
Posters Presentations – abstracts
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
editorial
A XXI Reunião Anual do Hospital de Crianças Maria Pia/CHP está em curso.
Dado o seu longo historial, nível científico e elevado número de participantes, tem
um lugar importante no âmbito das reuniões médicas nacionais. Como habitualmente o programa científico foi elaborado de acordo com as propostas expressas
pela maioria dos Serviços de Pediatria do norte do país, representando um trabalho
de equipa notável. Elaborámos um programa sólido e equilibrado que vai ao encontro das necessidades de actualização e debate da grande maioria dos profissionais
dedicados à assistência pediátrica. Os temas focados no âmbito da nefro-urologia,
das doenças alérgicas, da genética, da nutrição e da adolescência constituem desafios da prática clínica diária. As sessões interactivas permitem sempre uma dinamização da discussão e despertam muito interesse em todos os participantes.
Este ano introduzimos no programa dois cursos pré-congresso:
O curso de Suporte de Vida Pediátrico, organizado em colaboração com o
GRP (creditado pelo CPR e ERC) vem preencher algumas lacunas na actualização
médica e é hoje uma ferramenta fundamental na formação pós graduada.
Também conseguimos inovar com a realização do Curso de Técnicas de Comunicação de Sucesso, uma área cada vez mais exigente e que pretende melhorar
as nossas capacidades de transmissão do conhecimento.
Finalizamos com o curso de Cardiologia na Prática Clínica, interactivo, de âmbito prático, cujo programa foi especialmente pensado para os internos complementares no sentido de desenvolverem competências na abordagem da criança com
doença cardíaca.
Queremos que, a par de um programa científico de elevado nível técnico, a XXI
Reunião do Hospital de Crianças Maria Pia seja um espaço de encontro, de convívio, de troca de experiências, de convergência de saberes e de festa.
Contamos com a participação e colaboração de todos os colegas e com a
indispensável parceria da Industria Farmacêutica, para que esta reunião seja um
sucesso. Os nossos agradecimentos a todos.
Sejam bem-vindos à XXI Reunião do Hospital de Crianças Maria Pia
Sílvia Álvares
editorial
143
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
editorial Quando vacas saíam do corpo
convidado de quem era vacinado…
Berkeley, Inglaterra, 14 de Maio de
1796. A história da medicina e a da humanidade estão prestes a mudar. Poucos
o sabiam, se calhar só um, ou talvez nem
ele. Mas ele tinha esperança. Acreditava. Depois de 20 anos de observações
criteriosas através de uns olhos que por
tão bem verem o comportamento de aves
(cucos) já lhe tinham dado um prémio
científico…depois de 20 anos a ver por
olhos premiados…será que eles iriam
traí-lo? Não, não vão. Ele era Jenner. Sim
o “Jenner”…lembram-se deste nosso extraordinário e fascinante colega, é claro.
Pois é, a história da humanidade quando
muda mesmo, tem médicos, entre outros,
como agentes da mudança. Foram precisos 20 anos, a ver, com olhos de ver, a
olhar incertezas que terão de virar certezas. E assim foi. Tinha que ser, pois a ferramenta que muda para melhor, o curso
da humanidade, tinha-a ele, a ciência…
Dois anos depois o mundo pode ler
o livro “Um Inquérito às Causas e Efeitos da Vacina da Varíola. O autor, Jenner escreveu: “Para mais rigorosamente
observar o progresso da infecção eu se-
leccionei um rapaz saudável, com cerca
de oito anos, com o propósito de o fazer
inocular com cow-pox. A matéria foi tirada de uma ferida da mão de uma leiteira,
infectada pelas vacas do seu patrão, e
foi inserida no dia 14 de Maio de 1796,
no braço do rapaz por meio de duas
escoriações superficiais, penetrando
levemente a cútis, cada uma com cerca
de 2,5 cm de comprimento. No sétimo
dia queixou-se de incómodo na axila e
no nono, ele ficou um pouco arrepiado,
perdeu o apetite, e teve uma leve dor de
cabeça. Durante todo este dia ele estava notoriamente indisposto, e passou
a noite levemente agitado, mas no dia
seguinte estava perfeitamente bem…De
modo a ter a certeza se o rapaz… estava em segurança do contágio da varicela, ele foi inoculado no primeiro de Julho
seguinte com matéria variolosa, retirada
no imediato de uma pústula. Várias punções e incisões ligeiras foram feitas em
ambos os braços, e a matéria foi cuidadosamente inserida, mas nenhuma doença se seguiu…Vários meses mais tarde ele foi de novo inoculado com matéria
The Cow-Pock, or the wonderful effectsof the new inoculation!
James Gilray, 1809
144
editorial convidado
variolosa, mas nenhum sensível efeito
foi produzido na constituição.”
Aqui está um relato de um trabalho
científico com mais de 100 anos, com a
metodologia de hoje: objectivo, material e
métodos, resultados e conclusões.
O rapaz, o grande herói da mudança da história, chamava-se James Phipps e a leiteira Sarah Nelmes. (Houve
um outro rapaz, herói, nestas andanças
revolucionárias. Chamava-se Joseph
Meister, tinha nove anos, estava condenado à morte por ter sido mordido por um
cão raivoso, às 8 h do dia 4 de Julho de
1885, mas Pasteur retirou-o do corredor.
E anunciou o feito, oficialmente, em 26 de
Outubro seguinte, numa comunicação na
Academia de Ciência de Paris).
No livro História de Epidemias na
Bretanha (1894), o autor, Creighton escreveu: “ela abandona primeiro as classes ricas, depois abandona as aldeias,
depois abandona as cidades da província para abandonar o próprio centro da
capital; ao mesmo tempo ela vai abandonando lactentes e crianças”. Calcula-se
que a varíola levou 60 milhões de vidas
na Europa, no Século XVIII!
Como se reagiu à solução apontada
para esta calamidade social? A inteligência aproveitou o saber: Napoleão fez vacinar os seus exércitos; e a maledicência
também, denegrindo-a com o cartaz das
vacas a sair do corpo dos vacinados.
Mas a saga das vacinas continuou.
Quando se perguntava a um Chinês,
quantos filhos é que tinha, respondia, com
a sabedoria que se lhes reconhece: deixa
passar primeiro o sarampo. Depois sim,
contava os filhos, 2 ou 3 ou 0 de oito…
E o que se dizia, lembrar-se-ão os mais
idosos, nos anos 60-70 do século passado? Vacinar contra o sarampo? Cuidado,
virão pan-encefalites …. Elas não vieram,
o sarampo foi-se e os Chineses já contam os filhos (agora muito poucos… mas
não esperam pelo sarampo…).
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
No final dos anos 20 do século passado, um avô deste H1N1 levou 50 a
60 milhões de vidas. O neto não terá tal
curriculum, nem que se pareça. Primeiro,
porque, e o mais importante, não é tão
virulento, depois, porque há outros cuidados médicos, e outra sabedoria, onde a
estrela é a vacina.
Que se ouve dizer da vacina? De
um lado a sua utilidade, eficácia e boa
tolerância, como o afirmam organismos
e peritos credíveis, da OMS, à Direcção
Geral da Saúde, passando pelo ACIP,
pela FDA, pela Agência Europeia dos
Medicamentos e pelos peritos que conseguem ver publicados estudos e orientações em publicações de inquestionáveis
créditos como a Pediatrics ou a JAMA,
para citar só alguns exemplos. Do outro,
pediatras, muito experientes, ou menos
experientes, a afirmar, a fazer fé no que
nos dizem as famílias, respectivamente:
“os meus netos, não são vacinados; os
meus filhos, nem pensar em tal… vai vacinar o seu filho? E vemos outros médicos e parceiros da saúde a dizer “ não me
vacino” “cuidado com os efeitos” “é muito
nova, a vacina”, “há interesses económicos”, etc, etc. E com tais opiniões como
ficam as cabeças das famílias?
Que vale mais? O conhecimento e a
experiência de décadas, de organismos
e peritos, alicerçados em estudos científicos, rigorosos e humildes (recordemos
a retirada imediata da primeira vacina
contra o rotavírus), ou a “experiência”
infundada que nós, pretensiosos “peritos”, nos arrogamos ter? Poderemos, nos
dias de hoje, termos a pretensão de, em
alguns saberes médicos, nos julgarmos
rigorosamente experientes e sabedores,
Vaccination
Leoplod Mendez, 1935
para que das nossas bocas saiam sempre conselhos sábios? Quem protegerá
mais as nossas crianças? O saber de peritos e organizações, credíveis e idóneos,
ou a nossa indocumentada experiência
e sabedoria? Seremos capazes de, perante uma assembleia de pares, em que
a ciência faz parte do seu dia-a-dia, defendermos as nossas opiniões, usando a
mesma, porque absolutamente necessária, linguagem e metodologia científicas?
Arrojemo-nos, mais vale, em saber o saber de outros que estudam, trabalham e
se responsabilizam em nosso nome e da
ciência. E nós, no terreno, sejamos uns
fiéis retransmissores e aplicadores dos
seus conhecimentos. “Tomemos” a medicina baseada na evidência, que os efeitos
laterais são menores do que os da empírica. Tenhamos a humildade e a coragem
de aceitar a mudança, o que, de facto,
não é nada fácil, e descermos do nosso
pedestal, onde, de resto, nós nos fizemos
pôr, para ouvir e seguir ensinamentos de
quem, laboriosa, cientifica e persistentemente, os adquiriu. As crianças merecem
esta metodologia. Não foi o que aconteceu com o Joseph e o James?
Tojal Monteiro
editorial convidado
145
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Abcesso Hepático Amebiano na Criança:
Caso Clínico
Ana Ehrhardt Pinheiro1, Raquel Ferreira2, Ana Leça3
RESUMO
A infecção humana por Entamoeba
histolytica tem uma distribuição mundial,
com zonas endémicas situadas nos trópicos. A manifestação mais comum é
a colite amebiana. O fígado é o órgão
extra-intestinal mais frequentemente envolvido.
Descreve-se o caso clínico de uma
criança do sexo masculino, com nove anos
de idade, internada no decurso de quadro
clínico de febre alta e dor abdominal, com
nove dias de evolução; referia a ingestão
de água não canalizada e contacto com
cães. Ao exame físico destacava-se a
presença de hepatomegalia e dor à palpação no hipocôndrio direito. Analiticamente apresentava parâmetros sugestivos
de infecção com leucocitose e proteína
C reactiva elevada. A ecografia hepática
revelou lesão ocupando espaço. A serologia positiva para Entamoeba histolytica
e o exame parasitológico das fezes com
quistos deste mesmo parasita permitiram
o diagnóstico etiológico. Após terapêutica
com metronidazol, seguido de paramomicina, assistiu-se a uma boa evolução clínica. No inquérito epidemiológico, apesar
de referência a ingestão de água não canalizada, não foi possível a demonstração
inequívoca da fonte de infecção.
A amebíase é uma entidade patológica pouco frequente em Portugal, mas
não pode ser esquecida, principalmente
se houver contexto epidemiológico (ingestão de alimentos e/ou água contaminados com quistos amebianos).
__________
1
2
3
Internato Complementar de Pediatria,
H Espírito Santo de Évora, EPE
Internato Complementar Pediatria,
H Dona Estefânia, CHLC
Unidade da Infecciologia,
H Dona Estefânia, CHLC
146
casos clínicos
Palavras-chave: Entamoeba histolytica, amebíase, abcesso hepático,
metronidazol, paramomicina
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 146-148
INTRODUÇÃO
O abcesso hepático é raro na criança, sendo mais frequente nos adultos
e nos doentes imunocomprometidos(1).
Quanto à etiologia pode ser piogénico,
amebiano ou fúngico(1), e condiciona morbilidade e mortalidade significativas(1,2).
A infecção humana por Entamoeba
histolytica (E.histolytica) tem uma distribuição mundial, com zonas endémicas
situadas nos trópicos, sendo a terceira
causa de morte por doença parasitária
a nível mundial(3). A manifestação clínica
mais comum é a colite amebiana. A infecção disseminada, em que o fígado é o órgão extra-intestinal mais frequentemente
envolvido, ocorre em menos de 1% dos
indivíduos infectados(3). A doença grave é
mais comum em crianças, grávidas, imunodeprimidos e indivíduos malnutridos(3).
O Homem é o reservatório da
E.histolytica, e a transmissão ocorre por
via fecal-oral(4), através da ingestão de
alimentos e/ou água contaminados com
quistos amebianos(5-9). Os quistos infecciosos quadrinucleados podem durar
dias em ambientes secos a temperaturas de 30ºC, semanas em ambientes
húmidos, e resistem ao pH gástrico(7). A
enquistação ocorre no lúmen do cólon,
onde se formam os trofozoítos potencialmente invasivos(5,6). Na maioria das
infecções os trofozoítos agregam-se
na parede intestinal formando novos
quistos, resultando numa infecção assintomática e auto-limitada(5). A invasão
do epitélio intestinal permite a dissemi-
nação extraintestinal para o peritoneu,
fígado e outros locais(5).
Independentemente da etiologia,
a febre, muitas vezes associada a calafrio, dor abdominal no quadrante superior
direito, e hepatomegalia são os sinais e
sintomas de apresentação mais comum
do abcesso hepático(2). Uma apresentação crónica, com perda ponderal, febre
e dor abdominal foi descrita em doentes
com abcesso amebiano único(8).
A clínica inespecífica pode atrasar
o diagnóstico, que muitas vezes só é
considerado após realização de exames
de imagem, nomeadamente ecografia,
tomografia computorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) hepática. O
diagnóstico definitivo, é confirmado pela
detecção de parasitas nas fezes ou no
aspirado do abcesso, e por serologia positiva para E. histolytica.
As complicações do abcesso hepático amebiano surgem geralmente da
sua ruptura (peritoneu, cavidade pleural,
pericárdio) ou infecção bacteriana secundária(5,8). Abcessos extrahepáticos foram
descritos pontualmente no pulmão, cérebro e pele, e resultam presumivelmente
de disseminação hematogénea(5).
O tratamento da amebíase invasiva
consiste primariamente na administração
de um nitroimidazol, seguido de um amebicida luminal(3,8-10).
CASO CLÍNICO
Criança do sexo masculino, nove
anos de idade, raça branca, natural e residente desde sempre em Portugal, com história de ingestão de água não canalizada e
contacto com cães. Em aparente estado de
saúde até nove dias antes do internamento, altura em que inicia quadro clínico de
febre alta e dor abdominal. Foi observado
em ambulatório e medicado com azitromi-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
cina, tendo sido posteriormente internado
por agravamento progressivo da sintomatologia e do estado geral.
Ao exame objectivo destacava-se
febre alta com calafrio, hepatomegalia de
4 cm e dor à palpação no hipocôndrio direito, mas sem defesa ou reacção peritoneal. Analiticamente apresentava leucocitose (18.270 leucócitos/μl) com neutrofilia
(75%), PCR elevada (20.75 mg/dL), ALT
de 34U/L e AST de 25U/L. A ecografia abdominal à entrada evidenciou lesão ocupando espaço com 5.6x5.2 cm nos segmentos VI e VII do lobo direito hepático,
compatível com abcesso. A TC abdominal
confirmou existência de massa nodular
volumosa sugestiva de lesão inflamatória/
infecciosa circunscrita (figura 1).
A suspeita de abcesso hepático piogénico, no contexto de perfuração apendicular, levou à instituição de terapêutica
empírica com ceftriaxone, gentamicina e
metronidazol. A hemocultura, coprocultu-
ra e urocultura revelaram-se negativas,
assim como a serologia para Echinococcus granulosus e vírus Epstein Barr. A
reacção de Widal foi negativa. A serologia positiva para E.histolytica (pesquisa
de anticorpo por imunofluorescência) e o
exame parasitológico das fezes frescas
com abundantes quistos permitiram o
diagnóstico etiológico.
Após a instituição da terapêutica
empírica assistiu-se a uma evolução
clínica favorável, com normalização dos
parâmetros laboratoriais e regressão progressiva dos achados imagiológicos (figura 2). Para eliminação intraluminal da
E. histolytica, após 15 dias de terapêutica
com metronidazol, iniciou paramomicina
(30 mg/kg/dia, 7 dias). O exame parasitológico de fezes frescas, realizado após o
final da terapêutica, foi negativo e confirmou a cura da infecção.
Dada a história de ingestão de água
de furo, foi pedido exame da água que
evidenciou quistos de Giardia lamblia inviáveis e muitos coliformes fecais.
Manteve seguimento em consulta
de infecciologia pediátrica (actualmente
com três anos de follow-up), permanecendo assintomático, com pequena lesão
hepática residual, de dimensões progressivamente menores.
DISCUSSÃO
A E.histolytica infecta centenas de milhões de pessoas anualmente(6). Nos países
desenvolvidos, a amebíase é diagnosticada mais frequentemente em imigrantes ou
viajantes de países endémicos(3,8). A maioria dos indivíduos permanece no entanto
assintomática, perpetuando o ciclo natural
do parasita através da excreção fecal de
quistos(6). O abcesso hepático amebiano,
a manifestação mais comum da infecção
disseminada, é raro na criança(5,8).
No caso clínico descrito, de uma
criança previamente saudável, residen-
Figura 1 - TC abdominal realizada no 1º dia de internamento (9 dias após inicio da sintomatologia), imagem de
lesão nodular volumosa (50x40x22) nos segmentos VI e VII do lobo direito do fígado
Figura 2 - Ecografias abdominais: a) antes do início de terapêutica com metronidazol (1º dia de internamento),
lesão com 5.6x5.2 cm; b) após terminar 15 dias de terapêutica com metronidazol, lesão com 2.93x2.12 cm
casos clínicos
147
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
te em país não endémico, sem história
recente de diarreia, com quadro clínico
de febre com calafrio e dor abdominal já
com nove dias de evolução e com exame
de imagem sugerindo massa inflamatória hepática, o diagnóstico mais provável
parecia ser um abcesso piogénico secundário a apendicite. No entanto, a inexistência de sinais sugestivos de abdómen
agudo fizeram-nos optar por uma atitude
expectante e uma observação continuada em estreita colaboração com a Cirurgia. O quadro clínico e o contexto epidemiológico (contacto com cães e ingestão
esporádica de água de furo hertziano),
levaram-nos a alargar as hipóteses de
diagnóstico e a pesquisar imediatamente
outras etiologias. Os anticorpos elevados
para E.histolytica, e o exame parasitológico das fezes frescas com abundantes
quistos deste parasita permitiram o diagnóstico definitivo.
A terapêutica empírica instituída
à entrada, de acordo com a hipótese
diagnóstica inicial de abcesso piogénico
incluía o metronidazol, que é também a
terapêutica de eleição para o abcesso
amebiano. O início deste fármaco, mesmo antes do diagnóstico etiológico, terá
condicionado uma melhoria clínica mais
rápida.
Os nitroimidazois, como o metronidazol não têm qualquer efeito nos
parasitas intraluminais, pelo que esta
terapêutica deve ser complementada
com um amebicida luminal como a paramomicina(3,6,8). A paramomicina não deve
ser administrada simultaneamente com o
metronidazol, uma vez que a diarreia é
um efeito secundário frequente, tornando
mais difícil a percepção da resposta à terapêutica inicial(3,6).
A terapêutica amebicida é geralmente eficaz pelo que a drenagem cirúrgica é raramente necessária(8).
Em termos epidemiológicos, é importante identificar e tentar eliminar a
eventual fonte de contágio. A análise pedida à água de furo que a criança ingeria
esporadicamente sugeriu contaminação
fecal, tendo este facto sido relatado à Autoridade de Saúde. A não identificação de
quistos de E. histolytica na água ingerida,
não nos permitiu identificar ou excluir inequivocamente a fonte de infecção.
148
casos clínicos
Apesar de rara em Portugal
(0.04/105)(11), a amebiase não pode ser
esquecida, principalmente se houver
suspeita de contexto epidemiológico, ou
seja, ingestão de alimentos e/ou água
contaminados com quistos amebianos.
Mesmo nas situações em que o
diagnóstico de abcesso hepático parece
sugerir uma etiologia piogénica, é importante uma história clínica detalhada, e
um diagnóstico diferencial que contemple
as diversas causas possíveis, nomeadamente a etiologia amebiana.
AMEBIC LIVER ABSCESS IN
CHILDREN: CASE REPORT
ABSTRACT
Human infection by Entamoeba histolytica is worldwide spread, with endemic areas in the tropics. The most frequent
form of the disease is amebic colitis. The
liver is the more commonly affected organ
in extraintestinal disease.
We describe a case report of a nine
year-old boy admitted to the hospital due
to high fever and abdominal pain, with a
nine days course. There was reference to
the ingestion of untreated water. On physical examination he presented enlargement
and tenderness of the liver. Laboratory findings were suggestive of infection, with leukocytosis and elevated C reactive protein.
Ultrasonography showed a hepatic mass.
A positive serologic test for Entamoeba
histolytica and the identification of cysts of
the parasite by microscopic examination of
fresh stool samples allowed the etiologic
diagnosis. After treatment with metronidazole, followed by paramomycin, there was
a good clinical evolution. Although epidemiological data pointed out to ingestion of
groundwater as the source of infection, it
was not possible to prove this undoubtfully.
Amebiasis is a rare clinical entity in
Portugal, but must be taken into account
especially if there is a positive epidemiological context (ingestion of food or water
contaminated with Entamoeba cysts).
Key-words: Entamoeba histolytica,
amebiasis, liver abscess, metronidazole,
paramomycin
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 146-148
BIBLIOGRAFIA
1
Gastrointestinal Syndromes. In: Fisher R, Boyce T, editors. Moffet´s
Pediatric Infectious Diseases: A
Problem-Oriented Approach. 4th ed.
Philadelphia: Lippincott Williams and
Wilkins; 2005;420-67.
2 Sharma MP, Kumar A. Liver abscess in Children. Indian J Pediatr
2006;73:813-7.
3 John C, Salata R. Amebiasis. In: Kliegman RM, Behrman R, Jenson HB,
Stanton BF, editors. Nelson Textbook
of Pediatrics. 18th ed. Philadelphia:
Saunders Elsevier; 2007;1460-62.
4 Weinberg A, Levin MJ. Infections: parasitic and mycotic. In Hay W, Levin M,
Sondheimer J, Deterding R eds. Current diagnosis and Treatment in Pediatrics. 18th ed. New York: Lange Medical
Books/Mc Graw Hill; 2007; 1225-27.
5 Haque R, Huston C, Hughes M,
Houpt E, Petri W. Amebiasis. N Engl
Med 2003;348:1565-73.
6 Stauffer W, Ravdin J. Entamoeba histolytica: an update. Curr Opin Infect
Dis 2003;16:479-85.
7 Yost J. Amebiasis. Peds in Review
2002;23:293-4.
8 Petri W, Singh U. Diagnosis and management of amebiasis. Clin Infect
Dis. 1999;29:1117-25.
9 American Academy of Pediatrics.
Amebiasis. In: Pickering LK, Baker
CJ, Long SS, McMillan JA, editors.
Red Book: 2006 Report of the Committee on Infectious Diseases. 27th
ed. Elk Grove Village, IL: American
Academy of Pediatrics;2006:204-6.
10 WHO/PAHO/UNESCO report of a consultation of experts on amoebiasis.
Weekly Epidemiological Report of the
World Health Organization 1997;72:97-9.
11 Amebiase. http://www.saudepublica.
web.pt/04-PrevencaoDoenca/DTDOmanual/ameb.htm.
CORRESPONDÊNCIA
Ana Ehrhardt Pinheiro
R. das Margaridas, 251, Birre;
2750-249 Cascais
E-mail: [email protected]
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Lúpus Eritematoso Neonatal
Hugo Braga-Tavares1, Lia Ramos2, Marika Bini-Antunes3, José Barbot3, Conceição Rosário4, Miguel Taveira4
RESUMO
O Lúpus Eritematoso Neonatal é
uma rara doença autoimune, que resulta
da transmissão transplacentária para o
feto de anticorpos da mãe, a qual é portadora de conectivite autoimune sintomática ou subclínica.
Descrevemos o caso clínico de um
recém-nascido que apresentava lesões
de vasculite cutânea, esplenomegalia e
trombocitopenia persistente.
Palavras Passe: Lúpus Eritematoso Neonatal, trombocitopenia
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 149-151
INTRODUÇÃO
O Lúpus Eritematoso Neonatal
(LEN) é doença autoimune rara, secundária a auto-anticorpos lúpicos maternos
que atravessam a barreira placentária,
atingindo o feto.
Os anticorpos envolvidos podem
ser anti-nucleares (ANA), anti-ribonucleoproteinas nucleares Ro (anti-SSA/Ro),
La (anti-SSB/La) e/ou U1 (U1/RNP).(1) As
manifestações clínicas incluem lesões
cutâneas, hepáticas, hematológicas (habitualmente transitórias) e bloqueio aurículo-ventricular congénito, este último
condicionando o prognóstico.(2)
Durante a vigilância regular da gestação,
constatou-se imunidade para rubéola e
citomegalovírus (CMV), não-imunidade
para toxoplasmose, VDRL não reactivo e
antigénios anti-HBs e HIV negativos. Os
controlos ecográficos revelaram padrão
de restrição de crescimento intra-uterino.
No exame inicial, o RN apresentava lesões cutâneas eritemato-violáceas com
moderada infiltração e algumas áreas de
aspecto circinado levemente descamativas, sugestivas de processo vasculítico,
localizadas ao tronco, face e braço direito. Tinha também esplenomegalia, confirmada ecograficamente. Por suspeita de
sépsis, realizou-se rastreio, que revelou
trombocitopenia (35.000 plaquetas/μL).
Iniciou terapêutica antibiótica empírica,
não tendo sido isolado entretanto qualquer agente infeccioso. Por manter trombocitopenia, esplenomegalia (embora em
involução) e lesões cutâneas de aspecto
vasculítico e cicatricial, foi referenciada a
consulta de Hematologia para estudo.
Na primeira avaliação observaramse lesões anelares infiltradas, de tona-
lidade violácea ou acastanhada, com
moderada atrofia central, localizadas ao
couro cabeludo e ao tronco (Figura 1).
O baço era palpável a 1cm do rebordo
costal esquerdo, dimensão considerada ecograficamente no limite superior
da normalidade para a idade. Mantinha
trombocitopenia e a imunofenotipagem
de sangue periférico foi normal. A ecografia transfontanelar revelou imagens focais
punctiformes hiperecogénicas em ambos
os núcleos caudados, de dimensão perimilimétrica, interpretadas como focos de
calcificação residual, eventualmente pósinflamação. A pesquisa por PCR e exame
cultural de CMV na urina foi negativa, assim como a pesquisa por PCR de vírus
Herpes simplex 1 e 2 no sangue.
Nos controlos analíticos seriados
realizados manteve trombocitopenia sustentada (Quadro I).
Foi realizada biópsia de pele que
revelou atrofia da epiderme e depósitos
dérmicos intersticiais de mucina que atingiam o tecido celular subcutâneo; ausência de vasos telangiectásicos ou infiltra-
CASO CLÍNICO
Recém-nascido (RN) do sexo feminino, de mãe previamente saudável.
__________
1
2
3
4
Serviço de Pediatria CH Vila Nova de Gaia/
Espinho, EPE
Clipóvoa - Hospitais Portugueses, SA
Hematologia Pediátrica, Unidade Hospital
Maria Pia - CHP
Dermatologia Pediátrica, Unidade Hospital
Maria Pia - CHP
Figura 1 – Lesões cutâneas na altura do diagnóstico (1 mês de idade), localizadas ao
tronco (A) e couro cabeludo (B).
casos clínicos
149
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
dermatite atópica. Foi realizado novo
controlo analítico que revelou normalização de plaquetas e negativação dos
auto-anticorpos lúpicos.
A mãe foi orientada para consulta
de Medicina Interna para iniciar vigilância
clínica.
dos perivasculares com plasmócitos. O
estudo com imunofluorescência directa
mostrava apenas depósito linear de complemento C3 de escassa intensidade (1+)
na membrana basal.
Foi realizado um estudo imunológico à mãe que revelou positividade para
ANA, anti-SSA/Ro e anti-SSB/La, com
anti-DNA dupla camada (anti-DNAds) negativo. A pesquisa destes anticorpos na
lactente foi também fortemente positiva
(Quadro I).
Foi excluído bloqueio auriculoventricular com a realização de um electrocardiograma.
Aos 7 meses de idade apresenta
franca regressão das lesões cutâneas
vasculíticas, tendo desenvolvido uma
DISCUSSÃO
O LEN é uma doença rara, segundo alguns autores subdiagnosticada,
estimando-se uma incidência de 12.00020.000 nados-vivos.(3) As manifestações
clínicas no RN resultam dos auto-anticorpos lúpicos maternos transmitidos por via
transplacentária. A presença de anticorpos anti-SSA/Ro maternos em circulação
no RN é descrita em 95% dos casos e a
Quadro I – Evolução dos Parâmetros Analíticos
Dia 1
Dia 8
Dia 30
14.8
15.6
10
12
Leucócitos (/uL)
11.200
8.000
7.200
9.720
Neutrófilos (/uL)
5.040
1.902
1.200
1.914
Eosinófilos (/uL)
112
192
100
Basófilos (/uL)
0
0
0
Linfócitos (/uL)
5.488
4.960
5.400
Monócitos (/uL)
560
944
0
Plaquetas (/uL)
35.000
43.000
96.000
Hemoglobina (g/dL)
2 meses
7 meses
7.066
417.000
Reticulócitos
PCR (mg/dL)
Coombs Indirecta
ANA (IF)
(Normal < 1/80) título padrão
2
Negativa
> 1/1280
mosqueado
<1/80
Anti-DNAds (IF)
(Normal < 10 U/mL)
Negativo
Negativo
Anti-Sm
(Normal < 10 U/mL)
Negativo
Negativo
Anti-U1/RNP
(Normal < 10 U/mL)
Negativo
Negativo
Anti-SSA/Ro
(Normal < 10 U/mL)
>240
Negativo
Anti-SSB/La
(Normal < 10 U/mL)
>340
Negativo
150
casos clínicos
sua negativação coincide com a resolução das lesões cutâneas e/ou das alterações dos parâmetros analíticos pelos 6-7
meses de vida.(3)
As manifestações cutâneas desta
patologia podem estar presentes ao nascimento ou surgir nas primeiras semanas
de vida, muitas vezes exacerbadas por
exposição solar. Incluem lesões anelares ou placas descamativas, sobretudo
na face (regiões periocular e malar, em
forma de borboleta), no couro cabeludo e
mais raramente no tronco.(3-5)
As manifestações hepáticas (colestase) e hematológicas (trombocitopenia,
anemia ou neutropenia) são habitualmente raras e transitórias.(4) O caso descrito
apresentava trombocitopenia neonatal
que persistiu até aos 7 meses de idade.
O atingimento cardíaco, habitualmente na forma de bloqueio aurículoventricular congénito, ao contrário das
restantes manifestações de LEN, é permanente, condicionando o prognóstico
do paciente.(2)
Na altura do diagnóstico de LEN,
a maioria das mães são portadoras assintomáticas de auto-anticorpos lúpicos
e em 40 a 60% não existe diagnóstico
de anterior de conectivite autoimune. As
restantes têm um diagnóstico de lúpus
eritematoso sistémico ou apresentam características de síndrome de Sjogren ou
de conectivite não diferenciada.(6,7) Das
mães com diagnóstico prévio de lúpus
eritematoso sistémico, apenas 1-2% têm
filhos com LEN, sendo que a coexistência
de anticorpos anti-SSA/Ro e anti-SSB/La,
como no presente caso, parece aumentar
este risco.(1)
O exame anátomo-patológico, combinado com a realização de imunofluorescência directa é muito útil para estabelecer o diagnóstico, podendo revelar
uma degeneração vacuolar da camada
basal, edema da derme e infiltrado linfohistiocítico. A imunofluorescência é negativa em 50% dos casos, mas pode revelar
depósitos de complemento e IgG/IgM/C3
na zona da membrana basal.(8) No caso
descrito detectaram-se depósitos dérmicos intersticiais de mucina e o estudo por
imunofluorescência directa revelou um
depósito linear de complemento C3 na
membrana basal.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
O tratamento das lesões cutâneas
inclui o recurso a corticóides tópicos de
média potência, sendo importante efectuar uma fotoprotecção adequada, através
de roupa ou de ecrans solares. Se o quadro clínico se acompanha de um bloqueio
aurículo-ventricular completo é necessário colocar um pacemaker permanente.
À excepção das lesões cardíacas,
as restantes manifestações de LEN desaparecem pelos 6-8 meses de idade,
coincidindo com a negativação dos anticorpos lúpicos maternos no lactente(1)
como veio a suceder no presente caso.
As manifestações cutâneas poderão resultar em lesões pigmentadas, telangiectásicas ou moderadamente atróficas.
Uma série de 37 pacientes do ano
de 2000 refere, no entanto, um risco aumentado de desenvolvimento de doenças autoimunes durante a infância e adolescência (tiroidite de Hashimoto, artrite
reumatóide juvenil, entre outras),(7) pelo
que se preconiza um seguimento médico
alargado. O diagnóstico de LEN tem também implicações para as mães, a quem
deve ser oferecida vigilância do possível
desenvolvimento de uma doença autoimune e adequado acompanhamento em
futuras gestações, uma vez que o risco
de recorrência estimado é de 10 a 17%.6
CONCLUSÃO
Pelo facto da maioria das mães
serem assintomáticas, o diagnóstico de
LEN requer um alto índice de suspeita,
devendo ser equacionado nos RN com
lesões cutâneas periorbitais e malares
características, alterações hematológicas
e/ou hepáticas persistentes. A existência
de uma afectação cardíaca influencia o
prognóstico destes pacientes, pelo que
perante a suspeita deste diagnóstico
dever-se-á proceder a uma cuidadosa
avaliação clínica.
NEONATAL LUPUS
ABSTRACT
Neonatal Lupus is a rare autoimmune disorder occurring in newborns
whose mothers have clinical or subclinical
autoimmune connective tissue disease,
and is due to transplacental passage of
maternal antibodies.
The authors describe a case report
of a newborn presenting cutaneous vasculitic lesions, splenomegaly and persistent
thrombocytopenia.
Keywords: Neonatal Lupus, thrombocytopenia
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 149-151
BIBLIOGRAFIA
1. Kim J, Smith KJ, Skelton H. Neonatal
lupus erythematosus: factors which
may lead to clinical disease in the foetus even in the absence of disease in
the mother. Clin Exp Dermatol 2001;
26: 423-6.
2. Diociaiuti A, Paone C, Giraldi L, Paradisi M, El Hachem M. Congenital
lupus erythematosus: case report and
review of the literature. Pediatr Dermatology 2005; 22: 240-2.
3. Nevado IMR, Álvarez AJC, Fernández-Recio JM, Fernández-Durán A, et
al. Lupus eritematoso neonatal. Med
Cutan Iber Lat Am 2008; 36: 27-9.
4. Cimaz R, Spence DL, Hornberger L,
Silverman ED. Incidence and spectrum of neonatal lupus erythematosus: a prospective study of infants
born to mothers with anti-Ro autoantibodies. J Pediatr 2003; 142: 678-83.
5. Dörner T, Feist E, Pruss A, Chaoui
R, Göldner B, Hiepe F: Significance
of autoantibodies in neonatal lupus
erythematosus. Int Arch Allergy Immunol 2000; 123:5 8-66.
6. Costedoat-Chalumeau N, Amoura Z,
Le Thi Hong D, Georgin S, et al. Neonatal lupus syndrome: review of the
literature. Rev Med Interne 2003; 24:
659-71.
7. Neiman AR, Lee LA, Weston WL,
Buyon JP. Cutaneous manifestations
of neonatal lupus without heart block:
characteristics of mothers and children enrolled in a national registry. J
Pediatr 2000; 137: 674-80.
8. Burch JM, Lee LA, Weston WL. Neonatal lupus erythematosus. Dermatology Nursing 2002; 14: 157-60.
CORRESPONDÊNCIA
Hugo Braga Tavares
Rua Óscar da Silva 1295 1º esq;
4450-760 Leça Palmeira, Portugal
[email protected]
telef. +351 936 407 881
fax +351 229 060 739
casos clínicos
151
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Síndrome de Turner, Várias Formas de
Apresentação da Mesma Doença
Ana Pinheiro1, Laura Martins1, Isabel Fernandes2
RESUMO
A Síndrome de Turner é uma doença genética com uma incidência estimada de 1/2500 nados vivos do sexo
feminino. Fenotipicamente apresenta um
largo espectro de manifestações clínicas
desde malformações cardíacas graves
com diagnóstico no período neonatal,
até pequenas alterações fenotípicas minor. A baixa estatura e falência gonadal,
com diferentes graus de intensidade, são
quase constantes. Para além das manifestações cardíacas outras alterações se
associam nomeadamente renais, cutâneas, esqueléticas e neurológicas.
Os autores descrevem quatro casos clínicos de Síndrome de Turner
com diferentes apresentações clínicas e
diagnóstico em diferentes etapas do desenvolvimento: no período neonatal em
recém-nascida com fenótipo característico; na infância numa criança com baixa
estatura; na adolescência em duas irmãs
gémeas com atraso pubertário.
As alterações físicas na Síndrome
de Turner são frequentemente leves e
nem sempre se apresenta com as manifestações típicas, como o linfedema, pterigium coli, baixa implantação do cabelo,
baixa estatura e cubitus valgus, dificultando e atrasando por vezes o diagnóstico.
Palavras-chave: Síndrome de Turner, linfedema, pterigium coli, baixa estatura, atraso pubertário
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 152-155
__________
1
2
Internato Complementar de Pediatria,
Hospital do Espírito Santo de Évora, EPE
Serviço de Pediatria, Hospital do Espírito
Santo de Évora, EPE
152
casos clínicos
INTRODUÇÃO
A Síndrome de Turner (ST) afecta 1
em cada 2500 recém-nascidos vivos do
sexo feminino(1), sendo uma das doenças
genéticas mais frequentemente observadas em Pediatria(2). Caracteriza-se pela
ausência, total ou parcial, de um dos cromossomas X(2,3), tendo cerca de metade
das crianças monossomia X (45,X)(3,4). As
restantes podem apresentar anomalias
estruturais do cromossoma X tais como
a duplicação do braço longo concomitantemente com a delecção do braço curto
de um dos cromossomas X formando um
isocromossoma (isoXq), a formação de
um anel (rX) ou uma delecção no braço
curto ou longo (Xp- ou Xq-)(3,4). Estas alterações aparecem muitas vezes associadas a mosaicismo de uma ou mais linhas
celulares adicionais(3), e frequentemente
estão associadas a fenotipos idênticos
ao do cariotipo clássico. Mosaicismo
para uma linha celular contendo um Y
(45,X/46,XY) ocorre em 5%dos casos(5).
Na maioria das crianças, o cromossoma
X normal é de origem materna(4,5).
Apesar de ter sido descrita pela primeira vez em 19381, nos últimos anos o
conhecimento sobre a genética, a sua
história natural e complicações na idade
adulta avançou substancialmente(2,3).
A correlação fenótipo/genótipo é geralmente fraca, e a variabilidade fenotípica pode estar relacionada com diferentes
graus e padrões tecidulares de mosaicismo oculto(4). No entanto, estudos moleculares identificaram alguns genes que podem estar envolvidos na sua expressão
clínica, nomeadamete o gene SHOX(3).
A deficiência do SHOX explica algumas
das caracteristicas do ST sobretudo a
baixa estatura(3). Crianças com pequenas
delecções distais do braço curto (Xp-)
incluindo o gene SHOX apresentam fre-
quentemente baixa estatura e outras alterações esqueléticas típicas do ST, mas
a maioria tem um baixo risco de falência
ovárica e não devem ser diagnosticadas como ST se a banda Xp22.3 estiver
presente(6). Por outro lado, as delecções
do braço longo distais ao Xq24 originam
geralmente amenorreia primária ou secundária, sem baixa estatura ou outras
características de ST, pelo que falência
ovárica prematura é o diagnóstico mais
correcto(6).
O diagnóstico é colocado por suspeição clínica na presença das características fenotípicas consistentes com ST,
como a baixa estatura e a disgenésia
gonadal, e a confirmação é citogenética,
através da análise cromossómica(2). Pode
apresentar um largo espectro de manifestações, de gravidade variável, desde doença cardíaca congénita neonatal grave
até baixa estatura e atraso pubertário em
crianças ou adolescentes saudáveis(2). O
risco aumentado de dissecção aórtica na
adolescência e vida adulta é provavelmente o problema médico mais grave, no
entanto, a falência ovárica parece ser o
mais incapacitante(7).
É uma doença multissistémica,
com necessidade de acompanhamento por várias especialidades, devendo o
Pediatra funcionar como elemento coordenador, ajudando posteriormente na
transferência para os cuidados de saúde
adequados na vida adulta(2).
CASOS CLÍNICOS
Caso 1: Criança do sexo feminino,
gestação não vigiada, parto de termo eutócico, com peso à nascença de 2.800g.
Alterações fenotípicas à nascença, pele
redundante e linfedema das mãos e pés,
pelo que foi logo pedido cariotipo do sangue periférico, confirmando-se o diag-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
nóstico de ST (45,X). Desenvolvimento
estaturo ponderal (DEP) sempre inferior
ao percentil P5 (Figura 1), fenotipicamente com hipertelorismo, pterigium coli,
cabelo de implantação baixa e mamilos
afastados. Apresenta queratoconus e otite média aguda (OMA) de repetição, mas
sem défices auditivos. Aos 9 anos iniciou
hormona de crescimento (HC) e aos 15
anos estrogénios, mas sempre com mau
cumprimento terapêutico. Aos 21 anos,
estatura de 136 cm (estatura alvo de 159
cm), idade óssea (IO) de 15 anos, estádios de Tanner P1M1. Sem outras comorbilidades.
Caso 2: Criança do sexo feminino,
referenciada aos 7 anos de idade à consulta de Pediatria por baixa estatura. Antecedentes pessoais irrelevantes, para
além de uma estatura sempre inferior
ao P5. Harmoniosa no exame objectivo
(EO), sem alterações fenotípicas evidentes. Dos exames complementares
de diagnóstico realizados para o estudo
de baixa estatura destaca-se um cariotipo do sangue periférico 45,X/47,XXX
(Figura 2). Tem um bom aproveitamento
escolar, avaliação cardíaca, renal, oftalmológica e auditiva sem alterações.
Função tiroideia normal. Velocidade de
crescimento de 3cm/ano e IO aos 8 anos
de 6 anos e 10 meses.
Casos 3 e 4: Adolescentes, gémeas monozigóticas, referenciadas aos 15
anos de idade por baixa estatura e atraso pubertário. Para além de DEP<P5 e
dificuldades alimentares nos primeiros
meses de vida, restantes antecedentes
pessoais irrelevantes. No exame objectivo destacava-se em ambas as irmãs
implantação posterior de cabelo baixa,
pavilhões auriculares proeminentes, palato ogival, mamilos afastados e cúbitos
valgus. Apresentavam ainda miopia. Estadios de Tanner P3M3. A Radiografia
das mãos evidenciou encurtamento do 4º
e 5º metacarpo e Idade óssea de 13 anos
(Figura 3). Útero de pequeno volume na
ecografia pélvica. O cariotipo do sangue
periférico (45,X) confirma o diagnóstico
de ST em ambas as irmãs. Sem outras
alterações. Iniciaram terapêutica com
estrogénios, com obtenção de períodos
menstruais regulares.
DISCUSSÃO
A ST é uma das anomalias genéticas mais comuns, mas nem sempre
o diagnóstico é precoce, nos primeiros
anos de vida, atendendo às variadas características fenotípicas mais ou menos
evidentes que a caracterizam.
A identificação precoce destas
crianças após confirmação genética requer seguimento adequado tendo em
atenção as alterações endócrinas, cardiovasculares e psicossociais na infância
e na adolescência.
A suspeição clínica pode ocorrer de
imediato no recém-nascido, que se apresenta com linfedema do dorso das mãos
e dos pés ou com pele redundante, principalmente na região do pescoço(3), como
aconteceu no primeiro caso clínico descrito. No período neonatal podemos ainda associar o baixo peso e comprimento
diminuído e alterações cardíacas a esta
síndrome. Em qualquer criança do sexo
feminino com edema cardíaco, coração
esquerdo hipoplásico ou coartação da
aorta é obrigatório suspeitar de ST, uma
vez que está associada a uma frequência
aumentada destas situações3. Em cerca
de 1/5 a 1/3 das crianças com ST o diag-
Figura 1 – Gráfico de evolução da estatura
referente ao caso 1
Figura 2 – Cariotipo realizado no caso 2
(Mosaicismo 45X;47XXX)
Figura 3 – Radiografia das mãos com encurtamento do 4º e 5º metacarpo (caso clínico 3 e 4)
casos clínicos
153
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
nóstico é feito nesta altura. Permite um
acompanhamento precoce e identificação de outras malformações associadas,
de alterações oftalmológicas e auditivas
e possibilita a instituição de terapêutica
nomeadamente hormona de crescimento
numa idade mais precoce.
Durante a infância, algumas das características fenotípicas associadas são
a baixa estatura, pterigium coli, inserção
posterior de cabelo baixa, pavilhões auriculares proeminentes e baixamente
implantados, epicanto, ptose, esclerótica
azul, mandíbula pequena, palato ogival,
tórax alargado com mamilos afastados,
pectus excavatum, escoliose, deformidade de Madelung, cubitus valgus, 4º
metacarpo ou metatarso curto, unhas
hiperconvexas ou nevus em número aumentado.
A criança apresentada no caso clínico 2 para além da baixa estatura, não
apresentava outros estigmas de ST, o
que justifica o diagnóstico mais tardio.
A desaceleração do crescimento estatural inicia-se por volta dos 18 meses(3), e
é progressivamente mais pronunciada e
evidente com o passar dos anos(5). Em
qualquer criança com baixa estatura e
com uma velocidade de crescimento inferior ao percentil 10 para a idade é obrigatória a realização de cariotipo, o que
aconteceu neste caso.
Na adolescência, para além das características descritas, que muitas vezes
passam despercebidas, é o atraso pubertário que faz geralmente suspeitar deste
diagnóstico, embora 10-20% das raparigas tenha desenvolvimento mamário espontâneo e uma pequena percentagem
possa apresentar períodos menstruais(5). A
baixa estatura associada ao atraso pubertário foi o motivo de referenciação à consulta de pediatria das duas irmãs gémeas
apresentadas. Salientamos neste caso a
presença de alguns aspectos fenotípicos
que poderiam ter alertado os clínicos para
este diagnóstico mais precocemente. O
diagnóstico tardio nestes dois casos inviabilizou a terapêutica com HC.
Na presença de características típicas é obrigatória a realização do cariotipo do sangue periférico, o que aconteceu
nos casos clínicos apresentados, confirmando o diagnóstico. Se a avaliação
154
casos clínicos
inicial for normal mas a suspeição clínica
for importante, deve ser pedido um estudo Fluorescent in situ hibridation (FISH)
para excluir mosaicismo de baixo grau(2).
Depois de efectuado o diagnóstico, deve ser feita avaliação ecográfica
cardíaca, renal e pélvica. Para além das
alterações já descritas, as crianças com
ST podem ter atraso do desenvolvimento, dificuldades de aprendizagem, outras
malformações cardíacas (válvula aórtica
bicúspida, estenose aórtica, prolapso da
válvula mitral), dificuldades alimentares,
refluxo gastro-esofágico, hipotiroidismo,
alterações oftalmológicas (estrabismo,
ambliopia, cataratas) e auditivas (OMA
recorrente, surdez neurossensorial), malformações renais (rim pélvico, rim em ferradura, duplicação do sistema colector),
pelo que estas crianças têm que ser avaliadas multidisciplinarmente, por várias
especialidades médicas. As crianças dos
casos clínicos apresentados não apresentaram nenhuma das comorbilidades
frequentemente associadas à ST.
A terapêutica com HC parece eficaz
no aumento da estatura final, no entanto
a idade óptima de início e a dose são variáveis consoante os centros estudados.
As crianças com ST não têm normalmente défice de HC, mas apresentam uma
restrição muito marcada do crescimento
e sem tratamento a altura na idade adulta
raramente ultrapassa 143 cm(6). A identificação destas crianças é muito importante de forma a se instituir esta terapêutica na idade adequada. O envolvimento
das famílias, compreensão da situação e
cumprimento da administração de HC no
domicílio, permite melhores resultados
em termos da estatura final, o que não
aconteceu no 1º caso, por baixa adesão
à terapêutica. A HC pode ser associada
a esteróides anabolizantes como a oxandrolona, em crianças com extrema baixa
estatura ou mais velhas(6,7). A terapêutica
com estrogénios geralmente é necessária para induzir o desenvolvimento pubertário (o que aconteceu nos casos 3 e 4),
só deve ser iniciada após doseamento da
gonadotrofina sérica, e a sua administração deve reflectir o processo de uma puberdade normal(6).
A ST está associada a riscos psicossociais significativos, incluindo o compo-
nente cognitivo, social e comportamental,
pelo que um acompanhamento psicológico e médico especializado deverá ser desenvolvido desde a altura do diagnóstico
ou a partir da entrada para a escola. O
atraso pubertário pode exacerbar o impacto psicossocial negativo, associado a
timidez excessiva, ansiedade social, início tardio da vida sexual e diminuição da
taxa de casamento(6).
Devem ser avaliadas periodicamente não só para controlo dos problemas
médicos detectados durante a infância,
mas também de forma a prevenir e detectar outras patologias com incidência
aumentada nesta síndrome, nomeadamente osteoporose, hipertensão arterial,
dislipidémia e diabetes(7).
CONCLUSÕES
Apesar de ser uma das doenças
genéticas mais conhecidas e observadas
em Pediatria, a sua apresentação pleomórfica e muitas vezes subtil, origina um
número considerável de diagnósticos tardios, pelo que é importante conhecer as
suas características clínicas principais, e
eventualmente pedir o cariotipo em todas
as raparigas com cardiopatia congénita,
baixa estatura não explicada ou atraso
pubertário(2). O acompanhamento deve
ser multidisciplinar, não esquecendo aspectos neurofisiológicos e psicossociais,
não só destas crianças como das suas
famílias.
TURNER SYNDROME, SEVERAL
PRESENTATIONS OF THE SAME
DISEASE
ABSTRACT
Turner Syndrome is a genetic condition with an incidence of 1 in 2.500 live female births. It shows a large constellation
of clinical features with different levels of
severity, from major cardiac defects to minor phenotypic findings. Short stature and
ovarian failure are almost a constant. Besides cardiovascular manifestations, girls
may present other abnormalities, mainly
renal, cutaneous, neurological and in the
skeletal system.
The authors present four case reports of Turner Syndrome with different
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
clinical presentations: a newborn with
phenotypic features at birth; a child with
short stature; two adolescent twin sisters
with failure of sexual maturation.
Clinical features of Turner Syndrome can be mild; the absence of the
typical manifestations, like lymphedema, webbed neck, low hairline, short
stature and cubitus valgus, may delay
the diagnosis.
Key-Words: Turner Syndrome,
lymphedema, webbed neck, short stature, gonadal failure
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 152-155
BIBLIOGRAFIA
1. Jones KL. 45X Syndrome. In: Smith`s
Recognizable Patterns of Human
Malformation, 6th ed. Philadelphia:
Saunders Elsevier, 2006; 76-81
2. Melissa L. Loscalzo. Turner Syndrome. Pediatr. Rev. 2008;29:219-27
3. Sybert VP, McCauley E. Turner's
syndrome.
N
Engl
J
Med.
2004;351(12):1227-38
4. Donaldson MD, Gault EJ, Tan KW,
Dunger DB. Optimising management in Turner syndrome: from infancy to adult transfer. Arch Dis Child.
2006;91(6):513-20
5. Rapaport R. Hypergonadotropic
hypogonadism in the female (primary hypogonadism). In: Kliegman
RM, Behrman R, Jenson HB, Stanton
BF, editors. Nelson Textbook of Pediatrics. 18th ed. Philadelphia: Saunders Elsevier, 2007; 2386-90
6. Bondy CA. New issues in the diagnosis and management of Turner
syndrome. Rev Endocr Metab Disord.
2005;6(4):269-80
7. Bondy CA. Care of girls and women
with Turner syndrome: A guideline of the Turner Syndrome Study
Group. J Clin Endocrinol Metab.
2007;92(1):10-25
CORRESPONDÊNCIA
Ana Ehrhardt Pinheiro
R. das Margaridas, 251, Birre
2750-249 Cascais
E-mail: [email protected]
casos clínicos
155
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Encefalomielite Aguda Disseminada
– Evolução Atípica
Gisela Silva1, Teresa Mesquita Guimarães1, Telma Barbosa1, Lurdes Morais1,
Fernanda Marcelino2, Inês Carrilho3, Rosa Amorim4, Virgílio Senra1
RESUMO
A encefalomielite aguda disseminada (EMAD) é uma doença desmielinizante aguda monofásica do sistema nervoso
central (SNC), cuja maior incidência é
observada em idade pediátrica. A clínica
é variável incluindo sintomatologia sistémica e neurológica.
Os autores relatam o caso clínico de
um jovem de onze anos de idade com alteração do estado de consciência, tetraplegia de instalação aguda e progressão
ascendente associada a diminuição da
acuidade visual e retenção urinária, que
se desenvolveu após fase prodrómica. A
ressonância magnética (RMN) cerebral
e medular revelou áreas de hipersinal
disseminadas. Os estudos laboratoriais
não permitiram o diagnóstico etiológico.
Efectuou tratamento com corticóides e
imunoglobulina intravenosa (IGIV) e necessitou de abordagem multidisciplinar.
Verificou-se recuperação de défices motores e da capacidade de esvaziamento
vesical, mas persistência de atrofia óptica. A RMN cerebral realizada no seguimento revelou apenas atrofia óptica, sem
outras alterações.
Palavras-chave: Encefalomielite
aguda disseminada, idade pediátrica,
RMN cerebral
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 156-159
__________
1
2
3
4
Serviço de Pediatria do H Maria Pia - CHP
Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais e
Pediátricos do H Maria Pia - CHP
Serviço de Neuropediatria do H Maria Pia CHP
Serviço de Medicina Física e Reabilitação do
H Maria Pia - CHP
156
INTRODUÇÃO
A encefalomielite aguda disseminada (EMAD) é uma doença desmielinizante monofásica do sistema nervoso central (SNC) com envolvimento multifocal
da substância branca(1). A apresentação
clínica é muito variável e inclui sintomas
sistémicos, que surgem na designada
fase prodrómica, nomeadamente febre,
mal-estar, mialgias, cefaleias, naúseas,
vómitos e sintomas neurológicos, como:
défices focais/multifocais, ataxia ou perturbações do movimento, convulsões,
nevrite óptica bilateral e mielopatia transversa(1,2).
A maior incidência ocorre em idade
pediátrica, afectando igualmente rapazes
e raparigas(3).
A EMAD apresenta uma incidência estimada de aproximadamente
0,8/100000 crianças por ano(1). Em ¾
dos casos, a etiologia é pós-infecciosa
ou pós-vacinal(1,3). A patogénese não está
perfeitamente esclarecida mas parece resultar de uma resposta auto-imune transitória contra a mielina ou outros auto-antigénios, por mecanismos de mimetização
molecular ou por activação não específica de clones de células T auto-reactivas
associados a factores de susceptibilidade
genética(1,3).
O diagnóstico da EMAD baseia-se
em critérios clínicos e radiológicos(2,4) (ver
Quadro I).
O exame de eleição é a RMN cerebral que revela lesões de hipersinal disseminadas. O tratamento controverso envolve a utilização de corticóides em dose
elevada como primeira linha. Na maioria
dos casos há recuperação completa ao
fim de algumas semanas ou meses(1-3).
É de extrema importância o diagnóstico diferencial com outras entidades,
nomeadamente, a esclerose múltipla,
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
cuja apresentação inicial é muitas vezes
idêntica. Tal só é conseguido com o seguimento onde se demonstra, em exames imagiológicos seriados ao longo de
um período de cinco anos, a ausência de
aparecimento de lesões de novo nos casos de EMAD(2).
RELATO DO CASO CLÍNICO
Jovem do sexo masculino, de onze
anos de idade, caucasiano, previamente
saudável, que iniciou quatro dias antes
do internamento, febre (temperatura axilar máxima: 38,3ºC), astenia, mialgias e
cefaleias frontais. Sem outros sintomas
acompanhantes, nomeadamente respiratórios, gastrointestinais ou exantemas.
Sem vacinação recente nem contacto conhecido com pessoas doentes. Recorreu
ao serviço de urgência (SU) da área de
residência onde foi diagnosticado síndroma virusal, tendo alta com tratamento
sintomático. No dia seguinte, recorreu
novamente ao SU por aparecimento de
vómitos, fotofobia, diminuição da acuidade visual e da força muscular nos membros inferiores (MI) e retenção urinária.
Negava história de traumatismo ou de
ingestão de drogas. Com referência no
exame objectivo a temperatura subfebril
(temperatura axilar: 37,6ºC) e alterações
no exame neurológico, nomeadamente,
midríase fixa bilateral, diminuição da acuidade visual e da força muscular nos MI
com reflexos osteotendinosos (ROT´S)
dificilmente despertáveis. Foi transferido
para um Hospital Central medicado com
ceftriaxone (100 mg/kg/dia) e aciclovir
(50 mg/kg/dia) intravenosos. Na admissão encontrava-se febril (temperatura
axilar: 38,4ºC), hemodinamicamente estável, sonolento, mas facilmente despertável; apresentava rigidez cervical, midríase fixa bilateral, diminuição da acuidade
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Quadro I - Critérios de diagnóstico da EMAD
Características clínicas
- Primeiro evento clínico de doença inflamatória ou desmielinizante do SNC
- Início agudo ou subagudo
- Apresentação polissintomática
- Deve incluir encefalopatia
- alteração comportamental aguda (ex. confusão ou
irritabilidade)
e/ou
- alteração do estado de consciência (desde a sonolência
ao coma)
Figura 1 – RMN cerebral (T2-FLAIR)
seta assinala lesão de hipersinal na região fronto-parietal direita
- Evento deve ser seguido de melhoria clínica e/ou neurorradiológica
- Sequelas podem incluir défices residuais
- Diagnóstico de exclusão
Recaídas de EMAD ocorrendo dentro de 3 meses após evento inicial devem ser
considerados parte do mesmo evento agudo ou na fase de descontinuação ou nas 4
semanas após término de corticóide
Achados característicos na RMN (em FLAIR e ponderação T2)
- Lesões grandes (>1-2 cm), multifocais, hiperintensas, bilaterais e assimétricas , da
substância branca nas regiões supra e infratentoriais. Por vezes, pode ser visível
apenas uma lesão.
- A substância cinzenta (em particular os gânglios da base e o tálamo) pode estar
envolvida
Figura 2 – RMN cerebral (T2-FLAIR)
seta assinala lesão de hipersinal na região occipital direita
- RMN da medula espinhal pode revelar lesões intramedulares confluentes, com
hipersinal variável, juntamente com anomalias do parênquima cerebral
- Sem evidência radiológica de alterações destrutivas prévias da substância branca
Adaptado de : Krupp, LB,B, Tenembaum, S. Consensus definitions proposed for pediatric multiple
sclerosis and related disorders. Neurology 2007; 68:S7.
visual, edema papilar ligeiro OD>OE na
fundoscopia, sem outras alterações nos
pares cranianos e diminuição muito acentuada da força muscular nos quatro membros, sobretudo nos membros inferiores e
mais à esquerda. Nível de sensibilidades
superficiais no dermátomo D9; globo vesical palpável.
Da investigação efectuada o estudo
analítico revelou parâmetros infecciosos
negativos, elevação dos marcadores de
citólise hepática (aspartato transaminase- 128 U/L e alanina transaminase- 384
U/L). A gasimetria venosa e estudo da
coagulação foram normais. O sedimento
urinário e pesquisa de tóxicos na urina foram negativos. O exame citoquímico do
líquor (LCR) revelou pleocitose (30 células) com 40 eritrócitos, glico e proteinorraquia normais e os exames bacteriológico e virulógico foram negativos. O estudo
imagiológico realizado incluiu tomografia
computorizada (TC) cerebral que não
evidenciou alterações e RMN cerebral e
medular que revelou múltiplas áreas de
hipersinal na ponderação T2- Fluid Attenuated Inversion Recovery (FLAIR) nas
regiões corticosubcorticais de ambos os
hemisférios cerebrais (ver Fig. 1 e 2), protuberância (ver Fig. 3), medula espinhal
(ver Fig. 4) e nervo óptico (ver Fig. 5).
Foi iniciado tratamento com metilprednisolona intravenosa (1g/dia) pela
hipótese de diagnóstico mais provável
corresponder a EMAD.
O restante estudo analítico revelou
electroforese das proteínas séricas, estudo imunológico (doseamento de imunoglobulinas e factores do complemento)
e estudo metabólico (doseamento de
aminoácidos, ácidos orgânicos e lactato)
normais.
Figura 3 – RMN cerebral (T2-FLAIR)
seta assinala lesão de hipersinal na região
mediana e paramediana da protuberância
Os resultados microbiológicos incluíram: hemocultura estéril; marcadores
víricos para Vírus da Imunodeficiência
Humana (VIH) e hepatite B negativos;
serologias séricas (IgM e IgG) positivas
para Mycoplasma pneumoniae, Vírus de
Epstein-Barr (VEB), Parvovírus e Vírus
Herpes Simplex-tipo 1 (VHS-1); IgM positiva para Citomegalovírus (CMV) e IgG
positiva para Adenovírus. A pesquisa do
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
157
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Figura 4 – RMN cerebral (T2-FLAIR)
seta assinala lesão no cordão medular de
C3-C4 até à região do cone medular
Figura 5 – RMN cerebral (T2-FLAIR)
seta assinala nevrite óptica à direita
LCR, pela técnica de reacção da cadeia
da polimerase (RCP) foi negativa para
os agentes VHS-1, CMV , VEB, Adenovirus, Enterovirus, Virus Varicela Zooster,
Mycoplasma pneumoniae e Rickettsia
connorii.
Durante as primeiras 72 horas, internado na Unidade de Cuidados Intensivos, e verificou-se agravamento clínico
com períodos de grande sonolência, tetraplegia flácida arrefléxica (MIS :0; MSE:
1+ ; MSD: 1-2+), reflexos cutâneo-plantares indiferentes e nível de sensibilidades
superficiais em D3-D4. Necessidade de
algaliação por retenção urinária. Nessa
altura, foi iniciada IGIV (400mg/Kg/dia)
que manteve durante cinco dias.
Posteriormente, houve melhoria progressiva mas lenta do quadro neurológico
assistindo-se, em primeiro lugar, à recuperação da força muscular dos membros
superiores e da acuidade visual (embora
158
mantivesse midríase no décimo primeiro
dia de internamento). A recuperação da
força muscular dos membros inferiores só
se verificou a partir do décimo nono dia
de internamento. Completou sete dias de
ceftriaxone e aciclovir e a partir do quinto
dia de internamento foi reduzida de forma
progressiva a dose de corticóide, tendo
cumprido um total de 30 dias de corticoterapia. O doente permaneceu algaliado
por retenção urinária desde a admissão e
com cateterismos intermitentes desde vigésimo quinto dia de internamento.
A evolução analítica revelou normalização dos valores de transaminases
com serologias séricas (repetidas às três
semanas de doença) inconclusivas. Para
exclusão do componente de radiculite
associada foi realizada electromiografia
(EMG) que não revelou lesão periférica.
O doente teve alta após 40 dias de
internamento mantendo algaliações intermitentes e fisioterapia intensiva diária.
Foi orientado para consulta externa de
Medicina Física e Reabilitação, Urologia,
Oftalmologia e Neuropediatria.
No seguimento clínico, verificouse recuperação total da força muscular.
Manteve, no entanto, atrofia óptica bilateral (OD++), com a Tomografia de coerência óptica (TOC) do disco óptico a revelar
atrofia quase total da camada de fibras
nervosas e das células ganglionares.
Os potenciais evocados visuais mostraram disfunção marcada das vias ópticas,
campo visual central (tubular) à direita e
com ligeira constrição à esquerda. Relativamente à disfunção do tracto urinário
verificou-se recuperação da instabilidade
vesical,após um período de treze meses
em que foi integrado em ensaio duplamente cego com Alfachin® (alfuzonina)
na dose de 0,1 mg/kg/dia.
A RMN cerebral e medular, repetida dois meses e meio após o início dos
sintomas, revelou desaparecimento das
lesões de hipersinal, à excepção de nevrite óptica.
DISCUSSÃO
A encefalomielite aguda disseminada (EMAD) em idade pediátrica apresenta
uma idade média de início da doença de
seis anos e meio (1). Há no entanto, casos
descritos em jovens, como o do doente
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
apresentado, e mesmo em adultos(1). A
doença desenvolve-se geralmente após
imunização ou infecção, sendo possível
estabelecer uma relação temporal entre o
início do evento febril e os sintomas neurológicos(1). Neste doente, não foi possível
apurar a etiologia do evento clínico precedente. O curso clínico é rapidamente progressivo e no caso apresentado houve
um intervalo de quatro dias entre a fase
prodrómica e o aparecimento do quadro
neurológico, o que é concordante com a
literatura (média de 4,5 dias)(2). Dentro dos
exames complementares de diagnóstico
destacam-se o exame do LCR que pode
apresentar características inflamatórias
(linfocitose , elevação da proteinorraquia
e da gamaglobulina e mais raramente
das bandas oligoclonais de IgG), testes
laboratoriais específicos (serologias para
agentes infecciosos, exame cultural LCR
e do sangue) para identificação ou exclusão de causa infecciosa subjacente
e o estudo imagiológico(1-3,5). Dentro dos
exames imagiológicos, a RMN cerebral
e medular constitui o exame de eleição
demonstrando lesões inflamatórias mal
delimitadas disseminadas, sem efeito de
massa que surgem como áreas de hipersinal em sequências ponderadas T2 e
FLAIR(2,5). As lesões são tipicamente grandes, múltiplas e assimétricas, com atingimento preferencial da substância branca
(subcortical) e envolvimento eventual da
substância cinzenta (tálamo e gânglios
da base), sem envolvimento do corpo
caloso(2,3). O caso descrito corresponde
a provável EMAD quer pela clínica de
envolvimento multifocal com apresentação polissintomática quer pelos achados
característicos da RMN e boa resposta à
corticoterapia. Contudo, não foi possível
apurar a etiologia não só pela ausência
de dados sugestivos na história clínica
como pelo facto das serologias serem inconclusivas e sofrerem a interferência de
terapêutica com IGIV e ainda por não ter
sido isolado qualquer agente no exame
do LCR. O tratamento de primeira linha
na EMAD consiste na administração de
corticóide intravenoso (metilprednisolona 10-30mg/kg/dia até um valor máximo
de 1g/dia)1 seguido ou não por curso de
prednisolona oral na dose inicial de 2mg/
kg/dia, com redução progressiva ao longo
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
de quatro a seis semanas(1-3). O tratamento de segunda linha poderá incluir administração de ACTH (em doses elevadas),
imunoglobulina intravenosa (IGIV), plasmaferese, agentes imunomoduladores/
citotóxicos além da cobertura antibacteriana e antivírica empírica (até exclusão
de encefalite bacteriana ou vírica)(1-3). No
caso apresentado efectuou-se tratamento simultâneo com corticóide e IGIV pelo
agravamento clínico inicial apesar da
instituição da corticoterapia. A resolução
completa das lesões ocorre em 37 a 75%
dos casos e a resolução parcial em 25
a 53% dos casos; também se verifica a
ausência de aparecimento de lesões de
novo(1,2).
No presente caso a evolução foi
atípica, sem aparecimento de sinais piramidais, como a hiperreflexia e espasticidade, o que poderá ser justificado pelo
facto das áreas de hipersinal poderem
corresponder mais a edema do que a
lesão desmielinizante. Os sindromes do
sistema nervoso periférico (como, a polirradiculoneuropatia) asociados a EMAD
são raros(2), e foram excluídos através da
electromiografia.
A evolução neurológica do doente
em termos motores foi favorável com recuperação dos défices motores e desaparecimento das imagens de hipersinal
na RMN de controlo realizada 2 meses
após o início da doença. Tratou-se, no
entanto, de um quadro com recuperação
muito lenta, já que só houve melhoria da
força muscular nos membros inferiores a
apartir do décimo nono dia de doença. No
seguimento do doente, durante 24 meses, verificaram-se importantes sequelas
visuais, o que não está de acordo com
a literatura, onde é descrito um prognóstico favorável em praticamente todos os
doentes(6). Desta patologia resultou ainda
a disfunção do tracto urinário inferior, o
que é relativamente comum, em particular, nos doentes com EMAD com lesões
graves da medula espinhal(7,8). A recuperação pode ser incompleta e pode persistir mesmo após a recuperação de outros
défices neurológicos(7).
É sempre importante salientar que
o seguimento do doente por uma equi-
pa multidisciplinar foi uma chave fundamental para o sucesso alcançado. O
acompanhamento a longo prazo será
ainda crucial para o esclarecimento/confirmação diagnóstica já que não existem
marcadores específicos para a EMAD e
porque o prognóstico dependerá do risco
de recorrência(6).
CONCLUSÕES
Salienta-se a importância de diagnóstico e tratamento precoces da EMAD
e do apoio multidisciplinar, que condiciona
um prognóstico mais favorável. Ainda de
notar que o diagnóstico definitivo desta
entidade dependerá da recorrência ou não
dos episódios no seguimento doente.
ACUTE DISSEMINATED
ENCEPHALOMYELITIS
- ATYPICAL OUTCOME
ABSTRACT
Acute disseminated encephalomyelitis (ADEM) is an acute monophasic
demyelinating disease of the central nervous system (CNS). The highest incidence occurs in childhood. Clinical presentation includes systemic and neurological
symptoms.
The authors report the case of a eleven year old boy who presented a combination of altered state of consciousness,
acute ascendant tetraplegy, lowering of
visual capacity e urinary retention, after
a prodromal phase. Cerebral and medullar magnetic resonance imaging (MRI)
showed high signal disseminated areas.
Laboratorial tests couldn’t establish an
etiology. The treatment included corticosteroids and intravenous immunoglobulin
and need for multidisciplinary team support. The patient recovered from motor
deficits and became able to urinate, however optic atrophy persisted. Follow-up
brain MRI during the following showed
only optic atrophy.
Key-words: Acute disseminated encephalomyelitis, childhood, brain MRI
BIBLIOGRAFIA
1. Mengel T, Kieseier BC, Nessler S,
Hemmer B, Hartung HP, Stuve O.
Acute disseminated encephalomyelitis: an acute hit against brain. Cur
Opin Neurol 2007,20:247-254
2. Stonehouse M, Gupte G, Wassmer
E, Whitehouse WP. Acute disseminated encephalomyelitis: recognition in
the hands of general paediatricians.
Arch Dis Child, 2003; 88:122-124
3. Tenembaum S, Chitnis T, Ness J,
Hahn JS. Acute disseminated encephalomyelitis. Neurol ,2007; 68 (Suppl 2):S23-S36
4. Lotze TE. Differential diagnosis of
acute central nervous system demyelination in children. Acessível
em http://www.uptodate.com/online/
content/topic.do?topicKey=ped_
neur/19682&view=print
5. Garg RK. Acute disseminated encephalomyelitis. Postgrad Med J,2003;
79:11-17
6. Kotlus BS, Slavin ML, Guthrie DS,
Kodsi SR, Ophtalmologic manifestations in pediatric patients with acute
disseminated encephalomyelitis. JAAPOS, 2005; 9(2):179-83
7. Panicker J, Nagaraja D, Kovoor J,
Nair K, Subbakrishna D. Lower urinary tract dysfunction in acute disseminated encephalomyelitis. Mult
Scler,2009;15(9):1118-22. Epub 2009
8. Sakakibara R, Hattori T, Yasuda K,
Yamanishi T. Micturitional disturbance in acute disseminated encephalomyelitis (ADEM). J Auton Nerv
Syst,1996;60(3):200-5
CORRESPONDÊNCIA
Gisela Marina Moreira da Silva
Hospital Maria Pia, Porto
Rua da Bovista, 827
4050-111 Porto
Telemóvel: 919 200 724
e-mail: [email protected]
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 156-159
ciclo de pediatria inter hospitalar do norte
159
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Breast-feeding: a commentary by the ESPGHAN
Committee on Nutrition
ESPGHAN Committee on Nutrition: Carlo Agostoni, Tamas Decsi, Mary Fewtrell, Olivier Goulet, Sanja Kolacek,
Berthold Koletzko, Kim Fleischer Michaelsen, Luis Moreno, John Puntis, Jacques Rigo, Raanan Shamir,
Hania Szajewska, Dominique Turck, and Johannes van Goudoever
JPGN 46:99–110, 2008.
ABSTRACT
This position paper on complementary feeding summarizes evidence for
health effects of complementary foods.
It focuses on healthy infants in Europe.
After reviewing current knowledge and
practices, we have formulated these conclusions: Exclusive or full breast-feeding
for about 6 months is a desirable goal.
Complementary feeding (ie, solid foods
and liquids other than breast milk or infant
formula and follow-on formula) should not
be introduced before 17 weeks and not
later than 26 weeks. There is no convincing scientific evidence that avoidance
COMENTÁRIOS
O aleitamento materno é, de facto,
um tema recorrente mas é também um
tema inesgotável, em que há e haverá
sempre que dizer.
Este Position Paper do Comité de
Nutrição da ESPGHAN aborda várias
facetas do Aleitamento Materno, mas
incide preferencialmente sobre alguns
pontos sobre os quais desenvolveria este
comentário, que são:
- adequação e promoção do aleitamento materno;
- crescimento dos lactentes amamentados;
- evidência científica sobre benefícios
do aleitamento materno na promoção da saúde e na prevenção da
doença inclusive a longo prazo, ou
seja, na vida adulta;
ADEQUAÇÃO E PROMOÇÃO DO
ALEITAMENTO MATERNO
O leite materno é a forma natural de
alimentar os lactentes que permitirá com
segurança, o seu melhor crescimento e
desenvolvimento, contemplando prova-
160
artigo recomendado
or delayed introduction of potentially allergenic foods, such as fish and eggs,
reduces allergies, either in infants considered at increased risk for the development of allergy or in those not considered
to be at increased risk. During the complementary feeding period, >90% of the
iron requirements of a breast-fed infant
must be met by complementary foods,
which should provide sufficient bioavailable iron. Cow’s milk is a poor source of
iron and should not be used as the main
drink before 12 months, although small
volumes may be added to complementary foods. It is prudent to avoid both early
velmente mecanismos de ajuste e programação metabólica fundamentais para
a homeostasia global do indivíduo não só
a curto, mas também a médio e a longo
prazos.
Também, o leite materno encerra
em si um carácter de exclusividade e
especificidade na relação mãe-filho, que
não passa só pela afectividade, mas também por sinaléptica bioquímica e microbiológica, modulada pela metabolómica
e microbiómica, imprimindo e veiculando
um conhecimento histórico da espécie
mas também ambiencial em tempo real,
que permite ao par mãe-filho a melhor
adaptabilidade ao meio(1).
Assim, a era metagenómica que estuda o material genético recolhido directamente de amostras do ambiente, permite o alargamento da abrangência do
estudo quer de microbiomas (totalidade
de micróbios de uma comunidade, do seu
material genético e das suas interacções,
num determinado ambiente) por exemplo
a microflora intestinal, quer de metabolomas (totalidade de metabolitos e outras
moléculas sinalizadoras de uma amos-
(<4 months) and late (_7 months) introduction of gluten, and to introduce gluten
gradually while the infant is still breastfed, inasmuch as thismay reduce the risk
of celiac disease, type 1 diabetesmellitus,
and wheat allergy. Infants and young children receiving a vegetarian diet should
receive a sufficient amount (_500 mL) of
breast milk or formula and dairy products.
Infants and young children should not be
fed a vegan diet.
Key Words: Complementary feeding — Solid foods — Beikost — Breastfeeding — Dietary intakes — Early nutrition programming of adult health.
tra biológica, que são os produtos finais
da sua expressão génica), que dão um
cenário muito mais completo da bioquímica, fisiologia e microbiologia humanas.
Assim, esta plasticidade da expressão
génica, modulação e programação metabólicas, decorrente de sinais ambientais
em janelas críticas do desenvolvimento,
imprimem um cunho único e pessoal, ou
seja, uma plasticidade semelhante à homeostasia humana, afectando mais ou
menos directamente o desenvolvimento
de um estado de saúde ou de doença,
no imediato ou em deferido. O papel do
aleitamento materno neste tema tem sido
alvo de intensa investigação e interesse,
no que se refere ao possível efeito programador e modulador nomeadamente
de teores proteicos, teores de colesterol,
presença microorganismos com função
probiótica e os oligossacáridos, com função prebiótica(2).
Por tudo que foi exposto, e segundo a WHO (World Health Organization),
o aleitamento materno deve ser assegurado, protegido e promovido. As mães
necessitam de ser informadas e reforça-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
das, proactivamente, especialmente nos
períodos pré-natal e pós-natal imediato,
no sentido de praticar a amamentação
exclusiva.
A WHO e a UNICEF (United Nations Children´s Fund) desenvolveram o
Baby-Friendly Hospital Initiative (BFHI)
defendendo a adopção, pelas entidades
que adiram a esta iniciativa, de 10 passos que suportam o aleitamento materno
bem sucedido(3). O estudo PROBIT (The
Promotion of Breastfeeding Intervention
Trial), o primeiro estudo randomizado do
BFHI, assenta na obtenção de evidência
científica da relação entre um plano de
intervenção para a promoção do aleitamento materno e a saúde do lactente(4).
Este estudo pretende, através da randomização de lactentes para pertencerem
a um programa de intervenção de promoção do aleitamento materno, avaliar
o impacto do benefício, nomeadamente
de um menor risco de infecção. De facto,
este tipo de estudos pode ser bastante
útil numa estratégia de investigação rigorosa e exequível para obviar bias, uma
vez que evidência científica relativa ao
aleitamento materno e sua associação
com lactentes saudáveis tem vindo a ser
baseada em estudos observacionais, por
não ser praticável nem ético randomizar
lactentes para amamentação ou aleitamento artificial. Estes estudos observacionais podem estar contaminados por
numerosos bias relacionados com medições, selecção, factores confusionais
e causalidade reversa, fazendo emergir
dúvidas sobre a magnitude, e mesmo
existência, por exemplo, do efeito protector do aleitamento materno contra a
infecção, especialmente em contexto de
países desenvolvidos, onde estes efeitos
são mais difíceis de demonstrar, comparativamente a meios com elevada prevalência de pobreza, malnutrição e higiene
deficitária(5).
CRESCIMENTO DOS LACTENTES
AMAMENTADOS
O padrão de crescimento dos lactentes saudáveis alimentados com leite
materno, que difere dos lactentes alimentados com fórmula, é reconhecido desde
os anos 90 com base em estudos observacionais(6). Assim, os lactentes amamen-
tados parecem mostrar um rápido crescimento durante os primeiros 3 meses de
idade, seguido de ligeira diminuição dos
z-scores do peso-para-a-idade dos 3 aos
12 meses de idade, relativamente aos
alimentados com fórmula(6,7). Do mesmo
modo, os z-scores do comprimento-paraa-idade dos lactentes alimentados exclusivamente com leite materno diminuem
pelos 6 meses, mas recuperam pelos 12
meses, de forma a que estes lactentes
sejam tipicamente mais magros que os
lactentes alimentados com fórmula, por
volta do ano de idade. De realçar, que
o perímetro cefálico não difere entre os
lactentes alimentados com leite materno ou fórmula, bem como os primeiros
têm menor morbilidade e têm um normal
desenvolvimento psicomotor, pelo que
este padrão de crescimento dos lactente alimentados com leite materno, não
está associado com quaisquer efeitos
clínicos adversos (muito antes pelo contrário, como será referido a seguir) e não
deve ser interpretado como crescimento
deficitário que possa justificar a suplementação com fórmula, ou antecipação
do início da diversificação alimentar, ou
até considerar o leite materno deficitário
quantitativa ou qualitativamente(6-8) .
As curvas do NCHS (National Center for Health Statistics) de 1977, foram
baseadas em dados recolhidos predominantemente de caucasianos alimentados com fórmula. Estas foram revistas
em 2000 pelo CDC (Centers for Disease
Control and Prevention), incorporando
dados antropométricos de lactentes alimentados com leite materno e fórmula,
bem como com maior variedade racial e
étnica. Ainda assim, devido às limitações
biológicas e técnicas destas curvas, a
WHO publicou novas curvas de referência geradas de dados antropométricos
de cerca de 8500 crianças do Brasil,
Ghana, Índia, Noruega, Oman e Estados
Unidos, o WHO Multicenter Growth Reference Study, publicados em 2006. Este
documento pretende descrever como
as crianças deveriam crescer em todos
os países, em vez de descrever como
cresceram num determinado tempo e
espaço; ou seja, baseou-se em lactentes
saudáveis, de gravidezes não gemelares,
amamentados ou predominantemente
amamentados pelo menos durante 4 meses, a crescer num ambiente circundante
saudável, cujas mães não fumadoras antes e depois do parto, cumprissem as recomendações alimentares internacionais
(Academia Americana de Pediatria –AAP
e WHO). Estas curvas foram construídas
com dados longitudinais e transversais,
cujos padrões têm um carácter prescritivo e não descritivo, ou seja, elucidam
de como as crianças devem crescer sob
as melhores práticas de saúde, e não de
como cresceram nas populações estudadas, ou seja, reunindo todas as condições para conseguirem atingir o seu
máximo potencial genético, tendo exibido
um padrão semelhante de crescimento
em qualquer parte do mundo(9,10).
O importante será dizer que nunca
deve ser esquecido que as curvas de
crescimento são utensílios que contribuem para a formulação de uma impressão clínica do lactente e criança e nunca
devem ser usadas como um instrumento
diagnóstico isolado.
EVIDÊNCIA CIENTÍFICA SOBRE
BENEFÍCIOS DO ALEITAMENTO
MATERNO NA PROMOÇÃO DA SAÚDE
E NA PREVENÇÃO DA DOENÇA
Embora este documento esmiúce a
evidência científica em várias áreas desse benefício, comentaria apenas alguns
aspectos referentes ao desenvolvimento
da obesidade pelo impacto actual desta
patologia na sociedade.
O tamanho e o padrão de crescimento do lactente parecem ser determinantes do desenvolvimento de sobrepeso e obesidade, mais tarde. De facto,
ser um lactente grande (estar no limite
superior de peso) bem como sofrer um
crescimento rápido nos primeiros meses
de vida parecem estar relacionados com
o desenvolvimento posterior de sobrepeso/obesidade(11-13). A definição de grande
para a idade e de crescimento rápido terá
necessariamente a haver com as referências, ou seja, com as curvas de crescimento. Assim, e como acima foi dito,
comparativamente às curvas da WHO,
as curvas da CDC de 2000 reflectem
uma amostra mais pesada e mais baixa
(com excepção dos primeiros 3-6 meses
de vida), de que resulta, quando usadas
artigo recomendado
161
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
as curvas da WHO, menores taxas de
subnutrição e maiores taxas de sobrepeso/obesidade, o que no contexto actual
de elevada prevalência destas entidades
clínicas, será certamente uma mais valia,
uma vez que não subestima o problema
real de saúde pública. Assim, e pelo acima explanado, o aleitamento materno
pode ter um papel importante e precoce
na prevenção desta patologia tão prevalente(14).
Os mecanismos subjacentes ao
efeito protector do leite materno contra
a obesidade poderão ser vários, desde
a quantidade de leite ingerida (saciedade
do lactente melhor respeitada no aleitamento materno), menor teor energético
e proteico do leite materno ( menor libertação de insulina e portanto menor
armazenamento adiposo), menor taxa de
crescimento após os 2-3 meses de idade,
e influência da microflora no metabolismo
energético. É sabido que a composição
da flora intestinal com franco predomínio
de bifidobactérias é apanágio do aleitamento materno, que é substancialmente
diferente da composição da microflora
do lactente alimentado com fórmula. Por
outro lado, parece haver uma séria influência da microflora intestinal no metabolismo energético por diferentes mecanismos como sejam a extracção de energia
a partir dos componentes não digeridos
da dieta, a regulação do armazenamento
de gordura (expressão do fasting-induced adipose factor - FIAF), a regulação
da lipogénese através da regulação da
expressão de enzimas como a aceil-CoA
carboxilase (ACC) e a sintetase de ácidos gordos (FAS), e/ou a expressão de
proteínas como a carbohydrate responsive element binding protein (ChREBP), a
sterol responsive element binding protein
(SREBP-1), ou ainda a regulação da oxidação dos ácidos gordos (actividade da
AMP-activated protein kinase)(15,16).
Em suma, as fórmulas infantis são
apenas comida, enquanto o leite materno é um fluído nutricional complexo e
__________
1
Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria
162
artigo recomendado
vivo, de composição dinâmica, variável e
adaptada ao lactente e suas circunstâncias ambienciais, contendo anticorpos,
enzimas, hormonas, entre outras substâncias bioactivas, todas parecendo ter
um papel benéfico para a promoção da
saúde e prevenção da doença.
Helena Ferreira Mansilha1
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 160-162
BIBLIOGRAFIA
1. Lonnerdal B. Personalized nutrient
intakes of formula-fed infants: breast
milk as a model. Nestle Nutr Ser Ped
Prog, 2008; 62: 189-203.
2. Preidis GA, Versalovic J. Targeting
the Human Microbiome with antibiotics, probiotics and prebiotics: Gastroenterology enters the Metagenomics
Era. Gastroenterology, 2009; 136:
2015-2031.
3. WHO/UNICEF. Protecting, Promoting
and Supporting Breastfeeding: The
Special Role of Maternity Services.
Geneva, Switzerland: World Health
Organixation; 1989.
4. Kramer MS, Chalmers B, Hodnett
ED, et al. Promotion of Breastfeeding
Intervention Trial (PROBIT): a randomized trial in the Republic of Belarus. JAMA, 2001; 285(4): 413-420.
5. Bauchner H, Leventhal JM, Shapiro
ED. Studies of breast-feeding and infections: how good is the evidence?
JAMA, 1986; 256: 887-892.
6. Heinig MJ, Nommsen LA, Peerson
JM, et al. Intake and growth of breastfed infants and formula-fed infants in
relation to the timing of introduction of
complementary foods: The DARLING
study. Davis Area Research on Lactaction, Infant Nutrition and Growth.
Acta Paediatr 1993; 82: 999-1006.
7. Kramer MS, Guo T, Platt W, Shapiro
S, et al. Breastfeeding and infant
growth: Biology or Bias? Pediatrics,
2002; 110: 343-347.
8. American Academy of Pediatrics,
Section on Breastfeeding. Breastfeeding and the use of human milk.
Pediatrics 2005; 115: 496-506.
9. World Health Organization Multicenter Growth Reference Study Group.
WHO child growth standards. Acta
Paediatr Suppl 2006; 450: 1-101.
10. de Onis M, Onyango AW, Borghi E,
et al. Comparison of the World Health
Organization (WHO) child growth
standards and the National Center
for Health Statistics/WHO international growth reference: Implications
for child health programs. Pub Health
Nutr 2006; 9: 924-47.
11. Baird J, Fisher D, Lucas P, et al. Being
big or growing fast: systematic review
of size and growth in infancy and later
obesity. BMJ, 2005; 331: 929-931.
12. Stettler N, Zemel BS, Kumanyika S,
Stallings VA. Infant weight gain and
childhood overweigth status in a
multicenter, cohort syudy. Pediatrics,
2002; 109: 194-9.
13. Reilly JJ, Armstrong J, Dorosty AR,
Emmett PM, Ness A, Rogers I, et al.
Early life risk factors for obesity in
childhood: cohort study. BMJ, 2005;
330: 1357.
14. Von Kries R, Koletzko B, Sauerwald
T, von Mutius E, et al. Breast feeding
and obesity : cross sectional study.
BMJ, 1999; 319: 147-150.
15. Cani PD, Delzenne NM. The role of
the gut microbiota in energy metabolism and metabolic disease. Current
Pharmaceutical Design, 2009; 15(13):
1546-1558.
16. Burcelin R, Luche E, Serino M, Amar
J. The gut microbiota ecology: a new
opportunity for the treatment of metabolic diseases? Front Biosci, 2009;
14: 5107-17.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Probiotic Effects on Cold and Influenza-Like Symptom
Incidence and Duration in Children
Gregory J. Leyer, PhD, Shuguang Li, MS, Mohamed E. Mubasher, PhD,
Cheryl Reifer, PhD and Arthur C. Ouwehand, PhD
Pediatrics 2009; 124 ( 2 ): e172-e179
Objective: Probiotic consumption
effects on cold and influenza-like symptom incidence and duration were evaluated in healthy children during the winter
season.
Methods: In this double-blind,
placebo-controlled study, 326 eligible
children (3–5 years of age) were assigned randomly to receive placebo
(N = 104), Lactobacillus acidophilus
NCFM (N = 110), or L acidophilus
NCFM in combination with Bifidobacterium animalis subsp lactis Bi-07 (N =
112). Children were treated twice daily
for 6 months.
Results: Relative to the placebo
group, single and combination probiot-
COMENTÁRIOS
Aqui temos um artigo actual, pela
temática, e prático, pela aplicação na clínica diária. Para ajudarmos as crianças
entre 3 e 5 anos de idade a passarem
melhor o Outono e Inverno, estações em
que as infecções das vias aéreas superiores têm maior incidência, iniciemos em
Abril um suplemento alimentar dos probióticos referidos.
Probióticos são agentes microbianos vivos, bactérias ou fungos que,
quando ingeridos em quantidades suficientes, exercem um efeito benéfico no
estado de saúde do hospedeiro(1). São
veiculados em alimentos ou suplementos
alimentares e em forma medicamentosa.
Actuam indirectamente através da modelação da flora intestinal, influenciando
o seu desenvolvimento e modificando a
sua composição e actividade, e directamente através da produção de mediadores capazes de actuar, por exemplo,
na permeabilidade da mucosa intestinal,
ics reduced fever incidence by 53.0%
(P = .0085) and 72.7% (P = .0009),
coughing incidence by 41.4% (P = .027)
and 62.1% (P = .005), and rhinorrhea incidence by 28.2% (P = .68) and 58.8%
(P = .03), respectively. Fever, coughing,
and rhinorrhea duration was decreased
significantly, relative to placebo, by
32% (single strain; P = .0023) and 48%
(strain combination; P < .001). Antibiotic
use incidence was reduced, relative to
placebo, by 68.4% (single strain; P =
.0002) and 84.2% (strain combination;
P < .0001). Subjects receiving probiotic products had significant reductions
in days absent from group child care,
by 31.8% (single strain; P = .002) and
na redução da inflamação, no potencial
virulento de agentes microbianos e na
modelação e reforço imunitários. Mais
especificamente, o seu mecanismo de
acção pode esquematizar-se pelo local
de actuação: lúmen intestinal, mucosa e
submucosa(2).
A nível luminal, os probióticos podem modelar a flora intestinal, elevando,
ainda que transitoriamente, a flora benéfica, elaborando produtos antimicrobianos, conhecidos como bacteriocinas,
influenciando a expressão genética das
bactérias do que resulta uma diminuição
da sua virulência (é o chamado “quórum
sensing”: mecanismo pelo qual organismos unicelulares comunicam entre si) e
pelo impedimento da adesão e colonização epitelial de bactérias patogénicas.
A nível da mucosa, os probióticos
têm capacidade de aumentar a produção
e secreção de mucinas, reforçando assim
a protecção conferida pelo revestimento
mucoso do epitélio, o que dificulta, nome-
27.7% (strain combination; P < .001),
compared with subjects receiving placebo treatment.
Conclusion: Daily dietary probiotic supplementation for 6 months was
a safe effective way to reduce fever,
rhinorrhea, and cough incidence and
duration and antibiotic prescription incidence, as well as the number of missed
school days attributable to illness, for
children 3 to 5 years of age.
Key Words: Lactobacillus acidophilus NCFM • Bifidobacterium animalis subsp lactis Bi-07 • antibiotic usage
• upper respiratory infections • colds •
influenza • probiotics
adamente, a adesão e invasão microbiana, em sinergia com o anteriormente referido; de aumentar a produção e secreçã, pelas células de Paneth, localizadas
nas criptas, de produtos antibacterianos
conhecidos como defensinas; de promover a integridade do epitélio, reforçando e
reparando as proteínas de junção (ocludinas e claudinas) e sua resistência eléctrica, e reduzir a apoptose.
A nível submucoso, os probióticos
reforçam os mecanismos de defesa conferidos pela imunidade inata e adaptativa, pela diferenciação plasmocitária dos
linfócitos B e aumento da produção de
IgA, pela facilitação da resposta dos linfócitos T 1 auxiliadores e pela regulação
da resposta alérgica, por- inibição da produção de anticorpos IgE; pela modelação
de mediadores (interleucinas) pró e antiinflamatórios e pela activação de receptores opióides e canabinóides, activação
que poderá conduzir ao alívio da dor visceral observada nas doenças inflamató-
artigo recomendado
163
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
rias crónicas intestinais ou na síndroma
do cólon irritável.
Uma outra explicação para os benefícios obtidos, e, possivelmente, a obter
ainda, reside na conhecida hipótese da
higiene que formula que vivermos num
ambiente de mais higiene, ou seja, menos infeccioso, tem como consequência
um aumento das doenças atópicas, devido ao desequilíbrio das linhas celulares
Th 1 e Th 2, a favor desta. No entanto,
a constatação de que as doenças autoimunes têm vindo a aumentar, inclusivamente nos atópicos, faz pensar que a
linha de que dependem, a Th1, está também estimulada, não havendo desequilíbrio, mas estimulação de ambas. Esta
estimulação deve-se à falta de regulação
por outras células, células T reguladoras,
que por sua vez são estimuladas pelos
agentes infecciosos. Estes, faltando, por
mais higiene, vacinas e antibióticos, não
exercem este seu ancestral papel. Ora
uma maneira de recuperarmos o ecosistema, isto é, de nos infectarmos de novo,
poderá ser com a ajuda de “novos amigos”, os probióticos(3).
A simplicidade aparente do uso preventivo e curativo dos probióticos pode
tropeçar com obstáculos difíceis de remover. É que os probióticos não actuam
todos do mesmo modo, podendo inclusivamente exibir efeitos contraditórios,
têm indicações específicas e podem ter
os seus efeitos potenciados ou anulados
pela combinação entre eles. Será algo
parecido com os efeitos dos antibióticos,
que não actuam da mesma maneira, uns
servindo para uma determinada infecção,
outros para outra, e que, quando combinados, podem ter efeitos benéficos ou
perversos. A actuação dos antibióticos
conta com a imunidade do doente, com
condições anatómicas, etc., não bastando, como bem sabemos, (embora muitas vezes parecendo que não sabemos)
prescrever um qualquer antibiótico para
se debelar uma qualquer infecção. Tam-
__________
1
Professor de Pediatria do ICBAS/HGSA
164
artigo recomendado
bém para obtenção de resultados benéficos pelos probióticos, deveremos contar
com o desenvolvimento e estabelecimento naturais da flora intestinal, dependente
de múltiplos factores, como o tipo de parto, natural ou por cesariana, o regime alimentar, o ambiente em que a criança vive
e uso e abuso de antibióticos(4,5). Neste
artigo recomendado, os autores escolheram dois probióticos e verificaram que
administrados em conjunto produziam
mais efeitos do que só um deles, o Lactobacillus acidophilus, não tendo apurado o
que se passaria utilizando isoladamente
o probiótico que juntaram, o bifidobacterim animalis.
Para além dos presumíveis efeitos
benéficos demonstrados no artigo, há outras áreas em que se tem procurado verificar o seu interesse: a nível intestinal, na
cólica do lactente(6), na síndroma do cólon
irritável,na doença de Crohn, na diarreia
associada aos antibióticos ou infecciosa,
particularmente a rotavirus e na sindroma
do intestino curto; a nível extra-intestinal,
na infecção por HIV e na prevenção da
alergia(7,8). Acrescente-se que este último
benefício pode ser obtido de modo indirecto, quando são administrados probióticos à grávida ou a lactante(9).
Como acontece com qualquer medicamento, pode haver efeitos colaterais,
como aconteceu em casos, muito isolados e particulares, de disseminação hematogénica(7).
Continua aberto o caminho para o
entendimento de que alterar a natureza
implica uma futura factura, por vezes
bem pesada, e que compreendendo-a e
respeitando-a, poderemos, como será de
esperar, obter benefícios, muitas vezes
com atitudes muito simples.
Tojal Monteiro1
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 163-164
BIBLIOGRAFIA
1. United Nations, Food and Agriculture
Organization of the United Nations/
World Health Organization. 2001. Health and nutritional properties of probiotics in food including powder milk
with live lactic acid bacteria. Htpp:/
ftp.fao.org/es/esn/food/probio_report_en.pdf.
2. Sherman P M, Ossa J C, JohnsonHenry K. Unraveling mechanisms of
action of probiotics. Nutr Clin Pract.
2009; 24:10-14.
3. Kligler B, Hanaway P, Cohrssen A.
Probiotics in children. Pediatr Clin N
Am. 2007;54: 949-967.
4. Penders J, Thigs C, Vink C. Factors
influencing the composition of the
intestinal microbiota in early infancy.
Pediatrics 2006; 118: 511-521.
5. Alderberth I, Wold AE. Establishment
of the gut microbiota in western infants. Acta Paediatrica 2009; 98:229238.
6. Savino F, Cresi F, Palumeri E, Tulio
V, Roana J, Silvestro L, Oggero R. Intestinal microflora in breastfed colicky
and non-colicky infants. Acta Paediatr
Scand 2004; 93: 825-829.
7. Wallace B. Clinical use of probiotics
in the pediatric population. Nutr Clin
Pract. 2009; 24:50-59.
8. Vanderhoof J A. Probiotics in allergy
management. J Pediatr Gastroenterol
Nutr. 2008; 47:S38-S40.
9. Kalliomaki M. Probiotics in primary
prevention of atopic disease: a randomised placebo – controlled trial. Lancet 2001; 357:1076 – 1079.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Adherence to treatment in adolescents
Danielle Taddeo, MD, Maud Egedy, MD, and Jean-Yves Frappier, MD
Paediatr Child Health. 2008 January; 13(1): 19–24.
ABSTRACT
Health care professionals must
be alert to the high prevalence of low
adherence to treatment during adolescence. Low adherence increases
morbidity and medical complications,
contributes to poorer quality of life and
an overuse of the health care system.
Many different factors have an impact
on adherence. However, critical factors to consider in teens are their de-
COMENTÁRIOS
Os problemas de adesão ao tratamento são transversais a todos os grupos
etários, mas são particularmente importantes na adolescência, fase de desenvolvimento em que é esperado que os
adolescentes assumam algumas responsabilidades nos cuidados de saúde. Mesmo em doenças graves(1,2), ou naquelas
em que o controle de sintomas desagradáveis depende do cumprimento da
terapêutica, como é o caso das doenças
epilépticas(3), os problemas são comuns,
comprometendo resultados mais satisfatórios. Por outro lado, nas doenças crónicas, em que os tratamentos são de duração prolongada, e por vezes complexos e
geradores de efeitos secundários ou que
limitam os hábitos de vida, os problemas
de adesão são ainda mais significativos.
O artigo percorre as questões que os
profissionais de saúde devem ter em mente quando consideram os problemas de
adesão ao tratamento em adolescentes:
os aspectos ligados ao desenvolvimento,
os aspectos emocionais e a disfunção familiar. Sugere também estratégias para
melhorar a adesão, envolvendo o adolescente, considerando-o como um parceiro
activo e fundamental nestas questões.
velopmental stage and challenges,
emotional issues and family dysfunction. Direct and indirect methods have
been described to assess adherence.
Eliciting an adherence history is the
most useful way for clinicians to evaluate adherence, and could be the beginning of a constructive dialogue with the
adolescent. Interventions to improve
adherence are multiple – managing
mental health issues appropriately,
Relembra como as tarefas de desenvolvimento nos adolescentes podem
interferir com a adesão à terapêutica: Nos
adolescentes mais novos, o pensamento
concreto, poderá causar dificuldades em
prever as consequências, não observáveis ou de longo prazo do seu comportamento: só acreditam no que vêem ou experimentam. Os mais velhos, estão muito
virados para si, na construção da sua
identidade e conquista de autonomia. A
doença e o tratamento são vistos como
interferindo nessa imagem de si próprios
e de ameaça à sua liberdade.
O apoio familiar e de amigos, a obtenção de benefícios imediatos, assim
como a convicção dos pais na gravidade
da doença e na eficácia do tratamento, favorecem a adesão. A empatia do médico
é um aspecto fulcral: se a relação com o
médico for positiva, se este for visto como
afável, caloroso e honesto com o adolescente, será provavelmente muito mais
bem sucedido. Podemos muitas vezes
constatar aspectos similares entre a relação que o adolescente estabelece com
o médico e com os progenitores. Quando
essa relação é de confiança e respeito
mútuo, é muito provável que não surjam
grandes dificuldades. Mas se a relação é
building a strong relationship, customizing the treatment regimen if possible,
empowering the adolescent to deal with
adherence issues, providing information, ensuring family and peer support,
and motivational enhancement therapy.
Evaluation of adherence at regular intervals should be an important aspect
of health care for adolescents.
Keywords: Adolescent, Adherence, Compliance, Treatment
de desafio, ou hostilidade, poderão então surgir problemas de incumprimento
ou abandono, a não ser que o médico
consiga conquistar a confiança do adolescente, fazendo dele um elemento de
cooperação imprescindível.
Uma conversa a sós com o adolescente, honesta, livre de censura ou
de crítica, em que se explora os hábitos do adolescente, os incumprimentos,
as dificuldades e obstáculos sentidos, a
tolerância aos efeitos secundários, é o
primeiro passo para tentar resolver problemas de adesão. Só depois de uma
avaliação esclarecedora, revistas as
reais dificuldades experimentadas, se
podem estudar estratégias para as ultrapassar, ouvindo as ideias e sugestões do
adolescente. Podem ser úteis os lembretes visuais ou sonoros, o emparelhar das
tomas com hábitos do quotidiano (lavar
os dentes, maquilhagem), repetir a informação, receber informação escrita, ou
referenciar livros ou sites sobre a doença
e tratamento.
A tónica está então nesta capacidade do médico conseguir dialogar acerca
deste assunto e no estabelecimento de
uma relação de confiança mútua e de
cooperação.
artigo recomendado
165
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Por último, a autora salienta a necessidade de avaliar a adesão de forma
regular. Podemos pois entender a adesão
como um processo dinâmico, que pode
sofrer variações de acordo com o estado
emocional do adolescente, as suas prioridades e o funcionamento geral da família,
e não simplesmente como um dado resolvido e adquirido quando o tratamento foi
pela primeira vez explicado e proposto.
Maria do Carmo Santos1
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 165-166
__________
1
Pedopsiquiatra do Hospital Maria Pia/CHPorto
166
artigo recomendado
BIBLIOGRAFIA
1. Simoni JM. Montgomery A, Martin
E. et al. Adherence to antiretroviral
therapy for pediatric HIV infection: a
qualitative systematic review with recommendations for research and clinical management.. Pediatrics 2007,
119,6: e371-e383.
2. Spinetta J, Masera G, Eden Tet al.
Refusal, Non-Compliance, and Abandonment of Treatment in Children
and Adolescents With Cancer. Med
Pediatr Oncol 2002;38:114-117.
3. Asadi-Pooya A. Drug compliance of
children and adolescents with epilepsy Seizure 2205, 14:393-95.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Estenose da Artéria Renal em Pediatria
– a Propósito de um Caso Clínico
Susana Groen Duarte1, Mónica Marçal2, Margarida Lobo Antunes3, Ana Teixeira4, Rui Anjos4, Gustavo Rodrigues3
RESUMO
A hipertensão renovascular representa 5 a 25% dos casos de hipertensão
arterial (HTA) na criança e adolescente.
Por ser uma causa tratável de HTA, é
importante o diagnóstico atempado e a
precocidade do tratamento, reduzindo
as complicações decorrentes de uma
HTA mantida.
Apresenta-se o caso clínico de uma
jovem de 16 anos com antecedentes de
enxaqueca que recorreu a uma consulta
de Pediatria por agravamento das cefaleias. No exame físico observou-se um
valor muito elevado de pressão arterial
(170/110 mmHg, superior ao percentil
95), que se manteve nos dias seguintes,
em controlo ambulatório. O eco-Doppler
abdominal e renal foi considerado normal
e analiticamente destacava-se hipercolesterolemia e aumento da actividade
da renina plasmática (20,2 ng/mL/h para
valor referência de 0,2-0,3 ng/mL/h). Realizou angio-tomografia computorizada
(angio-TC) abdominal que identificou
estenose grave da artéria renal direita.
Foi medicada com atenolol sem controlo
da HTA. A arteriografia renal confirmou
uma estenose grave da artéria renal direita (estenose de 70%). Foi realizada de
imediato angioplastia desta artéria, com
normalização do aspecto angiográfico. A
medicação foi reduzida progressivamente e três semanas depois estava assintomática, com pressão arterial normal, suspendendo a terapêutica anti-hipertensiva.
__________
1
2
3
4
Serviço de Pediatria, Hospital de Faro, EPE
Serviço de Pediatria, H S. Francisco Xavier,
CHLO;
Serviço de Pediatria, H Lusíadas, HPP Saúde;
Serviço de Cardiologia Pediátrica, H Santa
Cruz, CHLO
A avaliação seis meses após a dilatação
mostrou pressão arterial normal.
Neste caso clínico destaca-se a
importância da suspeição clínica da estenose da artéria renal pelo quadro clínico e idade da doente, que fundamentou a realização de angio-TC apesar do
eco-Doppler renal não ser conclusivo. O
tempo decorrido do diagnóstico até ao
tratamento cirúrgico foi curto, e em menos de dois meses a doente ficou assintomática e com pressão arterial normal,
dispensando o uso de anti-hipertensores
a longo prazo.
Palavras-chave: hipertensão renovascular, estenose da artéria renal, pediatria
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 167-170
INTRODUÇÃO
A hipertensão arterial (HTA) afecta
1-5% das crianças e adolescentes. As
causas secundárias de HTA são as principais responsáveis pela hipertensão pediátrica, contrariamente ao que ocorre no
adulto(1-3). Entre estas, a doença renovascular é a segunda causa mais frequente
de HTA tratável em Pediatria, atribuindose-lhe 5-25% dos casos de hipertensão
secundária na criança sendo ultrapassada apenas pela coartação da aorta(1,2,4).
A hipertensão renovascular referese a HTA resultante de lesão que condiciona limitação do fluxo sanguíneo a
parte ou à totalidade de um ou de ambos
os rins(4,5). As formas mais graves parecem envolver um processo isquémico
relacionado com a estimulação do sistema renina-angiotensina. A hipoperfusão renal, por constrição ou redução do
calibre vascular, estimula a libertação de
renina resultando em vasoconstrição e
produção aumentada de aldosterona, o
que condiciona um aumento da volémia.
Assim, o aumento da pressão arterial é a
consequência final de dois factores: vasoconstrição aumentada e aumento da
volémia(1).
Algumas doenças congénitas estão
associadas a hipertensão renovascular,
incluindo hipoplasia arterial, neurofibromatose e síndrome de Williams(1,7). Na
Europa, é mais comum a doença renovascular adquirida, mais frequentemente
a estenose da artéria renal por displasia
fibromuscular(1,2,4-7). Outras formas adquiridas incluem arterite de Takayasu,
doença de Moyamoya, síndrome médioaórtico, doença de Kawasaki, coartação
sub-ístmica, vasculite, trauma vascular,
trombose da artéria renal e tumores(1,4,7).
A abordagem diagnóstica da HTA na
criança deve iniciar-se pela exclusão de
coartação da aorta e de doença parenquimatosa renal que são as causas mais
frequentes. Devem ser realizados radiografia torácica, ecocardiograma e avaliação laboratorial que inclua colheita de
sangue para hemograma, velocidade de
sedimentação eritrocitária, perfil lipídico,
ionograma, ureia, creatinina e actividade
da renina plasmática sérica, e colheita de
urina de 24 horas para doseamento de
creatinina, ionograma, ácido vanilmandélico e catecolaminas(1).
Perante forte suspeita de doença
renal vascular, o meio de diagnóstico
de eleição é a arteriografia renal(1,2). Por
ser um método invasivo, é habitual a
realização prévia de outros exames de
imagem, como ecografia com Doppler,
tomografia computorizada ou ressonância magnética(1).
Quando não diagnosticada e não
tratada, a hipertensão renovascular pode
associar-se a complicações graves, no-
a cardiologia pediátrica na prática clínica
167
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
meadamente acidente vascular cerebral
hemorrágico, encefalopatia hipertensiva
com compromisso cognitivo e má progressão estaturo-ponderal(8). Os objectivos da terapêutica incluem a normalização da pressão arterial para minimizar
as complicações da hipertensão e para
preservar a função renal(7). A terapêutica
com anti-hipertensores é frequentemente
pouco eficaz nos casos de estenose da
artéria renal. É muitas vezes necessário
recorrer à associação de vários fármacos, o que, para além da problemática
dos efeitos adversos, também dificulta
a adesão à terapêutica(4). Um controlo
sub-óptimo da hipertensão pode resultar em hipertrofia ventricular esquerda e
disfunção diastólica importante(8). Por outro lado, mesmo com a normalização da
pressão arterial, a hipoperfusão renal por
estenose vascular pode condicionar deterioração da função renal(4). As opções
não medicamentosas incluem a angioplastia percutânea com dilatação por balão ou implantação de stent e a revascularização cirúrgica, entre outros(1,4,7). Os
excelentes resultados obtidos com estes
procedimentos tornam-nos uma melhor
opção terapêutica face à utilização de
anti-hipertensores para o resto da vida(1).
CASO CLÍNICO
Adolescente de 16 anos, com antecedentes familiares de hipertensão arterial em ambos os progenitores. História
pregressa de episódios recorrentes de
hematúria na infância, com o diagnóstico
de Nefropatia a IgA, não tendo sido realizada biópsia renal para confirmação do
diagnóstico. Referência a episódios de
cefaleias desde os 11 anos, com características de enxaqueca. Medicada com
contraceptivo oral desde os 15 anos. Recorreu ao Pediatra Assistente em Outubro de 2008 por cefaleia mais frequente
e mais intensa que o habitual, com pouca
resposta aos analgésicos habituais. Da
avaliação médica na consulta, destacava-se medição de pressão arterial (PA)
de 170/110 mmHg (ambos acima do P95
para a idade e sexo). O registo anterior,
cerca de 9 meses antes, era normal. O
restante exame físico não apresentava
alterações. Nos dois dias seguintes, em
ambulatório, manteve registos de PA superior ao P95 para o sexo, idade e estatura, pelo que voltou à consulta. Mantinha elevação da PA (146/107 mmHg
no membro superior direito, com valores
idênticos no membro contralateral). Realizou radiografia torácica que foi normal.
Figura 1 – Angio-TC abdominal: redução do calibre da artéria renal
direita, a cerca de 1,2 cm da sua origem, com critérios de estenose
luminal.
168
a cardiologia pediátrica na prática clínica
Foi feita avaliação analítica alargada com
análise sumária de urina, hemograma,
glicémia, ionograma, avaliação da função renal, hepática e tiroideia, perfil lipídico e de auto-imunidade e actividade
da renina plasmática. Colheu ainda urina
de 24 horas para doseamento de creatinina, ionograma, ácido vanilmandélico
e homovanílico e catecolaminas fraccionadas. Apresentava hipercolesterolemia
(colesterol total de 226 mg/dL) e actividade da renina plasmática aumentada (doseamento em decúbito de 20,2 ng/mL/h,
para valor de referência máximo de 2,3
ng/mL/h). A restante avaliação laboratorial foi normal.
Fez estudo ultrassonográfico dos
vasos abdominais por eco-Doppler, que
evidenciou artérias renais de pequeno
calibre, mas sem evidência de lesões.
Foi programada realização de tomografia computorizada (TC) crânio-encefálica e angio-TC abdominal. A adolescente
foi referenciada à Consulta de Cardiologia
Pediátrica onde realizou ecocardiograma
que mostrou espessura do ventrículo esquerdo no limite superior da normalidade,
electrocardiograma e Holter de 24 horas
sem alterações. A observação oftalmológica com fundoscopia foi também normal.
Figura 2 – reconstrução tridimensional da angio-TC abdominal evidenciando estenose da artéria renal direita.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Foi medicada com atenolol na dose de
75 mg/dia e suspendeu o contraceptivo
oral. Duas semanas depois realizou TC
crânio-encefálica que era normal, e angio-TC abdominal que mostrou estenose
da artéria renal direita (Figuras 1 e 2). Foi
avaliada em Cardiologia Pediátrica dois
dias depois, referindo melhoria significativa da cefaleia; a medição da PA era
normal sob terapêutica anti-hipertensiva.
Perante o diagnóstico imagiológico de
estenose da artéria renal, foi submetida
a cateterismo.
Confirmou-se a presença de uma
estenose da artéria renal direita com redução de 70% do calibre do vaso (Figura 3) e procedeu-se a angioplastia com
balão Powerflex P3® 7.0/20 mm, dilatado
até 10 atmosferas. Obteve-se bom resultado angiográfico final, sendo a estenose
residual inferior a 10% do calibre do vaso
(Figura 4). O procedimento decorreu sem
complicações. Teve alta medicada com
atenolol na dose de 25 mg/dia e antiagregação plaquetária em dose profiláctica.
Três semanas depois estava clinicamente
assintomática e com PA normal, pelo que
suspendeu terapêutica anti-hipertensiva.
Mantém seguimento regular em Consulta
de Cardiologia Pediátrica, clinicamente
assintomática e com valores normais de
pressão arterial.
DISCUSSÃO
A estenose da artéria renal é uma
causa frequente de hipertensão renovascular no jovem. Por ser uma causa tratável de HTA, o diagnóstico e terapêutica
atempados são de extrema importância
para prevenir complicações relacionadas
com a hipertensão(1,2,7).
Nesta doente havia registo de pressão arterial normal cerca de 9 meses
antes do diagnóstico e a sintomatologia
que motivou a consulta tinha uma evolução recente. Apesar de frequentemente assintomática, a hipertensão arterial
pode apresentar sintomatologia variada.
Num estudo recente que avaliou uma
população pediátrica de 220 doentes
com HTA, 19% eram sintomáticos, sendo a cefaleia a queixa mais frequente(9).
A avaliação analítica da doente permitiu
excluir algumas causas frequentes de
HTA, nomeadamente lesão parenquimatosa renal, feocromocitoma, hipertiroidismo e doença auto-imune. O exame
clínico, a radiografia torácica normal e
Figura 3 – aspecto angiográfico inicial: grau de estenose da artéria
renal direita de 70%.
a realização de ecocardiograma permitiu excluir definitivamente a existência
de coartação da aorta, diagnóstico mais
frequente no grupo etário em questão.
Nesta primeira avaliação, o eco-Doppler
não revelou evidência de lesões da artéria renal e o resultado do doseamento
da actividade da renina plasmática estava ainda em curso. No entanto, um
quadro clínico de HTA mantida e sintomática numa adolescente previamente
saudável obriga à exclusão de estenose
da artéria renal, uma das causas mais
frequentes de HTA secundária neste
grupo etário. Está documentada a utilidade limitada do eco-Doppler neste tipo
de lesão, não sendo possível excluir o
diagnóstico com um exame normal(1,2,6).
Num estudo retrospectivo de 17 casos
de estenose da artéria renal, o exame
ecográfico com Doppler foi descrito
como normal ou inconclusivo em 86%(6).
A arteriografia renal, apesar de constituir
o meio de diagnóstico de eleição da estenose da artéria renal(1,2), é um método
invasivo e por isso não foi a escolha na
abordagem da doente, preferindo-se a
realização de angio-TC abdominal, que
permitiu o diagnóstico.
Figura 4 – aspecto angiográfico após angioplastia com dilatação
por balão: estenose residual inferior a 10% do calibre do vaso.
a cardiologia pediátrica na prática clínica
169
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
As opções terapêuticas para a estenose da artéria renal incluem fármacos
anti-hipertensores e várias modalidades
cirúrgicas, sendo actualmente preferido
o tratamento cirúrgico, potencialmente
curativo, à terapêutica médica de longa
duração, por vezes com um controlo inadequado da pressão arterial, dificuldades
na adesão á terapêutica e complicações
daí decorrentes(1,4,5,7,8,10). Nesta doente
optou-se pela resolução da estenose
através da angioplastia percutânea com
balão, técnica relativamente simples, menos invasiva e menos dispendiosa que a
revascularização cirúrgica (1,4); as complicações mais frequentemente associadas
ao procedimento incluem trombose, perfuração vascular ou renal e dissecção da
parede vascular(1). O sucesso desta técnica parece relacionar-se com a etiologia
da lesão, sendo a angioplastia mais eficaz nos casos de displasia fibromuscular,
aorto-arterite e síndrome médio-aórtico(7).
A ocorrência de reestenose, estimada em
20-26% dos casos, é um dos problemas
associados à angioplastia percutânea,
podendo nestes casos repetir-se o procedimento(1,7). Outras opções terapêuticas,
mais invasivas, incluem revascularização
cirúrgica, autotransplante renal, nefrectomia e by-pass aorto-renal(1).
No caso clínico descrito, 6 meses
após a dilatação da estenose, a doente
encontrava-se clinicamente bem, com
valores normais de pressão arterial e
sem terapêutica médica.
COMENTÁRIOS FINAIS
A estenose da artéria renal é uma
causa frequente e tratável de hipertensão arterial secundária na criança, com
bom prognóstico se diagnosticada e tratada atempadamente. Neste caso clínico
destaca-se a importância da suspeição
clínica da estenose da artéria renal pelo
quadro clínico e idade da doente, que fundamentou a realização de angio-TC abdominal apesar do eco-Doppler renal não ter
sido conclusivo. O tempo decorrido entre
o diagnóstico e a terapêutica percutânea
foi curto, e em menos de dois meses a
doente ficou assintomática e com pressão
arterial normal, dispensando o uso de antihipertensores a longo prazo.
170
RENAL ARTERY STENOSIS
– CASE REPORT
ABSTRACT
Renovascular hypertension accounts
for 5 to 25% of all causes of child and adolescent arterial hypertension. Being a treatable cause of hypertension, early diagnosis and prompt treatment are important to
reduce long term complications related to
persistent high blood pressure.
The authors report a case study of a
16 year-old girl with known migraine, who
was referred to a paediatric consultation
for worsening headache. Physical examination was normal except for a very high
blood pressure (170/110 mmHg, above
the 95th percentile), which persisted in
the following days at ambulatory control.
Abdominal and renal echo-Doppler were
described as normal and laboratory studies revealed hypercholesterolemia and
high plasmatic renin activity (20,2 ng/
mL/h for a reference of 0,2-0,3 ng/mL/h).
Abdominal angio-CT showed severe narrowing of the right renal artery. She was
prescribed atenolol without full control of
blood pressure. A right renal arteriography confirmed a 70% stenosis and immediate angioplasty was performed. The
procedure was well succeeded and a final
angiogram revealed resolution of the stenosis. She was kept on atenolol with progressive lower dosage. Three weeks later
she had no complaints and blood pressure was normal. Six months after the
intervention she remained asymptomatic
and with normal blood pressure without
any anti-hypertensive drug therapy.
In this case report we highlight the
importance of clinical suspicion of renal
artery stenosis in our patient, based on
age and clinical presentation. This suspicion justified the request of abdominal
angio-CT even with an inconclusive echoDoppler. We achieved a rapid diagnosis
and treatment. Two months after first consultation the patient was asymptomatic
and blood pressure was normal, avoiding
lifelong medication.
Keywords: renovascular hypertension, renal artery stenosis, pediatrics
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 167-170
a cardiologia pediátrica na prática clínica
BIBLIOGRAFIA
1. eMedicine - Medscape’s Continually
Updated Clinical References [Internet]; c1994-2009. Renovascular
Hypertension: Surgical Perspective
[modificado 08 Aug 2008]. Acessível
em: http://emedicine.medscape.com/
article/1017809-overview
2. Bayasit AK, Yalcinkaya F, Duzova A,
Bircan Z et al. Reno-vascular hypertension in childhood: a nationwide survey.
Pediatr Nephrol 2007;22:1327-33.
3. Grinsell MM, Norwood VF. At the
bottom of the differential diagnosis list: unusual causes of pediatric hypertension. Pediatr Nephrol 2008 Mar [E-pub]. Acessível
em:
http://www.springerlink.com/
content/37108l6107114040
4. Kanitkar M. Renovascular Hypertension. Indian Pediatr 2005;42:47-54.
5. Shroff R, Roebuck DJ, Gordon I,
Davies R et al. Angioplasty for Renovascular Hypertension in Children: 20-Year Experience. Pediatrics
2006;118:268-75.
6. McTaggart SJ, Gelati S, Walker RG,
Powell HR, Jones CL. Evaluation and
long-term outcome of pediatric renovascular hypertension. Pediatr Nephrol 2000;14:1022-29.
7. Konig K, Gellermann J, Querfeld U,
Schneider MB. Treatment of severe
renal artery stenosis by percutaneous
transluminal renal angioplasty and
stent implantation. Pediatr Nephrol
2006;21:663-71.
8. Stanley JC, Criado E, Upchurch GR,
Brophy PD et al. Pediatric renovascular hypertension: 132 primary and 30
secondary operations in 97 children. J
Vasc Surg 2006;44:1219-29.
9. Wiesen J, Adkins M, Fortune S, Horowitz J et al. Evaluation of Pediatric Patients With Mild-to-Moderate Hypertension: Yield of Diagnostic Testing.
Pediatrics 2008;122:e988-e993.
10. Niimura F, Matsuda S, Okamoto S,
Suganuna E et al. Renovascular
hypertension due to bilateral renal
artery stenosis treated with stent implantation in a 12-year old girl. Tokai J
Exp Clin Med 2008;33:78-83.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Caso Dermatológico
Tiago Torres1, Iolanda Fernandes1, Manuela Selores1
Recém-nascido de 4 dias de vida
(gestação de 38 semanas; parto vaginal)
que desenvolveu múltiplas vesículas umbilicadas agrupadas com um halo eritematoso circundante localizadas ao vértex
Figura 1
e região parietal direita posterior (Figura
1 e 2). Encontrava-se assintomático e o
restante exame físico era normal. Analiticamente, não existiam alterações de
relevo. A gravidez tinha decorrido sem
qualquer incidente assim como o período
pós-parto imediato.
Qual o seu diagnóstico?
Figura 2
__________
1
Serviço de Dermatologia do Hospital de
Santo António / CHPorto
qual o seu diagnóstico?
171
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
DIAGNÓSTICO
Herpes neonatal cutâneo localizado
DISCUSSÃO
A infecção neonatal pelo vírus herpes simplex (VHS) encontra-se entre as
infecções neonatais mais graves, podendo resultar de infecção pelo VSH-1 ou
VSH-2, estando o último associado a um
pior prognóstico. A incidência estimada é
de 15 casos por 100000 embora muitos
autores considerem que esteja subestimado(1). O principal factor de risco para
infecção neonatal pelo VHS é a primoinfecção herpética genital materna, especialmente na segunda metade da gravidez. Nestes casos, a incidência de herpes
neonatal é de cerca de 50%, enquanto
que em mães com infecção herpética
recorrente, a incidência é inferior a 3%(2).
Contudo, a maioria dos casos (70%) resultam da exposição ao vírus em mães
assintomáticas (sem lesões mas com
libertação do vírus). Assim, o diagnóstico requer uma elevada suspeita clínica,
uma vez que, apenas uma minoria das
progenitoras tem história de herpes genital, embora estejam infectadas. Cerca de
85% dos casos são adquiridas durante o
parto, embora infecções in útero (5%) e
pós-natais (10%) possam ocorrer(3).
O herpes neonatal pode ser localizado à pele, olhos e boca (45%), envolver
o SNC (30%) ou causar doença disseminada envolvendo vários órgãos como o
fígado, pulmões e cérebro (25%). A forma
disseminada é a mais grave estando associada a uma mortalidade de 85% quando não tratada. Cerca de 70% dos casos
de infecção herpética neonatal localizada
irá progredir para doença disseminada
ou envolvimento do SNC(4), pelo que, o
diagnóstico correcto das lesões cutâneas
é essencial.
172
qual o seu diagnóstico?
O diagnóstico é essencialmente
clínico, embora vários exames laboratoriais possam ser úteis. O teste de citodiagnóstico de Tzanck pode permitir um
diagnóstico rápido quando mostra células
epiteliais multinucleadas gigantes características e células acantolíticas, contudo,
a sua sensibilidade e especificidade para
a infecção por VHS é baixa. O isolamento do vírus no conteúdo de uma vesícula, por detenção de DNA vírico por PCR
(polymerase chain reaction assay) ou por
cultura, é o método diagnóstico ideal,
permitindo um diagnóstico definitivo(1,5).
A serologia tem pouco valor diagnóstico,
sendo apenas importante para caracterizar a doença materna como primária
ou recorrente. No caso deste recém-nascido, o citodiagnóstico de Tzanck foi
compatível com infecção por VHS e foi
detectado, por método de PCR, DNA de
VHS-2 no conteúdo da vesícula. O exame ginecológico da mãe foi negativo para
lesões de herpes genital, mas a serologia
confirmou infecção materna por VHS-2.
O tratamento recomendado para
herpes neonatal mucocutâneo é o aciclovir na dose de 20mg cada 8 horas durante 14 dias. Este regime permitiu reduzir
para 2% a mortalidade associada a estes
casos. No caso de encefalite ou doença
disseminada o tratamento deve ser de 21
dias(6). A monitorização da função renal e
estado de hidratação é extremamente importante, assim como todas as medidas
de suporte em casos de doentes em estado grave. Neste doente, a terapêutica
com aciclovir foi iniciada imediatamente
após a observação, com base na suspeita clínica, tratamento que decorreu sem
efeitos secundários e com resolução total
das lesões. A instituição precoce da terapêutica antivirica foi essencial de forma a
evitar a possível progressão para doença
sistémica, que pode ocorrer até 70% dos
casos. Outros antivíricos, nomeadamente o valaciclovir e o famciclovir não oferecem qualquer vantagem sobre o aciclovir,
pelo que não estão recomendados na infecção neonatal por VHS.
O diagnóstico precoce da infecção
herpética neonatal é essencial, sendo a
suspeita clínica e a investigação diagnóstica apropriada da maior importância,
uma vez que o tratamento precoce melhora consideravelmente o prognóstico
desta infecção.
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 171-172
BIBLIOGRAFIA
1. Anzivino E, Fioriti D, Mischitelli M, et
al. Herpes simplex virus infection in
pregnancy and in neonate: status of
art of epidemiology, diagnosis, therapy
and prevention. Virol J. 2009; 6: 6-40.
2. Whitley R: Neonatal herpes simplex
virus infection. Curr Opin Infect Dis.
2004; 17: 243-246.
3. Freedman E, Mindel A, Jones CA.
Epidemiological, clinical and laboratory aids for the diagnosis of neonatal
herpes - an Australian perspective.
Herpes. 2004; 11: 38-44.
4. Nahmias AJ. Neonatal HSV infection
Part I: continuing challenges. Herpes.
2004;11: 33-37.
5. Enright AM, Prober CG. Neonatal herpes infection: Diagnosis, treatment
and prevention. Semin Neonatol.
2002; 7: 283-291.
6. Kropp RY, Wong T, Cormier L, et al.
Neonatal herpes simplex virus infections in Canada: results of a 3-year
national prospective study. Pediatrics.
2006; 117: 1955-1962.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Caso Estomatológico
José M. S. Amorim1
Criança de 6 anos de idade que
foi enviada à consulta de Estomatologia devido a odontalgia difusa e fractura espontânea das coroas dentárias
com progressão lenta.
Ao exame objectivo a criança
apresenta razoável desenvolvimento
estato-ponderal.
A nível oral apresenta boa higiene
oral, não sendo visíveis cáries dentárias. No entanto, as peças dentárias
encontram-se fracturadas apresentando algumas delas exposição da polpa
dentária e na maioria esta é visível à
transparência (Figura 1).
Antecedentes pessoais e familiares irrelevantes.
Face ao descrito:
Qual o seu diagnóstico?
Qual a sua atitude?
Figura 1
__________
1
Serviço de Estomatologia Hospital Maria Pia / CH Porto
qual o seu diagnóstico?
173
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
DISCUSSÃO
No caso exposto o diagnóstico a
colocar é o de Dentinogénese Imperfeita (ou Dentina Opalescente Hereditária).
A Dentinogénese Imperfeita é uma
anomalia de desenvolvimento da estrutura dentária, de transmissão genética
autossómica dominante, que se caracteriza por defeitos na dentina, tanto na
dentição decídua como permanente.
Esta alteração tem origem na mesoderme e surge com frequência associado à osteogénese imperfeita.
A dentina é mal formada e apresenta um conteúdo mineral anormalmente baixo. O canal pulpar encontrase estenosado/obliterado, mas o esmalte é normal.
Os dentes afectados apresentamse clinicamente com coloração alterada, podendo ser de cinza-azulada a
castanho-amarelada e coroas curtas e
174
qual o seu diagnóstico?
bulbosas, com exposição dentinária e
desgaste. Os dentes desgastam-se rapidamente, deixando curtos cotos castanhos. Radiograficamente, os dentes
aparecem com raízes curtas e câmaras
pulpares obliteradas.
A Dentinogénese Imperfeita foi
classificada por Shields e col em 3
tipos:
- Tipo I: Dentinogénese Imperfeita
associada sempre a Osteogénese Imperfeita (surge mais frequentemente na dentição decídua)
- Tipo II: Dentinogénese Imperfeita
sem a Osteogénese Imperfeita
(surge igualmente na dentição definitiva e na dentição decídua)
- Tipo III: Dentinogénese Imperfeita
“tipo Brandywine” é rara
O tratamento deve ser conservador, visando preservar a estrutura dentária e restabelecer função e estética.
É importante que o profissional
de saúde oral saiba identificar a Dentinogénese Imperfeita desde os seus primeiros sinais para oferecer orientação
à família sobre a alteração e os cuidados a serem tomados.
Neste caso foi colocada uma prótese adaptável às raízes dos dentes decíduos remanescentes em condições
clínicas satisfatórias para manutenção.
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 173-174
BIBLIOGRAFIA
Cawson´s Essentials of Oral Pathology
and Oral Medicine – R.A. Cawson
– seventh edition – Churchill Livingstone, 2002 - Pag.22-25
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Caso Radiológico
Filipe Macedo1
Criança do sexo masculino, 10 anos
de idade com tumefacção do braço esquerdo já conhecida e em seguimento.
Figura 1
Sem traumatismo e sem dor. Faz RX de
controlo.
Figura 2
Qual o seu diagnóstico?
Figura 3
__________
1
Especialista em Radiodiagnóstico – SMIC - Porto
qual o seu diagnóstico?
175
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
RELATÓRIO
Osteocondroma do úmero esquerdo
em seguimento.
DISCUSSÃO
O osteocondroma é um tumor benigno, frequente, caracterizado por excrescência de osso histologicamente
normal, na vizinhança de uma placa de
crescimento.
Ocorre nas metáfises, mais frequentemente nos membros inferiores
e em particular nos joelhos(1) mas pode
ocorrer em qualquer osso com ossificação encondral.
Pode ser séssil ou pediculado
Pode surgir expontaneamente,
após traumatismo ou radiação ou ainda
associado a hereditariedade autossómica dominante, sob a forma de lesões
múltiplas.
Nos casos assintomáticos faz-se
geralmente apenas o acompanhamento
da lesão sendo que na altura da maturidade do esqueleto a maioria das lesões
deixa de crescer.
COMPLICAÇÕES
Manifestam-se geralmente pelo
aparecimento de dor local.
- compressão óssea: deformidades/
angulações, alterações no crescimento da fise.
- compressão das partes moles:
compressão neurovascular (pseudoaneurisma, atrofia muscular) e
176
qual o seu diagnóstico?
tendinosa (tenossinovites), bursites
reactivas.
- fractura por traumatismo directo (sobretudo nas lesões pediculadas).
- transformação condrossarcomatosa:
rara na criança(2).
IMAGIOLOGIA
1 – RX convencional
Na maioria das lesões assintomáticas é suficiente para fazer o diagnóstico
e para o seguimento.
Observa-se lesão óssea expansiva, de contorno mais ou menos regular,
séssil ou pediculada com continuidade
entre o córtex do osso normal e a lesão.
Nos casos pediculados a extremidade
da lesão aponta geralmente em direcção oposta à da articulação mais próxima.
Pode haver uma matriz calcificada
de tipo condróide devido ao componente
cartilagíneo da lesão. Sem reacção perióssea.
2 – Ecografia
Interesse sobretudo na abordagem
inicial de uma tumefacção (diagnóstico
diferencial entre natureza óssea ou de
partes moles).
3 – TC
Aplicações semelhantes à da RMN
embora com menor valor na avaliação
das partes moles adjacentes e com a
desvantagem da radiação ionizante.
4 – RMN
É o melhor método para avaliar
complicações ósseas e de partes moles e
planeamento pré-operatório (relação com
as estruturas neuro-vasculares).
Permite também avaliar a espessura da camada cartilagínea (se maior de 3
cm na criança há maior risco de transformação sarcomatosa).
Em termos imagiológicos está pois
indicada a radiografia convencional para
o diagnóstico inicial e seguimento dos
casos assintomáticos e a RMN para avaliação das complicações e mapeamento
pré-operatório(3).
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 175-176
BIBLIOGRAFIA
1. Murphy MD, Choi JJ, Kransdorf MD,
Flemming DJ, Gannon FH. Imaging
of osteochondroma. Variants and
complications with radiologic-pathologic correlation. Radiographics 2000;
20:1407-1434
2. Lee KC, Davies AM, Cassar-Pullicino VN Imaging the complications
of osteochondromas. Clin Radiol
2002;57:18-28
3. Herman Kan J, Kleinman PK.Pediatric
and Adolescent Musculoskeletal MRI.
A Case-Based Approach: 472-480;
2007 Springer
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Genes, Crianças e Pediatras
Patrícia Nascimento1, Márcia Martins2, António Pereira3, Clara Barbot1, Esmeralda Martins1
Sexo masculino, 1º filho de um casal jovem, saudável e não consanguíneo.
Sem história de patologias relevantes na
família. A gestação decorreu sem intercorrências, tendo nascido às 36 semanas
com um Índice de Apgar 8/9 e uma somatometria adequada à idade gestacional
(peso: 2500g [P50]; comprimento: 45cm
[P25]; perímetro cefálico: 35cm [P90]).
Foi internado precocemente, aos 15
dias de vida, por dificuldades alimentares
e episódios de engasgamento e aos 2
meses por derrame pericárdico de etiologia não infecciosa. Aos 3 e 4 meses foi
novamente internado, por uma infecção
respiratória e uma infecção urinária, respectivamente; evidenciava já um crescimento desadequado.
À data da primeira observação em
consulta, era evidente a má evolução estaturo-ponderal (peso no <<P5, comprimento <<P5), microcefalia (perímetro cefálico <P5) e atraso no desenvolvimento
psicomotor (ausência de controle cefálico
e de preensão palmar). Apresentava um
fácies peculiar com hipertelorismo, estrabismo convergente e filtro longo; mamilos
invertidos, distribuição peculiar do tecido
gordo subcutâneo e criptorquidia (figura 1).
Ao exame neurológico era notória a hipotonia axial, reflexos pouco vivos e uma
rigidez à mobilização dos membros, mais
acentuada a nível das articulações coxofemurais.
Tinha já realizado hemograma, bioquímica, equilíbrio ácido-base e cariótipo
Figura 1 – Estigmas dismorficos
patentes nesta criança:
A – estrabismo, hipertelorismo e
filtro longo;
B – mamilos invertidos;
C- Deposição anormal da gordura
subcutânea.
__________
1
2
3
U. Metabolismo, S. Pediatria, CHPorto, UHMPia
Centro de Genética Médica Jacinto Magalhães
S. Pediatria, Hospital Vila Real, CHTMADouro
convencional com BAR que eram normais (46,XY). Trazia também ecografia
transfontanelar, abdominal e reno-pélvica
normais com excepção de ligeira diminuição da ecogenicidade renal e presença
de testículos laterais à bexiga.
Com a evolução verificou-se um
agravamento da sintomatologia com aparecimento de crises convulsivas, ataxia,
alterações esqueléticas e da função hepática.
Efectuou uma RMN Cerebral aos
6 meses de idade em que era evidente
atrofia cerebelosa (figura 2).
Que outros exames complementares
de diagnóstico pediria?
Qual o seu diagnóstico?
A
B
C
D
Figura 2 – RM encefálica (A – corte sagital ponderado em T1,
B – corte axial ponderado em T2 e C e D – cortes coronais
ponderados em T1(3D-SPGR) e T2) evidenciando a atrofia
cerebelosa.
qual o seu diagnóstico?
177
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
DISCUSSÃO
Foi solicitado estudo metabólico com
determinação da transferrina deficiente
em carbohidratos (CDT) cujos valores
vieram aumentados. A focagem isoelétrica da transferrina realizada posteriormente permitiu chegar ao diagnóstico de
um Defeito Congénito da N-Glicosilação
tipo I e o estudo enzimático mostrou um
defeito em fosfomanomutase 2 estabelecendo o diagnóstico de defeito congénito da N-glicosilação tipo Ia ou PMM2
(CDG Ia) utilizando a actual nomenclatura baseada no nome do gene.
Os defeitos congénitos da glicosilação são um grupo de doenças hereditárias caracterizadas por alteração na
ligação ou no processamento dos oligocassacarideos, correspondendo actualmente a grande maioria a defeitos da
N-glicosilação.
Os oligossacaridos desempenham
um papel muito importante no metabolismo, estrutura e função das glicoproteínas
e de outros glicoconjugados, cuja distribuição é universal no organismo e aos
quais se atribui uma enorme diversidade
de funções. Desta forma se compreende
que este tipo de doenças tenha um atingimento sistémico tão marcado e variável.
O PMM2 (CGD-Ia) - OMIM 601785,
é causado pelo défice em fosfomanomutase 2, enzima codificada pelo gene
PMM2 localizado no cromossoma 16p13.
Tem carácter autossómico recessivo e
uma incidência estimada de 1:40.000 a
1:80 000, sendo o defeito mais comum
da N-glicosilação.
Apesar das manifestações clínicas
poderem variar em fenótipo e gravidade,
esta doença caracteriza-se de um modo
geral pela presença de:
- Doença neurológica, moderada a grave
- Dismorfias, mais ou menos típicas
- Envolvimento variável de diferentes
órgãos.
178
qual o seu diagnóstico?
O envolvimento neurológico é praticamente constante, sendo os achados
mais proeminentes o estrabismo, movimentos anormais dos olhos, hipotonia,
atraso psicomotor, ataxia, epilepsia, episódios stroke-like e mais tardiamente
neuropatia periférica. Caracteristicamente estes doentes apresentam na RMN
cerebral atrofia ponto-cerebelosa e alargamento dos sulcos.
Geralmente ocorre má evolução
estaturo-ponderal, nos primeiros meses
de vida, associada a e estigmas dismórficos que nos casos típicos inclui: ponte
nasal larga, pavilhões auriculares grandes e proeminentes, lábio superior fino,
fronte proeminente, distribuição anormal
do tecido adiposo, áreas de lipodistrofia e
inversão mamilar.
O envolvimento de outros órgãos e
sistemas como seja o coração, o rim, o
fígado, o sistema hemático, endócrino e
imunológico, levando ao aparecimento
de derrame pericárdico, cardiomiopatia,
síndrome nefrótico, falência hepática,
alterações da coagulação ou hormonais
e infecções graves é frequente.
Podem colocar-nos na pista deste
tipo de doenças, alterações em parâmetros analíticos de substancias que são
glicoproteinas como a ceruloplasmina,
haptoglobina, α2- macroglobulina, tiroglobulina, transcobalamina, tranferrina,
antitrombina, factores da coagulação,
plasminogenio, proteína C e proteína
S, FSH, LH, prolactina e TSH, α1- antitripsina, Complemento (C3a, C4a, C1),
imunoglobulinas cuja função pode estar
alterada nesta patologia.
Níveis séricos diminuídos de albumina, cobre, ferro, zinco, colesterol total,
T3 e T4 são achados frequentes.
O diagnóstico faz-se pela determinação da CDT seguida da focagem isoelétrica da transferrina e posteriormente
pelo doseamento da fosfomanomutase 2
em leucócitos ou fibroblastos.
O aconselhamento genético é possível e está indicado nas gestações seguintes. O diagnóstico prenatal é possível pelo estudo molecular de ADN extraído dos amniócitos ou através de biópsia
das vilosidades coriónicas.
O CDG tipo Ia é a forma mais frequente de doenças da glicosilação e o
único que apresenta aspectos fenotípicos
característicos. Deve considerar-se a realização de rastreio de CDG em crianças
com compromisso neurológico, especialmente naquelas com hipoplasia cerebelosa e distribuição anormal da gordura
corporal e estigmas dismórficos.
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 177-178
BIBLIOGRAFIA
•
•
•
•
•
J. Jaeken. Congenital Disorders of
Glycosylation. In Inborn Metabolic
Diseases Diagnosis and Treatment.
4th edition. 2006; 524-530.
J. Jaeken, T. Hennet, H.H.Freeze,
G. Matthijs. On the nomenclature of
congenital disorders of glycosylation
(CDG). J. Inherit Metab Dis. 2008;
31:669-672.
S. Grünewald. The clinical spectrum
of phosphomuannomutase 2 deficiency (CDG-Ia). Biochimica et Biophysica Acta. 2009; 827-834.
J. Jaeken, G Matthijs. Congenital
Disorders of Glycosylation. Annu.
Rev. Genomics Hum. Genet. 2001.
2:129-151.
S. Sparks, D. Krasnewich. Congenital disorders of Glycosylation type 1a.
Disponivel em www.genetest.org. Última actualização em Julho 2008.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
XXI REUNIÃO DO HOSPITAL
DE CRIANÇAS MARIA PIA
Da Infância ao Adulto Jovem
22 a 25 de Novembro de 2009
HOTEL IPANEMA PARK - PORTO
Patrocínio Científico da
Sociedade Portuguesa da Pediatria
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 179
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Infecções do Trato Urinário
Célia Madalena1
A infecção do trato urinário (ITU)
febril é actualmente considerada a infecção bacteriana grave mais frequente no lactente e criança pequena, nos
países desenvolvidos. Pode levar ao
desenvolvimento de cicatrizes renais
(10-30 %), que são um factor de risco
conhecido de hipertensão arterial e doença renal crónica a longo prazo.
A apresentação clínica da ITU
pode ser inespecífica, particularmente
no lactente e crianças com menos de 3
anos, o que dificulta o seu diagnóstico.
Neste grupo etário a colheita de urina
e interpretação dos resultados não é
fácil, sendo, muitas vezes, difícil a confirmação do diagnóstico.
A história natural das ITU na criança, nas últimas décadas, foi alterada
com o aparecimento dos antibióticos e
a melhoria dos cuidados de saúde.
A abordagem clássica da ITU na
criança, que inclui o estudo imagiológico, profilaxia antibiótica e prolongado
seguimento, tem sido questionada nos
últimos anos, dado o elevado custo e
stress para a criança e família sem evidência de benefício.
Têm surgido vários trabalhos
científicos, baseados em estudos randomizados, que questionam quer a
profilaxia antibiótica prolongada quer o
estudo imagiológico realizado a todas
as crianças com ITU. O National Institute for Health and Clinical Excellence
(NICE) publicou, em Agosto de 2007,
recomendações, baseadas nas evidências científicas, acerca do diagnóstico,
tratamento e seguimento a longo prazo
das crianças com ITU. Foram identificadas as crianças de alto risco, a merecer
estudo, nomeadamente: crianças com
ITUs recorrentes, fraco jacto urinário
ou rins palpáveis, infecção por agentes
não - Escherichia coli, bacteriemia ou
septicemia, aumento da creatinina sérica, ausência de resposta ao tratamento antibiótico em 48-72 horas, dilatação
__________
1
CHPVarzim/VConde
controvérsias em nefro-urologia
S 180
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
conhecida ou diagnóstico antenatal de
anomalia do aparelho urinário. Todas
as crianças com pelo menos um destes critérios devem ser investigadas. É
proposto que crianças com uma primeira ITU não complicada, febril ou não
febril, causada por Escherichia coli,
com boa resposta ao tratamento, não
necessitem de estudo de imagem, a
menos que tenham ITUs recorrentes.
No entanto, a investigação da criança
com ITU permanece controversa.
A abordagem da ITU na criança
constitui um desafio para o Pediatra
desde o seu diagnóstico até ao seu
seguimento a longo prazo. Devemos
desenvolver todos os esforços para
identificar as crianças de risco para doença renal crónica e insuficiência renal
terminal.
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 180
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Nefropatia de Refluxo
Carmen do Carmo1, Conceição Mota2, Elói Pereira3
RESUMO
A nefropatia de refluxo caracterizase pela presença de cicatrizes renais,
focais ou difusas, secundárias a lesões
irreversíveis do parênquima renal. É uma
causa importante de insuficiência renal
crónica em idade pediátrica e tem uma
evolução clínica insidiosa. Pretende-se
fazer uma abordagem teórica da etiologia, patogenia, estudo complementar de
diagnóstico e complicações da doença.
Serão também debatidos os aspectos
controversos que rodeiam a prevenção
e o tratamento das complicações que
continuam a ser um desafio permanente
e actual.
Palavras-chave: refluxo vésico-ureteral, nefropatia de refluxo
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 181-184
INTRODUÇÃO
A nefropatia de refluxo (NR) caracteriza-se pela presença de cicatrizes
renais, focais ou difusas, secundárias a
lesões irreversíveis do parênquima renal,
que são identificadas como zonas de hipocaptação no cintigrama renal realizado
com 99mTC-DMSA(1).
Esta designação foi adoptada na
década de setenta por Bailey em substituição do termo pielonefrite crónica, com
o intuito de salientar a importância do refluxo vesico-ureteral (RVU) como causa
da lesão renal(2).
Nesta patologia há a distinguir dois
tipos de cicatrizes, as primárias ou con__________
1
2
3
Assistente Hospitalar de Nefrologia
Assistente Graduada de Nefrologia do Hospital Maria Pia
Chefe de Serviço de Nefrologia do Hospital
Maria Pia
génitas e as adquiridas. As primeiras
estão associadas a um desenvolvimento
metanéfrico anormal e surgem na ausência de infecção do tracto urinário (ITU),
e as segundas são sequelas de um ou
vários episódios de pielonefrite aguda, na
presença de RVU, com entrada de urina
infectada para os canais colectores através das chamadas papilas refluxivas(3).
Esta patologia é uma causa significativa de hipertensão arterial (HTA) e
doença renal crónica (DRC) em idade
pediátrica, por essa razão os doentes
devem ser vigiados de forma a detectar,
precocemente, proteinúria e/ou elevação
da pressão arterial, e assim prevenir ou
atrasar a progressão para a insuficiência
renal crónica (IRC) terminal.
As diferentes abordagens na prevenção e no tratamento das complicações contribuem para a controvérsia que
continua a rodear esta entidade, tornando-a por esse motivo um desafio permanente e actual(4).
EPIDEMIOLOGIA
A incidência da NR na população
correlaciona-se directamente com a incidência do RVU. Em idade pediátrica,
a frequência do RVU chega a ser de
17,2%, e um terço destes doentes desenvolvem NR(1).
Vários factores parecem influenciar
o aparecimento das lesões renais, nomeadamente, o sexo, a raça, a idade da
primeira pielonefrite aguda nas crianças
com RVU, o número de ITU’s, o grau de
RVU e, por último, a predisposição genética.
Várias séries demonstraram uma
maior prevalência de NR no sexo feminino, contudo as cicatrizes renais associadas a complicações como a IRC são mais
frequentes no sexo masculino(3,5).
O factor racial também parece influenciar o desenvolvimento da doença,
porque se verifica que as crianças de
raça negra têm uma menor incidência de
RVU(5).
A idade em que a criança com refluxo tem o primeiro episódio de pielonefrite aguda, assim como o número de
infecções, também se correlacionam
com a gravidade das lesões renais, sendo a incidência de cicatrizes renais de
23.7% em crianças em que a primeira
ITU ocorreu com menos de 2 anos, 9.8%
nas com idade entre os 2 e os 4 anos,
e 4.6% nas de idade superior a 5 anos
(5)
. Mais ainda, o aparecimento de cicatrizes renais está directamente relacionado com o número de infecções altas
do aparelho urinário(5).
O aparecimento de NR correlacionase, ainda, com o grau de refluxo. Assim, a
incidência de NR é de 50% nas crianças
com ITU e RVU com dilatação (grau III-V)
e de 17% nas crianças com ITU e RVU
sem dilatação (grau I-II)(1).
PATOGENIA
Ao descrever os mecanismos patogénicos que estão na origem da NR há
que distinguir dois tipos de lesões, as cicatrizes primárias que estão relacionadas
com um desenvolvimento metanéfrico
anómalo e as adquiridas associadas ao
RVU e às ITU’s(3,5).
A NR primária surge no contexto de
RVU pré-natal, sem evidência de ITU associada. Os rins são pequenos e irregulares, e ao exame histológico são displásicos, apresentam tecido renal primitivo,
fibrose medular e áreas de tecido anómalo como por exemplo tecido cartilaginoso.
Este tipo de lesão renal surge, frequentemente, associada a patologia urológica,
como por exemplo, duplicidade do siste-
controvérsias em nefro-urologia
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 181
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
ma colector, obstrução alta do aparelho
urinário ou válvulas da uretra posterior (6).
Uma das teorias propostas para explicar
a displasia renal, refere que esta é devida a uma anomalia do desenvolvimento
do leito ureteral com incorrecta indução
do blastema metanéfrico, por alteração
da expressão de um complexo sistema
de receptores e factores de transcrição(7).
Uma outra teoria aponta a obstrução ao
fluxo normal de urina como o factor responsável pela displasia renal(8).
A NR adquirida resulta de um ou vários episódios de pielonefrite aguda, em
doentes com RVU, em que a urina infectada ao entrar nos canais colectores através das papilas refluxivas, desencadeia
uma resposta inflamatória e imunológica,
e causa uma lesão cicatricial. Esta resposta envolve vários mediadores bioquímicos, tais como, as citocinas, o óxido nítrico, as prostaglandinas e a angiotensina
II. Inicia-se com a apresentação dos antigénios pelo complexo major de histocompatibilidade II aos linfócitos T e B, que por
sua vez libertam vários mediadores, dos
quais se destacam a interleucina-6 (IL-6)
e o factor de necrose tumoral (TNF-α). A
primeira, é responsável pela activação de
mais linfócitos T e B e o segundo, pela
libertação de radicais livres de oxigénio e
enzimas líticas, pelas células da resposta inflamatória. O óxido nítrico, também,
desempenha um papel importante, ao activar as células de resposta inflamatória,
ao favorecer a apoptose celular e ao estimular o aumento de matriz extra-celular
através da TGF-β. As prostaglandinas,
por seu lado, estimulam a produção de
matriz extra-celular e a angiotensina II,
hormona que induz o crescimento vascular, estimula a síntese de fibronectina
e de matriz extra-celular e, interfere na
regulação do tónus vascular através da
sua acção vasoconstritora, que compromete a vascularização local(1). Ao exame
histológico observa-se colapso e hialinização do tufo glomerular com fibrose
periglomerular e hipertrofia do tecido são
adjacente, espessamento da membrana
tubular com atrofia das células epiteliais,
colapso do lúmen tubular ou dilatação
tubular com cilindros eosinófilicos no seu
interior, infiltrado intersticial com células
inflamatórias (predominantemente linfóci-
tos, monócitos e plasmócitos) e espessamento da média e da íntima das artérias
e arteriolas(1,3,5).
APRESENTAÇÃO CLÍNICA
A NR tem uma evolução clínica silenciosa e, muitas vezes, é diagnosticada após um episódio de ITU (80-86%) ou
quando se investigam as suas complicações, nomeadamente, a HTA (10-15%) e
a IRC (5%). Os restantes casos são diagnosticados no decurso do estudo de doentes com proteinúria ou litíase renal(1).
EXAMES COMPLEMENTARES DE
DIAGNÓSTICO
No passado, a urografia intra-venosa foi considerada o exame complementar de eleição para visualizar as cicatrizes
renais, mas actualmente, foi preterida em
favor do cintigrama renal com 99mTCDMSA, que permite visualizar o parênquima renal funcionante, e assim identificar
as cicatrizes renais, com uma sensibilidade de 92% e uma especificidade de
98%. Estas aparecem como áreas focais
ou generalizadas de hipocaptação do radiofármaco e o seu diagnóstico deve ser
efectuado seis a nove meses após o episódio de ITU(1,5).
A ecografia renal embora não seja
um bom método para diagnóstico das cicatrizes renais (sensibilidade de 40-90%)
permite acompanhar o perfil evolutivo da
doença, nomeadamente, a perda de diferenciação corticomedular, o aumento
da ecogenicidade renal e, a ausência de
crescimento ou a diminuição de tamanho
do rim(1,5).
COMPLICAÇÕES
A HTA e a IRC são duas das complicações a longo prazo que podem surgir
não só em idade pediátrica, mas também
ao longo da vida adulta, como consequência da nefropatia cicatricial.
A HTA afecta 10 a 14% das crianças
com NR, podendo no entanto esta frequência variar entre 5 e 27%, de acordo
com as diferentes séries descritas, e 30
a 38% dos adultos jovens(1,5). O risco de
HTA aumenta com a gravidade das cicatrizes renais, sendo a sua frequência maior
nos doentes que têm cicatrizes bilaterais
quando comparados com aqueles que
controvérsias em nefro-urologia
S 182
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
têm cicatrizes unilaterais (58% vs 33%),
e nos que têm DRC associada (92%)(9).
Um dos prováveis factores etiológicos
da HTA pensa-se que será o aumento da
actividade da renina plasmática, embora
outros factores também possam contribuir, tais como, a diminuição da síntese
de vasodilatadores a nível corticomedular
sobretudo nos rins com cicatrizes bilaterais, a hipervolémia associada a DRC e a
predisposição genética.
A HTA severa como forma de apresentação clínica é mais frequente no
sexo feminino, durante a adolescência,
quando não há diagnóstico prévio de NR,
mas já há DRC associada. Formas menos graves de HTA são mais frequentes
no sexo masculino e são diagnosticadas
no contexto de uma NR previamente conhecida(1).
Nos EUA, a NR é a quarta causa de
IRC na população pediátrica, e é responsável por 5.3% dos transplantes renais
pediátricos e 3.5% das crianças em terapêutica substitutiva da função renal(10).
Na Europa, 12 a 24% das crianças com
idade inferior a dezasseis anos que iniciaram diálise, apresentaram como factor
etiológico responsável pela IRC, a NR(1).
O risco de desenvolver IRC é maior nas
crianças em que o diagnóstico de RVU é
feito depois dos dois anos de idade, no
RVU grau V, na presença de cicatrizes
renais bilaterais e quando há HTA e proteinúria associadas(11,12).
A perda progressiva da função renal
e o aumento da proteinúria estão associadas, em 90 a 100% dos casos, a lesões
glomerulares em zonas não cicatriciais
do parênquima renal do tipo hiperfiltração
e/ou glomeruloesclerose focal e segmentar com ou sem hialinose. A primeira está
presente numa fase precoce da doença
e não se relaciona com a intensidade da
proteinúria, enquanto que a segunda está
presente nos doentes com proteinúria e
deterioração da função renal(1).
PREVENÇÃO
A progressão da NR para a IRC terminal é um processo insidioso e assintomático, por isso todos os doentes devem
ser sujeitos a avaliações clínicas, laboratoriais e radiológicas periódicas, de forma
a prevenir a formação de novas cicatrizes
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
renais e a diagnosticar, precocemente, o
aparecimento de HTA e proteinúria.
Para prevenir a formação de novas
cicatrizes renais é necessário evitar a
recorrência das ITU’s, e para isso, deve
ser tratada a disfunção vesical de forma a
maximizar a capacidade da bexiga e deve
ser efectuado o tratamento do RVU(13).
Nos últimos anos, o tratamento
endoscópico do RVU e a profilaxia antibiótica têm sido objecto de numerosas
publicações com resultados discordantes(13,14,15).
No actual estado da arte, não parece haver evidência suficientemente forte
que suporte a profilaxia antibiótica diária
na prevenção das ITU’s ou das cicatrizes renais nos doentes com RVU grau
I-II. Também não parece haver beneficio
na utilização do tratamento endoscópico
quando comparado com a terapêutica
antibiótica, nos doentes com RVU grau
III-IV. Os doentes com RVU grau V são
pouco frequentes e por essa razão não
têm sido publicados estudos prospectivos, randomizados e controlados com
evidência suficientemente forte para avaliar as opções terapêuticas(16).
Recentemente, Hansson e col.
apresentaram os resultados de um estudo prospectivo e randomizado em que
compararam a ocorrência de ITU’s em
duzentas e três crianças com RVU grau
III-IV, divididas em três grupos, em que
num dos grupos as crianças foram submetidas a profilaxia antibiótica, noutro a
correcção endoscópica e no terceiro ficaram apenas em vigilância. Tanto o grupo
da profilaxia antibiótica como o da correcção endoscópica tiveram menos frequência de ITU’s febris e cicatrizes renais no
sexo feminino, quando comparados com
o grupo de vigilância(17).
Assim, o tratamento que pode prevenir a IRC terminal nos doentes com
RVU não está ainda completamente definido. No entanto, nos doentes com elevado risco de evolução para IRC terminal, tais como os que apresentam RVU
grau III a V, os que possuem cicatrizes
renais significativas ou os que já apresentam diminuição da taxa de filtração
glomerular, o tratamento endoscópico
do RVU e a profilaxia antibiótica diária
devem ser fortemente considerados, e
os riscos e benefícios discutidos com as
famílias(16).
A HTA, também, já foi amplamente
demonstrada, como causa de deterioração da função renal, devendo o seu
controlo adequado ser um dos objectivos
do tratamento da NR. Nestes doentes,
devem ser instituídas medidas não farmacológicas, como a perda de peso, o
exercício físico, a abstinência tabágica e
a dieta hipossalina, e caso estas medidas
não sejam suficientes deve ser iniciada
terapêutica farmacológica(18).
A quantificação da proteinúria é um
dado importante na avaliação da lesão
renal, porque mesmo em grau ligeiro
pode estar associada à deterioração da
função renal. Há trabalhos que demonstram uma elevação do risco para doentes
com proteinúria superior a 200 a 300 mg/
dia, risco esse que se agrava progressivamente, quando esses valores são superiores a 1 g/dia. Estes doentes devem
iniciar terapêutica com IECA de forma a
atrasar a progressão da lesão renal(16,18).
REFLUX NEPHROPATHY:
CONTROVERSIES
ABSTRACT
The reflux nefropathy is characterized by the presence of focal or diffuse
renal scars, associated to irreversible
injuries of the renal parenchyma. It is a
cause of chronic kidney disease in paediatric age and has an insidious clinical
evolution.
The authors present a review of the
aetiology, pathogeny, complementary diagnosis studies, disease complications
and principal preventive measures, in
order to delay the progression to chronic
kidney disease.
Key-words: Vesico-ureteral reflux,
reflux nephropathy
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 181-184
BIBLIOGRAFIA
1. Navarro M, Espinosa L, Fernandez
C. Nefropatia cicatricial. In: Nieto
VG, Rodríguez F S, Rodríguez-Itur-
be B, editors. Nefrología Pediátrica.
Madrid: Grupo Aula Médica, S.L.,
2006;535-43.
2. Bailey RR. The relationship of vesico-ureteric reflux to urinary tract
infection and chronic pyelonephritisreflux nephropathy. Clin Nephrol
1973;1:132-41.
3. Dillon M, Goonassekera CDA. Reflux Nephropathy. J Am Soc Nephrol
1998; 9: 2377-2383.
4. Jardim HMPF (1995). Nefropatia de
refluxo na criança. Factores preditivos e marcadores precoces de hipertensão arterial e disfunção renal.
Tese de Doutoramento em Pediatria.
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. 286 pp.
5. Cendron M. Reflux Nephropathy.
Journal of Pediatric Urology 2008; 4:
414-421
6. Matsell DG. Renal dysplasia: new
approaches to an old problem. Am J
Kidney Dis 1998; 32:535-43.
7. Murawski IJ, Gupta IR. Vesicoureteric reflux and renal malformations: a
developmental problem. Clin Genet
2006; 69:105-17.
8. Pope JC, Brock JW, Adams MC, et
al. How they begin and how they end:
classic and new theories for the development and deterioration of congenital anomalies of the kidney and urinary tract, CAKUT. J Am Soc Nephrol
1999; 10:2018-28.
9. Kohler J, Tencer J, Thysell H, et al.
VUR diagnosed in adulthood. Incidence of urinary tract infections,
hypertension, proteinuria, back pain
and renal calculi. Nephrol Dial Transplant 1997; 12:2580-7.
10. NAPRTCS Annual Report, North
American Pediatric Renal Trials and
Collaborative Studies, Boston, Mass,
USA, 2007.
11. Ardissino G, Dacco’ V, Testa S, et
al. Epidemiology of chronic renal
failure in children: data from the
ItalKid project. Pediatrics 2003;
111: e382–e387.
12. Lahdes-Vasama T, Niskanen K, Rönnholm K. Outcome of kidneys in patients treated for vesicoureteral reflux
(VUR) during childhood. Nephrol Dial
Transplant 2006; 21: 2491–2497.
controvérsias em nefro-urologia
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 183
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
13. Jodal U, Smellie JM, Lax H, Hoyer
PF. Ten year results of randomized
treatment of children with severe vesicoureteral reflux. Final report of the
International Reflux Study in Children.
Pediatric Nephrology 2006; (21):
785–792.
14. Roussey-Kesler G, Gadjos V, Idres
N, et al. Antibiotic prophylaxis for the
prevention of recurrent urinary tract
infection in children with low grade vesicoureteral reflux: results from a prospective randomized study. The Journal
of Urology 2008, (179): 674–679.
15. Urinary tract infection in children:
diagnosis, treatment and long-term
management - Clinical Guideline.
Disponivel em: <www.nice.org.uk/nicemedia/pdf/CG54fullguideline.pdf >
16. Brakeman P. Vesicoureteral reflux,
reflux nephropathy and end-stage renal disease. Advances in Urology (vol.
2008). Disponível em: <www.hindawi.
com/journals/au/2008/508949.cta.html>
17. Hansson S, Brandstrom P, Jodal U.
Recurrent febrile urinary infections in
children randomized to prophylaxis,
endoscopic injection or surveillance.
controvérsias em nefro-urologia
S 184
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
Results from the Swedish reflux study. 43rd Annual Scientific Meeting of
the European Society for Paediatric
Nephrology. www.espn 2009.co.uk
18. Neild GH, Thomson G, Nitsch D, Woolfson RG, Connolly JO, Woodhouse
CRJ. Renal outcome in adults with renal insufficiency and irregular asymmetric kidneys. BMC Nephrology
2004; (5): 1–10.
CORRESPONDÊNCIA
Carmen do Carmo
Email: [email protected]
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Alergia Alimentar
Leonor Bento1
INTRODUÇÃO
As reacções adversas aos alimentos englobam qualquer reacção anómala
resultante da ingestão de um alimento ou
outro constituinte da alimentação. Podem
ter uma causa não imunológica, designando-se por reacções de intolerância alimentar, ou podem ser secundárias a uma resposta imunológica mediada por anticorpos
IgE específicos (alergia IgE mediada), ou
por mecanismos imunes envolvendo células ou outros mediadores do sistema imunitário (alergia não IgE mediada).
Algumas reacções adversas de
natureza não imunológica resultam de
défices enzimáticos específicos, de que
é exemplo o défice de lactase, que causa uma intolerância ao leite de vaca e
alimentos contendo lactose. A presença
em certos alimentos de substâncias com
acção farmacológica, como a histamina,
serotonina e a tiramina, podem dar origem a quadros clínicos designados por
“falsas alergias alimentares” pois imitam
as verdadeiras reacções alérgicas, mas
ao contrário daquelas, afectam a maioria dos indivíduos sendo habitualmente
dose-dependentes(1). Existem reacções
de aversão alimentar obervadas com alguma frequência na idade infantil e nos
jovens, que podem imitar verdadeiras
reacções de hipersensibilidade alimentar,
contudo não são reprodutíveis quando o
alimento é ingerido de uma forma oculta.
A alergia alimentar é actualmente reconhecida como um importante problema
de saúde nos paízes industrializados e, à
semelhança de outras doenças alérgicas,
a sua prevalência tem vindo a aumentar.
Na Europa, estudos populacionais baseados em inquéritos, apontam para uma
__________
1
Hospital de Santa Maria – Lisboa
prevalência desta patologia em cerca de
dois por cento da população em geral, de
seis a oito por cento na idade pediátrica
e de vinte por cento nas crianças com
dermatite atópica(2). Na América, estudos
recentes sugerem que as reacções de
alergia IgE mediada afectam entre 3,5%
a 4% da população(3).
Do ponto de vista clínico, na alergia
alimentar diferentes orgãos alvo podem
ser atingidos isoladamente ou em simultâneo. Na criança, os principais orgãos alvo
são a pele, sendo os sintomas cutâneos
mais frequentes, a urticária generalizada,
associada por vezes a angioedema e a
dermatite atópica; o tubo digestivo, com
sintomas de vómitos de aparecimento rápido após a ingestão do alimento ofensor,
a diarreia por vezes profusa, que pode
levar à desidratação e choque e a colite alérgica com fezes com sangue vivo,
mais frequente no pequeno lactente. Alguns quadros de cólicas recorrentes, frequentes na idade pré-escolar e escolar,
atribuídos a alergia alimentar, podem na
verdade resultar da ingestão excessiva
de alimentos contendo elevado teor em
aditivos (conservantes, corantes, edulcorantes, ou outros). Os sintomas respiratórios isolados são menos frequentes
na alergia alimentar IgE mediada, no entanto, a rinite, a tosse espasmódica e a
asma brônquica, podem ser observados,
ainda que habitualmente associados a
sintomas cutâneos e, ou, digestivos. Nos
quadros de anafilaxia alimentar observase uma evolução rápida dos sintomas
anteriormente referidos, cuja intensidade
aumenta rapidamente, e o aparecimento
de sintomas sistémicos, com hipotensão
e choque, que pode ser fatal.
O tipo de resposta imune geralmente dita o tipo de sintoma, sendo frequente
nas reacções alérgicas IgE mediadas, o
seu aparecimento rápido, entre poucos
minutos, até às duas horas, após a ingestão do alimento ofensor. Nas reacções
não IgE mediadas, em que predominam
os mecanismos de imunidade celular, ou
de outra natureza, os sintomas surgem
de uma forma habitualmente mais tardia
e insidiosa, tornando difícil estabelecer
uma correlação entre a clínica e o alergénio alimentar que está na sua origem .
FACTORES DE RISCO DE
SENSIBILIZAÇÃO ALIMENTAR
Existem factores de risco de sensibilização aos alergénios alimentares
e aeroalergénios que podem actuar em
diferentes fases do desenvolvimento humano. Durante a vida intra-uterina têm
sido apontados, como factores de risco
de sensibilização do feto aos alimentos,
o tipo de alimentação materna, admitindo-se que uma ingestão excessiva de alimentos com elevado potencial alergénico
pela mãe possa induzir uma produção
de anticorpos IgE específicos no feto, os
quais poderão ser detectados ao nascer
no sangue do cordão umbilical. De igual
forma, uma exposição materna elevada a
pneumoalergénios, em especial ácaros
domésticos e animais domésticos, como
o gato, poderá ocasionar uma sensibilização intra-uterina do feto com detecção
dos respectivos anticorpos IgE específicos no sangue do cordão umbilical(4).
Após o nascimento, têm sido apontados como factores de risco de sensibilização primária do recém nascido e
pequeno lactente, a introdução precoce
na alimentação de proteínas alergénicas.
Uma imaturidade imunológica fisiológica,
com défice transitório de IgA secretora a
nível intestinal, associada a uma imaturidade física da mucosa e imaturidade dos
criança alérgica – mesa redonda
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 185
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
mecanismos digestivos (défice enzimático, acloridria gástrica), facilita um maior
aporte de proteínas não digeridas, antigénicamente activas , ao lúmen intestinal
e a sua maior absorção através da mucosa intestinal, nesta fase da vida mais
permeável.
No lactente exclusivamente amamentado desde o nascimento, uma sensibilização alimentar é possível, tendo
sido demonstrada a passagem através
do leite materno de proteínas alimentares
em doses baixas (nanogramas) mas sensibilizantes, para vários alimentos como o
leite, o ovo, cereais e amendoím(5,6).
RISCO ATÓPICO
A existência de história familiar positiva de doença alérgica em familiares de
primeiro grau (mãe, pai, irmãos) é considerada como o principal factor de risco
atópico, havendo uma tendência elevada
para o desenvolvimento de manifestações
alérgicas, alimentares e ou respiratórias,
superior a sessenta por cento quando ambos os pais são alérgicos. O doseamento
do anticorpo IgE total no sangue do cordão umbilical, ou nos primeiros dias de
vida, foi defendido na década de oitenta
por diferentes autores como um importante marcador biológico de risco atópico,
sendo o achado de um valor igual ou superior a 0,3 KU/L, considerado positivo(7,8).
Actualmente este marcador biológico não
é usado por rotina.
Em crianças com história familiar
positiva de doença alérgica, é aconselhável tomar medidas de prevenção alimentar desde o nascimento, incentivando o
aleitamento materno até ao sexto mês de
vida, e a introdução de alimentos sólidos
a partir do quarto mês de vida. É igualmente aconselhável tomar medidas de
prevenção ambiencial com especial relevo para a evicção da exposição tabágica
e aos alergénios do ambiente doméstico.
ALERGÉNIOS ALIMENTARES
Os alergénios alimentares são na
sua maioria proteínas ou glicoproteínas
de peso molecular elevado, entre 10 e
100 KDA, com elevada actividade biológica, habitualmente hidro-solúveis e resistentes à degradação enzimática e ao
calor. Nos alimentos nativos existem pro-
teínas com diferente potencialidade alergénica, sendo considerados alergénios
major os que desencadeiam sintomas
em mais de cinquenta por cento dos indivíduos sensibilizados, e alergénios mínor
os que causam sintomas em cerca de
dez por cento dos indivíduos alérgicos.
Existem fracções proteicas dos alimentos
de baixo peso molecular e fraca capacidade alergénica “haptenos” que podem
adquiri-la após ligação a proteínas plasmáticas como, por exemplo, a albumina.
Este facto, pode explicar alguns quadros
de alergia alimentar inconstantes(9).
A existência de grande homologia
na sequência dos aminoácidos e da estrutura química de proteínas presentes
em alimentos de origem diferente, pode
dar origem a fenómenos de reactividade
cruzada, que se traduzem pelo aparecimento de sintomas alérgicos a alimentos
sem que tenha havido uma exposição
prévia aos mesmos.
As reacções de reactividade cruzada podem ser observadas entre diferentes alimentos de origem animal, (leite de
vaca, leite de cabra e leite de ovelha, leite
de vaca/carne de vaca, alergia a diferentes peixes) ou entre diferentes alimentos
de origem vegetal (leguminosas, frutos
secos, frutos).
Pode igualmente haver alergia
cruzada entre alergénios alimentares e
pneumoalergénios, o que resulta da existência de proteínas comuns designadas
por “panalergénios”. São exemplos, a
tropomiosina, uma proteína comum aos
ácaros e crustáceos (síndrome de ácaros/marisco), as quitinases responsáveis
pela sídrome de latex /frutos e as profilinas e LTPs, proteínas comuns no reino
vegetal (síndrome de pólens / frutos)(10).
Apesar da grande diversidade de
alimentos consumidos pelo ser humano,
cerca de noventa por cento das reacções
alérgicas graves são causadas por oito
alimentos ou grupos de alimentos: leite
de vaca e derivados, ovo, trigo, soja, frutos, peixe e crustáceos, amendoím e frutos secos (noz, amendoa, avelã, etc.)(11).
Na primeira infância o leite de vaca
e derivados lácteos, o ovo e o peixe, são
os alergénios mais prevalentes. A partir
da segunda infância, o perfil de sensibilização alimentar é diferente assemelhan-
criança alérgica – mesa redonda
S 186
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
do-se ao do adolescente e adulto, sendo mais importantes a sensibilização ao
amendoím, soja, trigo, frutos de casca rija
(noz, avelâ, amendoa, pistachio) e crustáceos (camarão, lagosta, carangueijo).
A alergia alimentar na criança é uma
patologia na maioria dos casos transitória, havendo tendência para o aparecimento de tolerância e desaparecimento
total dos sintomas. No entanto, em cerca
de um terço dos casos a alergia persiste
para além da adolescência. A idade em
que ocorre a sensibilização alérgica, assim como a intensidade da resposta imune aos alergénios alimentares, influenciam a evolução dos quadros clínicos,
havendo uma tendência para o aparecimento de tolerância quando os sintomas
surgem durante o primeiro ano de vida. É
o que acontece na maioria dos casos de
sensibilização ao leite de vaca, ovo, trigo
e soja. Quando a sensibilização é mais
tardia os sintomas tendem a persistir. É
o caso da alergia ao peixe e marisco,
amendoím, oleaginosas como a noz, e
frutos frescos (pêssego, maçã, etc.).
ALERGIA ALIMENTAR - OBJECTIVOS
DO DIAGNÓSTICO
Um dos principais objectivos do
diagnóstico é a detecção de risco atópico,
visando uma prevenção primária, ou seja,
impedir que a criança se sensibilize aos
alimentos. Nos casos em que já existe suspeita clínica de sensibilização alimentar, o
diagnóstico tem como principal objectivo
detectar o, ou, os alergénios alimentares
responsáveis, para que se possa estabelecer uma dieta de exclusão correcta e
evitar o aparecimento de sintomas.
A avaliação do risco atópico baseiase essencialmente na existência de história familiar de atopia em familiares de
primeiro grau (pais, irmãos).
A história clínica e um inquérito alimentar cuidadoso, são essenciais. Para
a detecção de uma sensibilização IgE
mediada usam-se os testes cutâneos
por picada (prick test) e o doseamento
sérico dos anticorpos IgE específicos
(RAST, ELISA). Em casos pontuais pode
proceder-se à caracterização das fracções proteicas alergénicas dos alimentos
recorrendo a técnicas de imunoeletroforese, no entanto, é uma técnica usada
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
sobretudo em investigação. A prova de
provocação oral com o alimento suspeito (PPO) é considerada o método de
diagnóstico “gold standard” em alergia
alimentar, pois permite reproduzir os sintomas. Esta prova deve ser efectuada em
dupla ocultação e contra placebo, a fim de
evitar sintomas por sugestão, frequentes
em crianças mais velhas, adolescentes e
adultos. No entanto, nos grupos etários
mais jovens a PPO pode ser efectuada
em ensaio aberto. Nos casos em que a
história clínica é muito consistente e os
testes cutâneos são francamente positivos e, ou, os níveis séricos de IgE específicas são elevados, a sua realização é
dispensável como método de confirmação do diagnóstico e quando existe uma
história prévia de anafilaxia a sua realização é perigosa e está contra-indicada.
A realização da PPO é importante
para a confirmação, ou exclusão do diagnóstico de alergia /intolerância alimentar
nos doentes com clínica sugestiva mas
em que os testes cutâneos são negativos e as IgE específicas séricas são
igualmente negativas para os alimentos
suspeitos. È igualmente uma prova importante no “follow up” para avaliação de
eventual aquisição de tolerância ao fim
de um certo tempo de dieta de exclusão,
ou mesmo para a determinação do limiar
de tolerância ao alimento.
A PPO deve ser efectuada sempre
sob vigilância médica, ponderando a necessidade de internamento nos casos em
que o quadro clínico anterior foi grave,
como por exemplo, quando há história de
anafilaxia. A obtenção do consentimento
informado por parte dos pais, ou do próprio doente, é um requisito importante.
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL EM
CUIDADOS DE SAÚDE PRIMÁRIOS
Perante uma criança com história
clínica sugestiva de alergia alimentar é
importante saber quando enviá-la a uma
consulta de alergologia. Do ponto de vista laboratorial há três análises a pedir:
o doseamento da IgE total, Phadiatop
Infant (mistura de alergénios inalantes e
alimentares) e Fx5 (mistura de alergénios
alimentares). O achado de uma IgE total
com valor superior a 2 SD para a idade é
um importante indicador de risco atópico
(devem excluir-se outras causas de IgE
total elevada, como as parasitoses intestinais). Quer o “Phadiatop Infant”, quer o
Multiteste para alimentos (Fx5), são métodos de avaliação qualitativa que têm
como principal objectivo uma orientação
diagnóstica. A sua positividade significa
apenas que existe sensibilização a algum, ou alguns dos alergénios neles contidos. Nem sempre a positividade destes
testes implica a existência de sintomas.
No caso do Fx5, há que ser cauteloso na
sua interpretação, resistindo a estabelecer dietas de exclusão excessivas e desnecessárias que podem interferir com o
estado nutricional da criança.
Existem métodos de diagnóstico laboratorial recentes disponíveis no mercado, promissores e que permitem facilitar
e alargar o campo de diagnóstico alergológico. É o caso do IMUNOCAP - RAPID
(Phadia ®), é um teste de diagnóstico
rápido, que permite a detecção durante
a consulta, de anticorpos IgE específicos
no sangue do doente, através da picada
do dedo, a aeroalergénios e alergénios
alimentares comuns. Pode substituir os
testes cutâneos nos casos em que exista
contraindicação ou impedimento para a
sua realização (antihistamínicos, dermatite atópica).
A detecção multipla de IgE específicas para alimentos e pneumoalergénios
é hoje possível através de técnicas de
“microarrays”, que recorrem a alergénios
purificados, nativos ou recombinantes,
colocados em micropoços de sílica que
permitem a análise de extensos painéis
de IgE específicas. Num determinado doente, esta técnica permite , usando uma
quantidade mínima de sangue (uma gota),
identificar o “epitopo”específico para o qual
reage, determinar reactividades cruzadas
potenciais na base de epitopos homólogos, prever a gravidade e evolução da
doença. É um exempl, o ImunoCap ISAC
(Phadia ®), já disponível no mercado mas
ainda em fase de investigação clinica.
ALERGIA ALIMENTAR PERSISTENTE
Apesar da alergia alimentar ser uma
patologia habitualmente transitória e com
bom prognóstico na criança, em cerca
de um terço dos casos tem tendência a
persistir, com manutenção dos sintomas
após a ingestão, ou o simples contacto
com o alimento ofensor, a persistência de
testes cutâneos positivos e níveis séricos
elevados de anticorpos IgE específicos.
No caso da alergia persistente ao leite de
vaca, a mais frequente, vários trabalhos
publicados, apontam para uma diferença
da resposta humoral nas crianças que
desenvolvem tolerância versus crianças
em que a alergia persiste(12). Um estudo
recente efectuado na nossa Unidade de
Imunoalergologia Infantil em colaboração
com o Laboratório de Imunologia da Faculdade de Medicina de Lisboa, em que
foi avaliada a resposta de imunidade humoral IgG4 específica e IgE específica
para o leite de vaca e fracções proteicas,
alfa-lactoalbumina, beta-lactoglobulina e
caseína, mostrou que nas crianças que
adquiriram tolerância os valores séricos
de IgG4 específicas eram superiores
para o leite total e frações proteicas comparativamente com as crianças em que a
alergia persistiu. Pelo contrário, os níveis
séricos de IgE específicas para leite total
e fracções proteicas eram mais baixos
nas crianças tolerantes, mantendo-se
elevados nas crianças com alergia persistente. Admite-se que o perfil do Ratio
IgEs /IgG4s poderá vir a ter um valor preditivo na evolução da resposta alérgica e,
em especial, na avaliação de aquisição
de tolerância(13). Utilizando uma técnica
recente de “microarray-immuno solidphase allergen chip”, foi possível caracterizar nesta população infantil, o perfil de
reconhecimento, por anticorpo IgE, das
proteínas alergénicas do leite de vaca,
em diferentes fases da evolução da doença(14).
TERAPÊUTICA DA ALERGIA
ALIMENTAR
O tratamento da alergia alimentar,
quer na idade infantil, quer posteriormente, baseia-se essencialmente numa dieta
de exclusão rigorosa do alimento ofensor,
a qual deverá ser mantida durante um
período de tempo variável de caso para
caso, de acordo com o perfil de aquisição
de tolerância. Pretende-se deste modo,
prevenir a ocorrência de reacções alérgicas cuja gravidade é difícil de prever e,
em alguns casos, poderá pôr em risco a
vida do doente.
criança alérgica – mesa redonda
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 187
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
É importante que cada criança ou
jovem seja portador de um plano escrito sobre a actuação de emergência em
caso de reacção alérgica. Nas crianças,
um plano de terapêutica de emergência
deverá ser fornecido à Escola. Um cartão
identificativo deverá ser igualmente dado
ao doente, contendo a sua identificação e
contactos, a referência à alergia alimentar, identificação do, ou dos, alimentos
responsáveis. Em relação à medicação,
para além dos antihistamínicos e corticóides orais, pode ser necessário em determinados casos ser portador de um kit de
adrenalina auto-injectável (Anapen ®).
As principais indicações para a
prescrição de adrenalina são: história
prévia de anafilaxia a alimentos; anafilaxia alimentar induzida pelo exercício físico; alergia alimentar e asma grave; reacções induzidas por quantidades ínfimas
de alergénio; alergia a alguns alimentos
com maior risco potencial de reacção
sistémica: amendoím; frutos secos (noz,
avelâ, amêndoa), frutos frescos (pêssego); doentes com testes cutâneos fortemente positivos e/ou IgEs específicas
muito elevadas.
Nas crianças e nos jovens com alergia persistente às proteínas do leite de
vaca têm sido tentados vários protocolos
de dessensibilização, em regime de hospital de dia ou de internamento hospitalar,
alguns com sucesso. Estes protocolos visam a aquisição de tolerância, ainda que
por vezes a pequenas quantidades de
leite, o que permite evitar o aparecimento
de reacções graves após a ingestão inadvertida de proteínas lácteas presentes
em alimentos, muitas vezes sob a forma
oculta (batidos, bolos, caramelos, etc.).
Um aspecto muito importante a considerar é a educação do doente alérgico
e família, e o cumprimento rigoroso das
orientações e planos de actuação propostos pelo médico assistente. Em relação à indústria alimentar é fundamental
cumprir as regras de rotulagem dos ali-
mentos, devendo haver uma referência a
todos os constituíntes, incluindo os que
se encontram em quantidades vestigiais
e são tolerados pela maioria dos doentes
alérgicos, mas que podem causar sintomas graves em doentes muito sensíveis.
Como terapêuticas futuras, a imunoterapia específica para alimentos
encontra-se, por ora, numa fase inicial,
havendo no mercado apenas vacinas
orais para desensibilização à avelâ e ao
amendoím(15,16).
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 185-188
BIBLIOGRAFIA
1. Sampson HA. Food Allergy. Part I:
Immunopathogenesis and clinical disorders. J Allergy Clin Immunol 1999;
103:717-28.
2. Johansson S, Houriane JOB, Bousquet J, Bruijinzeel-Koomen C, Dreborg S, Hahtela T, et al. A revised
nomenclature for Allergy. An EAACI
position statement from the EAACI
task force. Allergy 2001;56:813-24.
3. Munoz-Furlong A, Sampson HA, Sicherer SH. Prevalence of self-reported seafood allergy in the US (abstract). J allergy Clin Immunol 2004; 11
(suppl): S100.
4. Chandra RK. Maternal diet during
pregnancy and lactation. In: Hamburger RN (ed). Food intolerance in infancy. Carnation Nutrition Educaation
Series, vol 1. Raven Press, New York,
1989: 237-46
5. Kilshaw PJ, Cant AJ. The passage of
maternal dietary proteins into human
breast milk. Int Arch allergy Appl Immunol 1984; 75:8-5.
6. Jackobsson I, Lindberg T, et al. Dietary beta-lactoglobulin is transferred
to human milk. Acta Paediatric Scand
1985;74:342-5.
criança alérgica – mesa redonda
S 188
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
7. Zeiger RS, Heller S. The development
and prediction of atopy in high-risk
children: follow-up at age seven years
in a prospective randomized study of
combined maternal and infant food
allergen avoidance. J Allergy Clin Immunol 1995; 95(6):1179-1190.
8. Kjellman N-IM. Prediction and prevention of atopic allergy . Allergy 1982;
67:463-70.
9. Aas K. Chemestry of food allergens.
In: Hamburger RN (ed). Food intolerance in infancy. The Carnation Nutrition education Series, vol 1. New
York, 1989.
10. Lopes A, S Conceição. Doseamento
da IgE específica e estudo da reactividade cruzada. Rev. Port. ImunoAlergol 2009;17(Supl I):24-29.
11. Sampson HA. Update on Food Allergy. J Allergy Clin Immunol 2004;
113,5:805-819.
12. Ruiter B, Knol EF et al. Maintenance
of tolerance to cow´s milk in atopic individuals is characterized by high levels of specific immunoglobulin IgG4.
Clinical and Experimental Allergy,
2007;37; 1103-1110.
13. Anna Sokolova, Ana Célia Costa, Leonor Bento, J.C.Trindade, Conceição
Santos. Sessão Clínica do Serviço de
Pediatria 2008.
14. Sokolova A, Costa AC, Bento ML et
al: Microarray-immuno solid-phase
allergen chip na avaliação do perfil de
sensibilização às proteínas do leite
de vaca. Rev Port Imuno-Allerg 2009;
XVII, 4 : 325-342
15. Ernesto Enrique, Fernando Pineda,
Tamin Malek, et al. Sublingual immunotherapy for hazelnut food allergy :
A randomized, double-blind, placebocontrolled study with a staandardized
hazelnut extract. 2005. J Allergy Clin
Immunol 2005; 116(5): 1073-9
16. Sucefful oral tolerance induction in
severe peanut allergy. Clark AT, Islam
S, King Y, et al. Allergy 2009.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Alergia a Fármacos
Eva Rebelo Gomes1
RESUMO
As reacções adversas a fármacos
(RAF) definem-se segundo a OMS como
toda a resposta nociva e não pretendida
que resulta da utilização de um fármacos
administrado em doses normalmente utilizadas para fins terapêuticos ou de diagnostico.
O termo “alergia a fármaco” só deve
ser aplicado, segundo as orientações do
comité de revisão de nomenclatura da
EAACI, quando for possível demonstrar
um mecanismo imunológico específico
subjacente á reacção. As reacções que
clinicamente sugerem uma reacção alérgica mas em que não é possível identificar um mecanismo IgE mediado ou a
existência de linfocitos T específicos são
classificadas como reacções de hipersensibilidade não alérgicas.
As reacções adversas a fármacos
são frequentes em idades pediátricas.
Segundo uma meta análise recente de
estudos pediátricos as RAF originam
2.1% dos internamentos hospitalares e
9.5% dos doentes hospitalizados sofrem
pelo menos uma reacção adversa. A incidência média reportada no ambulatório
foi de 1.5% havendo no entanto estudos
posteriores que referem valores superiores. Em Portugal, segundo dados recolhidos através de um questionário aplicado
a 1849 indivíduos em vários tipos de ambulatório pediátrico, cerca de 10% dos
pais referem que os seus filhos já sofreram algum tipo de RAF e 6% consideram
os seus filhos alérgicos a um ou mais fár__________
1
Assistente Hospitalar de Imunoalergologia
Serviço de Imunoalergologia do CHP
Secretária do Grupo de Interesse em Alergia
a fármacos da SPAIC
Membro do ENDA e do Grupo de Interesse
em Alergia a fármacos da EAACI
macos. Além de morbilidade significativa
as RAF são também causa importante de
mortalidade e alguns estudos colocamnas entre as 10 causas mais frequentes
de fatalidades. Estes números levam-nos
a considerar as RAF como um verdadeiro
problema de saúde pública.
Os quadros clínicos das reacções a
fármacos podem ser muito diversos e o
diagnostico diferencial com outras patologias, nomeadamente infecciosa pode
ser difícil. É também importante recordar
que a mesma droga pode levar a manifestações de hipersensibilidade muito
diferentes na dependência de diferentes
mecanismos imunopatologicos.
As RAF com manifestações cutâneas são aquelas que mais frequentemente
levantam a suspeita de hipersensibilidade. A existência de alergia a fármaco é
especialmente sugerida quando sintomas como urticária, angioedema, broncoespasmo ou anafilaxia surgem minutos
após administração da droga suspeita
(reacções imediatas). Na criança as reacções retardadas são no entanto as mais
frequentes sobretudo os exantemas maculo papulares. Estes podem ter origem
em fenómenos de hipersensibilidade de
tipo IV, sendo possível por vezes identificar linfocitos T específicos, o que levará a
sua classificação como verdadeira reacção alérgica. Quadros clínicos de maior
gravidade como a síndroma de StevensJohnson a Necrolise Epidérmica Tóxica e
o DRESS têm como causa identificável
mais frequente as reacções a fármacos e
apesar da sua raridade devem ser destacados pela elevada morbilidade e mortalidade que acarretam.
Os fármacos mais vezes suspeitos
de causarem reacções de hipersensibilidade em crianças são os antibióticos (b
lactâmicos, sulfonamidas e macrolidos) e
os antiinflamatorios não esteróides (paracetamol, ibuprofeno, aspirina) o que
reflecte também os padrões habituais de
prescrição nestes grupos etários. Antialergicos, vacinas, anestésicos, psicofarmacos, meios de contraste e outros grupos farmacológicos surgem com menor
frequência nas consultas especificas de
alergia a fármacos.
A investigação diagnostica assenta
em 3 pilares fundamentais: anamnese,
estudos in vitro e estudos in vivo.
A colheita da história clínica é fundamental para planificar a investigação.
Deve ser o mais detalha possível e incluir
dados referentes a todos os fármacos administrados antes, durante e após a reacção bem como o tempo decorrido entre o
inicio do tratamento e o inicio da reacção
e ainda o tempo transcorrido desde a última toma de cada fármaco. Igualmente
importante é o contexto clínico em que
o fármaco foi administrado. Na criança, a maioria das reacções dão-se num
contexto de doença aguda febril e como
muitos agentes infecciosos nestas idades
podem ser causa de exantemas e mesmo
de urticária instala-se muitas vezes uma
incerteza acerca do diagnóstico. Os clínicos, também influenciados pela própria
família, podem por vezes alterar o tratamento e evitar no futuro nova exposição
ao mesmo fármaco por receio de novas
reacções levando a diagnósticos não fundamentados de “alergia a fármacos” que
podem permanecer como rótulos para
toda a vida com consequências clínicas
e económicas relevantes. A administração de múltiplos fármacos num mesmo
episódio (antibióticos, antiinflamatorios,
antitússicos, anti-histamínicos, etc.) bem
como a deficiente documentação das reacções na fase aguda complica frequentemente a investigação posterior. A refe-
criança alérgica – mesa redonda
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 189
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
renciação para diagnostico é feita muitas
vezes meses ou anos após a reacção,
altura em que a maior parte dos dados
anamesticos já se perderam, também
por esta razão o exame objectivo no caso
das reacções a fármacos é geralmente
pouco informativo embora possam existir
reacções cutâneas residuais com importância diagnostica.
A investigação laboratorial é também, na maioria dos casos, limitada. Para
estudo das reacções de tipo I a pesquisa
de IgE especificas é possível para algumas drogas do grupo dos β lactamicos
na maioria dos laboratórios. Os testes
de transformação linfocitaria e testes de
desgranulação
mastocitaria/basofilica
parecem promissores em situações clínicas especificas mas não estando ainda devidamente estandardizados e pelo
custo elevado são usados sobretudo no
âmbito de protocolos de investigação.
Aquando da reacção suspeita análises gerais (função hepática, e renal, hemograma) são importantes no sentido de
avaliar a eventual repercussão sistémica
e outros estudos analíticos como serologias e estudos microbiológicos poderão
ajudar no diagnóstico diferencial.
A escassez de exames complementares de diagnostico in vitro destaca a importância da investigação in vivo.
No estudo de reacções imediatas
os testes cutâneos por picada e intradermicos são os mais utilizados. Os únicos
preparados comerciais em uso devidamente estandardizados são dirigidos ao
diagnóstico das reacções alérgicas aos
b lactamicos; para estudo de reacções
a outros fármacos recorre-se à utilização
das apresentações comerciais injectáveis disponíveis para fins terapêuticos.
Os TC para beta-lactamicos têm uma
sensibilidade razoável e uma boa especificidade. Estes testes são de execução
fácil, desde que os doentes sejam colaborantes, e os resultados são rápidos,
no entanto devido aos riscos envolvidos
principalmente no caso de reacção anafilatica prévia devem ser executados em
meio hospitalar. As leituras tardias dos
testes intradermicos podem também ser
úteis no estudo de doentes com reacções
de carácter retardado embora nestas situações se prefira na maioria das vezes
iniciar a investigação pela realização de
testes epicutaneos de contacto com ou
sem leitura imediata e com leitura às 48,
72 e 96 horas consoante o fármaco e o
tipo de reacção em causa.
Quando a história clínica, os estudos laboratoriais e os testes cutâneos
não permitem um diagnostico pode ser
necessário efectuar um teste de provocação que consiste na administração pautada de quantidades crescentes do fármaco
suspeito de ter causado reacção prévia
até se atingir a dose diária recomendada
ou até ao aparecimento de reacção. Por
vezes é necessário que este procedimento seja controlado com placebo ou mesmo realizado em dupla ocultação sobretudo quando as reacções suspeitas não
são facilmente objectiváveis.
O teste de provocação está indicado quando o diagnóstico não foi possível
por outros meios e o fármaco implicado
é considerado importante para o doente
em questão mas pode também ser usado
para encontrar alternativas terapêuticas
quando o diagnostico de alergia está já
estabelecido.
Devido aos riscos inerentes a este
procedimento o mesmo só deve ser executado em meio hospitalar e por pessoal
devidamente treinado na orientação deste tipo de doentes.
A investigação completa destas
situações é extremamente importante
pois a maioria dos doentes que referem
ser alérgicos a fármacos não o são na
realidade. Tal foi demonstrado por nós
em estudo recente em que apenas se
confirmaram 5% das suspeitas de hipersensibilidade e por vários outros grupos
de trabalho que referem resultados semelhantes. Um diagnóstico incorrecto
pode levar a custos acrescidos e colocar
o doente em risco pelo uso indevido de
fármacos alternativos menos eficazes e
com maior potencial de causarem efeitos
secundários.
criança alérgica – mesa redonda
S 190
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
A orientação clínica destes doentes
é por vezes difícil pela falta de conhecimentos da fisiopatologia subjacente à
reacção e da importância de co-factores
associados, no entanto é extremamente
importante a tentativa de confirmação
diagnostica. Se um diagnostico de certeza foi possível tal deve ser claramente
referido ao doente, a evicção futura deve
ser completa e devem ser aconselhados
fármacos alternativos e fornecida informação escrita. Se o fármaco em causa
é considerado como a melhor alternativa
terapêutica num dado contexto clínico
pode ser tentado um protocolo de dessensibilização sendo este procedimento
particularmente usado em doentes oncológicos, imunodeprimidos e em casos de
hipersensibilidade aos AINEs.
Quando a investigação não foi conclusiva mas a reacção que lhe deu origem foi considerada grave o fármaco
deve mesmo assim ser evitado e serem
utilizadas substâncias alternativas. Se a
investigação foi toda ela negativa o doente em questão terá probabilidade de reacções futuras semelhante à da população
geral e não há razões para restrições na
prescrição futura.
Podemos então dizer que as reacções de hipersensibilidade representam
uma parte significativa das reacções adversas a fármacos acarretando morbilidade e mortalidade significativa. Os AINE
e os antibióticos derivados da penicilina
são os fármacos que mais vezes levantam a suspeita de alergia na criança. O
diagnóstico baseia-se numa história clínica detalhada geralmente complementada
por teste cutâneos e de provocação, procedimentos que implicam a avaliação em
meio hospitalar. A investigação é por vezes difícil e morosa mas importante pois
as reacções que não são devidamente investigadas e diagnosticadas podem levar
à prescrição indiscriminada de fármacos
alternativos menos eficazes e mais dispendiosos em doentes na realidade não
alérgicos.
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 189-190
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Argumentos Contra
Susana Roncon1
Em 1974 foi descrita pela primeira
vez a presença de células progenitoras
hematopoiéticas no Sangue do Cordão
Umbilical (SCU) surgindo a ideia de
usar este sangue para transplante hematopoiético. O primeiro Transplante
de SCU (TSCU) foi realizado em 1988
num doente com anemia de Fanconi;
o doente não desenvolveu Doença de
Enxerto Contra Hospedeiro (DECH)
e actualmente encontra-se vivo, sem
doença e em situação de quimerismo
total do dador.
Durante os últimos 20 anos, o progresso no campo do TSCU decorreu
em paralelo com o grande interesse em
criar e desenvolver bancos de SCU em
todo o mundo com o objectivo de fornecer unidades de elevada qualidade aos
doentes candidatos a transplante alogénico sem dador familiar compatível.
Os primeiros bancos foram estabelecidos no início dos anos 90 em
Nova Iorque, Milão e Dusseldorf. Actualmente encontram-se armazenadas
mais de 400.000 unidades em mais de
40 bancos, tendo mais de 10.000 doentes, crianças e adultos, com doenças
malignas e não-malignas, beneficiado
de um transplante.
As unidades de SCU HLA-compatíveis são encontradas através de
registos informáticos. O sucesso demonstrado em diversos estudos indica que o SCU é uma fonte alternativa
eficaz e, em determinadas situações,
pode ter vantagens relativamente aos
enxertos de Medula Óssea (MO).
__________
1
Serviço de Terapia Celular - Instituto Português de Oncologia do Porto FG, EPE
DÁDIVA DE SCU ALOGÉNICA
Não existe nos dias de hoje controvérsia relativamente à dádiva voluntária
e benévola de SCU para bancos públicos e muitas das questões inicialmente
colocadas foram resolvidas.
Sem dúvida, que o número de células nucleadas tem condicionado o uso
do SCU no adulto; mas este factor pode
ser ultrapassado com a infusão de 2 unidades de SCU, com a expansão celular
ou com a infusão simultânea de um SCU
e um enxerto medular haploidêntico. Permanece como factor limitativo a impossibilidade de obter novo enxerto do mesmo
dador no caso de falência ou linfócitos do
dador na situação de recaída.
O atraso na recuperação hematológica e imunológica evidenciado em
diversos estudos pode ser melhorado
através do estabelecimento criterioso
de condicionamentos de intensidade
reduzida, da instituição de profilaxia
antivírica, antibacteriana e antifúngica,
da monitorização regular do antigénio
do CMV e do uso de Imunoglobulinas.
A preocupação com a transmissão
de doenças genéticas foi substancialmente reduzida com a selecção cuidadosa da grávida e com o despiste da
patologia nas unidades suspeitas.
Os novos sacos de congelação
com pequenos segmentos permitem a
descongelação separada de alíquotas
de células do cordão para a realização
de testes de rastreio de doenças infecciosas com agentes emergentes e, sobretudo, para a avaliação da viabilidade celular. No futuro, esta possibilidade
poderá dar resposta à grande dúvida
sobre a durabilidade de uma unidade
criopreservada.
O grande obstáculo ao aumento
do pool de unidades de SCU é o elevado custo associado ao seu registo,
estudo analítico e armazenamento, favorecendo o registo de dadores adultos
não aparentados de medula. No entanto, segundo Howard et al., aumentar o
stock de um banco com 50.000 unidades para um com 300.000, permite um
incremento de 19% e 10% relativamente à probabilidade de encontrar uma
unidade compatível para uma criança
ou adulto, respectivamente. Hurley et
al. demonstraram que num registo com
10.000.000 de dadores são necessários
7.000.000 adicionais para aumentar a
probabilidade em 1% de encontrar um
dador compatível. Daí que os recursos
económicos deverão ser direccionados
para os bancos públicos de SCU.
DÁDIVA DE SCU DIRIGIDA
Apesar do primeiro transplante ter
sido de um dador familiar e de muitos
outros que se seguiram terem envolvido dádivas dirigidas, não existem normas a regulamentar estas dádivas. Até
à data, os TSCU realizados basearamse na estreita colaboração entre famílias altamente motivadas e profissionais de saúde que facilitaram a colheita
e o armazenamento das unidades.
A dádiva dirigida deve ser encorajada quando o irmão tem uma doença
potencialmente tratável com transplante ou quando a tipagem HLA do dador
apresenta um fenótipo raro (como é o
caso das minorias étnicas), apesar do
reconhecimento de que 75% destas
unidades não são HLA-idênticas.
No entanto, não são totalmente
conhecidas as doenças para as quais o
controvérsias: criopreservação de células do cordão umbilical
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 191
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
TSCU é uma opção terapêutica eficaz.
Também não estão definidas as situações em que o SCU é a fonte preferida
em detrimento da MO ou do Sangue
Periférico Mobilizado (SPM) para o
mesmo dador familiar.
A logística associada aos bancos
públicos implica a existência de circuitos próprios para o armazenamento e
libertação destas unidades. No IPOPorto existe um pequeno banco de dádivas dirigidas a funcionar desde 1993
e com cerca de 140 SCU criopreservados; destes foram descongelados 3
para 2 transplantes.
USO AUTÓLOGO DE SCU
Face aos conhecimentos actuais
e atendendo a que tanto os defensores
como os opositores fazem declarações
exageradas e, por vezes, erróneas,
será que se justifica a existência de
bancos de SCU autólogo?
A presença de células leucémicas
no SCU de crianças que desenvolveram leucemia contra-indica o seu uso
nestas situações. Também a ausência
do efeito enxerto contra leucemia limita
a sua utilização no tratamento de doenças malignas.
Segundo um estudo americano
recente de Horowitz, a probabilidade
de um indivíduo realizar um transplante autólogo durante a sua vida é 1:400.
Para estes, existe a possibilidade de
colheita de SPM ou MO em tempo útil
da transplantação.
Os protocolos clínicos de medicina regenerativa com células estaminais
para indivíduos com mais de 50 anos de
idade, portadores de doenças degenerativas ou isquémicas, usam MO ou SPM
autólogo. Quais serão as condições das
unidades de SCU crioconservadas nas
próximas 5 a 6 décadas? Resta a certeza de que no próprio existem sempre
células estaminais que poderão ser recrutadas para o uso necessário.
OPINIÃO PESSOAL
Não deveriam existir dúvidas para
a criopreservação de dádivas alogénicas de SCU em bancos públicos.
Mantém-se a polémica sobre as
indicações para criopreservação de
dádivas autólogas de SCU.
O que é importante é criar protocolos clínicos para o uso consciencioso
do SCU em transplantação.
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 191-192
BIBLIOGRAFIA
• History of cord blood transplantation.
• Gluckman E.
• Bone Marrow Transplant. 2009 Oct 5.
[Epub ahead of print]
• Cord blood banking for clinical transplantation.
• Rubinstein P.
• Bone Marrow Transplant. 2009 Oct 5.
[Epub ahead of print]
controvérsias: criopreservação de células do cordão umbilical
S 192
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
• Hematopoietic reconstitution in a patient with Fanconi's anemia by means
of umbilical-cord blood from an HLAidentical sibling.
• Gluckman E, Broxmeyer HA, Auerbach AD, Friedman HS, Douglas GW,
Devergie A, Esperou H, Thierry D,
Socie G, Lehn P, et al.
• N Engl J Med. 1989 Oct 26;321(17):
1174-8
• Use of cost-effectiveness analysis to
determine inventory size for a national cord blood bank.
• Howard DH, Meltzer D, Kollman C,
Maiers M, Logan B, Gragert L, Setterholm M, Horowitz MM.
• Med Decis Making. 2008 MarApr;28(2):243-53. Epub 2008 Mar 18.
• Overview of registries, HLA typing
and diversity, and search algorithms.
• Hurley CK, Maiers M, Marsh SG, Oudshoorn M.
• Tissue Antigens. 2007 Apr;69 Suppl
1:3-5. Review.
• Improving outcomes of cord blood
transplantation: HLA matching, cell
dose and other graft- and transplantation-related factors.
• Rocha V, Gluckman E; EurocordNetcord registry and European Blood
and Marrow Transplant group.
• Br J Haematol. 2009 Oct;147(2):
262-74.
• Ten years of cord blood transplantation: from bench to bedside.
• Gluckman E.
• Br J Haematol. 2009 Oct;147(2):
192-9.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Alimentação
– Experiências Precoces, Impacto Futuro
Gonçalo Cordeiro Ferreira1
Embora seja frequente dizer-se que
somos aquilo que comemos, a realidade
é que nós comemos aquilo que somos.
Muitos dos nossos comportamentos alimentares resultam de milhões de anos
de evolução e programação genética. O
Homem foi-se adaptando por mecanismos de selecção natural a ambientes
hostis em que a regra era a escassez
da alimentação. Foram-se assim seleccionando genes que determinavam
comportamentos alimentares específicos, como a preferência pelos doces
(maiores fornecedores de calorias),
em detrimento dos amargos ou ácidos
(associados a toxinas de plantas); bem
como a preferência pelos alimentos gordos ou derivados da carne.
Com o início da agricultura e da
domesticação do gado, há alguns milhares de anos atrás, o nível de aporte
alimentar tornou-se progressivamente mais constante, mas também mais
restrito. A pressão ambiental para a
selecção de genes modificadores do
comportamento alimentar baixou drasticamente. Hoje, tal como nesse passado remoto, o bebé humano nasce
com um gosto inato para o doce e uma
aversão ao amargo. A preferência pelo
salgado vai-se desenvolvendo a partir
do segundo semestre de vida.
Por outro lado a relutância em
aceitar novos sabores (neofobias alimentares) ,e que se acentua a partir do
1º ano de vida, é um traço em que a
hereditariedade desempenha um papel
determinante.
Estaremos então condenados pelos nossos genes a uma dieta monótona com os riscos que isso significa
para o futuro (excesso de calorias, ingestão de substâncias potencialmente
nocivas)?
A resposta é não, porque podem
contrariar-se os mecanismos inatos
de preferência alimentar, através da
experiência precoce. Por vezes tão
precoce que ainda tem lugar na fase
intra-uterina através da passagem
transplacentar de sabores voláteis
para o líquido amniótico , deglutidos
pelo feto, como bem ficou patente em
estudos pioneiros de Julie Menella e
colaboradores , que demonstraram
uma melhor aceitação de sabores
pelo bebé na altura da diversificação
alimentar quando esses alimentos haviam sido consumidos regularmente
pela mãe durante a gravidez.
Outros trabalhos põem ainda em
evidência a importância da passagem
desses mesmos sabores através do
leite materno , conferindo ao lactente
amamentado uma maior capacidade
para se adaptar à diversificação alimentar.
A capacidade do bebé aceitar novos sabores , principalmente se amargos ou ácidos (vegetais e frutas) vai
aumentando gradualmente à medida
que se vai familiarizando com esse
sabor e muitas vezes são precisas em
média 11 tentativas para finalmente ter
sucesso ,pelo que se deve encorajar a
persistência na oferta alimentar.
Este aspecto é tanto mais importante quanto se sabe que a janela para
a habituação aos sabores é estreita ,
começando a fechar-se pelos 2 anos
e encerrando aos 3 anos, ou seja uma
criança com um “portfolio” alimentar reduzido pelos 3 anos , vai manter essa
monotonia alimentar até à adolescência , consumindo geralmente uma dieta
rica em calorias mas pobre em nutrientes, através da selecção de alimentos
energeticamente densos em detrimento de frutas e vegetais.
Hoje já não é a modificação genética a principal causa da adaptação ás
mudanças ambienciaisl. Essa adaptação resulta da modificação de comportamentos aprendidos pela divulgação
de informação. O “meme” é então essa
unidade auto-replicativa de informação.
Para induzir a modificação do
comportamento alimentar (geneticamente determinado), os memes são
hoje de primordial importância: positivos quando encorajam a variedade;
negativos quando, por medos cientificamente pouco explicados (como por
exemplo, o receio de alergias , o que
aliás motivou já uma clarificação nas
ultimas recomendações quanto à diversificação alimentar da A.A.P e da
ESPGHAN), afunilam a experiência
alimentar e tornam ainda mais desajustado o nosso património genético ao
ambiente em que ele se desenvolve.
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 193
__________
1
Director da Área de Pediatria Médica do
Hospital de Dona Estefânia – CHLC-EPE
alimentação – experiências precoces impacto futuro
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 193
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Diversificação Alimentar
Ricardo Ferreira1
A diversificação alimentar é um
processo através do qual a criança
faz a transição para a alimentação da
família. Inicia-se por pelos 4-6 meses
de vida e habitualmente está completa antes dos 2 anos de Idade. A
criança deixa progressivamente de ter
uma alimentação exclusivamente láctea para começar a contactar com os
mais variados alimentos, apresentados
das mais variadas formas. A criança
abandona a segurança da alimentação exclusivamente láctea (um único
alimento, de ingestão simples, exigindo apenas a coordenação da sucçãodeglutição, nutricionalmente completo
e microbiologicamente seguro particularmente tratando-se de leite materno),
passando progressivamente a receber
alimentos das mais variadas texturas,
consistências, sabores e valor nutricional. Tal exige a maturação de todos os
processos associados à mastigação e
digestão de substâncias mais complexas. Por esse motivo é um período de
grande vulnerabilidade nutricional, particularmente nas famílias com acesso
limitado a alimentos de qualidade e
microbiologicamente seguros. Por outro lado, não deve ser apenas o risco
de défice nutricional a preocupar-nos.
Há que ter em conta que este também
é um período particularmente sensível
em termos de programação metabólica, no estabelecimento de preferências
alimentares, no desenvolvimento de
alergia e intolerância alimentar, pelo
que uma incorrecta diversificação alimentar pode influenciar a saúde futura.
O treino da mastigação, o treino do paladar, o contacto com novas texturas e
a socialização são aspectos indissociáveis deste processo e que apresentam
períodos críticos de desenvolvimento
que não podem ser menosprezados.
Contrariamente ao aleitamento
exclusivo dos primeiros meses de vida,
acerca do qual há bastante evidência
científica, os estudos em relação à diversificação alimentar são mais escas-
__________
1
Hospital Pediátrico de Coimbra
actualidades na alimentação – mesa redonda
S 194
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
sos, muitos apenas observacionais,
com evidência científica de menor qualidade. Além disso, esta é uma área em
que as recomendações oficiais competem necessariamente com aspectos
sócio-económicos, culturais, mitos e
tradição familiar, dificultando não apenas a sua implementação homogénea,
mas também a obtenção de evidência
científica de qualidade. Apesar dessas
condicionantes, é possível enunciar
algumas regras, como as definidas
pelo Comité de Nutrição da Sociedade
Europeia de Gastrenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica em 2008.
Estas devem ser respeitadas, devendo
contudo ser ajustadas à realidade cada
criança, família e comunidade, de modo
a que a diversificação alimentar seja
um processo não apenas de sucesso,
mas também agradável para todos.
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 194
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Alimentação do Prematuro
Ana Cristina Braga1
Os progressos tecnológicos desenvolvidos nas últimas décadas têm
permitido uma considerável melhoria
na sobrevida de recém-nascidos cada
vez mais pequenos e imaturos. A necessidade de providenciar uma nutrição
adequada a esta população de pequenos e frágeis recem-nascidos tem também resultado num aumento das estratégias nutricionais disponíveis, com o
aparecimento de suplementos para o
leite materno, melhoria da composição
das fórmulas para recem-nascidos de
prétermo/baixo peso ao nascimento e
disponibilidade de soluções para alimentação parentérica. Contudo, apesar destes avanços científicos, o crescimento pós-natal dos recém-nascidos
prematuros continua sub-óptimo.
E qual deverá ser considerado o
crescimento extrauterino ideal para um
feto nascido prematuramente?
A Academia Americana de Pediatria recomenda que seja fornecido
ao prematuro um aporte de nutrientes
que lhe permita um crescimento pósnatal, em termos antropométricos e
de composição corporal, semelhante
ao de um feto normal, da mesma idade pós-menstrual, crescendo in utero.
Contudo, o consumo energético e de
nutrientes imposto pela permanência
na Unidade de Cuidados Intensivos e
pelas complicações dela resultantes é
claramente diferente das necessidades
para o crescimento durante a vida intrauterina. O crescimento “ao ritmo fetal”,
ainda que pareça um objectivo razoável, será portanto dificilmente atingido,
__________
1
Assistente Hospitalar Graduada –Serviço
de Cuidados Intensivos Neonatais, CHP,
Unidade Maternidade Júlio Dinis
pelo que deverá antes ser encarado
como uma orientação.
Além disso, o aporte energético e
de nutrientes fornecido aos recém-nascidos de pré-termo, sobretudo aos de
muito baixo peso, é, na maior parte dos
casos, insuficiente para que atinjam
uma velocidade de crescimento fetal
normal, o que leva ao estabelecimento
de uma restrição de crescimento pósnatal durante o internamento. A subnutrição, sobretudo proteica, em estadios
críticos do desenvolvimento (pré ou
pós-natal), tem comprovadas consequências a longo prazo, nomeadamente hipertensão, diabetes, baixa estatura
e alterações do neurodesenvolvimento.
Por outro lado, também o crescimento
acelerado, pré ou pós-natal (“catch-up
growth”) leva a complicações tardias,
como a obesidade, resistência à insulina e diabetes. É portanto essencial
desenvolver estratégias alimentares
que permitam um crescimento pósnatal adequado, com uma menor perda
ponderal pós-natal e uma recuperação
mais precoce do peso ao nascimento, evitando assim quer a restrição de
crescimento inicial, quer a subsequente rápida velocidade de crescimento
(“catch-up growth”).
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 195-198
NUTRIÇÃO FETAL
O metabolismo energético fetal
está dependente sobretudo do fornecimento placentar de glicose e proteínas.
A glicose é a principal fonte energética
dos orgãos fetais; ela é transferida da
mãe para o feto a um ritmo próximo do
do consumo fetal. Os aminoácidos são
transportados activamente através da
placenta a um ritmo que excede as necessidades do crescimento fetal; cerca
de 50% dos aminoácidos captados pelo
feto são oxidados, constituindo uma
importante fonte energética. Consequentemente, a produção de ureia pelo
feto é relativamente elevada, quando
comparada à do recém-nascido de
termo. O fornecimento transplacentar
de lipídeos e deposição de gordura no
tecido adiposo fetal só se inicia no 3º
trimestre. Os lipídeos não são portanto uma fonte energética óptima para o
grande prematuro no período neonatal
precoce, por imaturidade dos sistemas
de metabolização lipídica.
O líquido amniótico, sendo secundário em termos de nutrição fetal,
desempenha um papel importante no
desenvolvimento estrutural e funcional
do tracto digestivo. No fim do 3º trimestre o líquido amniótico fornece ao feto
o equivalente à carga hídrica total e a
¼ das necessidade proteicas de um
recém-nascido de termo amamentado.
No momento do nascimento há
uma interrupção súbita do aporte de nutrientes ao feto, com uma descida dos
níveis de glicose e de aminoácidos, dos
quais depende a produção de insulina.
Consequentemente
desencadeia-se
uma resposta metabólica, cujo aspecto
mais evidente é a produção endógena
de glicose; esta, quando incontrolada,
poderá levar à “intolerância à glicose”, tão frequente nos recém-nascidos
de extremo baixo peso e que limita a
quantidade de energia que é possível
fornecer-lhes.
NUTRIÇÃO PÓSNATAL
A diversidade de políticas nutricionais referidas na literatura e observada
na prática entre diferentes centros ilus-
actualidades na alimentação – mesa redonda
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 195
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
tra as muitas incertezas que existem
ainda neste campo. Contudo, como a
subnutrição não é fisiológica e é indesejável, qualquer medida que tenda a
diminui-la, desde que segura, pode ser
considerada um avanço positivo. Uma
estratégia nutricional “agressiva” permitirá uma transição da vida fetal para
a vida extrauterina sem interrupção do
crescimento e do desenvolvimento, se
a transferência de nutrientes para o
feto/recém-nascido não fôr descontinuada.
A nutrição de um recém-mascido
de prétermo terá sempre uma vertente
entérica e uma parentérica, salvo a daqueles saudáveis e nascidos próximo
das 34 semanas, em que geralmente
é possível fornecer os aportes adequados por via entérica exclusiva.
Alimentação parentérica
Num passado não muito distante
o início da alimentação parentérica era
normalmente protelado durante alguns
dias, por razões nem sempre claras,
mas que se prendiam sobretudo com o
receio de toxicidade, uremia e acidose
metabólica, em recém-nascidos imaturos e doentes. Contudo, se se pretende
minimizar a interrupção de crescimento e suavizar a transição da vida fetal
para a vida extrauterina, o aporte energético e de nutrientes deve ser iniciado tão precocemente quanto possível;
trata-se de uma questão de horas, não
de dias.
A glicose é o principal combustível utilizado pelo cérebro, estando
essa utilização directamente relacionada com as concentrações plasmáticas
de glicose. As consequências para o
neurodesenvolvimento de períodos
curtos (poucos minutos ou horas) de
hipoglicemia são ainda controversas,
mas períodos prolongados levam a
uma diminuição do crescimento e desenvolvimento cerebral. Por outro lado,
a hiperglicemia prolongada leva a uma
diminuição da capacidade de utilização
de glicose. A taxa de utilização de glicose é tanto maior quanto menor fôr a
idade de gestação (poderá variar entre
9-10 mg/Kg/min às 24-25 semanas até
3-5 mg/Kg/min a termo). A perfusão
de glicose deve ser iniciada imediatamente após o nascimento, e a glicemia
mantida entre 50-120 mg/dL.
Tem sido prática o início, nas primeiras 24-48h de vida, de uma perfusão de aminoácidos que forneça 0.5g/
Kg/dia, cujo ritmo é diariamente aumentado de 0.5g/Kg/dia até um máximo de 3.0-3.5g/Kg/dia. Os estudos
desenvolvidos nas últimas décadas determinaram que 1.0-1.5 g/Kg/dia será
o aporte proteico mínimo necessário
para prevenir um balanço azotado negativo, devendo uma perfusão nestas
doses ser iniciada nas primeiras horas
de vida e aumentada progressivamente
até aos 3.5-4.0g/Kg/dia. Consegue-se
assim evitar o catabolismo proteico e
aumentar a produção de insulina, prevenindo a hiperglicemia, sem que se
verifiquem efeitos indesejáveis. Doses
de 2 g/Kg/dia de proteína permitem já
algum anabolismo. Alguns autores defendem o início, imediatamente após o
nascimento, de uma perfusão de aminoácidos que forneça 3.0g/Kg/dia, já
que este será o ritmo de fornecimento
in utero de aminoácidos.
Embora haja também uma tendência a iniciar a perfusão de lipídeos mais
cedo do que foi prática no passado, as
recomendações para a sua progressão
são mais cautelosas. A deposição de
gordura durante a vida fetal, que ocorre sobretudo no último trimestre, é feita
exclusivamente no tecido adiposo; os
regimes nutricionais que fornecem uma
elevada percentagem de hidratos de
carbono e lipídeos levam ao depósito
de gordura no fígado e coração, o que
coloca o recém-nascido em risco de
complicações a longo prazo, nomeadamente risco cardiovascular. A recomendação actual é para iniciar administração de lipídeos nas primeiras 24-48h, a
um ritmo de 0.5-1.0 g/kg/dia.
Alimentação entérica
Com o desenvolvimento, nos anos
70 e 80 do século XX, de soluções equilibradas e seguras para alimentação
parentérica em neonatologia, aliado
à convicção de que a enterocolite necrotizante (ECN) estaria associada ao
início da alimentação entérica, aquela
actualidades na alimentação – mesa redonda
S 196
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
começou a ser encarada como um prolongar da nutrição transplacentar, e a
ser utilizada como única fonte nutricional nos primeiros dias (ou semanas) de
vida, sobretudo em grandes prematuros, doentes e ventilados. Durante este
período começou contudo a aumentar
a evidência de que a ausência de alimento no tubo digestivo leva a atrofia
vilositária, a diminuição das enzimas
digestivas e de hormonas tróficas entéricas, e a alterações imunitárias locais
que facilitam a resposta inflamatória
sistémica e a enterocolite necrotizante.
No entanto, ainda hoje é o receio de
intolerância alimentar e de ECN que
leva a que frequentemente o início de
alimentação entérica seja adiada no recém-nascido prematuro, sobretudo nos
grandes prematuros e de extremo baixo peso ao nascimento. Persiste assim
a questão de quando, quanto, como e
com quê alimentar o prematuro.
Quando?
A alimentação entérica deve ser
inciada tão cedo quanto possível; o único requisito é a estabilidade clínica (ausência de hipotensão, hipóxia, curarização…). Em muitos recém-nascidos poderá iniciar-se no primeiro dia de vida;
será prudente adiar dois ou três dias nos
casos de restrição de crescimento, asfixia perinatal ou fluxos fetais patológicos.
Na ausência de grande instabilidade, no
fim da primeira semana quase todos os
recém-nascidos poderão beneficiar da
alimentação trófica.
Quanto?
O conceito de “alimentação trófica” surge como alternativa ao jejum
completo em recém-nascidos de muito
baixo peso, no período neonatal precoce. Também designada por “nutrição
não nutritiva”, “alimentação entérica
mínima” ou “alimentação hipocalórica”,
consiste na administração de quantidades mínimas de leite materno ou de fórmula, desde os primeiros dias de vida,
sem progressão de volume durante um
período predefinido. Embora sem unanimidade, a maioria dos autores parece concordar que a alimentação trófica, aumentando a mucosa digestiva e
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
a libertação de hormonas entéricas e
melhorando a motilidade intestinal, permite uma melhor tolerância alimentar,
menor tempo de alimentação parentérica, alimentação entérica exclusiva e
alta mais precoces, sem aumento da
incidência de ECN.
O volume a administrar e a velocidade de progressão dependem
do peso, maturidade e tolerância do
recém-nascido. Geralmente inicia-se
com um aporte de 10 a 20 ml/Kg/dia
que é mantido durante alguns dias, e
que depois é aumentado, de acordo
com a tolerância, de 10 a 35 ml/kg/dia.
A alimentação parentérica é reduzida
de acordo com a progressão da alimentação entérica.
Quando a maturidade, peso e situação clínica do recém-nascido o premitem, a alimentação é iniciada, não com
uma finalidade “trófica” sobre o tracto
gastrointestinal, mas com uma finalidade nutritiva. De uma maneira geral, são
recém-nascidos estáveis com mais de
32 semanas e de 1500g de peso ao
nascimento, que permitem aportes de
60-80 ml/kg no primeiro dia.
O objectivo final é fornecer diariamente 150 a 160 ml/Kg de leite de
fórmula ou 160 a 180 ml/Kg de leite
materno, 3 a 4 g/Kg de proteína, e pelo
menos 120 Kcal/Kg.
Como?
Antes das 32-34 semanas de idade pósmenstrual os reflexos de sucção, deglutição e coordenação respiratória não permitem geralmente uma
alimentação oral eficaz e segura. Nestes casos, ou quando há malformação,
alteração neurológica ou outro problema clínico que impeça a nutrição oral, o
método de eleição é a alimentação por
sonda orogástrica. A sonda nasogástrica não está indicada, pelo aumento
de resistência respiratória, aumento do
esforço respiratório e risco de apneias
que comporta. As indicações para utilização de sonda transpilórica são raras
e específicas.
Não existe unanimidade de qual
o melhor método - em bólus ou contínuo - para administração de leite. A
alimentação contínua tem sido relacio-
nada com uma melhor tolerância, mas
a alimentação em bólus é considerada
“mais fisiológica”, porque simula a alternância entre as refeições e o jejum,
de forma semelhante ao que acontece em condições normais ao longo da
vida. A técnica mais usual e que parece reunir mais consenso é a alimentação intermitente por bólus lento - 30
a 120 minutos -, que tem a vantagem
de aumentar a capacidade gástrica,
estimular o reflexo gastrocólico e melhorar a motilidade intestinal. A alimentação contínua, às vezes necessária
em recém-nascidos de prematuridade
extrema, a seguir a cirurgia intestinal
ou em casos de intolerância persistente à alimentação descontínua, está associada a um maior risco de contaminação do leite e a uma maior adsorção
às paredes do sistema, com perda de
nutrientes.
O quê?
O leite materno (LM) é o melhor
alimento para todos os recém-nascidos,
de termo ou de pré-termo; ele melhora
a digestão e absorção dos nutrientes,
confere maior protecção contra infecções, diminui o risco de alergias e a incidência de ECN; melhora o desenvolvimento cognitivo e visual, para além
de promover o bem-estar materno e
fortalecer a relação mãe-filho. Embora
numa fase mais tardia possa ser insuficiente para manter um crescimento
adequado, ele é o alimento de eleição
para iniciar a alimentação entérica, trófica ou nutritiva.
O LM não fortificado é insuficiente
para garantir as necessidades proteicas, energéticas e de alguns minerais
e vitaminas dos recém-nascidos de
pré-termo, sobretudo daqueles com
menos de 32 semanas ou de 1500g
de peso ao nascimento. Assim, o fortificante deve ser adicionado quando
o recém-nascido tolera pelo menos
100 ml/Kg de leite materno, e mantido durante o internamento até que o
recém-nascido possa mamar directamente na mãe.
A fórmula para prematuros é a
alternativa quando não existe LM ou
quando ele é insuficiente. Não tem as
vantagens biológicas descritas para
o LM, mas tem um teor proteico mais
elevado do que o LM não fortificado e
permite um crescimento pós-natal adequado.
Alimentação Pós-alta
Não há uniformidade de atitudes
no planeamento nutricional após a alta.
Há centros que defendem o leite materno, com ou sem fortificação, outros
as fórmulas artificiais, quer fórmula
para prematuros (LPT) quer PDF (PDF
– Posdischarge Formula), quer mesmo
fórmula adaptada a lactentes.
Contudo, grande parte dos autores concordará que o ideal será que
aquando da alta o recém-nascido esteja amamentado ao seio, ad libitum,
com um aumento ponderal estável de
cerca de 15g/Kg/dia. Se o crescimento
se mostrar insuficiente com esta medida, pode fortificar-se o LM, o que não é
prático, se a criança vai ao seio; neste
caso pode substituir-se algumas mamadas por LPT ou PDF.
Quando não há leite materno disponível, será aconselhável recorrer
a uma fórmula para prematuros ou a
PDF, já que a fórmula adaptada a lactentes não fornece os aportes energético, proteico, mineral e vitamínico necessários ao crescimento equilibrado
destes lactentes.
O período durante o qual estas
fórmulas especiais são mantidas é
também muito variável de centro para
centro. Alguns autores suspendem-nas
antes da alta, outros mantêm-nas até
às 40 semanas ou até aos 6, 9 ou 12
meses de idade corrigida.
A privação nutricional durante o
período neonatal é crítica, dada a repercussão futura que pode ter. Sendo
o primeiro ano de vida uma janela de
oportunidade para compensar o crescimento somático e cerebral, estes
lactentes deverão manter, durante este
período, uma vigilância clínica atenta
do seu crescimento.
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 195-198
actualidades na alimentação – mesa redonda
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 197
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
BIBLIOGRAFIA
• Bombell S, McGuire W: Early trophic feeding for very low birth weight; 2009; The Cochrane Collaboration. Published by John Wiley and
Sons,Ltd.
• Richard J Schandler: Human milk feeding and fortification of human milk for
premature infants. UpToDate 2009.
• Richard J Schandler: Nutritional composição of human milk and preterm
formula. UpToDate 2009.
• Richard J Schandler: Approach to enteral nutrition in the premature infant.
UpToDate 2009.
• Ian J Griffin: Management of growth
of preterm neonatal intensive care
unit graduates. UpToDate 2009.
• A Parish and J Bhatia: Feeding strategies in the ELBW infant. Journal of
Perinatology 2008; 28: S18-S20.
• A M Euser et al: Growth of Preterm
Born Children. Horm Res 2008; 70;
319-328.
• William W. Hay, Jr.: Strategies for Feeding the Preterm Infant. Neonatology 2008; 94:245-254.
• Patti J. Thureen: The Neonatologist’s
Dilemma: Catch-up Growth or Beneficial Undernutrition in Very Low Birth Weight Infant - What are Optimal
•
•
•
•
•
Growth Rates?. Journal of Pediatric
Gastroenterology and Nutrition 2007;
45:S152-S154.
Frank R. Greer: Long-term Adverse
Outcomes of Low Birth Weight, Increased Somatic Growth Rates, and
Alterations of Body Composition in
The Premature Infant: Review of the
Evidence. Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition 2007; 45:
S147- S151.
Richard A. Ehrenkranz: Early, Aggressive Nutritional Management for
Very Low Birth Weight Infants: What
is the Evidence?: Semin Perinatol
2007; 31: 48-55.
Daniel J Raiten, Satish C Kalthan, and
William W Hay Jr.: Maternal nutrition
and optimal infant feeding practices:
executive summary. Am J Clin Nutr,
2007; 85: (suppl): 577(S) --83 S.
David H. Adamkin: Nutrition Management of the Very Low-birthweight
Infant. I. Total Parenteral Nutrition
and Minimal Enteral Nutrition. NeoReviews 2006; 7: e602-e606.
WW Hay Jr: Early postnatal nutritional requirements of the very preterm
baby based on a presentation at the
NICHD-AAP workshop on research
in neonatology. Journal of Pediatrics
2006; 26; S13-S18.
actualidades na alimentação – mesa redonda
S 198
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
• David H. Adamkin: Nutrition Management of the Very Low-birthweight
Infant. II. Optimizing Enteral Nutrition
and Postdischarge Nutrition. NeoReviews 2006; 7: e608-e613.
• Nutrition of the Preterm Infant. Ed
Reginald Tsang; 2nd edition 2005.
• Patti J Thureen and William W Hay
Jr: Early aggressive nutrition in preterm infants. Semin Neonatal 2001;
6: 403-415.
• Chanda Simpson et al: Early Introduction of Oral feeding in Preterm Infants. Pediatrics 2002; 110: 517-522.
Richard J Cooke: Neonatal nutrition.
Semin Neonatol 2001; 6: 363-364.
• Carol L Berseth: Feeding methods for
the preterm infant. Semin Neonatal
2001; 6: 417-424.
• Anthony F Williams: Early enteral feeding of the preterm infant. Arch Dis
Child Fetal Neonatal 2000; 83; 219220.
• RJ Cooke and N D Embleton: Feeding issues in preterm infants. Arch
Dis Child Fetal Neonatal 2000; 83;
215-228.
• Richard J Schanler: Feeding Strategies for Premature Infants: Randomized Trial of Gastrointestinal Priming
and Tube-feeding Method. Pediatrics
1999; 103; 434-439.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Vegetarianismo
Porque Não?
Leonor Sassetti1
INTRODUÇÃO
O que esperam os pais das crianças do pediatra (ou médico de família)
do seu filho? E, inversamente, que
funções consideram os pediatras ser
inerentes à sua tarefa? Entre as várias
respostas à primeira e à segunda pergunta, a alimentação da criança (e do
adolescente) é um assunto pacífico, ou
seja, tanto os pais como os pediatras
sabem que a alimentação é uma pedra
essencial dos cuidados à criança. Por
outro lado, para além de fornecer os
nutrientes necessários ao crescimento
saudável e harmonioso de cada ser humano, a alimentação também tem uma
importante função social, visto que as
refeições constituem em todas as culturas momentos importantes na construção da sociedade (família, grupo de
amigos, outros grupos) e na celebração
de eventos. Estes dois aspectos – o da
nutrição e o factor social – têm que estar presentes quando se abordam estas questões.
De acordo com o estudo promovido em Outubro de 2007 pelo Centro
Vegetariano, existirão em Portugal cerca de 30 000 vegetarianos, ou seja,
pessoas que nunca ingerem carne ou
peixe. O mesmo estudo, baseado em
entrevistas a 2000 pessoas dos 15 aos
65 anos (amostra representativa) permitiu concluir que 2% dos inquiridos
afirma nunca consumir carne e 20%
apenas ocasionalmente; quanto ao
peixe estas percentagens são de 1%
e 23%, respectivamente. Sabendo que
estas preferências alimentares se associam frequentemente a um “estilo de
__________
1
Hospital D. Estefânia – Lisboa
vida” popular entre os jovens, ou seja,
no grupo etário que se encontra em
idade fértil, é de esperar que sejamos
interpelados, enquanto pediatras, para
acompanhar uma criança cujos pais
são vegetarianos e desejam que os filhos também o sejam. Aqui está mais
um desafio que se coloca aos Pediatras do século XXI, mesmo que a sua
própria opção alimentar seja diferente. Este trabalho pretende fornecer os
rudimentos do que o pediatra/médico
de família precisa de saber sobre a alimentação vegetariana na criança.
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 199-201
DEFINIÇÕES
No planeamento duma alimentação vegetariana é crucial saber que
tipo de dieta seguem os pais, visto
que algumas das dietas abaixo referidas podem ser carentes em nutrientes
fundamentais para o crescimento da
criança.
E assim:
- lacto-ovo-vegetariano:
ingere
ovos e leite/derivados
- lacto-vegetariano: ingere leite/
derivados
- vegan: não ingere qualquer alimento de origem animal
- frutariano: vegan que privilegia o
consumo de frutos, frutos secos e
sementes.
- macrobiótico: consome preferencialmente cereais, leguminosas e
vegetais
- semi-vegetariano ou pixo-vegetariano: ingere peixe e marisco
- flexitariano: consome esporadicamente carne e peixe
PRINCIPAIS NUTRIENTES
A TER EM CONTA
A dieta vegetariana adequada fornece todos os nutrientes necessários
ao crescimento da criança; no entanto, há alguns elementos que merecem
uma atenção particular. De entre todos,
é de destacar:
- o ferro
Sendo a carne uma importante
fonte de ferro, compreende-se que a
ferropénia possa ser um motivo de preocupação; com efeito, embora os legumes sejam ricos em ferro, a presença
de fitatos, oxalatos e cálcio reduz a sua
biodisponibilidade. Do mesmo modo,
os polifenóis contidos no chá, no café
e no chocolate também diminuem a absorção de ferro. Ao contrário, a ingestão na mesma refeição, de alimentos
ricos em vitamina C, melhoram-na. São
boas fontes de ferro os legumes de folha escura, as leguminosas, a soja e o
tofu (queijo de soja).
- a vitamina B12
Os ovos e os lacticínios são boas
fontes de vitamina B12; as dietas que
os excluem devem ser suplementadas
ou conter alimentos enriquecidos, única
maneira de não serem carentes nesta
vitamina. Os folatos, por seu lado, muito presentes nos legumes, podem mascarar os sintomas resultantes da deficiência de vitamina B12, levando a que
o seu diagnóstico só se torne evidente
quando já existem importantes sinais e
sintomas neurológicos.
- os ácidos gordos ómega-3
Os ácidos gordos são fundamentais no desenvolvimento do cérebro e
da visão, assim como na manutenção
da boa saúde cardiovascular. As dietas
vegetarianas são ricas em ómega-6,
mas pobres em ómega-3. A solução
actualidades na alimentação – mesa redonda
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 199
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
passa pelo consumo de algas e de alimentos suplementados, como o leite
de soja e outros.
- o cálcio
Nutriente fundamental para a
correcta mineralização óssea, o insuficiente aporte em cálcio deve ser uma
preocupação nas dietas que excluem o
leite e derivados; os legumes de folhas
verdes são uma boa fonte de cálcio,
desde que não contenham fitatos ou
oxalatos, que reduzem a sua absorção.
Bróculos, agriões, couve galega, frutos
secos e o tofu são alguns exemplos de
alimentos ricos em cálcio de boa biodisponibilidade.
- proteínas
Embora os vegetais não possuam, regra geral, proteínas de alto valor
biológico, a sua combinação responde integralmente às necessidades da
criança em crescimento. O segredo
está na variedade e na combinação de
alimentos.
- o aporte energético
Os vegetais são, em geral, alimentos de baixa densidade energética; deste modo, a dieta vegetariana
pode, teoricamente, não proporcionar
o aporte energético necessário ao
crescimento; esta questão pode ser
particularmente pertinente nos primeiros anos de vida da criança, quando a
capacidade gástrica é ainda reduzida.
Os numerosos estudos efectuados em
todo o mundo sobre este assunto não
mostram, no entanto, razão para esta
preocupação, nomeadamente no resultado final – o crescimento - desde que
todos os nutrientes estejam presentes
nas quantidades necessárias.
O VEGETARIANISMO NAS VÁRIAS
ETAPAS DA IDADE PEDIÁTRICA
Gravidez e aleitamento
Já sabemos que a grávida não
precisa de “comer por dois”, mas a
verdade é que nesta fase da vida as
suas necessidades nutricionais estão aumentadas, nomeadamente em
energia, proteínas, ferro, cálcio, ácidos
gordos ómega-3 e vitamina B12 - os
necessários ajustes têm que ser efectuados. Caso a dieta não preencha as
necessidades em micronutrientes, é re-
comendável um suplemento vitamínico
e mineral.
O leite materno, desde que asseguradas as condições acima referidas,
responde totalmente às necessidades
do lactente até aos 6 meses de vida.
Caso a mãe não possa amamentar ou
seja necessário um suplemento, poderá optar-se por um leite para lactentes
ou pelo leite de soja.
Diversificação alimentar
Os objectivos da diversificação
alimentar nos lactentes vegetarianos
são idênticos aos dos restantes lactentes: fornecer os nutrientes necessários
ao crescimento e desenvolvimento e
introduzir o bebé, progressivamente,
na dieta familiar. Já sabemos como é
importante proporcionar aos bebés o
contacto com sabores, consistências e
texturas diferentes; esta medida, além
de lhe fornecer tudo o que necessita,
vai educar o seu paladar. A introdução
de novos alimentos na dieta obedece às regras gerais da diversificação,
podendo iniciar-se pela papa ou pelo
puré de legumes e fruta; os bebés
amamentados podem ingerir alimentos com glúten antes dos 6 meses, de
acordo com as indicações actuais. A
partir dos 6 meses pode introduzir-se
a soja e o tofu (queijo de soja). Como
todos os novos alimentos, deve começar-se por uma pequena quantidade,
que coze juntamente com os legumes
da sopa; se não houver reacção vai-se
aumentando progressivamente até 40
g por dia. O seitan, produzido a partir do glúten de trigo, pode ser dado a
partir do final do primeiro ano de vida.
As leguminosas, ricas em proteínas e
os frutos secos, estes últimos triturados, podem ser introduzidos a partir
dos 9 meses.
1ª e 2ª infância
Os bons hábitos introduzidos
aquando da diversificação alimentar
devem ser mantidos. Se a criança não
for muito resistente às mudanças e à
inovação, por volta dos 12 meses deverá estar com um regime alimentar
semelhante aos pais. Nos mais “difíceis”, há que ser persistente e imaginativo, e não ceder ao facilitismo de se
permanecer no patamar alimentar dos
actualidades na alimentação – mesa redonda
S 200
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
6-9 meses. De acordo com as normas
actuais, os alimentos com maior potencial alergénico como os citrinos, os morangos e a clara de ovo, poderão ser
introduzidos gradual e cautelosamente
a partir dos 12 meses.
Idade escolar
A maioria dos refeitórios das escolas do 1º e 2º ciclo poderá não incluir
uma opção vegetariana, obrigando
a que a criança leve as refeições de
casa. Há que estar atento ao possível
efeito de segregação do grupo daí resultante. Também pode acontecer que,
ao chegar à escola, a criança queira
experimentar alimentos que até então
não faziam parte da sua alimentação,
mas que passam a estar mais acessíveis. Os Pais devem estar de antemão
preparados para esta possibilidade.
O envolvimento do pessoal auxiliar e
dos professores é mandatório; é preciso que eles também compreendam e
aceitem as escolhas dos pais e, com
esta atitude, contribuam para a plena
integração da criança. As festas de
anos podem representar outra interface entre a alimentação da criança e a
dos seus amigos.
Adolescência
A opção pela dieta vegetariana
começa a ser frequente na adolescência; surge muitas vezes como fazendo
parte do quadro geral de oposição aos
pais, uma forma de afirmação pessoal.
No entanto há que estar alerta para os
distúrbios do comportamento alimentar que esta opção pode esconder. No
rescaldo destas doenças, também é
frequente a mudança para uma dieta
vegetariana. Em qualquer dos casos,
caso o pediatra não se sinta confortável para orientar a alimentação, numa
altura da vida em que as necessidades nutricionais também são maiores,
deve encaminhar para uma consulta
de dietética. Deste modo, não só não
se “compra uma guerra”como até se
pode sugerir que o jovem participe na
confecção das refeições da família,
proporcionando assim a sua não-exclusão do núcleo familiar, uma alimentação mais variada para todos e algum
repouso a quem prepara habitualmente as refeições.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
BIBLIOGRAFIA
Figura 1 – Pirâmide vegetariana (Pediatrics in Review 2009; 30: e1- e8- modif.
a partir de Hadad et al)
ALGUNS PRINCÍPIOS GENÉRICOS
Para além dos aspectos enunciados acima, alguns aspectos genéricos
contribuem para optimizar os benefícios da dieta vegetariana. Deste modo
recomenda-se:
Optar por fruta da estação e vegetais frescos; o transporte de grandes
distâncias e a congelação reduzem as
propriedades dos alimentos.
Utilizar cereais integrais, por conterem mais nutrientes essenciais.
Aprender a associar alimentos,
de modo a cobrir a totalidade das necessidades nutricionais e a facilitar a
digestão.
Tirar partido da grande diversidade de produtos vegetais e hortículas da
natureza, variando o máximo.
Aproveitar a PIRÂMIDE VEGETARIANA (figura 1), para ensinar às crianças e aos adolescentes (e aos pais) em
que consiste a ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL vegetariana.
EM CONCLUSÃO
Hoje em dia é inquestionável a
afirmação de que a dieta vegetariana
adequada proporciona todos os nutrientes de que a criança e o adolescente necessitam para crescer e se
desenvolver harmoniosamente. A die-
ta vegetariana adequada pode, até,
apresentar vantagens nutricionais relativamente à dieta tradicional, muitas
vezes carente em fruta, fibra e legumes
e excedente em colesterol, gorduras e
gorduras saturadas. Compreende-se,
assim, que a dieta vegetariana esteja
associada a um melhor perfil lipídico,
e, portanto, a menor risco de hipertensão arterial, diabetes tipo 2 e doenças
cardiovasculares. O risco geral de neoplasias também parece ser menor.
A monitorização cuidadosa do crescimento e desenvolvimento da criança,
usando nomeadamente as tabelas de
crescimento em vigor, permite detectar
precocemente e corrigir quaisquer desvios da trajectória.
Orientar a alimentação duma
criança vegetariana proporciona ao pediatra ou ao médico de família muitas
oportunidades para refrescar os seus
conhecimentos de nutrição. Aceitar ser
pediatra duma criança vegetariana é
também aceitar o desafio de ser parceiro dos pais, provavelmente mais sabedores sobre aspectos práticos da dieta
vegetariana – afinal eles são os primeiros interessados que o seu filho cresça
saudável! Quem aceita o desafio?
• Ferreira, GC. Vegetarianismo. In:
Nutrição Pediátrica. Salazar de Sousa J, ed. Nutrição Pediátrica. Nestlé,
2005: 33-44.
• Haddad EH, Sabate J, Whitten CG.
Vegetarian food guide pyramid: a
conceptual framework. Am J Clin
Nutr. 1999; 70: 615-619.
• Oliveira, G. Alimentação vegetariana
para bebés e crianças. Cascais: ed.
Arte Plural, 2006.
• Position of the American Dietetic Association: Vegetarian Diets. J Am Diet
Assoc. 2009; 109: 1266-1282.
• Renda M, Fischer P. Vegetarian Diets
in Children and Adolescents. Pediatrics in Review 2009; 30: e1-e8
• http://www.avp.eco-gaia.net/
• http://www.centrovegetariano.org
• http://www.nal.usda.gov/fnic/pubs/
bibs/gen/vegetarian.pdf
• http://www.pcrm.org/health/veginfo/
index.html
Agradecimento
Ao Prof. Filipe Santos, investigador português a trabalhar na Holanda,
pelas pertinentes sugestões e cuidadosa revisão do manuscrito.
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 199-201
actualidades na alimentação – mesa redonda
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 201
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Dislipidémia
Helena Ferreira Mansilha1
RESUMO
Os pediatras têm vindo a tornar-se
cada vez mais conscientes da necessidade de prevenir, rastrear, diagnosticar
e tratar a dislipidemia na infância e adolescência. De facto, evidência científica
significativa sustenta o conceito de que
antecedentes determinantes de doença
cardíaca no adulto podem ser identificados em idade pediátrica, e estudos prospectivos têm relacionado a presença de
factores de risco cardiovascular nesta
idade com o desenvolvimento de lesões
ateroscleróticas prematuras.
A dislipidemia raramente tem consequências adversas para a saúde na infância, mas os seus efeitos a longo prazo,
tais como eventos clínicos cardiovasculares que se encontram entre as principais
causas de morbilidade e mortalidades
dos países industrializados, realçam o interesse do rastreio de anomalias lipídicas
nas crianças.
O objectivo desta revisão será analisar a recente evidência científica da associação das anomalias lipídicas com a arteriosclerose precoce, do impacto da obesidade de contornos epidémicos e outras
patologias nos lípidos na infância, relações essas que poderão colocar as crianças e os adolescentes em risco acrescido
para aterosclerose acelerada. De facto,
o processo patofisiológico subjacente às
lesões ateroscleróticas é complexo e resulta da interacção entre as lipoproteínas
circulantes, mediadores inflamatórios, e
uma variedade de células, que conduz à
acumulação de partículas de lipoproteínas
de colesterol de baixa densidade sob a camada endotelial arterial.
__________
1
Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria
do Hospital Maria Pia - CHP
É também revisto os aspectos clinicamente relevantes das vias metabólicas
das lipoproteínas, no sentido de reconhecer e classificar os tipos mais importantes
de dislipidemia, nomeadamente a hipercolesterolemia familiar.
Embora a principal prevenção na
infância do desenvolvimento dos factores de risco da doença cardiovascular
prematura permaneça assente nas recomendações sobre o estilo de vida, um
subgrupo de crianças pode necessitar de
terapêutica para baixar os lípidos, antes
da vida adulta. Assim, são apresentadas
recomendações de orientação da decisão relativa à selecção de doentes de
alto risco para aterosclerose acelerada,
que possam necessitar de abordagem
farmacológica das suas alterações lipídicas.
Portanto, esta revisão sumariza a
evidência actual sobre o impacto directo da dislipidemia no desenvolvimento
do processo aterosclerótico facultando
estratégias potenciais de prevenção e
tratamento durante a infância e a adolescência.
Palavras–chave: dislipidemia; pediatria; colesterol; farmacoterapia; rastreio
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 202-207
DISLIPIDEMIAS E PROCESSO
ATEROSCLERÓTICO
As dislipidémias ou dislipoproteinemias são alterações das concentrações
das lipoproteínas sendo estas, macromoléculas trasportadoras do colesterol
e triglicerídeos (TG) em meio aquoso, ou
seja, no plasma. Estes desvios podem
ser devidos a erros inatos do metabolismo, e portanto, dislipidémias primárias,
alimentação em situações especiais – mesa redonda
S 202
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
ou estarem na dependência de outros
factores ou patologias e serem dislipidémias secundárias.
De facto, as dislipidémias têm vindo
a apresentar uma prevalência crescente
em idade pediátrica, possivelmente devido ao incremento da obesidade e sindroma metabólico neste grupo etário, que
parece ter um elevado tracking na idade
adulta. Estas patologias poderão estar
na base da emergência da doença cardiovascular (DCV) prematura que parece
assumir contornos epidémicos devido ao
desenvolvimento acelerado do processo
aterosclerótico1.
A parede arterial quando banhada
cronicamente por teores excessivos de
colesterol, este é sequestrado pelos macrófagos, formando as foam cells, que por
sua vez se vão acumulando no interior
da camada íntima da artéria, constituindo a estria lipídica. Em resposta a esta
acumulação com a idade, processos inflamatórios e imunológicos fazem migrar
e proliferar as células musculares lisas
para as camadas íntima e média da parede arterial de que resulta a placa fibrosa.
Quando estas placas se encontram em
estádios avançados e complicados, são
vulneráveis à ruptura, que faz despoletar
uma cascata de eventos que resultam na
formação de trombo e oclusão do vaso,
que leva à ocorrência de acidente vascular cerebral ou enfarte do miocárdio(1).
A aterosclerose tem início muito
precoce na vida e é um processo progressivo, evolutivo. Trabalhos têm sido
publicados nesse sentido, atestando
lesões ateroscleróticas postmortem em
fetos de mães hipercolesterolémicas(2),
e defendendo que a exposição passiva
in utero a ambiente hiperlipidémico pode
programar para aterosclerose acelerada
na infância(3).
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Estudos baseados em autópsias,
como o PDAY (Pathological Determinants
of Atherosclerosis in Youth) e o Bogalusa
Heart Study têm demonstrado que o processo aterosclerótico já existe em idade
pediátrica(4,5).
Mais recentemente, novos métodos
não invasivos de imagem têm permitido o
estudo do desenvolvimento da aterosclerose, tornando cada vez mais claro que o
teor elevado de colesterol em idade pediátrica parece estar associado a risco aumentado de aterosclerose e DCV na vida
adulta (Muscatine Study)(6).
Esses métodos são: a avaliação da
dilatação mediada pelo fluxo da artéria
braquial (FMD) e a medição da espessura íntima/média carotídea (cIMT), ambos
métodos ecográficos, o estudo da calcificação coronária por tomografia computorizada de feixe de electrões (EBCT) e a
MRI multimodal que permite a quantificação da composição da placa.
METABOLISMO DAS LIPOPROTEÍNAS
As lipoproteínas são complexos
macromoleculares que transportam os
lípidos no sangue, basicamente compostos por uma “membrana” de fosfolipídios,
colesterol não esterificado e apolipoproteínas e um “core” de triglicerídeos e ésteres de colesterol. Diferem entre si pela
sua densidade, mobilidade electroforética e composição. O metabolismo das
lipoproteínas cursará em três vias:
A via exógena: os triglicerídeos da
dieta são digeridos no intestino a ácidos
gordos e monoglicerídeos, que após absorvidos são ressintetizados a triglicerídeos, que juntamente com o colesterol,
o colesterol esterificado, os fosfolipídeos,
as vitaminas lipossolúveis e apolipoproteínas vão constituir os quilomicra. Estes
são transportados pelos linfáticos para a
circulação onde são clivados pela lipoproteína lipase endotelial (LPL), fornecendo
triglicerídeos para o músculo e tecido
adiposo. De notar, que o tipo de gordura
da dieta pode modular o clearance dos
quilomicra. Assim, o consumo de ácidos
gordos inssaturados (ω3 e ω6) produz
quilomicra maiores que são mais eficazmente hidrolizados pela LPL, podendo
reduzir significativamente o seu teor pósprandial(7).
A via endógena: transporta os triglicerídeos e ésteres de colesterol, sintetizados pelo fígado para os tecidos
periféricos. De facto, as VLDL (very-lowdensity lipoproteins), ricas em triglicerídeos e sintetizadas pelo fígado são clivadas
pela LPL, formando as IDL (intermediatedensity lipoproteins) e estas são clivadas
no fígado pela lipase hepática (HL), sendo convertidas em LDL(low-density lipoproteins) que são novamente captadas
pelo fígado ou tecidos periféricos através
do receptor de LDL. O principal regulador
da síntese deste receptor, e portanto da
remoção de LDL do plasma, é o pool intracelular de colesterol, sendo esta regulação importante na aterogenicidade.
O transporte reverso: o colesterol
em excesso dos tecidos periféricos é incorporado nas HDL(high-density lipoproteins),
sendo esterificado pela LCAT (lecitina-colesterol-acil-transferase), que são captadas
pelo fígado tendo assim um forte efeito
protector contra a deposição vascular do
colesterol e por conseguinte no desenvolvimento da aterosclerose (Figura1).
CLASSIFICAÇÃO DAS DISLIPIDÉMIAS
Embora existam várias classificações de dislipidémias como a de Fredrickson (1967), Arden (1991), Chapman
(1994), Polonsky (1994), cuja sistematização se basea em padrões fenotípicos
de ordem prática, sem preocupação sobre a etiologia ou patofisiologia, actualmente parece mais útil as classificações
das dislipidémias em primárias e secundárias, e as primeiras em monogénicas
ou poligénicas e de acordo com as vias
metabólicas afectadas (Tabelas 1 e 2).
Hipercolesterolémia Familiar (forma heterozigótica) – é uma das mais
frequentes doenças hereditárias monogénicas, autossómica dominante (1:500
caucasianos). É devida a uma redução
ou anomalia dos receptores de LDL, ou
anomalia da Apo B100, o que compromete
a captação de LDL da circulação, elevando os seus níveis plasmáticos para 2-3
vezes o normal. Está associado habitualmente a história familiar de hipercolesterolomia, de DCV prematura e/ou a
presença de xantomas ou xantelasmas,
nesses membros da família. O estudo
molecular pode confirmar o diagnóstico
clínico.
Figura 1 – Metabolismo das lipoproteínas
alimentação em situações especiais – mesa redonda
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 203
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Tabela 1 - Dislipidémias primárias
Alteração da via exógena
Défice LPL, Défice Apo C-II
Alteração da via endógena
Hipertrigliceridemia familiar, Hiperlipidémia familiar combinada, Hipercolesterolémia familiar
Alteração da via exógena e endógena
Disbetalipoproteinémia, Défice Lipase hepática, Abetalipoproteinémia
Alteração da via do transporte reverso
Hipoalfalipoproteinémia familiar, mutações Apo A-I, Doença Tangier, Défice LCAT
LPL: Lipoproteina Lipase; Apo C-II: Apolipoproteína C-II; Apo A-I: Apolipoproteína A-I; LCAT: Lecitina colesterol aciltransferase
Tabela 2 - Dislipidémias secundárias
Metabólicas
Obesidade/sobrepeso, Doença Gaucher, Doença armazenamento glicogénio, Niemann-Pick, Tay-Sachs
Endócrinas
Diabetes Mellitus, hipotiroidismo, hipopituitarismo
Hepáticas
Colestase
Renal
Sindroma nefrótico, SHU, transplante
Drogas
androgénios, glucocorticoides, ciclosporina, tacrolimus, L- asparginase, retonoides, contraceptivos orais
Outras
gravidez, anorexia nervosa, Sindroma Klinefelter, hipercalcemia idiopática, SIDA, LED, transplante cardíaco
SHU: sindroma hemolítico-urémico; SIDA: sindroma de imunodeficiência adquirida; LED: lúpus eritematoso sistémico
A forma homozigótica é rara mas
muito mais grave, cursando com valores de LDL 4-5 vezes o normal, devido
à ausência ou quase de receptores LDL.
Doença cardiovascular, xantomas, xantelasmas, arco corneano ocorrem habitualmente na primeira década de vida, sobrevindo a morte antes dos 20 anos, se não
tratada agressivamente.
Forma Poligénica de Hipercolesterolemia – é muito frequente, caracteriza-se por elevações moderadas de LDL,
sendo devida a uma hereditariedade poligénica reforçada por erros alimentares,
sedentarismo, sobrepeso, entre outros
factores. É uma entidade com marcado
tracking (persistência) e clustering (associação de factores de risco), na vida
adulta.
Hipertrigliceridemia familiar – pode
estar na dependência de hereditariedade
dominante ou poligénica, cursando com
elevações de VLDL e triglicerídeos.
RASTREIO E AVALIAÇÃO
CLÍNICA-LABORATORIAL
Em 1992, o National Cholesterol
Education Program (NCEP) da Academia Americana de Pediatria (AAP)
(8)
recomendou o rastreio selectivo de
crianças com factores de risco para aterosclerose, após os 2 anos de idade,
incluindo crianças com história familiar
de doença cardiovascular prematura
(pais ou avós com menos de 55 anos)
ou pais com hipercolesterolemia. No entanto, este painel subestimou largamente a população alvo a rastrear, uma vez
que aos 25% propostos, estudos populacionais apontaram para que cerca de
36-46% de população pediátrica deveria
ser sujeita a rastreio para detecção de
hipercolesterolemia(9).
Os rastreios populacionais contemplam outras dificuldades relativamente à
sua sensibilidade e especificidade, como
cut point’s diferentes para raça, sexo e
alimentação em situações especiais – mesa redonda
S 204
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
estadio pubertário bem como a existência
de variações intraindividuais, que torna
necessárias repetições.
Embora alguns autores defendam
o rastreio universal, as recomendações
actuais para rastreio de hipercolesterolemia em idade pediátrica serão história
familiar positiva de hipercolesterolomia
e/ou doença cardiovascular prematura,
história familiar desconhecida (crianças
adoptadas), e/ou presença de condições associadas de risco, nomeadamente obesidade, diabetes, hipertensão arterial bem como nos fumadores,
sempre depois dos 2 anos, quando os
níveis de colesterol deverão estar estabilizados.
O programa de rastreio ideal deveria identificar crianças e adolescentes
portadores de um processo ateroscleróstico progressivo de maior risco para
doença cardiovascular na vida adulta; no
entanto, actualmente, não estão dispo-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
níveis ainda instrumentos não invasivos
aplicáveis na prática clínica para avaliação da progressão desse processo,
portanto o teor de colesterol continua a
ser o marcador desse risco. Scores de
risco têm sido usados nos adultos(10), e
embora em idade pediátrica não existam,
o somatório de factores pró-aterogénicos
(clustering) pode ser útil no rastreio e recomendações terapêuticas. De facto, a
história familiar dará indicações sobre
a predisposição genética, e factores ambienciais e outros concomitantes que poderão aumentar o risco, nomeadamente
hipertensão arterial, insulino-resistência,
diabetes mellitus, sobrepeso/obesidade,
tabaco (mesmo passivo), sedentarismo,
anticoncepcionais orais, homocistinúria
(heterozigotia).
A avaliação e abordagem de uma
criança ou adolescente com dislipidemia
deve passar pela colheita de uma história clínica cuidada, não esquecendo os
antecedentes familiares e pessoais de
eventos cardio e cerebrovasculares prematuros, dislipidemia, obesidade, diabetes mellitus e hipertensão arterial, bem
como a descrição do esquema alimentar, avaliação da actividade física, indagação de hábitos alcoólicos e tabágicos,
e uso de fármacos. O exame objectivo
deve contemplar peso e altura (índice
de massa corporal), perímetro abdominal (indicador de obesidade abdominal),
e eventualmente perímetro braquial e
medição das pregas cutâneas, com vista à avaliação da composição corporal. A
avaliação das tensões arteriais e a pesquisa de xantomas, xantelasmas e arco
corneano, não devem ser esquecidas.
Analiticamente, o doseamento do colesterol total, e das suas fracções LDL e
HDL, bem como o doseamento dos triglicerídeos são importantes, assim como a
glicemia, HgA1C, enzimas hepáticas,
creatinina e função tiroidea. Outros exames poderão ser úteis caso a caso tais
como, Apo A1, ApoB100, Lp(a), homocistina, estudo molecular.
Os valores de corte habitualmente
usados em idade pediátrica são os de
NCEP(8) ou do Lipid Research Clinics(11).
Outros valores recentes têm vindo a ser
publicados colhidos em populações de
adolescentes dos USA(12).
ABORDAGEM CLÍNICA DAS
DISLIPIDEMIAS EM IDADE
PEDIÁTRICA
Dieta
A correcção do estilo de vida (dieta
e exercício físico) é sem dúvida indicação
de primeira linha.
De facto, a AAP em 1998(13) recomendava, após os 2 anos de idade, a
instituição de uma dieta Step-one que
consistia em que os lípidos constituíssem
não mais de 30% da carga calórica total,
em que < 10% corresponderia a gordura
saturada e o aporte de colesterol da dieta
seria inferior a 300mg/dia. Se não eficaz,
o passo seguinte seria a dieta Step-two
em que a gordura saturada baixaria para
<7% e o aporte de colesterol para <200
mg/dia. Em 2008, a AAP(14) pondera o uso
de leite com gordura reduzida nas crianças em risco a partir do ano de idade, tendo em conta o estudo Turku Infant Study
(STRIP)(15). Também recomenda à partida
uma dieta Step-two, bem como um limite
ao consumo de gordura trans (<1%) e encoraja o consumo de fibra (aporte igual à
idade da criança + 5g/dia, até 20g/dia),
com base no DISC Study(16). The American Heart Association recentemente
publicou recomendações dietéticas que
foram subscritas pela AAP em que crianças e adolescentes são aconselhadas a
cumprirem um aporte calórico equilibrado
para manter o peso adequado e incentiva
o consumo de frutos, vegetais, peixe, cereais integrais e lacticíneos com teor reduzido em gordura. Desincentiva o consumo de bebidas e comidas açúcaradas,
bem como a adição de sal(17).
Outras Medidas não Farmacológicas
Os esteróis e estanois vegetais têm
sido adicionados a um sem número de
produtos (iogurtes, margarinas, sumos)
com o objectivo de diminuir a absorção
do colesterol da dieta, cuja eficácia tem
sido referida entre 5-10% de redução
dos teores de LDL, com efeitos adversos
mínimos, embora haja o receio do comprometimento da absorção de vitaminas
lipossolúveis(18).
O exercício físico deve fazer parte
da prevenção da DCV em idade pediátri-
ca. Parece melhorar o perfil lipídico, afectando primariamente os níveis de HDL e
TG, e possivelmente também os níveis
de LDL (5-30% variância)(19,20).
Farmacoterapia
Pode ser ponderada a partir dos
8-10 anos, após de 6-12 meses de dieta
adequada e segundo os critérios explanados no Quadro 1(14).
Está indicado tratamento mais
agressivo do LDL-C elevado em crianças
e adolescentes (>10 anos) com diabetes
mellitus, nefropatia, cardiopatia congénita, ou doença vascular do colagénio e as
sobreviventes de cancro (Quadro 2)(14).
As resinas queladoras de ácidos
biliares (colestiramina, colestipol) foram
as únicas permitidas pela NCEP nos últimos anos, com taxas de eficácia de
10-20% na redução dos teores de LDL.
Previnem a recaptação enterohepática
do colesterol, removendo-o do pool total
e portanto activando a regulação positiva da síntese dos receptores LDL, com
maior clearance deste da circulação.
Queixas gastrointestinais frequentes e o
fraco sabor comprometem a compliance,
e portanto a sua eficácia é limitada. O colesevelam, de nova geração parece ser
melhor tolerado 14.
Os inibidores da HMG CoA redutase (Estatinas – simva, prava, atorva,
lova, fluva, rosuvastatina), actualmente
a terapia de eleição em idade pediátrica, inibem a síntese endógena de colesterol, levando a um maior clearance de
LDL da circulação (reduções da ordem
dos 25-50%). Têm como efeitos laterais
mais frequentes a elevação das enzimas
hepáticas e da CPK (creatina fosfocinase), e efeitos teratogénicos, estando
contraindicadas na gravidez (necessária
contracepção eficaz). Deve ser iniciada
com a dose mais baixa, em toma única
diária ao deitar, sendo as interacções
medicamentosas frequentes: com a ciclosporina, o ácido fíbrico, a eritromicina,
os antifúngicos azole, e os antiretrovirais.
Será importante monitorizar o crescimento, a composição corporal e a maturação
sexual. Estudos parecem atestar a sua
eficácia e segurança(21,22,23).
alimentação em situações especiais – mesa redonda
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 205
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
A pravastatina foi aprovada pela
Food and Drug Administration (FDA) dos
USA para ser usada em crianças após os
8 anos, independentemente do estádio
pubertário, para o tratamento da hipercolesterolemia familiar.
Ensaios clínicos recentes parecem
apontar no sentido de que o tratamento
com estatinas parecem fazer regredir o
processo aterosclerótico, demonstrando
melhoria da função endotelial e regressão da IMT carotídea(23,24,25).
O ácido nicotínico (niacina) é raramente usado na pediatria, devido à fraca
tolerância e efeitos secundários frequentes e graves, nomeadamente intolerância
à glicose, miopatia, hiperuricemia e insuficiência hepática grave. No entanto, é
o único que baixa a Lp(a) mas também
baixa os níveis de LDL e TG e eleva os
níveis de HDL, através da redução da
síntese hepática e libertação de VLDL.
Os derivados do ácido fíbrico (fibratos) (gemfibrozil, fenofibrato) elevam
o teor de HDL e baixam os TG, por mecanismo complexo. Estão indicados em
crianças com hipertriglicerídemia em risco de pancreatite. Os efeitos secundários
são gastrointestinais, colelitíase, elevação das CK, AST (aspartato aminotransferase), ALT (alanina aminotransferase)
que pode ser agravada pelas estatinas
e na insuficiência renal. Habitualmente é
bem tolerado.
Inibidores da absorção intestinal,
ezetimibe inibe a absorção intestinal do
colesterol mas, ao contrário das resinas, parece ser absorvido e por isso ter
efeitos sistémicos. É geralmente usado
como adjuvante das estatinas, sendo-lhe
atribuída uma eficácia que rondará os
20%. Parece ser seguro e bem tolerado,
embora sejam muito poucos os estudos
realizados em populações pediátricas(14).
Comentários finais
A intervenção eficaz no estilo de
vida será primordial para reduzir o risco
global de dislipidémia na população.
O rastreio e o tratamento das dislipidemias em idade pediátrica parece
ter impacto na progressão do processo
arteriosclerótico e assim poder contribuir
para a prevenção da morbimortalidade
na vida adulta.
A segurança e eficácia da farmacoterapia parecem sustentar o seu uso em
Quadro 1 – Teores de LDL recomendados para farmacoterapia.
LDL
-C
Valor inicial (mg/dl)
Valor desejável (mg/dl)
s/ história familiar de DCV prematura
ou <2 factores de risco
≥ 190
< 130 (min)
< 110 (ideal)
c/ história familiar de DCV prematura
ou ≥2 factores de risco
≥ 160
< 130 (min)
< 110 (ideal)
Quadro 2 - Teores de LDL recomendados para farmacoterapia em situações especiais.
Características dos doentes
Cut points recomendados para
farmacoterapia
s/ outros factores de risco de DCV
LDL-C persistentemente > 190 mg/dl, apesar da
dietoterapia
outros factores de risco presentes incluindo
obesidade, HTA, tabaco, ou história familiar
de DCV prematura
LDL-C persistentemente > 160 mg/dl, apesar da
dietoterapia
crianças com diabetes mellitus
LDL-C ≥ 130 mg/dl
alimentação em situações especiais – mesa redonda
S 206
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
crianças e adolescentes, na dislipidemia
de alto risco. Contudo, as recomendações baseadas na evidência são ainda
escassas nesta idade e sustentadas em
sinais indirectos.
Será necessário obter evidência
directa do benefício da intervenção em
idade pediátrica, na morbimortalidade
cardiovascular do futuro adulto.
DYSLIPIDEMIA
ABSTRACT
Pediatricians have long been aware
that dyslipidemia needs to be prevented,
screened, diagnosed and treated in childhood and adolescence. In fact, a significant body of evidence supports the concept that the antecedents of adult heart
disease can be identified in childhood
and the prospective studies have linked
the presence of cardiovascular risk factors to early atherosclerotic lesions, in
pediatric population.
Dyslipidemia rarely leads to adverse
health outcomes in childhood, but its
long-term effects such as clinical cardiovascular events that are among the leading causes of morbidity and mortality in
industrialized nations, raises interest in
screening children for lipid abnormalities.
The goal of this review is to examine new evidence on the association of
lipid abnormalities with early atherosclerosis, the impact of the obesity epidemic
and other medical conditions on lipids in
childhood,that places children and adolescents at higher risk for accelerated
atherosclerosis. Indeed, the pathophysiologic process behind atherosclerotic
lesions is complex and results from the
interplay between circulating lipoproteins,
inflammatory mediators, and a various
cell types leading to accumulation of lowdensity lipoprotein cholesterol particles
beneath the arterial endothelial layer.
It is also reviewed the clinically relevant aspects of lipoprotein metabolism
pathways in order to recognize and classify
the most important types of dyslipidemia,
namely familial hypercholesterolemia.
Although the prevention of risk factors development of premature cardiovascular disease through lifestyle recommen-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
dations remains the mainstay of pediatric
management, a subgroup of children may
require lipid-lowering drug therapy before
reaching adulthood. Thus, recommendations are provided to guide decision-making with regard to patient screening at
high risk for accelerated atherosclerosis
who might require pharmacological management of lipid abnormalities.
Therefore, this review summarizes
the current evidence for the direct impact
of dyslipidemia on atherosclerotic process development and provides potencial
prevention and treatment strategies during childhood and adolescence.
Key Words: dyslipidemia; pediatrics; cholesterol; drug therapy; screening
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 202-207
BIBLIOGRAFIA
1. McCrindle BW, Urbina EM, Dennison
BA, Jacobsob MS, et al. Drug therapy of high-risk lipid abnormaliries in
children and adolescents. Circulation,
2007; 115: 1948-1967.
2. Napoli C, Glass CK, Witztum JL,
Deutsh R, et al. Influence of maternal
hypercholesterolaemia during pregnancy on progression of early atherosclerotic lesions in childhood: Fate
of Early Lesions in Children (FELIC)
study. Lancet, 1999; 354: 1234-1241.
3. Skilton MR. Intrauterine risk factors
for precocious atherosclerosis. Pediatrics, 2008; 121: 570-574.
4. Berenson GS, Srinivasan SR, Bao
W, Newman WP III, et al. Association
between multiple cardiovascular risk
factors and the early development
of atherosclerosis. Bogalusa Heart
Study. N Engl J Med, 1998; 1998;
338(23): 1650-1656.
5. McGill HC Jr, McMahan CA, Zieske
AW, et al. Effect of nonlipid risk factors
on atheriosclerosis in youth with favourable lipoprotein profile. Pathological Determinants of Atherosclerosis in
Youth (PDAY) Research Group. Circulation, 2001; 103(11): 1546-1550.
6. Davis PH, Dawson JD, Riley WA,
Lauer RM. Carotid intimal-medial thi-
ckness is related to cardiovascular
risk factors measured from childhood
through middle age: the Muscatine
Study. Circulation, 2001; 104(23):
2815-2819.
7. Koletzko B. Classification and therapy
of Hyperlipidaemias. International Seminars in Paediatric Gastrenterology
and Nutrition, 1996; 5 (4): 10-15.
8. American Academy of Pediatrics.
National Cholesterol Education Program: report of the Expert Panel on
Blood Cholesterol Levels in Children
and Adolescents. Pediatrics, 1992;
89: 525-584.
9. Dennison BA, Jenkins PL, Pearson
TA. Challenges to implementing the
current pediatric cholesterol screening guidelines into practice. Pediatrics, 1994; 94: 296-302.
10. McMahan CA, Gidding SS, Fayad
ZA, Zieske AW, et al. Risk scores predict atherosclerotic lesions in young
people. Arch Intern Med, 2005, 165:
883-890.
11. Tamir I, Heiss G, Glueck Cj, Christensen B, Kwiterovich P, Rifkind B. Lipid
and lipoprotein distributins in white
children age 6-19 yrs: the Lipid Research Clinics Program Prevalence Study. J Chronic Dis; 1981; 34(1): 27-39.
12. Jolliffe CJ, Janssen I. Distribution of
lipoproteins by age and gender in
adolescents. Circulation, 2007; 114;
1056-1062.
13. Committee on Nutrition. Cholesterol
in Childhood. Pediatrics, 1998; 101:
141-147.
14. Daniels SR, Greer FR, Committee on
Nutrition of AAP. Lipid Screening and
Cardiovascular Health in Childhood.
Pediatrics, 2008; 122: 198-208.
15. Niinikoski H, Lagstrom H, Jokinen E,
Siltala M, et al. Impact of repeated
dietary counselling between infancy
and 14 years of age on dietary intakes
and serum lipids and lipoproteins: The
STRIP Study. Circulation, 2007; 116:
1032-1040.
16. Van Horn L, Obarzanek E, Friedman LA, Gernhofer N, Barton B.
Children´s adaptations to a fat-reduced diet: the Dietary Intervention
Study in Children (DISC). Pediatrcs,
2005; 115: 1723-1733.
17. Gidding SS, Dennison BA, Birch LL,
Daniels SR, et al. Dietary recommendations for children and adolescents:
a guide for practitioners: consensus
statement from the American Heart
Association. Circulation, 2005; 112:
2061-2075.
18. Tammi A,Ronnemaa T, Miettinen TA,
et al. Efects of gender, apolipoprotein
E phenotype and cholesterol-lowering
by plant stanol esters in children : the
STRIP study. Special Turku Coronary
Risk Factor Intervention Project. Acta
Paediatr, 2002; 91(11): 1155-1162.
19. Maron BJ, Chaitman BR, Ackerman
MJ, et al. Recommendations for physical activity and recreational sports
participation for young patients with
genetic cardiovascular diseases. Circulation, 2004; 109(22): 2807-2816.
20. Strong WB, Malina RM, Blimkie CJ, et
al. Evidence-based physical activity
for school-age youth. J Pediatr, 2005;
146(6): 732-737.
21. de Jongh S, Ose L, Szamosi T, et
al. Efficacy and safety of statin therapy in children with familial hypercholesterolemia: a randomized,
double-blind, placebo-controlled trial
with simvastatin. Circulation, 2002;
106(17): 2231-2237.
22. Mc Crindle BW, Ose L, Marais AD.
Efficacy and safety of atorvastatin in
children and adolescents with familial hypercholesterolemia or severe
hyperlipidemia: a multicenter, randomized, placebo-controlled trial. J Pediatr, 2003; 143(1): 74-80.
23. Belay B, Belamarich PF, Tom-Revzon
C. The use of statins in Pediatrics:
knowledge base, limitations, and future directions. Pediatrics, 2007; 119(2):
370-380.
24. de Jongh S, Lillien MR, Stroes ES, et
al. Early statin therapy restores endothelial function in children with familial
hypercholesterolemia. J Am Coll Cardiol, 2002; 40(12): 2117-2121.
25. Wiegman A, de Groot E, Hutten BA,
et al. Arterial intima-media thickness
in children heterozygous for familial
hipercolesterolemia. Lancet, 2004;
363: 369-370.
alimentação em situações especiais – mesa redonda
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 207
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Sexualidade na Adolescência
Luís Pimentel1
Aborda-se a sexualidade numa
perspectiva integrada de desenvolvimento pessoal ao longo da vida. Situa-se o
período da adolescência, como ponto focal no processo de promoção da saúde e
da qualidade de vida.
Sinalizam-se as transformações
corporais e psicológicas que ocorrem
nesta fase, salientando-se a importância
da percepção e integração individual das
mudanças, na relação do jovem consigo
próprio e com as suas comunidades de
pertença.
Efectua-se um breve enquadramento sobre a evolução das vivências da sexualidade na adolescência ao longo das
gerações, criadas em estruturas socioeconómicas e políticas diversas, com
modos de organização social, cultural e
conhecimento científico distintos, mas
em que o racional e o emotivo sempre
lutaram pela primazia.
Citam-se diversos estudos sobre a
sexualidade, realizados em Portugal na
última década e discutem-se os principais indicadores comportamentais.
Questiona-se se a definição das estratégias de mudança, que é frequentemente cognitiva, não deverá colocar um
acento tónico na relação afectiva entre
o Eu e o mundo, integrando de forma
harmoniosa, nas acções promotoras de
saúde, os valores, as crenças, os interesses, as necessidades, as motivações
e as próprias capacidades de adaptação
às exigências que os múltiplos e sucessivos contextos vão colocando ao longo
da vida.
Partindo de diferentes campos de
observação, envolvendo os principais in-
__________
1
Coordenador do CAD VIH/SIDA do Porto
adolescência – desafios actuais – mesa redonda
S 208
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
tervenientes na dinâmica de crescimento
– o jovem adolescente e seus pares; os
familiares; o sistema educativo; o sistema
de saúde – colocam-se hipóteses sobre
o papel e contributo de cada um destes
vectores como facilitadores de uma sexualidade saudável.
Num contexto mais abrangente discute-se como a transformação de mentalidades se efectua pela integração nos
hábitos quotidianos das crianças, dos
adolescentes e adultos, das informações
e formações que, ao nível familiar, educacional, assistencial e comunitário, vão
sendo proporcionadas, experienciadas e
assimiladas.
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 208
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
As Tribos Urbanas
as de Ontem até às de Hoje
Helena Sofia Martins de Sousa1, Paula Fonseca2
RESUMO
As tribos urbanas surgiram como
um reflexo da globalização das sociedades modernas. Jovens, numa vontade
de se diferenciarem mas também de se
identificarem, reúnem-se em grupos partilhando os mesmos ideais e gostos. Algumas particularidades comportamentais
e estéticas permitem a sua identificação.
Uma boa comunicação e a não estigmatização do jovem pode ser a chave
para uma boa relação médico-doente
com uma melhor compliance comportamental ou terapêutica. Aborda-se algumas das características mais típicas das
“tribos” dos dias de hoje alertando-se
para alguns dos riscos mais provavelmente associados.
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 209-214
INTRODUÇÃO
Desde tempos remotos que a população se organiza em tribos, ie, grupos
coesos com indumentárias e hábitos semelhantes.
Nos povos indígenas o termo tribo
traduzia alianças entre clãs, aldeias ou
povoações; era um tipo de sociedade organizada com partilha e distribuição dos
papéis, que permitia de uma forma mais
eficaz a satisfação das necessidades básicas como as da alimentação e de defesa pessoal.
As sociedades de hoje tendem
para a globalização com uniformização
e individualismo dos seus elementos. O
conceito de “tribo urbana” surge pela
__________
1
2
Serviço de Pediatria do HS António - CHP
Serviço de Pediatria do CH Alto Minho
primeira vez em 1985 com o sociólogo
Michel Maffesoli, referindo-se à criação
de pequenos grupos cujos elementos se
unem por partilharem os mesmos princípios, ideais, gostos musicais ou estéticos
que assumem a sua máxima expressão e
visibilidade na adolescência. Estas tribos
surgiram num esforço de diferenciação
dos jovens e evocam particularidades
que as distinguem do resto da sociedade
e que as identificam.
A pertença a um destes grupos pode
ser positiva na estruturação da identidade pessoal ao reforçar sentimentos de
exclusividade, de protecção, de tolerância e de partilha com os pares. Infelizmente, algumas tribos são temidas pelos
comportamentos violentos, habitualmente associados a uma baixa tolerância do
“diferente” - homossociabilidade.
Apesar da definição algo rigorosa
de tribo verifica-se que, actualmente, a
maioria dos jovens apenas se apropria,
momentaneamente e sem compromisso,
de elementos estéticos de algumas delas,
não sendo frequentes os que seguem a
preceito os seus códigos. A transição”
entre tribos habitualmente é pacífica, no
entanto entre tribos rivais” pode estar
associada a violência.
Pensamos ser importante para o
Pediatra que lida com adolescentes ter
noção deste tema ao permitir uma melhor
compreensão dos valores que regem as
suas atitudes e, simultaneamente, alertar
para possíveis comportamentos de risco
associados. Nesta faixa etária, uma boa
relação médico-paciente é essencial para
a adesão e sucesso da consulta, facilitada possivelmente se o profissional conhecer alguns dos aspectos do “mundo”
do adolescente.
Apresentam-se aspectos caracterizadores de algumas das nossas “tribos
urbanas”, umas mais recentes que outras, mas todas com significado nos dias
de hoje. Com algum humor à mistura
conseguem identificar muitos dos vossos
adolescentes (e não só ) conhecidos!
DESCRIÇÃO DAS TRIBOS
Hippies
Os hippies surgiram no final da década de 1960 a partir do movimento flower power em São Francisco, nos EUA,
enquanto decorria a guerra do Vietname.
Este foi um movimento de “contracultura” que defendia um modo de vida
comunitário e abraçava aspectos de religiões como o budismo e o hinduísmo.
Opunha-se ao capitalismo, ao nacionalismo e à guerra, nomeadamente à do
Vietname. O lema peace and love englobava uma nova ética que defendia a
paz e a abolição das desigualdades de
todo o tipo (sexuais, raciais, étnicas ou
religiosas).
Facilmente identificáveis pelo seu
sentido estético, que privilegia a cor, os
hippies usavam cabelos muito compridos,
roupa informal e colorida, calças ao bocade-sino e sapatos com solas muito altas
(figura 1). Enfeitavam-se com flores, a
fazer lembrar a designação do seu movimento. Em termos musicais, Janis Joplin,
Pink Floyd, Jimi Hendrix, eram algumas
adolescência – desafios actuais – mesa redonda
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 209
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
das suas referências. Os hippies eram
também associados ao uso de drogas
como marijuana, haxixe e alucinogéneos
como o LSD, já o tabaco era considerado
prejudicial...
Apesar do movimento hippie ser
muito característico dos anos 60 e 70, a
verdade é que o espírito do flower power
e a sua estética conseguiu atravessar gerações e chegar aos dias de hoje (com
roupas “roubadas” dos baús dos progenitores!).
Hip-Hop
Movimento cultural que emergiu nos
subúrbios pobres, negros e latinos, dos
EUA (NY), no final da década de 60, surgiu como forma de reacção aos conflitos
sociais e à violência sofrida pelas classes
urbanas mais desfavorecidas da época.
Uma espécie de “cultura das ruas”, um
movimento de reivindicação traduzido
numa música com letras questionadoras
e agressivas com ritmo forte e intenso e
nas imagens grafitadas. Como movimento cultural é composto por quatro expressões artísticas: a música rap (rythm and
poetry) (hip-hop pode ser usado como
sinónimo de rap), a instrumentação dos
DJs (disco-jockey), a dança break dance
e a pintura do grafitti. O grafitti representa
desenhos, apelidos ou mensagens sobre
qualquer assunto pintados em muros e
paredes, sendo usado como forma de
expressão e denúncia.
Os jovens encontraram nessas novas formas de arte uma forma de canalizar a violência em que se encontravam
submersos, começando a competir com
passos de break dance e rimas em substituição das armas. Apesar de ter emergido
dum meio hostil o hip-hop veio-se a revelar uma ferramenta de integração social e
de combate ao racismo e à violência.
Assim como nos outros países, o
movimento hip-hop em Portugal ultrapassou barreiras raciais, sociais e culturais.
Ainda que o movimento tenha maior expressão nos bairros e zonas menos favorecidas, a sua música e dança é apreciada pela generalidade dos jovens.
São facilmente reconhecidos (Figura 2), usam calças largas - para permitir
maior amplitude aos movimentos e um
melhor efeito visual à dança - bonés de
pala ao lado e ténis com atacadores de
cores fluorescentes...
Skinheads
Apesar de actualmente serem associados a políticas de extrema-direita e a
sentimentos nacionalistas, xenófobos e
racistas, estes aspectos em nada coincidirão com os skinheads iniciais. A origem
do movimento skinhead remonta aos finais da década de 1960 quando grupos
de jovens, brancos e negros, oriundos
do proletariado suburbano londrino começaram a organizar-se em grupos que,
para além do visual (roupas particulares
e cabelo muito curto), partilhavam os
mesmos gostos musicais (ska e reggae),
de sentido de território e de paixão pelo
futebol.
Os skinheads ganharam notoriedade por promoverem confrontos nos estádios de futebol (hooliganismo) e, alguns
deles, por usarem a violência contra algumas minorias étnicas e homossexuais.
A conotação política de extremadireita surge com o aproveitamento que
a Frente Nacional fez do movimento, aliciando para a sua causa alguns skins e
punks. Assim surgem os skinheads nazis, também conhecidos como boneheads, nos quais as juventudes fascistas
se revêem. Declínio do movimento após
a década de 80, com fragmentação dos
adolescência – desafios actuais – mesa redonda
S 210
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
skinheads em vários sub-movimentos rivais com ideologias divergentes, que se
confrontam ideológica e fisicamente!
Os skinheads apresentam um visual comum que reflecte, em parte, a indumentária operária da Inglaterra de 1960:
cabeça rapada, blusões com remendos
e crachás, calças de ganga com dobra,
suspensórios e botas de biqueira de aço
(figura 3).
Punks
O movimento punk surgiu como uma
manifestação cultural juvenil com origem
em Londres em meados dos anos 70.
Com início num estilo de música –
Punk Rock com bandas como Os Ramones e os Sex Pistols - o movimento estendeu-se a comportamentos e uma estética
própria. Os elementos dessas bandas,
imaginativos e provocadores, usavam suásticas e outros símbolos nazi-fascistas,
assim como símbolos comunistas num
desafio agressivo aos valores políticos,
morais e culturais. A música punk tradicional apresentava um conteúdo agressivo de crítica social; o seu formato de 3
acordes era muito simples podendo ser
facilmente tocada, o que estimulou na
época vários jovens a criarem bandas.
Os comportamentos dos seus elementos, pautados pelo sarcasmo, gosto
pelo ofensivo, crítica social, desprezo
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
pelas ideologias (políticas ou morais) e
pelas lideranças assumiam uma atitude
de ruptura face à sociedade. Valorizavam
a liberdade individual, a autonomia e o
“faça-você-mesmo” com reutilização de
roupas e objectos.
Tanto a música punk, como o visual dos seus adeptos - deliberadamente
contrastante com a moda vigente e por
vezes ofensivo - são os aspectos mais
característicos e evidentes do punk, e
reflectem bem o espírito anti-sistema.
O termo moda não é bem aceite neste
grupo já que depreende “comércio, aparência, aceitação social”. Há que usar
o termo estilo ou visual para se referir
à roupa como “afirmação pessoal”. O
estilo punk pode ser reconhecido pela
combinação de jeans rasgadas ou calças pretas justas, t-shirts de bandas
musicais, cabelo colorido à moicano ou
espetado em crista e acessórios como
brincos, pulseiras ou colares de picos,
cadeados, alfinetes-de-ama e correntes
metálicas (figura 4).
Existem vários sub-grupos punk associados à emergência de novos sub-géneros musicais e influências ideológicas
que podem apresentar algumas variações no visual. Inclusivamente, é referido
que o vestuário (roupa e acessórios e sua
combinação) é o factor desencadeante
da maioria das agressões entre gangues,
membros de grupos divergentes do movimento punk!
Góticos
O movimento cultural gótico teve
início no Reino Unido no final da década
de 1970. A subcultura gótica está associada a um estilo de vida caracterizado
pelos gostos musicais e estéticos e por
um pensamento filosófico.
Os góticos distinguem-se das outras
tribos urbanas pela sua estética obscura
que representa sentimentos de “apego ao
nada”, uma falta de esperança, um luto
pela situação da humanidade. Rapazes e
raparigas vestem de preto, usam maquilhagem escura e cabelos lisos, escuros,
compridos e desalinhados (figura 5).
Identificam-se com a música que
ouvem – o gótico – pautada por sons
que reflectem situações de angústia e
temas que glamourizam a decadência
e o lado sombrio. Pensamentos sobre a
morte e auto-mutilação, como forma de
expulsar a dor interior, são referidos. De
entre as inúmeras bandas/intérpretes
que fazem parte das preferências desta
tribo referem-se: Bauhaus, Gene Loves
Jezabel, HIM, Nick Cave and the Bad Seeds, Paradise Lost, The Cult, The Sisters
of Mercy.
Os elementos desta tribo surgem
pela noite dentro frequentando locais “excêntricos” (exº cemitérios), tendo alguns
adeptos da wicca (bruxaria) e satanismo.
A aproximação com a natureza africana é representada pelo visual (figura
6) - dreadlocks (canudos) no cabelo, roupas leves e descontraídas, pés descalços ou com sandálias de tiras – e pelos
comportamentos – contra as alterações
da imagem corporal, vegetarianos, ambientalistas e anti-consumistas. Por estes
princípios muitos escolhem viver longe
da civilização.
A referir no entanto que, para a
maioria dos integrantes, o movimento
gótico será fundamentalmente um gosto
musical e uma maneira específica de se
vestir, sem grandes envolvimentos intelectuais ou filosóficos.
Betos e betas
Esta tribo caracteriza-se por viver
em função da marca e da moda. Normalmente está associada a boas condições
financeiras, já que as roupas e os acessórios de marca podem ser caros.
Rasta ou Rastaffari
O movimento Rastafari teve origem
no povo da Jamaica no início dos anos
30. É um movimento religioso que proclama Hailê Selassiê, imperador da Etiópia
como a representação terrena de Jah
(Deus). O objectivo era recuperar o modo
de vida africano (afrocentrismo), através
da proximidade com a natureza e da subsistência com os recursos naturais. Este
movimento espalhou-se pelo mundo através do reggae, graças à popularidade de
Bob Marley.
adolescência – desafios actuais – mesa redonda
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 211
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Os rapazes (“betos”) calçam sapatos de vela ou mocassins, usam calças
de ganga ou de corte clássico, camisa
às riscas ou aos quadradinhos por dentro das calças e cinto a combinar com
os sapatos. Nos dias frescos usam uma
camisola de lã sobre as costas, com as
mangas a passarem pelos ombros e a
dar nó à frente (figura 7).
As raparigas (“betas”) normalmente
são loiras e usam muitos acessórios (argolas grandes, pulseiras tipo escravas),
blusas ou pólos às riscas e botas bicudas
de tacão/salto alto. As calças, podem ser
de ganga, justas ou “à boca-de-sino” (figura 8).
Clubbers
Os clubbers são uma das novas
tribos do século XXI. Surgiram em Londres do clubbing, ie, frequência assídua
de discotecas (clubs) onde se ouve música house, techno, trance, underground,
drum n’bass Esta tribo não está associados a ideologias nem a políticas. O que
os move e os une é a paixão pela música
de dança e pelo ambiente da noite. Para
esta tribo o DJ é a estrela da noite, um
ídolo que veneram!
Algumas características diferenciam-nos dos outros “noctívagos”, quer
pelo aspecto extravagante (figura 9)
- com roupas irreverentes, de cores vivas e brilhantes, acessórios ousados e
penteados excêntricos com cabelos coloridos - quer pela atitude, já que não
vão para “engatar miúdas” ou “beber
copos” mas sim para cumprir o ritual de
ir “ouvir o seu som”. Os clubbers têm
como ponto de encontro as raves onde,
por vezes, o consumo de drogas como
o Extasie lhes permite dançar 24 horas
seguidas ...
Dreads
Os dreads foram uma das tribos urbanas mais em voga nos últimos anos.
As roupas identificam-nos, calças
muito largas (vários tamanhos acima)
com grandes bolsos e descaídas na
cintura a mostrar os boxers. As t-shirts
também são largas e por fora das calças. Usam gorro ou boné (virado ao
contrário), cabelo (quase sempre) curto
que deixa ver o brinco ou piercings (figura 10).
Os seus elementos, quando inseridos no “seu ambiente”, são muito sociáveis.
As meninas dreads usam calças de
cinta descidas e largas, camisolas justas
ou “tops” e acessórios (argolas, pulseiras) seguindo o estilo da musa JLo.
Os dreads estão associados à prática de desportos radicais, são frequentes
os skaters, snowboarders, bikers (ie, praticantes de skateboarding, snowboarding
ou BMX, respectivamente) ou até surfistas com este tipo de indumentária. Habitualmente circulam em grandes grupos e
não são violentos.
adolescência – desafios actuais – mesa redonda
S 212
Nerd
Nerd é um termo derivado de Northern Electric Research and Development
(pessoas que trabalhavam árdua e “ininterruptamente” num laboratório de tecnologia ), descreve alguém com dificuldades
de integração social e que, no entanto,
nutre grande fascínio por conhecimento
ou tecnologia. Existe uma forte correlação
inversa entre ser nerd e ser popular. O
termo nerd e seus “subgrupos” são também utilizados por determinados grupos
relacionados a interesses específicos (exº
tecnologia e informática; jogos de computador; fãs do Star Treck/Star Wars ). Apesar de ser estereotipada na comunicação
social, é uma tribo que pode ser difícil de
“reconhecer” já que não tem um padrão
próprio de vestuário (figura 11).
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
Surfistas
Os surfistas são loiros (pela parafina e pelo sol) e bronzeados durante todo
o ano. Apesar do estereótipo do surfista
o associar a alguém que, ainda que bonito, poucas mais preocupações tem para
além das ondas e das raparigas; actualmente o surfista tem sido mais reconhecido como um jovem com gosto pela natureza e pela vida saudável. Alguns, apesar
de não praticarem surf, partilham o espírito da tribo e a ela pertencem. Vestem
roupas de marca Billabong® e O’Neill®
(calças ou calções largos e t-shirts com
padrão havaiano) e usam óculos escuros (figura 12). No verão não largam as
havaianas, que substituem por calçado
desportivo durante o Inverno.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Vegan deriva de vegetarian, e é
definida por uma dieta vegetariana estrita, onde é excluída a carne, o peixe, os
ovos, os produtos lácteos bem como o
mel, a gelatina, a caseína, as peles, a lã
e a seda (figura 13).
O seu estilo de vida compreende,
para além do padrão alimentar vegetariano, a protecção dos direitos dos animais
e o pacifismo, opondo-se a todos os tipos
de actividade agressiva.
Estima-se que seja uma tribo com
nº crescente de adeptos e que a faixa
etária mais representada esteja entre os
16 e os 29 anos.
As raparigas também são loiras e
bronzeadas. Raramente praticam surf,
mas têm namorados surfistas, o que as
faz dominar toda a linguagem e código da
tribo. O vestuário também é Billabong® e
O’Neill®, com saias curtas, calções ou
calças com padrão havaiano, tops ou camisolas justas e havaianas nos pés.
Vegans
Veganismo refere-se a uma filosofia
e estilo de vida que procura excluir o uso
de animais para comidas, roupas ou outros propósitos. As razões habituais prendem-se com princípios morais e éticos
de protecção dos direitos dos “animais
não-humanos”, preocupação com a saúde e ambiente, ou por motivos religiosos
e espirituais.
Emos
Emo (abreviação de emotional) é
um estilo de música descendente do
hardcore.
Os seus primórdios remontam a meados dos anos 80, nos EUA, com bandas
“emocore”, um hardcore com andamento
mais lento e com letras mais introspectivas. O género estabeleceu-se “definitivamente” (tanto quanto uma tribo urbana
o permite ) no início do século XXI com
imensos adolescentes a aderirem. As
músicas das bandas emo – My Chemical
Romance, Alesana … - têm letras tristes
e abordam problemas, com os quais os
fãs se identificam.
A cultura emo engloba não só um
estilo de música, mas também um comportamento e aspectos estéticos muito
interessantes que “tocam” em várias das
tribos previamente descritas (punks, góticos e hippies).
Com idades compreendidas entre os
11 e os 18 anos, o seu estado de espírito
é habitualmente triste e melancólico, sendo alguns dos seus elementos apontados
como tendo alguma atracção pela automutilação e pelo suicídio, uma forma de
fazer acompanhar a dor psicológica com
a física. São também muito sensíveis,
carinhosos e extremamente emotivos
expressando facilmente as emoções. Livres de preconceitos, pregam a liberdade
sexual sendo frequentemente referidos
como bissexuais. São contra a violência
e as drogas.
O seu estilo é inconfundível e relativamente indiferente para ambos os sexos (o que pode tornar difícil a identificação do género): cabelo escuro esticado
com risca ao lado, com franjas assimétricas, por vezes coloridas que escondem
um olho. Maquilhagem muito marcada
nos olhos, roupa preta com calças justas,
ténis All Star® e vários acessórios piercings, pulseiras, mochilas a tira-colo com
imensos pins (figura 14). Unhas pintadas
de preto e uma lágrima sempre pronta
são elementos indispensáveis!
Uma categoria, os “Emo Fruits” são
muito coloridos e habitualmente mais alegres.
Plocs
Uma das tribos mais recentes do
século XXI, com origem no Japão, mas já
com grande representatividade.
O ponto de união dos elementos relaciona-se com os aspectos estéticos que
traduzem um desejo de voltar à infância.
Com mais adeptas femininas, esta tribo
caracteriza-se pelo uso de roupas colori-
adolescência – desafios actuais – mesa redonda
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 213
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
das e dos mais variados acessórios com
motivos infantis, sendo actualmente as
mais famosas a Hello Kitty®, as Power
Puff Girls® e o Tweety® (figura 15). Os cabelos podem ser pintados de arco-íris, as
unhas com cores vivas, e roupas que podem combinar roxo, verde e vermelho…
Coleccionam brinquedos “fofinhos” e peluches, gostam de desenhos-animados e
lêem banda-desenhada. Ouvem música
Pop e músicas infantis.
Traceur e Traceuse
Os traceurs (traceuse para o sexo
feminino) são os praticantes do Parkour
– uma arte do movimento, um método
natural de treinar o corpo para que este
seja capaz de se mover “adiante” com
agilidade, com recurso aos obstáculos
que “nos” rodeiam (muros, escadas, postes, árvores...) (figura 16). Com início em
França no final dos anos 90, foi divulgado
ao resto do mundo – incluindo Portugal
- no início do século XXI. Recusando a
denominação de desporto, os seus adeptos consideram-no antes uma filosofia de
vida baseada nas premissas “aprender a
superar os obstáculos” e “ser forte para
ser útil”. O seu objectivo, explorar todo o
potencial natural do corpo e controlar os
seus movimentos, exige um treino físico
intenso mas muito disciplinado. Apesar
de alguns problemas (compreensíveis…)
com as autoridades e os seguranças,
com a divulgação do movimento têm vin-
do a ter mais receptividade, simpatia e
admiração pela “população”. Ainda que a
sua prática seja de risco, a grande disciplina, conhecimento e (quem diria ) respeito que têm pelo corpo faz com que na
maioria das vezes não se magoem com
gravidade.
São uma tribo pacífica, com preocupação pelo corpo e hábitos de vida saudáveis.
COMENTÁRIOS FINAIS
As tribos são um fenómeno sociológico interessante cujas repercussões a
nível da estruturação da personalidade
do adolescente podem ser importantes.
Comportamentos de risco associados são claros podendo incluir consumo
de substância ilícitas (hippies, clubbers),
violência (skins, punks), auto-mutilação
(góticos e emos) promiscuidade sexual
(emos), desportos perigosos (traceurs) e
…despesas (betos e plocs)!
Os autores reforçam no entanto a noção que a integração do jovem
num destes grupos, só por si, pode não
acarretar alarmismo. Mostrar interesse
e conversar com o adolescente para
conhecer as práticas do seu grupo permitirá avaliar a perigosidade dos seus
comportamentos.
Este tema, de todo, não encerra por
aqui. As tribos são um fenómeno dinâmico, ao sabor dos novos estilos musicais,
interesses e angústias dos jovens…enquanto umas florescem, outras esbatemse no seio das sociedades. Diferenças
respeitantes à ideologia são apontadas
como responsáveis pela rápida renovação das novas tribos que têm surgido; referidas como superficiais e relacionadas
apenas à questão estética não apresentam o mesmo cariz ideológico forte que
criou e manteve tribos como os hippies
ou os punks, actualmente com mais de
40 anos de existência.
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 209-214
adolescência – desafios actuais – mesa redonda
S 214
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
BIBLIOGRAFIA
Maffesoli, Michel. O Tempo das Tribos: o declínio do individualismo nas
sociedades de massa. Rio de Janeiro:
Forense-Universitária 1987.
O jeito de cada tribo. Revista Veja, edição especial 2003.
Etnografias revelam dinâmicas das
tribos urbanas. DiverCIDADE, revista
electrónica 2005; 14.
As tribos urbanas. Revista Mundo jovem 1995; 263: 6-7.
Tribos urbanas. Revista Caleidoscópio
2006.
As tribos urbanas. Revista Visão 2006;
703.
www.educação.te.pt
pt.wikipedia.org
NOTA DA AUTORA
O artigo foi parcialmente publicado
em:
H Sousa, I Maciel. Tribos Urbanas.
Juvenil 2008; 15: 79-83.
NOTA FINAL
Atendendo às poucas publicações
disponíveis, alguns dos dados foram retirados de sites da Internet escritos por jovens pertencentes a estas tribos. Será de
valorizar uma abordagem mais científica
acerca do tema.
CORRESPONDÊNCIA
Helena Sofia Martins de Sousa
Telefone: 222077500
E-mail: helena.sofi[email protected]
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
A Consulta do Adolescente
Carlos Figueiredo1
Os adolescentes vivem e percorrem um processo dinâmico e complexo de maturação até atingirem a idade
adulta. Essa transição da infância para
a idade adulta não se processa de forma contínua e uniforme.
O conceito de adolescência engloba aspectos biológicos, psicológicos
e sociais. As transformações corporais,
o desabrochar de novas competências
cognitivas e o seu novo papel na sociedade são determinantes para questionarem o mundo dos adultos onde se
integram.
Assim, assumem novas experiências, vivenciam situações e assumem
atitudes que podem comprometer a
sua saúde, quer a actual quer no futuro, como é o caso dos acidentes,
distúrbios alimentares, doenças sexualmente transmissíveis, gravidez não
planeada, consumos ilícitos, etc. Muita
da morbilidade que ocorre na vida adulta é influenciada pelos hábitos adquiridos e vividos na adolescência, podendo assim ser preveníveis.
Será consensual afirmar que a
saúde dos jovens e adolescentes é decisivo para o futuro progresso social,
económico e político de qualquer país
e de qualquer sociedade. O contributo
que um adulto sem saúde, com uma
educação inadequada ou com desajustes sociais pode dar a uma comunidade ou a um país será seguramente diminuto ou nulo. Pelo contrário precisará e dependerá das estruturas sociais
de apoio, para se adaptar e sobreviver
com alguma dignidade, como a que é
devida a qualquer homem.
Os profissionais de saúde devem
aproveitar todas as oportunidades de
consulta com adolescentes, para irem
mais longe do que o estritamente biológico e curativo.
A consulta de adolescentes, deve
ter como objectivo além do diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos
problemas de saúde, a prevenção de
comportamentos de risco e a opção por
hábitos e estilos de vida que promovam
a saúde e o bem-estar completo.
Seja qual for a razão da consulta,
o médico deve procurar detectar, ajudar a reflectir e facilitar a resolução de
outros problemas, que por vezes são
mais importantes que o aparente motivo da consulta.
A entrevista, que não deve ter nenhum formato rígido, é um exercício de
comunicação interpessoal que inclui a
parte verbal e não verbal. Ou seja, para
lá das palavras deve-se estar atento
às emoções, comportamento, gestos,
apresentação geral, tom de voz e expressões do adolescente.
Não existe um perfil específico e único de profissional de saúde
para fazer o atendimento a jovens e
adolescentes. Contudo, é importante
que reúna alguns requisitos, nomeadamente:
Ter uma forte motivação e interesse por esta área da medicina;
Estar disponível para atender o
adolescente e a sua família sem
autoritarismos;
Adoptar sempre uma postura de
imparcialidade na análise dos problemas em discussão. Não considerando o adolescente “réu” ou
“vítimas”. Não somos juízes.
Adequada e sólida formação clínica em aspectos somáticos (crescimento e desenvolvimento) e psicológicos.
Capacidade para trabalhar em
equipa interdisciplinar, continuando a ser responsável pela saúde
global do adolescente.
Estar disponível para actualização
contínua e acompanhar as alterações que vão ocorrendo na sociedade e daí também no perfil dos
adolescentes.
Ter a sua própria história pessoal
em ordem de forma a poder abordar e orientar problemas mais frequentes (sexualidade, violência,
drogas, crises familiares, …) com
maturidade, equilíbrio e adequado
distanciamento.
Ser capaz de evitar a projecção
dos próprios conflitos de uma
adolescência mal resolvida, sobre
o adolescente que temos à frente.
Um dos maiores objectivos a ser
alcançado numa consulta é conseguir
envolver e motivar o adolescente a ser
o primeiro responsável pela sua própria
saúde de forma contínua e integral.
Nascer e Crescer 2009; 18(3): 215
__________
1
Hospital de São Teotónio, Viseu
conferência: organização de uma consulta de adolecentes
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 215
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Resumo das Comunicações Orais
TROMBOEMBOLISMO PULMONAR
NO SÍNDROME NEFRÓTICO
Joana Ramos Pereira, F Leite, D Pio,
T Costa, MS Faria, J Barbot, P Regina,
C Mota
S. Nefrologia Pediátrica, CHPorto, UHMPia
Introdução: As crianças com Síndrome Nefrótico (SN) têm um risco aumentado de complicações tromboembólicas com uma incidência entre 2 a 5%. Os
mecanismos patofisiológicos do tromboembolismo (TE) em doentes com SN ainda não foram totalmente estabelecidos,
no entanto, têm sido descritos diversos
factores predisponentes como anomalias
das proteínas da coagulação, alteração
da fibrinólise e aumento da agregação
plaquetária, assim como hipoalbuminemia grave, desidratação, hiperlipidemia,
infecção, corticosteróides, diuréticos e
imobilização.
Caso clínico: Adolescente de 12
anos, sexo masculino, com síndrome
nefrótico corticorresistente, com diagnóstico histológico compatível com doença de lesões mínimas, medicado com
prednisolona e ciclosporina. Sem outros
antecedentes relevantes. Internado por
anasarca com boa resposta clínica inicial
à perfusão diária de albumina. Ao quarto
dia de internamento iniciou febre, toracalgia, expectoração hemoptoica e agravamento da dispneia. Analiticamente apresentava leucocitose com neutrofilia, PCR
3,31 mg/dL, hipoalbuminemia (0,8 g/dL),
D-dímeros 588μg/L, fibrinogénio 633 mg/
dL e enzimas cardíacas normais. A radiografia de tórax demonstrou apagamento
do fundo de saco do ângulo costo-frénico
direito com subida do diafragma e infiltrado para-hilar bilateral. Realizou angiografia pulmonar por tomografia computorizada que demonstrou tromboembolismo
pulmonar agudo central e periférico, com
múltiplas áreas de enfarte pulmonar e
derrame pleural de pequeno volume. O
ecocardiograma não revelou alterações.
Iniciou hipocoagulação com enoxaparina
e posteriormente com acenocumarol. O
rastreio de trombofilias hereditárias foi
negativo para a mutação do factor V de
Leiden e para o polimorfismo 4G/G do
gene do inibidor do activador do plasminogénio – tipo 1 (PAI-1) e demonstrou
heterozigotia para a mutação G20210A
do gene da protrombina e homozigotia para a variante termolábil C677T do
gene da metilenotetrahidrofolato reductase (MTHFR). No restante estudo protrombótico realizado não se verificaram
alterações. Actualmente encontra-se assintomático, com síndrome nefrótico em
remissão.
Conclusões: As complicações
tromboembólicas nas crianças com SN
são raras e o seu diagnóstico implica um
elevado índice de suspeição. Perante
uma criança com SN e clínica sugestiva
de tromboembolismo pulmonar é importante excluir sempre a possibilidade desta complicação, pois se não for rapidamente detectado e tratado pode conduzir
a morbilidade e mortalidade significativa.
O rastreio da trombofilia hereditária é importante na identificação de doentes com
síndrome nefrótico com risco trombótico
acrescido.
resumo das comunicações orais
S 216
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
SÍNDROME NEFRÓTICO
CORTICORRESISTENTE
Carlos Marcos, Joana Amorim, Patrícia
Nascimento, Teresa Costa, Sameiro
Faria, Céu R. Mota, Conceição Mota
S. Nefrologia Pediátrica, Pediatria e Genética
Médica, CHPorto, UHMPia
Introdução: O Síndrome Nefrótico
(SN) é frequente em idade pediátrica,
com uma incidência anual de 2-7 novos
casos por 10000 crianças. Cerca de 90%
apresentam uma forma de SN idiopático,
maioritariamente sensível à corticoterapia, estimando-se que menos de 10%
sejam corticorresistentes.
Objectivo: Estudo retrospectivo
das crianças com SN corticorresistente
seguidas actualmente na consulta de Nefrologia.
Resultados: Estão em seguimento 7 doentes com SN corticorresistente.
Em todos foi feita a pesquisa da mutação
para o gene NPHS2, tendo sido positiva
em 4 doentes.
Características dos doentes:
Sexo (F:M)
Episódio inaugural
(idade média)
Histologia:1
Nefropatia de IgM
Lesões mínimas
NPHS 2
(positivo)
2:2
9,25 Anos
(3-13)
NPHS 2
(negativo)
2:1
10,67 Anos
(5-15)
3
1
2
1
Discussão: Na nossa amostra
57,1% dos doentes com SN corticorresistentes estavam associados à mutação no
gene NPHS2. Não se verificaram diferenças significativas na idade de apresentação, sexo ou histologia entre os dois
grupos. O estudo genético veio permitir a
alteração da estratégia terapêutica, poupando os doentes a terapêuticas imunos-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
supressoras agressivas que seriam ineficazes. Permite ainda perspectivar um
bom prognóstico após transplante renal,
dado estes doentes muito raramente recidivarem, ao contrário dos doentes com
SN idiopático corticorresitente não associado a mutação genética.
ÉCTIMA GANGRENOSO EM DOENTE
TRANSPLANTADO RENAL
Isabel Couto Guerra, Liliana Rocha,
Nuno Ferreira, Alexandre Braga, Teresa
Costa, M. Sameiro Faria, Conceição
Mota
S. Nefrologia Pediátrica, CHPorto, UHMPia
Introdução: A instituição de terapêutica imunossupressora após o transplante renal tem por objectivo a inibição
de algumas função do sistema imunitário, diminuindo assim a probabilidade
de desenvolvimento de um episódio de
rejeição. Contudo, esta obrigatoriedade
condiciona um aumento do risco de ocorrência de infecções por microorganismos
oportunistas. Manter um equilíbrio entre
o risco de desenvolvimento destas duas
complicações é factor determinante do
prognóstico.
Caso clínico: Os autores apresentam o caso clínico de um adolescente de
13 anos de idade, submetido a transplante renal três meses antes do presente
internamento. Realizou terapêutica imunossupressora de indução com globulina
anti-timocítica associada a tacrolimus,
micofenolato de mofetil e prednisolona
em baixas doses.
Admitido no internamento por lesões cutâneas com evolução de 48h,
associadas a um pico febril isolado nas
últimas 12h. Ao exame objectivo apresentava uma lesão na metade inferior da
perna direita com aproximadamente 2cm
de diâmetro, dolorosa, com região central de aspecto necrótico e halo periférico
com sinais inflamatórios (eritema, edema
e calor), e duas lesões papulares eritematosas, com crosta central milimétrica,
localizadas ao antebraço direito e nuca.
Analiticamente apresentava leucopenia
com neutropenia ligeira e função renal
normal. O doseamento de proteína C reactiva demonstrou um valor de 6mg/dl.
Face ao diagnóstico clínico de éctima gangrenoso iniciou antibioterapia
com Ceftazidima e Vancomicina, tendo
suspendido esta após isolamento de
Pseudomonas aeruginosa em exame
microbiológico de exsudado da lesão
do membro inferior. A hemocultura veio
a revelar-se estéril. Cumpriu 21 dias de
antibioterapia sistémica, com evolução
favorável.
Conclusão: O éctima gangrenoso é
uma manifestação cutânea rara, típica de
infecção por Pseudomonas, com ou sem
septicemia subjacente. Raramente lesões
similares podem ocorrer no contexto de
infecções por outros microorganismos.
Caracteristicamente o éctima gangrenoso ocorre em doentes imunodeprimidos,
pelo que é mandatória a sua exclusão em
doentes previamente saudáveis.
Com este caso clínico os autores
pretendem evidenciar a importância do
reconhecimento clínico das lesões características de éctima gangrenoso, permitindo a instituição precoce de antibioterapia direccionada.
PLEOCITOSE COM LCR ESTÉRIL
EM CONTEXTO DE ITU – COMO
INTERPRETAR
Natacha Fontes, Eliana Oliveira, Ana
Castro, Nádia Rodrigues, Rui Almeida
S. Pediatria, HPHispano, USLMatosinhos
Introdução: A infecção do trato urinário (ITU) é uma causa comum de febre em recém-nascidos (RN) e pequenos
lactentes. O rastreio séptico nesta faixa
etária engloba frequentemente a realização de punção lombar (PL) para estudo
do líquido céfalo raquidiano (LCR). Em
cerca de 12% das PL está descrita a associação entre ITU e pleocitose em LCR
estéril.
Objectivo: Identificar os casos de
pleocitose em LCR estéril em RN e pequenos lactentes até aos 3 meses de idade (inclusive), internados no serviço de
Pediatria e/ou Neonatologia do Hospital
Pedro Hispano.
Material e Métodos: Estudo retrospectivo entre Janeiro de 2003 e Dezembro de 2008, através de consulta dos processos clínicos das crianças com <120
dias de vida internadas com o diagnóstico de ITU. Consideram-se critérios de
exclusão os diagnósticos de ITU baseados em colheita de urina não asséptica,
as PL traumáticas (>1000 eritrócitos) e a
realização de antibioterapia prévia.
A pleocitose no LCR foi definida
como a presença de >22 leucócitos/mm3
no RN e >5 no lactente (definição encontrada num tratado de Pediatria de grande
divulgação).
Resultados: Durante este período
foram internadas 132 crianças com <120
dias de vida com o diagnóstico de ITU,
tendo sido realizadas 32 PL (24%). Em
43,8% (n=14) os resultados foram normais e em 21,9% (n=7) a PL foi traumática. Identificaram-se agentes no LCR em
6,2% (n=2). Nos restantes, encontrouse pleocitose num RN e em 8 lactentes
(28,1%). O valor de leucócitos no LCR
encontrado foi de 22/mm3 no RN e variou entre 5 e 28/mm3 nos restantes lactentes.
Quanto ao valor de leucócitos no
sangue, este estava elevado em 22%
dos casos (n=2) com valores de 18,1 e
30x10^3/uL, com predomínio de neutrófilos em ambos os casos.
A E.coli foi o agente maioritariamente identificado na urina (89% dos casos;
n=8), tendo sido também identificada
numa hemocultura.
Discussão: Na amostra estudada
verificou-se pleocitose com LCR estéril
numa percentagem superior à descrita
na literatura, estando este facto presumivelmente relacionado com as diferentes
definições utilizadas.
A definição de pleocitose no LCR é
baseada em valores bem definidos em
função da faixa etária; contudo, a utilização destes intervalos estanques não prevê a normal variação encontrada entre
indivíduos, sendo de ponderar a utilização de um método de interpretação mais
gradual de acordo com os dias de vida
nos RN e pequenos lactentes.
Por outro lado, a presença de mediadores inflamatórios sistémicos e/ou
antigénios bacterianos consequentes da
ITU parece justificar o aumento dos leucócitos no LCR, não devendo a pleocitose em LCR estéril ser considerada um
marcador de infecção meníngea.
resumo das comunicações orais
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 217
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Conclusão: Neste estudo os autores demonstram que pleocitose com LCR
estéril é uma situação não associada a
infecção meníngea nos casos estudados,
sendo importante reconhecer este facto
para, assim, minorar medidas diagnósticas e terapêuticas desajustadas em RN
e pequenos lactentes com ITU.
VARICELA: NEM SEMPRE UMA
EVOLUÇÃO BENIGNA
Ana Cristina Barros, Georgeta Oliveira,
Monjardim Quelhas, Rui Almeida
S. Pediatria e Ortopedia, HPHispano
Introdução: A varicela é uma doença comum na infância, geralmente com
evolução benigna e auto-limitada. Contudo, podem surgir complicações potencialmente graves, com expressão neurológica e musculoesquelética. Descrição
do caso: criança do sexo feminino, de 2
anos, observada por convulsão tonicoclónica generalizada e febre alta em contexto de varicela com 4 dias de evolução
(segundo caso intra-familiar). Sem vacinação prévia para o vírus varicela zoster
(VVZ) e sem história de administração
de aciclovir ou ibuprofeno no decurso da
doença. Ao exame objectivo exibia lesões
de varicela sem sinais de infecção e, após
recuperação da convulsão, apresentava
ligeira ataxia. Analiticamente, salientavase proteína C reactiva (PCR) de 5,37 mg/
dl e pleocitose isolada no líquor (leucócitos 27/mm3 e eritrócitos 40/mm3), motivo
pelo qual iniciou aciclovir EV. O VVZ foi
positivo no líquor. Na evolução do quadro
manteve febre elevada e houve subida da
PCR (23,04 mg/dL), tendo iniciado ceftriaxone. Em D4 surgiram sinais inflamatórios
na coxa esquerda (ecograficamente sugerindo colecção líquida na coxa e edema dos músculos circundantes), mas a
exploração cirúrgica apenas mostrou espessamento muscular difuso. Associouse flucloxacilina e clindamicina e ficou
apirética a partir de D7. Na hemocultura
(D1) foi identificado um Streptococcus β
hemolítico grupo A (SBHGA). Em D6 realizou ressonância magnética que mostrou aumento da espessura dos músculos
profundos da coxa e uma colecção líquida
entre esses músculos e o fémur (sem alte-
rações ósseas), que foi drenada nesse dia
e novamente em D14 (os bacteriológicos
das drenagens foram negativos). Teve
alta aos 21 dias de tratamento com clindamicina e 23 de flucloxacilina, que manteve
per os até aos 28 dias. Nas avaliações
após a alta mantinha-se clinicamente bem
e sem limitações motoras. Discussão: A
persistência de febre alta além do 3º dia
de varicela alerta para possíveis complicações. Neste caso, estas foram de dois
tipos: a primeira, na dependência directa
do VVZ, uma complicação neurológica na
forma de meningoencefalite com clínica
ligeira, em que sobressaiu o componente
de ataxia cerebelar aguda (complicação
neurológica mais frequente); a segunda,
uma sobreinfecção bacteriana pelo SBHGA, manifestada por piomiosite e abcesso
subperiósseo (sem osteomielite) complicações raras deste tipo de sobreinfecção.
Neste contexto, discute-se o papel do
tratamento com aciclovir e da vacinação
para a varicela.
Palavras-chave: varicela, ataxia
cerebelar aguda, piomiosite, aciclovir, vacinação.
PREMATURIDADE TARDIA - UM
GRUPO DE RISCO
Patrícia Nascimento, Cristina Godinho,
Paula Soares
CHPorto, UMJDinis
Introdução: Define-se como prematuridade tardia o nascimento entre
as 34+0 e as 36+6 semanas de gestação.
Este grupo de recém-nascidos (RN) representa cerca de 70% dos prematuros e
por serem ainda fisiológica e metabolicamente imaturos apresentam mortalidade
e morbilidade cerca de 4 vezes superior
à dos RN de termo.
Objectivos: 1- Conhecer a população de prematuros tardios nascidos na
Maternidade Júlio Dinis (MJD) durante
o ano de 2008. 2- Elaborar protocolo de
actuação. 3 - Elaborar guia informativo
para os pais acerca das particularidades
destes RN.
Material e métodos: Estudo retrospectivo, com consulta dos processos clínicos, dos prematuros tardios, internados
no ano de 2008 na MJD.
resumo das comunicações orais
S 218
Resultados: O total de RN estudados foi de 169. Não havia história de
intercorrências durante a gravidez na sua
maioria, tendo o parto sido eutócico em
46%. A duração média de internamento
foi de 3,6 dias em cuidados normais, 7,8
dias em cuidados intermédios e 13,3 dias
em cuidados intensivos.
Uma das principais complicações
foi a icterícia (66,3%), tendo a maioria
necessitado de fototerapia (84%) e sendo
motivo de adiamento de alta em 40,4%
dos RN internados nos cuidados normais.
As outras morbilidades verificadas durante o internamento foram as dificuldades
na alimentação (32,5%), dificuldade respiratória (18,9%), hipoglicemia (11,2%) e
sepsis (5,9%).
O reinternamento foi frequente neste
grupo (14,2%), sendo os motivos de admissão a icterícia (75%), infecção respiratória (20,8%) e a perda ponderal (4,2%).
Conclusões: Este grupo de prematuros apresenta um risco aumentado
de complicações nos primeiros dias de
vida, nomeadamente icterícia e dificuldades alimentares. Assim, os autores pretendem alertar para as particularidades
deste grupo, estabelecendo normas de
orientação que permitam uniformizar procedimentos e melhorar a qualidade dos
serviços prestados.
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
PNEUMONIA POR ACINETOBACTER
Gisela Silva, Lurdes Morais, Laura
Marques, Virgílio Senra
S. Pediatria, CHPorto, UHMPia
Acinetobacter é uma bactéria implicada numa grande variedade de doenças
infecciosas maioritariamente associadas
aos cuidados de saúde. Existem, no entanto, descrições de infecções adquiridas
na comunidade em adultos. Em idade pediátrica, os dados relativos a este tipo de
infecção limitam-se a crianças com imunodeficiência.
Apresenta-se o caso de uma criança com 28 meses de idade, que iniciou
febre elevada persistente , rinorreia mucosa e acessos de tosse produtiva, sete
dias antes do internamento associados a
dor epigástrica e toracalgia à esquerda
desde a véspera.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
O estudo efectuado na admissão
revelou tratar-se de Pneumonia com
derrame pleural à esquerda e a hemocultura isolou Acinetobacter lwoffii. A
evolução clínica foi favorável. O estudo
de imunidade celular e humoral efectuado foi normal.
A criança partilhava, no domicílio, o
nebulizador com familiares idosos com
doença pulmonar crónica. Foi solicitado
estudo ambiental à Autoridade de Saúde,
não tendo sido posssível isolar o agente
nos locais pesquisados.
Salienta-se o facto do complexo
Acinetobacter poder ser agente de infecções em crianças previamente saudáveis. Alerta-se ainda para a possibilidade da infecção poder estar relacionada
com uso inadequado de nebulizador no
domicílio.
PAROTIDITE SUPURATIVA AGUDA
NEONATAL: UM CASO RARO
Catarina Matos, Cláudia Almeida,
Cláudia Monteiro, Cristina Garrido,
Joaquim Cunha, Idolinda Quintal
S. Pediatria, CHTSousa, UPAmérico
Introdução: A Parotidite supurativa aguda é uma entidade extremamente
rara no período neonatal. Estão descritos
aproximadamente 100 casos na literatura. A grande maioria é causada por infecção ascendente de bactérias presentes
na cavidade oral, sendo o Staphylococcus aureus o agente etiológico mais frequentemente isolado. A prematuridade,
baixo peso, desidratação e alimentação
por sonda nasogástrica constituem os
principais factores de risco. O diagnóstico é essencialmente clínico. Quando
tratada atempadamente, o prognóstico é
bom e a doença cursa, geralmente, sem
complicações.
Caso Clínico: Recém-nascido,
sexo masculino, sem antecedentes perinatais de relevo. Internado ao 23º dia de
vida por tumefacção da região parotídea
esquerda, com calor e rubor associado,
de limites bem definidos, sem sinais de
flutuação, com saída de pus à compressão pelo canal de Stenon. A ecografia
parotídea realizada evidenciou glândula
parotídea esquerda de dimensões au-
mentadas com adenopatias associadas.
No exame cultural do pus foi isolado um
Staphylococcus aureus. Efectuou antibioterapia com flucloxacilina e cefotaxima
com melhoria progressiva da tumefacção
e sinais inflamatórios associados.
Conclusão: A maioria dos casos
descritos de parotidite supurativa aguda
neonatal surge em recém-nascidos do
sexo masculino e que apresentam factores de risco. Os autores não encontraram, neste caso, à excepção do sexo,
factores desencadeantes. A secreção de
material purulento através do canal de
Stenon constitui um sinal patognomónico. A terapêutica empírica inicial consiste
em antimicrobianos antiestafilocócicos.
INFECÇÃO POR PARVOVÍRUS B19 –
MANIFESTAÇÕES RARAS, 3 CASOS
CLÍNICOS
Marta Rios, Márcia Cordeiro, Joana
Rebelo, Paula Fonseca, Cecília Martins
CHMAve, UFamalicão
Introdução: A infecção por Parvovírus B19 ocorre entre os 5-15 anos em
70% dos casos. Este vírus é o agente
etiológico do eritema infeccioso que se
caracteriza classicamente por 3 fases:
pródromo (febrícula, mialgias e cefaleias);
segunda fase (eritema malar - “face esbofeteada”); terceira fase (exantema macular rendilhado, por vezes pruriginoso e/
ou evanescente, no tronco e membros).
Apesar do quadro clássico, a clínica pode
ser variável. Ocasionalmente, podem
surgir outras lesões cutâneas: exantema morbiliforme, vesicular ou purpúrico
(distribuição mais habitual em luvas e
meias). A artropatia é uma manifestação
frequente na mulher adulta, mas rara na
criança. O diagnóstico é laboratorial e o
tratamento sintomático.
Casos clínicos: 1 - Sexo masculino, 9 anos, com odinofagia, cefaleias
e dor abdominal associado a exantema
pruriginoso, inicialmente mais marcado
na face com generalização posterior, evidenciando pápulas eritematosas, máculas acastanhadas e petéquias dispersas
no tronco e membros.
2 - Sexo masculino, 14 anos, com
febre, petéquias dispersas pelo tronco
e algumas sufusões hemorrágicas nos
membros inferiores.
3 - Sexo feminino, 35 meses, com
recusa da marcha associada a exantema
macular evanescente nos membros inferiores e sinais inflamatórios em ambas as
articulações tibiotársicas. Referência a
eritema facial unilateral 2 dias antes. Sem
febre ou outra sintomatologia.
Em todos os casos foi efectuado
hemograma, bioquímica e serologias víricas, nomeadamente para Parvovírus e tira-teste urinária. Foram ainda realizados
estudo da coagulação nos dois primeiros
casos, velocidade de sedimentação no 1º
e 3º casos, hemocultura no 2º e estudo
imunológico no 3º caso. O estudo analítico não revelou alterações de relevo,
excepto trombocitopenia no 2º paciente e
serologias positivas para Parvovírus B19
nos 3 doentes.
Conclusões: A infecção por parvovírus, apesar de ser frequente e habitualmente benigna em idade pediátrica,
apresenta uma grande variabilidade de
expressão clínica, que faz suspeitar outras patologias como Púrpura de Henoch-Schoenlein, Púrpura trombocitopénica
idiopática ou secundária a outros agentes
e Artrite Idiopática Juvenil.
Os autores apresentam estes casos pela raridade das manifestações encontradas. Salienta-se a importância do
conhecimento destas manifestações atípicas, alertando para a necessidade de
realização de serologias para Parvovírus
nas situações de exantema purpúrico ou
artrite.
Palavras-chave: Parvovírus B19,
eritema infeccioso, púrpura, artrite
FEBRE PROLONGADA E ERITEMA
NODOSO – INFECÇÃO POR
SALMONELLA?
Marta Rios, Hernâni Brito, Margarida
Figueiredo, Soraia Tomé, Paulo Teixeira
S. Pediatria, CHMAve, UFamalicão
Introdução: A febre prolongada
associada a eritema nodoso pode corresponder a um amplo espectro de diagnósticos, sendo a infecção por Salmonella uma das etiologias possíveis. Os
quadros clínicos provocados por este
resumo das comunicações orais
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 219
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
género de bactérias incluem a gastroenterite aguda, a bacteremia com ou sem
focalização secundária (SNC, ossos) e
a febre tifóide. A espécie Salmonella enterica subdivide-se em vários serótipos,
a maioria responsável por quadros de
gastroenterite (como os serótipos Enteritidis e Typhimurium), sendo o serótipo
Typhi o responsável pela febre tifóide. O
diagnóstico definitivo baseia-se na identificação da bactéria em exames culturais (fezes, sangue ou urina).
Caso clínico: Criança do sexo
masculino, com 29 meses de idade, habitualmente saudável, internada por síndrome febril com 11 dias de evolução,
associado a eritema nodoso desde a
véspera. Este quadro acompanhava-se
de dor abdominal esporádica pouco intensa e obstipação, havendo referência a
3 dejecções líquidas ao 4º dia de doença. Sem outra sintomatologia associada.
Ao exame físico apresentava bom estado geral, Tº 39ºC, FC 147bpm e lesões
compatíveis com eritema nodoso, sem
outras alterações. Do estudo realizado de
salientar Hb 11.4g/dL, leucócitos 16579/
uL (N55%, L34%), plaquetas 385000/uL,
VS 76mm/1ºh, função renal e hepática
normais e PCR 3.6mg/dL. Radiografia do
tórax sem alterações. Reacção de Widal
positiva (anti-tiphyO positivo>1:320 e anti-tiphyH negativo). Estudo imunológico
(complemento, ANA, imunoglobuinas),
TASO, pesquisa de Ag´s anti-Streptoccoccus do grupoA na orofaringe, serologias para EBV e CMV e prova de tuberculina negativos. Urocultura, hemocultura
e coprocultura estéreis. Por manter febre
ao 16ºdia de doença e pela suspeita de
infecção por Salmonella, iniciou tratamento com ceftriaxone, ficando apirético
ao 2ºdia de antibioterapia. Pesquisa no
sangue de Salmonella enterica por PCR
(Protein Chain Reaction) negativa e reacção de aglutinação com o soro do doente
francamente positiva para S. enterica serovariedade Enteritidis (1:1600).
Conclusão: A diversidade de etiologias possíveis para o quadro clínico apresentado impôs dificuldades no
diagnóstico, o qual foi orientado pela
reacção de Widal positiva. Este método
serológico amplamente conhecido para
o diagnóstico de febre tifóide apresenta
baixa especificidade, podendo haver reacções cruzadas com outras bactérias,
sobretudo Salmonellas não typhi. Sendo
os exames culturais negativos, houve
necessidade de recorrer a outros testes,
nomeadamente de aglutinação com outros serótipos, que nos permitiram fazer
o diagnóstico de infecção por Salmonella
enterica serótipo Enteritidis.
AVALIAÇÃO DO CRESCIMENTO EM
RECÉM NASCIDOS DE MUITO BAIXO
PESO
Teresa Guimarães, Paula Soares,
Alexandra Almeida, Ana Cristina Braga
S. Pediatria Médica, CHPorto, UHMPia;
SCI Neonatais, CHPorto, UMJDinis
Introdução: Os recém-nascidos de
muito baixo peso (RN-MBP) constituem
um grupo de risco para atraso de crescimento (AC) extrauterino de etiologia
multifactorial, que tem um impacto negativo no seu potencial de crescimento e
desenvolvimento. Estima-se que entre os
RN-MBP a prevalência de peso subnormal para a idade corrigida (IC) varie entre
16% e 33% durante os primeiros 2 a 3
anos de vida. Objectivo: Avaliar o crescimento de uma amostra de RN-MBP, admitidos na Maternidade Júlio Dinis (MJD),
determinando a prevalência de AC e de
crianças com antropometria inferior ao
percentil 10, até aos 3 anos de idade. Material e Métodos: Coorte de 81 RN-MBP
(peso ao nascimento <1500g) nascidos
entre Janeiro e Dezembro de 2005, admitidos na unidade de cuidados intensivos
neonatais (UCIN) da MJD. Destes foram
excluídos 5, por apresentarem doenças
congénitas ou comorbilidades com repercussão significativa no estado nutricional,
restando 76 casos elegíveis para análise retrospectiva de dados antropométricos. Foram considerados 3 períodos de
crescimento: período I, entre nascimento e 40 semanas IC; período II, entre 40
semanas e 12 meses de IC; período III,
entre 12 meses IC e os 3 anos. Definiuse atraso de crescimento (catch-down
growth) como o cruzamento descendente
de um canal de percentil (equivalente a
diminuição> 0,67 DP de z-score) durante os períodos analisados. Resultados: A
resumo das comunicações orais
S 220
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
amostra seleccionada, com 52,7% de RN
femininos e 43,4% de RN de gestação
múltipla, apresentava uma idade gestacional (IG) média de 29,1 semanas e
um peso ao nascimento médio de 1138g,
correspondendo 18,4% a leves para a
idade gestacional (LIG). No seguimento,
70 (92%) lactentes foram avaliados às
40 semanas, 67 (88%) aos 12 meses, 65
(85,5%) aos 24 meses de IC e 59 (78%)
aos 3 anos de idade.
A prevalência de AC foi de 57% (40
em 70), 37% (27 em 67) e 10% (6 em 59)
nos períodos I, II e III respectivamente.
Às 40 semanas de IC, a percentagem de
lactentes com peso <P10, comparativamente aos LIG (18,4%), era quase dupla
(34,3%), sendo aquele valor ainda superior aos 12 meses (40%), o que representa uma elevada taxa de AC pós-natal. Aos
3 anos, 29% das crianças permaneciam
abaixo do P10 para o peso. Verificou-se a
mesma tendência relativamente ao comprimento, com aumento dos lactentes
com comprimento <P10 do nascimento
(17%) até às 40 semanas (41%) e posterior recuperação até aos 3 anos (24%)
O perímetro cefálico (PC) foi a medida
antropométrica menos afectada ao nascimento, com 8% dos RN abaixo do P10,
e a que menos variações sofreu ao longo
dos 3 anos. Conclusões: O AC pós-natal
é praticamente uma inevitabilidade nos
RN-MBP, sendo mais frequente até às 40
semanas de IC. A dimensão deste problema foi evidente neste trabalho, com uma
taxa de AC inicial de 57% e um aumento
da prevalência de crianças abaixo do P
10 em períodos posteriores, mais significativo até aos 12 meses. Estes resultados apontam no sentido da importância
de melhorar as estratégias nutricionais
até à alta hospitalar e durante o período
crítico de recuperação de AC, sobretudo
no primeiro ano de vida. São necessários
estudos prospectivos de avaliação do
crescimento em RN-MBP que permitam
optimizar o potencial de crescimento destas crianças.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
CELULITE ORBITÁRIA PRÉ E
PÓS-SEPTAL: CASUÍSTICA DE 4
ANOS
Miguel Salgado, Teresa Andrade, Ana
Catarina Sousa, Sandrina Martins, Ana
Rita Araújo, Teresa Bernardo
ULSAMinho, Viana do Castelo
Introdução: A celulite orbitária (CO)
é uma infecção dos tecidos moles da
região orbitária. O septo orbitário permite subdividir esta patologia em celulite
periorbitária (CPO) e celulite pós-septal
(CPS). A CPO é a mais frequente e geralmente benigna, estando restringida
aos tecidos superficiais. A CPS atinge a
região intra-orbitária, estando por isso
mais propensa a complicações orbitárias
e intracranianas.
O espectro clínico pode incluir edema e rubor palpebral, febre, dor ocular,
alteração dos movimentos oculares conjugados e proptose. A tomografia computorizada (TC) permite avaliar a extensão
da infecção, podendo auxiliar na diferenciação das duas entidades. Na CPS
é mandatório o tratamento com antibioterapia endovenosa, enquanto na CPO
muitos casos poderão ser tratados em
ambulatório
Material Revisão casuística e caracterização dos casos de CO internados no Serviço de Pediatria entre 2006 e
2009, através da consulta dos processos
clínicos, e sua análise no SPSS® 15.0.
Resultados: Foram analisados 19
casos de CO (13 CPO/ 6 CPS), com idades compreendidas entre os 2 meses e
os 11 anos e maior prevalência no sexo
masculino (69%). Dos sinais ou sintomas
relatados na admissão, o edema periorbitário foi o único presente em todas as
crianças, sendo também frequentes o
rubor (84%) e a febre (68%), esta mais
frequente na CPS (83%) do que na CPO
(61%). Outros sintomas predominantes
na CPS foram a dor ocular (33% versus 15%), proptose (33% versus 0%) e
alterações dos movimentos conjugados
(16% versus 0%). Dentro das CPS, 50%
demonstraram leucocitose > 20000 (16%
na CPO) e 33% apresentavam PCR > 20
mg/dL (16% na CPO).
A TC foi requisitada em 47,4% dos
casos, fazendo o diagnóstico de CPS em
31,5% das crianças. Os antibióticos mais
usados, isoladamente ou em combinação, foram a amoxicilina-ácido clavulânico (42%) e ceftriaxona (37%). A presença
concomitante de sinusite cifrou-se em
44%. A hemocultura foi invariavelmente
estéril e em nenhum dos casos houve
sequelas.
Conclusões: Perante o diferente
prognóstico e tratamento, é fulcral uma
atempada diferenciação do tipo de celulite orbitária. Os sinais de atingimento
ocular devem fazer levantar a suspeita de
CPS, mas alguns deles poderão também
surgir na CPO. Leucocitose e aumento
marcado da PCR não estão universalmente presentes. A TC permite o diagnóstico diferencial e o despiste de uma
sinusite concomitante. Apesar da boa
resposta dos casos descritos, deve estar
sempre presente a possibilidade de complicações na CPS.
OBESIDADE NA ESCOLA E ANÁLISE
DE COMPORTAMENTOS DE RISCO
Ana Luísa Leite, Miguel Costa, Lúcia
Gomes
S. Pediatria, CHEDVouga, UOAzeméis
Introdução: A obesidade infantil
tem aumentado significativamente nas
últimas décadas. O objectivo deste estudo foi avaliar a prevalência de obesidade numa população escolar e identificar
comportamentos de risco associados.
Material e Métodos: Estudo transversal (inquérito e avaliação biométrica)
de crianças/adolescentes do 1º, 2º e 3º
ciclos (idades de 6-16 anos) de um agrupamento escolar. Analisaram-se variáveis individuais (aleitamento no 1º ano
de vida, peso à nascença, idade gestacional, ciclo escolar) e comportamentais
(retenção, desporto escolar/extra-escolar, actividade física, transporte escolar,
tempo TV/computador, nº e local das refeições diárias). Análise estatística com
SPSS® 17.0.
Resultados: Dos 533 alunos, 17%
tinham excesso ponderal (EP) e 13%
obesidade (O). No 1º ciclo encontrouse maior prevalência de sobrepeso
(EP=20%; O=21%; p<0,001). O sexo
masculino apresentou EP/O com maior
frequência (51%) em todos os ciclos
(p=0,568). Só existiram diferenças significativas no aleitamento no 1º ano de
vida, sendo o aleitamento materno exclusivo mais frequente no grupo 3º ciclo
(73%; p=0,041). A prática de exercício
escolar foi maior no 2º e 3º ciclos. O
exercício extra-escolar e actividade física
foram mais frequentes no 2º ciclo (42%,
p=0,003; 77%, p=0,014). O transporte
escolar foi preferencialmente o automóvel (1º ciclo=75%; p=0,001). Os alunos
do 1º ciclo foram os que passaram mais
horas/dia no computador/TV (p=0,001).
Constatou-se no 3º ciclo um maior nº de
refeições diárias (23%; p=0,006). A maioria dos alunos tomavam pequeno-almoço
em casa (89%; p=0,089). O 1º ciclo almoçava mais frequentemente na cantina
escolar (49%; p<0,001).
Conclusão: Neste estudo encontramos uma prevalência elevada de
EP/O, principalmente no 1º ciclo. Alguns
comportamentos, nomeadamente sedentarismo, podem justificar parcialmente
estes resultados. São necessários mais
estudos com abordagem da informação
alimentar. A escola é um local privilegiado
para educar crianças/adolescentes relativamente a modelos de vida saudável.
Esta intervenção deve ser complementada pela família, comunidade e cuidados
de saúde primários.
PREVALÊNCIA DE OBESIDADE
EM CRIANÇAS DE 7-8 ANOS NAS
ESCOLAS DE CAMPANHÃ (PORTO)
Clara Alves Pereira, Sónia Oliveira,
Maria João Sampaio, Ruben Rocha,
Karina Alves, Susana Sinde
CSCampanhã, Porto
A obesidade infantil é, na actualidade, uma epidemia. Em Portugal, os grandes estudos de prevalência são escassos,
no entanto, os existentes colocam-nos
nos lugares cimeiros da Europa, com prevalências crescentes. A pré-obesidade e
obesidade associam-se a comorbilidades
importantes, com implicações futuras, se
não corrigidas. É portanto, essencial fazer um diagnóstico correcto da situação,
em cada comunidade, de forma a permitir
uma intervenção adequada e eficaz.
resumo das comunicações orais
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 221
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Objectivo: Conhecer a prevalência
de obesidade e pré-obesidade numa população escolar de crianças com 7 ou 8
anos.
Material e Métodos: Foram definidos como participantes elegíveis as crianças nascidas em 2001, a frequentarem
o 2º ano de escolaridade, nas escolas
públicas da freguesia de Campanhã, no
ano lectivo de 2008-2009. Procedeu-se à
avaliação, de forma transversal, do peso
e estatura dessas crianças, em ambiente escolar. Posteriormente foi calculado,
para cada uma, o índice de massa corporal e obtido o respectivo percentil, de
acordo com as tabelas de referência do
Centers for Disease Control and Prevention (CDC, 2000). Esta classificação internacional permite a categorização em:
baixo peso, peso normal, pré-obesidade
e obesidade. Este trabalho insere-se no
projecto “Um Mundo Melhor”.
Resultados: De um total de 396
crianças elegíveis participaram no estudo
343 (86,6% da população alvo), 47,8% do
sexo feminino e 52,2% do sexo masculino. Em 2 casos (0,6%), ambos do sexo
masculino, constatou-se baixo peso. Dos
restantes, 58,3% tinham peso normal e
41,1% apresentavam pré-obesidade ou
obesidade. A prevalência de pré-obesidade foi de 19,2 % no total, de 18,3%
nas raparigas e de 20,1% nos rapazes.
Relativamente à obesidade a prevalência
encontrada foi de 21,9% sendo a distribuição por sexo de 18,3 e 25,1 casos por
cada 100 crianças do sexo feminino e
masculino, respectivamente. As diferenças entre sexos não revelaram significado estatístico.
Conclusões: A obesidade infantil
tornou-se uma das principais ameaças
à saúde infantil. Os valores de pré-obesidade encontrados neste estudo são
semelhantes aos relatados no estudo
nacional de Padez, de 2004 (19,2 vs
20,3%), que incluiu crianças de 7-9 anos.
No entanto, a prevalência de obesidade
encontrada no nosso estudo é bastante
superior (21,9 vs 11,3%), sendo mesmo
superior à prevalência de pré-obesidade.
Apesar das limitações do nosso estudo
é possível afirmar que, passados 5 anos
de um diagnóstico alarmante, existem
populações de crianças portuguesas
em situação mais grave. É urgente o
diagnóstico apurado da situação, com a
avaliação dos vários factores implicados,
bem como é essencial uma intervenção
ajustada, a cada comunidade, sobre o(s)
problema(s). Ressalva-se que alguns
dos autores participam já na implementação do programa “PASSE – Programa
alimentação saudável em saúde escolar”
nestas escolas, visando promover comportamentos alimentares saudáveis.
HÁBITOS DE SONO EM ESTUDANTES
DO ENSINO SECUNDÁRIO
Lígia Peralta, Daniela Neves, Antonieta Barbosa
S. Pediatria, HIDPedro, Aveiro;
USFAnta, CSEspinho
Introdução: As alterações qualitativas e quantitativas do sono e a sonolência associam-se a baixo rendimento
escolar, problemas comportamentais,
perturbações do humor e diminuição das
funções cognitivas. Alguns hábitos podem influenciar o sono, nomeadamente o
consumo de café, álcool e drogas ilícitas
e a prática de exercício físico.
Objectivos: Caracterizar os hábitos
de sono (HS) dos estudantes do ensino
secundário e o seu impacto no rendimento escolar e qualidade de vida. Avaliar a
prática desportiva e o consumo de café,
álcool e drogas nesta população.
Material e Métodos: Estudo observacional descritivo utilizando uma amostra de conveniência de estudantes do
10º e 11º ano de uma escola secundária.
Aplicação de um questionário confidencial de auto-preenchimento. Análise de
variáveis demográficas, situação e rendimento escolar, número de horas de sono
(dias de aulas [DA] vs fim-de-semana
[FS]), presença de sintomatologia diurna,
prática de exercício físico, consumo de
café, álcool e drogas ilícitas, e da importância da abordagem da higiene do sono
com o Médico de Família (MF). Registo e
análise de dados recorrendo ao software
SPSS® v17.0.
Resultados: Obtiveram-se 298 inquéritos, com uma média de idades de
16,4 anos (15 a 19). 51,0% dos inquiridos eram do sexo masculino. Quando
resumo das comunicações orais
S 222
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
comparados os DS com FS ressalta: a)
hora de dormir, 23h vs 1h; b) número
de horas de sono, 7h48min vs 9h12min.
24,1% dorme durante o dia, sendo mais
frequente fazê-lo apenas ao FS. A maioria demora 5 a 15 min para adormecer.
57,4% refere que o número de horas que
dorme é insuficiente; 39,9% que os HS
interferem negativamente na sua vida; e
80,5% nunca abordou esta temática com
o MF. Após acordar, a maioria nega cefaleias, raramente apresenta irritabilidade e poucas vezes sonolência diurna ou
cansaço. 38,3% tem por hábito consumir
café, 28,2% álcool e 6% drogas ilícitas.
Conclusões: Existem padrões de
sono distintos entre os DA e o FS. É pertinente avaliar a associação entre HS e
hábitos de consumo. É importante esclarecer a elevada percentagem de estudantes que afirma nunca ter abordado a
temática do sono com o MF e aumentar
a motivação destes para esta problemática. A abordagem da caracterização dos
HS de modo sistemático e o incentivo à
sua correcção é de grande importância
nos cuidados de saúde primários.
TRANSLOCAÇÕES CROMOSSÓMICAS:
A IMPORTÂNCIA DA INVESTIGAÇÃO
FAMILIAR
Márcia Martins, Alexandra Almeida,
Sílvia Álvares, Natalia Teles
S. Neonatologia e Cardiologia Pediátrica,
CHPorto; CGMJMagalhães, INSA
Introdução: As translocações cromossómicas desequilibradas constituem
cerca de 3% das anomalias cromossómicas detectadas em recém-nascidos. Têm
um largo espectro fenotípico, dependente dos cromossomas envolvidos, incluindo atraso de crescimento pré e pós-natal,
atraso de desenvolvimento psicomotor,
anomalias congénitas, abortamentos de
repetição.
Apresentação do caso: Lactente
do sexo feminino, referenciada à consulta de Genética aos 7 meses de idade por
quadro de hipotonia, dismorfia facial, macrocefalia relativa, défice auditivo e cardiopatia congénita (CIA e PCA).
O cariótipo com bandas GTG de
alta resolução revelou a presença de
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
material extra no cromossoma 10. O estudo dos pais confirmou tratar-se de derivativo de uma translocação equilibrada
(10;16) materna: 46,XX,der(10)t(10;16)
(p13;q22)mat. Assim, a criança tem uma
monossomia parcial do braço curto do
cromossoma 10 (região 10p13→10pter)
e uma trissomia parcial da porção distal do braço longo do cromossoma 16
(16q22→16qter).
Após o diagnóstico, foi solicitado informação dos familiares em risco. Verificou-se então que já havia sido detectada
a translocação em outra familiar no decurso de investigação de feto malformado, cuja gestação terminou em IMG.
Discussão: O cariótipo continua a
ser uma técnica de primeira linha na investigação de um recém-nascido/criança
com atraso desenvolvimento psicomotor/
anomalias. O diagnóstico de um desequilíbrio cromossómico consequente a
uma translocação equilibrada familiar,
implica informação e estudo de todos os
familiares em risco, de modo a ser possível oferecer aconselhamento genético
adequado e oportunidade de diagnóstico
pré-natal específico.
Palavras-chave: translocação desequilibrada, cromossomas 10 e 16, risco
familiar, aconselhamento genético
SÍNDROME DE KAWASAKI, DOENÇA
INFECCIOSA?
Cordeiro M, Brito H, Rios M, Carvalho S,
Fonseca P.
CHMAve, UFamalicão
A Síndrome de Kawasaki foi descrita pela primeira vez no Japão, em 1967.
Caracteriza-se por uma vasculite, com
possível atingimento de todos os vasos
sanguíneos, com predilecção pelas artérias coronárias. Embora as características
epidemiológicas e clínicas apontem para
uma causa infecciosa, a etiologia é desconhecida, podendo haver uma predisposição genética para esta doença. Vários
autores têm referido bactérias produtoras
de superantigénios como possíveis causas, nomedamente Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes, embora
outros agentes possam estar envolvidos.
É uma entidade autolimitada, podendo
em cerca de 20% dos casos haver alterações das artérias coronárias, incluindo
aneurismas.
Caso Clínico: Criança do sexo feminino, com 13 meses de idade, trazida
ao SU por febre elevada com 2 dias de
evolução e exantema macular disperso,
não pruriginoso, que desaparecia à digitopressão; apresentava bom estado geral,
sem outras alterações ao exame objectivo. Analiticamente, de referir, leucocitose
com neutrofilia, PCR 7,66mg/dL, aumento das transaminases hepáticas. Em D2
de internamento, foi feita punção lombar,
que revelou pleocitose, iniciou ceftriaxone. Em D5 de internamento foi colocada
a hipótese de Síndrome de Kawasaki por
ter surgido edema das extremidades,
hiperemia conjuntival não exsudativa,
rubor orofaríngeo, com posterior descamação dos dedos das mãos e dos pés.
Apresentava trombocitose, aumento da
VS, hipoalbuminemia. Fez Ig dose única
e iniciou aspirina, tendo ficado apirética
em 48h. O ecocardiograma não apresentava alterações. Na hemocultura colhida
na admissão foi isolado Streptococcus
milleri (sensível ao antibiótico já instituído). Registou-se boa evolução clínica.
Discussão: Os autores apresentam
este caso por ter sido isolada a bactéria
Streptococcus milleri na hemocultura de
uma criança que preenche os critérios de
Síndrome de Kawasaki. O Streptococcus
milleri é uma bactéria comensal da cavidade oral e pode originar desde amigdalites até quadros de bacteriemia, endocardite e abcessos hepáticos, cerebrais ou
pulmonares. Não está descrito que este
Streptococcus produza superantigénios,
e não encontrámos relatado outro caso
de bacteriemia por este agente associado a Síndrome de Kawasaki.
MIOCARDITE A PARVOVÍRUS B19: 2
CASOS CLÍNICOS
Marta Mendonça, Diana Gonzaga,
Edite Gonçalves, Patrícia Costa, Jorge
Moreira, José Carlos Areias
S. Pediatria, HDESanto, Ponta Delgada;
S. Pediatria, CHPorto, HSAntónio;
S. Cardiologia Pediátrica, HSJoão
Introdução: A miocardite é uma doença inflamatória do miocárdio, rara e potencialmente fatal, responsável por cerca
de 50% das cardiomiopatias dilatadas na
idade pediátrica. Pode ter diversas etiologias, sendo a infecciosa a mais frequente. Os autores apresentam dois casos
clínicos de miocardite em que o agente
etiológico foi o Parvovírus B19.
Caso 1: Criança do sexo feminino,
16 meses de idade, com antecedentes
familiares de prima materna falecida
aos 18 meses de idade em contexto de
miocardiopatia dilatada (pós-miocardite
aguda a parvovírus B19). No dia anterior
à admissão iniciou quadro de recusa alimentar, gemido e dificuldade respiratória.
Referência a infecção respiratória 15 dias
antes do internamento. Ao exame objectivo salientava-se razoável estado geral,
polipneia, taquicardia, auscultação cardíaca e pulmonar sem alterações, fígado
palpável 3 cm abaixo do rebordo costal
na linha médio clavicular direita. O ecocardiograma à admissão revelou dilatação ventricular, com disfunção severa do
ventrículo esquerdo (VE) com FE 31% e
insuficiência mitral (IM) moderada. Foi iniciada terapêutica anticongestiva e AAS. A
investigação etiológica revelou uma PCR
positiva para parvovírus B19 no sangue.
A evolução clínica foi favorável, mantendo-se sem necessidade de suporte inotrópico. Teve alta em D10, mantendo a
terapêutica instituída. Actualmente, aos
22 meses, encontra-se assintomática,
mantendo dilatação do VE e medicação
com carvedilol, furosemida, captopril, espironolactona, digoxina e AAS.
Caso 2: Criança de 3 anos e 10 meses de idade, sexo masculino, sem antecedentes pessoais ou familiares relevantes, trazida ao SU por noção de dificuldade
respiratória, sem outras queixas associadas. Referência a astenia e mialgias nas 2
semanas prévias. Na admissão apresen-
resumo das comunicações orais
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 223
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
tava polipneia e tiragem intercostal, sem
outras alterações. Realizou radiografia do
tórax que revelou ICT de 0,55; sem alterações pleuroparenquimatosas agudas.
Colocada a hipótese diagnóstica de miocardite, tendo realizado ecocardiograma,
que demonstrou dilatação das cavidades
esquerdas, diminuição da contractilidade
do VE (FE 58%), IM moderada e pequeno
derrame pericárdio. O electrocardiograma
apresentava baixa voltagem e alterações
inespecíficas da repolarização ventricular.
Na investigação etiológica a pesquisa de
Parvovírus B19 foi positiva por biologia
molecular. Iniciada medicação com furosemida, espironolactona, captopril e, posteriormente, com carvedilol, apresentando
boa evolução clínica. Actualmente tem 4
anos de idade, encontra-se assintomático
e foi verificada melhoria dos parâmetros
ecocardiográficos.
Conclusão: O espectro clínico da
miocardite é variável, exigindo uma elevada suspeição clínica, de modo a permitir o diagnóstico e tratamento precoces.
Os autores pretendem salientar o facto
do parvovírus B19, apesar de ser um vírus ubiquitário habitualmente associado a
doenças auto-limitadas, ser também um
vírus cardiotrópico com prevalência crescente na etiologia da miocardite aguda.
DOENÇAS METABÓLICAS E
VÓMITOS CÍCLICOS
Vasco Lavrador, Alzira Sarmento,
Ermelinda Silva, Esmeralda Martins
S. Pediatria, CHPorto, UHMPia
Objectivos: As doenças metabólicas são muitas vezes desvalorizadas no
diagnóstico diferencial da criança com
vómitos cíclicos. Pretendemos destacar
que, embora etiologicamente representem apenas uma pequena percentagem,
a identificação de dados relevantes da
história clínica e a realização dos exames
complementares adequados podem contribuir para a detecção precoce de patologias potencialmente tratáveis.
Material e Métodos: Revisão dos
doentes em seguimento na consulta externa de Doenças Metabólicas com diagnóstico estabelecido e apresentação sob
a forma de episódios de vómitos cíclicos.
As principais variáveis analisadas
foram a idade de apresentação, o tempo
entre a apresentação e o diagnóstico, a
presença de factores desencadeantes,
os sinais ou sintomas associados e as
patologias diagnosticadas.
Resultados: Foram identificados 7
doentes, 5 do sexo feminino, com idades
entre os 6 e os 20 anos. A idade média
de apresentação da doença foi 1 ano e
5 meses com mediana de 2 anos tendo
decorrido em média 27 meses entre a
apresentação e o diagnóstico com mediana de 9 meses e meio. Na abordagem
inicial verificou-se que durante os episódios 4 doentes apresentavam elevação
das transamínases hepáticas e 3 hipoglicemia. Ao exame objectivo 5 apresentavam letargia/sonolência, 2 hipotonia e 1
hepatomegalia. Em 6 dos 7 casos foram
identificados factores desencadeantes
para os episódios de vómitos, sendo as
alterações dos hábitos alimentares os
mais identificados (5 casos). As patologias
identificadas neste grupo foram défice de
OTC (3 casos), deficiência de desidrogenase de acil-CoA de cadeia média (1),
acidúria metilmalónica (1), fructosemia
(1), acidúria glutárica tipo II (1).
Conclusão: Um padrão cíclico de
vómitos é um sintoma complexo que pode
ser consequência de distúrbios de vários
órgãos ou sistemas. Quando identificado
deve levar a uma abordagem sistematizada que permita a exclusão de doenças
metabólicas, particularmente nos casos
em que a história seja compatível com
essa etiologia.
MCAD DIAGNÓSTICO PRÉ E PÓS
SINTOMÁTICO
Patrícia Nascimento, Anabela Bandeira,
Laura Vilarinho, Esmeralda Martins
U. Metabolismo, CHPorto, UHMPia;
IGMJMagalhães, INSA
Introdução: O défice de acil-CoA
desidrogenase de cadeia média (MCAD,
MIM # 201450) é a doença mais comum
da β-oxidação mitocondrial dos ácidos
gordos, com uma incidência estimada
de 1:15 000 nascimentos. Esta enzima
catalisa a utilização dos ácidos gordos
como fonte de energia durante períodos
resumo das comunicações orais
S 224
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
de jejum prolongado ou stress, resultando o seu défice em hipoglicemias graves, por vezes fatais. A octanoilcarnitina
(C8) é um marcador do défice de MCAD
que pode ser detectado na espectrometria de massa em tandem, fazendo
desde 2005 parte do painel de doenças
incluídas no rastreio neonatal precoce
no nosso país.
Objectivo: Avaliar o contributo de
um diagnóstico pré-sintomático na evolução desta doença.
Material e métodos: Análise clínica
e bioquímica retrospectiva dos doentes
com MCAD. Registou-se idade de diagnóstico e de início de tratamento, primeiros sintomas, clínica à data de diagnóstico descompensações e evolução.
Resultados: Foram identificados
e incluídos 5 doentes com MCAD, dois
tiveram apresentação sintomática e três
foram diagnosticados no rastreio.
Nos casos sintomáticos a clínica
manifestou-se entre os 7 e os 15 meses de idade com sonolência, letargia,
alterações hepáticas e hipoglicemia. Um
morreu neste primeiro episódio e o outro
que foi diagnosticado aos dois anos, no
segundo episódio de descompensação
apresentando um crescimento e desenvolvimento cognitivo normal. As três
crianças diagnosticadas no rastreio têm
actualmente entre 1 a 3 anos de idade
com desenvolvimento e crescimento
normais.
Comentários: Dados da literatura
referem que a mortalidade no primeiro
episódio do diagnóstico sintomático era
de cerca 30%, e que nos casos tratados
precocemente a morbilidade e mortalidade reduziram cerca de 90%. Nos nossos
doentes sintomáticos a mortalidade foi
de 50%, nos rastreados não houve episódios de descompensação graves e a
mortalidade é nula o que está de acordo
com o descrito.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Resumo dos Posters
IMPACTO DA ASMA NOS NÍVEIS DE
ANSIEDADE DE UMA POPULAÇÃO
PEDIÁTRICA – IMPORTÂNCIA DO
CONTROLO SINTOMÁTICO
Ana Luísa Leite, Joana Monteiro,
Catarina Dias, Ana Luísa Pinto, Lúcia
Gomes, Miguel Costa, Arménia Oliveira,
Ana Maria Ribeiro
S. Pediatria e S. Psicologia Clínica,
CHEDVouga, UOAzeméis
Introdução: Os distúrbios de ansiedade são um dos problemas psiquiátricos mais frequentes em idade pediátrica, podendo atingir uma em cada 10
crianças/adolescentes. A sua associação
é frequente com patologias crónicas. Na
idade pediátrica a patologia alérgica tem
uma prevalência muito elevada e com
tendência à cronicidade, influenciando
indubitavelmente a qualidade de vida
destes jovens.
Objectivo: Avaliação da presença
de distúrbios de ansiedade numa população de crianças/adolescentes com patologia alérgica respiratória seguidos em
consulta hospitalar.
Material e Métodos: Estudo de um
grupo de doentes asmáticos seguidos
na consulta de Alergologia Pediátrica
entre Maio e Setembro de 2009, com
idades entre 8 e 16 anos, aos quais foi
aplicado o inquérito STAIC (State-Trait
Anxiety Inventory for Children). Consideraram-se níveis de ansiedade-traço
elevados acima do percentil 50. O programa SPSS® versão 17.0 foi utilizado
na análise estatística.
Resultados: Foram avaliados 95
doentes, com mediana de idades de 13
anos, sendo a maioria do sexo masculino
(67%). A mediana para o ano escolar foi
o 8º ano e a taxa de reprovação escolar prévia foi de 21%. Cerca de 2/3 dos
doentes tinham asma e rinoconjuntivite
associada. Resultados do STAIC/ansiedade-traço acima do percentil 50 foram
verificados em 38% dos doentes (percentil médio=42,51±25,31). Foram encontradas diferenças estatisticamente significativas para a idade (p=0,044) e o grau
da patologia (p=0,027), comprovando-se
maior ansiedade em doentes mais novos
e com clínica persistente. Constatou-se
que o tipo de manifestação alérgica e
de medicação utilizada não influenciou
a ocorrência de ansiedade (p=0,421 e
p=0,608, respectivamente).
Comentários: Na amostra estudada a prevalência de ansiedade é superior
à descrita para a população pediátrica
geral, o que revela o impacto da patologia
alérgica respiratória na vida da criança/
adolescente doente, especialmente significativa quanto mais jovem o doente e
quando não completamente controlada a
clínica. Os autores alertam para a importância do reconhecimento e orientação
precoce destes distúrbios, que em última
instância podem conduzir a situações de
perturbação do desenvolvimento psicológico e disfunção social.
PIELONEFRITE AGUDA: O VALOR DA
IMAGIOLOGIA NA FASE AGUDA E NO
SEGUIMENTO
Ana Cristina Barros , Eliana Oliveira,
Paula Noites, Helena Sá Couto,
Cláudia Gonçalves , Ana Paula Aguiar,
Maria Eduarda Cruz
Dep. Pediatria, HPHispano, USLMatosinhos
Introdução: A infecção urinária (IU)
é uma patologia frequente na criança. O
risco de a desenvolver é maior quando
há malformações nefro-urológicas e pode
conduzir à formação de cicatrizes renais
que se associam a hipertensão arterial e
insuficiência renal terminal.
Objectivos: Avaliar o papel da
ecografia renopélvica, realizada na fase
aguda da pielonefrite, na detecção de
alterações nefro-urológicas. Avaliar a
relação dos achados da ecografia com
os da cisto-uretrografia miccional seriada (CUMS) e da cintigrafia com tecnésio
99m ligado ao ácido dimercapto-succínico (DMSA). Determinar a prevalência
de refluxo vesico-ureteral (RVU) e de cicatriz renal numa população de crianças
após o primeiro episódio de pielonefrite
aguda (PNA).
Material e métodos: Estudo retrospectivo, através da consulta do processo
clínico de crianças com diagnóstico de
alta de PNA, admitidas entre 1 de Janeiro
de 2004 e 31 de Dezembro de 2008, no
Departamento de Pediatria do Hospital
Pedro Hispano. Foram avaliados dados
sociodemográficos e imagiológicos, incluindo ecografia renopélvica, CUMS e
DMSA. Para a análise estatística recorreu-se ao programa SPSS®16.0, usando
o teste de Quiquadrado ou teste de Fisher (nível de significância < 0,05).
Resultados: Foram analisados 345
casos, dos quais 78,8% (272/345) corresponderam ao primeiro episódio de PNA.
Destes, 93,8%% (255/272) não tinham
malformações nefro-urológicas conhecidas na altura do diagnóstico de PNA e não
faziam profilaxia antibiótica. A mediana de
idade foi de 6 meses (mínimo 8 dias, máximo 13 anos), com média de 15,2 meses
(85,5% com menos de 24 meses e 4,3%
no período neonatal). Sessenta e seis por
cento (168/255) pertenciam a crianças
do sexo feminino. A ecografia renopélvica, realizada durante o internamento,
revelou alterações em 22,4% (57/255),
sendo a anomalia mais frequente a dila-
resumo dos posters
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 225
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
tação pielocalicial (DPC) 82,4%, seguida
das alterações parenquimatosas (10%).
A CUMS mostrou RVU em cerca de 25%
das crianças que a realizaram (44/177).
Não se verificou correlação entre as alterações ecográficas (DPC) e a presença
de RVU. O DMSA efectuado em ambulatório evidenciou cicatrizes renais em
13,6% dos casos (25/184). As alterações
no DMSA não se relacionaram significativamente com os resultados ecográficos
nem cistográficos.
Conclusão: As alterações nefrourológicas detectadas alertam para a
importância do estudo imagiológico completo e sistematizado após o primeiro
episódio de PNA. A ecografia revelou
alterações em 22,4% e a anomalia mais
frequente foi a dilatação pielocalicial. Nesta amostra a prevalência de RVU foi de
25% e de cicatrizes renais foi de 13,6%.
Discute-se a necessidade de realização
da ecografia renopélvica em regime de
internamento, face a uma evolução favorável, uma vez que é pouco informativa
sobre o diagnóstico de PNA. Conclui-se
ainda que os achados ecográficos não se
correlacionam com a CUMS nem DMSA.
Palavras-chave: infecção urinária,
ecografia renopélvica, CUMS, DMSA
REFLUXO VESICO-URETERAL: QUE
EVOLUÇÃO?
Ana Cristina Barros, Eliana Oliveira,
Ricardo Soares, Tiago Correira,
Filipa Espada, Paula Noites,
Maria Eduarda Cruz
Dep. Pediatria e S. Urologia, HPHispano,
ULSMatosinhos
Introdução: O refluxo vesico-ureteral (RVU) é a anomalia urológica mais
prevalente em idade pediátrica. Predispõe ao desenvolvimento de pielonefrite
quando há infecções urinárias, o que por
sua vez pode estar associado a cicatrizes
renais, hipertensão e insuficiência renal.
Objectivo: Caracterizar os casos
de RVU encontrados durante o estudo
realizado após o primeiro episódio de pielonefrite aguda (PNA). Avaliar a evolução
e necessidade de intervenção.
Material e métodos: Foram analisados os processos clínicos das crian-
ças internadas por primeiro episódio de
pielonefrite aguda no Departamento de
Pediatria do Hospital Pedro Hispano no
período compreendido entre 1 Janeiro de
2004 e 31 de Dezembro de 2008. Os dados analisados diziam respeito ao sexo,
idade, achados na cisto-uretrografia miccional seriada (CUMS) e evolução do
RVU. Usou-se o programa SPSS®16.0
(teste de Qui-quadrado ou teste de Fisher; nível de significância < 0,05) para a
análise estatística.
Resultados: Recolheram-se dados
de 177 processos de crianças em que a
CUMS fez parte do estudo após a primeira PNA (92,7% da amostra com idade inferior a 2 anos). Foi encontrado RVU em
24,8% (44/177) da amostra. A mediana
de idade foi de 5,5 meses (mínimo 8 dias,
máximo 3 anos) e a média de 9,8 meses.
Houve um predomínio do sexo feminino
(68%), no entanto, não foi encontrada relação entre o sexo e a presença de RVU.
O RVU foi bilateral em 56,8% dos casos
(25/44), havendo 69 unidades ureterais
refluxivas (UUR) na amostra. Do total de
UUR, 29 (42%) correspondiam a RVU
ligeiro (I-II), 21 (30,4%) a RVU moderado (III) e 19 (27,5%) a RVU grave (IV-V).
Cerca de 41 crianças (correspondendo a
66 UUR) realizaram DMSA que revelou
hipoperfusão renal ou cicatrizes em 7,4%
das UUR do grupo com RVU ligeiro,
13,6% das do grupo com RVU moderado
e 29,4% das do grupo com RVU grave.
Houve uma relação significativa entre o
grau de RVU e a recorrência de IU: 17%
no grupo de RVU ligeiro, 31% no RVU
moderado e 64% no RVU grave. A taxa
de resolução espontânea do RVU foi de
32% (14/44), verificando-se em 11 casos no grupo ligeiro (78,6%), 2 no grupo
moderado (14,3%) e 1 no grupo grave
(7,1%) – diferenças estatisticamente significativas. Esta evolução ocorreu antes
dos dois anos e meio de idade em todas
as crianças. O tratamento cirúrgico realizou-se em 16% (1 caso de RVU ligeiro e
3 casos de RVU moderado e grave, respectivamente).
Conclusão: Na maioria dos casos o
RVU é ligeiro (grau I-II) e a taxa de resolução espontânea é significativamente superior neste grupo, ocorrendo geralmente
antes dos dois anos e meio de idade. Os
resumo dos posters
S 226
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
resultados deste trabalho favorecem uma
abordagem conservadora, reservando-se
a cirurgia para os casos de RVU associados a lesão renal, infecções urinárias
recorrentes com atingimento renal ou outras anomalias estruturais.
Palavras-chave: refluxo vesico-ureteral; cisto-uretrografia miccional seriada
ENURESE RISÓRIA
– 2 CASOS CLÍNICOS
Brígida Amaral, Natacha Fontes,
Ana Castro, Célia Madalena
CHPorto, UHMPia; HPHispano, USLMatosinhos;
CHPVarzim/VConde
Introdução: A enurese risória (ER)
ou incontinênca do riso é um distúrbio
raro, caracterizado por uma súbita, involuntária e incontrolável perda de urina
induzida pelo riso. É mais frequente no
sexo feminino e caracteriza-se por perda
de volumes variáveis de urina. As crianças com ER têm uma função vesical normal fora do riso. A sua etiologia ainda não
está completamente esclarecida, não havendo consenso relativamente à terapêutica mais eficaz.
Caso 1: Criança do sexo feminino,
13 anos de idade, com antecedentes de
infecção urinária aos 10 meses de idade
e estudo imagiológico normal. Referenciada à consulta por incontinência urinária desencadeada pelo riso com cerca de
um ano de evolução. O estudo realizado
foi normal. Medicada inicialmente com
oxibutinina sem melhoria com resposta
favorável após associação de cloridrato
de imipramina.
Caso 2: Criança do sexo feminino,
10 anos de idade, antecedentes pessoais
irrelevantes. Referenciada à consulta por
incontinência urinária associada ao riso,
sem outros sintomas acompanhantes. O
estudo efectuado foi normal. Medicada
com oxibutinina com boa resposta.
A ER, e suas implicações sociais,
pode ser causa de stress emocional significativo, pelo que é importante o seu
tratamento atempado de forma a diminuir
o impacto negativo na auto-estima da
criança.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
ASMA BRÔNQUICA - ADESÃO AO
TRATAMENTO E CONTROLO DA
DOENÇA
Leonor Cunha, Rui Silva, Daniel
Machado, Eva Gomes, Helena Falcão
S. Imunoalergologia, CHPorto, UHMPia
Introdução: O objectivo do tratamento da asma é o controlo total dos sintomas. A má adesão é uma das principais
causas de controlo inadequado desta
patologia.
Apresentam-se dois casos clínicos
de doentes com asma persistente moderada e rinite seguidos na Consulta de
Imunoalergologia da Unidade Hospital
Maria Pia:
Caso 1: MLAC, sexo feminino, 15
anos, referenciada para a consulta por
episódios frequentes de dispneia, pieira,
tosse de predomínio nocturno, rinorreia,
obstrução e prurido nasal desde os 7
anos. Apresenta antecedentes familiares de asma (pai e mãe). Efectuou testes cutâneos para inalantes comuns, que
foram positivos para ácaros domésticos.
Valores de IgE (kU/L): Total=344; Der
p=86.4; Der f=61.6; Gramíneas<0.35.
Foram instituídas medidas de evicção. Actualmente medicada com associação fixa β2 de longa acção+corticóide
inalatório, antagonista dos leucotrienos e
corticóide nasal, com boa adesão à terapêutica. Espirometria com FEV1=3.13 L
(119% do previsto), FVC=3.50 L (113%),
PEF=7.27 L/s (112%), FEF25-75%=3.49
L/s (105%). Apresenta bom controlo da
asma, sem agudizações no último ano.
Caso 2: FMS, sexo masculino, 17
anos, referenciado para a consulta por
episódios frequentes de dispneia, pieira, tosse, obstrução nasal e rinorreia
desde os 3 anos. Apresenta antecedentes familiares de asma (mãe). Efectuou
testes cutâneos para inalantes comuns,
que foram positivos para ácaros domésticos e pólen de gramíneas. Valores de
IgE (kU/L): Total=360; Der p=84.2; Der
f=39.8; Gramíneas=19.0.
Foram instituídas medidas de evicção. Actualmente medicado com associação fixa β2 de longa acção+corticóide
inalatório, antagonista dos leucotrienos
e corticóide nasal, com adesão à terapêutica muito irregular, com suspensão
frequente da mesma por auto-iniciativa.
Iniciou consumo de tabaco há cerca de
6 meses. Espirometria com FEV1=3.79
L (92% do previsto), FVC=4.33 L (89%),
PEF=6.97 (73%) e FEF25-75%= 3.85 L/s
(78%). Apresenta mau controlo da sua
asma, com sintomas de pieira e tosse
seca, sibilos na auscultação pulmonar e
agudizações frequentes com necessidade de medicação de alívio e cursos de
corticóide oral.
Comentários: Estes 2 casos, relativos a doentes com patologia de base
e faixa etária semelhante, ilustram a importância das medidas de evicção e da
adesão ao tratamento para o controlo da
asma. A falta de adesão é uma das principais causas de controlo inadequado, o
qual tem um impacto significativo na qualidade de vida do doente. Este problema
é particularmente frequente nos adolescentes, sendo necessário um esforço
adicional para motivar o cumprimento do
tratamento.
DIFERENTES PADRÕES CLÍNICOS DE
ALERGIA ALIMENTAR
Leonor Cunha, Daniel Machado, Rui
Silva, Eva Gomes, Helena Falcão
S. Imunoalergologia, CHPorto, UHMPia
Introdução: A alergia alimentar (AA)
é a principal causa de anafilaxia tratada
em urgência hospitalar nos países ocidentais. A sua identificação, tratamento e
correcta orientação são essenciais para
uma evolução favorável.
Objectivos: Apresentam-se 2 casos clínicos com clínica grave de AA a
cereais e frutos secos, mas com evoluções diferentes, seguidos na Consulta
de Alergia Alimentar da Unidade Hospital
Maria Pia - CHP.
Caso clínico 1: Adolescente, sexo
feminino, 16 anos, antecedentes de
asma persistente moderada e rinite persistente moderada a grave, alérgico aos
ácaros, desde o primeiro ano de vida.
Desde os 2 anos de idade com reacções do tipo imediato após a ingestão
de glúten, trigo, centeio e aveia, com
broncospasmo, associado a angioedema facial. Vários episódios graves na
sequência de ingestão acidental destes
cereais, mesmo ocultos. Ingere milho,
arroz, amendoim, avelã e amêndoa sem
reacções alérgicas.
Os testes cutâneos e IgE específica sérica comprovaram a sensibilização
a gliadina, trigo, centeio, aveia, milho,
arroz, amendoim, avelã e amêndoa. Foi
prescrito dispositivo de auto-administração de adrenalina IM, fazendo evicção
dos alimentos implicados nas reacções.
Caso clínico 2: Menino, 7 anos,
antecedentes de asma persistente moderada e rinite persistente moderada a
grave, alérgico às gramíneas. Desde os
3 anos de idade com reacções imediatas
de urticária e asma, após a ingestão de
pequenas quantidades de amendoim,
com necessidade de recorrer ao SU
para tratamento destes episódios. Desde então e de forma progressiva, tem
apresentado agravamento clínico, com
quadros de anafilaxia com a ingestão
de mínimas quantidades de frutos secos
e vários cereais, com boa tolerância à
aveia. O estudo alergológico comprovou
sensibilização a gramíneas e aos alimentos implicados nas reacções. Manteve evicção destes alimentos, ingerindo
dieta com aveia, batata e soja com boa
tolerabilidade. Aos 6 anos de idade, inicia sintomas semelhantes aos descritos
anteriormente também com aveia e soja,
comprovando-se pelo estudo alergológico a sua alergia. Em Junho de 2009
teve uma crise semelhante após a toma
de xarope de hidroxizina. Mantém dieta
com fécula de batata. É portador de dispositivo de auto-administração de adrenalina IM.
Discussão: O diagnóstico precoce da alergia alimentar é determinante
para uma correcta orientação dos doentes. Nalgumas situações, a gravidade
clínica justifica uma atenção redobrada
na procura e identificação de alergénios
ocultos. Estes dois casos de AA apresentam evoluções diversas e obrigam
a atitudes diferentes na sua orientação.
No futuro, o estudo com alergénios moleculares poderá identificar as proteínas implicadas. A dessensibilização a
estes alimentos poderá ser uma opção
terapêutica.
resumo dos posters
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 227
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
PREVENIR E CONTROLAR
INFECÇÕES: DOIS CONCEITOS
IMPORTANTES NUM SERVIÇO DE
PEDIATRIA
Marta Nascimento, Ana Cristina Barros,
Isabel Neves, David Peres, Sandra
Loureiro, Cristina Serrano, Sofia Aroso,
Eduarda Cruz
S. Pediatria, S. Infecciologia e CC Infecção,
HPHispano, USLMatosinhos
Introdução: Na época epidemiológica que atravessamos em que tanto se
fala de prevenção e controlo de infecções,
sobretudo respiratória, torna-se essencial
alertar os profissionais de saúde e a comunidade para esta temática, tanto a nível da prática hospitalar como em ambulatório. Todos os prestadores de cuidados
de saúde devem ter conhecimento sobre
as vias de transmissão de infecções e
técnicas usadas para preveni-las. O objectivo é prevenir e diminuir a ocorrência
de infecção associada aos cuidados de
saúde (IACS) no Serviço de Pediatria do
Hospital Pedro Hispano.
Material e métodos: Consulta dos
Boletins Normativos 757.1, 1268, 1269
do Hospital Pedro Hispano.
Resultados: Foram realizadas acções de formação dirigidas aos prestadores de cuidados de saúde do Serviço de
Pediatria (médicos, enfermeiros, auxiliares de acção médica e outros), adaptadas às tarefas de cada grupo profissional.
As temáticas abordadas foram “Precauções básicas em controlo de infecção”
(higiene das mãos, higiene respiratória e
uso de material de protecção individual)
e “Precauções de isolamento em controlo de infecção” (medidas implementadas
para isolamento, de acordo com a forma
de transmissão da infecção – contacto,
gotícula, partícula – e isolamento de protecção). Foram também criados folhetos
informativos sobre estes temas e disponibilizados aos pais das crianças em regime de internamento (no momento de
admissão hospitalar ou durante o internamento).
Conclusões: É urgente a sensibilização dos profissionais de saúde e
da comunidade em geral (pais, encarregados de educação, entre outros) para
a prevenção e controlo de infecções. A
consciencialização de que estas medidas evitam internamentos prolongados,
co-morbilidade acrescida e custos desnecessários, facilitam a sua implementação. A higiene das mãos e a higiene
respiratória constituíram, sem dúvida, as
medidas de aceitação mais fácil e que,
embora em fase inicial, parecem já mostrar resultados promissores. Espera-se
que estas medidas sejam colocadas em
prática não só a nível hospitalar mas também pela comunidade em geral. Políticas
de acção para prevenção e controlo de
infecção deverão ser escritas, facilmente
disponibilizáveis a profissionais de saúde, pais e doentes, anualmente actualizadas e reforçadas, sobretudo, através
de sessões de formação.
Palavras-chave: prevenção da infecção, controlo da infecção, higiene das
mãos, higiene respiratória, precauções
de isolamento
VÓMITOS BILIARES- UMA URGÊNCIA
MÉDICO-CIRÚRGICA
Diana Gonzaga, Sofia Ferreira, Mariana
Pinto, Ana Vilaça, Ribeiro Castro,
Susana Tavares
S. Pediatria, CHPorto, HSAntónio;
S. Pediatria e Radiologia, CHEDVouga;
S. Cirurgia Pediátrica, CHPorto, UHMPia
Introdução: Os vómitos constituem
uma queixa frequente, contudo inespecífica, sobretudo em idade pediátrica. No
entanto, quando biliares e acompanhados de dor abdominal, podem traduzir
patologia gastrointestinal, nomeadamente síndromes obstrutivos que requerem
tratamento emergente.
Caso clìnico: Adolescente do sexo
masculino, 12 anos e 6 meses, sem antecedentes patológicos de relevo. Trazido ao Serviço de Urgência por dor abdominal intensa localizada no epigastro
e hipocôndrio direito, com cerca de 24h
de evolução, associada a vómitos biliares, persistentes, não hemáticos. Última
dejecção de características normais
no dia da admissão, após estimulação.
Sem febre, diarreia, retorragias, queixas
respiratórias ou genitourinárias associadas. Ao exame objectivo apresentava-se
prostrado, queixoso, com posição antál-
resumo dos posters
S 228
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
gica em semiflexão anterior do tronco e
com sinais de desidratação ligeira. Abdómen distendido, mole e depressível,
doloroso à palpação no epigastro e hipocôndrio direito, sem sinais de defesa
ou irritação peritoneal; Blumberg negativo; sem organomegalias ou massas
palpáveis; ruídos hidroaéreos presentes
de normal intensidade. Do ponto de vista analítico apresentava hemograma,
ionograma, perfil hepático, amílase e
sedimento urinário sem alterações de
relevo.
Realizou radiografia abdominal
simples, verificando-se ausência de ar
na cavidade intestinal, não se visualizando as ansas intestinais; fezes na
ampola rectal; sem níveis hidroaéreos.
Foi colocada a hipótese de suboclusão
intestinal, ficando internado para melhor esclarecimento do quadro. Por persistência das queixas apesar de pausa
alimentar, realizou ecografia abdominal,
que mostrou imagem sugestiva de invaginação intestinal, pelo que foi referenciado para Cirurgia Pediátrica.
Realizada laparotomia exploradora
que revelou a existência de malrotação
intestinal com vólvulo do intestino médio,
sem lesões de necrose intestinal. Boa
evolução clínica, com alta hospitalar ao
4º dia de pós-operatório.
Conclusão: A malrotação intestinal
é uma condição congénita, com apresentação no primeiro mês de vida em
cerca de 60-80% dos casos, podendo
estar associada a complicações graves e potencialmente fatais. Na criança
mais velha a apresentação é rara e os
sintomas podem ser pouco específicos,
sendo os vómitos biliares um importante
sinal clínico. Nestes casos, um elevado
índice de suspeição permite o diagnóstico atempado e, consequentemente, a
redução de complicações potencialmente graves.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
NEOPLASIA DO OVÁRIO EM
CRIANÇAS E ADOLESCENTES.
Mónica Tavares, Nisa Sobral, Joana
Pinto, Augusta Pinto, Cristina Rocha
S. Pediatria, S. Ginecologia Obstetrícia,
CHEDVouga, HSSebastião
Introdução: As neoplasias do ovário constituem cerca de 1% de todos os
tumores em crianças e adolescentes.
Menos de 5% da patologia maligna do
ovário ocorre neste grupo, sendo que a
maioria são fisiológicas ou benignas. No
entanto, cerca de 35% das neoplasias
do ovário que ocorrem nesta faixa etária
são malignas. Um diagnóstico tardio desta patologia é comum na adolescência e
principalmente em crianças pré-púberes.
Objectivos: Avaliar o grupo de
crianças e adolescentes com neoplasia
do ovário nos anos entre 2004 a 2009,
nomeadamente no que diz respeito à clínica e aos achados imagiológicos.
Material e Métodos: Revisão dos
processos clínicos das crianças e adolescentes <18 anos, com o diagnóstico de
neoplasia do ovário. Foram excluídos os
cistos simples e fisiológicos.
Resultados: Foram revistos 9 processos de crianças e adolescentes com
idades entre os 9 e os 17 anos (mediana
de 14 anos); 3 crianças eram pré-púberes. Os antecedentes familiares eram irrelevantes. Dos antecedentes pessoais a
destacar 2 casos de dismenorreia, 2 de
irregularidades menstruais e um caso de
ooforectomia anterior por torção do ovário. Quanto à sintomatologia de referir
que em 6 casos o motivo de urgência/
referenciação foi dor abdominal, um caso
de dismenorreia e um de metrorragia.
Ao exame objectivo apresentavam dor à
palpação referida à fossa ilíaca, e o toque rectal, quando realizado, revelou na
maioria das vezes a patologia em causa.
A ecografia abdominal permitiu definir a
massa havendo necessidade de realizar
tomografia computorizada em 6 e ressonância magnética em 2, para esclarecimento dos achados.
Duas das crianças pré-púberes
foram transferidas para o IPO - Porto,
tendo sido submetidas a ooforectomia
e excisão da massa tumoral. As restantes foram tratadas no CHEDV-HSS com
necessidade de ooforectomia em dois
casos. As restantes cinco foram submetidas a tumorectomia, com preservação
do anexo, na maioria dos casos por laparotomia. Do exame anatomo-patológico
temos 4 teratomas císticos maduros do
ovário, 2 cistoadenofibromas e um teratoma maduro do ovário; os dois casos
submetidos a cirurgia no IPO são descritos como tumores benignos do ovário. De
destacar que a criança com o teratoma
maduro do ovário teve que ser submetida
a quimioterapia adjuvante.
Discussão: Embora seja uma patologia pouco frequente, verificámos
uma incidência de 2 casos por ano no
CHEDV-HSS. De realçar que a sintomatologia é pouco expressiva, principalmente em crianças pré-púberes, nas quais a
queixa mais frequente foi a dor abdominal. Apenas um elevado índice de suspeição nos levará a colocar este diagnóstico
numa criança com dor abdominal, pelo
que destacamos a importância do toque
rectal no diagnóstico desta patologia.
CASO CLÍNICO - DIVERTÍCULO DE
HUTCH
Natacha Fontes, Nádia Rodrigues,
Eliana Oliveira, Armando Reis,
Maria José Costa
S. Pediatria, HPHispano, ULSMatosinhos;
S. Urologia, CHPorto, UHMPia
Introdução: O Divertículo de Hutch
corresponde a um defeito congénito vesical para-ureteral, geralmente único. O
diagnóstico é feito por CUMS ou cistoscopia, estando indicada a sua correcção
cirúrgica pelo risco de complicações (infecções urinárias, retenção urinária, obstrução intestinal, ruptura ou carcinoma).
Caso clínico: Criança com 4 anos,
sem antecedentes pessoais de relevo,
observado no Serviço de Urgência por
febre, recusa alimentar, dor no flanco esquerdo e disúria com cerca de 24 horas
de evolução.
No exame objectivo à admissão
apresentava-se queixoso, com Murphy
renal positivo à direita (sem outras alterações de relevo).
Realizou estudo analítico que demonstrou alterações compatíveis com PNA.
Foi internado no serviço de Pediatria do HPH, tendo iniciado terapêutica
empírica com amoxicilina + ácido clavulânico, com boa evolução clínica.
A urocultura revelou um crescimento
superior a 105 UFC/mL de Proteus mirabilis, sensível à antibioterapia instituída. A
hemocultura foi negativa.
Iniciou profilaxia de ITU após 10
dias de antibioterapia.
Durante o internamento foi efectuada ecografia reno-vesical, sendo visível
discreta ectasia piélica (7mm), sem outras alterações de relevo.
A cintigrafia renal com DMSA mostrou rim esquerdo com dimensões reduzidas, com diminuição moderada da função renal diferencial e defeitos corticais
sugestivos de cicatrizes.
Realizada CUMS que evidenciou a
presença de um divertículo para-ureteral
esquerdo (divertículo de Hutch) relativamente volumoso.
Foi orientado para a C. Externa de
Urologia, tendo apresentado evolução
clínica favorável (i.e. sem recorrência
de ITU) até a realização de correcção
cirúrgica.
Conclusão: Os divertículos vesicais congénitos são achados pouco frequentes em crianças sem antecedentes
patológicos. Devido à possibilidade de
complicações associadas, deve ser ponderado o tratamento cirúrgico para realização de diverticulectomia.
HEMATÚRIA MACROSCÓPICA
– CASUÍSTICA DE 11 ANOS DO
HOSPITAL INFANTE D. PEDRO.
Sandra Rebimbas, Gina Rubino, Fátima
Ribeiro, Jorge Vaz Duarte, Paula Rocha
CHVNGaia/Espinho; HPCoimbra; HIDPedro
Introdução e objectivos: A prevalência de hematúria é de 0.5-2.0%
nas crianças em idade pré-escolar. Esta
condição associa-se habitualmente a investigação extensa, embora a evolução
benigna na maioria dos casos dispense
a biópsia renal.
O objectivo deste trabalho foi analisar os casos de hematúria macroscópica
em crianças atendidas no Hospital Infante
D. Pedro durante um período de 11 anos.
resumo dos posters
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 229
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Material e métodos: Análise retrospectiva dos processos clínicos de
crianças com o diagnóstico de hematúria
macroscópica no período compreendido
entre Janeiro de 1998 e Setembro de
2009.
Resultados: Analisaram-se 62 casos de hematúria macroscópica (média 5
casos/ano), 49 casos do sexo masculino
(79%). A média de idades foi de 6A11M
e a mediana de 5A12M. A proveniência
dos doentes foi a seguinte: internamento
77%, Serviço de Urgência 18%; Centro
de Saúde 5%. Foram observados na consulta de Pediatria (patologia uronefrológica) 85% dos doentes.
Os diagnósticos obtidos foram: Glomerulonefrite (GNF) pós-estreptocócica
23%; desconhecido 22%; infecção do
trato urinário (ITU) 10%; nefropatia de
IgA 8%; litíase 8%; traumatismo 5%; hematúria familiar benigna 5%; cistite viral
3%; GNF pós-infecciosa 3%; Síndrome
de junção 3%; Síndrome hemolítico urémico, púrpura de Henoch-Shönlein, lúpus
eritematoso sistémico, GNF rapidamente
progressiva, hemofilia A e Síndrome de
Nutcracker, 1,6% (1 caso cada). Sete doentes apresentaram hipertensão arterial
(5 casos GNF pós-estreptocócica) e 6 doentes proteinúria nefrótica (3 casos GNF
pós-estreptocócica), ambas transitórias.
Observou-se insuficiência renal aguda
(IRA) em 3 doentes. Um doente realizou
biópsia renal devido a IRA rapidamente
progressiva (GNF proliferativa endo e
extra-capilar com crescentes).
Dos doentes seguidos na consulta
17% mantiveram hematúria microscópica
- nefropatia de IgA (3), etiologia desconhecida (3); hematúria familiar benigna
(2); Síndrome de Nutcracker (1).
Discussão: Na abordagem da hematúria a história clínica é fundamental.
Neste trabalho as principais causas determinadas de hematúria macroscópica
foram GNF pós-estreptocócica, ITU, litíase e Nefropatia de IgA. A maioria dos
casos resolve sem complicações, contudo, a possibilidade de evolução para
insuficiência renal e de doença sistémica subjacente tornam a vigilância fundamental.
DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL DE
DILATAÇÃO PIELOCALICIAL –
CASUÍSTICA DE 10 ANOS DO
HOSPITAL INFANTE D. PEDRO
Sónia Regina Silva, Gina Rubino,
Filipa Rodrigues, Fátima Ribeiro,
Jorge Vaz Duarte, Paula Rocha
HIDPedro; HPCoimbra
Introdução: As malformações nefro-urológicas e em particular a dilatação
pielo-calicial (DPC) são as anomalias
congénitas mais frequentemente detectadas no período pré-natal. A realização
de estudos alargados que avaliem a sua
evolução torna-se fundamental para estabelecer protocolos de seguimento adequados.
Objectivos: Avaliar a evolução das
crianças com diagnóstico pré-natal de
DPC e vigiadas na consulta de Pediatria
(patologia nefro-urológica) do HIP.
Material e métodos: Estudo descritivo retrospectivo, por revisão dos
processos clínicos das crianças que
apresentavam diagnóstico pré-natal de
ectasia piélica (diâmetro antero-posterior
do bacinete (DAPB) > 4 mm) na ecografia realizada no 3º trimestre de gestação,
nascidas entre Julho de 1999 e Junho de
2009. Foi classificada a DPC fetal e pósnatal em ligeira (4,1-9,9mm), moderada
(10-14,9mm) e grave (≥15mm).
Resultados: Analisámos um total
de 802 crianças, com predomínio do sexo
masculino, numa relação de 2,4:1. Apresentavam patologia bilateral 399 fetos.
Analisadas 1201 unidades renais (UR)
com DPC na ecografia do 3º trimestre,
79,3% das quais ligeiras, 17,8% moderadas e 2,9% graves. Iniciaram profilaxia
com trimetoprim 83% dos recém-nascidos (100% das crianças com DPC grave).
Das UR com DPC ligeira pré-natal, apresentaram na 1ª ecografia pós-natal DAPB
< 4mm 70,1%, DPC ligeira 28,8%,DPC
moderada 9 UR e uma UR com 16mm.
Das UR com DPC moderada pré-natal,
apresentaram na 1ª ecografia pós-natal
DAPB < 4mm 60,3%, DPC ligeira 29,4%,
DPC moderada 9,3% e duas UR com ≥
15 mm de DAPB. Das UR com DPC grave pré-natal, apresentaram na 1ª ecografia pós-natal DAPB < 4mm 25,7%, DPC
ligeira 31,4%, DPC moderada 25,7% e
resumo dos posters
S 230
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
17,1% com DPC grave. Foram realizados outros exames complementares de
diagnóstico para além da ecografia renopélvica em 19,8% das crianças. Em 150
crianças (18,7%) foi efectuada cistoureterografia, evidenciando-se refluxo vesicoureteral em 17,3% destas. Apresentaram
pelo menos uma infecção urinária 4,5%
das crianças. Necessitaram de cirurgia
23 (2,9%) crianças (8 com DPC ligeira
e 4 sem DPC na primeira ecografia pósnatal). A média de seguimento dos doentes com alta (85% da amostra) foi de 14
meses.
Comentários: Confirmamos no
nosso estudo que a maioria das crianças
com DPC pré-natal não apresenta patologia significativa na avaliação pós-natal.
Contudo, salientamos a elevada percentagem de crianças com necessidade de
cirurgia cuja 1ª ecografia pós-natal revelou DPC ligeira ou ausente, o que reforça
a importância de uma vigilância ecográfica seriada.
Palavras-chave: dilatação pielocalicial, diagnóstico pré-natal
ICTIOSE NEONATAL
Alexandre Braga, Carmen Carvalho,
Manuela Selores, Márcia Martins
S. Neonatologia e S. Dermatologia, CHPorto
Introdução: As dermatoses ictiosiformes são um grupo heterogéneo de
patologias cutâneas hereditárias, secundárias a anomalias da queratinização.
Resultam de diferenciação ou cinética
anormal da epiderme. Caracterizam-se
clinicamente por descamação em escamas e histologicamente por hiperqueratose. A transmissão pode ser autossómica
recessiva, dominante ou ligada ao X.
A apresentação clínica pode variar
desde situações ligeiras (Ictiose Vulgaris), a situações extremamente graves ou
mesmo fatais, como o feto Harlequim. As
que têm tipicamente apresentação neonatal são a Ictiose Lamelar (MIM #242300),
a Eritroderma Ictiosiforme Congenita
(MIM #242100), a Ictiose Harlequin (MIM
#242500), todas de transmissão recessiva; a Hiperqueratose Epidermolítica (MIM
#113800) de transmissão dominante e a
Ictiose ligada ao X (MIM #308100). O
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
turnover epidérmico está sempre aumentado excepto na forma ligada ao X em
que é normal. Na maioria dos casos os
recém-nascidos apresentam o aspecto
de bebé colódio.
As complicações associadas, resultantes da perda da função barreira da
epiderme, são dificuldade respiratória,
infecções cutâneas, sepsis, hipotermia e
desequilíbrios hidroeletrolíticos.
O tratamento baseia-se no uso de
emolientes de modo a manter a hidratação cutânea, queratolíticos e, nos casos
mais graves, retinóides orais.
Apresentação do doente: Recém-nascido (RN), sexo masculino, com antecedentes familiares de primo direito com
suspeita de ictiose. Gravidez normal,
vigiada, sem intercorrências, I Gesta/I
Para, serologias irrelevantes, ecografias
pré-natais normais. Parto eutócico às 36
semanas (s) na Maternidade Júlio Dinis
(MJD), com índice Apgar 5/8/9, com necessidade ventilação com insuflador manual. Peso ao nascimento 2990g. Ao exame objectivo apresentava couro cabeludo
com zonas de alopécia; pele eritematosa,
seca e descamativa, particularmente na
face, tronco e raíz das coxas. Aumento
do número de pregas cutâneas e da espessura da pele. Foi admitido na Unidade
de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN)
por suspeita de ictiose, em incubadora
humidificada, tendo iniciado fluidoterapia
EV e hidratação com vaselina liquida. Verificada melhoria significativa do aspecto
seco e descamativo da pele, tendo tido
alta ao 4º dia de vida.
A evolução clínica tem sido favorável, com melhoria do quadro clínico,
embora com períodos de exacerbações
e remissões.
A biópsia cutânea revelou “lesões
de hiperqueratose muito acentuada e
com características que se enquadram
no contexto clínico de ictiose”. O doseamento de esteroide sulfatase em fibroblastos foi inconclusivo. Encontra-se em
curso o estudo molecular.
Discussão: Os autores salientam a
importância do diagnóstico e início precoce da terapêutica na redução das complicações associadas. Discutem também
a importância da correcta e nem sempre
fácil, classificação da ictiose e do estudo
molecular, permitindo o aconselhamento
genético adequado da família e um DPN
específico no futuro.
Palavras-chave: ictiose, recémnascido
INTERNAMENTOS POR
GASTROENTERITE AGUDA:
A NOSSA REALIDADE
Andreia Lopes, Ângela Dias,
Marta Santalha, Marco Pereira,
Cláudia Neto, Susana Soares
CHAAve, UGuimarães
A gastroenterite aguda é uma patologia infecciosa frequente em idade pediátrica, que cursa com uma elevada morbilidade e mortalidade, especialmente em
países em vias de desenvolvimento.
Os autores procederam à análise
retrospectiva dos casos de gastroenterite
aguda, internados no serviço de Pediatria
do Centro Hospitalar do Alto Ave, Unidade
de Guimarães, durante um período de 12
meses (de 1 de Novembro de 2008 a 31
de Outubro de 2009), com o objectivo de
avaliar a etiologia, o tempo de internamento e as complicações desta patologia, bem
como avaliar o grau de adesão à vacinação contra o rotavírus nesta população.
Foram analisados 145 casos, 68
(46,9%) do sexo masculino e 77 (53,1%)
do sexo feminino. A mediana de idades
foi 2,4 anos (mínimo 1 mês, máximo 17,7
anos), ocorrendo 31% dos casos abaixo
de um ano de idade e 75,8% abaixo dos
6 anos. O número de casos/mês variou
entre 8 e 16. O agente etiológico mais
frequente foi o rotavírus (16 casos –
44,4%), seguido da Salmonella (15 casos
– 41,7%). O adenovírus foi identificado
em 1 caso (2,8%). Em 4 casos foi identificado mais do que um agente (11,1%).
Em 36 casos (26,2%) não foi encontrada
a etiologia e em 71 (49%) não foi pesquisado o agente etiológico. As complicações mais frequentemente encontradas
foram a desidratação isonatrémica (73
casos - 50,3%), seguida da hipocaliemia (19 casos – 13,1%). A desidratação hipernatrémica ocorreu em 3 casos
(2,1%) e a desidratação hiponatrémica
em 2 (1,4%). Apenas 8 casos (5,5%) tinham realizado vacinação anti-rotavírus.
O tempo mediano de internamento foi 2
dias (mínimo <1 dia, máximo 11 dias). Foi
encontrada associação estatisticamente
significativa entre o agente etiológico e a
idade (Fischer’s exact test - p < 0,001),
predominando a infecção por rotavírus
no primeiro ano de idade e a infecção por
Salmonella acima desta idade.
Embora os casos fatais não sejam
frequentes na nossa população, a gastroenterite aguda continua a ser responsável
por um número elevado de internamentos,
num serviço de Pediatria. A taxa de adesão
à vacinação anti-rotavírus ainda é baixa na
nossa população, provavelmente devido a
falta de informação parental acerca da sua
importância, associada ao elevado custo
da vacina. A vacinação em massa assim
como a informação da população acerca
da prevenção/tratamento dos distúrbios
hidroelectrolíticos, nomeadamente com
soluções de reidratação oral, pode diminuir
os internamentos e, subsequentemente, os
custos inerentes a esta patologia.
HIPERGLICINEMIA NÃO CETÓTICA
NEONATAL: IMPLICAÇÕES DE UM
DIAGNÓSTICO
Luísa Neiva Araújo, Cármen Carvalho,
Ana M. Alexandrino, Dulce Quelhas,
Artur Alegria
UCIN, CHPorto, UMJDinis; CGMJMagalhães,
INSA
Introdução: A hiperglicinemia não
cetótica ou encefalopatia da glicina é
uma doença neurometabólica autossómica recessiva, causada pela disfunção
enzimática de clivagem da glicina. Embora rara, a variante neonatal é a mais
frequente e com pior prognóstico, dada
a sua evolução rápida e desfecho habitualmente fatal. A qualidade de vida dos
sobreviventes é dramática, com atraso
mental profundo, epilepsia refractária e
sobrevida muito reduzida. Apesar de não
ter tratamento específico, a investigação
etiológica é fundamental pelas implicações no prognóstico e no aconselhamento genético à família.
Caso clínico: Recém-nascido do
sexo feminino, fruto de gravidez de termo,
vigiada e sem complicações. Segundo filho de pais jovens, saudáveis e não con-
resumo dos posters
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 231
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
sanguíneos. Irmã saudável. Parto às 39
semanas, com índice de Apgar 9/10 aos
1º e 5º minutos. Exame normal ao nascimento, excepto pequena fenda do palato
posterior. Nas primeiras horas de vida desenvolveu quadro de letargia, soluços e
hipotonia generalizada, com agravamento
rapidamente progressivo. Analiticamente,
o rastreio séptico foi negativo e a gasimetria normal. O estudo metabólico revelou
hiperglicinemia, com relação glicina liquor
/ sérica aumentada. Com o diagnóstico de
hiperglicinemia não-cetótica, os pais foram
informados sobre o estado clínico do doente e sobre o prognóstico desfavorável e
manifestaram convictamente o desejo de
que fossem evitadas medidas de suporte avançado de vida. Assim, verificou-se
o esperado agravamento progressivo do
quadro clínico, com coma e instabilidade
cárdio-respiratória, vindo o recém-nascido
a falecer acarinhado ao colo dos pais, no
5º dia. O estudo enzimático em biópsias
de fígado e de pele viria a confirmar o
diagnóstico.
Comentário: Apesar da sua raridade, o diagnóstico de doença metabólica
deve ser considerado no esclarecimento de um quadro de hipotonia neonatal.
Desta forma, é possível estabelecer um
diagnóstico e, perante evolução e prognóstico muito desfavoráveis, permitir
oportunamente decisões em equipa e em
conformidade com os pais, com vista a
minorar o sofrimento e a estabelecer medidas de conforto ao recém-nascido em
estado terminal.
Palavras-chave: Hiperglicinemia
não cetótica, recém-nascido, fim de vida.
DOENÇA DE WILSON DIAGNÓSTICO
DE CASO ÍNDICE EM CRIANÇA DE
3 ANOS
Arnaldo Cerqueira, Sandra Costa,
Íris Maia, Henedina Antunes
S. Pediatria, HBraga; ICVSaúde, ECSUMinho
Introdução: A doença de Wilson
(DW) é uma doença hereditária rara do
metabolismo do cobre de transmissão
autossómica recessiva. A mutação localiza-se no cromossoma 13. Crianças com
idade inferior aos 5 anos raramente apresentam sintomas da doença*.
Menino de 3 anos referenciado pelo
médico assistente a consulta de Pediatria,
em Março de 2009 por adenomegalias
cervicais bilaterais desde o primeiro ano
de vida. Antecedentes familiares: paramiloidose na família materna. Antecedentes
pessoais: crescimento estaturo-ponderal
P75-90. O estudo efectuado revelou citólise hepática.
A repetição dos exames passado
3 meses mantinha elevação das transaminases (TGO- 151U/l, TGP- 437 U/l),
GGT- 163 U/l pelo que foi referenciado à
Gastrenterologia Pediátrica em 16 de Junho de 2009. Ceruloplasmina < 2 mg/dl
no soro em que mostrava TGP=437 U/l.
Ao exame objectivo à palpação abdominal apresentava fígado com aumento da
consistência; e o baço não era palpável.
Sugerindo o diagnóstico de hepatite crónica pela consistência do fígado e provavelmente por Doença de Wilson. Foi
marcado hospital de dia para realização
de biopsia hepática no dia seguinte e
iniciou colheita de urina de 24h para doseamento do cobre. Foi pedido à mãe os
exames complementares de diagnóstico
que mostram resultados de TGP elevada
em Dezembro de 2008 confirmando hepatite crónica.
A biópsia hepática foi compatível
com Doença de Wilson, com cobre hepático de 1098 ug/ml de fígado seco e doseamento de cobre na urina 24h = 46,4
ug/24h. Inicia tratamento a 18/6/2009 com
penicilamina com aumento progressivo,
(actualmente 22 mg/Kg/dia) restrição dietética do cobre e piridoxina. Verificou-se
diminuição das transaminases em análise de controlo. Tem ainda deficiência de
alfa1- antitripsina, fenótipo PiMS e ANA
positivos 1/160 com anticorpo anti LKM e
anti músculo liso negativos.
Conclusões: Esta entidade é pouco
frequente na idade pediátrica, mas fatal
se não reconhecida e tratada. O doente
mais jovem com doença hepática publicado tinha 4 anos*. A Doença de Wilson
como diagnóstico diferencial de hepatite
crónica antes dos 3 anos de idade é muito rara mas apresentamos este caso para
alertar para esta possibilidade.
A consistência do fígado é fundamental na avaliação da criança com transaminases elevadas dado que a consis-
resumo dos posters
S 232
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
tência aumentada obrigará a excluir mais
rapidamente duas causas tratáveis de
cirrose em pediatria, Doença de Wilson e
Hepatite Auto-Imune.
Palavras chave: Doença de Wilson,
hepatite crónica, biopsia hepática
* Liver Disease in Children. Ed.s Suchy F,
Sokol R, Balistreri W
PREVALÊNCIA DA OBESIDADE NAS
CRIANÇAS DO VALE DE SOUSA
Ana Lopes Rodrigues;
Christophe Sobrinho Couto;
Cília Augusta Pires Nogueira;
Marília Azevedo; Sabrina Pedone
CSBaião, USEiriz;
CSPRebordosa, USFSobreira; CSAmarante;
CSBaião, Sede; USFSobreira
Introdução: Segundo a OMS, a obesidade tornou-se um dos grandes problemas de Saúde Pública tendo mesmo sido
já catalogada como a Pandemia do Século
XXI. É tão mais importante, quando atinge
um grupo de indivíduos em idades mais
precoces, já que poderá acarretar graves
problemas de saúde na vida adulta.
De acordo com um estudo recente
realizado em Portugal, a prevalência entre as crianças com idades compreendidas entre os 7 e 9 anos atinge um valor
de 11,3%, aspecto deveras relevante na
área da Saúde Pública.
Objectivos: Determinar a prevalência da obesidade nas crianças com idade
compreendida entre os 5 e os 13 anos e
analisar a associação com a idade, sexo,
hábitos alimentares e actividade física.
Material e Métodos: É um estudo
observacional transversal analítico (descritivo com componente analítico), com
uma amostra de 620 crianças a frequentar o 1º Ciclo nas Escolas EB1 dos Concelhos de Amarante, Baião e Paredes,
seleccionadas de forma aleatória por etapas múltiplas. A obesidade será definida
através de IMC (Índice de Massa Corporal) acima do percentil 95 ajustado à idade e sexo, sendo os dados recolhidos por
medição directa do peso e altura. Para
definir hábitos alimentares e actividade
física aplicaram-se dois questionários validados, por entrevista pessoal.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Os dados recolhidos foram codificados e registados em base informática de
dados (SPSS 15).
Resultados: A prevalência de Obesidade é de 18%. A amostra é constituída
por 82 crianças obesas (♀= 41,5%; ♂=
62,5%). A idade média foi de 7,84 anos.
IMC normal em 59,5%, e Excesso de
peso em 21,9%.
A prevalência de hipertensão (HTA) é
de 55,6%. Das crianças Obesas 70,7% têm
HTA, 8,5% Normal Alta e 20,8% Normal.
Relativamente aos hábitos alimentares, 85,4% das crianças obesas tem
uma alimentação desadequada, 8,5%
totalmente desadequada e 6,1% tem alimentação adequada.
Quanto aos hábitos de exercício físico, 48,8% tem maus hábitos, 39,0% hábitos moderados e 12,2% bons hábitos.
Conclusões: É fundamental encetar esforços no sentido de ensinar bons
hábitos alimentares e de educação física, de forma a evitar o culminar desta
Pandemia e todos os problemas de Saúde Pública que daí advêm, desde HTA,
Diabetes Mellitus Tipo 2, AVC (Acidentes
Vascular Cerebral), Dislipidemia, Patologia Respiratória, entre outras.
Os profissionais de saúde que contactam com a Saúde Infantil deverão
cada vez mais investir nesta área.
Palavras-chave: Obesidade na
criança, prevalência, hábitos alimentares,
actividade física, questionário, Índice de
Massa Corporal.
SÍNCOPE VASOVAGAL,
DIAGNÓSTICO DE EXCLUSÃO
– CASO CLÍNICO
Gina Rubino, Fátima Ribeiro,
Sónia Regina Silva, Elsa Godinho,
José Santos, José Roseta
HPCoimbra; HIDPedro; CSEstarreja
Introdução: A síncope vasovagal,
ou síncope neurocardiogénica, constitui uma causa frequente de síncope. Na
ausência de história clínica e estímulos
clássicos, a exclusão de outras causas e
uma prova de Tilt positiva permitem realizar o seu diagnóstico.
Descrição do caso: Rapariga de
13A, sem antecedentes pessoais ou fa-
miliares de relevo, com episódios com 4
meses de evolução caracterizados por
cefaleias bitemporais, tonturas e síncope
com duração de 1-3 segundos. Os episódios ocorriam quase exclusivamente
em repouso, sendo referida sonolência e
sensação de dispneia posteriores. Sem
movimentos anómalos dos membros,
cianose, incontinência de esfíncteres,
pré-cordialgia, náuseas ou vómitos. Realizou investigação através de médico particular, da qual se destaca EEG e TC-CE
normais. Foi medicada com hidantina.
Ao exame objectivo apresentava
períodos de bradicardia não sintomática
em repouso (FC 55bpm), sem outras alterações ao exame cardio-vascular. TA
adequada à idade, sexo e estatura. Exame neurológico normal.
No HIP prosseguiu investigação,
destacando-se ECG, ecocardiograma,
Holter e RMN cerebral sem alterações.
Teste de Tilt – síncope vaso-vagal induzida após provocação farmacológica
com nifedipina (hipotensão - TA mínima
56/19mmHg, bradicardia e pausa de
4690 milisegundos).
Teve alta com o dignóstico de síncope vasovagal e indicações sobre medidas preventivas e de suporte.
Comentário: Este caso ilustra uma
apresentação não clássica de síncope
vasovagal, sendo fundamental a exclusão das principais causas de síncope.
É importante uma correcta interpretação
dos exames auxiliares de diagnóstico,
uma vez que se trata de uma situação
benigna, sem necessidade de tratamento
farmacológico na maioria dos casos.
ENCEFALOMIELITE AGUDA
DISSEMINADA: REVISÃO DOS
ÚLTIMOS 10 ANOS
Joana Amorim, Laura Marques, Lurdes
Morais, Manuela Santos, Inês Carrilho,
Rui Chorão, Clara Barbot, Virgílio Senra
S. Pediatria e S. Neuropediatria, CHPorto,
UHMPia
Introdução: A Encefalomielite aguda disseminada (ADEM) é uma doença desmielinizante do Sistema Nervoso
Central, monofásica, rara (incidência 0.8:
100 000 indivíduos), imuno-mediada que
geralmente surge após infecções víricas,
bacterianas ou certos tipos de vacinação.
As manifestações clínicas iniciais são
inespecíficas, tais como, febre, cefaleias,
vómitos e anorexia, a que se seguem
manifestações neurológicas, tais como,
convulsões, défices focais e do estado
de consciência e vigília. Não existem alterações patognomónicas nos exames
laboratoriais, podendo o LCR revelar pleocitose linfocítica e ligeiro aumento das
proteínas. A RMN é um exame complementar de diagnóstico importante, revelando lesões multifocais compatíveis com
edema, inflamação e desmielinização. As
opções terapêuticas consistem em terapêutica anti-inflamatória (corticoterapia
em altas doses) e agentes imunossupressores (Imunoglobulina humana endovenosa). Cerca de 60-70% das crianças recuperam completamente após 6 meses,
sendo a taxa de mortalidade de 5%.
Objectivo: Efectuar uma revisão
dos casos de ADEM internados no Hospital Maria Pia nos últimos 10 anos.
Métodos: Análise retrospectiva dos
processos clínicos de crianças com diagnóstico de ADEM, internadas no Hospital
Maria Pia, no período de Janeiro de 1999
a Setembro de 2009, tendo sido analisadas as seguintes variáveis: sexo, idade
do diagnóstico, manifestações clínicas,
exames complementares de diagnóstico
efectuados, tratamento e evolução.
Resultados: Nos últimos 10 anos
estiveram internadas no HM Pia com
diagnóstico de ADEM 6 crianças (3 do
sexo feminino e 3 do sexo masculino),
com mediana de idade de apresentação
de 8 anos (mínimo 16 meses e máxima
13 anos). Em 67% dos casos a ADEM
foi precedida por um quadro infeccioso
prévio, tendo as manifestações clínicas
sido muito variáveis, com manifestações
encefálicas e medulares em 4 doentes,
encefálicas em 1 e medulares em outro
doente.
Foi realizada RMN encefálica e medular em todos os casos que revelou hipersinal na ponderação T2 sugestivas de
lesões desmielinizantes. Num dos casos
isolou-se o vírus Herpes 6 no LCR, em
outro dos casos verificou-se serologias
positivas (IgM) para o vírus Herpes 2, e
nos restantes nenhuma etiologia foi iden-
resumo dos posters
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 233
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
tificada. Cinco crianças foram tratadas
com corticoterapia ev, sendo que em dois
deles se efectuou ainda terapêutica com
Imunoglobulina Humana ev.
Em todos os casos a evolução foi
favorável, embora em 50% ainda se verifiquem algumas sequelas da doença.
Conclusões: Com esta revisão os
autores pretendem alertar para as diferentes formas de apresentação que esta
entidade clínica pode ter. Salienta-se
ainda o facto de em dois dos casos se
ter encontrado a possível etiologia (vírus
Herpes). De referir que a evolução foi
favorável em todos os doentes, contudo
mantém-se a questão relativamente à
evolução em alguns casos para esclerose múltipla.
CRISES CONVULSIVAS COMO
FORMA DE APRESENTAÇAO
PRECOCE DO DÉFICE DE
BIOTINIDASE.
Teresa Andrade, Ana Rita Araújo,
Virgínia Sampaio, Filipa Miranda,
Sónia Figueiroa, Esmeralda Martins,
Dulce Quelhas, Teresa Bernardo
S. Pediatria, ULSAMinho; S. Pediatria,
CHPorto, HGSAntónio; S. Pediatria, CHPorto,
UHMPia; CGMJMagalhães, INSRJorge
Introdução: O défice de biotinidase é um erro inato do metabolismo, com
carácter autossómico recessivo, correspondente à forma tardia de deficiência
múltipla de carboxilases, por défice de
biotinidase. A doença causada pela ausência completa ou parcial da enzima
está associada a um espectro variado
de manifestações clínicas, incluindo alterações neurológicas, dermatológicas,
imunlógicas e oftalmológicas.
Caso clínico: Os autores apresentam o caso clínico de uma lactente de 2,5
meses, sem antecedentes patológicos relevantes, internada por quadro de crises
tónico-clónicas generalizadas, repetidas
mas de curta duração. Exame objectivo
na admissão sem alterações, nomeadamente cutâneas, oftalmológicas ou neurológicas. Rastreio de surdez neonatal
sem alterações e desenvolvimento psicomotor adequado à idade. Hemograma,
estudo bioquímico sumário e gasimetria
venosa sem alterações. Ecografia transfontanelar normal. O quadro convulsivo
não cedeu à terapêutica com fenobarbital nem à associação com valproato de
sódio. A pH metria excluiu refluxo gastroesofágico patológico. O video-Electroencefalograma mostrou actividade eléctrica
cerebral normal. As alterações encontradas no estudo metabólico sugeriram o
diagnóstico de défice de biotinidase, posterirmente confirmado com o estudo da
actividade enzimática. Iniciou terapêutica
com biotina com regressão completa das
crises convulsivas.
Comentário: O Défice de Biotinidase, apesar de ser uma doença rara, implica detecção precoce na medida em que o
atraso do diagnóstico e mesmo do inicio
da terapêutica pode condicionar o aparecimento de sequelas, algumas delas irreversíveis, como as auditivas e visuais.
PROLACTINOMA – A PROPÓSITO DE
UM CASO CLÍNICO
Mariana Pinto, J. Silva, Isabel Ribeiro,
Fátima Borges, Sónia Aires
S. Pediatria/Neonatologia, CHEDVouga,
HSSebastião; CSRomariz;
CHPorto, HGSAntónio
Introdução: O Prolactinoma, apesar de ser uma patologia rara em idade
pediátrica, é o adenoma hipofisário mais
frequente, especialmente nos adolescentes do sexo feminino. Os sintomas de
apresentação mais comuns são as cefaleias, amenorreia e galactorreia, podendo ocorrer em alguns casos alterações
visuais.
Caso clínico: Adolescente de 16
anos, sexo feminino, previamente saudável, é referenciada à Consulta Externa de
Pediatria em Março de 2009, pelo Médico
de Família, por cefaleias fronto-temporais
de intensidade progressiva com cerca de
6 meses de evolução. Simultaneamente,
referência a amenorreia durante 7 meses. Sem alterações visuais. Sem galactorreia. Exame objectivo irrelevante, encontrando-se no estadio Tanner V. Deste
modo realizou estudo analítico que revelou aumento dos níveis de prolactina em
duas amostras seriadas (217.44 ng/mL;
232 ng/mL). Denota-se níveis de testos-
resumo dos posters
S 234
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
terona, estradiol, FSH, LH, TSH, T3 e T4
livres dentro dos limites da normalidade.
No decurso da investigação realizou TAC
da hipófise cujo resultado foi sugestivo de
um adenoma da hipófise, tendo sido posteriormente confirmado através da Ressonância Magnética respectiva. Iniciou
terapêutica com Cabergolina, agonista
da dopamina, apresentando melhoria
franca do quadro clínico, com redução
dos níveis séricos de prolactina.
Discussão: O diagnóstico de Prolactinoma baseia-se não só em evidências imagiológicas de adenoma hipofisário, como também de hiperprolactinemia
sustentada, após exclusão de outras causas secundárias de prolactina elevada.
Contudo, a presença de um único valor
de prolactina sérica >200 ng/mL, por si
só, é sugestivo de Prolactinoma.
Os agonistas dopaminérgicos são
os fármacos de eleição no tratamento
desta patologia, em idade pediátrica,
devido à sua eficácia, segurança e boa
tolerância, em detrimento do tratamento
cirúrgico.
CRESCER EM SEGURANÇA:
INQUÉRITO AOS PAIS NUMA
CONSULTA DE CUIDADOS
PRIMÁRIOS DE PEDIATRIA
Maria João Sampaio, Clara Alves
Pereira, Ruben Rocha, Isabel Liberal
CSCampanhã
Introdução: Os acidentes constituem a primeira causa de morte em idade
pediátrica. A prevenção é a única medida
eficaz no seu combate, e os profissionais de saúde desempenham um papel
fundamental na sensibilização dos pais e
cuidadores para a segurança infantil.
Objectivos: Avaliar o conhecimento dos pais/cuidadores acerca de algumas regras básicas e condutas seguras
com as crianças. Fornecer informação
relevante, verbal e escrita (folheto informativo), nomeadamente esclarecimentos acerca dos riscos de acidentes
e medidas de segurança a implementar
no quotidiano das familias com crianças
pequenas. Material e métodos. A população-alvo foram os pais de crianças até
aos 2 anos de idade seguidas em con-
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
sulta de Pediatria no Centro de Saúde de
Campanhã, Porto. Durante 3 meses foi
aplicado um questionário aos cuidadores, para colheita dos seguintes dados:
idade, escolaridade e profissão dos pais,
classe social de Graffar, posicionamento
no leito durante o sono, sistema de retenção utilizado no automóvel e sua posição
em relação à marcha do veículo; uso de
andarilho; caracterização de acidentes
anteriores; fontes de informação sobre
segurança infantil.
Resultados: Foram aplicados 109
questionários. A idade média materna
foi de 27 anos e a paterna de 30 anos. A
escolaridade média foi de 8 anos; 7,3%
das mães e 4,9% dos pais frequentaram
ou tinham concluído o ensino superior. A
maioria das famílias pertencia às classes
IV (45%) e classe III (34,9%) de Graffar.
O decúbito dorsal foi considerada a posição ideal de deitar a criança por 40,4%
dos inquiridos, enquanto 57,8% afirmaram ser o decúbito lateral. Usavam habitualmente sistema de retenção no automóvel desde o nascimento 95,4% dos
inquiridos. Destes, 86,5% transportavam
a criança voltada para a traseira do automóvel. Quando questionados acerca da
segurança do uso de andarilho, 30,3%
dos inquiridos considerou o seu uso seguro, 67% afirnou não ser aconselhado,
e 2,8% afirmou não saber. Em 15 casos
(13,8%) havia história prévia de acidente: 14 de queda e 1 queimadura. Em 13
casos a criança estava supervisionada.
As principais fontes de informação sobre
segurança infantil foram as revistas e livros (47,7%), seguidos dos profissionais
de saúde (29,3%); 15,6% dos inquiridos
revelou não procurar informação sobre
segurança infantil.
Discussão: Verificou-se, no transporte automóvel da criança, a aplicação
de práticas seguras, o que contrasta com
o desconhecimento da posição correcta
de deitar a criança e dos riscos do uso de
andarilho. As campanhas de segurança
rodoviária, com a aplicação de coimas,
serão uma explicação para a maior utilização de sistemas de retenção automóvel. Tería interesse esclarecer outras
causas para estas assimetrias, nomeadamente avaliar a forma como a informação tem sido transmitida aos cuidadores,
para que seja possível uma maior eficácia na prevenção. O desconhecimento
de condutas seguras em aspectos chave
como o posicionamento no leito, o uso de
andarilho, e o número ainda elevado de
acidentes, potencialmente preveníveis,
reforça a ideia de que muito está por fazer no nosso país, apesar da maior divulgação da informação.
NEOPLASIA DO OVÁRIO EM
CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Mónica Tavares, Nisa Sobral, Joana
Pinto, Augusta Pinto, Cristina Rocha
S. Pediatria, S. Ginecologia Obstetrícia,
CHEDVouga, HSSebastião
Introdução: As neoplasias do ovário constituem cerca de 1% de todos os
tumores em crianças e adolescentes.
Menos de 5% da patologia maligna do
ovário ocorre neste grupo, sendo que a
maioria são fisiológicas ou benignas. No
entanto, cerca de 35% das neoplasias
do ovário que ocorrem nesta faixa etária são malignas. Um diagnóstico tardio
desta patologia é comum na adolescência e principalmente em crianças pré
púberes.
Objectivos: Avaliar o grupo de
crianças e adolescentes com neoplasia
do ovário nos anos entre 2004 a 2009,
nomeadamente no que diz respeito à clínica e aos achados imagiológicos.
Material e métodos: Revisão dos
processos clínicos das crianças e adolescentes <18 anos, com o diagnóstico de
neoplasia do ovário. Foram excluídos os
cistos simples e fisiológicos.
Resultados: Foram revistos 9 processos de crianças e adolescentes com
idades entre os 9 e os 17 anos (mediana
de 14 anos); 3 crianças eram pré-púberes. Os antecedentes familiares eram irrelevantes. Dos antecedentes pessoais a
destacar 2 casos de dismenorreia, 2 de
irregularidades menstruais e um caso de
ooforectomia anterior por torção do ovário. Quanto à sintomatologia de referir
que em 6 casos o motivo de urgência/
referenciação foi dor abdominal, um caso
de dismenorreia e um de metrorragia.
Ao exame objectivo apresentavam dor à
palpação referida à fossa ilíaca, e o to-
que rectal, quando realizado, revelou na
maioria das vezes a patologia em causa.
A ecografia abdominal permitiu definir a
massa havendo necessidade de realizar
tomografia computorizada em 6 e ressonância magnética em 2, para esclarecimento dos achados.
Duas das crianças pré-púberes
foram transferidas para o IPO - Porto,
tendo sido submetidas a ooforectomia
e excisão da massa tumoral. As restantes foram tratadas no CHEDV-HSS com
necessidade de ooforectomia em dois
casos. As restantes cinco foram submetidas a tumorectomia, com preservação
do anexo, na maioria dos casos por laparotomia. Do exame anatomo-patológico
temos 4 teratomas císticos maduros do
ovário, 2 cistoadenofibromas e um teratoma maduro do ovário; os dois casos
submetidos a cirurgia no IPO são descritos como tumores benignos do ovário. De
destacar que a criança com o teratoma
maduro do ovário teve que ser submetida
a quimioterapia adjuvante.
Discussão: Embora seja uma patologia pouco frequente, verificámos
uma incidência de 2 casos por ano no
CHEDV-HSS. De realçar que a sintomatologia é pouco expressiva, principalmente em crianças pré-púberes, nas quais a
queixa mais frequente foi a dor abdominal. Apenas um elevado índice de suspeição nos levará a colocar este diagnóstico
numa criança com dor abdominal, pelo
que destacamos a importância do toque
rectal no diagnóstico desta patologia
QUANDO A ALOPÉCIA PERSISTE
– CASO CLÍNICO
Gina Rubino, Daniela Pio,
Margarida Martins, Sónia Regina Silva,
Paula Rocha
HPCoimbra; HIDPedro
Introdução: A alopécia é uma situação rara em Pediatria, sendo em 90-95%
dos casos secundária a infecção por Tinea capitis, alopecia areata, trauma ou
eflúvios telogénicos. As principais causas
deste último tipo de alopécia são o stress
emocional, fármacos como o valproato
de sódio e contraceptivos orais, patologia
tiroideia e défices nutricionais.
resumo dos posters
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
S 235
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
Descrição do caso: Rapariga de
13A com múltiplas vindas ao SU por
alopécia com 2 meses de evolução. Associadamente apresentava anorexia e
emagrecimento de 4Kg no período de um
mês, referindo ainda “tristeza”. Antecedentes pessoais: epilepsia diagnosticada
há 7 meses, medicada com valproato de
sódio. Obstipação não recente, medicada
com lactulose. Caso social grave. Pediculose recente grave. Aos 12A suspeita
de gravidez, com substituição de implante hormonal por contraceptivo oral há 3
semanas.
Ao exame objectivo apresentava facies triste. Cabelo e sobrancelhas dispersamente raros. IMC P90-95. Tiróide não
palpável.
Da investigação realizada destacase TSH de 12,13μUI/mL e T4L de 0,59ng/
dL. Nível de ácido valproico no intervalo
terapêutico.
Iniciou terapêutica com levotiroxina
e foi orientada para a consulta de Endocrinologia, aguardando ecografia tiroideia.
Comentário: Os autores apresentam este caso clínico pelo desafio diagnóstico que constituiu devido aos múltiplos factores presentes potencialmente
envolvidos na etiologia da alopécia. No
entanto, a presença de sinais e sintomas
como a tristeza, alterações do apetite e
obstipação direccionaram a investigação
para a patologia tiroideia, confirmando-se
laboratorialmente um hipotiroidismo.
AVALIAÇÃO COGNITIVA E RASTREIO
OFTALMOLÓGICO EM CRIANÇAS
ENTRE 42 E 49 MESES DE IDADE.
Teresa Andrade, Patrícia Nascimento,
Alexandre Braga, Filipa Miranda,
Fátima Pinto
S. Pediatria, ULSAMinho; S. Pediatria,
CHPorto , UHMPia; CSCarvalhosa/FozDouro
Introdução: Os testes de inteligência classificam as competência cognitivas
em valores numéricos. Um dos instrumentos não verbais mais utilizados para
avaliação cognitiva e do desenvolvimento
infantil tem sido o Desenho da Figura Humana (DFH), com diferentes formas de
pontuação. O Teste do DFH de Goodenough (TDFHG) é um teste de inteligência não verbal internacionalmente usado
em crianças dos 3 anos e 6 meses aos 13
anos. O objectivo do estudo foi realizar a
avaliação cognitiva em crianças com 42 a
49 meses de idade e sua relação com o
rastreio oftalmológico.
Métodos: Estudo transversal realizado em infantários do concelho do
Porto, escolhidos aleatoriamente, na
área abrangida pelo Centro de Saúde da
Carvalhosa e Foz do Douro, entre Setembro e Dezembro de 2008. A amostra
compreendeu crianças com idade entre
42 e 49 meses. A avaliação cognitiva foi
efectuada mediante a aplicação do Teste do DFH de Goodenough e o teste de
desenvolvimento psicomotor (DPM) de
Brunet-Lezine, com cálculo da Idade de
Desenvolvimento (ID) e Quociente de
Desenvolvimento (QD). Foi ainda reali-
resumo dos posters
S 236
XXI reunião do hospital de crianças maria pia
zado rastreio oftalmológico e comparado
com a avaliação cognitiva. O tratamento
estatístico dos dados foi realizado em
SPSS 18, com recurso ao teste do χ2;
considerou-se uma relação estatísticamente significativa quando p< 0,05.
Resultados: Das 75 crianças a
quem foi aplicado o TDHFG, 4 (5,3%)
foram excluidas por desenho sem tema
identificável. Na amostra final de 71 crianças, observou-se predomínio do sexo
masculino (53%) e mediana de idades
de 44 meses. A maioria das crianças obteve resultado Médio (61%), 14% Médio
Inferior, 11% Médio Superior, 10% Muito
Superior e 3% Superior.
A avaliação do DPM mediante a aplicação do Teste de Brunet-Lezine (TBL)
mostrou 79% das crianças com QD Global
acima da média e 21% na média. Cerca
de 79% das crianças com TFHG na média obtiveram um TBL acima da média,
enquanto que as 11 crianças com TFHG
abaixo da média, se repartiram igualmente
abaixo e acima da média no TBL (p<0,05).
Cerca de 65 % das crianças tiveram um
rastreio oftalmlógico normal, não tendo
sido encontrada relação estatísticamente
significativa com a avaliação cognitiva.
Comentário: O TFHG é um teste
de avaliação cognitiva não verbal que se
mostrou, tal como se previa, de fácil aplicação, mesmo para a faixa etária deste
estudo. A presença de cerca de 15% das
crianças com avaliação cognitiva abaixo
da média coloca a questão da necessidade de estimulação da criança através de
actividades lúdicas.
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
INSTRUÇÕES AOS AUTORES
A Revista NASCER E CRESCER dirige-se
a todos os profissionais de saúde com interesse
na área da Saúde Materno Infantil e publica artigos
científicos relacionados com a Pediatria, Perinatologia, Saúde Mental da Infância e Adolescência,
Bioética e Gestão Hospitalar. Os Editoriais, os artigos de Homenagem e artigos de âmbito cultural
são publicados a pedido da Direcção da Revista. A
revista publica artigos originais, de revisão, casos
clínicos e artigos de opinião. Os artigos propostos
não podem ter sido objecto de qualquer outro tipo
de publicação. As opiniões expressas são da inteira responsabilidade dos autores. Os artigos publicados ficarão de inteira propriedade da Revista
e não poderão ser reproduzidos, no todo ou em
parte, sem prévia autorização dos editores.
Manuscrito: Os trabalhos devem ser enviados à Direcção da Revista Nascer e Crescer
– Hospital Crianças Maria Pia – Rua da Boavista,
827 – 4050-111 Porto, ou endereçados a
[email protected]
ou
secretariado.cg.defi@hgsa.min-saude.pt,
como documento anexo em qualquer versão actual
de Microsoft Word, acompanhados da declaração
de autoria. Todos os elementos do trabalho, incluindo a iconografia, se remetidos por correio, devem
ser enviados em formato electrónico.
Os artigos deverão ser redigidos conforme
as normas abaixo indicadas e cabe ao Editor a
responsabilidade de os:
- aceitar sem modificações,
- aceitar após alterações propostas,
- ou rejeitar,
com base no parecer de pelo menos dois revisores
que os analisarão de forma anónima. Os pareceres
dos peritos e os motivos de recusa serão sempre
comunicados aos autores.
Consentimento informado e aprovação
pela Comissão de Ética: É da responsabilidade dos autores garantir que são respeitados os
princípios éticos e deontológicos, bem como, a
legislação e as normas aplicáveis, conforme recomendado na Declaração de Helsínquia. Nos estudos experimentais, é obrigatório que os autores
mencionem a existência e aplicação de consentimento informado dos participantes, assim como a
aprovação do protocolo pela Comissão de Ética.
Deve constar declaração de conflito de interesses
ou financiamento.
NORMAS DE PUBLICAÇÃO
A Revista Nascer e Crescer subscreve os
requisitos para apresentação de manuscritos a
revistas biomédicas elaboradas pela Comissão Internacional de Editores de Revistas Médicas (Uniform Requirements for Manuscripts submitted to
biomedical journals. http://www.icmje.org. Updated
October 2008). Todos os elementos do trabalho
incluindo a iconografia, devem ser enviados em
suporte electrónico.
O trabalho deve ser apresentado na seguinte ordem:
1- Título em português e em inglês; 2- Autores; 3- Resumo em português e inglês. Palavras-chave e Key-words; 4- Texto; 5- Bibliografia;
6- Legendas; 7- Figuras; 8- Quadros; 9- Agradecimentos e esclarecimentos.
As páginas devem ser numeradas segundo
a sequência referida atrás. No caso de haver segunda versão do trabalho, este deve também ser
enviado em formato electrónico.
Títulos e autores: Escrito na primeira página, em português e em inglês, o título deve ser o
mais conciso e explícito possível. A indicação dos
autores deve ser feita pelo nome clínico ou com
a(s) inicial(ais) do(s) primeiro(s) nome(s), seguida
do apelido e devem constar os títulos ou cargos de
todos os autores, bem como as afiliações profissionais. No fundo da página devem constar os organismos, departamentos ou serviços hospitalares ou
outros em que os autores exercem a sua actividade,
o centro onde o trabalho foi executado, os contactos
do autor responsável pela correspondência (endereço postal, endereço electrónico e telefone).
Resumo e palavras-chave: O resumo
deverá ser redigido na língua utilizada no texto e
sempre em português e em inglês. No que respeita aos artigos originais deverá compreender no
máximo 250 palavras e ser elaborado segundo o
seguinte formato: Introdução, Objectivos, Material
e Métodos, Resultados e Conclusões. Os artigos
de revisão devem ser estruturados da seguinte
forma: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento
e Conclusões. Relativamente aos casos clínicos,
não deve exceder 150 palavras e deve ser estruturado em Introdução, Caso Clínico e Discussão/
Conclusões. Abaixo do resumo deverá constar
uma lista de três a dez palavras-chave, em Português e Inglês, por ordem alfabética, que servirão
de base à indexação do artigo. Os termos devem
estar em concordância com o Medical Subject Headings (MeSH).
Texto: O texto poderá ser apresentado em
português, inglês, francês ou espanhol. Os artigos
originais devem ser elaborados com a seguinte organização: Introdução; Material e Métodos; Resultados; Discussão e Conclusões. Os artigos de revisão
devem obedecer à seguinte estrutura: Introdução,
Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Os
casos clínicos devem ser exemplares, devidamente
estudados e discutidos e conter uma breve introdução, a descrição do(s) caso(s) e uma discussão
sucinta que incluirá uma conclusão sumária. As
abreviaturas utilizadas devem ser objecto de especificação anterior. Não se aceitam abreviaturas
nos títulos dos trabalhos. Os parâmetros ou valores
medidos devem ser expressos em unidades internacionais (SI units, The SI for the Health Professions,
WHO, 1977), utilizando para tal as respectivas abreviaturas adoptadas em Portugal. Os números de 1 a
10 devem ser escritos por extenso, excepto quando
têm decimais ou se usam para unidades de medida.
Números superiores a 10 são escritos em algarismos árabes, excepto se no início da frase.
Bibliografia: As referências devem ser
classificadas e numeradas por ordem de entrada
no texto, com algarismos árabes. Os números
devem seguir a ordem do texto, e ser colocados
superiores à linha. Serão no máximo 40 para artigos originais e 15 para casos clínicos. Os autores
devem verificar se todas as referências estão conformes aos Uniform Requirements for Manuscript
submitted to biomedical journals (www.nlm.nih.
gov/bsd/uniform_requirements.html) e se utilizam
os nomes abreviados das publicações adoptadas
pelo Índex Medicus. Os autores devem consultar
a página NLM’s Citing Medicine relativamente às
recomendações de formato para os vários tipos de
referência. Seguem-se alguns exemplos:
a) Revistas: listar os primeiros seis autores,
seguidos de et al se ultrapassar 6, título
do artigo, nome da revista (utilizar as abreviaturas do Index Medicus), ano, volume e
páginas. Ex.: Haque KN, Zaidi MH SK,et al.
Intravenous Immunoglobulin for prevention
of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65.
b) Capítulos em livros: nome(s) e iniciais do(s)
autor(es) do capítulo ou da contribuição.
Nome e iniciais dos autores médicos, título
do livro, cidade e nome da casa editora, ano
de publicação, primeira e última páginas do
capítulo. Ex.: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner
BM, editors. Hypertension: pathophysiology,
diagnosis, and management. 2nd ed. New
York: Raven Press; 1995. p. 465-78.
c) Livros: Nome(s) e iniciais do(s) autor(es).
Título do livro. Número da edição. Cidade e
nome da casa editora, ano de publicação e
número de página. Ex.: Berne E. Principles
of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26.
Figuras e Quadros: Todas as ilustrações
deverão ser apresentadas em formato digital de
boa qualidade. Cada quadro e figura deverá ser numerado sequencialmente por ordem de referência
no texto, ser apresentado em página individual e
acompanhado de título e legenda explicativa quando necessário. Todas as abreviaturas ou símbolos
necessitam de legenda. Se a figura ou quadro é
cópia de uma publicação ou modificada, deve ser
mencionada a sua origem e autorização para a sua
utilização quando necessário. Fotografias ou exames complementares de doentes deverão impedir
a sua identificação devendo ser acompanhadas
pela autorização para a sua publicação dada pelo
doente ou seu responsável legal.
O total de figuras e quadros não deve ultrapassar os oito para os artigos originais e cinco para
os casos clínicos. As figuras ou quadros coloridos,
ou os que ultrapassam os números atrás referidos,
serão publicados a expensas dos autores.
Agradecimentos e esclarecimentos: Os
agradecimentos e indicação de conflito de interesses de algum dos autores ou financiamento do
estudo devem figurar na última página.
Modificações e Revisões: No caso do artigo
ser aceite mas sujeito a modificações, estas devem
ser realizadas pelos autores no prazo de quinze dias.
As provas tipográficas serão enviadas aos autores
normas de publicação
237
NASCER E CRESCER
revista do hospital de crianças maria pia
ano 2009, vol XVIII, n.º 3
em formato electrónico, contendo a indicação do prazo de revisão em função das necessidades de publicação da Revista. O não respeito do prazo desobriga
a aceitação da revisão dos autores, sendo a mesma
efectuada exclusivamente pelos serviços da Revista.
INSTRUCTIONS FOR AUTHORS
The Journal NASCER E CRESCER is addressed to all professionals of Health with interest
in the area of Maternal and Child/Adolescent Health
and publishes scientific articles related with Paediatrics, Perinatology, Childhood and Adolescence Mental Health, Bioethics and Health Care Management.
The Editorials, the articles of Homage and articles
of cultural scope are published under request of the
Direction of the journal. The Journal publishes original articles, review articles, case reports and opinion articles. The articles submitted must not have
been published previously in any form. The opinions
therein are the full responsibility of the authors. Published articles will remain the property of the Journal
and may not be reproduced, in full or in part, without
the prior consent of the editors.
Manuscripts for publication should be addressed to the editor of the journal: NASCER E
CRESCER, Hospital Maria Pia, Rua da Boavista,
827 – 4050-111 Porto, Portugal, or to
[email protected]
or
secretariado.cg.defi@hgsa.min-saude.pt
and must be accompanied by the declaration of authorship by all authors. If using postal correspondence a full digital copy of the manuscript should
also be sent.
Submitted articles should follow the instructions below, and are subject to an editorial screening process based on the opinion of at least two
anonymous reviewers. Articles may be:
- accepted with no modifications,
- accepted with corrections or modifications,
- or rejected.
Authors will always be informed of the reasons
for rejection oro f the comments of the experts.
Informed consent and approval by the
Ethics Committee: It is responsibility of the authors to guarantee the respect of the ethical and
deontological principles, as well as legislation and
norms applicable, as recommended by the Helsinki
Declaration. In research studies it is mandatory to
have the written consent of the patient and the approval of the Ethics Committee, statement of conflict of interest and financial support.
MANUSCRIPT PREPARATION
Nascer e Crescer complies with the recommendations of the International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) (Uniform requirements
for manuscripts submitted to biomedical journals.
http://www.icmje.org. Updated October 2008).
All the components of the paper, including
images must be submitted in electronic form. The
238
normas de publicação
papers must be presented as following: 1- Title in
Portuguese and English; 2- Authors; 3- Abstract in
Portuguese and English and key words; 4- Text;
5- References; 6- Legends; 7- Figures; 8- Tables;
9- Acknowledgements.
Pages should be numbered according the
above sequence. If a second version of the paper
is submitted, it should also be sent in electronic
format.
Title and Authors: The first page should
contain the title in Portuguese and English. The
title should be concise and revealing. A separate
page should contain name(s) degree(s), the authors’ professional affiliations, the name and the
contact details of the corresponding author (postal
address, electronic address and telephone), and
the name of the Institutions where the study was
performed.
Abstract and Key-words: The abstract
should be written in the same language of the text
and always in Portuguese and English, provide on
a separate page of not more than 250 words for
original papers and a 150 words for case reports.
For original papers the abstract should consist of
four paragraphs, labelled Background, Methods,
Results and Conclusions. Review articles should
obey the following: Introduction, Past landmarks
and Present developments and Conclusions. Case
report abstracts should contain an Introduction,
Case report and Discussion/Conclusions. Do not
use abbreviations. Each abstract should be followed by the proposed key-words in Portuguese
and English in alphabetical order, minimum of three
and maximum of ten. Use terms from the Medical
Subject Headings from Index Medicus (MeSH).
Text: The text may be written in Portuguese,
English, French or Spanish. The original articles
should contain the following sections: Introduction; Material and Methods; Results; Discussion
and Conclusions. The structure of review articles
should include: Introduction, Past landmarks and
Present developments and Conclusions. The case
reports should be unique cases duly studied and
discussed. They should contain: a brief Introduction, Case description and a succinct Discussion
or Conclusion. Any abbreviation used should be
spelled out the first time they are used. Abbreviations are not accepted in the titles of papers. Parameters or values measured should be expressed
in international (SI units, The SI for the Health
Professions, WHO, 1977), using the corresponding abbreviations adopted in Portugal. Numbers 1
to 10 should be written in full, except in the case
of decimals or units of measurements. Numbers
above 10 are written as figures except at the beginning of a sentence.
References: References are to be cited in the
text by Arabic numerals, and in the order in which
they are mentioned in the text. They should be limited to 40 to original papers and 15 to case reports.
The journal complies with the reference style in the
Uniform Requirements for Manuscripts Submitted
to Biomedical Journals (www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html). Abbreviate journal titles
according to the List of Journals Indexed in Index
Medicus. Authors should consult NLM’s Citing Medi-
cine for information on its recommended formats for
a variety of reference types. The following details
should be given in references to (a) journals, (b)
chapters of books by other authors, or (c) books
written or edited by the same author:
a) Journals: Names of all authors (except if there
are more than six, in which case the first three
are listed followed by “et al.”), the title of the
article, the name of the journal (using the abbreviations in Index Medicus), year, volume
and pages. Ex: Haque KN, Zaidi MH SK,et al.
Intravenous Immunoglobulin for prevention of
sepsis in preterm and low birth weight infants.
Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65
b) Chapters of books: Name(s) and initials of the
author(s) of the chapter or contribution cited.
Title and number of the chapter or contribution. Name and initials of the medical editors,
title of book, city and name of publisher, year
of publication, first and last page of the chapter. Ex: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM,
editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York:
Raven Press; 1995. p. 465-78.
c) Books: Name(s) and initials of the author(s).
Title of the book. City and name of publisher,
year of publication, page. Ex: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26.
Tables and Figures: All illustrations should
be in digital format of high quality. Each table and
figure should be numbered in sequence, in the order in which they are referenced in the text. They
should each have their own page and bear an
explanatory title and caption when necessary. All
abbreviations and symbols need a caption. If the
illustration has appeared in or has been adapted
from copyrighted material, include full credit to the
original source in the legend and provide an authorization if necessary. Any patient photograph or
complementary exam should have patients’ identities obscured and publication should have been
authorized by the patient or legal guardian.
The total number of figures or tables must
not exceed eight for original articles and five for
case reports. Figures or tables in colour, or those in
excess of the specified numbers, will be published
at the authors’ expense in the paper version
Acknowlegments: All authors are required
to disclose all potential conflicts of interest.
All financial and material support for the research and the work should be clearly and completely identified in an Acknowledgment section of
the manuscript.
Modifications and revisions: If the paper
is accepted subject to modifications, these must be
submitted within fifteen days of notification. Proof
copies will be sent to the authors in electronic form
together with an indication of the time limit for revisions, which will depend on the Journal’s publishing schedule. Failure to comply this deadline will
mean that the authors’ revisions may not be accepted, any further revisions being carried out by
the Journal’s staff.
Download

3 Vol XVIII 2009 - Revista Nascer e Crescer