Ministro Maurício Godinho defende regulamentação como saída para a crise
A crise econômica mundial dos dois últimos anos trouxe, na avaliação do ministro Maurício
Godinho Delgado, do Tribunal Superior do Trabalho, uma lição fundamental: o ideário da
desregulamentação exacerba problemas e distorções e acentua o processo de exclusão social.
“A intervenção é um bem para o capitalismo, como o remédio para o doente. O capitalismo
sem intervenção é um ser contraditório, irracional e suicida, além de assassino, porque sai
liquidando países”, afirmou o ministro na segunda-feira (19), em palestra na Escola Nacional
de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat). Para Maurício
Godinho, a maneira encontrada pelo sistema econômico para superar a crise foi justamente o
restabelecimento de mecanismos de regulação, por meio de um processo maciço de
intervenção do Estado na economia.
A palestra teve como público um grupo de 51 juízes do trabalho recém-empossados, que
participam, em Brasília, de Curso de Formação Inicial da Enamat. “O tema escolhido – O Direito
do Trabalho e a Crise Econômica Atual - não é um tema jurídico”, explicou ele aos alunosjuízes. “Tratamos propriamente dos fundamentos da existência do Direito do Trabalho,
procurando trazer o debate para o contexto da crise econômica que vivenciamos. E a crise
criou uma oportunidade excepcional de reflexão sobre as instituições, o Estado, a democracia
e o direito, particularmente os direitos sociais – entre eles o do Trabalho.”
Numa rápida linha do tempo, Godinho Delgado lembrou que o ramo jurídico trabalhista foi
resultado de um processo histórico iniciado na segunda metade do século XIX, que deu origem
a ramos jurídicos de caráter eminentemente social: o processo de democratização da
sociedade capitalista e das instituições, que garantiu a presença, na sociedade
institucionalizada, de setores sociais que não detinham poder econômico, social e cultural.
“Até então, o que se chamava de democracia era um teatro das elites, como na Grécia antiga e
nas cidades-estado medievais italianas”, ressaltou.
O Direito do Trabalho foi pioneiro, seguido do direito da seguridade social, do consumidor e
ambiental. “O Direito do Trabalho veio como um mecanismo para equalizar uma relação sócioeconômica manifestamente desigual, daí o seu caráter intervencionista”, explicou. “Seu papel
é o de fazer com que, pela norma jurídica, se alcancem condições mais favoráveis de inserção
do trabalho e do trabalhador na sociedade econômica. Foi ele quem deu forma a uma ideia até
então abstrata, a de justiça social.”
Desregulamentação e crises
Para o ministro Godinho, especialista em Direito Coletivo e mestre em Ciência Política, a
grande semelhança entre a crise atual e a de 1929 é o fato de ambas serem subsequentes a
um período de hegemonia do pensamento ultraliberal e de desregulamentação da economia –
que tinha na Justiça do Trabalho um “adversário privilegiado”. “Supunha-se que o sistema
capitalista funcionaria com tamanha perfeição que, sem intervenções, produziria um resultado
mais eficiente, inclusive quanto à distribuição de riquezas e bem-estar na sociedade”, avalia.
Maurício Godinho acredita que a história mostra que essa proposta é profundamente
excludente. “O sistema econômico é muito eficiente, do ponto de vista tecnológico e de
geração de riquezas, mas é cruel e ineficiente do ponto de vista de suas próprias necessidades
e forças, e com relação à distribuição de justiça. Praticamente todas as lições do pensamento
desregulamentador deram errado.”
O ministro destaca que a crise atual derrubou o argumento de que a desregulamentação,
verificada a partir do fim da década de 70, era uma necessidade das próprias características do
desenvolvimento do sistema capitalista da época. “Para que o sistema funcione bem, é preciso
que as pessoas participem do sistema. Só que esta proposta de gestão sem intervenção é de
exclusão – e com isso ele não se reproduz a médio e longo prazos, gerando uma série de crises
aparentemente ingovernáveis”, afirmou, lembrando que, antes dessa crise de magnitude
mundial, o sistema capitalista apresentava, a cada três ou quatro anos, uma crise que parecia
incontrolável. “A década de 90 foi um desastre, do ponto de vista econômico. Isso mostra uma
incompetência na gestão do sistema, derivada da ausência de controles externos permanentes
sobre o seu funcionamento”, avalia.
Nesse contexto, qual seria o futuro do Direito do Trabalho? “Trata-se de uma escolha”,
acredita Godinho Delgado. ”O futuro depende da sociedade, da democracia e do bom
funcionamento das instituições”, afirmou, explicando o motivo de ter começado sua exposição
não com a crise de 2007, mas com a origem dos ramos jurídicos sociais. “Creio que seu papel
continua mais vivo do que nunca. O Direito do Trabalho é fundamental para o bem-estar das
pessoas, e está provado que é fundamental para o bom funcionamento do capitalismo porque
cria o mercado interno.”
(Carmem Feijó/Enamat)
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